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ISSN 1806-5031

CADERNOS DA

ABEM
O preceptor por ele mesmo

VOLUME 9
OUTUBRO / 2013
Copyright Associação Brasileira de Educação Médica Secretaria Executiva
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por Toda correspondência e submissão de trabalhos deverão ser
qualquer meio, sem a prévia autorização deste órgão. encaminhados à Secretaria Executiva, no endereço abaixo:
Av. Brasil, 4036 - Sala 1008 - Manguinhos | CEP: 21040-361 / Rio
Editor de Janeiro - RJ
Derly Silva Streit Tel: (21) 2260-6161 / 2573-0431 | Fax: (21) 2260-6662 | E-mail:
secretaria@abem-educmed.org.br
Conselho editorial
Profª Derly Silva Streit Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação
Profª Denise Herdy Afonso Biblioteca da Associação Brasileira de Educação Médica
Profª Lia Márcia Cruz da Silveira
Cadernos da ABEM

Normatização Associação Brasileira de Educação Médica. – Vol. 9 (outu-


Danielle Torres de Souza bro 2013) – Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação
Médica, 2013.
Revisão Gramatical
Fani Knoploch Anual
ISSN 1806-5031
Capa
I. Educação Médica. II. Associação Brasileira de Educação
Foto: Denise Herdy Afonso
Médica
Arte Final: Rafael Lima da Silva
Tiragem 1000 exemplares
Diagramação e Formatação Indexada em:
Abreu’s System Sumários de Revistas Brasileiras: Sumários.org

Impressão
Mangava Comercial Ltda.

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA ABEM


Conselho Diretor Regional Sul I
Sandro Schreiber de Oliveira (FURG/UCPEL)
Diretora Presidente - Profª. Jadete Barbosa Lampert (UFSM/ Regional Sul II
UNISC) Maria Cristina Mazzetti Subtil (UNIPLAC)
Diretor Vice-Presidente - Prof. Francisco Barbosa Neto (UERJ/
Unigranrio) Representantes dos Coordenadores Regionais
Diretor Tesoureiro - Prof. Vardeli Alves de Moraes (UFG)
Diretor Secretário - Prof. Sigisfredo Luis Brenelli (UNICAMP) Discente Titular do curso graduação
Diretora Executiva - Profª Derly Silva Streit (FMP) Gabriel Martins Cruz Campos (FCMMG)
Discente Suplente do curso graduação
Diretores Regionais Pauline Elias Josende (UFCSPA)
Regional Centro-Oeste Médico Residente Titular
Antonio José de Amorim (UFMT) Pedro Tadao Hamamoto Filho (UNESP)
Regional Norte Médico Residente Suplente
Neila Falcone da Silva Bomfim (UFAM) Túlio Cícero Franco Farret (PUC-RS)
Regional Nordeste ABEM
Maria Goretti Frota Ribeiro (UFC) Av. Brasil, 4036 / salas 1006 a 1008
Regional Minas Gerais Rio de Janeiro – RJ – 21040-361
Geraldo Cury (UFMG) Tel: (21)2260-6161 – 2573-0431
Regional Rio de Janeiro e Espírito Santo Fax: (21) 2260-6662
Julio César Soares Aragão (UNIFOA) Internet: www.abem-educmed.org.br
Regional São Paulo e-mail: abem@abem-educmed.org.br
Lucia Christina Iochida (UNIFESP - EPM)
RELAÇÃO DOS CENTROS
COLABORADORES E SEUS
RESPECTIVOS CAPÍTULOS

Universidade Federal do Acre Universidade Federal do Pará


Título: A importância da regulamentação da precepto- Título: Valorização da Preceptoria de Residência Médica
ria para a melhoria da qualidade dos Programas de Resi- na Região Amazônica
dência Médica na Amazônia Ocidental Universidade Federal de Pernambuco
Universidade Federal da Bahia Título: Residência Médica em Pernambuco: reflexão de
Título: Como Promover o Reconhecimento da Função de um grupo de preceptores sobre cenários e atores
Preceptor da Residência Médica? Como promover uma Universidade Federal do Rio Grande do Norte
boa formação para os nossos residentes? Estratégias de Título: Estratégias de valorização e capacitação peda-
Enfrentamento - Sínteses dos Grupos “Aprendendo a gógica do preceptor da Residência Médica
Ensinar” e “Mosaico” Universidade Federal de Roraima
Universidade Federal do Ceará Título: Desafios da Preceptoria na Residência Médica
Título: Preceptor de Residência Médica: funções, com- no Lado de Cima do Equador: Experiência em Roraima
petências e desafios. A contribuição de quem valoriza Universidade Federal doTocantins
porque percebe a importância: nós mesmos! Título: Estratégias para melhorar a logística e a forma-
Universidade Federal de Goiás ção do preceptor de Residência Médica
Título: Competências da Preceptoria na Residência Médica
Universidade Federal do Maranhão Agradecimentos:
Título: O ensino e a assistência: a valorização e reco- Ao Telessaúde UERJ que disponibilizou para a ABEM,
nhecimento da preceptoria na Residência Médica do gratuitamente, não só sua plataforma que sustentou o
Maranhão Ambiente Virtual de Aprendizagem para todos os cursos,
Universidade Federal de Mato Grosso mas também, toda equipe de gerenciamento da mesma.
Título: Integração do ensino no serviço e comunidade: E aos queridos artistas, palhaços, professores do Grupo
do curso para preceptores de Residência Médica da Roda Gigante que com alegria e sensibilidade nos en-
ABEM até a valorização da preceptoria no estado de sinaram que a emoção e a criatividade conectadas a
Mato Grosso razão nos torna melhores pessoas, nosso agradecimento
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e admiração.
Título: Motivação e Comprometimento: Fatores que
contribuem para efetivo processo ensino-aprendizagem
na Residência Médica

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 3


APRESENTAÇÃO

É com muita satisfação que apresentamos o resultado de Sabidamente, a qualidade de um programa de residên-
mais uma iniciativa exitosa de nossa Associação Brasileira cia médica está diretamente relacionada à qualidade de
de Educação Médica. sua preceptoria, e a SGTES viu nesta proposta da ABEM
Num momento tão conturbado da formação e da as- uma oportunidade de contribuir para a qualificação dos
sistência médica em nosso país, a produção que ora se PRM do Pró-Residência. Assim, em dezembro de 2010, a
apresenta se configura como um raio de luz e esperança Diretoria da ABEM é convidada a discutir a possibilidade
em meio a uma forte tempestade. de adequar a proposta do projeto a preceptores de resi-
Tradicionalmente, em seus 50 anos de existência, a dência médica, em especial aos do Pró-Residência.
ABEM investiu esforços e recursos em ações e propos- Diante do novo desafio, novas estratégias se fizeram
tas para a qualificação da formação médica mais direta- necessárias: convidamos as professoras Denise Herdy
mente relacionadas aos cursos de graduação em Medici- Afonso da UERJ e Lia Marcia Cruz da Silveira da UFRJ
na. Nos últimos três anos, a Associação vem se que construíram o novo desenho de curso. Assim, em
envolvendo, sistematicamente, no movimento de qualifi- agosto de 2011, iniciamos a nova proposta, denominada
cação da residência médica. de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a
A proposta de construção de um projeto da ABEM Prática da Preceptoria na Residência Médica. A propos-
voltado para a capacitação/desenvolvimento da precep- ta, abaixo descrita, proporcionou a construção dos co-
toria foi idealizada e construída pelo professor João Jose nhecimentos e intervenções apresentados nos doze ca-
Néves Marins, durante o ano de 2010, quando ocupava pítulos que compõem esta publicação.
o cargo de diretor executivo da ABEM. Essa proposta, O Projeto de Desenvolvimento de Competência Pe-
que tinha como foco a capacitação/desenvolvimento da dagógica para a Prática da Preceptoria na Residência Mé-
preceptoria para o internato em Medicina, buscou apoio dica desenvolveu-se por meio de dois cursos de aperfei-
na SGTES/MS/Opas e teve sua aprovação em outubro de çoamento na modalidade semipresencial: Formação de
2010, com prazo de dois anos para sua execução. Tutores (uma turma de 24 tutores) e Formação de Pre-
Em outubro de 2010, a atual Diretoria da ABEM assu- ceptores (24 turmas de 12 a 15 preceptores, com capa-
me a gestão da Associação e recebe a feliz incumbência citação de 320 preceptores de residência médica). Os
de executar o referido projeto. Nessa ocasião, a SGTES/ cursos foram desenvolvidos em parceria com 12 univer-
MS estava implementando o Pró-Residência, com ex- sidades federais, em locais estratégicos das regiões Nor-
pressiva ampliação de programas de residência médica te, Nordeste e Centro-Oeste, que se constituíram como
no País. Centros Colaboradores do Projeto.

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Os cursos tiveram como princípios orientadores as Todos aqueles que um dia acordaram preceptores
Diretrizes do SUS e as Diretrizes Curriculares Nacionais hoje não se sentirão mais solitários! Esperamos que a
para o curso de graduação em Medicina, tendo como contribuição de cada palavra, fruto da reflexão e semen-
base uma concepção pedagógica problematizadora, que te de novos tempos, traga a identidade daqueles que en-
enfatizava a aprendizagem na ação e a Educação de sinam em serviço.
Adultos. Foram estruturados em três eixos – cuidado, Com a palavra, os preceptores do Brasil...
educação e gestão do trabalho em saúde –, integrando
em seu desenvolvimento temáticas como: modelos de
EQUIPE GESTORA DO PROJETO
atenção integral, de formação profissional e de gestão
em saúde; concepções pedagógicas, planejamento edu- Conselho Diretor da ABEM
cacional; motivação e liderança; gestão do tempo e de
Diretor Presidente: Profª Jadete Barbosa Lampert
projetos; gerenciamento de conflitos; metodologias ati-
Diretor Vice-Presidente: Prof. Francisco Barbosa Neto
vas de ensino-aprendizagem; manejo de grupos; educa-
Diretor Tesoureiro : Prof. Vardeli de Moraes
ção continuada e educação permanente; princípios e
Diretor Secretário: Prof. Sigisfredo Luiz Brenelli
métodos de avaliação formativa e somativa.
Diretor Executivo : Profª Derly Silva Streit
Os 12 artigos aqui apresentados foram produzidos
pelos preceptores, sob orientação de seus tutores,
orientadores de aprendizagem e supervisores, com revi- Coordenação do projeto
são dos coordenadores do projeto. Resultaram da sínte-
Profª Denise Herdy Afonso
se de 24 turmas, agrupadas por Centro Colaborador,
Profª Derly Silva Streit
com base na identificação de problemas relacionados à
Profª Lia Márcia Cruz da Silveira
prática da preceptoria, discutidos e trabalhados, presen-
cialmente e no ambiente virtual de aprendizagem, ao
longo dos cinco meses de duração de cada curso. São
fruto da experiência de cada profissional na atividade de
preceptorar, exercitada no dia a dia dos serviços, no ofí-
cio que aprenderam a partir da própria experiência
como residente ou mirando-se no modelo de preceptor
que tiveram e na construção de uma trajetória pessoal
de preceptor – trajetória, na maioria das vezes, solitária,
intuitiva e autorreferida.

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NOSSAS PALAVRAS

O PRECEPTOR POR ELE MESMO e a grata surpresa, ao final de cada curso, de uma rede
colaborativa se formando.
Da breve história de como conhecemos as dores e as Dos problemas, construíram ações, implementaram
delícias da preceptoria do Brasil
mudanças, alavancaram processos, mobilizaram gesto-
res, conquistaram residentes, aprimoraram práticas,
“Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos
aproximaram educação de cuidado, valorizaram cada
move e que nos põe pacientemente impacientes diante
pessoa sob seus cuidados.
do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que
Aprendizado em espaço seguro, ensinamentos recí-
fazemos” Paulo Freire (Pedagogia da Autonomia)
procos com arte, generosidade, sabedoria como sinôni-
mo de realidade.
Tudo começou com o desafio de fazer em pouco tem-
E pensar que tudo começou com o desafio de fazer
po muita coisa. Eram coisas de mudança! Não poderia
em pouco tempo muita coisa. Eram coisas de mudança!
ser “mais do mesmo”. Nosso desafio, posto pela ABEM,
Não poderia ser “mais do mesmo”, exatamente como
sinalizava para o Desenvolvimento de Competências Pe-
fazem os preceptores no dia a dia da preceptoria. E as-
dagógicas de Preceptores da Residência Médica. Nosso
sim, como eles e com eles vivemos intensamente cada
caminho se alinhava com as ações recentes do Pró-Resi-
instante deste que foi, um dia, projeto e hoje se sustenta
dência e nos levava, portanto, para regiões mais distan-
tes e com menor densidade de preceptores. em cada Estado, em todo lugar onde um preceptor e seu
Em nove meses de intensa aprendizagem, mergulha- residente se encontraram para viver a ensinagem.
mos na realidade de 12 universidades federais, seus ca- Na construção deste ofício de ser preceptor, específi-
minhos e atalhos. Foram 28 encontros presenciais em co e passível de aprendizado e desenvolvimento, ficou
que conhecemos e nos encantamos com a experiência e explícita a necessidade de um referencial de competên-
o cotidiano de 346 profissionais que diariamente contri- cias que, mais do que um instrumento reservado ao es-
buem para a formação de médicos residentes, os espe- pecialista da educação, constitua um meio para os pre-
cialistas de que nosso país precisa. ceptores construírem uma identidade individual e
De seus relatos ficaram a amorosidade no ofício de coletiva.
preceptor; o orgulho de ser mesmo sem ser visto; o de- Nosso compromisso está aqui: com a palavra, os pre-
sejo que cotidianamente impulsiona a ação; a verdade de ceptores do Brasil!
tantas dificuldades que, em alguns momentos, parecia
impossível continuar; o diagnóstico do trabalho solitário Denise e Lia

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SUMÁRIO
A Importância da Regulamentação da Preceptoria para a Melhoria da Qualidade dos Programas de
Residência Médica na Amazônia Ocidental ............................................................................................14
Ângela Claudia Paixão Soares / Carlos Roberto Maiorquim / Cid Ricardo Oliveira Souza / Daniela Neves
Fernandes do Vale / Denys Eiti Fujimoto / Fátima Pessanha Fagundes / Fernanda Gama Lage Dantas / Gisele de
Souza Nogueira / Isnard Bastos Barbosa Leite Filho / Júlio Eduardo Gomes Pereira / Leuda Maria da Silva
Davalos / Leonardo Assad Lomonaco / Malena Duque da Silva Bessa / Maria da Conceição Ribeiro Simões /
Mirla Teodolina da Vila Macedo Pessanha / Rinauro Souza Santos Júnior / Rita de Cássia Alves Ferreira Silva /
Rodrigo Manoel Ferreira Carrapeiro / Rodrigo Vick Fernandes Gomes / Socorro Elizabeth Rodrigues de Souza /
Teresa Cristina Maia dos Santos / Rodrigo Silveira /Thor Dantas / Rosângela Minardi Mitre Cotta / Lia Márcia
Cruz da Silveira

Como Promover o Reconhecimento da Função de Preceptor da Residência Médica? Como


Promover uma Boa Formação para os Nossos Residentes? Estratégias de Enfrentamento –
Sínteses dos Grupos Aprendendo a Ensinar e Mosaico .........................................................................24
Adriana Mattos Viana / Aécio Mendes Santos / Alex Guedes / Claudilson Bastos / Daniel Sales Portela / Dina
Lucia Ribeiro Daltro / Hans Walter Ferreira Greve / Karyne Freitas Barbosa / Lara de Araújo Torreão / Lilia
Maria Caldas Embiruçu / Magnólia Magalhães de Carvalho / Marcos Silva Araujo / Maria de Lourdes Lima de
Souza e Silva / Marlene de Sá Martins da Costa Carvalho / Patricia Ribeiro Brito / Paulo Maciel Fernandes Filho /
Thereza Christina Valois Montarroyos / Rosângela Carvalho de Melo / Thiago de Carvalho Milet / Vera Lúcia
Rodrigues Lobo / Maria Ermecilia Almeida Melo / Jorge Carvalho Guedes / Regina Helena Mennin / Lia Márcia
Cruz da Silveira

Preceptor de Residência Médica: Funções, Competências e Desafios. A Contribuição de Quem


Valoriza porque Percebe a Importância: Nós Mesmos! .........................................................................32
Alessandra Bentes / Alvaro Jorge Madeiro Leite / Ana Paula Dias Rangel Montenegro / Bernardo Rodrigues de
Paiva Júnior / Cláudia Regina Fernandes / Daniela Chiesa / Erico Antonio Gomes de Arruda / Eveline Campos
Monteiro de Castro / Fernando Antonio Siqueira Pinheiro / Francisco Daniel de Sousa / Francisco das Chagas
Medeiros / José Milton de Castro Lima / Josenilia Maria Alves Gomes / Manoel Oliveira Filho / Marco Tulio
Aguiar Mourão Ribeiro / Marta Maria das Chagas Medeiros / Mylene Arrais dos Santos / Ricardo Coelho Reis /
Ricardo Maria Nobre Othon Sidou / Tania Maria Sousa Araujo Santos / Valéria Góes F. Pinheiro / Zenilda
Vieira Bruno/ Maria Helena Senger e Rosiane Diniz/ Paulo Marcondes Carvalho Junior/ Denise Herdy Afonso

Competências da Preceptoria na Residência Médica .............................................................................40


Alex Caetano dos Santos/ Alexandre Vieira Santos Moraes / Ana Carolina Arantes Coutinho Costa / Beatriz Lins
Galvão de Lima / Carlos Alberto Lisboa Vieira /Carolina Dias de Araújo e Silva / Daniela Pultrini Pereira de
Oliveira Viggiano / Gelcio Sisteroli de Carvalho / Gilberto de Matos Filho / Gisele Rodrigues Fonseca / Isabela
Ghetti Macedo Isaac /Jane Eyre Miranda Leaet Vieira / Jerusa Marielle Nunes Seabra de Oliveira / Joaquim
Ferreira Godoy Neto / Jorge de Azevedo Mattos Júnior / Letícia Leão Tuma Damaceno / Maja de Medeiros /
Maria Bárbara Franco Gomes / Maria de Fátima do Nascimento Silva Delfino / Miriam Lage de O. Rodrigues
Castilho / Paulo Roberto Maranhas Meyer / Ricardo Curado de Oliveira e Silva / Samir Pereira / Valeria Soares
Pigozzi Veloso / Alessandra de Carla Almeida / Alexandre de Almeida Lima / Paulo Emiliano Bezerra Junior /
Rômulo Alzuguir Montijo / Viviane Cristina Uliana Pertele /Alessandra Vitorino Naghettini / Luciana Branco da
Motta / Roberto Zonato Esteves / Denise Herdy Afonso

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O Ensino e a Assistência: Valorização e Reconhecimento da Preceptoria na Residência Médica do
Maranhão................................................................................................................................................47
Dalva Lobato Miranda / Erika Krogh / Janne Eyre F. Brito da Costa / Jorge Antonio Meireles Teixeira / José
Domingos Soares Miranda / José Lauletta Neto / José Pereira Guará / Keila Regina Santos Cruz / Márcia da Silva
Sousa / Maria José da Silva de Souza / Maria Regina de Mello / Martinha Elisa da Silva Matos / Marynéa do Vale
Nunes / Mauritonio Rodrigues Barbosa / Patrícia Franco Marques / Roberta Borges Correia de Albuquerque /
Rosimarie Morais Salazar / Roxana Desterro e Silva Cunha / Waston Gonçalves Ribeiro /Maria Teresa Seabra
Soares de Britto e Alves / Daniela Sobrino / Vera Lúcia Garcia / Lia Márcia Cruz da Silveira

Integração do Ensino no Serviço e Comunidade: do Curso para Preceptores de Residência Médica


da ABEM à Valorização da Preceptoria no Estado de Mato Grosso .....................................................54
Ana Maria Coelho Bezerra Martins /Anderson Cunha / Carine Jara da Silva Cardoso / Carla L. Preza Borges /
Fabrícia Campos / Daise Amaral Torres / Egon Neis / Eliana Maria Siqueira de Carvalho / Jair Giampani Júnior /
João Félix Dias / José Alberto Dias / Luciana Graziela de Oliveira Boiça / Maria Helena Bragança / Marisa
Nishitani Dias / Nicolau Ávila Cruz / Pedro Luis reis Crotti / Renata Silvia da Silva Amoroso Luque / Sandra
Coenga de Souza / Simary Laura de Almeida / Ademir Lopes Junior / Reinaldo Gaspar da Mota / Luisa Fogarolli
de Carvalho / Denise Herdy Afonso

Motivação e Comprometimento: Fatores que Contribuem para um Efetivo Processo Ensino-


Aprendizagem na Residência Médica .....................................................................................................61
Aby Jaine da Cruz Montes Moura / Alessandra Kohatsu Shimabuco / Alex Bortotto Garcia / Ana Christina
Wanderley Xavier Giacomini / Andressa Mateus da Cunha / Antonio Marinho Falcão Neto / Cláudia Emília Lang
/ Delcio Gonçalves da Silva Junior / Ernesto Antonio Figueiró Filho / Estanislaa Petrona Yarzon Ortiz / Hussem
Khalil Fares / João Americo Domingos / Joaquim Dias da Mota Longo / José Roberto Barcos Martinez / Luiz
Armando Pereira Patusco / Maria José Martins Maldonado / Marta Driemeier / Mauricio Antonio Pompilio /
Newton Ishikawa / Paulo Saburo Ito / Priscilla Alexandrino de Oliveira / Rosana Dorsa Vieira Pontes Regis /
Rosana Leite de Melo / Wilson Ayach / Carlos Eduardo BuenoII/ Magali SanchesIII / Oscarina Ezequiel / Roberto
Zonato Esteves / Denise Herdy Afonso

Valorização da Preceptoria de Residência Médica na Região Amazônica ...............................................69


Claudete Martins de Lima / Claudia Regina Dias Siqueira / Francisco Assis de Souza Almeida / Gleide Elane
Braga Ferreira / Juliana Lasmar Ayres do Amaral / Marlucia do Nascimento Nobre / Osmarina Nascimento Pires
/ Paulo Delgado Leão / Redson Ruy da Silva / Renata Maria Coutinho Alves / Rudival Faial de Moraes Junior /
Silvia Helena Cavalcante de Sousa / Simone Regina Souza da Silva Conde / Suely Maria de Miranda Araújo /
Tania de Fátima D’Almeida Costa / Vilma Francisca Hutim Gondim de Souza / Wilson de Oliveira Filho / Zilma
Nazaré de Souza Pimentel / Ronaldo Costa Monteiro / Sylvia Maria Porto Pereira / Vera Lúcia Garcia / Lia
Márcia Cruz da Silveira

Residência Médica em Pernambuco: reflexões de um grupo de preceptores sobre cenários e


atores .....................................................................................................................................................77
Ana Paula Tavares Cavalcanti de Souza / Eduardo Sampaio Siqueira / Gisele Fernandes / Isabel Brandão Correia
/ José Guido Corrêa de Araújo Júnior / Lara Ximenes Santos / Luciana Cordeiro / Luciano Calheiros de Moraes
Guerra / Lucy Vieira da Silva Lima / Marcos Vinícius Ribeiro dos Santos / Rodrigo Pinheiro Silveira / Roseane
Santos da Silva / Tereza Rebecca de Melo e Lima / Ana Cláudia Santos Chazan / Vitor Hugo Lima Barreto /
Rosangela Minardi Mitre Cotta / Lia Márcia Cruz da Silveira
Estratégias de Valorização e Capacitação Pedagógica do Preceptor da Residência Médica ...................87
Ana Célia Costa De Carvalho / Ana Cristina Santiago Vale / André Siqueira Abrantes / Claudio Orestes Britto
Filho / Clécio de Oliveira Godeiro Júnior / Eduardo Dantas Baptista de Faria / Eliane Pereira da Silva / Elza Maria
Fernandes Seabra de Melo / Eugênio França do Rêgo / Francisco Américo Micussi / Hadmila Rodrigues Melo /
Irami Araujo Filho / Julio Cesar Vieira de Sousa / Kátia Cristina Araújo Nascimento de Oliveira / Larissa Morais
da Costa /Lyane Ramalho Cortez / Maria da Guia Medeiros Garcia / Nestor Rodrigues de Oliveira Neto /
Rodrigo Trigueiro Morais de Paiva / Rosângela Maria Morais da Costa / Tásia de Albuquerque Falcão Feitosa /
José Diniz Junior/ George Dantas de Azevedo/ Rosiane Viana Zuza Diniz/ Luisa Fogarolli de Carvalho/ Denise
Herdy Afonso

Desafios da Preceptoria na Residência Médica no Lado de Cima do Equador: Experiência em


Roraima .................................................................................................................................................95
Glaucia de Oliveira / Denise Moreth / Altamir Ribeiro / Cassandra Loureiro / Hugo Alberto Sayan / Jeovane
Soares / Jordania de Souza / Marcia Marques / Mareny Damasceno / Maria Catia / Maria Soledade / Rutiene
Maria Mesquita / Stella Maris Martins / Tao Machado / Valeria Cristina Nascimento / Amon Machado / Bruno
Leitão / Cristiane Greca / Debora Maia / Gustavo Ubirajara / Ida Perea / Jucineide Vieira / Daniela Pimenta /
Maria Viviane Vasconcelos / Mauro Asato / Regina Helena Mennin / Lia Márcia Cruz da Silveira

Estratégias para Melhorar a Logística e a Formação do Preceptor de Residência Médica ...................101


Adriana Edelves Trindade Martins Carvalho / Ana Mackartney de Souza Marinho / Andrea Silva do Amaral /
Ediane Figueira Aguiar Cótica / Erika Gonçalves Afonso Maués / Gecilda Régia Ramalho Vale Cavalcante / Helio
Hermenegildo Marques Maués / Henrique Barsanulfo Furtado / Itágores Hoffman / Lopes Sousa Coutinho /
Itágores Hoffman Lopes Sousa Coutinho / Ivani Mendes de Oliveira Alves / Larissa Nascimento Marques /
Luciana Martins dos Reis / Luciano de Castro Teixeira / Mabel Coelho Portela de Melo / Maria Regina Pinto
Komka / Mauricio Thomas Kawai Costa / Michelle de Jesus Pantoja Filgueira / Miriam Goreth Kzan Pereira
Macedo / Nadja Duarte Oliveira de Sousa Chiavini / Olívia Maria Veloso Costa Coutinho / Patricia Bastos
Amorim / Pedro Manuel Gonzalez Cuellar / Rita de Cássia Vieira Coutinho Mendes / Valdir Francisco Odorizzi /
Rebeca Garcia de Paula / Edson Arpini Miguel / Paulo Marcondes Carvalho Júnior / Denise Herdy Afonso /
Leonardo Baldaçara
Universidade Federal do Acre
A inportância da regulamentação da preceptoria para a melhoria da qualidade dos Programas de Residência na Amazônia Ocidental.
A Importância da Regulamentação da
Preceptoria para a Melhoria da Qualidade
dos Programas de Residência Médica na
Amazônia Ocidental
Ângela Claudia Paixão SoaresI / Carlos Roberto MaiorquimI / Cid Ricardo Oliveira SouzaI /
Daniela Neves Fernandes do ValeI / Denys Eiti FujimotoI / Fátima Pessanha FagundesI /
Fernanda Gama Lage DantasI / Gisele de Souza NogueiraI / Isnard Bastos Barbosa Leite
FilhoI / Júlio Eduardo Gomes PereiraI / Leuda Maria da Silva DavalosI / Leonardo Assad
LomonacoI / Malena Duque da Silva BessaI / Maria da Conceição Ribeiro SimõesI / Mirla
Teodolina da Vila Macedo PessanhaI / Rinauro Souza Santos JúniorI / Rita de Cássia Alves
Ferreira SilvaI / Rodrigo Manoel Ferreira CarrapeiroI / Rodrigo Vick Fernandes GomesI /
Socorro Elizabeth Rodrigues de SouzaI / Teresa Cristina Maia dos SantosI / Rodrigo
SilveiraII /Thor DantasII/ Rosângela Minardi Mitre CottaIII/ Lia Márcia Cruz da SilveiraIV

Palavras-chave: Preceptoria. Residência Médica. Regulamentação de Organismos de


Política.

RESUMO Único de Saúde. Apesar disso, ainda não existe uma regu-
lamentação que pudesse solidificar essa prática dentro do
O objetivo do artigo é debater e apontar respostas para a sistema, permanecendo fragilizada a relação entre insti-
questão de aprendizagem: Como regulamentar o exercício tuição de ensino e profissionais da rede. Durante o curso,
da preceptoria? A mesma foi construída pelos preceptores os dois grupos de trabalho (“Preceptor? Sô Mermo!” e Ava-
que participaram do Curso de Desenvolvimento de nós) debateram e construíram coletivamente textos que
Competência Pedagógica para a Preceptoria de Residên- abordaram aspectos relacionados à questão e caminhos
cia Médica, promovido pela Associação Brasileira de Edu- para respondê-la, o que está expresso nas duas sínteses
cação Médica, nos Estados de Acre e Rondônia. A prática coletivas presentes no texto. Com isso, busca-se contri-
da preceptoria já é raealizada desde o início dos progra- buir para o processo de consolidação da prática da pre-
mas de residência e vem ganhando importância no ensino ceptoria como constituínte importante do fortalecimento
de graduação com a expansão dos cenários de ensino- do SUS na região da Amazônia ocidental.
-aprendizagem para os serviços que constituem o Sistema

I Preceptores de Residência Médica do Estado do Acre e Rondônia


II Tutores do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
III Orientadora de Aprendizagem do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
IV Supervisora do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.

