normativa
1 Introdução
“Paulo De Barros Carvalho, inspirado nas lições de Alfredo Augusto Becker e Geraldo
Ataliba, ao observar as propriedades eleitas pelo legislador para delimitação de hipóteses
e conseqüentes das regras instituidoras de tributo, percebeu a repetição de alguns
componentes e assim apresentou a “regra-matriz de incidência tributária”,
1
estabelecendo um esquema lógico-semântico, revelador do conteúdo normativo [...]”
Por conta disso, os autores costumam falar de norma jurídica tributária em sentido
amplo e estrito. Interessa-nos, sobremaneira, esta última, que equivale à norma de
incidência tributária, como já expusemos. Decompondo-a, Barros Carvalho estruturou a
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chamada Regra-Matriz de Incidência Tributária – RMIT.
Pode ela ser visualizada com um antecedente – onde se encontram os critérios material,
espacial e temporal –, que descreve uma hipótese tributária, e com um consequente,
que prescreve uma obrigação tributária – com os critérios pessoal e quantitativo –, com
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a seguinte estruturação:
Aqui, um aparte. Barros Carvalho utiliza a estrutura que cunhou como sinônimo da
norma de incidência tributária, e no mesmo sentido a utilizam, exemplificativamente,
Paulo Ayres Barreto, José Roberto Vieira, Octavio Campos Fischer e Aurora Tomazini De
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Carvalho.
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Da regra-matriz de incidência tributária à regra-matriz
normativa
Já no consequente (Cst) encontra-se o critério pessoal (Cp) que indica quais os sujeitos
da relação jurídica imposta, ativo e passivo (Sª . Sp); e o critério quantitativo (Cq), que
nada mais é que o objeto da conduta, formado pela base de cálculo e pela alíquota (bc .
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a1):
Segundo Aurora Tomazini De Carvalho, os três critérios da hipótese utilizados por Paulo
de Barros Carvalho configuram apenas “[...] a informação mínima necessária para a
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identificação de um fato jurídico.” Afirma a referida autora que “[...] nada impede,
porém, que o intérprete [...] selecione mais propriedades do evento [...]”, e dá o
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exemplo do fator “vontade do agente”, no campo do direito penal.
Navarro Coêlho, por exemplo, que “[...] em linhas gerais [...]” concorda com a visão de
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Barros Carvalho, calcado no uruguaio José Luiz Shaw, afirma:
Marçal Justen Filho, por sua vez, considera que, no antecedente existem os critérios
pessoal, material, temporal e espacial, e no consequente normativo, os determinantes
subjetivo e objetivo – este formado por determinantes quantitativo, espacial e temporal.
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Quanto ao critério pessoal do antecedente, aduz o seguinte:
Não se trata, repita-se, de indicação dos sujeitos da relação jurídica, mas tão-só da
completa e integral previsão teórica de uma situação fática consistente em uma conduta
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humana. Seria ilógico suprimir, de tal previsão, a indicação do sujeito da conduta.”
Também Luís César De Souza Queiroz possui entendimento de que tanto no antecedente
quanto no consequente há sempre quatro critérios: pessoal, material, temporal e
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espacial. Afirma ele, sobre o critério pessoal do antecedente, o seguinte:
“Não existe a menor possibilidade de se imaginar uma norma impositiva de imposto que
não possua um critério pessoal em seu antecedente. Repita-se, o critério pessoal do
antecedente da norma impositiva de imposto é sempre simbolizado pela descrição de um
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sujeito de direito que é titular de uma riqueza.”
A posição inicial foi defendida. Para José Roberto Vieira, encontra-se “[...] explicitamente
admitida a existência deste aspecto subjetivo do fato descrito no suposto, quando se faz
menção, no critério material, ao comportamento de pessoas, quando se requer um verbo
pessoal, e quando se repele qualquer verbo impessoal [...]”; mas, para ele, “[...] as
exceções não estabelecem a regra-matriz de incidência tributária [...]”, e diz isso com
base no único exemplo sempre citado, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
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Serviços – ICMS.
