1. Introdução
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Tipologia do contribuinte indireto:
Para tanto, será investigado o sentido máximo do entendimento sobre tributo indireto e
seus sujeitos. A tipologia do contribuinte de fato a partir da norma constitucional. A base
tributável dos tributos indiretos e a capacidade contributiva que merece ser observada
diante dos contribuintes-consumidores.
Em sentido aproximado, Luciano Amaro entende que, em uma análise jurídica, a lei é
quem define o contribuinte, logo, todo contribuinte é de direito; já em uma análise
econômica, a figura do contribuinte de fato existirá se o ônus do tributo não for
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suportado pelo contribuinte de direito. Acrescente-se, de nossa parte, que a figura do
contribuinte de fato só deve ser considerada em termos da configuração jurídica do
tributo em referência. Isto é, o ônus econômico-financeiro será transladado a partir de
uma permissão legal. Outros tipos de repercussão econômica, como a pactuada entre
particulares, não ocasiona um tributo indireto.
Ainda é importante que se diga, todo contribuinte é figura identificada pela lei e, sendo
assim, será a partir dela sempre de direito.
Não há, ao menos que se esteja a permitir uma reformulada concepção de interpretação
econômica, a consideração jurisdicional fática de um contribuinte. Quer dizer, qualquer
entendimento de uma expressão econômica como condicionante da hermenêutica
jurídica, ao alvedrio dos próprios quadros estruturais de uma exação tributária, é o
apanágio daquilo que se conheceu como interpretação econômica do fato gerador,
absolutamente contrária ao Estado Constitucional Contemporâneo.
Daí a cautela que se deve buscar em relação ao termo contribuinte de fato. Não
obstante, tem-se a convenção doutrinária de se chamar, erroneamente ao nosso sentir,
de contribuinte de fato aquele que assume o encargo tributário, sem que seja por meio
de uma representação ou substituição jurídicas, não obstante haja um seu desenho legal
na instituição da espécie tributária.
Klaus Tipke e Douglas Yamashita fazem importante consideração acerca desta chamada
enganosa distinção existente entre contribuinte de jure e contribuinte de fato. Eles
apontam o contribuinte de fato, aquele que paga o tributo destacado na nota fiscal,
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Tipologia do contribuinte indireto:
Neste espaço, estamos com Hugo de Brito Machado Segundo que considera tributo
indireto aquele que incide sobre uma operação, sendo este elemento um acréscimo em
relação ao critério comumente reconhecido – indicando-se em geral tão somente a
repercussão como o fator distintivo do tributo indireto.
Não obstante, tributo indireto não é apenas o tributo que repercute em outra pessoa,
mas que repercute através de uma operação de mercado – estabelecimento do preço do
produto ou serviço lançado na cadeia econômica até atingir seu consumidor final. Os
tributos indiretos estão relacionados a uma operação de mercado-consumo. Neste caso,
o que determina a figura de um contribuinte indireto é a elasticidade do tributo, contida
4 5
na relação entre demanda e oferta. -
Mesmo que todo tributo possa ter seu ônus financeiro repassado para terceiros, indiretos
são “aqueles que representam uma parcela do preço, e que, além disso, incidem sobre
fatos que, em última análise, consistem na revelação de capacidade contributiva por
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parte de quem adquire tais produtos e serviços, e não de quem os vende ou presta”.
“Assim, o único critério seguro para distinção entre tributos que comportam e tributos
que não comportam transferência do respectivo encargo financeiro é o critério jurídico.
Mas como se identifica este critério jurídico? Pela existência ou não de norma de
repercussão que permite expressamente ao contribuinte direto repercutir o encargo
financeiro ao contribuinte indireto. É o caso do ICMS e do IPI. Se tal norma não existe,
então trata-se de tributo que não comporta transferência do respectivo encargo
8
financeiro.”
O STJ também adota o critério da configuração jurídica dada pela lei instituidora do
tributo para caracterizá-lo como indireto. Segundo o STJ, a natureza de um tributo
indireto só pode ser jurídica, “que é determinada pela lei correspondente e não por
meras circunstâncias econômicas que podem estar, ou não, presentes sem que se
disponha de um critério seguro para saber quando se deu, e quando não se deu, aludida
10
transferência”. Veja:
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Tipologia do contribuinte indireto:
Ainda destaca Lobo Torres, citando Trzaskalik, que o contribuinte de direito pode ser
comparado a um coletor de impostos, pois que sua posição é meramente formal,
enquanto a do substituto é material, devendo ser reembolsado para que o imposto
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alheio não venha a ser pago do seu próprio bolso.