14 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Ângela Claudia Paixão Soares et. al.

INTRODUÇÃO houve expansão significativa dos programas na Região


Norte, alcançando atualmente quase todos os Estados.
A Medicina, desde tempos remotos, é uma atividade Nos Estados do Acre e Rondônia, que compõem a
cujo ensino-aprendizado depende de forte componente chamada Amazônia Ocidental, a criação dos Programas
prático, através de observação e exercício supervisiona- de Residência Médica (PRMs) é fato recente. No Acre,
do. O treinamento em serviço nasce, portanto, junto os primeiros PRMs foram implantados em 1999 e 2000,
com o ensino médico, assim como, por conseguinte, a nas cinco grandes áreas (Pediatria, Ginecologia-Obste-
figura do preceptor. O papel de um profissional mais ex- trícia, Clínica Médica, Medicina de Família e Comunida-
periente, responsável pela formação de jovens aprendi- de, e Cirurgia Geral). Posteriormente, houve implanta-
zes, ensinando conhecimentos e auxiliando no desen- ção de novos programas, como Ortopedia e Infectologia.
volvimento de atitudes e habilidades, servindo muitas Com o lançamento do Pró-Residência, houve ampliação
vezes como exemplo ou modelo profissional, por sinal, para áreas como Cardiologia, Anestesiologia, Neonato-
vai muito além da Medicina e remonta ao ensino-apren- logia, Radioterapia, e Cancerologia Clínica. Atualmente,
dizado dos mais diversos ofícios de importância para a são 42 vagas para o primeiro ano de residência no Esta-
sociedade. do, com a atuação de 141 preceptores. Em Rondônia, a
O treinamento em serviço articula ensino e aprendi- implantação dos PRMs pelo Governo do Estado foi ainda
zado de forma coesa, e a residência médica é, portanto, mais recente, tendo ocorrido em 2006, com os progra-
consagrada como a melhor forma de inserção de profis- mas de Ginecologia-Obstetrícia e Pediatria. Em 2007,
sionais médicos na vida profissional, sob supervisão e houve ampliação para as áreas de Ortopedia, Clínica
como modelo de capacitação para uma especialidade. Médica e Infectologia. O programa Pró-Residência pro-
Nela os aprendizes aprofundam conhecimentos e me- porcionou a implantação do segundo programa de Gine-
lhoram atitudes e habilidades, desenvolvendo compe- cologia-Obstetrícia no Estado, na Maternidade Mãe Es-
tências específicas para um melhor cuidado1. perança.
Com o recente processo de transformação na educa- Considerando a importância da residência médica
ção médica no Brasil, principalmente com a ampliação para a sociedade em geral e o Sistema de Saúde em par-
dos cenários de aprendizagem e aproximação com o co- ticular, seria de supor que a atividade de preceptoria e o
tidiano do Sistema Único de Saúde (SUS)², a prática da papel do preceptor, essenciais à execução de um Progra-
preceptoria se tornou central no desenvolvimento de ma de Residência Médica, estivessem mais solidamente
competências na formação médica. definidos em norma. No entanto, não é o que se obser-
Apesar de ser uma nova perspectiva para o ensino de va. Embora haja farta normatização quanto ao funciona-
graduação, a preceptoria já é uma prática bastante de- mento geral dos Programas de Residência Médica, com-
senvolvida no âmbito da residência médica. No Brasil, posição e atribuições da Comissão Nacional de Residência
temos vivenciado uma ampliação em larga escala das va- Médica, direitos e deveres do médico residente, o mes-
gas de residência médica, principalmente em programas mo não ocorre com a figura do preceptor de residência
e locais estratégicos, numa tentativa de equalizar tanto médica, ficando, neste aspecto, em geral, apenas nos re-
as especialidades médicas quanto as desigualdades regio- quisitos mínimos exigidos para a atividade5-9.
nais existentes. A maior expressão desse fato se encon- Um dos grandes desafios para o sucesso das ações de
tra no Programa Pró-Residência, lançado recentemente incentivo à residência médica é a qualidade da precepto-
pelo Ministério da Saúde³. ria, que depende não somente dos conhecimentos, ati-
Da mesma forma que na distribuição de médicos e tudes e habilidades dos preceptores, mas também de
escolas médicas no Brasil, há grandes desigualdades en- sua capacidade de mediação para o aprendizado. Na
tre as regiões do País no que se refere a vagas de resi- tentativa de enfrentar esse desafio, a Associação Brasi-
dência médica, estando a maioria concentrada no Sudes- leira de Educação Médica (ABEM), em parceria com o
te, principalmente no eixo Rio–São Paulo4. Embora a Ministério da Saúde e Organização Pan-Americana de
regulamentação dos programas no Brasil tenha sido con- Saúde (Opas), implementou, em 2012, o Curso de De-
cretizada em 1981, somente nos últimos 15 anos é que senvolvimento de Competência Pedagógica para a Pre-

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A Importância da Regulamentação da Preceptoria

ceptoria de Residência Médica (DCPPP), abrangendo os cia no modelo de função representam comportamentos
Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. que podem ser modificados e habilidades que podem ser
Na Região Norte, um dos Centros Colaboradores sele- adquiridas, nossos dados sugerem que, com o conselho
cionados foi a Universidade Federal do Acre (CCUFAC). certo, o treinamento e o ambiente, mais médicos assis-
Após extenso e produtivo processo de discussão nos tentes poderiam tornar-se excelentes modelos [...] e
grupos de trabalho realizados de maneira independente, quem serviu como preceptor em ambulatórios por meio
foi escolhido o mesmo problema: a não regulamentação dia ou mais por semana era mais propenso a ser identifi-
do exercício da preceptoria nos Programas de Residência cado como excelente modelo.
Médica. Este foi apontado como um dos principais pro-
blemas atuais dessa prática, capaz de condicionar diver- Na análise da literatura e de documentos encontram-
sos outros, mais específicos. O presente trabalho teve -se diretrizes de regulamentação dos programas de resi-
por objetivo debater e apontar respostas para a questão dência médica existentes, recomendações sobre a aber-
de aprendizagem: Como regulamentar o exercício da pre- tura de novos programas e sobre as atribuições dos
ceptoria? Para isso, apresenta a base da síntese coletiva médicos residentes. Porém pouca coisa se discute sobre
dos dois grupos de trabalho do DCPPP – Preceptor?? Sô o exercício da preceptoria médica. Como menciona
mermo! e Avanós –, que abordam o processo de trabalho Wuillaume11 (p. 5):
dos grupos, a importância da regulamentação e as con-
cepções mais gerais que regem o processo de precepto- O exercício da preceptoria, a partir da supervisão da prá-
ria, modelos de regulamentação e os caminhos para sua tica, mostrou-se como estratégia principal do processo
concretização. de ensino da medicina. A atividade de mediação exige do
preceptor conhecimento, sensibilidade, bom senso, cria-
tividade e improvisação. Implica ainda, em compreensão
Síntese coletiva do grupo preceptor?? Sô
da dinâmica do processo de ensino-aprendizagem a par-
mermo!
tir da prática, das especificidades que caracterizam o
Desde o século passado, aproximadamente a partir dos trabalho médico e das transformações do mundo do tra-
anos 1950, vem acontecendo um debate sobre a asso- balho.
ciação entre o médico praticante e o aprendiz de medi-
cina, relação que já era frequente no século XIX. As O preceptor deve extrair das situações complexas e
questões principais versavam sobre o que a escola médi- contraditórias de seu exercício profissional diário a pos-
ca esperava do preceptor, qual seria o tempo ideal de sibilidade de superar obstáculos e construir alternativas
contato entre esses atores, como ficaria a expectativa do de solução. Exercer estratégia educativa que favoreça
paciente sobre esse terceiro participante na relação e uma atitude reflexiva e emancipadora. O preceptor deve
como ficariam as relações financeiras entre o médico, o ter a capacidade de integrar os conceitos e valores da
aprendiz e a escola médica. escola e do trabalho, ajudando o profissional em forma-
Wright et al.10 (p.1992), em um artigo especial publi- ção a desenvolver estratégias factíveis para resolver os
cado no New England Journal of Medicine, concluíram problemas cotidianos da atenção à saúde12. Supervisio-
que: nar e orientar no processo de decisão em questões éti-
cas e morais da profissão. Pela natureza e extensão das
[...] médicos assistentes que gastam quantidades subs- relações desenvolvidas entre os preceptores e os novos
tanciais de tempo com os aprendizes, aqueles que tive- profissionais, o preceptor pode ter, além da função de
ram formação no ensino e aqueles que constroem um ensinar, as de aconselhar, inspirar e influenciar no desen-
relacionamento positivo com os pacientes e demonstram volvimento dos menos experientes. Muitas vezes, os
aos aprendizes a importância de uma abordagem abran- preceptores servem de modelo para o desenvolvimento
gente para o tratamento de pacientes são mais susceptí- e crescimento pessoal dos recém-graduados e, ainda,
veis de ser reconhecidos como excelentes modelos [...] auxiliam na formação ética dos novos profissionais du-
uma vez que muitos dos atributos associados à excelên- rante determinado período de tempo, funções típicas de

16 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Ângela Claudia Paixão Soares et. al.

um mentor. A descrição de preceptor feita por Morrow co compromisso, interesse e participação dos precepto-
(citado por Bain13) o coloca como uma pessoa que ensi- res no PRM; individualismo; desestímulo e passividade
na, aconselha e inspira, serve de modelo e apoia o cres- do residente; problemas de gestão do trabalho: pou-
cimento e desenvolvimento de um indivíduo por uma ca carga horária destinada à preceptoria; tempo escasso
quantidade de tempo fixa e limitada, com o propósito para discussão com o residente; demanda assistencial
específico de socializar o noviço em seu novo papel. elevada; acúmulo de funções; baixa remuneração e au-
Para que se identifique o papel de cada um, ressaltam- sência de regulamentação para o exercício da precepto-
-se a seguir algumas definições14: ria; problemas ligados ao processo de ensino-
– Preceptor: responsável pelo ensino direto, tanto na -aprendizagem: pouco conhecimento ou vivência com
teoria quanto na prática, à beira do leito, em hospitais, pedagogia e didática; baixa habilidade técnica de alguns
ambulatórios, etc. Deve servir de modelo, inspirador, preceptores; pouco incentivo à atualização e educação
também do ponto de vista ético; continuada, e inexistência de padronização de condutas/
– Supervisor: responsável também por avaliar o protocolos nas unidades de saúde.
aprendizado do residente, tanto individual quanto coleti- Embora sejam diversos os problemas listados, o gru-
vamente (todo o grupo). No Brasil, o identificamos, na po chegou à conclusão de que a inexistência de uma re-
prática, como o coordenador do grupo de residência gulamentação consistente se encontra na base da maio-
médica. Deve também motivar e inspirar os residentes e ria deles, sendo um importante nó crítico que deve ser
preceptores; enfrentado para fortalecer essa prática.
– Tutor: responsável por mostrar o caminho que o
residente deve seguir, como e onde estudar. Atua como
Proposta de artigos e itens para a
facilitador do conhecimento. Mais presente no ambiente
regulamentação
acadêmico;
– Mentor: responsável pela ajuda e orientação pessoal Com base nos conceitos e preocupações manifestados
fora do ambiente hospitalar, não tem a responsabilidade acima, propõe-se uma série de artigos e itens importan-
de avaliar, apenas ajudar e orientar nas decisões de vida tes para constar na regulamentação da preceptoria, de-
em geral do residente. vendo-se considerar três premissas básicas que regem
Estes nomes/títulos são utilizados de diferentes for- sua prática. O preceptor: (1) é o profissional que atua
mas em diversos países e muitas vezes se confundem em dentro do ambiente de trabalho e de formação, estrita-
nossa vida diária. Porém, na maioria dos serviços em mente na área e no momento da prática clínica; (2) tem
nosso meio, estão presentes mais ativamente as figuras a função primordial de desenvolver habilidades clínicas e
do preceptor e do supervisor de PRM, sendo o precep- avaliar o profissional em formação; (3) sua função deve
tor o médico que passa grande parte do tempo acompa- ser ressaltada e seus atributos devem ser motivo de dis-
nhando os médicos residentes, orientando e auxiliando cussão e de reflexão no sentido de atender às necessida-
em todas as suas atividades. des e anseios dos internos e residentes.
Ao preceptor deve-se oferecer a oportunidade da Artigos para a regulamentação:
construção pedagógica e didática, dando-lhe uma base
fundamentada para aplicar suas competências e habili- –Artigo I – Que o exercício da preceptoria deverá ser
dades. concedido de acordo com as seguintes atribuições:
Por ser uma prática com mais visibilidade recente, a I. Profissionais de saúde com curso de graduação e
preceptoria no Brasil ainda passa por uma série de pro- mínimo de três anos de experiência ou titulação
blemas, que abrangem questões relacionadas ao traba- acadêmica de especialização ou de residência na
lho cotidiano e a sua valorização, ou falta de, pela gestão área específica; e/ou
do Sistema de Saúde. No debate realizado pelo grupo de II. Docentes do Plano de Carreira e Cargo de Ma-
preceptores do Acre e Rondônia participantes do gistério Superior Federal. Os critérios de conces-
DCPPP, foram identificados problemas que podem ser são e os limites da gratificação de que trata este
divididos em três categorias: problemas afetivos: pou- artigo serão fixados em regulamento.

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A Importância da Regulamentação da Preceptoria

–Artigo II – Das obrigações dos Serviços da área médica IV. Participar de encontros para atualização e de ofi-
com preceptoria: cinas para a elaboração de protocolos em sua
I. Oferecer aos preceptores programas de capaci- área de especialidade;
tação pedagógica e didática em parceria com a V. Acompanhar o desenvolvimento de competên-
ABEM e sociedades de especialidades, com cro- cias dos residentes médicos e/ou discentes dos
nogramas preestabelecidos e como atividade cursos de graduação a ele vinculados;
obrigatória, de acordo com o nível do preceptor VI. Realizar as avaliações de desempenho dos resi-
(especialista, mestre, doutor), dando a oportuni- dentes médicos e/ou discentes dos cursos de
dade de progressão no exercício da docência- graduação da área da saúde sob sua responsabili-
-clínica (preceptor, tutor, Programa Faimer Bra- dade, previstas no projeto pedagógico do curso
sil); ou programa do avaliado;
II. Cursos de atualização dentro das especialidades, VII. Apurar a frequência dos residentes médicos e/ou
mediante um programa de educação médica discentes dos cursos de graduação sob sua res-
continuada em parceria com universidades fede- ponsabilidade, conforme procedimentos e nor-
rais e centros de pesquisas; mas estabelecidos pela instituição;
III. Financiamento de inscrições em congressos bra- VIII. Atuar nos termos das diretrizes dos projetos pe-
sileiros de acordo com a especialidade, liberando dagógicos dos cursos de graduação e do Regi-
o profissional de sua carga horária para este fim; mento Interno do Programa de Residência Médi-
IV. Assinatura de revistas científicas por meio de ca da instituição.
parcerias com as sociedades;
V. Uma bolsa ou salário mensal de valor atrativo,
Caminhos para a regulamentação
para que os preceptores reservem realmente de-
terminadas horas por semana para se dedicar à Além de identificar os aspectos ligados à regulamenta-
atividade. Estas horas poderiam ser utilizadas no ção, é importante vislumbrar como esse processo deve
preparo de aulas/atividades didáticas, visitas aca- acontecer, ou seja, que passos são necessários até que se
dêmicas, preparação e correção de provas e su- concretize a regulamentação. A identificação desse ca-
pervisão de atividades práticas. O valor desta re- minho deve considerar os atores envolvidos e a governa-
muneração é difícil de ser determinado, mas bilidade das ações, numa perspectiva realista de sua de-
deveria ser no mínimo igual e preferencialmente finição.
um pouco superior ao valor da hora trabalhada O papel das Comissões de Residência Médica (Core-
como médico assistencial. me) e das Comissões Estaduais de Residência Médica
(Cereme) como instâncias locais é fundamental nesse
–Artigo III – Das competências: processo. Nas reuniões e ações desenvolvidas por am-
Compete ao profissional preceptor: bos os colegiados, deve-se debater a questão da regula-
I. Responder pela assistência ao treinamento su- mentação com o objetivo de dar legitimidade e consis-
pervisionado das atividades de residência médi- tência a esse movimento. Os preceptores participantes
ca, internato e/ou estágio curricular, segundo sua do DCPPP podem pautar as comissões para que esse
área de especialidade; assunto seja adequadamente debatido e para que pos-
II. Responsabilizar-se pelos residentes médicos e/ sam, inclusive, criar fóruns ou grupos de trabalho que
ou corresponsabilizar-se pelos discentes em es- elaborem propostas de regulamentação.
tágios ou atividades curriculares na instituição a As Secretarias Estaduais e Municipais são as principais
que esteja vinculado; instâncias gestoras para negociação de regulamentações
III. Participar de capacitações pedagógicas, reuniões de âmbito local e devem ser acessadas para que as bases
de educação permanente, atividades de desen- do exercício da preceptoria sejam acordadas.
volvimento profissional contínuo e de planeja- As propostas construídas e negociadas devem ser le-
mento; vadas para debate na Comissão Nacional de Residência

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Ângela Claudia Paixão Soares et. al.

Médica (CNRM). Para isso, devem se identificar os par- de trabalho, o que resulta na dificuldade de dedicar aten-
ceiros necessários dentre os participantes desta que ção individualizada aos residentes. É relatada falta de
possam defender o debate sobre a regulamentação e tempo para estudar, planejar aula e analisar tarefas dos
coordenar o processo de trabalho nesta comissão para a residentes. Muitas vezes, essas atividades são realizadas
construção de resoluções específicas sobre o tema. em horários inadequados, resultando em cansaço e so-
Por fim, é importante que os ministérios da Saúde e nolência; a qualificação dos preceptores deixa a desejar
da Educação atuem articuladamente conforme as reso- em relação às habilidades técnicas e pedagógicas, não
luções da CNRM e as bases locais negociadas no âmbito havendo preparo para o ensino e para a busca de conhe-
das Secretarias de Saúde, que podem ser capitaneadas cimento (aprender a aprender). Há dificuldades em
pelos órgãos representativos (Conass e Conasems). identificar as necessidades e qualidades de cada residen-
te, impossibilitando que o preceptor otimize as qualida-
des e corrija possíveis defeitos e vícios do residente; al-
Síntese coletiva do grupo AVANÓS
guns preceptores são desinteressados, desestimulados
Seguindo a metodologia ativa e a perspectiva de educa- ou descompromissados com o serviço e com o PRM.
ção crítico-reflexiva, utilizando a abordagem da proble- Essas características, bem como os múltiplos vínculos,
matização15 proposta pelo Curso de Desenvolvimento dificultam a participação dos preceptores em atividades
de Competência Pedagógica para a Preceptoria ou decisões do PRM. Há dificuldades na comunicação
(DCPPP), o grupo identificou e classificou os principais entre os preceptores, resultando em pouca interação
problemas relacionados à prática da preceptoria, descri- entre eles. Alguns programas têm poucos preceptores;
tos a seguir. há dificuldades na relação entre preceptores e residen-
tes em alguns aspectos, como: autoridade, capacidade
de impor limites e chamar a atenção do residente, ex-
Problemas ligados à organização da Unidade
cesso de zelo, saber lidar com as adversidades, na ma-
ou Serviço
neira de se expressar. Não há também uma padroniza-
Espaço e estrutura física inadequados ao exercício da ção de punições aos residentes em caso de condutas
preceptoria, tanto nas unidades hospitalares, quanto nas inadequadas.
ambulatoriais, havendo falta de equipamentos necessá-
rios, exames e medicações; há dificuldade de integração
Problemas ligados às dificuldades dos residentes
entre as especialidades, com pouco compromisso entre
profissionais de diferentes áreas para fortalecimento de Alguns residentes trabalham em outras atividades fora
determinado PRM, resultando em falta de apoio e difi- do PRM, principalmente em plantões. Esse fato pode di-
culdade nas opiniões de outros especialistas; há pouco minuir o vínculo com o PRM, havendo falta de interesse
entrosamento entre os profissionais não preceptores, dos residentes com dificuldade no cumprimento de tare-
mesmo que da mesma especialidade, com os precepto- fas e no estudo aprofundado; os residentes costumam
res (é pequeno o conhecimento sobre o funcionamento reclamar em relação à carga horária e às atividades, sen-
do PRM e há dificuldades na atualização dos não precep- do pouco flexíveis quanto à realidade de cada serviço.
tores); não há padronização de condutas médicas, sendo Há ainda preocupação com a possibilidade de explora-
estas diversificadas e às vezes conflitantes num mesmo ção do residente pelos profissionais do serviço em seu
serviço. Além disso, alguns preceptores têm atitudes ambiente de seu trabalho.
que não condizem com os princípios éticos da medicina.
Problemas ligados à gestão
Problemas ligados às dificuldades dos
Não há valorização e reconhecimento da figura do pre-
preceptores
ceptor dentro da instituição pública, resultando em falta
Há problemas na disponibilidade de tempo para precep- de incentivo e remuneração inadequada para o exercício
toria e para conciliar a prática com as outras atividades de suas funções; não há regulamentação da prática da

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A Importância da Regulamentação da Preceptoria

preceptoria, com definição dos direitos e deveres do condicionando sua permanência na atividade a um bom
preceptor e normas referentes a questões como carga desempenho nessa avaliação.
horária, vínculos, dedicação, atribuições e modalidades Não apenas a permanência na atividade de precepto-
de avaliação. ria deveria ser motivo de avaliação, mas também, ante-
A partir deste momento, os preceptores identifica- riormente a ela, o próprio ingresso na atividade poderia
ram consensualmente que o “problema raiz” – aquele ser normatizado, criando-se critérios claros para a sele-
que se relaciona com todos os outros e que, uma vez ção de profissionais candidatos a exercê-la.
sanado, contribuiria de forma decisiva para a solução – Como parte do processo de regulamentação da pre-
também de todos os outros é: “Não há regulamentação ceptoria, identificaram-se como necessárias também as
do exercício da preceptoria”. Desta forma, a questão de iniciativas de valorização do preceptor, com o estabeleci-
aprendizagem e de trabalho do grupo foi assim definida: mento de estratégias de incentivos, que poderiam incluir:
“Como regulamentar o exercício da preceptoria?”. diminuição da carga horária assistencial para dedicação à
residência médica; remuneração adequada e condizente
com a importância da atividade; viabilização de meios
Tentativa de solução do problema
para o incentivo à participação em atividades de educa-
O grupo iniciou sua tentativa de resposta à pergunta- ção médica continuada, como congressos e cursos de
-problema – a regulamentação da atividade de precepto- atualização/capacitação; acesso a uma boa biblioteca físi-
ria – refletindo sobre as qualidades necessárias ao exer- ca ou eletrônica (livros, periódicos, base de dados, etc.).
cício dessa função. Em suma, um processo de regulamentação da atividade
Identificou que dentre as competências essenciais de de preceptoria deveria, em princípio, incluir, dentre outras,
um preceptor devem estar os conhecimentos, as atitu- políticas voltadas à criação de condições dignas de trabalho
des e habilidades para uma atividade clínica eficiente e para os profissionais de saúde envolvidos nesta atividade;
ética; a capacidade de transmitir esses conhecimentos e observação das especificidades da atividade de formação
contribuir para o desenvolvimento dessas atitudes e ha- em serviço, em contraponto apenas com a atividade da as-
bilidades, tendo compromisso com a aprendizagem e sistência; institucionalização de formação pedagógica ampla
reconhecendo-se como educador; a capacidade de auxi- para estes profissionais, com educação continuada e, espe-
liar no desenvolvimento de um pensamento crítico e da cialmente, permanente; mecanismos de recompensa, in-
autonomia para condução dos casos; a capacidade de cluindo remuneração justa e carga horária adequada; crité-
manter os residentes estimulados continuamente; e a rios de seleção e permanência na atividade de preceptoria.
capacidade de perceber e reconhecer as potencialidades A regulamentação da atividade de preceptoria poderia,
e fraquezas de cada profissional. à semelhança do estabelecimento de uma carreira, possi-
Foi identificado que o preceptor tem papéis múlti- bilitar uma hierarquização do profissional preceptor de
plos, como os de professor, formador, orientador, con- acordo com seu grau de especialização na atividade de en-
selheiro, inspirador. Muitas vezes, os preceptores ser- sino e seu desempenho como educador, levando-se em
vem de modelo para o desenvolvimento e crescimento conta sua exposição a atividades de desenvolvimento do-
pessoal e profissional dos recém-graduados, tendo, por cente, bem como tempo e experiência na atividade. Cate-
isso, papel central no desenvolvimento atitudinal de for- gorias de profissionais, como, por exemplo, “preceptor
ma geral e na formação ética em particular. Algumas des- júnior” e “preceptor sênior” ou preceptores “nível 1, 2,
sas funções em muito se assemelham às funções típicas 3...”, poderiam ser construídas, com consequentes remu-
de um mentor e se confundem com elas, tendo, assim, nerações diferenciadas, e a progressão através destas ca-
papel fundamental na formação do aluno16,14,17. tegorias, a exemplo de um plano de carreira, ficaria condi-
Em princípio, as competências mínimas exigidas pela cionada ao desempenho individual e ao alcance de metas.
CNRM são necessárias, mas insuficientes. É preciso ir Alguns Estados buscam valorizar e/ou reconhecer a
além, incluindo o detalhamento das múltiplas competên- atuação do médico preceptor em seus quadros com leis
cias elencadas acima e, o que é muito importante, um no âmbito estadual, a exemplo de São Paulo, Bahia Acre
processo de avaliação permanente dos preceptores, e Rondônia:

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Ângela Claudia Paixão Soares et. al.

– São Paulo: o Decreto nº 57.865, de 13 de março de ção profissional; e os Conselhos de Fiscalização do exer-
2012, define a atividade de preceptoria, o papel do pre- cício das profissões22.
ceptor e dispõe sobre quantificação e critérios para con- Um processo de regulamentação nacional, com base
cessão da gratificação de preceptoria18; na aprovação de uma lei, embora mais complexo, parece
– Bahia: a Lei nº 8.251, de 23 de abril de 2002, que mais sólido para a efetivação de uma carreira. Necessita
institui a Gratificação de Serviços de Infectologia, com o grande mobilização para despertar interesses, sensibili-
objetivo de compensar o exercício de atividades funcio- zar a sociedade e angariar apoios para atingir este obje-
nais em unidades especializadas, concede percentual es- tivo. A Comissão Nacional de Residência Médica
pecífico à atividade de preceptoria19; (CNRM) deve exercer papel central nesse processo, as-
– Acre: a Lei no 1.431, de 7 de janeiro de 2002, cria a sim como as demais entidades médicas, como a Associa-
gratificação de preceptoria no âmbito da Secretaria Esta- ção Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de
dual de Saúde, no valor de R$ 500,00, permitida a acu- Medicina (CFM), contribuindo com a pressão política
mulação de mais R$ 500,00 para a atividade de Supervi- necessária e emprestando legitimidade a essa luta que é
são de Programa20. pela qualidade da formação médica e, por conseguinte,
– Rondônia: a Lei Complementar nº 329, de 19 de da assistência à saúde como um todo em nosso país.
dezembro de 2005 e portarias posteriores criam os Pro-
gramas de Residência Médica no âmbito da Secretaria
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estadual de Saúde e designam carga horária para as ativi-
dades de supervisão e preceptoria na residência médica, Com base nos estudos, reflexões e discussões entre os
destinando 50% e 30% da carga horária de rotina para preceptores e tutores do DCPPP, foi possível identificar
dedicação às atividades de supervisão e preceptoria, res- as bases para o processo de regulamentação, a partir de
pectivamente, condicionados à apresentação de relató- conceitos importantes e aspectos que devem estar pre-
rio de atividades à Coordenação de Residência Médica e sentes no texto, salientando-se os caminhos a serem tri-
à Secretaria Estadual21. lhados para a sua concretização. Os achados aqui apre-
Essas iniciativas estaduais evidenciam, de um lado, sentados mostram que o enfrentamento desse desafio
o reconhecimento da necessidade de normatizar esta pode facilitar a resolução de vários problemas verifica-
importante atividade e, de outro, a heterogeneidade dos atualmente no cotidiano do processo de trabalho da
das medidas tomadas neste sentido, incluindo até preceptoria na residência médica.
mesmo a ausência de iniciativas em muito locais. Por Para que esse caminho seja percorrido com êxito, é
tudo isso é que se propõe a condução de estudos no fundamental que os preceptores se organizem em defe-
sentido de regulamentar, de forma mais abrangente e sa desta importante questão. Esse talvez seja o maior
uniforme, a atividade da preceptoria da residência desafio para o processo, pois o trabalho cotidiano é ár-
médica no País, possivelmente com normativa nacio- duo, e o tempo dos profissionais é escasso, com diversas
nal. Os exemplos dos Estados citados e dos demais incumbências profissionais e pessoais (as multitarefas a
que o fazem devem ser levados em conta, assim como que os preceptores estão expostos no dia a dia de traba-
as experiências e as especificidades de cada Estado ou lho), o que pode dificultar essa organização.
região. Não obstante, os preceptores e tutores identificaram
No Brasil, os principais organismos envolvidos na re- o papel estratégico do DCPPP, o que, por um lado, pos-
gulamentação profissional são o Congresso Nacional, sibilitou mudanças no cotidiano dos PRMs, capacitando
que cria as leis de exercício profissional e de autorização os preceptores para o uso de metodologias ativas, deslo-
para o funcionamento dos conselhos de fiscalização do cando o processo de ensino-aprendizagem para o resi-
exercício profissional; o Ministério do Trabalho, que é dente; e, por outro lado, contribuiu para construir o am-
chamado para elaborar pareceres acerca das demandas biente adequado, facilitando a concretização desta
de regulamentação do exercício profissional; o Ministé- organização, já que esta depende da integração dos pre-
rio da Educação (por meio do Conselho Nacional de ceptores em torno de questões importantes, como as
Educação), que regulamenta aspectos relativos à forma- competências pedagógicas e a regulamentação.