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dizer, o sujeito da conduta prevista.
Desse modo, o âmbito de validade pessoal nas normas gerais existe: ela vale,
genericamente, para todos os que praticarem o fato previsto no verbo do critério
material, – objeto da ação humana. Pode-se até ocultá-lo, para fins de simplificação de
análise, pois, como visto, em grande parte das vezes, ele não é relevante na análise da
norma de incidência tributária. Mas não negamos sua existência: em tal caso o sujeito
do antecedente será igualmente genérico e abstrato. Desse modo, como afirma Octavio
Campos Fischer, “[...] a omissão legal em relação a esse critério não implica na sua
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inexistência” [sic].
A norma geral e abstrata prevê no antecedente: “Se alguém for proprietário de imóvel
urbano no dia 1 de janeiro de cada ano no Município de Ribeirão do Pinhal”. O critério
pessoal é formado por este sujeito, “alguém”, ou “aquele que”. Pode-se até mesmo
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omitir o pronome indefinido invariável, caso em que se terá um sujeito oculto. Nesse
sentido, afirma Marçal Justen Filho: “Mas o sujeito, que a oração comporta, onde está? O
sujeito, indicado e expresso por um substantivo, é a pessoa titular da ação, estado, fato
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ou fenômeno expressados pelo predicado. Seria inexistente o sujeito?”
Mesmo em normas outras, que não tenham como hipótese uma conduta humana, mas,
quiçá, um fato da natureza, pressupondo-se que isso seja possível, o critério pessoal, do
ponto de vista lógico, existirá. A língua natural pode, nesse caso, levar-nos a equívocos,
pois, ainda que em português seja o caso de sujeito inexistente, basta recordar que, em
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diferentes línguas, o sujeito existiria, se bem que sem valor semântico.
No consequente normativo, por sua vez, também deverão estar previstos os critérios
pessoal – sujeitos da relação jurídica –, material – objeto da relação–, temporal e
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espacial. Com isso, distanciamo-nos, no pormenor, da visão de Barros Carvalho, já
exposta.
Convém aclarar que, a nosso ver e na esteira de Luís César De Souza Queiroz, o critério
material na norma tributária prevê a conduta “entregar” (critério material qualitativo)
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“determinada quantia” (critério material quantitativo). Esta última parte do critério
material é sempre formada por uma base de cálculo e uma alíquota, e equivale,
portanto, à forma pela qual o critério quantitativo é exposta por Barros Carvalho:
Pois bem. O grupo de notícias informativas que o intérprete obtém da leitura atenta dos
textos legais, e que lhe faz possível precisar, com segurança, a exata quantia devida a
título de tributo, é aquilo que chamamos de critério quantitativo do conseqüente das
normas tributárias. Há de vir sempre explícito pela conjugação de duas entidades: base
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de cálculo e alíquota [...]”.
Veja-se que nada obsta à simplificação do consequente da RMIT, com a utilização, tão
somente, de um critério quantitativo, que dá bastante objetividade à análise. No
entanto, mais uma vez verificando-se a homogeneidade sintática normativa, notamos
que outra norma qualquer, que não a tributária, pode prever algo diferente do que a
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obrigação de entrega de dinheiro, e perderia em generalidade a estrutura científica.
Entendemos, de nossa parte, que existe uma maior complexidade, em alguns tributos,
para a cálculo do valor devido, que não se limita a uma base de cálculo e alíquota
conjugados, de forma simples. Mais claramente, parece-nos que o problema se dá, em
alguns casos, na forma de apuração da própria base de cálculo, que exige maior
detalhamento. Trata-se, no entanto, de tema que merece maior aprofundamento, que
não será objeto do presente trabalho.