Adotando-se essa premissa de Ricardo Lobo Torres, vê-se que o contribuinte de direito é
mesmo identificado como um responsável jurídico pelo repasse, ao passo que o
contribuinte de fato é aquele que efetivamente assume o ônus do pagamento tributário.
No mais, o doutrinador usa a expressão substituto, ao que merece maior exame. Seria
identificadas a figura do contribuinte de fato com a de um substituto tributário? Ao se
referir a doutrina, em inúmeras vezes, a consumidor, estar-se-ia diante da figura de um
substituto tributário?
Justificando a existência do contribuinte de fato na relação jurídica que toma por base
imponível o consumo, sendo, portanto, o consumidor a figura típica da obrigação
tributária arquetípica, toma-se por consideração uma inversão terminológica, e de
fundamentos, para se referir ao contribuinte de fato como o contribuinte direto, e ao
contribuinte de direito, como contribuinte indireto.
que estejamos frente ao instituto da substituição tributária. Não obstante, há uma zona
cinzenta entre as referências. Se considerarmos o tratamento dado aos tributos indiretos
no art. 166 do CTN, tem-se claramente que o regramento ali indicado está a se referir
aos tributos indiretos em regime de substituição tributária. O consumidor, ator
integrante da relação jurídica dos tributos indiretos, é ainda um contribuinte de fato,
embora não seja um substituto tributário.
Neste aspecto, entende o mestre que “o tipo, não pode ser objeto de subsunção. Já o
conceito sim. Neste caso, se o legislador sentir necessidade de melhor garantir a
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segurança jurídica, deve substituir o tipo pelo conceito”.
Também não concordamos com o autor quando entende o mesmo que a tipicidade
tributária (fechada) estaria em contraposição com a legalidade tributária. Entendemos
ter havido ali uma confusão em termos de concepção das duas referências no sistema
tributário. O autor usado de um julgado do STJ para embasar seus argumentos:
“Citando julgado do STJ, Min. Laurita Vaz (publ. 09.10.2002. Apelação em Mandado de
Segurança, n. 200002010579808, em 28.08.2002, 6.ª Turma do RTF da 2.ª Região,
relatoria do Desembargador André Fontes:
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Tipologia do contribuinte indireto:
No caso, a lei que guarda correspondência com a regra matriz não poderá ficar ao
alvedrio do intérprete ponderado. Portanto, a legalidade traz a referência ao tipo, mas a
legalidade não é ponderável com o próprio tipo.
Neste ponto, e por fim, também discordamos da doutrina de José Luís Saldanha Sanches
e João Taborda da Gama, citada por Marcus Abraham em relação à legalidade tributária:
“(…) o princípio da legalidade é um dos princípios do ordenamento jurídico, mas não o
único. Deve por isso ser ponderado com princípios de sinal contrário, como o princípio da
igualdade ou do Estado de Bem-Estar, e em certos casos dar lugar à prevalência destes”.
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Em termos de tributo indireto, a doutrina usa dos tipos contribuintes de direito e de fato.
A caracterização deste último sujeito não encontra referência expressa na norma legal.
No entanto, vê-se claramente encontrar-se no contribuinte de fato uma qualidade do
tipo tributo indireto. Encontramos repetidas e sugestivas indicações constitucionais a
essa figura.
O ICMS, por exemplo, tem por tipificação a incidência sobre “operações relativas à
circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no
exterior” (art. 155, II, da CF/1988).
“(…) esta ‘determinabilidade’ da Lei Fiscal tem limites decorrentes de outros preceitos ou
princípios constitucionais que, ao interferirem com o princípio da reserva parlamentar
fiscal, de algum modo limitam o seu alcance. Ou seja, esta reserva de lei tem de ser
posta em concordância prática com os outros princípios constitucionais com que, ao
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menos prima facie, está em conflito ou colisão.”
A partir do quadro constitucional que desenha o tributo indireto, vemos dali surgir duas
figuras de sujeitos-tipos contribuintes, um habitual e outro não habitual. E sendo
reconhecidos como tais, todo o regime jurídico tributário se ergue sobre essa base. O
contribuinte de fato é reconhecido pelo direito, merecendo tratamento jurídico
adequadamente constitucional. Ele está presente na norma constitucional.