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A Importância da Regulamentação da Preceptoria

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do Estado de Rondônia; 20 dez 2005.
constituição da Comissão Nacional de Residência Médica.
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2012). Disponível em: http://www.ccs.uel.br/espacoparasaude/v2n1/
1998; 339(27):1986-93.
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11. Wuillaume SM. O processo ensino-aprendizagem na Residência Médi-
ca em Pediatria: uma análise. Rio de Janeiro; 2000. Doutorado [Tese]
– Fundação Oswaldo Cruz.

22 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Universidade Federal da Bahia
Como Promover o Reconhecimento da Função de Preceptor da Residência Médica? Como promover uma boa formação para os nossos
residentes? Estratégias de Enfrentamento – Sinteses dos Grupos. “Aprendendo a Ensinar” e “Mosaico”.
Como Promover o Reconhecimento da
Função de Preceptor da Residência Médica?
Como Promover uma Boa Formação para os
Nossos Residentes?
Estratégias de Enfrentamento – Sínteses dos
Grupos Aprendendo a Ensinar e Mosaico
Adriana Mattos VianaI / Aécio Mendes SantosI / Alex GuedesI / Claudilson BastosI / Daniel
Sales PortelaI / Dina Lucia Ribeiro DaltroI / Hans Walter Ferreira GreveI / Karyne Freitas
BarbosaI / Lara de Araújo TorreãoI / Lilia Maria Caldas EmbiruçuI / Magnólia Magalhães de
CarvalhoI / Marcos Silva AraujoI / Maria de Lourdes Lima de Souza e SilvaI / Marlene de Sá
Martins da Costa CarvalhoI / Patricia Ribeiro BritoI / Paulo Maciel Fernandes FilhoI /
Thereza Christina Valois MontarroyosI / Rosângela Carvalho de MeloI / Thiago de Carvalho
MiletI / Vera Lúcia Rodrigues LoboI / Maria Ermecilia Almeida MeloII / Jorge Carvalho
GuedesII / Regina Helena MenninIII / Lia Márcia Cruz da SilveiraIV

Palavras-chave: Residência Médica. Preceptoria. Educação Médica. Formação Pedagógica.

RESUMO INTRODUÇÃO
Este trabalho apresenta o resultado de um importante O presente trabalho é o resultado das reflexões de uma
debate sobre os aspectos pedagógicos, sociais e huma- turma do Curso de Desenvolvimento de Competência
nísticos da atividade de preceptoria. A literatura consul- Pedagógica para a Prática da Preceptoria na Residência
tada e o debate reforçaram a ideia de que, para a forma- Médica, promovido pela Associação Brasileira de Educa-
ção dos residentes, não basta apenas cumprir o ção Médica (ABEM), em parceria com o curso de Medi-
programa. Além de um bom programa e infraestrutura cina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), um dos
do serviço, é necessária uma boa equipe de preceptores, Centros Colaboradores do projeto. A turma, composta
reconhecida pelos gestores mediante a criação de um por 20 preceptores de programas de residência médica
plano de carreira e incentivo à educação permanente. de Salvador, foi divida em dois grupos. Cada um cons-

I Preceptores de Residência Médica do Estado da Bahia.


II Tutores do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria na Residência Médica.
III Orientadora de Aprendizagem do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria na Residência Médica.
IV Supervisora do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria na Residência Médica

24 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Adriana Mattos Viana et. al.

truiu, a partir das situações vivenciadas no dia a dia, uma ado no ambiente de trabalho. Já para Ryan-Nicholls2, o
pergunta considerada determinante para o exercício da termo é empregado para designar o professor de pe-
preceptoria, a qual se constituiu como objeto de estudo quenos grupos de alunos ou residentes, com ênfase na
do grupo. As duas perguntas desta turma foram: Como prática clínica. O preceptor deve ter a capacidade de
promover o reconhecimento da função de preceptor de re- integrar os conceitos e valores da escola e do trabalho,
sidência médica? e Como promover uma boa formação para ajudando o profissional em formação a desenvolver es-
os nossos residentes? Cada grupo buscou responder a sua tratégias e habilidades para lidar com os desafios da
pergunta por meio de pesquisa na legislação brasileira e atenção à saúde. O preceptor deve ainda aconselhar,
na literatura nacional e internacional, utilizando as se- inspirar e influenciar o desenvolvimento dos menos ex-
guintes palavras-chave: preceptor, tutor, medical resi- perientes e seu desenvolvimento pessoal e ético, ser-
dence, preceptorship, internship, preceptoria, residência vindo como modelo.
médica. Do ponto de vista do gestor, preceptor é o:
A residência médica (RM) é um modelo educacional,
em nível de pós-graduação, no qual os aprendizes apro- [...] profissional de saúde, com função de supervisão do-
fundam conhecimentos e melhoram habilidades e atitu- cente-assistencial por área específica de atuação ou de
des, desenvolvendo competências específicas para o especialidade profissional, dirigida aos profissionais de
exercício do melhor cuidado. O treinamento em serviço saúde com curso de graduação, e mínimo de três anos de
articula, de forma coesa, o ensino e a aprendizagem. experiência em área de aperfeiçoamento ou especialida-
Os programas de residência médica na Bahia inicia- de ou titulação acadêmica de especialização ou de resi-
ram-se em 1950, no Hospital Universitário Prof. Ed- dência, que exerçam atividades de organização do pro-
gard Santos, da UFBA. Hoje, abrangem os principais cesso de aprendizagem especializado e de orientação
hospitais da capital e interior, sendo a maioria vincula- técnica aos profissionais ou estudantes, respectivamente
da à Secretaria Estadual de Saúde. Os processos sele- em aperfeiçoamento, especialização, estágio ou vivência
tivos são unificados e realizados pela Cerem – Bahia. de graduação ou de extensão3 (p. 2).
As bolsas de residência são pagas pelo SUS e pelo
MEC, sendo a maioria das atividades desenvolvida em De qualquer forma, entende-se que a principal fun-
hospitais de ensino cadastrados pelo MEC, a maioria ção do preceptor é ensinar a clinicar, por meio de ins-
públicos. A atividade de preceptoria não se restringe truções formais, com objetivos e metas, aproximar a
mais ao corpo docente das faculdades de Medicina, teoria da prática, além de ser responsável por avaliações
sendo exercida por profissionais da rede que demons- formais.
tram maior interesse acadêmico, mas que, muitas ve- Não há dúvidas sobre a importância do preceptor na
zes, não passaram por qualquer processo de formação formação do médico residente. A prática da preceptoria
pedagógica. sabidamente melhora a qualidade assistencial na área de
saúde, promove o desenvolvimento profissional e reduz
a incidência de erros profissionais na assistência.
Como promover o reconhecimento da função
DeCicco4 aponta a existência de inúmeras vantagens
de preceptor de residência médica?
nos programas que possuem preceptoria, não só para os
O preceptor é fundamental no contexto da residência alunos, como para os próprios preceptores e institui-
médica. A palavra preceptor provém do latim praecipio, ções. Os preceptores facilitam a entrada bem-sucedida
que significa “mandar com império aos que lhe são infe- na profissão, reduzem o tempo necessário à autonomia
riores”, sendo inicialmente utilizada pelos mestres de discente, além de auxiliarem no desenvolvimento de ha-
ordens militares. Desde o século XVI, passou a nomi- bilidades. Nas instituições, há evidente melhoria no cui-
nar aquele que emite preceitos ou instruções. Neste dado aos pacientes.
sentido, Mills et al.1 definem que o termo designa o No entanto, a despeito do reconhecimento do valor
profissional que não é da academia e que tem impor- do preceptor, pouco se acrescentou à formalização de
tante papel na inserção e socialização do recém-gradu- sua atividade no cenário nacional, tornando este prota-

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 25


Como Promover o Reconhecimento da Função de Preceptor da Residência Médica?

gonista da formação médica um personagem sem face quisitos mínimos necessários para que uma instituição
definida no que tange a seus direitos e deveres. possa albergar um programa de RM:
Em recente publicação nacional sobre esta temática, • Existência de corpo docente formado por precep-
condensando as informações apresentadas sob a forma tores com cadastramento de titulação, carga horá-
de trabalhos nos Congressos Brasileiros de Educação ria, regime de trabalho e termo de compromisso
Médica (Cobem) de 2007 a 2009, demonstrou-se a ne- firmado com a instituição;
cessidade não só de valorização da atividade de precep- • Recursos para o pagamento das bolsas dos residen-
toria, mas também de sua normatização. O preceptor tes;
precisa ter suas atividades reconhecidas, com investi- • Atividades sistemáticas de supervisão e avaliação
mento em formação específica para o desenvolvimento do curso – credenciamento e descredenciamento,
do perfil de educador, indispensável ao desempenho da de acordo com o funcionamento do programa;
preceptoria. Ainda nesse trabalho, foram relatadas as • Corpo de preceptores e docentes treinados para a
condições que permitiriam ao preceptor obter e manter função;
educação permanente em instituições caracteristica- • Contrato firmado entre os docentes, preceptores
mente assistenciais: apoio logístico para cursos, congres- e a instituição de ensino da RM.
sos, além de cursos de metodologia de ensino e de ava-
liação do médico residente; preparo psicológico e Na prática, portanto, o que se tem é a exigência da
pedagógico, que atualmente ocorre de forma intuitiva e competência, do compromisso e da disponibilidade do
empírica; necessidade do reconhecimento oficial pela preceptor. Esta informalidade cria uma relação de traba-
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível lho que enfraquece o próprio programa de residência
Superior (Capes) para o preceptor de residência em saú- médica, deixando-o à mercê do empirismo e da boa
de, com normatização do cargo: carga horária, capacita- vontade daqueles que se dispõem a trabalhar nesta for-
ção e remuneração. mação. O preceptor não valorizado acaba por realizar
Osborn et al.5 descrevem a experiência de três pro- esta atividade nas horas vagas, dividindo-se entre a assis-
gramas de universidades americanas no recrutamento e tência e o ensino.
retenção de preceptores para o ensino médico. Para o No tocante à questão da remuneração para a ativi-
recrutamento são utilizadas diversas abordagens, desde dade de preceptoria em nosso país, há de se registrar
seleção de médicos pela própria universidade, até indi- a síntese da minuta de Projeto de Lei de 2009, que
cação de outros preceptores de médicos com perfil de “Dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreira e
ensino na comunidade. Estes critérios são semelhantes Cargos de Magistério Superior Federal; a criação da
aos encontrados em nosso meio. Ressalte-se que na Gratificação de Encargos de Atividade de Preceptoria
Bahia há a particularidade de que a seleção do preceptor – GAP e da Função de Coordenação de Cursos; e dá
se dá inicialmente para atividade assistencial; conforme outras providências”7. A GAP seria concedida aos titu-
o perfil ou disponibilidade de tempo do médico, ele po- lares de cargos da área de saúde e do Plano de Carrei-
derá ser alocado na atividade de preceptoria. Sem dúvi- ra e Cargos de Magistério Superior Federal que em
da, a retenção na atividade de preceptoria é facilitada caráter eventual exerçam o acompanhamento dos
principalmente pelo incentivo na remuneração destes programas de residência médica e multiprofissional e
profissionais. das atividades práticas do período de internato do cur-
No Brasil, vem crescendo a discussão sobre o plane- so de Medicina e do estágio curricular supervisionado
jamento, as definições e orientações quanto ao papel da em regime de internato, determinado pelas diretrizes
residência médica e dos hospitais que a sediam, dos di- curriculares nacionais dos demais cursos da área da
reitos, deveres e qualificações dos médicos residentes, saúde.
mas pouco se acrescentou ao reconhecimento formal Diante das constatações e observações pertinentes à
do papel do preceptor. literatura consultada, sugerimos propostas de enfrenta-
A CNRM, por meio do Decreto nº 7.562, de 15 de mento a curto e longo prazos para alcançar o justo reco-
setembro de 20116, estabelece, em linhas gerais, os re- nhecimento da atividade de preceptoria médica na Bahia.

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Adriana Mattos Viana et. al.

Propostas de curto prazo na legislação vigente em nosso Estado relacionados


à GAP e à Gratificação de Incentivo à Qualificação
• Incorporação imediata da Gratificação por Ativida- Profissional;
des de Preceptoria (GAP) aos salários de todos os • Buscar apoio das entidades médicas representati-
médicos funcionários da Secretaria de Saúde do vas de nosso Estado (Sindimed, Cremeb, ABM)
Estado da Bahia (Sesab) que exercem a atividade para inclusão das propostas de valorização da pre-
de preceptoria médica; ceptoria no Plano de Cargos, Carreiras e Venci-
• Reunião com as instâncias de gestão da Universida- mentos (PCCV);
de Federal da Bahia (UFBA) para normatização, • Reunião de sensibilização junto ao Conselho de
junto ao Setor de Pessoal, da atividade de precep- Secretarias Municipais de Saúde (Cosems) da
toria vinculada aos PRM, permitindo computar Bahia, que reúne os secretários municipais de Saú-
30% da carga horária destinada às atividades perti- de que participam da implantação do PCCV de
nentes como carga horária efetiva entre os profes- cada município;
sores e médicos da instituição; • Agenda de encontros envolvendo a Gestão de RH
• Cadastramento e certificação, junto às Coreme e da Sesab, a representação da Secretaria de Admi-
Cerem, de todos os profissionais que exercem efe- nistração do Estado da Bahia (Saeb) e a Escola de
tivamente a função de preceptoria, para gozo des- Saúde Pública;
ses benefícios, buscando seu apoio institucional • Pauta de encontros com os dirigentes dos hospitais
para o aperfeiçoamento pedagógico continuado, filantrópicos que dispõem de PRM, para discussão
relacionado à atividade de preceptoria em residên- e sensibilização na busca da eliminação de entraves
cia médica, especificamente; ao pleno reconhecimento das atividades de pre-
• Estabelecimento de agenda de reuniões junto aos ceptoria nestas instituições;
secretários estadual e municipal de Saúde, Sindicato • Adequação da relação de médicos residentes (MR)
dos Médicos do Estado da Bahia (Sindimed), Con- por preceptor para dois MR por preceptor com re-
selho Regional de Medicina do Estado da Bahia gime de trabalho de 20 horas semanais e 4 MR por
(Cremeb) e Associação Bahiana de Medicina (ABM) preceptor com 40 horas semanais.
para discussão sobre a qualidade da atividade de
preceptoria médica em nosso Estado e reivindica-
ções pertinentes; Como promover uma boa formação para os
• Estímulo ao aperfeiçoamento e qualificação da médicos residentes?
preceptoria na residência médica (extensão, espe- A residência médica não deve ser vista como um proces-
cialização, mestrado, doutorado, pós-doutorado, so nem de trabalho, nem de educação, isoladamente,
livre-docência). mas como treinamento sob supervisão de educadores
capacitados e experientes em sua área de atuação. A for-
Propostas de longo prazo mação teórica e a prática devem estar juntas, a fim de
evitar sobrecarga de trabalho em detrimento da aquisi-
• Atuação política no nível federal, junto aos legisla- ção de competências. O seu planejamento depende do
dores, para aprovação do projeto de lei que pro- estabelecimento de políticas e definições sobre os espe-
põe a criação da GAP, além do reconhecimento cialistas necessários para atender à demanda de popula-
acadêmico da atividade de preceptoria (inserção na ções distintas.
Capes, pontuação em concursos públicos, incenti- O modelo da residência médica atual precisa ser re-
vo sob a forma de bolsas e maior acesso às modali- pensado como um todo, incluindo a seleção dos residen-
dades de pós-graduação, cursos de aperfeiçoa- tes, o modelo de construção do conhecimento, técnicas
mento, dentre outras facilidades); pedagógicas, desenvolvimento de habilidades e atitudes,
• Divulgação entre os preceptores de residência mé- forma de avaliação e capacitação dos profissionais dedi-
dica vinculados à Sesab dos direitos já estabelecidos cados à supervisão, os preceptores.

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 27


Como Promover o Reconhecimento da Função de Preceptor da Residência Médica?

O que podemos fazer, enquanto preceptores, Condições adequadas de funcionamento das


para preparar melhor os residentes? instituições
• Manter conhecimento médico atualizado; A determinação das condições de trabalho – estruturais
• Dar exemplo de conduta ética e de atendimento e administrativas – adequadas ao desenvolvimento dos
humanizado aos pacientes; programas de residência médica está embasada juridica-
• Preparar programas de atividades que cumpram mente. As instituições se comprometem a oferecer con-
pelo menos os requisitos mínimos para a formação dições adequadas à formação do médico residente no
dos especialistas em cada área; momento do credenciamento. As Cerems devem con-
• Cobrar das instituições credenciadas as condições tribuir com as Coremes na divulgação da regulamenta-
adequadas para o atendimento aos pacientes e trei- ção do programa e auxiliar na organização e atualização
namento dos residentes; das instituições em sistema de informação a ser mantido
• Acolher bem os residentes neste momento de for- pela CNRM.
mação profissional, mostrando disponibilidade para
dar suporte às suas necessidades;
Acolhimento do médico residente
• Capacitar-se didaticamente para utilizar as diver-
sas técnicas de ensino mais apropriadas a cada A recepção do residente deve ser um momento espe-
situação; cial de acolhimento e responsabilidade da equipe de
• Verificar periodicamente se os objetivos e metas preceptores do programa e dos gestores da instituição.
propostos estão sendo alcançados; A entrada e o encerramento da residência médica de-
• Identificar as falhas e tentar corrigi-las; vem ser alvo de preocupação e interesse da instituição
• Avaliar periodicamente as competências, habilida- e dos preceptores, devendo ser organizados formal-
des e atitudes dos residentes; mente, com espaço para o congraçamento de todos os
• Elogiar, criticar e aplicar as punições quando neces- envolvidos.
sárias.
Avaliação do médico residente e do programa
Devemos ter em mente que os médicos devem ser
preparados para cuidar da população e, quando aprova- Todo processo avaliativo é complexo e dá margem a
dos ao final da residência, assume-se a responsabilidade dúvidas. Na avaliação da residência médica não poderia
de certificá-los como aptos ao exercício da especialidade ser diferente. Habilidades, raciocínio clínico, técnica,
para a qual foram treinados. ética, conhecimentos adquiridos devem ser avaliados
para se saber se foram adequadamente desenvolvidos e
permitir uma análise crítica de todo o processo de
Humanização e ética
aprendizagem. Para avaliar é necessário conhecer as
É dever do preceptor conscientizar o médico residente, competências que o médico residente deve alcançar.
por meio do exemplo e da atitude, de que não adianta Tais competências devem ser apresentadas e discutidas
ser um bom técnico se não for um bom ser humano. com esses profissionais no início do programa, e a equi-
pe de preceptores deve pactuar com eles as formas de
avaliação.
Sistematização das atividades para a
Podem ser utilizadas várias modalidades de avaliação,
residência médica
como prova escrita, oral, prática ou de desempenho por
Todo programa de residência médica deve ter uma pro- escalas de atitude. Os médicos residentes devem ser
gramação, que deve ser construída/discutida previamen- avaliados também quanto ao comportamento ético.
te pelos preceptores com base nas especificidades de Os programas, assim como os residentes, passam por
cada programa, bem como apresentada e discutida, tam- avaliações que utilizam instrumentos padronizados pelas
bém previamente, com os residentes. Coremes e CNRM.

28 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Adriana Mattos Viana et. al.

Para o pleno funcionamento do programa de residên- 6. Brasil. Decreto nº 7.562 de 15 de setembro de 2011. Dispõe sobre a
Comissão Nacional de Residência Médica e o exercício das funções de
cia médica é necessário:
regulação, supervisão e avaliação de instituições que ofertam residên-
• Conhecimento obrigatório, por todos os envolvi- cia médica e de programas de residência médica. Diário Oficial da
dos nos programas, de suas leis, diretrizes, objeti- União; Seção 1; 3.
vos e forma de funcionamento; 7. Brasil. Projeto de Lei de setembro de 2009. Dispõe sobre a estrutu-
• Engajamento dos gestores e conscientização das ração do Plano de Carreira e Cargos de Magistério Superior Fede-
ral; a criação da Gratificação de Encargos de Atividade de Precepto-
obrigações para com a residência médica e de sua
ria – GAP e da Função de Coordenação de Cursos; e dá outras
importância para a instituição e a saúde pública; providências.
• Reuniões periódicas nas instituições credenciadas,
realizadas por setores. As reuniões devem propor
melhorias em nível local;
REFERÊNCIAS CONSULTADAS
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nejamento das ações/atividades/cenários de práticas Brasília; 09 jul. 1981b.

necessários à aquisição destas competências, assim Brasil. Ministério da Saúde. HumanizaSUS: Política Nacional de Hu-
manização: a humanização como eixo norteador das práticas de aten-
como considerar os aspectos psicopedagógicos da pre-
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Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 29


Como Promover o Reconhecimento da Função de Preceptor da Residência Médica?

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30 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Universidade Federal do Ceará
Preceptor de Residência Médica: funções, competências e desafios. A contribuição de quem valoriza proque percebe a importância: nós
mesmos!
Preceptor de Residência Médica: Funções,
Competências e Desafios. A Contribuição de
Quem Valoriza porque Percebe a
Importância: Nós Mesmos!
Alessandra BentesI / Alvaro Jorge Madeiro LeiteI / Ana Paula Dias Rangel MontenegroI /
Bernardo Rodrigues de Paiva JúniorI / Cláudia Regina FernandesI / Daniela ChiesaI / Erico
Antonio Gomes de ArrudaI / Eveline Campos Monteiro de CastroI / Fernando Antonio
Siqueira PinheiroI / Francisco Daniel de SousaI / Francisco das Chagas MedeirosI / José
Milton de Castro LimaI / Josenilia Maria Alves GomesI / Manoel Oliveira FilhoI / Marco
Tulio Aguiar Mourão RibeiroI / Marta Maria das Chagas MedeirosI / Mylene Arrais dos
SantosI / Ricardo Coelho ReisI / Ricardo Maria Nobre Othon SidouI / Tania Maria Sousa
Araujo SantosI / Valéria Góes F. PinheiroI / Zenilda Vieira BrunoI/ Maria Helena Senger e
Rosiane Diniz2/ Paulo Marcondes Carvalho JuniorIII/ Denise Herdy AfonsoIV

Palavras-chave: Internato e Residência. Preceptoria. Educação Médica. Capacitação


Profissional.

RESUMO jam objeto de discussão, a relevância de seu papel na


formação médica é incontestável. São discutidos os fa-
Os principais problemas identificados na preceptoria da tores intrínsecos e extrínsecos que motivam o profis-
residência médica são a desvalorização e desmotivação sional médico para a prática da preceptoria, bem como
do preceptor e a necessidade de capacitá-lo para habili- as possíveis estratégias para valorizar a função do pre-
dades de ensino/aprendizagem. Diante disso, apresen- ceptor. Entende-se que o investimento na qualificação
ta-se uma reflexão crítica e propositiva dos preceptores de suas habilidades e atributos, especialmente no quesi-
e tutores participantes do projeto da Associação Brasi- to das competências pedagógicas, campo pouco explo-
leira de Educação Médica (ABEM) para o Desenvolvi- rado na formação dos profissionais médicos, merece
mento de Competência Pedagógica para a Prática da sistematização e continuidade, visando à melhora do
Preceptoria na Residência Médica, realizado em Forta- processo de ensino-aprendizagem e estimulando a edu-
leza (CE) no ano de 2012 (DCPPRM-CE). Ainda que o cação permanente.
conceito de preceptoria e o alcance de sua função se-

I Preceptores de Residência Médica do Estado do Ceará.


II Tutoras do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
III Orientador de Aprendizagem do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
IV Supervisora do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.

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Alessandra Bentes et. al.

INTRODUÇÃO cia Pedagógica para a Prática da Preceptoria na Residên-


cia Médica, realizado em Fortaleza (CE), no ano de 2012
A residência médica (RM) foi instituída no Brasil em (DCPPRM-CE).
1977, pelo Decreto nº 80.2811. Trata-se de pós-gra-
duação latu senso, voltada à capacitação de médicos,
no formato de curso de especialização, cuja caracte- Conceito de preceptoria
rística primordial é a formação em serviço. Desenvol- Alguns autores citam que o termo preceptor é usado
vida em instituições de saúde e sob a supervisão de para designar aquele profissional que não é da acade-
profissionais de elevada expertise técnica, a RM é con- mia e que tem importante papel na inserção e sociali-
siderada a especialização de excelência na formação zação do recém-graduado no ambiente de trabalho4.
médica. Preceptor é o professor que ensina um pequeno gru-
O Estado do Ceará oferece atualmente 300 vagas po de alunos ou residentes, com ênfase na prática clí-
para acesso direto, incluindo 16 especialidades e mais nica e no desenvolvimento de habilidades para tal prá-
148 vagas para programas com necessidade de pré- tica5. Botti6, em 2011, introduz o conceito do
-requisito, envolvendo 46 especialidades. O processo docente-clínico, que é o médico atuante e exímio
seletivo é unificado (Seleção Unificada para Residência educador, e diz que esta é a verdadeira vocação do
Médica do Estado do Ceará – Surce), sob coordena- preceptor.
ção conjunta da Coordenação dos Programas de Resi- Os profissionais que exercem preceptoria médica
dência Médica do Hospital Universitário Walter Cantí- desempenham vários papéis em momentos e contex-
dio (HUWC/UFC) e do Grupo Gestor do Processo tos diferentes. Nos programas de residência médica de
Seletivo Único para Residência Médica do Estado do hospitais ligados às universidades e faculdades de Me-
Ceará (GGS)2. dicina, os preceptores são geralmente docentes efeti-
Os 60 programas de residência vinculados à Secreta- vos. Nos hospitais não universitários, eles podem não
ria da Saúde do Estado envolveram, em 2012, um total ter vínculo com escolas médicas. Em qualquer dessas
de 436 residentes, 60 supervisores e 560 médicos pre- situações, o critério básico para a escolha de precepto-
ceptores. Nos próximos anos, o Ceará fará parte do res tem sido o nível elevado de conhecimento profis-
Programa de Expansão e Interiorização da Residência sional. Sua atuação deve ser abrangente e continua-
em Saúde da Secretaria da Saúde do Estado e da vincula- mente aprimorada.
da Escola de Saúde Pública do Ceará, prevendo a criação O preceptor deve estar capacitado para desenvol-
de cem novas vagas de residência, com fomento do pro- ver uma pluralidade de competências, tendo como ob-
grama Pró-Residência, iniciativa dos ministérios da Saúde jetivo facilitar o desenvolvimento global do residente.
e da Educação3. Entre estas competências podemos citar: capacitação
Diante de tal magnitude, da perspectiva de expansão pedagógica para o treinamento de habilidades clínicas,
e da importância dos programas de RM no Estado do estímulo ao autoaprendizado, treinamento em feedba-
Ceará, algumas questões incitam à reflexão no que diz ck e estímulo ao raciocínio clínico, utilização de instru-
respeito à atuação qualificada dos preceptores da RM, mentos de avaliação, entre outras. Sua atuação é mais
posto que representam parte absolutamente relevante efetiva no ambiente de trabalho e no momento da prá-
deste processo de formação profissional. Os principais tica clínica e ocorre por um curto período de tempo,
problemas identificados são a desvalorização e desmoti- com encontros formais que objetivam o progresso clí-
vação do preceptor médico e a necessidade de capacitá- nico do residente. Entre a pluralidade de competên-
-lo para habilidades de ensino/aprendizagem. cias desejadas, espera-se que o preceptor atue tam-
Pautando-se por estes problemas e visando a seu en- bém como supervisor (mantendo com o aluno uma
frentamento, o presente artigo apresenta a reflexão crí- relação altamente compromissada e com o objetivo
tica e propositiva dos preceptores e tutores participan- principal de desenvolver o desempenho clínico como
tes do projeto da Associação Brasileira de Educação um todo, fazendo com que o supervisionado se torne
Médica (ABEM) para o Desenvolvimento de Competên- mais efetivo em seu trabalho, avaliando também sua

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Preceptor de Residência Médica

atitude profissional), tutor (auxiliando no aprendizado Neste contexto, como não existem formas adequadas
do aluno, ensinando-o a “aprender a aprender”) e de remuneração, gratificação ou reconhecimento, os
mentor (atuando como conselheiro experiente, que preceptores não encontram estímulo/motivação para in-
estimula, inspira, cria ou orienta ideias, ações, projetos vestir de forma mais efetiva em seu papel e acabam por
e realizações)7,8. considerar que seus conhecimentos especializados não
são suficientes para exercer uma boa preceptoria, o que
O preceptor da RM na atualidade acarreta pouca procura e engajamento nos programas
de preceptoria médica. A crescente precarização dos
Na educação médica, historicamente, está presente a vínculos profissionais na área da saúde, bem como a re-
figura de um profissional experiente que acompanha e muneração insuficiente concorrem para a necessidade
orienta os médicos em formação e especialização, hoje de os profissionais atuarem em diversos empregos, o
denominado preceptor. Ele tem a função de ser a pon- que dificulta o comprometimento e a disponibilização do
te entre o médico residente, o programa de RM e o tempo necessário ao desenvolvimento de atividades pe-
serviço de saúde no qual o programa está inserido. dagógicas pelos profissionais médicos junto aos progra-
Com o papel fundamental de supervisionar a assistên- mas de RM. A falta de uma política estruturada de forma-
cia aos pacientes e desenvolver uma aprendizagem sig- ção e educação permanente para os profissionais
nificativa, em geral, não foi preparado para exercer médicos preceptores também constitui um desafio para
esta função e tampouco tem apoio e incentivo na es- a atuação junto aos residentes.
trutura vigente.
Habitualmente, são médicos assistenciais contratados
Atributos de um bom preceptor
e lotados nas unidades de saúde, carentes de formação
pedagógica em ambiente de prática clínica, que se mo- Em muitas instituições, o critério básico para a escolha
vem entre o atendimento aos pacientes e o ensino da de preceptores tem sido o nível elevado de conhecimen-
Medicina. Além disso, espera-se que ele ofereça uma to profissional. Porém, o preceptor ideal deve saber de-
orientação segura para aprimorar as habilidades técnicas sempenhar uma pluralidade de competências, tendo
dos residentes, que coloque em prática conhecimentos como função primordial desenvolver habilidades clínicas
e contribua para a formação humanística, ética e dos va- e avaliar o profissional em formação, atuando no am-
lores morais dos médicos em formação. No entanto, o biente de trabalho e de formação, estritamente no mo-
preceptor carece de uma identidade que determine cla- mento da prática clínica. Sua ação se dá por um curto
ramente seu papel no processo de ensino no rol de ativi- período de tempo, com encontros formais que objeti-
dades a desempenhar e que clarifique seus direitos e vam o progresso clínico do residente8.
deveres em relação ao programa de RM e ao gestor da Wuillaume e Batista9, em 2000, analisando o perfil dos
assistência médica. Ou seja, a atuação do preceptor ca- preceptores e os atributos considerados por eles como
rece de diretrizes e normas referentes ao perfil mínimo importantes para o exercício desta função em dois pro-
necessário, bem como às atividades a serem desempe- gramas de residência médica em Pediatria no Rio de Ja-
nhadas e aos objetivos a alcançar. neiro, descrevem que, além do domínio do conteúdo, as
Na maioria das vezes, o papel de preceptor não é qualificações mais citadas foram o exercício da tutoria, a
uma opção pessoal do professor/médico, mas uma con- ética e o humanismo, a capacidade de educação perma-
dição assumida pelo fato de trabalhar em uma institui- nente e a capacidade didática. Schultz et al.10, em 2004,
ção na qual existe um programa de RM. Em geral, a atu- investigando o comportamento dos preceptores em um
ação como preceptor acaba por demandar do médico cenário ambulatorial, concluíram que os itens mais im-
um esforço extra, na medida em que exige dele a neces- portantes avaliados pelos residentes e estudantes foram:
sidade de compatibilizar o atendimento com o ensino, estar aberto a questões, dar feedback, demonstrar entu-
tempo para estudo dos temas pertinentes ao programa siasmo ao ensinar, revisar diagnósticos diferenciais e de-
de RM e atendimento a pacientes quando há a intenção legar a responsabilidade apropriada para o cuidado com
de ensino. o paciente.