Luís César De Souza Queiroz assim também entende, afirmando que, se a lei for omissa,
aplicam-se os arts. 159 e 160 do CTN (LGL\1966\26), acompanhando a visão de Hugo
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De Brito Machado. Tal solução é muito interessante, e parece-nos sistematicamente
atraente, mas consideramos nosso dever anotar que, do ponto de vista
semântico-pragmático, o Supremo Tribunal Federal – STF tem entendido de forma
diversa, com base no art. 97 do CTN (LGL\1966\26), que não prevê, entre suas
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hipóteses, a data de pagamento como caso de necessária previsão em lei. Desse
modo, conquanto para o cumprimento de sua obrigação o contribuinte tenha de saber o
local e o prazo para adimplemento da obrigação, se levarmos em consideração o modo
como vem sendo interpretado o Princípio da Legalidade Tributária em nossa
jurisprudência, tais critérios poderiam estar previstos em veículo introdutor de cunho
infralegal.
Apesar de concordarmos com Octavio Campos Fischer, no sentido de que “[...] uma
coisa é a necessidade de previsão legal; outra, é a de considerar esses elementos como
integrantes da norma tributária em sentido estrito”, consideramos que, do ponto de vista
sistemático, há necessidade de previsão legal de tais critérios, que consideramos
integrantes da estrutura da norma de incidência tributária e, portanto, discordamos do
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posicionamento adotado pelo Pretório Excelso em relação ao tema.
4 Diferentes níveis normativos, a mesma regra-matriz
No campo do Direito Tributário, tem sido esse instrumental, utilizado de forma magistral,
por diversos autores, na análise de diversos tributos, como, por exemplo, o seu próprio
criador, Barros Carvalho, e mais Heleno Tôrres, Aires Barreto, José Artur Lima
Gonçalves, José Roberto Vieira, Octavio Campos Fischer, Marcelo Caron Baptista, Cíntia
Estefania Fernandes, André Parmo Folloni, Luiz Alberto Pereira Filho, Miguel Hilú Neto,
Sandra Lopez Barbon Lewis, José Antônio Fracisco e Marcello Jorge Pellegrina, Maurício
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Dalri Timm do Valle, nós mesmos, em outra obra, dentre muitos e muitos outros.
Verifica-se que a RMI tem sido utilizada, ainda que com parcimônia, para análise de
normas diversas, inclusive de outros campos do Direito. A título exemplificativo,
teríamos a análise de Barros Carvalho, acerca das normas sancionadoras; a que Eurico
Marcos Diniz de Santi fez em relação às normas da multa e da mora pelo não pagamento
de tributo, e do dever e sanção instrumentais; a que Aurora Tomazini De Carvalho fez da
norma penal; a que Miguel Horvath Junior realizou em relação à norma de benefício
previdenciário; e a análise das normas de competência tributária, levada a termo por
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Tácio Lacerda Gama.
5 Conclusão
Encerrando este singelo estudo, concluímos que a famosa criação do Professor Paulo de
Barros Carvalho, a Regra-Matriz de Incidência Tributária, pode ser transplantada, com as
adequações necessárias, para profícua utilização na análise de diversos outros tipos de
normas jurídicas – tributárias ou não.
Com isso, pode-se denominar esse instrumento, com uso ampliado, de Regra-Matriz
Normativa, o que se faz possível partindo-se da premissa da homogeneidade sintática
das normas jurídicas.
6 Referências
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Paulo: Quartier Latin, 2009.
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FERNANDES, Cintia Estefânia. IPTU: texto e contexto. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
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Da regra-matriz de incidência tributária à regra-matriz
normativa
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 23. ed. rev. atualiz. ampl. São
Paulo: Malheiros, 2003.
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Max
Limonad, 2001.
5 Paulo de Barros Carvalho, Curso..., Op. cit., p. 358-359; Direito Tributário, linguagem
e método, p. 533.