4. Base tributável: o consumo
Na formatação do ICMS, vemos que quem arca com o ônus econômico é o consumidor,
contribuinte indireto, que tem seu tributo pago conforme o destaque na nota fiscal, mas
cujo repasse é feito ao Fisco pelo contribuinte de direito. Mais apropriado chamarmos o
contribuinte de direito de contribuinte indireto, e contribuinte de fato, de contribuinte
direto – e substituído tributário, considerando a distribuição dos encargos
econômico-financeiros aqui.
Tributos que tenham por hipótese de incidência a produção e a circulação têm por
objetivo tributar o consumo, pois, e usando da lição de Flávio Couto Bernandes,
“produção e circulação são pressupostos para o consumo e um tributo será sobre o
consumo, mesmo quando incida sobre aquelas etapas do processo produtivo, se
desenhado para afetar deveras o consumidor final, conforme a capacidade econômica
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deste”.
Por outras palavras, e também usando do magistério de Amílcar de Araújo Falcão, “em
sua essência, substância ou consistência é o fato gerador um fato econômico, ao qual o
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direito empresta relevo jurídico”. A base tributável de um fato gerador que se constrói
sobre “operações de circulação de mercadoria” traz em sua essência o fato econômico da
tributação da renda-consumo.
Neste aspecto, estamos com Klaus Tipke e Douglas Yamashita, para quem indiretamente
o bem tributável (ou pressuposto de fato) do ICMS é o consumo final. Ao que os autores
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distinguem o fato gerador do bem tributável de tributação do ICMS.
A hipótese de incidência, por seu turno, pode não se identificar em absoluto com o bem
tributável, mas pode corresponder a uma faceta deste. São exemplos de casos em que a
coincidência dos institutos se opera o imposto sobre a propriedade urbana (patrimônio).
E a dissociação é clara em termos de imposto sobre a circulação de mercadorias (
consumo).
Klaus Tipke e Douglas Yamashita entendem que o fato gerador seria o bem tributável
juridicamente normatizado. Assim, “o objeto do imposto seria o ‘bem tributável’ com o
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conteúdo e a amplitude determinados pela realização da hipótese de incidência”.
Os autores ainda discernem que essa apontada distinção entre bem tributável e objeto
tributável não tem o condão de desconsiderar todos os fatos geradores realizáveis na
tributação dos impostos sobre consumo, mas que são antecedentes ao consumo final.
Todas as operações realizadas e descritas como fato gerador são cernes da relação
jurídico-material tributária, não podendo ser tidas por relações acessórias, tomando-se
por referência o consumo final. Apontam eles que “o consumo final, pressuposto de fato
do ICMS, consiste apenas na finalidade jurídica perseguida pela norma tributária, e
deverá orientar sua interpretação teleológica”. Assim, cada fator gerador antecedente é
um “pré-requisito essencial para a realização da finalidade última de incidência indireta
35
sobre o consumo final”.
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Tipologia do contribuinte indireto:
O que se observa em termos de tributo sobre o consumo é o que foi muito bem
caracterizado por Rafaela Braga Ribeiro e Alessandra Machado Brandão Teixeira como
anestesia fiscal, quer dizer, tem-se com o fenômeno típico na tributação indireta da
repercussão do ônus da incidência para o consumidor uma ausência de consciência do
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seu papel de contribuinte.
Esse dado também é reforçado pela possibilidade de inclusão do ICMS em sua própria
base de cálculo. A base tributável deste tributo indireto possibilita o cálculo por dentro
deste imposto. Obviamente, há uma discussão constitucional, que passa pelo crivo dos
princípios da não cumulatividade e da capacidade contributiva, que toma como uma
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Tipologia do contribuinte indireto:
invalidade o lógica do cálculo por dentro permitido por lei para o ICMS.
Há ali indicada viabilização jurídica da operação indica uma facilitação da técnica em prol
do desenho legal construído, mas não se está a analisar corretamente o que a lógica
constitucional dos princípios tributários da não cumulatividade e da capacidade
contributiva estão a indicar.
Uma análise constitucional muito propícia feita por Klaus Tipke e Douglas Yamashita diz
respeito à norma do inc. IX do § 2.º do art. 155 da CF/1988, que diz que em relação ao
ICMS, “não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do Imposto sobre
Produtos Industrializados, quando a operação, realizada entre contribuinte e relativa a
produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos
dois impostos”. Segundo os doutrinadores se há uma vedação expressa em relação ao
IPI que o impede de ser parte integrante da base de cálculo do ICMS, naturalmente que
o ICMS não está contido nesta sua própria base também.