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Alessandra Bentes et. al.

De modo geral, os atributos para uma boa atuação  Facilitando a comunicação entre os preceptores e
como preceptor englobam: entre estes e os supervisores de programas, parti-
• Ter responsabilidade profissional: assiduidade, com- lhando experiências de ensino;
prometimento, disponibilidade, participação ativa e  Participando de atividades de desenvolvimento do-
pontualidade, desempenhando a função de modelo cente de treinamento em habilidades de ensino-
de atuação médica e de equilíbrio entre a vida pro- -aprendizagem e em avaliação, individualizadas se-
fissional e pessoal11; gundo as suas necessidades6;
• Ser acessível, incentivador, ter flexibilidade e esti-  Conhecendo o currículo do programa a que está
mular o residente para resolver os principais pro- vinculado, para adequação do método de ensino-
blemas de saúde, além de ter competência para -aprendizagem a cada cenário6 (um exemplo seria
formar médicos com perfil adequado às demandas o incentivo à utilização de estratégias como One-
dos principais modelos assistenciais vigentes; -Minute Preceptor Model e Snapps14 – acrônimo em
• Possuir conhecimentos técnico, teórico e prático inglês das seis etapas da estratégia, sumarize, nar-
amplos, profundos e atualizados; row, analize, probe, plan, select –, treinadas previa-
• Ter compromisso com a função, demonstrando mente em oficinas específicas, de preferência nas
disponibilidade, organização, disciplina e disposição semanas que antecedem o início das atividades de
para uma melhoria contínua do residente; novos residentes);
• Ter capacidade didática para transmissão dos co-  Sensibilizando a receber feedback dos residentes
nhecimentos e comunicar-se de maneira clara;
sobre seu desempenho, facilitando uma análise crí-
• Desenvolver boa relação com residentes, com paci-
tica sobre sua performance12;
ência, respeito, ética e, acima de tudo, ser um bom
 Programando sessões de revisão do conteúdo visto
exemplo da capacidade de relacionamento com o
pelo residente com metodologia centrada no estu-
paciente, sua família e com a equipe de saúde;
dante e prevendo tempo para que ele realize estu-
• Dominar os princípios da medicina baseada em evi-
do dirigido ao assunto que não domina de maneira
dência e do que significa a pesquisa, tanto clínica
aprofundada (a aprendizagem centrada no aluno
quando experimental;
possibilita maior eficácia no processo de transfe-
• Saber utilizar técnicas de feedback para promover o
rência do saber: da compreensão intelectual para a
desenvolvimento do residente;
prática, do lógico para o psicológico, dos conteú-
• Ter capacidade de integrar os conceitos e valores
dos para os processos, buscando a integração para
da escola e do trabalho, propiciando ao residente a
formação de cidadãos competentes e conscientes,
oportunidade de desenvolver estratégias factíveis
para resolver os problemas que surgem no dia a capazes de atuar de forma produtiva e comprome-
dia de um médico12, com visão ampliada para a tida em seus ambientes sociais e profissionais)15;
perda da ilusão da autossuficiência das ciências bio-  Exercitando habilidades tecnológicas na perspecti-
médicas. va de aprendizagem contínua11;
 Refletindo sobre a prática do ensino em cenários
clínicos, que representam locais de vivência, expe-
Como desenvolver habilidades que capacitem riência e, consequentemente, de aprendizagem
os preceptores para o processo ensino- significativa16;
aprendizagem de residentes nos diferentes  Estimulando o comportamento favorável ao proces-
cenários de prática?
so de ensino-aprendizagem: estar aberto a questões,
 Definindo expectativas, inserindo experiências, dar feedback, demonstrar entusiasmo ao ensinar, re-
avaliando resultados e melhorando todo o ambien- visar diagnósticos diferenciais, delegar responsabili-
te de ensino para que os alunos percebam o com- dades apropriadas para o cuidado com o paciente12.
portamento profissional articulado em todo o sis- Estes tópicos estão representados no mapa concei-
tema em que eles trabalham e aprendem13; tual apresentado na Figura 1.

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Preceptor de Residência Médica

Figura 1
Mapa conceitual para o desenvolvimento de habilidades que capacitem os preceptores para o processo ensino-aprendizagem de residentes

Que fatores motivam o profissional médico nhecimento e ao pensamento reflexivo, a avaliação da


para o desempenho da função de própria prática e a participação no crescimento e desen-
preceptoria? volvimento de novos profissionais também podem ser
considerados fatores motivadores intrínsecos17,18.
Fatores motivadores intrínsecos
Fatores motivadores extrínsecos
A consciência da importância do papel do preceptor para
a formação médica e do processo ensino-aprendizagem- Aqui estão incluídos: remuneração diferenciada e van-
-avaliação em que há troca e consolidação da aprendiza- tagens educacionais, acesso a refeições no local de tra-
gem para ambas as partes – residente e preceptor – cer- balho, acesso a periódicos e bibliotecas, isenção de taxas
tamente motiva e valoriza a atuação do preceptor em de matrícula em cursos/congressos, obtenção de cartas
seu ambiente de trabalho. O desejo renovado de apren- de recomendação, além de oportunidades para partici-
der como resultado da interação com alunos, o reconhe- pação em conferências. As recompensas precisam ser
cimento pelos colegas e, especialmente, pelos superviso- individualizadas, e os profissionais são mais comprometi-
res ou gerentes da experiência clínica, das habilidades de dos com o papel de preceptoria quando percebem que
ensino e profissionalismo, as oportunidades para ensinar as gratificações são pessoalmente significativas ou profis-
e influenciar na prática, a ampliação e o estímulo ao co- sionalmente benéficas19.

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Alessandra Bentes et. al.

Que estratégias podem ser utilizadas para a • Redução do número de pacientes a serem atendi-
valorização do preceptor no Brasil? dos, para que seja proporcionado tempo para dis-
cussão, explicação, prescrição com o residente,
• Elaboração de programa de educação permanente por meio de pactuação entre a coordenação da
com prioridade para os profissionais que exercem
residência médica e os gestores, garantindo o
a função de preceptor;
“tempo de ensinagem”, amparado por portaria da
• Oferecimento de cursos de formação pedagógica
CNRM legitimando esta pactuação;
para preceptores, proporcionando a qualificação e
• Estabelecimento (fixação) de relação entre precep-
consequente valorização do profissional que atua
tor/aluno/paciente, normatizada para as várias áre-
na preceptoria, bem como a definição de critérios
as médicas (gerais e especialidades). Para tanto, há
mínimos para o profissional atuar como preceptor,
necessidade premente de promover concurso pú-
a partir da formalização de documento pela CNRM;
blico para a recuperação do quadro de médicos
• Estabelecimento de pontuação para profissionais
assistenciais dos campos de prática, que, quase in-
que atuam na preceptoria para concursos públicos
variavelmente, se encontram defasados;
e/ou seleção de pós-graduação e/ou progressão fun-
• Facilidade e disponibilidade para acesso a fontes e
cional, com base na elaboração de critérios como
bases de dados bibliográficas (Periódicos Capes,
fidelização do profissional que atua como preceptor
por exemplo);
e seu nível de capacitação técnica e pedagógica;
• Construção de um currículo para RM, baseado em
• Política de valorização da carreira do preceptor
competências e com a participação dos precepto-
dentro da IES/Serviço de saúde – criação da pós-
res, podendo ser articulado com as Coremes e Ce-
-graduação em Preceptoria Médica;
• Melhoria das condições de trabalho do médico rem. Com isto, permite-se que o preceptor conhe-
preceptor, desde as instalações físicas, passando ça os objetivos de aprendizagem do setor em que
pela estrutura de apoio pedagógico até a melhoria atua e os processos de ensino-aprendizagem-ava-
na capacidade de atendimento das unidades; liação da referida residência;
• Criação de uma bolsa-preceptoria para remunera- • Contabilização de carga horária de preceptoria nas
ção direta do preceptor, a ser paga pela instituição horas de trabalho do professor e do médico assis-
mantenedora do programa de RM. Assim, as Se- tente.
cretarias de Saúde do município e do Estado e o
Governo Federal criariam um Fundo de Fomento Comentários e reflexões finais
ao Ensino na Área da Saúde, com dotação orça-
mentária nesta rubrica, cabendo ao gestor munici- Diante de todas as dificuldades para uma definição clara
pal, em última instância, o repasse das verbas aos sobre a função do preceptor, conseguimos chegar a uma
preceptores inscritos no Programa Estadual de resposta inspirada na vivência do projeto para Desenvol-
Preceptoria Médica. Este fundo seria gerido por vimento de Competência Pedagógica para a Prática da
um colegiado tripartite (município, Estado e Fede- Preceptoria na Residência Médica da ABEM. O presente
ração), além de representantes dos preceptores, trabalho pautou-se pela pesquisa não sistemática no le-
dos residentes e dos usuários. Em cada instituição vantamento das referências bibliográficas pelo grupo e
de saúde, por sua vez, seria criada uma Célula de pelos relatos de dificuldades do cotidiano vividas pelos
Preceptoria Médica, à qual caberia gerenciar os preceptores em nossa realidade, destacando-se a falta
preceptores dos programas com sede naquela or- de tempo para o exercício da preceptoria, remuneração
ganização hospitalar; inadequada, falta de desenvolvimento específico para
• Remuneração indireta dos preceptores mediante preceptoria e estrutura institucional deficitária. No en-
priorização dos profissionais que atuam como pre- tanto, projetos como este se traduzem no avanço da
ceptor para a concessão de pagamento de inscri- fase diagnóstica para o enfretamento consequente e
ções em congressos de especialidade e de educa- propositivo das dificuldades e, por isto mesmo, necessi-
ção médica; tam de apoio, continuidade e multiplicação.

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Preceptor de Residência Médica

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Universidade Federal de Goiás
Competências da Preceptoria na Residência Médica
Competências da Preceptoria na Residência
Médica
Alex Caetano dos SantosI/ Alexandre Vieira Santos MoraesI / Ana Carolina Arantes
Coutinho CostaI / Beatriz Lins Galvão de LimaI / Carlos Alberto Lisboa VieiraI /Carolina
Dias de Araújo e SilvaI / Daniela Pultrini Pereira de Oliveira ViggianoI / Gelcio Sisteroli de
CarvalhoI / Gilberto de Matos FilhoI / Gisele Rodrigues FonsecaI / Isabela Ghetti Macedo
IsaacI /Jane Eyre Miranda Leaet VieiraI / Jerusa Marielle Nunes Seabra de OliveiraI /
Joaquim Ferreira Godoy NetoI / Jorge de Azevedo Mattos JúniorI / Letícia Leão Tuma
DamacenoI / Maja de MedeirosI / Maria Bárbara Franco GomesI / Maria de Fátima do
Nascimento Silva DelfinoI / Miriam Lage de O. Rodrigues CastilhoI / Paulo Roberto
Maranhas MeyerI / Ricardo Curado de Oliveira e SilvaI / Samir PereiraI / Valeria Soares
Pigozzi VelosoI / Alessandra de Carla AlmeidaII / Alexandre de Almeida LimaIII / Paulo
Emiliano Bezerra JuniorIII / Rômulo Alzuguir MontijoIII / Viviane Cristina Uliana PerteleIII /
Alessandra Vitorino NaghettiniIV / Luciana Branco da MottaIV / Roberto Zonato EstevesV /
Denise Herdy AfonsoVI

Palavras-chave: Preceptor. Supervisor. Tutor. Residência Médica.

RESUMO programas de residência médica? Após discussão presen-


cial e a distância, produziu-se um material que resume as
Em 2012, foi realizado em Goiás o Curso de Desenvol- definições para a preceptoria e o papel do preceptor e
vimento de Competência Pedagógica para a Prática da do supervisor, além de estratégias de regulamentação da
Preceptoria na Residência Médica. Com cinco meses de preceptoria. A reavaliação dos aspectos didático-peda-
duração, o curso se desenvolveu na modalidade semipre- gógicos possibilita melhorias na formação da preceptoria.
sencial, para turmas de até 25 preceptores. Cada turma
foi subdividida em dois grupos de trabalho, nas atividades
tanto presenciais como em EAD. Os dois grupos defini- INTRODUÇÃO
ram perguntas de aprendizagem: Em que podemos con- A Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM)
tribuir no processo de regulamentação das políticas para promoveu, em 2012, o Curso de Desenvolvimento de
a preceptoria (identidade, capacitação e valorização)? Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria
Quais as estratégias para obter apoio institucional para os na Residência Médica, e a Universidade Federal de Goiás

I Preceptores de Residência Médica do Estado de Goiás.


II Preceptora de Residência Médica de Uberlândia.
III Preceptores de Residência Médica em Brasília.
IV Tutores do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
V Orientador de Aprendizagem do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
VI Supervisora do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica

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Alex Caetano dos Santos et. al.

constitui um dos 12 Centros Colaboradores do projeto. grama, regulamenta o contrato de matrícula, o valor da
O curso, com cinco meses de duração, desenvolveu-se bolsa, a obrigatoriedade de alojamento e de alimenta-
na modalidade semipresencial, para turmas de até 25 ção, a licença-maternidade, a carga horária prática e te-
preceptores. Cada turma foi subdividida em dois grupos órica e a folga semanal, estabelecendo ainda a conferên-
de trabalho, nas atividades tanto presenciais como em cia de título de especialista reconhecido pelo Conselho
EAD. Federal de Medicina (CRM) aos egressos dos progra-
No primeiro módulo presencial do curso de Goiás, mas3.
cada grupo de preceptores definiu e pactuou um tema a Hoje, na legislação específica vigente, é importante
ser desenvolvido ao longo do curso, caracterizado como citar a Resolução CNRM no2, de 17 de maio de 2006,
Perguntas de Aprendizagem, que foram: que dispõe sobre os requisitos mínimos para os progra-
Grupo 1: Em que podemos contribuir no processo de mas das diversas especialidades (programas com acesso
regulamentação das políticas para a preceptoria (identida- direto e programas com pré-requisito)4. As outras nor-
de, capacitação e valorização)? mas se referem a: tempo de duração; conteúdos míni-
Grupo 2: Quais as estratégias para obter apoio institu- mos; atividades teórico-complementares; estrutura,
cional para os programas de residência médica? equipamentos e organização necessários à instituição;
treinamento em urgências e emergência; sistema de ava-
liação periódica dos residentes; e supervisão do treina-
DISCUSSÃO
mento.
A residência médica (RM) está consagrada como a me-
lhor forma de inserção de profissionais médicos na vida
PRECEPTORIA MÉDICA: IDENTIDADE,
profissional por meio de supervisão e capacitação em
CAPACITAÇÃO E VALORIZAÇÃO
uma especialidade1.
Em seus primeiros anos de existência, a residência era Ao se analisarem os aspectos históricos da residência
um caminho de exceção e não era considerada necessá- médica, a preocupação com a preparação profissional
ria ao embasamento profissional. Era restrita a hospitais daqueles que cuidam da saúde da população é uma cons-
públicos tradicionais e a hospitais vinculados a universi- tante na história da humanidade. Desde a época mais
dades e faculdades públicas. remota, nas tribos primitivas, os candidatos a exercer a
Na década de 1970, em um momento politico extre- função de pajé eram cuidadosamente selecionados e
mamente autoritário, os médicos residentes iniciaram treinados. Na educação médica não é diferente.
uma intensa luta política pelo aprimoramento e regula- Desde então, esses profissionais mais experientes que
mentação da residência médica, que culminou com a se ocupam da formação médica vêm recebendo diferen-
criação da Comissão Nacional de Residência Médica tes denominações, entre as quais preceptor, supervi-
(CNRM), em 1977, ligada ao antigo Ministério da Educa- sor, tutor e mentor. Cada um desses termos significa
ção e Cultura. Segundo o Artigo 1o do Decreto 80.281, uma grande variedade de funções, intervenções e ativi-
de 5 de setembro de 1977, que criou a CNRM e deu dades ligadas à educação médica, tanto na graduação
outras providências, “a residência médica constitui mo- como na residência.
dalidade de ensino de pós-graduação destinada a médi- A palavra preceptor vem do latim praecipio, “mandar
cos, sob a forma de curso de especialização, caracteriza- com império aos que lhe são inferiores”. Era aplicada aos
da por treinamento em serviço em regime de dedicação mestres das ordens militares, mas desde o século XVI é
exclusiva, funcionando em Instituições de saúde univer- usada para designar aquele que dá preceitos ou instru-
sitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos ções, educador, mentor, instrutor.
de elevada qualificação ética e profissional”2. Para Mills et al.5, esse conceito é usado para designar
Em 7 de julho de 1981, foi sancionada a Lei 6.932, que o profissional que não é da academia e que tem impor-
suprime a expressão “em regime de dedicação exclusi- tante papel na inserção e socialização do recém-gradua-
va” que constava no decreto que criou a CNRM, torna do no ambiente de trabalho. Ryan-Nicholls6, porém, usa
obrigatório o processo de seleção para ingressar no pro- o termo para designar o professor que ensina a um pe-

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Competências da Preceptoria na Residência Médica

queno grupo de alunos ou residentes, com ênfase na Cutcliffe12 afirma que há uma diferença no conceito de
prática clínica e no desenvolvimento de habilidades para supervisão entre americanos e europeus. Segundo o au-
tal prática. tor, na literatura norte-americana, relacionam-se mais
A instituição deve garantir o cumprimento de normas com o conceito de supervisor o treinamento de habilidade
regulamentares e estatutárias relativas aos ambientes de técnica profissional e a excelência no desempenho dessa
trabalho de seus residentes. O apoio necessário ao pre- habilidade, para que alguém possa exercer a supervisão. Já
ceptor se refere a uma legislação para criar uma carreira a literatura europeia faz maior aproximação do supervisor
própria que permita qualificação e especialização, remu- com os aspectos pessoais, relacionais e também clínicos
neração justa e valorizada, a pesquisa transformadora da do cuidado ao paciente. Para os europeus, é essencial que
realidade social e a efetivação dos princípios e diretrizes o supervisor funcione como suporte e seja capaz de pro-
do SUS. Segundo Bain7 e Armitage8, o preceptor tem a porcionar reflexão sobre a prática diária do profissional de
função de estreitar a distância entre teoria e prática. saúde, função muito semelhante à do mentor.
Supervisor: segundo o dicionário, é aquele que diri- Nas literaturas americana e europeia, tutor designa o
ge, controla, vigia, cuida de tudo e se responsabiliza para professor que se preocupa em ensinar o aluno a “apren-
que tudo se faça corretamente e de maneira segura9. Na der a aprender”, principalmente para designar a ativida-
literatura da área da saúde, o supervisor tem o papel de de exercida pelo mentor; ou ainda designa as funções
medir e desenvolver conhecimentos e habilidades de daquele que auxilia e estimula o processo de aprendiza-
profissionais em início de carreira em seus próprios am- do no cenário da Aprendizagem Baseada em Problemas.
bientes clínicos. O supervisor tem importante função Esse profissional é aquele que ajuda o residente a perce-
para melhorar o nível de qualidade da atuação profissio- ber e reconhecer suas potencialidades e fraquezas pro-
nal, o que é bom para o próprio profissional e também fissionais e pessoais, e tem importante papel na escolha
para o usuário do serviço de saúde. A supervisão é um da especialidade a seguir e do caminho a ser percorrido
componente essencial, que marca a boa qualidade do pelo jovem profissional.
cuidado com a saúde, sendo importante para melhorar o
serviço ofertado ao paciente. Grealish e Carrol10 diferen-
O processo de ensino-aprendizagem (papel
ciam supervisor de preceptor apenas pelo número de
do preceptor)
recém-formados (ou de alunos da graduação) por pro-
fessor e pela atividade básica deste. Para esses autores, A definição do papel a ser desempenhado pelo precep-
supervisão ocorre quando existem de seis a oito novos tor ainda é assunto muito controverso na literatura cien-
profissionais por professor, que basicamente atua na pes- tífica devido à grande dificuldade de estabelecer as reais
quisa e área acadêmica; já na preceptoria, a relação é de funções desse profissional.
um único recém-formado por professor, um profissional O preceptor não deve impor seu sistema de valores e
que atua basicamente no serviço de saúde. Na verdade, crenças aos residentes, mas, sim, provocar conflitos cog-
a palavra supervisor pode ser usada em várias situações. nitivos e estimular o questionamento dos valores dos
Butterworth (1992) apud Lith11 defende que a ação do residentes (questionamento do senso comum). O pre-
supervisor pode estar relacionada a uma relação de tro- ceptor não se preocupa em transmitir teorias ou valores,
ca entre profissionais com o objetivo de desenvolver ha- mas incentiva a construção da autonomia do médico em
bilidades; Minot (1989) apud Lith11 afirma que a supervi- formação.
são pode estar ligada a um conceito de revisão da prática
profissional e das reações do profissional a seu próprio
O preceptor como orientador, supervisor,
trabalho; já o United Kingdom Central Council for Nur-
tutor, mentor
sing Midwifery and Health Visiting – UKCC (1996) apud
Lith11 define que o supervisor pode estabelecer, com um Na concepção empirista, aprender e ensinar aparecem
recém-graduado, uma relação baseada na prática, de- sob a visão de que o conhecimento advém de alguém ou
monstrando as próprias habilidades e guiando todo o de algo fora do indivíduo, independentemente da vonta-
processo de inserção do neófito. de dele, que se torna um sujeito passivo nesse processo.

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Alex Caetano dos Santos et. al.

Alguns autores conceituam “orientar” como algo ca- O preceptor como moderador na discussão
paz de mostrar o caminho, de guiar, e outros o definem de casos
como estimular o raciocínio. O tutor não aparece nas
As discussões clínicas distantes do paciente têm sido a tô-
exposições dos preceptores apenas como um guia, mas
nica da formação médica, com foco principal nos exames
como um facilitador, que auxilia no processo de apren-
laboratoriais e de imagem. Podemos notar, ainda, que
dizagem centrado no aluno. Os preceptores associam
existe discordância sobre a importância ou mesmo sobre
as funções pedagógicas ao “como fazer”, deixando claro
a existência desse papel de observar o residente execu-
que o profissional responsável pela formação do resi-
tando suas atividades. Isto é também relatado na literatu-
dente deve ter o domínio dessa habilidade. Ou seja, o
ra, chamando-se a atenção para a perda de oportunidade
preceptor deve dominar a habilidade técnica e também
de oferecer feedback ao residente e o perigo de desconsi-
pedagógica.
derar possíveis erros nas condutas com os pacientes.
O mentor é um profissional mais experiente que
guia, orienta e aconselha um jovem no início de carreira
e que tem ação primordial ao longo do crescimento A contribuição do preceptor para a formação
pessoal e profissional, ultrapassando a orientação para moral
estudo.
O processo de respeitar ou desenvolver um bom rela-
cionamento não é algo que conseguimos ensinar. É im-
O preceptor como um educador portante que a formação moral na residência médica não
seja centrada na discussão do código de ética ou na apre-
O educador tem a função de oferecer ao aprendiz um sentação de modelos idealizados, mostrando uma moral
ambiente que lhe permita construir e reconstruir conhe- exclusivamente heterônoma, baseada no seguimento de
cimentos, num caminho que se trilha para formar pesso- normas e princípios preestabelecidos (ética deontológi-
as transformadoras na sociedade a que pertencem. Pes- ca). O melhor cenário para ensino das habilidades éticas
soas estas comprometidas com a sociedade e que é o próprio local de trabalho, por meio da observação e
percebem a importância de seus papéis profissionais na discussão dos comportamentos e atitudes e do ofereci-
construção da cidadania. Nesse sentido, educar é muito mento de feedback pelos preceptores. A Bioética é con-
diferente de treinar. siderada o campo que questiona o caráter absoluto e
Para Taylor13, o preceptor tem o instinto de trans- fora de contexto dos valores morais tradicionais, dos
mitir ao residente tudo o que sabe, mas isto é insufi- direitos e dos princípios. Esse questionamento é feito
ciente para o verdadeiro aprendizado porque não se por meio do diálogo, do respeito às diferenças e de acor-
foca o verdadeiro significado do aprender. Explicitar os dos e consensos. Ensinar as habilidades relacionais, que
pontos importantes do processo de ensino-aprendiza- compreendem a formação ético-moral, e ao mesmo
gem é uma forma de tornar o residente mais ativo, tempo se preocupar com o desenvolvimento dos atribu-
mais independente nessa construção. Ampliar o con- tos técnicos é o grande desafio dos preceptores.
ceito de educação na formação médica significa, então,
passar de um processo de exclusiva aquisição de co-
Estratégias de regulamentação da
nhecimentos ou habilidades – baseado na exposição preceptoria
simples e pura de conteúdos e técnicas – para o desen-
volvimento de uma consciência crítica profissional, Observamos a necessidade de estabelecer uma política
com a qual o residente aprende conteúdos, técnicas e, clara de regulação da residência médica para o País, pois
sobretudo, aprende a “pensar e detalhar” todos os as- só assim será possível:
pectos profissionais. • Ampliar os mecanismos de fortalecimento e fo-
A expressão docente-clínico define bem quem o pre- mento de programas de residência médica nos Es-
ceptor deve ser: um preceptor com habilidades pedagó- tados em que há maior carência de profissionais, de
gicas e clínico no sentido de dominar habilidades técnicas forma a viabilizar a permanência dos egressos dos
e relacionais. cursos de graduação nesses locais;

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Competências da Preceptoria na Residência Médica

• Priorizar as especialidades estratégicas para os ges- possuam conhecimento, habilidades psicomotoras, ati-
tores do SUS em cada região, de acordo com o tudes e comportamento ético e compromisso social.
perfil epidemiológico identificado e o quadro de A regulamentação da função de preceptor constitui
recursos humanos existente, sem prejuízo das de- medida urgente para que todos saibam e reconheçam
mais áreas de especialidade; sua área de atuação, seus direitos e deveres.
• Buscar estratégias de estímulo, durante a gradua- Atuar como preceptor é um ofício pleno de desafios
ção, para incentivar o ingresso em programas de diários, busca constante de conhecimentos, questiona-
residência de interesse para o sistema; mentos e, sobretudo, significa acreditar que podemos
• Discutir com os gestores do SUS as estratégias de contribuir de maneira profícua na formação de médicos
estímulo para ingresso à carreira nas especialidades competentes em suas especialidades e conscientes de
consideradas prioritárias14. suas responsabilidades sociais.