6 Paulo de Barros Carvalho, Direito Tributário, linguagem..., Op. cit., p. 532; Direito
Tributário: fundamentos..., Op. cit., p. 80; Curso..., Op. cit., p. 251; Paulo Ayres
Barreto, Imposto sobre a renda e preços de transferência, p. 61; José Roberto Vieira, A
regra-matriz de incidência do IPI, p. 70; Imposto sobre Produtos Industrializados: uma
águia garciamarquiana... Op. cit., p.172; Octavio Campos Fischer, A Contribuição ao PIS,
p. 34, 58; Aurora Tomazini de Carvalho, Curso de Teoria Geral do Direito..., op. cit., p.
361.
9 Teoria da Norma Tributária, p. 125-149; Curso..., Op. cit., p. 252-254, passim; Direito
Tributário, linguagem..., Op. cit., p. 149 e 533.
10 Paulo de Barros Carvalho, Curso..., Op. cit., p. 252-254, passim; Teoria da Norma...,
Op. cit., p. 150-180; Direito Tributário, linguagem..., Op. cit., p. 150 e 533. Coêlho
afirma que “[...] nem todos os tributos possuam alíquotas e outros tantos prescindam de
bases de cálculo. Comporta ainda [o critério quantitativo], adições e subtrações, além de
cálculos e valorações diversificadas.” [esclarecemos nos colchetes] Cf. Sacha Calmon
Navarro Coelho, Teoria Geral do Tributo..., Op. cit., p. 94. Veja-se também, na mesma
obra, p. 99-101.
14 Idem.
16 Idem, p. 92-93.
20 Idem, p. 170.
23 Teoria Pura. Do Direito, p. 13-16; Teoria Geral das Normas, p. 183-186, passim.
24 Neste sentido, vejam-se: Sacha Calmon Navarro Coelho, Teoria Geral do Tributo...,
Op. cit., p. 98; Luís Cesar Souza de Queiroz, Sujeição..., Op. cit., p. 169. Sacha Coêlho
ainda vê, no consequente, a necessidade da previsão do “como pagar”, que nos parece
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Da regra-matriz de incidência tributária à regra-matriz
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25 O exemplo é de Sacha Calmon Navarro Coelho, Teoria Geral do Tributo..., Op. cit., p.
96.
27 Sujeito oculto é aquele que não está explícito. Difere do sujeito indeterminado, que é
aquele que não é possível identificar, porque não se quer, não se pode ou não importa e
do sujeito inexistente (em orações com verbos impessoais). Veja-se: Domingos Paschoal
Cegalla, Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, p. 325-328, passim.
29 Por exemplo, no inglês, “it rains”; em alemão, “es regnet”; em francês, “il pleut”.
30 Nesse sentido: Luís Cesar Souza de Queiroz, Sujeição..., op. cit., p. 173. Marçal
Justen Filho chega à mesma conclusão, utilizando diversa nomenclatura. Cf. O Imposto
sobre serviços..., op. cit., p. 53-54. Veja-se que Tomazini de Carvalho, já visualizando a
utilização do esquema da regra-matriz para outros campos do Direito, ao invés de
“critério quantitativo”, utiliza a expressão “critério prestacional”, formado também por
um verbo mais seu complemento. Cf. Aurora Tomazini de Carvalho, Curso de Teoria
Geral do Direito..., op. cit., p. 363.
36 Luís Cesar Souza de Queiroz, Sujeição..., op. cit., p. 176 et. seq.
38 Luís Cesar Souza de Queiroz, Sujeição..., op. cit., p. 176 e ss; Hugo de Brito
Machado, Curso..., op. cit., p. 47. Veja-se também: Octavio Campos Fischer, A
Contribuição ao PIS, p. 171.
46 Paulo de Barros Carvalho, Direito Tributário, linguagem..., op. cit., p. 758-760; Eurico
Marcos Diniz de Santi, Lançamento tributário, p. 127-134; Aurora Tomazini de Carvalho,
Direito Penal Tributário: uma análise lógica, semântica e jurisprudencial, p. 90-112;
Miguel Horvarth Júnior, DireitoPrevidenciário, p. 177-295, passim; Tácio Lacerda Gama,
ContribuiçãodeIntervençãonoDomínioEconômico, p. 86-88.
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