“Se é certo que o dispositivo constitucional não menciona o ICMS, também é igualmente
certo que o legislador constituinte expressa aí uma valoração muito clara: a de que
impostos, como o IPI, não podem compor a base de cálculo do ICMS. Ora, se tanto o
ICMS como o IPI são igualmente impostos e igualmente não espelham um consumo
final, então ambos não deveriam compor a base de cálculo do ICMS. Trata-se de
coerência valorativa exigida pelo princípio da igualdade (art. 5.º, caput, e 150, II, da
41
CF/1988).”
Outra base argumentativa trazida pelos mesmos referenciais teóricos está contida na
previsão do art. 150, § 5.º, da CF/1988 que prevê que “a lei determinará medidas para
que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre
mercadorias e serviços”. Argumentam os autores que:
“Ao dispor que ‘integra a base de cálculo do imposto (ICMS) o montante do próprio
imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle’, o art.
13, § 1.º, I, da Lei Complementar 87/1996, ao invés de esclarecer os consumidores
acerca dos impostos que incidem sobre mercadorias e serviços (art. 150, § 5.º, da
CF/1988), ilude-os com a impressão de que pagam 18% sobre seu consumo quando, na
verdade, pagam 21,34% sobre seu consumo (18% sobre 118% de suas compras ou
contratações). Portanto, por sua oposição ao art. 150, § 5.º, da Lei Fundamental de
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1988, o art. 13, § 1.º, I, da Lei Complementar 87/1996 é inconstitucional.”
O exame dos tributos indiretos também perpassa pelos fundamentos constitucionais dos
princípios instituidores do Estado Fiscal, ao qual se pretende concentrar nos contornos
que lhe dão referência a capacidade contributiva.
Tem-se, neste ponto, a referência a Alfredo Augusto Becker que usou da rapport
politique como “uma relação social constitucional que consiste o Estado, que não pode
43
preexistir a ela”. O Estado Fiscal não é um dado apriorístico, mas se configura nas
bases constitucionais da tributação, em especial a dignidade humana na sua versão
fiscal – a capacidade contributiva. Ainda mais se se considerar, como muito bem
44
afirmado, que “o poder do Estado é o poder dos indivíduos que se transindividualizou”.
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Tipologia do contribuinte indireto:
Ricardo Lobo Torres ensina que Adam Smith foi o primeiro a formular a lógica do
princípio da capacidade contributiva ao teorizar que a subordinação do cidadão ao
Governo deve se fazer “na medida do possível, em proporção a sua respectiva
45
capacidade de pagar”. Obviamente, há que se considerar, em termos de reformulação
positivista, e na superação de uma ética utilitarista do tributo, muito própria da
abordagem econômica da capacidade contributiva (quanto maior a riqueza individual
menor a sua utilidade para o detentor do capital), a retomada dos valores ao centro do
discurso jurídico, também reformula o princípio da capacidade contributiva, antes muito
46
mais propício a uma formatação econômica.
Ricardo Lobo Torres também destaca que o valor justiça contido no princípio,
distanciando-se do conceito elaborado tão somente do ponto de vista econômico,
consiste no princípio fundamental da tributação materialmente justa:
A valoração jurídica apontada por Ricardo Lobo Torres leva sempre em consideração a
pessoa do consumidor e não a do contribuinte de direito nem as qualidades intrínsecas
do produto.
Em relação ao ICMS, o tributo também onera o preço final da mercadoria, ainda que se
tenha concedido isenções durante o processo de circulação. E a regra da repercussão
aponta que a carga econômica dos impostos indiretos deve repercutir sobre o
50
contribuinte de fato, sendo tributos sobre o consumo.