O apoio necessário ao preceptor se refere a uma le-


REFERÊNCIAS
gislação justa, que promova a regulamentação da pre-
ceptoria. Poderia ser criada mediante Portarias que re- 1. Nunes MDPT, Michel JLM, Haddad AE, Brenelli SL, Oliveira RAB. A
residência médica, a preceptoria, a supervisão e a coordenação. Ca-
gulamentem as atividades dos preceptores, como carga
dernos ABEM. 2011; 7:35-40.
horária, direitos, deveres e funções. Sugere-se a criação 2. Brasil. Decreto Presidencial nº. 80.281, de 5 de setembro de 1977.
de uma associação brasileira de preceptores médicos, a Regulamenta a Residência Médica, cria a Comissão Nacional de Resi-
priori como um braço da ABEM, para dar suporte a dúvi- dência Médica e dá outras providências. Diário Oficial da União. Bra-
sília, de 6 set. 1977. [capturado em: 22 out 2012]. Disponível em:
das, denúncias, informações, etc.
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=arti
Um longo caminho deve ser percorrido até obtermos cle&id=13087&Itemid=506.
apoio institucional para a preceptoria da residência mé- 3. Brasil. Lei n. 6932 de 7 de julho de 1981. Dispõe sobre as atividades
dica no Brasil, mas ele existe e tem que ser iniciado por do médico residente e dá outras providências. Diário Oficial da União.
nós: lutando por uma legislação, buscando capacitação, Brasília, de 09 jul. 1981.
4. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior. Co-
usando os recursos financeiros existentes de maneira
missão Nacional de Residências Medica. Resolução CNRM nº 02/2006,
mais eficaz, assim como criando novas maneiras de atrair de 17 de maio de 2006. Dispõe sobre requisitos mínimos dos Progra-
a atenção dos dirigentes para a importância do precep- mas de Residência Médica e dá outras providências. Diário Oficial da
tor. A literatura e a legislação são parcas em relação ao União. Brasília, de 17 mai. 2006; Seção 1: 23-36.
5. Mills JE, Francis KL, Bonner A. Mentoring, clinical supervision and pre-
processo de regulamentação do papel do preceptor, e
ceptoring: clarifying the conceptual definitions for Australian rural
dentre elas citamos as da Secretaria de Estado de Saúde nurses. A review of the literature. Rural Remote Health. 2005; 5
do Distrito Federal15. (3):410.
6. Ryan-Nicholls K. Preceptor recruitment and retention. Can Nurse.
2004; 100(6):19-22.
CONSIDERAÇÕES FINAIS 7. Bain L. Preceptorship: a review of the literature. J Adv Nurs
1996;24(1):104-107.
É necessário o desafio de um exercício de preceptoria 8. Armitage P, Burnard P. Mentors or preceptors? Narrowing the theory-
calcado na prática médica assistencial em que a respon- -practice gap. Nurse Educ Today 1991;11(3):225-229.
sabilidade profissional, o relacionamento humano, a ca- 9. Houaiss A, Villar MS. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Objetiva; 2001.
pacidade de organização, a prática avaliativa e o domínio
10. Grealish L, Carroll G. Beyond preceptorship and supervision: a third
do conteúdo constituam eixos orientadores da própria clinical teaching model emerges for Australian nursing education. Aust
prática. A estes eixos se acrescentam os aspectos éticos J Adv Nurs 1997; 15(2): 3-11.
e humanísticos e sua capacidade de educação permanen- 11. Lyth GM. Clinical supervision: a concept analysis. J Adv Nurs
te. No entanto, há necessidade de uma capacitação didá- 2000;31(3):722-729.
12. Cutcliffe JR; Lowe L. A comparison of North American and European
tica do preceptor para o desempenho de suas funções. conceptualizations of clinical supervision. Issues Ment Health Nurs
Discutir os aspectos didático-pedagógicos envolvidos 2005; 26(5): 475-88.
nesta função pode melhorar o processo de formação de 13. Taylor RB. Academic Medicine: a guide for clinicians. New York:
preceptores humanistas e técnicos competentes que Springer, 2006.

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Alex Caetano dos Santos et. al.

14. Michel JLM, Oliveira RAB, Nunes MPT. Residência Médica no Brasil: gramas de Residência em Área Profissional da Saúde da Secretaria de
Panorama geral das especialidades e áreas de atuação reconhecidas, Saúde do Distrito Federal. Publicada no DOU nº 122 de 26 de junho
situação de financiamento público e de vagas oferecidas. Cadernos de 2009.
ABEM. 2011; 7:7-12.
Chemello D, Manfrói WC, Machado CLB. O papel do preceptor no
15. Brasil. Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Fundação
ensino medico e o modelo precetoria em um minuto. Rev Bras Educ
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Med. 2009; 33(4):664–9.
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Botti SHO. O papel do preceptor na formação de medicos residentes: (falta local e data do congresso).
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1: 59-61. preceptoria na rede básica da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de
Brasil. Decreto no 57.865, de 13 de março de 2012 de Sao Paulo. Janeiro: opinião dos profissionais de Saúde. Rev Bras Educ Med. 2009;
Dispõe sobre quantificação e critérios para concessão da Gratificação 33(1): 24-32.
de Preceptoria - GP, a que se referem os artigos 18, inciso III, e 22 da Wuillaume SM, Batista NA. O preceptor na residência médica em Pe-
Lei Complementar nº 1.157, de 2 de dezembro de 2011. diatria: principais atributos. J Pediatr (Rio J). 2000;76(5):333-8.
Brasil. Secretária de Estado de Saúde do Distrito Federal. Portaria nº
124, de 24 de junho de 2008. Dispõe sobre o Regulamento dos Pro-

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Universidade Federal do Maranhão
O ensino e a assistência a valorização e reconhecimento da preceptoria na residência médica do Maranhão.
O Ensino e a Assistência: Valorização e
Reconhecimento da Preceptoria na
Residência Médica do Maranhão
Dalva Lobato MirandaI / Erika KroghI / Janne Eyre F. Brito da CostaI / Jorge Antonio
Meireles TeixeiraI / José Domingos Soares MirandaI / José Lauletta NetoI / José Pereira
GuaráI / Keila Regina Santos CruzI / Márcia da Silva SousaI / Maria José da Silva de SouzaI /
Maria Regina de MelloI / Martinha Elisa da Silva MatosI / Marynéa do Vale NunesI /
Mauritonio Rodrigues BarbosaI / Patrícia Franco MarquesI / Roberta Borges Correia de
AlbuquerqueI / Rosimarie Morais SalazarI / Roxana Desterro e Silva CunhaI / Waston
Gonçalves RibeiroI /Maria Teresa Seabra Soares de Britto e AlvesI / Daniela SobrinoII / Vera
Lúcia GarciaIII / Lia Márcia Cruz da SilveiraIV

Palavras-chave: Residência Médica. Preceptor. Capacitação Pedagógica. Formação


Médica.

RESUMO do exercício da preceptoria concomitante à assistência


médica e a sobrecarga de trabalho, e apresentam estra-
Aborda-se a história da residência médica em São Luís tégias de solução para estas questões.
(MA), que se iniciou em 1980, e os problemas da pre-
ceptoria na residência médica no Estado, levantados e
discutidos durante a realização do Curso de Desenvolvi- INTRODUÇÃO
mento de Competência Pedagógica para a Prática da No Estado do Maranhão, a capital São Luís e o município
Preceptoria na Residência Médica, promovido pela As- de Caxias oferecem programas de residência médica.
sociação Brasileira de Educação Médica (ABEM) em par- Em São Luís, os programas são desenvolvidos pela Uni-
ceria com a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), versidade Federal do Maranhão (UFMA), Secretaria Es-
Centro Colaborador do curso no Maranhão. Os partici- tadual de Saúde (SES/MA) e Secretaria Municipal de Saú-
pantes do curso, divididos em dois grupos de trabalho, de de São Luís (SEMUS/SLZ). Em Caxias, o programa é
focam, cada um, uma questão norteadora relacionada à ofertado pela Secretaria Municipal de Saúde (SEMUS/
residência médica, que gera uma pergunta de aprendiza- CX). Em 2011, o Maranhão contava com 12 programas
gem e produto. Os grupos direcionaram a discussão de residência médica com um total de 69 vagas, sendo
para a institucionalização e a valorização da função do 50 preenchidas1.
preceptor. As sínteses coletivas enfatizaram os desafios

I Preceptores de Residência Médica do Estado do Maranhão.


II Tutora do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria na Residência Médica.
III Orientadora de Aprendizagem do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria na Residência Médica.
IV Supervisora do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria na Residência Médica.

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O Ensino e a Assistência

A UFMA atualmente oferta 55 vagas aos programas acontecia em outros Estados brasileiros. Somente em
de acesso direto: Anestesiologia (quatro vagas); Cirurgia 2010, o programa de residência em Pediatria reverteu a
Geral (nove); Clínica Médica (nove); Obstetrícia e Gine- situação de oferta de vagas superior à procura, aumen-
cologia (dez); Ortopedia e Traumatologia (quatro); Of- tou o número de vagas e matriculou 12 residentes.
talmologia (duas); Patologia (duas) e Pediatria (15). Para O número de programas em funcionamento se man-
os programas de acesso indireto são ofertadas 12 vagas: teve inalterado mesmo quando, em 1991, os dois hospi-
Cardiologia (duas); Endocrinologia (três); Gastroentero- tais do INAMPS passaram para a gestão da Universidade
logia (duas); Medicina Intensiva (duas) e Nefrologia Federal do Maranhão (UFMA), conformando o comple-
(três), cujo pré-requisito é Clínica Médica, e três vagas xo do hospital universitário com duas unidades: o Hospi-
para ingresso em Cirurgia Cardiovascular (uma vaga) e tal Universitário Materno Infantil e o Hospital Universitá-
Urologia (duas vagas), cujo pré-requisito é Cirurgia Ge- rio Presidente Dutra.
ral. Também são ofertadas oito vagas em anos opcionais Já sob a gestão da UFMA, em 1995, foi implantado o
no programa de residência médica em Pediatria (área de programa de residência médica em Ortopedia e Trauma-
concentração em Neonatologia – cinco vagas; Infectolo- tologia, ainda hoje em funcionamento, após breve inter-
gia Pediátrica – uma vaga; e Medicina Intensiva Pediátrica rupção das atividades.
– duas vagas) e duas vagas em anos opcionais para Ne- Nova expansão da oferta de programas ocorreu no
frologia – uma vaga; e Urologia – uma vaga (área de ano de 2001 com a implantação dos programas de Car-
concentração em Transplante Renal). diologia, Endocrinologia, Gastroenterologia e Nefrologia
A SES/MA oferta atualmente 11 vagas, sendo sete com Clínica Médica como pré-requisito, Medicina Inten-
para Cirurgia Geral e quatro para Clínica Médica. Ambos siva com Anestesiologia, Cirurgia Geral e Clínica Médica
os programas são desenvolvidos no Hospital Tarquínio como pré-requisitos, e Urologia e Cirurgia Cardiovascu-
Lopes Filho em São Luís. lar, cujo pré-requisito é Cirurgia Geral.
A SEMUS/CX oferta quatro vagas aos programas de Em 2009, foi implantado o programa de Anestesiolo-
residência em Medicina de Família e Comunidade e Gi- gia, e em 2011 ocorreu a última expansão do período
necologia e Obstetrícia. Atualmente, o município dispõe com a implantação do programa de Oftalmologia e ofer-
de um médico residente em Ginecologia e Obstetrícia. ta de anos opcionais nas áreas de Transplante e de Pedia-
Já a SEMUS/SLZ oferece duas vagas ao programa de re- tria: uma vaga para dois anos opcionais na Nefrologia,
sidência em Medicina de Família e Comunidade, sendo uma vaga para ano opcional na Urologia, cinco vagas na
que o processo seletivo deverá ser reiniciado em de Neonatologia, uma vaga na Infectologia Pediátrica e ou-
2013 após dois anos sem realização de prova. tra vaga na Medicina Intensiva Pediátrica.
A história da implantação dos programas de residên- Nesse mesmo ano, se iniciaram os programas de resi-
cia médica no Estado do Maranhão tem início em 1980, dência em dois outros hospitais do Sistema Único de
quando foram abertos programas nas cinco áreas básicas Saúde do Maranhão. Um deles em São Luís – Hospital
– Clínica Médica, Cirurgia Geral, Pediatria, Ginecologia e Tarquínio Lopes Filho – Clínica Médica e Cirurgia Geral
Obstetrícia, e Medicina Social e Comunitária – em dois – e outro em Caxias – Ginecologia e Obstetrícia e Medi-
hospitais da rede do Instituto Nacional de Assistência cina de Família e Comunidade. O programa de residên-
Médica e Previdência Social (INAMPS). Essa iniciativa cia em Medicina de Família e Comunidade da SEMUS/
contava com a oferta de nove vagas em cada um dos SLZ, iniciado em 2007, atualmente está em processo de
programas. reestruturação, com previsão de abertura de vagas a
Ao longo dos primeiros dez anos, esses programas partir de 2013.
receberam residentes em quantidade coerente com a Hoje, o Hospital Universitário da UFMA conta com
valorização da especialidade pela sociedade e disponibi- 124 residentes e já formou 938 médicos residentes nas
lidade de mercado de trabalho. Dessa forma, programas diferentes especialidades.
como Pediatria e Medicina Social e Comunitária viram O desafio atual inclui implantar programas em espe-
diminuir a sua demanda, fato que levou à desativação do cialidades específicas, aumentar a oferta de vagas em ou-
último por falta de candidatos, reproduzindo o que tras especialidades e qualificar os programas existentes

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Dalva Lobato Miranda et. al.

de modo a superar o cenário atual, em que sobram vagas ceptores oriundos dos programas da UFMA e da SEMUS
em alguns programas e faltam médicos habilitados nessa Caxias. Esses preceptores estão organizados em dois
especialidade nos serviços, a exemplo da Terapia Intensi- grupos, denominados Oficiosos e Somos brasileiros e não
va. Essa qualificação inclui a formação de preceptoria, de desistimos nunca. Cada grupo priorizou um problema
modo que o processo de ensino em serviço – que carac- que deu origem a uma pergunta. O movimento para res-
teriza a residência médica – cumpra a sua função e torne ponder a cada uma das perguntas envolveu busca na lite-
mais evidente o que já é possível perceber: a diferença ratura, elaboração de síntese individual e posteriormen-
nítida de conhecimento, postura, pensamento clínico or- te uma segunda síntese, elaborada coletivamente.
ganizado e ético entre os médicos que fizeram e os que O grupo Oficiosos traduziu o problema priorizado na
não fizeram residência. pergunta: Como a instituição deve valorizar o exercício da
A Comissão Estadual de Residência Médica (CEREM/ preceptoria como importante componente do ensino médi-
MA) já solicitou e aguarda o credenciamento de novos co? A resposta elaborada partiu da importância da pre-
programas ou vagas em Medicina Intensiva (duas vagas); ceptoria para o ensino médico, o que é e como deve ser
Cirurgia Videolaparoscópica (uma vaga) no Hospital Tar- desenvolvida, como descrito a seguir.
quínio Lopes Filho/SES e Coloproctologia (duas vagas),
Neurocirurgia (duas vagas), Radiologia (duas vagas) e
Síntese coletiva do grupo OFICIOSOS
Pneumologia (duas vagas) no Hospital Universitário da
UFMA. A preceptoria constitui uma atividade indispensável do
Ainda com base nas informações da CEREM/MA, é processo ensino-aprendizagem do acadêmico de Medi-
baixa a relação entre o número de vagas ofertadas e o cina e do médico residente, facilitando a sua transição do
número de médicos formados por ano no Maranhão. academicismo ao cotidiano prático do exercício da pro-
Atualmente são formados, em média, 280 médicos por fissão, com segurança e eficácia atribuídas ao bom pro-
ano no Estado, egressos de três faculdades – UFMA, fissional. Entretanto, a despeito de seu papel-chave nes-
UNICEUMA e UEMA –, enquanto a oferta é de menos se processo de habilitação e aplicação do conhecimento
de cem vagas por ano. As áreas consideradas prioritárias teórico acumulado nas universidades em atividades prá-
para o Estado são Pediatria, Anestesiologia, Ginecologia tico-assistenciais, o exercício da preceptoria permanece
e Obstetrícia, Clínica Médica e Medicina de Família e na informalidade, sem normatização específica e a devi-
Comunidade, além de médicos emergencistas (ano op- da valorização pelas instituições.
cional de Clínica Médica em Medicina de Urgência) para O exercício da preceptoria médica nas instituições do
atendimento à organização da rede de Urgência e Emer- Brasil está atrelado ao voluntariado e idealismo de alguns
gência do Estado. profissionais com a formação dos novos médicos que
O Programa Pró-Residência, iniciativa do Ministério entram no mercado a cada ano. Observa-se que esta
da Saúde para desenvolvimento de formação em áreas “profissão” realmente é “oficiosa” porque, ao se ingres-
de maior necessidade, já está implantado em Caxias na sar numa instituição para realizar trabalho assistencial,
especialidade de Ginecologia e Obstetrícia. Porém todos assume-se a condição de “professor/preceptor” sem re-
os outros programas existentes são financiados pelo Mi- muneração, sem capacitação, sem valorização, sem re-
nistério da Educação. conhecimento e, muitas vezes, sem condições técnicas.

Os médicos recém-formados necessitam, além do aper-


Curso de Desenvolvimento de Competência
feiçoamento técnico, da aquisição de comportamentos e
Pedagógica para a Prática da Preceptoria da
atitudes éticas, competências a serem desenvolvidas –
Residência Médica no Maranhão
na observância de profissionais médicos mais experientes
O conjunto de preceptores participantes do Curso de – e centradas no ensino como agente transformador da
Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a sociedade. A principal função do preceptor é ensinar a
Prática da Preceptoria da Residência Médica no Mara- clinicar, por meio de instruções formais e com determi-
nhão – em parceria com a UFMA – é composto por pre- nados objetivos e metas. Portanto, entre as suas caracte-

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 49


O Ensino e a Assistência

rísticas marcantes devem estar o conhecimento e a habi- O relatório do Fórum sobre Residência Médica reali-
lidade em desempenhar procedimentos clínicos. Nesse zado no Cremerj9 sintetiza os anseios dos preceptores:
sentido, o preceptor se preocupa principalmente com a 1. Remuneração;
competência clínica ou com os aspectos de ensino- 2. Realização de cursos de capacitação pedagógica;
-aprendizagem do desenvolvimento profissional, favore- 3. Certificação;
cendo a aquisição de habilidades e competências pelos 4. Criação de um cadastro nacional para preceptores;
recém-graduados, em situações reais, no próprio am- 5. Acesso ao Portal Capes;
biente de trabalho² (p. 365). 6. Criação de uma pontuação no Plano de Carreiras
dos médicos que trabalham com preceptoria;
Ryan-Nicholls3 usou o termo preceptor para designar 7. Liberação dos preceptores para participarem de
o professor que ensina a um pequeno grupo de alunos um congresso anual;
ou residentes, com ênfase na prática clínica e no desen- 8. Implantação de uma carga horária específica para
volvimento de habilidades para tal prática. os profissionais que atuam como coordenadores e
A carreira acadêmica docente, na imensa maioria das supervisores de residência médica.
universidades brasileiras, ainda desconsidera as ativida-
des relacionadas à residência médica. Os preceptores, Sobre a atividade da preceptoria em outros países, a
os supervisores de programas de residência médica, experiência de uma instituição canadense revela que os
além dos coordenadores das Comissões de Residência candidatos à função de preceptoria reconhecem como
Médica (Coreme) carecem de capacitação, reconheci- positivo ser designado oficialmente instrutor clínico, pas-
mento e remuneração adequados à função4. sando a possuir endereço eletrônico da universidade, ter
Antes, e acima de tudo, o preceptor deve reconhecer acesso pleno à biblioteca, incluindo a virtual, participar
a residência médica como etapa da educação em serviço, de programa de desenvolvimento docente e dispor de
e não mera prestação de serviço. A distância entre o que apoio psicopedagógico individual para a função.
deve ser feito e o que é realmente feito pelo preceptor Para melhor visualização dos pontos que valorizam a
decorre do fato de se considerar que, para exercer essa prática da preceptoria com base na literatura consultada
função, basta apenas ser um bom médico. Ocorre que pela equipe foi elaborado o Wordle (Figura 1).
formação pedagógica e didática é essencial para exercer a
preceptoria. Esse profissional precisa desenvolver as po- Figura 1
tencialidades de médico, professor, supervisor e pessoa5,6. Wordle dos pontos que valorizam a preceptoria

A formação dos preceptores deve incluir ainda a capacita-


ção para avaliação por competências, pois o que se obser-
va é a cobrança de atividades avaliativas nessa perspectiva,
sem que haja qualquer capacitação neste sentido.
O binômio preceptor/residente é de alta complexida-
de, haja vista que o residente, além de aperfeiçoamento
técnico, necessita de outros conhecimentos e atitudes,
de tal forma que ao encerrar seu curso seja reconhecido
como profissional capaz de cuidar da saúde do paciente,
com competência, dignidade ética e humanismo7.
Como forma de institucionalizar o ato da preceptoria,
a iniciativa do professor Antônio Carlos Lopes junto à
Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) res-
gatou a função do preceptor com a criação de uma bolsa O grupo Somos brasileiros e não desistimos nunca tra-
por meio da Resolução CNRM 8/2004, que esbarrou em duziu o problema de identificação de estratégias de ba-
leis trabalhistas que inviabilizaram a proposta, culminan- lanceamento da assistência médica com a atividade da
do com sua revogação8. preceptoria, priorizado na pergunta: Como otimizar a

50 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Dalva Lobato Miranda et. al.

assistência médica e a preceptoria com sobrecarga de tra- inerentes a sua atuação (riscos biológicos, físicos, quími-
balho e desvalorização do profissional médico nas unidades cos e ergonômicos) e que, além da insalubridade psico-
docente-assistenciais? A resposta elaborada partiu do en- lógica da profissão, ainda se posiciona numa dialética de
tendimento do papel único do preceptor que atua como assistência e de ensino num ambiente de trabalho algu-
médico e educador e da busca de estratégias de otimiza- mas vezes desorganizado e inadequado nas unidades do
ção desta atuação a partir da realidade da sobrecarga de Sistema Único de Saúde (SUS).
trabalho, como descrita nos próximos parágrafos. O preceptor é, portanto, o profissional médico que
sofre com a exiguidade de tempo, sem ter seu papel
de agente duplo (médico e educador) reconhecido
Síntese coletiva do grupo SOMOS nem pela instituição em que atua, nem tampouco pelo
BRASILEIROS e NÃO DESISTIMOS NUNCA burocrático sistema de gestão de saúde pública em to-
das as suas esferas e níveis de atuação. É um professor
“[...] estou vivenciando esta pergunta, sentindo na alma fadado à sobrecarga de trabalho e ainda assim com o
a falta de tempo, a sobrecarga de serviço, a falta de mé- compromisso de se portar como um espelho no qual
dicos e outros profissionais [...] UTI com lotação máxima os residentes devem se mirar. Será justo portar tama-
[...] não achei nenhuma solução na literatura para este nha responsabilidade e não ter o reconhecimento e a
caos”. (médica preceptora da UTI Neonatal) valorização cabíveis?
Em meio a este cenário é que procuramos soluções,
ainda que sem remuneração e valorização do nosso tra-
Infelizmente, a frágil estrutura do sistema de saúde
balho, porém reconhecendo o nosso compromisso com
pública do País abrange uma discussão que ultrapassa a
o processo de ensino.
esfera da assistência tecnicista dos profissionais de saú-
Listamos a seguir algumas sugestões.
de. Esta é uma questão de debate nacional com a classe
política, sociedade civil e de classes, sindicatos, etc.
O ideal seria que não fenecessem as energias individu- Passo 1 – Planejamento pedagógico
ais em prol do melhoramento da assistência. Ao contrá-
Definir conteúdos e metas
rio, que sejam captadas forças em favor de um bem co-
mum: saúde de qualidade para todos, inclusive para os Antes da entrada do residente no setor de atuação, cada
profissionais que promovem esta saúde. preceptor deve definir conceitos, procedimentos a serem
Em meio a esta atmosfera de incertezas e insegurança praticados, como deverá ser o posicionamento do resi-
profissional, encontra-se a residência médica e junta- dente em seu espaço de trabalho-aprendizado, horário
mente a ela duas figuras inseparáveis: o médico residen- de permanência, etc. Deve-se ainda planejar quais estra-
te e o seu preceptor. Entendamos o preceptor como o tégias pedagógicas podem ser aplicadas para otimizar o
profissional médico que atua assistencialmente em quais- processo de ensino sem prejuízo ao tempo de assistência.
quer unidades docentes assistenciais e que representa a
figura do orientador, tutor, guia, professor, facilitador, Espaço pedagógico
moderador, parceiro e educador e um novo profissional
médico. Este profissional, que acaba de chegar ao seu Em cada ambiente de atuação da preceptoria, define-se
espaço de trabalho definitivo, de início não tem experi- um espaço físico em que deverão acontecer as pesquisas
mentação prévia da real responsabilidade dos seus atos científicas, as discussões, aulas, espaço tira-dúvidas.
sobre pessoas que buscam atendimento nestas unidades
de ensino-saúde. Avaliação
De modo geral, o médico, comparado a outros pro-
fissionais que não são da área da saúde, tem maior carga Deve-se estabelecer como e quando os residentes serão
horária diária, tira menos tempo de férias e trabalha por avaliados, quais os critérios de avaliação, atentando para
maior número de anos do que a população em geral. o impacto desta avaliação na atuação do residente: mu-
Assim também é o preceptor, que é submetido a riscos dança de atitudes, postura proativa.

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O Ensino e a Assistência

Passo 2 – Suporte pedagógico à preceptoria ferenciados e que espaços pedagógicos são es-
senciais em todos os setores, além do aparelha-
De alguma forma, seja no ambiente virtual, seja por cur- mento moderno e necessário à prática médica
sos presenciais periódicos ou mesmo em reuniões de contemporânea;
preceptores na Coreme, os preceptores precisam roti- – Incremento da bolsa dos residentes, de modo
neiramente ser estimulados e orientados a abordar de que estes possam ter dedicação exclusiva à resi-
maneira crítico-reflexiva os seus residentes. dência, sem necessidade de plantões extras fora
de suas unidades de ensino para complementa-
Passo 3 – Assistência médico-psicológica à ção de renda.
residência médica
A presença de um terceiro olhar sobre o preceptor e o REFERÊNCIAS
residente é essencial para a detecção precoce de atitu- 1. Michel J LMM, Lopes Júnior A, Santos RA, Oliveira RAB, Rebelatto JR,
des e situações de risco que possam levar a over-stress, Nunes MPT. Residência Médica no Brasil: panorama geral das especia-
síndrome de burnout, síndrome do pânico ou quaisquer lidades e áreas de atuação reconhecidas, situação de financiamento
público e vagas oferecidas. Cadernos da ABEM. 2011; 7:13-27.
outras afecções psiquiátricas próprias da atuação assis-
2. Botti SHDO, Rego S. Preceptor, supervisor, tutor e mentor: quais são
tencial dos médicos – tutores e alunos. seus papeis? Rev. Bras. Educ. Méd. 2008; 32(3):363-373.
3. Ryan-Nicholls K. Preceptor recruitment and retention. Can Nurse.
2004;100(6):19-22.
SUGESTÕES 4. Trajman AN. A preceptoria na rede básica da Secretaria Municipal de
Saúde do Rio de Janeiro: opinião dos profissionais de Saúde. Rev. Bras.
– Reivindicação do reconhecimento da prática da Educ. Méd. 2009; 33(1): 24-32.
preceptoria médica como área de atuação da 5. Missaka H, Ribeiro VMB. A preceptoria na formação médica: o que
medicina; dizem os trabalhos nos Congressos Brasileiros de Educação Médica
– Valorização salarial da classe médica com remu- 2007-2009 Rev. Bras. Educ. Méd . 2011; 35(3): 303-310.
6. Nunes MDPT, Michel JLM, Haddad AE, Brenelli SL, Oliveira RAB. A
neração diferencial para a figura do preceptor;
residência médica, a preceptoria, a supervisão e a coordenação. Ca-
– Redução da carga horária, sem prejuízo salarial; dernos ABEM. 2011; 7:35-40.
– Contratação de mais profissionais médicos, en- 7. Botti SHDO, Rego S. Processo ensino-aprendizagem na residência
fermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, tera- médica. Rev. Bras. Educ. Méd. 2010; 34(1):132-140.
8. Simões JC, Maeda AK. O preceptor de residência médica: esta figura
peutas ocupacionais – enfim, equipes de saúde
(in)discutível. Revista do Médico Residente. 2011; 13(2):85-86.
multidisciplinares; 9. Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro. Residên-
– Melhoria dos espaços físicos, observando que as cia: CREMERJ luta pela valorização da preceptoria. Rio de Janeiro:
unidades docentes assistenciais são ambientes di- CREMERJ; 2011.

52 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Universidade Federal de Mato Grosso
Integração do ensino no serviço e comunidade do curso para preceptores de residência médica da ABEM até a valorização da preceptoria no
estado de Mato Grosso.
Integração do Ensino no Serviço e
Comunidade: do Curso para Preceptores de
Residência Médica da ABEM à Valorização da
Preceptoria no Estado de Mato Grosso
Ana Maria Coelho Bezerra MartinsI /Anderson Cunha I / Carine Jara da Silva CardosoI /
Carla L. Preza BorgesI / Fabrícia CamposI / Daise Amaral TorresI / Egon Neis I / Eliana
Maria Siqueira de Carvalho I / Jair Giampani JúniorI / João Félix DiasI / José Alberto Dias I /
Luciana Graziela de Oliveira Boiça I / Maria Helena BragançaI / Marisa Nishitani DiasI /
Nicolau Ávila Cruz I / Pedro Luis reis Crotti I / Renata Silvia da Silva Amoroso LuqueI /
Sandra Coenga de SouzaI / Simary Laura de AlmeidaI / Ademir Lopes Junior II / Reinaldo
Gaspar da MotaII / Luisa Fogarolli de CarvalhoIII / Denise Herdy AfonsoIV

Palavras-chave: Preceptor. Educação Médica. Integração Ensino, Serviço e


Comunidade.

RESUMO rar as condições para o desempenho das atividades do


preceptor, que deve ser preparado adequadamente para
Considerando a estratégia de inserção dos alunos nos di- o exercício de suas funções de ensino e assistência, bem
versos cenários de atividades práticas, na perspectiva de como valorizado de forma justa pelos gestores em saúde
integração ensino, serviço e comunidade, o preceptor e educação. Assim, com base nas discussões realizadas
tem grande importância na formação médica, uma vez nesses eventos, buscou-se uma compreensão ampliada
que possibilita vivências imprescindíveis ao aprendizado da realidade à luz da ideal integração ensino, serviço e
significativo. Durante o Curso de Competência Pedagó- comunidade, e do papel das instituições na formação de
gica de Preceptores da Residência Médica, promovido preceptores qualificados e valorizados.
pela Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM)
no Estado de Mato Grosso, e durante a Iª Oficina de In-
tegração Ensino, Serviço e Comunidade, constatou-se INTRODUÇÃO
que o preceptor da residência médica necessita de oficia- A formação médica consiste na transmissão de conheci-
lização e reconhecimento dos diversos atores da educa- mentos teóricos específicos, aplicados por meio de vivên-
ção médica. Verificou-se ainda a necessidade de melho- cias práticas relacionadas ao cuidado com a saúde de pes-

I Preceptor de Residência Médica do Estado do Mato Grosso.


II Tutor do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
III Orientadora de Aprendizagem do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
IV Supervisora do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.

54 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Ana Maria Coelho Bezerra Martins et. al.

soas ou populações. Historicamente, desde a antiga cução de atividades de ensino em decorrência da desva-
Grécia, os responsáveis pelo repasse destes saberes e lorização por parte das instituições.
práticas eram aqueles que preenchiam critérios de quali-
ficação com base na experiência adquirida na arte de
OFICINA DE TRABALHO INTEGRAÇÃO
curar. Tanto na Europa do século XIV, quanto nos Estados
ENSINO-SERVIÇO-COMUNIDADE
Unidos, durante o século XVIII e parte do século XIX, a
educação formal em escolas regulares era considerada A proposta de uma oficina de trabalho para discutir me-
suplementar, uma vez que o principal aprendizado médi- tas e necessidades dos cursos da área da saúde teve por
co se dava em estágios práticos em que o candidato ao objetivo contribuir com os pressupostos e o desenvolvi-
título de doutor em medicina deveria, durante no mínimo mento de políticas de integração de ensino-serviço-co-
um ano, exercer a prática médica supervisionada por um munidade, a partir da construção de um plano de traba-
médico preferencialmente bem conceituado. lho para reorganização das práticas e dos estágios
No Brasil Colônia, há registros de profissionais habili- curriculares dos cursos de graduação, pós-graduação e
tados a praticar a medicina sem qualquer formação teó- residência médica da Universidade Federal de Mato
rica. Eles eram treinados durante um período variável Grosso (UFMT) na rede de serviços de saúde dos muni-
acompanhando médicos e cirurgiões diplomados, cen- cípios parceiros, com um foco mais específico na Aten-
trados na experiência e prática diárias. ção Primária, onde atua boa parte dos preceptores par-
De acordo com as mudanças sociais e políticas no ticipantes do Curso de Competência Pedagógica de
País, a formação médica vem sofrendo reformas impor- Preceptores da Residência Médica.
tantes, cabendo atualmente ao Ministério da Educação As limitações dos serviços, as premências da comuni-
(MEC) estabelecer regras e critérios utilizados no acom- dade e as características da atividade ensino-aprendiza-
panhamento das instituições responsáveis pela formação gem se inter-relacionam, produzindo um cenário de difi-
médica. Cabe lembrar que a Comissão Nacional de Re- culdades e desafios que só podem ser superados com o
sidência Médica (CNRM) é o órgão vinculado ao MEC amadurecimento das relações institucionais e com a bus-
responsável pelos critérios e programas de residência ca do entendimento e da cooperação propositiva. Neste
médica no Brasil. Entre os critérios de avaliação e valori- contexto encontra-se a figura do preceptor.
zação da qualidade do ensino oferecido pelas instituições A Oficina Integração Ensino Serviço Comunidade
superiores, o MEC considera o perfil do quadro de do- (Iesc) foi uma iniciativa da Administração Superior, orga-
centes das diversas faculdades de Medicina do País. Des- nizada pela vice-reitoria e pró-reitoria de graduação, que
de o ano de 2001, com as novas Diretrizes Curriculares instituíram uma comissão organizadora para os trabalhos
para o ensino médico, preconiza-se que os médicos te- que contou com o apoio da ABEM e do Pró/PET–Saúde.
nham sua formação nos diversos cenários das atividades Esta oficina reuniu 74 participantes – diretores, coorde-
práticas. Neste cenário onde ocorre a integração ensi- nadores, docentes e discentes dos cursos da saúde e áreas
no-serviço, cabem ao preceptor a inserção e o acompa- afins, gestores municipais da área da saúde e profissionais
nhamento do médico residente nestas atividades. envolvidos com preceptoria e orientação de serviço –,
Neste sentido, as atividades de ensino, pesquisa e ex- bem como alguns representantes da comunidade, que dis-
tensão fazem parte dos projetos pedagógicos dos cursos cutiram a integração ensino-serviço-comunidade durante
de graduação, pós-graduação e residência médica. Portan- dois dias, por meio da metodologia da problematização.
to, discutir o papel do preceptor na educação médica à luz Em números, a oficina contou com vários segmentos:
da integração ensino-serviço-comunidade é condição fun- alunos de cursos de graduação, pós-graduação e residên-
damental para compreender de forma ampliada o contex- cia médica, 44 da UFMT e de outras instituições de ensino
to deste complexo cenário de atuação do preceptor. superior, 20 docentes, 9 preceptores vinculados à rede de
Cabe destacar que, embora o preceptor desenvolva saúde dos municípios de Cuiabá e Várzea Grande, e um
atividades de ensino, seu vínculo institucional se dá pela representante do controle social. A coordenação dos tra-
rede de assistência à saúde e não pelas instituições for- balhos contou ainda com a colaboração dos professores
madoras, o que tem gerado grandes dificuldades na exe- convidados Denize Herdy Afonso (Uerj), Luisa Fogarolli

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 55


Integração do Ensino no Serviço e Comunidade

de Carvalho e Ademir Lopes Júnior, que contribuíram • Pouca articulação entre a universidade e a rede de
com palestras, sistematização de resultados dos grupos saúde – necessidade de planejamento conjunto;
de trabalho e avaliação das diversas etapas propostas. • A comunidade não conquistou espaço para partici-
par do planejamento, não é corresponsável e não
recebe retorno das pesquisas de que participa;
Opção metodológica
• Necessidade de institucionalizar a articulação entre
Para a organização da oficina utilizamos a metodologia ensino e serviço;
da problematização. A referência para essa metodologia • Em muitos casos, a extensão e pesquisa não consi-
é o Método do Arco, de Charles Maguerez, constituído deram as necessidades do serviço e da comunidade;
por cinco etapas, desenvolvidas a partir da realidade ou • Falta de domínio na formulação de metodologias
de um recorte da mesma: observação da realidade e de- ativas para os preceptores;
finição do problema, pontos-chave, teorização, hipóte- • Dificuldade de integração dos profissionais e aca-
ses de solução e aplicação à realidade1. demia para o diagnóstico situacional, planejamento
e avaliação das práticas e estágios;
• Falta de prioridade das atividades de ensino nas ins-
Descrição das atividades
tituições;
A cada subgrupo de dez participantes, coordenado por • Falta de compreensão: o espaço de trabalho é um
um preceptor ou residente do Programa de Medicina de espaço de ensino;
Família e Comunidade, foi solicitada a elaboração de • Falta de conhecimento do aluno, professor e pre-
uma lista de problemas ligados à “integração ensino, ser- ceptor acerca das propostas do projeto político
viço e comunidade” (Iesc). Com base nesses problemas, pedagógico dos cursos;
partiu-se para a “teorização”, quando foram disponibili- • Falta de comprometimento dos atores;
zados quatro textos sobre os seguintes temas: integra- • Falta de reconhecimento dos profissionais nas
ção ensino-serviço-comunidade; integralidade da aten- universidades.
ção à saúde e interdisciplinaridade; trabalho em equipe Neste documento, além da formação de uma rede
multiprofissional. de integração ensino, serviço e comunidade, sugeri-
mos a discussão permanente destes e de outros pro-
blemas que envolvem diretamente o preceptor. Assim,
Resultado da Oficina de Integração Ensino,
propomos:
Serviço e Comunidade
• Iniciar o processo de integração no seio da própria
A partir das questões norteadoras, foram elencados os UFMT, com aproximação e troca de experiências
principais problemas na integração ensino serviço e co- entre os diferentes cursos da área de saúde, pro-
munidade que afetam diretamente o preceptor: movendo políticas integradas entre os cursos de
• Escassa participação de gestores locais na definição saúde em seus diversos estágios;
das políticas de saúde; • Institucionalizar, nos diversos cursos de saúde, as
• Na maioria das UBS, a infraestrutura é limitada atividades voltadas ao fortalecimento do SUS, por
para o ensino, necessitando de adequações; meio da educação permanente, qualidade e aten-
• Necessidade de melhor comunicação entre os cur- ção à população;
sos da área da saúde; • Institucionalizar as propostas deste documento
• Desinteresse do poder público em entender a ne- como meta da nova gestão, visando concretização
cessidade de reformulação do processo ensino- nas unidades (colegiado, congregação), de modo a
-aprendizagem; envolver a comunidade acadêmica na concretiza-
• Discreto vínculo dos preceptores e demais traba- ção da integração ensino, serviço e comunidade,
lhadores da UBS, que se queixam de falta de remu- com ênfase especial na Atenção Primária e ESF;
neração como forma de valorização do trabalhador • Valorizar as pesquisas e a formação de programas
das UBS; de pós-graduação na área de saúde de família e co-

56 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Ana Maria Coelho Bezerra Martins et. al.

munidade, em comum acordo com as necessida- proporcionando o repasse das informações e a edu-
des dos gestores e da comunidade; cação continuada no contexto da comunidade;
• Nos cursos de saúde da UFMT, inserir no planeja- • Promover a adequada inserção dos alunos nos lo-
mento acadêmico no próximo semestre a integra- cais de estágio previamente escolhidos e pactua-
ção ensino-serviço-comunidade; dos, com tempo suficiente para a criação de víncu-
• Promover a valorização e a integração dos projetos los de corresponsabilidade, evitando a rotatividade
de extensão PET-Saúde e Pró-Saúde com os projetos e facilitando a integração equipe-alunos-professo-
políticos e pedagógicos dos cursos da área de saúde; res-tutores-comunidade;
• Apoiar a organização dos projetos políticos e peda- • Promover na rede de saúde a adequação do espaço
gógicos dos cursos de saúde, considerando as neces- físico para a equipe, como forma de valorizar o
sidades de integração ensino-serviço-comunidade, ensino-serviço;
mediante ampla discussão e adequado planejamen- • Formalizar a institucionalização ensino e serviço
to, bem como estimular a implementação de proje- por meio do Conselho Municipal de Saúde, Secre-
tos políticos pedagógicos com a inserção de meto- taria Municipal de Saúde e UFMT mediante convê-
dologias ativas nas unidades curriculares; nios entre a SMS e as instituições de ensino que
• Institucionalizar políticas de integração ensino, ser- abordem aspectos jurídicos, éticos, financeiros e
viço e comunidade com todos os órgãos envolvidos; operacionais;
• Estimular o desenvolvimento de pesquisas e exten- • Contribuir com a criação, consolidação e efetiva-
sões que atendam às necessidades reais da comuni- ção dos conselhos gestores locais e o fortalecimen-
dade; to do controle social no SUS, por meio da partici-
• Desenvolver ações locais com vista à realização do pação efetiva dos alunos de graduação, internos,
diagnóstico situacional e intervenções conjuntas residentes e docentes da UFMT;
entre universidade, serviço e comunidade; • Promover maior comunicação e articulação per-
• Estimular, junto aos conselhos gestores locais e ao manente para a capacitação dos profissionais da
Conselho Municipal de Saúde, a discussão sobre a rede por intermédio das instituições de ensino;
importância da integração ensino, serviço e comu- • Criar instrumentos que avaliem o impacto dessa
nidade, tendo em vista o realinhamento da forma- parceria por meio de indicadores de saúde, de pes-
ção dos profissionais da saúde conforme os precei- quisa e de índices de satisfação dos usuários, e re-
tos da atual Política Nacional de Saúde, no sentido meter à comunidade o resultado dessas avaliações,
de atender às necessidades da população; o que fortaleceria o entendimento da importância
• Promover a criação de um projeto conjunto, visan- da Iesc;
do fortalecer as relações interinstitucionais com • Criar o Ambiente Virtual de Integração na Saúde
proposições legais que envolvam a integração ensi- (Avis) e disponibilizar este instrumento na platafor-
no, serviço e comunidade. Tal documento visa re- ma Moodle, com a proposta de facilitar nosso en-
conhecer as atribuições dos profissionais da saúde contro para discutir a Integração na Saúde e demais
envolvidos no ensino da graduação, denominados temas correlatos, possibilitando articulação e mo-
preceptores e demais membros das equipes de bilização do grupo;
saúde. Entre as instituições a serem envolvidas, es- • Difundir adequadas informações aos atores envol-
tão o Conselho Estadual de Saúde, a Câmara de vidos em projetos e ações que promovam a inte-
Vereadores, Conselhos Municipais de Saúde, insti- gração ensino, serviço e comunidade;
tutos e faculdades da área de saúde, além de repre- • Oferecer capacitação metodológica aos membros
sentantes das comunidades envolvidas; das equipes envolvidas no processo de ensino-
• Estimular e desenvolver mecanismos de valorização -aprendizagem;
dos profissionais de saúde, em especial os precep- • Incluir, em todas as instâncias, espaços de participa-
tores e os Agentes Comunitários de Saúde, a fim de ção no planejamento e avaliação das atividades prá-
fortalecer a relação aluno, equipe e comunidade, ticas de ensino;

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 57


Integração do Ensino no Serviço e Comunidade

• Identificar as necessidades dos profissionais de saú- a formação e a valorização do preceptor. Esse estudo
de e espaços para a capacitação e formação ampla analisa 176 trabalhos de congressos brasileiros de educa-
e diversificada (libras, fotografia, língua estrangei- ção médica referentes à preceptoria quanto a conceito
ra); propor que a UFMT abra espaço para contri- aplicado, atividade exercida, formação e capacitação em
buir com a formação e a qualificação das equipes articular teoria e prática e fornecer subsídios à prática
de saúde e comunidade; profissional.
• Estabelecer e/ou fortalecer vínculos com demais A formação e a capacitação de preceptores foram in-
instituições, visando ao fortalecimento das diversas cluídas em dois trabalhos em 2008 e em quatro traba-
comissões de integração ensino-serviço da Baixada lhos em 2009. Um estudo propôs um modelo para capa-
Cuiabana e Cies estadual; citação pedagógica que incluiu, por decisão consensual,
• Criar um colegiado técnico interinstitucional para as competências que o grupo definiu como essenciais à
discutir tanto o modelo de formação e ensino prática da preceptoria. Finalmente, a capacitação em as-
quanto a assistência em saúde; pectos pedagógicos foi levantada como um dos fatores
• Fortalecer a comissão integração ensino-serviço- relevantes para o fortalecimento da parceria e da atua-
-comunidade, para garantir o vinculo ensino-servi- ção dos preceptores dos alunos.
ço em direção ao modelo adequado de atenção de Anete Trajman et al.4 revelam a opinião de trabalhado-
ensino e serviço. res (não apenas médicos) a respeito da atividade de pre-
ceptoria: 77% dos entrevistados consideram que a pre-
ceptoria faz parte das atribuições dos profissionais e
CONSIDERAÇÕES ESPECÍFICAS SOBRE O
61% gostariam de assumir essa tarefa. Várias dificulda-
PRECEPTOR
des foram apontadas, incluindo problemas estruturais e
A iniciativa da UFMT, com apoio da ABEM, de promover de recursos humanos. Os principais problemas identifi-
esta discussão sobre o papel do preceptor na integração cados pelos 351 profissionais que responderam ao ques-
ensino, serviço e comunidade foi apontada como um im- tionário foram: espaço físico reduzido (24,5%), carência
portante passo rumo à construção de um novo processo de recursos (20,7%), falta de tempo dos profissionais
no ensino-serviço-comunidade na instituição. A função (14,4%) e despreparo profissional (11,2%). Percebe-se
do preceptor, muitas vezes controversa até mesmo en- que a realidade aqui vivenciada é comum a outras insti-
tre os próprios profissionais da saúde, tem papel funda- tuições. Também nos faltam condições melhores para
mental na formação do médico residente, embora não desenvolver o trabalho de preceptoria.
seja clara para boa parte dos profissionais. O exercício Logo, podemos apontar pelo menos dois grandes res-
do ensino requer adaptações e reestruturações urgen- ponsáveis no processo de valorização do preceptor: as
tes, tanto de instalações físicas, quanto de reconheci- instituições de ensino e o Estado (entende-se como
mento de um amplo leque de atuações para a adequada qualquer poder público que possa ser beneficiado com o
definição do papel do preceptor. papel da preceptoria: prefeitura, Estado ou União). O
O preceptor é descrito por Botti e Rego2 (p. 370) principal papel das instituições seria reconhecer e capa-
como “o profissional que atua dentro do ambiente de citar o profissional interessado na atividade de precepto-
trabalho e de formação, estritamente na área e no mo- ria, para que este possa ter mais segurança e competên-
mento da prática clínica [...] Tem então a função primor- cia em suas atribuições. E o papel principal do Estado
dial de desenvolver habilidades clínicas e avaliar o profis- seria oferecer melhores condições de trabalho, por
sional em formação”. Logo, o preceptor tem a função de meio de um espaço físico adequado. A remuneração
mediar os aspectos teóricos e práticos da formação do pelo trabalho de preceptoria e melhores salários são
médico. pontos colocados em discussão.
Definidos o conceito e o papel do preceptor, conside- Experiências de uma instituição canadense revelam
remos nossa questão inicial: como formar e valorizar que os candidatos à função da preceptoria reconhecem
preceptores? Em seu estudo, Missaka e Ribeiro3 fazem como positivo ser designado oficialmente instrutor clíni-
uma excelente revisão que traz algumas sugestões sobre co, passando a ter endereço eletrônico da universidade,

58 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Ana Maria Coelho Bezerra Martins et. al.

ter acesso pleno à biblioteca, participar de programa de 4. Trajman A, Assunção N, Venturi M, Tobias D, Toschi W, Brant V. A
preceptoria na rede básica da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de
desenvolvimento docente e dispor de apoio psicopeda-
Janeiro: opinião dos profissionais de Saúde. Rev. bras. educ. med.
gógico individual para a função. Evidentemente, a remu- 2009; 33(1):24-32.
neração financeira precisa ser considerada, sendo defen-
sável a agregação de valor para aquele que executa a
REFERÊNCIAS CONSULTADAS
função de médico e preceptor.
Uma parceria efetiva entre as instituições e os gesto- Botti SHO. O papel do Preceptor na formação de médicos residentes:
res é fundamental para a valorização da preceptoria. Um estudo de residências em especialidades de um Hospital de Ensi-
no. Rio de Janeiro; 2009. Doutorado [Tese] – Escola Nacional se Saú-
Cabe destacar a necessidade de estabelecer e exigir re-
de Pública, Fundação Oswaldo Cruz.
quisitos (conhecimentos, habilidades, atitudes e antece-
Brasil. Comissão Nacional de Residência Médica. Resolução CNRM
dentes éticos) na seleção para o cargo de preceptor, nº02/2006, de 17 de maio de 2006. Dispõe sobre requisitos mínimos
aplicar esses requisitos com equidade e justiça, e estabe- dos Programas de Residência Médica e dá outras providências.
lecer um plano de trabalho e carreira. Brasil. Decreto nº 13.032, de 06 de agosto de 2010. Institui a precep-
Em todos os recentes encontros de residência médi- toria no HR de Campo Grande - MS. Diário Oficial do Estado de Mato
ca, os participantes apontaram a qualificação para a pre- Grosso do Sul. Campo Grande. 32; 7.763.
ceptoria como estratégia emergente e essencial para o Guedes J. A Residência Médica e o SUS: distorções e propostas de
processo de evolução da residência médica no Brasil. O soluções. Jornal do Cremeb. 2009 out/nov/dez; (139):12.

projeto da ABEM, do qual somos participantes, inclui as- Michel JLM, Batista de Oliveira RA, Nunes MPT. Residência Médica no
pectos pedagógicos e de gestão como estratégia de qua- Brasil. Cadernos da ABEM. 2011;7:7.

lificação para a preceptoria. Michel JLM, Batista de Oliveira RA, Nunes MPT. A Residência Médica
e a Preceptoria, a Supervisão e a Coordenação. Cadernos da ABEM.
2011; 7:35.
CONCLUSÃO Missaka H. A Prática Pedagógica dos Preceptores do Internato em
Emergência e Medicina Intensiva de um Serviço Público não Universitá-
É importante lembrar que a valorização do preceptor rio. Rio de Janeiro; 2010. Mestrado [Dissertação] - Núcleo de Tecnolo-
esbarra, entre tantos fatores, na escassa avaliação da gia Educacional para a Saúde Universidade Federal do Rio de Janeiro.
própria preceptoria. A avaliação é uma oportunidade Nascimento LA, Tramontini CC, Garanhani ML. O Processo de
que se oferece de análise de processos em curso, tra- Aprendizagem do Residente de Anestesiologia: uma Reflexão sobre o
zendo para o avaliado as medidas de acerto e erro em Cuidado ao Paciente. Rev. bras. educ. med. 2011;35(3):350-358.

sua trajetória, possibilitando reflexão e projeções sobre Nunes MPT, Martins, ACS, Machado VR. Avaliação do Sistema RM:
rotas a serem cumpridas, tendo por meta o objetivo ini- Instituição, Programa, Residente, Corpo Docente. Cadernos da
ABEM. 2011;7:41.
cialmente traçado. Assim, preceptores avaliados e, con-
Pierce J, Paulman A, Paulman PM. The preceptor as Ethics Educator.
sequentemente, melhorados deverão ser cada vez mais
For the Office –based teacher of Family Medicine. Fam. Med.1999;
valorizados, assim como serviços, projetos políticos pe- 31(10): 687-8.
dagógicos e programas de residência, que devem propor
Prefeitura Municipal de São Carlos. Secretaria Municipal de Saúde.
e implementar a adequada valorização do preceptor Conselho de parceria. Proposta para a atividade de preceptoria na
como peça fundamental à integração ensino, serviço e área da saúde da UFSCar. São Carlos: UFSCar, 2006. [capturado em:
comunidade. 28 mai 2012]. Disponível em http:// www.conselhodeparceria.ufscar.
br/documento-preceptoria.
Rebelatto JR, Michel JLM, Haddad AE, Nunes MPT. Mestrado Profis-
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Cadernos da ABEM. 2011;7:57.
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questões de ensino superior. Londrina: EDUEL, 1998a. Universidade Federal de Uberlândia. Projeto Pedagógico do Progra-
2. Botti SHO, Rego S. Preceptor, Supervisor, Tutor e Mentor: Quais são ma de Residência Multiprofissional do Hospital de Clínicas da Univer-
Seus Papéis? Rev. bras. educ. med.2008; 32(3): 363-373. sidade Federal de Uberlândia-MG; 2009.
3. Missaka H, Ribeiro VMB. A Preceptoria na Formação Médica: o que Wuillaume SM. O processo ensino aprendizagem na Residência Médi-
Dizem os Trabalhos nos Congressos Brasileiros de Educação Médica ca em Pediatria: uma análise. Rio de Janeiro; 2000. Doutorado [Tese]
2007-2009. Rev. bras. educ.med.2011; 35(3):303-310. - Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz.

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 59


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Motivação e Comprometimento: Fatores que contribuem para efetivo processo ensino-aprendizagem na residência médica.
Motivação e Comprometimento: Fatores que
Contribuem para um Efetivo Processo Ensino-
Aprendizagem na Residência Médica
Aby Jaine da Cruz Montes MouraI / Alessandra Kohatsu ShimabucoI / Alex Bortotto
GarciaI / Ana Christina Wanderley Xavier GiacominiI / Andressa Mateus da CunhaI /
Antonio Marinho Falcão NetoI / Cláudia Emília LangI / Delcio Gonçalves da Silva JuniorI /
Ernesto Antonio Figueiró FilhoI / Estanislaa Petrona Yarzon OrtizI / Hussem Khalil FaresI /
João Americo DomingosI / Joaquim Dias da Mota LongoI / José Roberto Barcos MartinezI /
Luiz Armando Pereira PatuscoI / Maria José Martins MaldonadoI / Marta DriemeierI /
Mauricio Antonio PompilioI / Newton IshikawaI / Paulo Saburo ItoI / Priscilla Alexandrino
de OliveiraI / Rosana Dorsa Vieira Pontes RegisI / Rosana Leite de MeloI / Wilson AyachI /
Carlos Eduardo BuenoII/ Magali SanchesIII / Oscarina EzequielIII / Roberto Zonato EstevesIV
/ Denise Herdy AfonsoV

Palavras-chave: Aprendizagem. Comprometimento. Motivação. Preceptoria.


Processo. Qualificação Pedagógica.

RESUMO tanto, para a realização da missão fundamental de ade-


quação dos profissionais de saúde às expectativas sociais,
Este artigo tem como objetivo elucidar algumas ques- faz-se necessário que o processo de aprendizagem seja
tões, de acordo com a literatura atualizada, frente ao reavaliado, com a introdução de novas metodologias
tema de ensino e aprendizagem e obter estratégias pos- adequadas à realidade das instituições. O desenvolvi-
síveis para o envolvimento de preceptores e residentes, mento de preceptores e residentes não poderá ser dis-
com o apoio das instituições, gerando comprometimen- sociado das características imprescindíveis que ambos
to e responsabilidade em todo processo de formação e devem ter incluindo o comprometimento com a institui-
cuidado profissional. É fato, que os residentes devem ser ção e o compromisso com a sociedade em que estão
ensinados de acordo com os médicos que gostaríamos inseridos.
de ter em nosso país. E os médicos que gostaríamos de
ter devem corresponder aos anseios da sociedade. Por-

I Preceptores de Residência Médica do Estado do Mato Grosso do Sul.