Ainda que com referência numa relação jurídica complexa, como a estabelecida nos
tributos indiretos que se fragmenta em atores e em fases que consideram a substituição
tributária e consumo, ainda assim, também para os tributos indiretos a carga tributária
deve ser atribuída àqueles que realizam toda a materialidade da exação tributária. Nesta
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Tipologia do contribuinte indireto:
“A observância da capacidade contributiva faz com que, primeiro, os tributos devam ser
graduados segundo a capacidade econômica. O substrato econômico na hipótese de
cada imposto é pressuposto pela própria Constituição. Sendo assim, só podem ser
tributadas as atividades relacionadas à renda, patrimônio ou consumo, que sejam
indicativas de expressão econômica. A capacidade produtiva não deve ser tributada, mas
somente a riqueza efetivamente percebida. Nesse sentido, afastam-se tanto a tributação
de rendimentos meramente nominais, decorrentes da inflação, quanto a tributação de
52
riquezas meramente prováveis por meio de ficções e presunções absolutas.”
Mais uma vez, estamos a reforçar nosso sentir que entende o tributo indireto como a
exação que toma a capacidade contributiva consumo como referência. E o aspecto
subjetivo do tributo indireto que indica o consumidor. Assim, retoma-se o acima indicado
entre a complementaridade entre bem tributável e objeto tributável.
O art. 4.º da LC 87/1996 (ICMS) destaca como contribuinte aquele que “realize, com
habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação
de mercadoria (…), ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”. A
hipótese de incidência só guarda correspondência com a capacidade contributiva se
estiver a indicar a configuração do consumo. De entendimento contrário é Roque Antonio
Carrazza, para quem conclui que:
(…) Em suma, o ICMS é devido quando ocorrem operações jurídicas que levam as
mercadorias da produção para o consumo, com fins lucrativos.
Observamos que, alcançado o consumo, o bem deixa de ser mercadoria e o ICMS não
55
pode mais ser cobrado, a menos que se reinicie o ciclo econômico (…)” (grifo nosso).
Não se percebe o fato gerador do ICMS dessa forma. Discorda-se no ponto em que a
tributação para fins de incidência do imposto identifica a operação de circulação de
mercadoria da produção para o consumo, mas que isso não significa negação da relação
de consumo como o próprio bem tributável. Destaque para a fala do Min. Ilmar Galvão
quando do exame da CPMF, nas suas manifestações sobre a capacidade contributiva
naquelas operações desprovidas de expressões econômicas. Indicava o Ministro que o
fato gerador de qualquer tributo deve corresponder a um ato ou fato de natureza
econômica, indicador de capacidade contributiva. Segundo ele:
Mutatis mutandis, em termos de tributação indireta não se pode pensar numa “operação
de circulação de mercadoria” como algo desprovido de sentido econômico, sem
correspondência ao consumo e ao consumidor final. Seria desacreditar a capacidade
contributiva que é inerente a qualquer imposto.
O Min. Ilmar Galvão também já analisou a figura do próprio consumidor no ICMS, como
aquele quem suporta a carga tributária. Tratava-se do exame histórico da substituição
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Tipologia do contribuinte indireto:
Obviamente, em toda essa relação complexa que se insere o tributo indireto, a oneração
da carga tributária também considerará a capacidade contributiva inclusive a do
consumidor, contribuinte de fato. Os sujeitos-contribuintes do tributo indireto merecem
tratamento com respeito às suas capacidades contributivas. Inclusive, em Humberto
Ávila encontramos “o dever de tratar os contribuintes ‘como iguais’”, pois que cada
cidadão tem a prerrogativa constitucional de desenvolver-se autonomamente como
pessoa, em todas as suas manifestações:
“Como somente o consumo final – aquele realizado por contribuintes indiretos – provoca
a oneração definitiva da renda, somente o consumo final – entendido como sacrifício
definitivo de renda – consiste num índice legítimo de capacidade contributiva. É por isso
que o “bem tributável” do ICMS é apenas o consumo final, ou seja, o sacrifício definitivo
59
de renda acumulada.”
Klaus Tipke e Douglas Yamashita analisam a figura do tributo indireto, agora com
referência no princípio da capacidade contributiva. E citam Fritz Neumark, para quem a
capacidade contributiva é concretizável não apenas do ponto de vista pessoal-individual,
mas também do ponto de vista objetivo-genérico. E aqui tem-se o tributo indireto.
Entendemos ser por demais limitante essa dita dicotomia em escolas hermenêuticas.
Cuida-se, em essência, do reconhecimento ou não reconhecimento dos atores da relação
tributária indireta, todos eles como sujeitos de direitos contidos na norma fundante
63
constitucional. Para Aliomar Baleeiro o ente público (na imunidade recíproca) somente
é beneficiado com a imunidade se ele for quem suportar o encargo do tributo no
exercício de suas atividades essenciais.