II Preceptor de Residência Médica de Marília
III Tutoras do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
IV Orientador de Aprendizagem do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
V Supervisora do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 61


Motivação e Comprometimento

INTRODUÇÃO GRUPO ANDORINHAS: ANÁLISE DOS


FATORES QUE CONTRIBUEM PARA UM
O programa de residência médica (PRM) caracteriza-se por
EFETIVO PROCESSO ENSINO-
treinamento em serviço em período integral e tem por ob-
APRENDIZAGEM NA RESIDÊNCIA MÉDICA
jetivos o aperfeiçoamento progressivo do padrão profissio-
nal e científico, a melhoria da assistência médica à comuni- Questão norteadora: Como envolver os preceptores e resi-
dade e a formação de pessoal para o exercício da docência. dentes no processo ensino-aprendizagem, com aval institu-
No Núcleo do Hospital Universitário da Universidade cional, para gerar comprometimento e responsabilidade?
Federal do Mato Grosso do Sul (NHU/UFMS), a residên-
cia médica foi implantada em 1981, iniciando-se com os
INTRODUÇÃO
programas de Cirurgia Geral, Clínica Médica e Pediatria.
Atualmente, são oferecidos programas de Cardiologia, O ensino médico tem passado, na atualidade, por mudan-
Cirurgia Geral, Cirurgia Vascular, Clínica Médica, Der- ças, sobretudo na forma de interação preceptor/residen-
matologia, Infectologia, Infectologia Hospitalar, Medicina te, transformando o processo de ensino-aprendizagem
Intensiva Pediátrica, Medicina de Saúde da Família e Co- da forma passiva para ativa, centrado no residente, obje-
munidade, Neonatologia, Obstetrícia e Ginecologia, Of- tivando desenvolver competências que tornem este pro-
talmologia, Ortopedia e Traumatologia, Pediatria, Pneu- fissional capaz de alcançar os anseios da sociedade atual.
mologia, Psiquiatria, Reumatologia e Urologia. O NHU O papel da Comissão Interinstitucional Nacional de
está em processo de credenciamento para oferecer mais Avaliação do Ensino Médico (CINAEM) foi essencial
três programas de residência médica em 2014: Cirurgia para a posterior construção das DCN, cujo Artigo 3°
Cardiovascular, Radiologia e Diagnóstico por Imagem, descreve o perfil do médico que atende às demandas
Angiorradiologia e Cirurgia Endovascular. nacionais:
Os programas de residência médica funcionam sob a
responsabilidade do Hospital Universitário, coordena- Médico, com formação generalista, humanista, crítica
dos pela Divisão de Apoio Acadêmico e Científico e reflexiva, capacitado a atuar, pautado em princípios
(Diac) e pela Comissão de Residência Médica (Coreme) éticos, no processo de saúde doença em seus diferentes
e supervisionados pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós- níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção,
-Graduação (Propp). recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da
Cada PRM está estruturado como um curso de espe- integralidade da assistência, com senso de responsabi-
cialização, obedecendo, naquilo que lhe for aplicável, às lidade social e compromisso com a cidadania, como
normas de legislações específicas emanadas da Comis- promotor da saúde integral do ser humano1 (p. 1).
são Nacional de Residência Médica e aos dispositivos in-
ternos da instituição. Para tanto, preceptores e residentes, devem se com-
No âmbito da UFMS, os programas de residência mé- prometer com o processo de ensino-aprendizagem,
dica estão regidos pelo Regimento Interno da Coreme, para que este possa ocorrer de forma a beneficiar aque-
aprovado pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão e le que está sendo formado e despertar satisfação em
Conselho Diretivo do Núcleo do Hospital Universitário. quem forma. Há necessidade de ambas as partes assu-
O trabalho aqui apresentado é resultado das discus- mirem suas responsabilidades, de modo a gerenciar
sões presenciais e a distância, parte integrante do Curso adequadamente tempo, trabalho, estudo e assistência, e
de Aperfeiçoamento para Preceptores do Projeto ABEM que se tenha o devido suporte institucional para que o
de Preceptoria para Residência, oferecido em parceria contexto do ensino-aprendizagem ocorra em um am-
com o Centro Colaborador do Mato Grosso do Sul da biente adequado e com os pré-requisitos necessários,
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. A questão em termos didáticos, para que se desenvolva da maneira
norteadora da discussão a distância para cada grupo de mais proveitosa possível. Este processo deve estar res-
preceptores foi definida no momento presencial pelo paldado pelas instituições de ensino responsáveis pela
grupo de preceptores. formação (Figura 1).

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Aby Jaine da Cruz Montes Moura et. al.

Figura 1 necessidades educativas; elaboração de plano e estabe-


Relação preceptor-residente-instituição no efetivo processo de lecimento de objetivos a partir do diagnóstico e formas
ensino-aprendizagem da residência médica
de avaliação que propiciem o desenvolvimento no resi-
dente da metacognição. O preceptor tem, então, o pa-
pel de facilitador, e, como tal, sua relação com os resi-
dentes é horizontal, tendo como principais características
o diálogo, o respeito, a colaboração e a confiança, pois
desta forma cria-se um ambiente de conforto propício à
aprendizagem.
Algumas das metodologias alinhadas com esta pro-
posta são: problematização; uso de ferramentas heurís-
ticas, como mapas conceituais; aprendizado baseado em
problemas; team-based learning (TBL); discussões em
grupo; aprendizado baseado em projetos. Para a ade-
quada condução de qualquer uma delas, é necessário o
desenvolvimento da competência pedagógica do pre-
Concepção pedagógica na residência ceptor. Idealmente, devem-se empregar vários méto-
dos. Segundo Norintam2, as formas como os alunos
Alguns conceitos importantes nesta discussão estão ali- aprendem seguem esta ordem: 10% com o que leem;
nhados à necessidade de entender o papel dos diferen- 20% com o que escutam; 30% com o que veem; 50%
tes atores no processo ensino-aprendizagem do resi- com o que veem e escutam; 70% com o que conversam
dente e no contexto do aprendizado baseado no uns com os outros; 80% com o que utilizam na vida real;
trabalho, aprendizado em cenários reais. Entre as várias 95% quando ensinam uns aos outros.
teorias de aprendizado, nos chama a atenção o Socio- Assim, três aspectos são importantes: diversificação
construtivismo, criado por Vygotsky, em que todo dos cenários de ensino-aprendizagem, treinamento em
aprendizado é necessariamente mediado, e isso torna o serviço e experiência de aprendizagem em equipes mul-
papel do ensino e do professor mais ativo do que o pre- tiprofissionais.
visto por Piaget. Vygotsky criou o conceito de Zona de
Desenvolvimento Proximal, que seria a distância entre
Papel do preceptor
o desenvolvimento real da pessoa e aquilo que ela tem
potencial de aprender quando tutorada por um profis- Como já discutido, a formação pedagógica do preceptor
sional com conhecimento sobre o assunto, ou entre “o é indispensável a um processo efetivo. Além dela, mere-
ser e o tornar-se”. A educação de adultos embasada em cem destaque o profissionalismo, o conhecimento técni-
um modelo andragógico tem como princípios: co e a motivação intrínseca – “a paixão por ensinar”.
• A necessidade de os adultos saberem a finalidade, o
“porquê” de certos conteúdos e aprendizagens;
Papel do residente
• A facilidade dos adultos em aprender pela expe-
riência; Primeiramente, o residente deve ter interesse em apren-
• A percepção dos adultos sobre a aprendizagem der, pois sem este pré-requisito a aprendizagem não
como resolução de problemas; ocorrerá da forma adequada. Segundo, deve ter paixão
• A motivação para aprender é maior se for interna pela profissão que abraçou, pois sem isto nunca será um
(necessidade individual) e se o conteúdo a ser profissional verdadeiramente completo, deixando sem-
aprendido for de aplicação imediata. pre a desejar em tudo que fizer. Esta motivação intrínse-
ca pode ser potencializada durante a formação do resi-
Tomando como base estes princípios, o aprendizado dente, de modo a encorajá-lo a ser um agente de
do residente passa por diferentes fases: diagnóstico das mudança em contextos locais e globais.

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 63


Motivação e Comprometimento

Papel das instituições Meyer et al.3 e validado em várias culturas. Os autores


conceituam o comprometimento organizacional em três
As instituições envolvidas com os PRM têm importante dimensões:
papel, fornecendo subsídios para a adequada formação
(a) Afetiva: comprometimento como um envolvimen-
do residente. Favorecer o desenvolvimento pedagógico
to, onde ocorre identificação com os objetivos e
dos preceptores, valorizar o papel do preceptor e do re-
valores da organização. Representa algo além da
sidente, disponibilizar recursos humanos, estrutura física
simples lealdade passiva, envolvendo uma relação
e insumos, e valorização financeira estão entre suas ações.
ativa na qual o indivíduo deseja dar algo de si para
A instituição deve estabelecer um contínuo processo
contribuir com o bem-estar da organização;
de acompanhamento da residência, estabelecendo me-
(b) Instrumental: comprometimento percebido como
tas para aprimoramento contínuo, definindo um diag-
alto custo associado a deixar a organização;
nóstico situacional, desenvolvendo um projeto operativo
(c) Normativa: comprometimento como uma obri-
ou plano de ação, com avaliações constantes do proces-
gação de permanecer na organização.
so e resultados.

Deste modo, os preceptores, independentemente do


Formação do residente tipo de comprometimento (afetivo, instrumental ou nor-
mativo), devem ser estimulados ou orientados a buscar
Para sensibilizar o residente, devem-se realizar dinâmi-
um deles para permanecer engajado no processo de
cas de grupo que despertem sua atenção e lhe mostrem
ensino-aprendizagem – seja por afetividade, que seria o
que aquele é o seu tempo de estudar e se aprimorar.
Para isto, ele necessita compreender quais os objetivos melhor comprometimento a ser alcançado; seja por ins-
de aprendizagem, os meios para atingi-los, o que se es- trumentalização, ou porque “precisam” estar ali; seja
pera que ele assimile enquanto médico especialista e por normatização, ou “obrigação” de estar ali. O ideal
como deve encarar a profissão. seria “despertar” o comprometimento afetivo em graus
Além das habilidades técnicas que irá aprimorar ao diferentes nos indivíduos comprometidos instrumentali-
longo do PRM, o residente deverá desenvolver outras zados/normativos.
habilidades específicas, como a inteligência emocional e, Assim, o preceptor deve estar comprometido com:
sobretudo, a habilidade de comunicação. Estudos des- sua atualização técnica, seu desenvolvimento pedagógi-
crevem uma correlação positiva entre o grau de satisfa- co, a instituição, as questões operacionais do PRM e, so-
ção dos pacientes e a inteligência emocional dos profis- bretudo, com o residente e o paciente. Desta forma, se
sionais envolvidos em seu atendimento. obtivermos preceptores com estes níveis de compro-
metimento, certamente teremos uma residência médica
de qualidade e atingindo seus objetivos.
Comprometimento
Também se espera comprometimento do residente
Mais que uma simples lealdade, o comprometimento é e, sobretudo, institucional. Os gestores de nossa institui-
um processo pelo qual os colaboradores expressam pre- ção (diretores, coordenadores) e os representantes lo-
ocupação com o bem-estar e o sucesso da organização cais de saúde (secretário de Saúde e seus representantes
em que trabalham. em fóruns, comissões e Conselhos) precisam conhecer
Comprometimento organizacional pode ser caracte- as propostas dos PRM das diversas especialidades e as
rizado por no mínimo três fatores: forte crença e aceita- dificuldades encontradas, as propostas das equipes ou
ção dos objetivos e valores da organização; estar dispos- serviços implantados e a construção de projetos que
to a exercer um esforço considerável em benefício da possam avançar na direção de soluções.
organização; e um forte desejo de se manter membro da
organização.
CONCLUSÃO
Dentre os diversos modelos de conceituação do com-
prometimento, o de maior aceitação entre os pesquisa- Para que possamos desenvolver um ensino-aprendiza-
dores é o modelo de três dimensões, estabelecido por gem eficaz, é essencial o preparo do preceptor e da ins-

64 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Aby Jaine da Cruz Montes Moura et. al.

tituição, de forma que o preceptor tenha competência seu processo de formação, o residente observa os pre-
pedagógica e técnica, e que a instituição forneça todo o ceptores, tomando-os como modelo não apenas de co-
apoio com recursos físicos, humanos e financiamento nhecimento e de habilidades técnicas, mas também
necessários a este fim. É fundamental que o residente como espelho de comportamento e atitudes. Assim ad-
participe de todas as instâncias de seu processo de quire conhecimentos, habilidades e valores, e começa a
aprendizagem. Somente assim poderemos alcançar uma aprender a exercer o seu papel na sociedade – sua iden-
formação profissional apropriada, que venha a suprir as tidade profissional5.
necessidades de nossa população, com médicos de qua-
lidade e com formação ética e moral adequada. Quando
Competências dos preceptores
todos estes pré-requisitos estiverem alinhados, podere-
mos ter o comprometimento de preceptores e residen- Que competências são necessárias aos preceptores/do-
tes com o ensino-aprendizagem, o que despertará a res- centes para que estes contribuam na formação do
ponsabilidade de todas as partes neste processo. egresso pretendido pelos PRM? Publicações referentes
à docência médica e à docência universitária são unâni-
mes ao considerarem a existência de uma deficiência no
GRUPO MOTIVAÇÃO: ESTRATÉGIAS PARA
domínio da área educacional no desempenho do docen-
QUALIFICAÇÃO PEDAGÓGICA E
te do ensino superior. Praticamente não existe, nas es-
DESENVOLVIMENTO DE MOTIVAÇÃO DOS
colas médicas, preparo específico para os professores
PRECEPTORES
no campo pedagógico. Espera-se que o professor de
Questão norteadora: Quais são as estratégias para moti- Medicina seja “um profundo conhecedor do assunto
var e qualificar pedagogicamante os preceptores? que deve ensinar, como se apenas esse aspecto assegu-
rasse sua competência didática”, o que contribui para a
falta de qualificação pedagógica dos docentes. Um fato
INTRODUÇÃO
que concorre para essa situação são os critérios de con-
Criar estratégias para motivar e qualificar preceptores tratação dos docentes nos cursos médicos, centrados,
para formar médicos com perfil profissional mais ade- principalmente, na qualidade de seu desempenho em
quado às exigências do mundo contemporâneo foi o ob- sua área técnica de atuação e no desenvolvimento de
jetivo escolhido pelo grupo Motivação. Por que eleger a pesquisa e publicações científicas. Pesquisar e ensinar
mais difícil das tarefas? Porque o exercício de pensar nes- “não são atividades incompatíveis”, mas ambas precisam
tas estratégias é mais completo. Ademais, as recentes ser valorizadas. É possível entender que o desenvolvi-
transformações nos cursos de graduação em Medicina, mento de competências pedagógicas é tarefa necessá-
que resultaram na publicação das diretrizes curriculares, ria, ainda que desafiadora, pois estas são necessárias à
e as modificações que estas promoveram seriam moti- transição de modelos tradicionais de ensino, centrados
vos suficientes para a eleição desse objetivo. Curso de nos preceptores, para concepções pedagógicas centra-
graduação e residência médica formam um ato contínuo das no residente e que valorizem a reflexão na ação e
na formação profissional e, por isso, precisam transmitir sobre a ação – prática reflexiva para preceptores e resi-
coerência ao aluno sobre qual perfil de médico se deseja dentes4,6. Sugere-se o incremento das práticas reflexivas
para o Brasil. e o estímulo a sua introdução na formação docente,
O ensino tradicional vem paulatinamente dando lugar para que os professores possam aprender a partir da
a práticas alternativas que se propõem levar ao desen- análise e da interpretação de sua própria atividade. O
volvimento global dos educandos4. A educação é um professor reflexivo, que pensa na ação, interroga sobre
processo de construção e reconstrução do conhe- as alternativas possíveis para determinado momento e
cimento e da formação de cidadãos competentes e avalia seus resultados4.
conscientes de seu papel em nossa sociedade, podendo Diante desta realidade, percebe-se uma necessidade
atuar de forma produtiva e comprometida em seus am- considerável de transformação da relação dos precepto-
bientes sociais e em suas atividades profissionais. Em res com o saber, de sua maneira de “dar aula” e, afinal de

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 65


Motivação e Comprometimento

contas, de sua identidade e de suas próprias competên- A criação de espaços coletivos não é, por si, suficiente
cias profissionais7. É de fato um novo ofício, cuja meta é para motivar preceptores a participar e se qualificar. Es-
antes fazer aprender do que ensinar. Aqui preceptores colas médicas que optaram por processos de mudança
precisam considerar os conhecimentos como recurso a na proposta pedagógica de seus cursos adotaram estra-
ser mobilizado, trabalhar regularmente com situações- tégias diferentes para motivar a participação docente.
-problema, criar ou utilizar atividades pedagógicas diver- Entretanto, todas as estratégias têm um ponto em co-
sas da aula tradicional, negociar e conduzir projetos com mum. O ponto inicial motivador foi um problema real do
seus alunos, adotar um planejamento flexível e indicati- curso, como o desempenho dos egressos nas avaliações
vo, implementar e explicitar um novo contato didático, oficiais, aprovação em concursos de residência, aprova-
praticar uma avaliação formadora em situação de traba- ção em exames para obtenção de títulos de especialida-
lho e aceitar menor compartimentação dos conteúdos de, proporção de egressos com processos judiciais e/ou
em disciplinas7. no CRM nos primeiros anos de atividade clínica. Nos
programas de residência médica, a avaliação para cre-
Que estratégias podemos utilizar para denciamento e recredenciamento realizada periodica-
motivar e qualificar preceptores? mente pela Coreme é instrumento valioso para motivar
a reflexão dos docentes.
Podemos fazer um paralelo com a prática médica. Em Outra estratégia é o convite individual para o profes-
breve resumo, o médico, ao atender a uma pessoa –
sor, o que demonstra deferência e reforça a importância
emprega-se aqui propositalmente o termo pessoa, e não
de sua participação.
paciente –, usa o método clínico, cujas etapas são a cole-
Estratégia igualmente importante é o diagnóstico das
ta de dados (anamnese e exame clínico), raciocínio clíni-
resistências e pontos de dificuldade. Sem esse diagnósti-
co, formulação de hipóteses, solicitação de exames com-
co é impossível alcançar os objetivos propostos. Alguns
plementares, proposição da proposta de cuidados e
aspectos – como faltas repetidas às reuniões, sobrecarga
avaliação do processo.
de trabalho, falta de perspectiva na carreira docente,
A primeira etapa é a coleta de dados. Como se aplica-
concorrência do mercado de trabalho fora da escola –
ria esta etapa ao processo de motivação e qualificação de
são indícios de resistência e dificuldades.
preceptores? Propõe-se a realização de uma pesquisa
Essas estratégias pressupõem que haja coordenação
com os preceptores para estabelecer fatores que propi-
previamente motivada e minimamente qualificada. Cer-
ciem uma preceptoria adequada. A adoção de medidas e
soluções para as solicitações dos preceptores junto à ins- tamente, em todo grupo de pessoas existem aquelas
tituição levaria a maior motivação, pela visualização de com motivação interna suficiente para conduzir esse
perspectivas de melhora. Outra eficaz estratégia é criar processo.
espaços coletivos, com reuniões sistemáticas, que se ca- Estas atividades requerem decisões políticas e poder
racterizam por momentos de encontro coletivo dos pre- de decisão. Sem o poder institucional não há progresso,
ceptores para reflexão, construção, reformulação do objetivos não são alcançados. A participação ativa da
processo pedagógico e troca de experiências. gestão atual é etapa fundamental e, por isso, precisa ser
Esses dados permitiriam, em momentos subsequen- conquistada.
tes, uma reflexão (raciocínio clínico) com o objetivo de O envolvimento do corpo discente/residente também
fazer o diagnóstico ampliado da residência médica. Após é essencial senão para qualificação, com certeza para a
o diagnóstico, o planejamento dos cuidados, com o pro- motivação dos docentes. Os residentes devem ser convi-
grama e com os preceptores, permitiria uma participa- dados a fazer diagnósticos sobre o PRM, e isso pode ser
ção ativa no processo de motivação e qualificação pesso- utilizado nas reuniões com preceptores/docentes.
al e dos pares. Cada indivíduo se converte em sujeito Em síntese, a motivação dos Preceptores que partici-
ativo e, como tal, se apropria do processo e passa a de- param do Curso no Mato Grosso do Sul pode ser ex-
fendê-lo, estimulá-lo, porque não há como ser contra pressada em suas respostas apresentadas visualmente
algo que se ajudou a criar. no formato do wordle® a seguir.

66 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Aby Jaine da Cruz Montes Moura et. al.

Figura 2 2. Norintam AM. Learning through teaching and sharing in the Jigsaw
Fatores que motivam preceptores para participar do Curso de Classroom. Annal Dent Univ Malaya 2008; 15(2):71-76.
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CONCLUSÃO
Botti SHO, Rego S. Preceptor, supervisor, tutor e mentor: quais são
O diagnóstico objetivo das principais dificuldades de atu- seus papéis. Rev. Bras. Educ. Med. 2008; 32(3):363-373.
ação do corpo docente e a criação de espaços coletivos Cantillon P. ABC of learning and teaching in medicine. BMJ
com a finalidade de discutir problemas reais dos progra- 2003;326:437-439.

mas de residência médica e elaborar propostas de solu- Gonçalves MB, Benevides-Pereira AMT. Considerações sobre o ensi-
ção parecem ser as estratégias adequadas para iniciar o no médico no Brasil: consequências afetivo-emocionais nos estudan-
tes. Rev Bras Educ Med. 2008; 33(3):493-504.
processo de motivação e qualificação de preceptores. É
Masetto MT. Competência pedagógica do professor universitário. São
preciso reforçar a ideia de reflexão sobre o trabalho re-
Paulo: Summus; 2003.
alizado. Os anseios individuais são determinantes, e é
Müller M, Rauski EF, Eyng IS, Moreira J. Comprometimento organiza-
necessário encontrar um denominador comum. Os fato-
cional: um estudo de caso no supermercado “beta”. Disponível em:
res extrínsecos, responsáveis (porém não exclusivamen- http://www.pg.cefetpr.br/ppgep/revista/revista2005/pdf4/RGIv-
te) por desmotivação, precisam ser revistos pelas insti- 01n04a10?.pdf
tuições do País, urgentemente. Estes fatores não Ribeiro ECO, Lima V. Competências profissionais e mudanças na for-
dependem diretamente de nós, mas podemos nos mobi- mação. Olho mágico, 2003; 10(2):47-52.
lizar para que eles venham a ser discutidos (melhorias do Oliveira AB. Andragogia: a educação de adultos. Ser professor univer-
ambiente de trabalho, plano de carreira, salários compa- sitário. Disponível em: http://www.serprofessoruniversitario.pro.br/
tíveis com o tempo dispensado). Enfim, a mudança será ler.php?modulo=1&texto=13. Acesso em: 25 nov 2010.

ou não, consequência da decisão do grupo, mas é certo Oliveira AMP, Leita MTM. Concepções Pedagógicas. Especialização
em Saúde da Familia. Modulo Pedagógico. São Paulo: UMA-SUS/UNI-
que a luta em grupo sempre é mais motivante que a luta
FESP ; 2010-2011.
solitária.
Stratton TD, Elam CL, Murphy-Spencer AE, Quinlivan SL. Emotional
Intelligence and Clinical Skills: Preliminary Results from a Comprehen-
REFERÊNCIAS sive Clinical Performance Examination. Academic Medicine. 2005;
80(10 Suppl.).
1. Brasil. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Supe-
Wen LS, Greysen SR, Keszthelyi D, Bracero J, Roos PDG. Social ac-
rior. Resolução CNE/ CES Nº 4 de 7 de novembro de 2001. Institui
countability in health professionals’ training. Lancet. 2011;378.
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medici-
na. Diário Oficial da União. Brasília, 9 nov. 2001; Seção 1, p.38.

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 67


Universidade Federal do Pará
Valorização da Preceptoria de Residência Mèdica na Região Amazônica.
Valorização da Preceptoria de Residência
Médica na Região Amazônica
Claudete Martins de LimaI / Claudia Regina Dias SiqueiraI / Francisco Assis de Souza
AlmeidaI / Gleide Elane Braga FerreiraI / Juliana Lasmar Ayres do AmaralI / Marlucia do
Nascimento NobreI / Osmarina Nascimento PiresI / Paulo Delgado LeãoI / Redson Ruy da
SilvaI / Renata Maria Coutinho AlvesI / Rudival Faial de Moraes JuniorI / Silvia Helena
Cavalcante de SousaI / Simone Regina Souza da Silva CondeI / Suely Maria de Miranda
AraújoI / Tania de Fátima D’Almeida CostaI / Vilma Francisca Hutim Gondim de SouzaI /
Wilson de Oliveira FilhoI / Zilma Nazaré de Souza PimentelI / Ronaldo Costa MonteiroII /
Sylvia Maria Porto PereiraII / Vera Lúcia GarciaIII / Lia Márcia Cruz da SilveiraIV

Palavras-chave: Residência Médica. Amazônia. Preceptor.

RESUMO Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria


da Residência Médica no estado do Pará - em parceria
Introdução: A Residência Médica, dentro de um con- com a Universidade Federal do Pará (UFPA) se organi-
texto Amazônico, mais precisamente em termos do es- zou em dois grupos denominados: 1. Açaí Virtual da Ama-
tado do Pará não está muito distante da realidade obser- zônia (AVA) e 2. Miriti no Tipiti. Cada grupo priorizou um
vada nas regiões norte e nordeste do Brasil. O contexto problema que deu origem a duas questões norteadoras:
geográfico e as políticas de saúde e de educação são res- 1. “A valorização da preceptoria de modo a instituir a quali-
ponsáveis por todo um histórico de alijamento e despre- ficação e a remuneração da sua função na Residência Médi-
zo desta região em termos de saúde e educação, em par- ca” e 2. “A partir da realidade da preceptoria da RM no
ticular a Residência Médica. Objetivo: O objetivo desse Brasil, quais as estratégias pessoais, institucionais e gover-
estudo é apresentar o processo de discussão da Residên- namentais para a valorização do preceptor?” O movimento
cia Médica no estado do Pará e um pouco no estado do para responder a cada uma das questões envolveu busca
Amazonas, percorrendo todo seu histórico, perfazendo na literatura, elaboração de síntese individual e poste-
uma viagem da realidade atual da Residência Médica, evi- riormente duas sínteses elaboradas coletivamente por
denciando as dificuldades e desafios existentes, desde os cada um dos grupos. Foram semanas de discussões pre-
cenários de prática até a formação e valorização dos pre- senciais, virtuais, pesquisas aos referenciais teóricos da
ceptores. Desenvolvimento: Um conjunto de precep- área, relatos e trocas de experiências que culminaram
tores participantes do Curso de Desenvolvimento de em neste artigo, consensuado pelo grupo, e que eviden-

I Preceptores de Residência Médica do Estado do Pará.