“[O sujeito passivo] não obstante genericamente explicitado pelo Texto Constitucional, é
de livre escolha do legislador ordinário, que, nos impostos indiretos, poderia, em
princípio, criar a figura do responsável ou mesmo, por exemplo, eleger o adquirente da
mercadoria como contribuinte de direito (…). Essa possibilidade se justificaria pelo
simples fato de que a figura do ‘adquirente’ (exceto em alguns casos, a do consumidor
final) também se inclui no conceito de ‘industrial’ ou de ‘comerciante’, de que fala a
68
Constituição.”
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Tipologia do contribuinte indireto:
Com efeito, retoma-se a ideia ontológica de imunidade para dizer que pessoas foram
poupadas da tributação, considerando um valor fundamental relacionado ao déficit de
capacidade econômica de contribuir com impostos sobre renda, patrimônio ou serviços.
No que tange aos impostos indiretos, a renda-consumo está sendo tributada, merecendo
respeito à norma imunizante também nestas situações. Em sendo atingido apenas
àquele que assume o ônus tributário, se se tratar de pessoa elencada no art. 150, VI,
deverá ser considerada imune, independentemente se classificado como contribuinte de
direito ou de fato.
O fato é que há renda não tributável sendo tributada. Havendo tributação do adquirente
em qualquer forma de imunidade, principalmente subjetiva, este suporta o encargo
financeiro do tributo, o que esgota o sentido da norma imunizante. Assim, sendo imune,
não importa se contribuinte de fato ou de direito, o beneficiado não deveria efetuar o
pagamento do tributo. A configuração contribuinte de fato como aspecto econômico (=
repercussão) de uma relação jurídica não pode ter o condão de anular mandamento
constitucional de configuração da competência tributária e de realização do princípio da
capacidade contributiva.
6. Considerações finais
O caminho aqui traçado foi no sentido de que seja reconhecida a aplicação do princípio
da capacidade contributiva em relação ao sujeito-consumidor que vê sua renda tributada
nas operações de sujeição indireta. Na formatação do ICMS, vemos que quem arca com
o ônus econômico é o consumidor, contribuinte.
A hipótese de incidência, por seu turno, pode não se identificar em absoluto com o bem
tributável, mas pode corresponder a uma faceta deste.
Como já se pontuou, acreditamos que o tratamento dado ao sujeito passivo indireto nas
relações de consumo precisa avançar um passo adiante, de modo a reconhecer sua
legitimidade na relação jurídico-tributária com maior acuidade em hermenêutica.
7. Referências bibliográficas
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 13. ed. rev. São Paulo:Saraiva, 2007.
ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2010.
BERNARDES, Flávio Couto; SOUZA, Pilar de; ELÓI, Paula Coutinho. Afinal, o que são
tributos sobre o consumo? Disponível em:
[www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=a1028301bbff33a4]. Acesso em: 10.08.2014.
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2012.
FALCÃO, Amilcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. 7. ed. São Paulo:
Noeses, 2013.
LOPES, Mauro Luís Rocha Rocha. Processo judicial tributário. 3. ed. rev., ampl. e atual.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
1 LOPES, Mauro Luís Rocha. Processo judicial tributário. 3. ed. rev. ampl. e atual. Rio de
Janeiro: Lúmen Juris, 2005. p. 269.
2 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 13. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007. p.
90.
4 Krungman Paul e Robin Wells apud MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Repetição do
tributo indireto: incoerências e contradições. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 15.
5 Ricardo Lobo Torres entende que em relação aos tributos PIS/Pasep e Cofins que
incidem sobre a receita bruta e não sobre o preço das mercadorias individualmente, são
em regra tidos por tributos diretos; exceção ocorre nas incidências monofásicas sobre
produtos do petróleo, produtos farmacêuticos etc., que, sendo não cumulativas,
repercutem sobre o consumidor final. Ver TORRES, Ricardo Lobo. O princípio da
tipicidade no direito tributário. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, n.
5.
9 Idem.
11 REsp 1121634/PR, 2.ª T., j. 15.12.2009, rel. Min. Eliana Calmon, DJe 18.12.2009.
13 Idem, p. 337.
17 “1. O ISS é espécie tributária que pode funcionar como tributo direto ou indireto, a
depender da avaliação do caso concreto. 2. Via de regra, a base de cálculo do ISS é o
preço do serviço, nos termos do art. 7.º da Lei Complementar 116/2003, hipótese em
que a exação assume a característica de tributo indireto, permitindo o repasse do
encargo financeiro ao tomador do serviço. 3. Necessidade, na hipótese dos autos, de
prova da não repercussão do encargo financeiro do tributo, nos termos do art. 166 do
CTN (…)” (STJ, AgRg no Ag 692.583/RJ, 1.ª T., j. 11.10.2005, DJ 14.11.2005, p. 205,
rep. DJ 28.11.2005, p. 208). “Exame do inteiro teor do acórdão revela que as situações
nas quais o ISS seria ‘indireto’ seriam aquelas em que sua base de cálculo é o preço do
serviço, aplicando-se o art. 166 do CTN. Entretanto, nas hipóteses em que o ISS é
cobrado em valores fixos, como ocorre com as sociedades de profissionais liberais
(Decreto-lei 406, art. 9.º, §§ 1.º e 3.º), sua natureza é ‘direta’ e o art. 166 não se
aplica, pois inexiste vinculação entre os serviços prestados e a base de cálculo do
imposto municipal, sendo impróprio cogitar-se de transferência do ônus tributário e,
consequentemente, da aplicação do art. 166 do CTN” (STJ, REsp 724.684/RJ, 2.ª T., j.
03.05.2005, v.u., DJ 01.07.2005, p. 493 apud MACHADO SEGUNDO. Op. cit., p. 18, nota
de rodapé n. 17).
19 Idem, p. 2-3.
20 Idem, p. 21.
21 Idem, p. 5.
23 Idem, p. 315.
24 Idem, p. 323-324.
25 FALCÃO, Amilcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. 7. ed. São Paulo:
Noeses, 2013. p. 40.
28 BERNARDES, Flávio Couto; SOUZA, Pilar de; ELÓI, Paula Coutinho. Afinal, o que são
tributos sobre o consumo? Disponível em:
Página 19
Tipologia do contribuinte indireto:
31 Idem, p. 107.
32 Idem, p. 109.
33 Idem, p. 110.
34 Idem, ibidem.
35 Idem, p. 111.
38 Pois bem, no acórdão repetitivo mencionado (REsp 903.94/AL), decidiu a 1.ª Seção
que “o ‘contribuinte de fato’ (in casu, distribuidora de bebida) não detém legitimidade
ativa ad causam para pleitear restituição de indébito relativo a IPI incidente sobre os
descontos incondicionais, recolhido pelo ‘contribuinte de direto’ (fabricante de bebida),
por não integra relação jurídica tributária pertinente”. Essa orientação decorreu da
interpretação, sobretudo, dos arts. 12, 123, 165 e 166 do Código Tributário Nacional,
concluindo-se que ‘o condicionamento do exercício direito subjetivo do contribuinte que
pagou tributo indevido (contribuinte de direto) à comprovação de que não procedera à
repercussão econômica do tributo ou à apresentação de autoridade do “contribuinte de
fato” (pessoa que sofreu a incidência econômica do tributo) não possui o condão de
transformar sujeito alheio à relação jurídica tributária em parte legítima nação de
repetição de indébito’ (grifo nosso). A caracterização do chamado contribuinte de fato
presta-se unicamente para impor uma condição à repetição de indébito pleiteada pelo
contribuinte direto, que repassa o ônus financeiro do tributo cujo fato gerador tenha
realizado (art. 16 do CTN), mas não concede legitimidade ad causam para os
consumidores ingressarem em juízo com vista discutir determinada relação jurídica da
qual não façam parte [grifo nosso].” (…) O Estado-concedente e a concessionária do
serviço público encontram-se lado a lado, no mesmo polo, em situação absolutamente
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Tipologia do contribuinte indireto:
42 Idem, p. 119-120.
43 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2010. p. 186.
44 Idem, p. 198.
48 Idem, p. 294.
49 Idem, p. 310-311.
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Tipologia do contribuinte indireto:
50 Idem, p. 336.
54 Idem, p. 47.
55 Idem, p. 51.
56 ADMC 2.031/F (j. 29.09.1999, rel. Min. Octávio Galloti, vencidos os Ministros Ilmar
Galvão e Marco Aurélio).
60 Idem, p. 108-109.
61 Idem, p. 108.
62 Idem, p. 305.
66 STF, RE 203.755-9/ES, 2.ª T., j. 17.09.1996, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 08.11.1996.
68 Idem.
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