II Tutores do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
III Orientadora de Aprendizagem do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
IV Supervisora do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 69


Valorização da Preceptoria de Residência Médica na Região Amazônica

cia um retrato da realidade da Residência Médica no es- existentes, mediante o lançamento do edital de matricia-
tado do Pará. Conclusões: As sínteses coletivas, embora mento, onde se observa nos resultados recentes um im-
construídas com diferentes processos de trabalho, ex- pacto positivo desta política indutora.
põem não só a realidade da Residência Médica em nossa Na Região Norte, as ofertas de bolsas de residência
região, como também lança propostas de valorização da médica antes do Pró-Residência eram de 10% e, após a
preceptoria, afinal o objetivo maior é a formação com implantação deste Programa Nacional de Apoio à For-
boa qualidade de médicos críticos-reflexivos, humanis- mação de Médicos Especialistas, a porcentagem subiu
tas, competentes, que transformem esta triste realidade para 18%. No Pará, existem atualmente 25 programas
da saúde no estado, valorizando nosso cidadão como de residência médica com 137 vagas, nas áreas de Anes-
agente construtor de sua própria história. tesiologia, Cirurgia Geral, Clínica Médica, Dermatologia,
Infectologia, Medicina de Família e Comunidade, Neuro-
cirurgia, Obstetrícia e Ginecologia, Oftalmologia, Otor-
INTRODUÇÃO
rinolaringologia, Pediatria, Psiquiatria, Radiologia e Diag-
A residência médica, no contexto amazônico, mais pre- nóstico por Imagem.
cisamente no Pará, não está muito distante da realidade No Centro Colaborador do Pará também estiveram
das regiões Norte e Nordeste. O contexto geográfico e presentes representantes dos programas de residência
as políticas de saúde e de educação são responsáveis por médica de Manaus (AM). O programa de residência do
um histórico de alijamento e desprezo desta região em Hospital Universitário Getúlio Vargas iniciou as ativida-
termos de saúde e educação, em particular a residência des em 1978 com a residência em Patologia. Atualmen-
médica. No Estado do Pará, a residência médica enfren- te, conta com os seguintes programas: Anestesiologia,
ta muitos desafios, como a grande evasão de médicos Cardiologia, Cirurgia Cardiovascular, Cirurgia Geral, Ci-
para programas de residência médica (PRM) dos eixos rurgia do Aparelho Digestivo, Clínica Médica, Cirurgia
sul e sudeste, ou por falta de vagas no Estado ou pela Vascular Periférica, Dermatologia, Ecocardiografia, Me-
busca de programas de residência médica de “melhor dicina de Família e Comunidade, Nefrologia, Neuroci-
qualidade”, resultando na não fixação do residente para- rurgia, Obstetrícia e Ginecologia, Ortopedia e Trauma-
ense na região amazônica, provocando grande escassez tologia, Otorrinolaringologia, Patologia, Pediatria,
local de profissionais médicos especializados. Reumatologia e Urologia –, que contam com 188 bolsas
Por outro lado, o distanciamento entre políticas de oferecidas pelo MEC. Foi implementado um programa
formação e políticas de saúde, as condições de trabalho, de residência médica na área de Psiquiatria pelo Pró-
a precariedade das relações trabalhistas, a remuneração -Residência, que conta com cinco vagas.
não condizente e a não valorização de PRM das áreas O programa de residência médica de Psiquiatria
básicas são verdadeiros entraves e desafios encontrados (RMP) do Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro (hospital
em nosso Estado. Exemplo clássico é o PRM de Medicina público estadual) em Manaus (AM) nasceu da necessida-
de Família e Comunidade, onde sobram vagas e há pro- de de formar profissionais médicos especializados na
blemas que vão desde a não valorização deste médico área psiquiátrica, encontrando eco no Pró-Residências/
especialista pelos gestores públicos até o descaso com a MS – CNRM/MEC. Até 2006, havia pouquíssimos psi-
Atenção Primária à Saúde como estratégia de reorienta- quiatras em Manaus. Ainda que o estado do Amazonas e
ção da assistência. a prefeitura da capital abrissem editais de concurso ou
Em uma tentativa de minimizar as distorções existen- processo seletivo, não havia grande afluxo de profissio-
tes, uma ação conjunta do Ministério da Educação e da nais para a cidade, e os poucos que se apresentaram fo-
Saúde lançou em 2009 o Programa Nacional de Apoio à ram atraídos pelas condições de trabalho no mercado
Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégi- privado, também carente desses especialistas. A RMP
cas (Pró-Residência), objetivando induzir a criação e a iniciou seu programa em 2007, obtendo credenciamen-
ampliação do número de vagas nos PRM em especialida- to provisório da CNRM até 2010, seguido de recreden-
des prioritárias e em regiões mais carentes. Outro obje- ciamento até 2016. Conta com bolsas para médicos re-
tivo do Pró-Residência era qualificar os programas já sidentes através do Pró-Residências/MS, com até cinco

70 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Claudete Martins de Lima et. al.

vagas para cada ano de residência, num total de três formação de especialistas. Teve início no Hospital John
anos. São oito preceptores distribuídos entre disciplinas Hopkins, nos Estados Unidos, em 1848 e só chegou ao
correspondentes às áreas de atuação: Psiquiatria, Infân- Brasil em 1944, com a primeira RM em São Paulo, no
cia e Adolescência, Forense, Psicogeriatria, Psicoterapia Hospital das Clínicas, Universidade de São Paulo, e a se-
e Dependência Química. Em cinco anos de funciona- gunda, no Hospital dos Servidores no Rio de Janeiro, em
mento, a RMP formou quatro especialistas, sendo que 1948, mas só regulamentada pelo Decreto 80.281, de 5
um deles foi titulado pela Associação Brasileira de Psi- de setembro de 19771. Este decreto criou a Comissão
quiatria (ABP) em 2011 por ocasião do Congresso Brasi- Nacional de RM, redefinida em junho de 1985, quando o
leiro de Psiquiatria (CBP) na cidade do Rio de Janeiro. O Decreto 91.364, de 21 de junho de 19852, criou a Co-
residente foi agraciado com o reconhecimento de méri- missão de Assessoria da Secretaria de Ensino Superior
to da ABP por ter se classificado entre os dez melhores (SeSu) do Ministério da Educação, responsável por pla-
na prova de título daquele ano. nejar, orientar, coordenar e supervisionar a RM no Brasil.
Este artigo é fruto de um processo de discussão da resi- O principal objetivo da RM é aperfeiçoar as compe-
dência médica no Pará e um pouco em Manaus, percorren- tências adquiridas na graduação, focando o desenvolvi-
do todo o seu histórico, perfazendo uma viagem da realida- mento da capacidade de iniciativa, habilidades técnicas,
de atual da residência, evidenciando as dificuldades e capacidade de julgamento e de avaliação, desenvolvi-
desafios existentes, desde os cenários de prática até a for- mento do espírito crítico e internalização de preceitos e
mação dos preceptores, discutindo sua valorização e culmi- normas éticas3.
nando com a construção de uma proposta de mudança. Neste contexto, surge a figura de um médico expe-
Foram semanas de discussões presenciais, virtuais, riente que auxilia, apoia e serve de modelo a ser seguido
pesquisas nos referenciais teóricos da área, relatos e tro- pelos novos profissionais. Essa figura é identificada como
cas de experiências que culminaram em uma síntese co- a do preceptor, que se firma, então, como fator de exce-
letiva, obtida por consenso pelo grupo, a qual traça um lência na educação do residente3.
retrato da realidade da residência médica no Pará.
O conjunto de preceptores participantes do Curso da
Preceptoria
ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica
para a Prática da Preceptoria da Residência Médica no Atributos necessários ao preceptor
Pará – em parceria com a UFPA – se organizou em dois
grupos, denominados Açaí Virtual da Amazônia (AVA) e De acordo com Wuilliaume et al.4, exigem-se do precep-
Miriti no Tipiti. Cada grupo priorizou um problema que tor atributos como: conhecimento, sensibilidade, bom
deu origem a uma pergunta. O movimento para respon- senso, criatividade, capacidade de improvisação e com-
der a cada uma das perguntas envolveu busca na literatu- preensão do processo ensino-aprendizagem, com base na
ra, elaboração de síntese individual e posteriormente prática das especificidades que caracterizam o trabalho
uma segunda síntese elaborada coletivamente. médico. O preceptor deve considerar o grau de compro-
misso para orientar e formar um profissional para o mer-
cado de trabalho para que este tenha segurança, confian-
Grupo AÇAÍ VIRTUAL DA AMAZÔNIA
ça, humanismo e ética para o bom exercício da profissão.
(AVA)
O preceptor deve integrar conceitos e valores da escola e
Questão norteadora: A valorização da preceptoria de modo do trabalho, ajudando o residente a desenvolver estraté-
a instituir a qualificação e a remuneração da sua função na gias adequadas para resolver problemas do dia a dia e
residência médica. deve ser um modelo a ser seguido pelo médico residente.
Qualificação do preceptor
Para a Associação Brasileira de Educação Médica
A residência médica
(ABEM), o preceptor necessita conhecer as metodolo-
A residência médica (RM) é uma modalidade de ensino, gias de ensino-aprendizagem, ter as habilidades relacio-
em nível de pós-graduação, considerada padrão ouro na nadas à sua área de atuação e estar apto a avaliá-las, en-

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 71


Valorização da Preceptoria de Residência Médica na Região Amazônica

tender e dominar princípios da medicina baseada em • Implementar educação médica continuada e per-
evidências, saber que avaliar é parte integrante de ensi- manente, sem desigualdades regionais, consideran-
nar e utilizar técnicas de retorno (feedback) para promo- do as adaptações a cada realidade.
ver o desenvolvimento do residente.
Em 2009, o Ministério da Saúde instituiu o Programa
Remuneração para a preceptoria
Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas
em Áreas Estratégicas (Pró-Residência) com o objetivo No Brasil, não há regulamentação que norteie a contra-
de favorecer a formação de especialistas na modalidade tação, por parte das instituições de saúde e de ensino, de
RM em especialidades e regiões prioritárias, definidas profissionais com nível de qualificação e capacitação ade-
em edital local e regional. O projeto prevê a ampliação quado para atuação em preceptoria de RM. Na prática
do número de vagas para RM, criação de novos progra- do dia a dia, em função da Constituição Federal e legisla-
mas nos hospitais universitários federais, hospitais de ção trabalhista, o preceptor é ou um professor de insti-
ensino, secretarias estaduais e municipais de saúde, e tuição de ensino superior que se dispõe a utilizar parte
concessão de bolsas pelo trabalho em saúde para apoiar das suas horas de trabalho na preceptoria do programa
programas de RM5. de RM da instituição, ou é um médico concursado/con-
Infelizmente, quanto à qualificação do preceptor, o tratado de uma instituição federal, estadual ou municipal
Pró-Residência ainda não conseguiu colocar em prática a onde se desenvolve a RM que também se dispõe a exer-
contento os pressupostos do Edital nº 8/2009 (matricia- cer a preceptoria. Por não poder receber legalmente
mento), no qual se destacam: planejamento e implemen- dois salários, o primeiro, pela função assistencial e o se-
tação de programa de qualificação de preceptores; su- gundo, pela função de ensino na preceptoria, em alguns
pervisão presencial periódica nas unidades parceiras e casos, recebe gratificações que não podem ser superio-
fortalecimento do ensino clínico5. res ao salário-base do médico.
Para atingir o patamar de excelência enquanto educa- Vários Estados da Federação já oferecem alguma for-
dor, o preceptor precisa estar qualificado e manter-se ma de remuneração aos preceptores de RM, mas ainda
atualizado. Assim, estará apto a exercer seu papel na não há uniformidade nacional. Na cidade de Campo Gran-
preceptoria de RM, com o objetivo de formar o médico de (MS), as gratificações pagas aos preceptores são base-
que a sociedade precisa. adas na hora trabalhada na preceptoria – R$ 12,00/hora
Para melhor qualificação do preceptor, sugere-se co- para profissionais especialistas, R$ 16,00/hora para os que
locar em prática, de fato, algumas recomendações de possuem título de mestre e R$ 20,00/hora para quem tem
instituições e algumas sugestões resultantes da reflexão o título de doutor9; no Estado do Pará, há remuneração
proveniente deste estudo. São as seguintes: de tempo integral para os preceptores10; no Estado de
• Criar um cadastro nacional de preceptores pelo São Paulo, o valor da gratificação é de 7,0 UBS, instituída
Ministério da Educação6; pelo inciso III do Artigo 18 da Lei Complementar 1.157,
• Possibilitar a utilização de parte da carga horária do de 02 de dezembro de 201111; no Estado do Rio de Janei-
médico para que se dedique à preceptoria e tenha ro, instituiu-se o valor de R$ 1.500,00/mês para o precep-
tempo de estudar e se atualizar. Financiar, para o tor do programa de RM em Família e Comunidade12.
médico, inscrições em congressos e assinaturas de Assim, fica claro que ainda não há um reconhecimen-
revistas científicas7; to da função do preceptor para lhe garantir uma remu-
• Criar programas de incentivo para preceptores e neração justa. Nestes temos, sugere-se colocar em prá-
supervisores pelas instituições mantenedoras7,8; tica algumas recomendações resultantes da reflexão
• Ofertar cursos de capacitação aos preceptores, proveniente deste estudo. São as seguintes:
com acesso pleno e gratuito ao material atualizado7; • Reconhecimento da função de preceptor nos hos-
• Instituir um processo de seleção para o cargo de pitais onde se desenvolve RM;
preceptor de acordo com planos de cargos e salá- • Os órgãos reguladores, como a CNRM, devem ter
rios e com a carga horária dedicada deste precep- força política nas decisões do Poder Legislativo, a fim
tor ao ensino; de viabilizar que as propostas de remuneração dos

72 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Claudete Martins de Lima et. al.

preceptores sejam acatadas. Para isto, é necessária a atua dentro do ambiente de trabalho e de formação, es-
união de classe daqueles que trabalham com a RM, tritamente na área e no momento da prática clínica, ten-
ou seja, participação maior nas Comissões Estaduais do a função primordial de desenvolver habilidades clíni-
(Ceremes), Comissões de RM (Coremes) e CNRM; cas e avaliar o profissional em formação.
• Estabelecimento de uma carga horária específica
para preceptoria, para melhor dedicação às suas
Atributos e qualidades do preceptor
atividades;
• Pagamento por hora trabalhada em função da pre- Para exercer a função de preceptor, são necessários al-
ceptoria. guns atributos, como conhecimentos técnico, teórico e
prático, amplos e profundos; desenvolvimento didático-
-pedagógico; boa relação com a equipe de saúde e com
CONCLUSÕES
o paciente, evidenciando postura ética, humana e de
É urgente criar mecanismos para dar visibilidade à fun- profissionalismo; sensibilidade e criatividade em reco-
ção do preceptor dos programas de RM no Brasil, e, em nhecer as situações que exigem mudanças ou capacida-
consequência, atingir a legalização dessa função, o que de de improvisação, tendo em vista as transformações
levará à remuneração condigna e à adequada qualifica- do mundo do trabalho e do exercício profissional15.
ção profissional.
Importância e papel do preceptor na RM
Grupo MIRITI NO TIPIPI
Adquirir experiência clínica é parte importante da gra-
Questão norteadora: A partir da realidade da preceptoria da duação e da pós-graduação, e o preceptor tem a função
RM no Brasil, quais as estratégias pessoais, institucionais e de estreitar a distância entre teoria e prática, dando su-
governamentais para a valorização do preceptor? porte e ajudando o novo profissional, até que este tenha
mais confiança e segurança em suas atividades diárias.
Ele se preocupa em propiciar a aquisição e o desenvol-
Residência médica no Brasil
vimento de competências (cognitivas, habilidades e ati-
A residência médica (RM) vem, ao longo dos anos, pos- tudes) a partir de situações reais, nos cenários de am-
sibilitando a aquisição das competências necessárias ao biente de trabalho. Auxilia o profissional em formação a
exercício de uma prática médica responsável, qualifica- desenvolver estratégias factíveis para resolver os pro-
da, comprometida com a população e em sintonia com blemas cotidianos da atenção à saúde, servindo de mo-
as linhas atuais de pensamento e trabalho dos ministérios delo para o crescimento pessoal e profissional dos re-
da Educação e Saúde. cém-graduados16.
Atualmente, há em funcionamento cerca de 3.500
programas de RM no País13. Estes programas são insufi-
Problemas e deficiências no exercício da
cientes tanto em número de vagas quanto em distribui-
preceptoria
ção entre as regiões do País e entre áreas básicas e espe-
cialidades. Há, também, necessidade de avanços quanto Quase todos os obstáculos à função de preceptor são
à qualidade. O Programa Pró-Residência foi instituído oriundos da forma amadora como a preceptoria é exer-
em 2009 com a finalidade de atender a essas demandas, cida no Brasil. A preceptoria requer um olhar mais cui-
além de qualificar os programas de residência médica já dadoso e específico. Muitos preceptores atuam de ma-
existentes, por meio do edital de matriciamento5. neira intuitiva, reproduzindo suas experiências como
alunos ou residentes, estando despreparados para seu
papel de educadores, responsáveis pela formação de
O que é ser preceptor?
profissionais críticos, qualificados, portadores das diver-
Botti14 analisou os papéis de preceptor, supervisor, tutor sas competências necessárias para exercer uma medici-
e mentor, e concluiu que preceptor é o profissional que na que responda às necessidades da população. Não

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 73


Valorização da Preceptoria de Residência Médica na Região Amazônica

existe capacitação específica para a relação médico-resi- referência de excelência das “boas práticas”, pro-
dente, nem compromisso formal com a educação ou duzindo evidências científicas;
adequada abordagem dos problemas pedagógicos da • Investir na biblioteca da instituição com a compra
educação médica8. de livros atualizados e assinatura de revistas im-
pressas ou on-line das várias áreas da Medicina;
• Adquirir assinaturas de sites de informação médica,
Necessidades identificadas e avanços
como o UpToDate;
necessários
• Investir na informatização e disponibilizar pelo me-
Considerando que a RM está constituída e normatizada, nos dois computadores em cada enfermaria/setor
é preciso que seja reconhecida e valorizada por meio de do hospital, com acesso à Internet;
uma regulamentação definitiva. As estratégias para valo- • Oferecer um local adequado de trabalho e disponi-
rização da preceptoria da RM podem ser identificadas bilizar equipamentos, suporte e condições de reci-
em três diferentes níveis da hierarquia: pessoal, institu- clagem frequente;
cional e governamental. • Disponibilizar em cada setor espaço para trabalho
e atividades de ensino-aprendizagem com residen-
tes e internos;
Nível pessoal
• Instituir reuniões periódicas com os preceptores,
• Conhecer as resoluções, decretos ou leis que re- objetivando desenvolvimento docente por meio
gem a RM; de oficinas, seminários, mesas-redondas e outras
• Investir em educação continuada e atualizações pe- atividades;
riódicas: participação em cursos de atualização e • Realizar seleção de preceptores para os programas
congressos, leitura frequente de literatura científica; de RM de modo formal, adotando critérios de
• Investir no desenvolvimento de competências pe- competência técnica e pedagógica;
dagógicas para o exercício da preceptoria: partici- • Promover avaliação periódica: do preceptor para
pação em cursos e leitura de literatura referente ao com os residentes e para com o programa de RM;
ensino; dos residentes para com o preceptor;
• Participar de grupos de estudo e de pesquisa rela- • Estimular a preceptoria com bolsas e ajuda de cus-
cionadas ao ensino na saúde; to em cursos, congressos e, particularmente, no
• Desenvolver pós-graduação relacionada ao ensino congresso de educação médica; conferir certifica-
na saúde; dos de preceptoria.
• Inscrever-se como avaliador da RM junto à CNRM;
• Vincular-se à Associação Brasileira de Educação
Nível governamental
Médica (ABEM).
• Articular, junto aos órgãos representativos, às casas
legislativas municipais, estaduais e federais e às ins-
Nível institucional
tâncias jurídicas, dispositivos legais para construir a
• Buscar a certificação da instituição como hospital política e o plano de cargos, carreiras e remunera-
de ensino; ção (gratificação) com especificidade para a prática
• Reconhecer a preceptoria como atividade funda- da preceptoria em programas de RM;
mental; • Definir uma política nacional de valorização da pre-
• Propor estratégias de ensino normatizadas e padro- ceptoria que seja obrigatória para a abertura e re-
nizadas para que o preceptor atue de forma unâni- novação dos programas de RM;
me na construção de um profissional capacitado; • Regulamentar a atividade da preceptoria com defi-
• Articular protocolização dos procedimentos técni- nição de: critérios e requisitos para seleção; atri-
cos, terapêuticos e administrativos como forma de buições; carga horária / tempo protegido para a
institucionalizar a responsabilidade da RM como atividade; remuneração específica;

74 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Claudete Martins de Lima et. al.

• Disponibilizar o Portal Capes para os hospitais as- 4. Wuillaume SM, Batista NA. O preceptor na Residência Médica em
Pediatria: principais atributos. J Pediatr. 2000; 76(5):333-8.
sistenciais onde há RM;
5. Haddad AE, Brenelli SL, Michel JLM, Nunes MPT, Bucci MPD, Cam-
• Fomentar educação permanente e participação em pos FE. A Educação Médica no Contexto da Política Nacional de Edu-
desenvolvimento docente; cação na Saúde. In: Marins JJN, Rego S. Educação Médica: gestão,
• Abrir novos cursos de especialização e de pós-gra- cuidado, avaliação. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec Associação Bra-
duação. sileira de Educação Médica; 2011. p. 33-5.
6. Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro. Residên-
cia: Cremerj luta pela valorização da preceptoria. Jornal do Cremerj,
CONSIDERAÇÕES FINAIS 2011 [capturado em: 09 jul 2012]. Disponível em: http://cremerj.org.
br/jornais/mostraMateria.php?idJornal=34&idMateria=482.
Ressalta-se a importância do trabalho da ABEM em con- 7. Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro. Recém-
-formados: Preceptoria- valorização qualifica residência. Jornal do Cre-
tinuar a oferecer cursos de formação de tutores e pre-
merj, 2012 [capturado em: 10 jul 2012]. Disponível em: http://cremerj.
ceptores dos programas de RM, visando contribuir para org.br/jornais/mostraMateria.php?idJornal=34&idMateria=482.
o aprimoramento da formação médica no País. 8. Missakal H, Ribeiro VMB. A preceptoria na formação médica: o que
dizem os trabalhos nos congressos brasileiros de educação médica
2007-2009. Rev Bras Educ Méd 2009; 35 (3): 303-10.
CONCLUSÃO 9. Brasil. Decreto nº 13.032, 06 de agosto de 2010. Institui a Preceptoria
no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS). Diário Oficial do
As sínteses coletivas, embora com diferentes processos Estado do Mato Grosso do Sul; ano 32.
de trabalho, expõem não só a realidade da residência 10. Pará. Termo de acordo que celebram entre si o estado do Pará e o
médica em nossa região, como também lança propostas sindicato dos médicos do estado do Pará. Belém, PA, 2008. Disponí-
vel em http://www.sindmepa.org.br.
de valorização da preceptoria. Afinal, o objetivo maior é
11. Brasil. Ministério da Educação. Assembleia Legislativa do Estado de
a formação de qualidade de médicos críticos-reflexivos, São Paulo. Secretaria geral Parlamentar. Departamento de Documen-
humanistas, competentes, que transformem esta triste tação e Informação. Decreto nº 57.865, de 13 de março de 2012.
realidade da saúde em nosso Estado, valorizando nosso Brasília.
12. Brasil. Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil. Subsecretaria de
cidadão como agente construtor de sua própria história.
Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde. Superintendência
de Atenção Primária. Circular S/SUBPAV/SAP n.º 10/2011.
REFERÊNCIAS 13. Ribeiro MAA. Apontamentos sobre RM no Brasil. Biblioteca Digital da
Câmara dos Deputados; 2011.
1. Brasil. Ministério da Educação. Decreto nº 80.281 de 5 de setembro 14. Botti SHO. Preceptor, Supervisor, Tutor e Mentor: Quais são Seus
de 1977. Regulamenta a Residência Médica, cria a Comissão Nacional Papéis? Rev Bras Educ Méd 2008; 32(3):363-73.
de Residência Médica e dá outras providências. Brasília. 15. Nunes MPT, Michel JLM, Haddad AE, Brenelli SL, Oliveira RAB. A
2. Brasil. Ministério da Educação. Decreto nº 91.364, de 21 de junho de Residência Médica, a Preceptoria, a Supervisão e a Coordenação. In:
1985. Altera a redação do § 1º, do artigo 2º do Decreto nº 80.281/77, Associação Brasileira de Educação Médica. Cadernos da ABEM. 2011:
que dispõe sobre a constituição da Comissão Nacional de Residência 7:35-40.
Médica. Brasília. 16. Botti SHO. O papel do preceptor na formação dos médicos residen-
3. Faria FM. A importância e o papel dos preceptores. Jornal do CRM- tes: um estudo de residências em especialidades clínicas de um hospi-
-MG. 2011; 38 (capturado em: 01 jul 2012): 7. Disponível em: http:// tal de ensino. Rio de Janeiro; 2009. Doutorado [Tese] – Fundação
jornal.crmmg.org.br/v2/index.php?edicao=2011/38&titulo=A%20 Osvaldo Cruz.
import%E2ncia%20e%20o%20papel%20dos%20
preceptores&pagina=ar02.php.

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 75


Universidade Federal de Pernambuco
Residência Médica em Pernambuco: reflexão de um grupo de preceptores sobre cenários e atores.
Residência Médica em Pernambuco: reflexões
de um grupo de preceptores sobre cenários e
atores
Ana Paula Tavares Cavalcanti de SouzaI / Eduardo Sampaio SiqueiraI / Gisele FernandesI /
Isabel Brandão CorreiaI / José Guido Corrêa de Araújo JúniorI / Lara Ximenes SantosI /
Luciana CordeiroI / Luciano Calheiros de Moraes GuerraI / Lucy Vieira da Silva LimaI /
Marcos Vinícius Ribeiro dos SantosI / Rodrigo Pinheiro SilveiraI / Roseane Santos da SilvaI /
Tereza Rebecca de Melo e LimaI / Ana Cláudia Santos ChazanII / Vitor Hugo Lima
BarretoII / Rosangela Minardi Mitre CottaIII / Lia Márcia Cruz da SilveiraIV

Palavras-chave: Gerenciamento do Tempo. Residência Médica. Preceptoria. Estrutura


dos Serviços.

RESUMO ajudasse a qualificar a pratica da preceptoria. Concluí-


ram que, investir em sua formação pedagógica, possi-
A pós graduação em medicina nos moldes como co- bilitou deslocar o foco das fragilidades e obstáculos
nhecemos a Residência Médica (RM), ocorre em Per- para as oportunidades e desenvolvimento de fortale-
nambuco desde a metade do século passado. Atual- zas no sentido de alcançarem as mudanças necessárias
mente esta atividade concentra-se em cidades polos: a uma formação mais adequada dos residentes, seja
Recife, Caruaru e Petrolina. Nestas duas últimas a his- por meio da motivação para a indispensável função de
tória é mais recente e teve apoio do Pró-Residência preceptorar, seja pela ocupação dos espaços institucio-
para sua implantação. Durante o Curso de Desenvolvi- nais de participação.
mento de Competência Pedagógica para a Prática da
Preceptoria na Residência Médica realizado em Recife,
INTRODUÇÃO
evidenciou-se que problemas da ordem da organiza-
ção e da estrutura dos serviços de saúde (primários, Ainda hoje, há dúvidas sobre qual teria sido o primeiro
secundários ou terciários), afetam a prática da precep- programa de residência médica (RM) oferecido no Bra-
toria. Os grupos, partindo da reflexão sobre suas ex- sil. Embora não se consiga precisar o início dessa ativida-
periências, buscaram na literatura, estratégias que os de em Pernambuco, sabe-se que a formação de pedia-

I Preceptores de Residência Médica do Estado de Pernambuco.


II Tutores do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
III Orientadora de Aprendizagem do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
IV Supervisora do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 77


Residência Médica em Pernambuco

tras no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Curso de Desenvolvimento de Competência


Figueira (Imip) e de cirurgiões e clínicos no Hospital Pe- Pedagógica para a Prática da Preceptoria da
dro II, que até 1980 albergava a Universidade Federal de Residência Médica em Pernambuco
Pernambuco (UFPE), seguia esse molde desde a segunda
metade do século passado. O Curso de Desenvolvimento de Competência Pedagó-
O Hospital Agamenon Magalhães, pertencente ao Ins- gica para a Prática da Preceptoria na Residência Médica
tituto Nacional de Assistência Médica e Previdência So- em Recife, realizado pela Associação Brasileira de Edu-
cial (Inamps), em 1971, instituiu o primeiro programa de cação Médica (DCPPPRM-PE/ABEM), em parceria com
Clínica Médica fora do âmbito da universidade. As áreas a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e Minis-
de formação foram diversificadas e oferecidas em outros tério da Saúde (MS), teve entre os preceptores inscritos
hospitais dessa rede. A demanda crescente por parte médicos especialistas em diferentes áreas, tais como
dos egressos de Medicina estimulava a criação de novos Medicina de Família e Comunidade, Pediatria, Cirurgia,
cursos. Ginecologia e Obstetrícia, Clínica Médica e Nefrologia,
Com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) que atuam em unidades básicas de saúde ou hospitais
e a extinção do Inamps, o Estado de Pernambuco assu- universitários que atendem exclusivamente pelo SUS.
miu a gerência dos hospitais e tornou-se o maior prove- No final do primeiro momento presencial, constituíram-
dor da residência. Aos programas das instituições públi- -se dois grupos de trabalho – Colmeia e Andarilhos –, que
cas seguiram-se os da iniciativa privada. Ao longo de compartilharam os desafios relativos à prática da pre-
mais de duas décadas, tem havido incentivo à criação de ceptoria na residência médica que os inquietam. Após
novos programas e promoção da descentralização dos intenso processo de discussão e exercício constante de
locais de formação com a mesma convicção de outrora: consenso, cada grupo escolheu um problema como
a RM imprime qualidade à formação profissional e à as- prioritário e elaborou uma questão de aprendizagem
sistência médica deste Estado. para guiá-los na teorização. O objetivo foi buscar possí-
A RM em Pernambuco concentra-se em cidades con- veis soluções para a transformação das práticas, que se-
sideradas polos médicos: Caruaru, Petrolina e Recife. Os rão apresentadas a seguir.
programas em Petrolina e Caruaru, com uma história Este trabalho se concretizou em ambiente virtual de
mais recente, tiveram amplo apoio do Pró-Residência aprendizagem (AVA), com apoio do Telessaúde da Uni-
para sua implantação. Em Petrolina, o campus da Univer- versidade do Estado do Rio de Janeiro, a partir da defini-
sidade Federal do Vale do São Francisco apoia grande ção, por cada grupo, dos papéis de coordenação e coco-
parte dos programas, e em Caruaru é a própria rede ordenação, relatoria e gestão do tempo. A duração foi
assistencial organizada no Sistema Único de Saúde que de seis semanas, orientada por um cronograma que pre-
estrutura as residências. A UFPE está prestes a iniciar via quatro fases: organização do processo de trabalho
um campus avançado nesta cidade com um curso de Me- (uma semana); discussão dos pontos-chave relacionados
dicina, o que fortalecerá a formação médica com a gera- ao problema (duas semanas); elaboração de síntese indi-
ção de diversos cargos de professor em Medicina em vidual (duas semanas) e elaboração de síntese coletiva
suas diversas áreas. (prazo inicial de uma semana, porém concretizada em
Em Recife, os programas estão centrados na UFPE e dois meses).
na Secretaria Estadual de Saúde (SES) de Pernambuco. A Colmeia traduziu o problema priorizado na pergun-
Ambas as instituições constituíram uma ampla diversida- ta: Como otimizar o uso do tempo no exercício da precepto-
de de programas. Na UFPE, os programas ocorrem no ria, considerando metas do programa, assistência, produti-
Hospital Universitário, enquanto a SES amplia os cená- vidade e múltiplas funções? A resposta elaborada partiu
rios de prática dos programas nos diversos hospitais-es- do reconhecimento da importância da preceptoria para
cola cadastrados, além de centros de saúde no nível se- apoiar o desenvolvimento da autonomia do médico resi-
cundário. De maneira geral, os serviços municipais de dente em sua formação, sendo necessário buscar ferra-
atenção primária são utilizados pelos programas com mentas que o auxiliem a ser mais eficiente nesta tarefa,
obrigatoriedade de rodízios neste nível assistencial. como descrito a seguir.

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Ana Paula Tavares Cavalcanti de Souza et. al.

Síntese coletiva do grupo COLMEIA Eixo 2 – Otimização do tempo na discussão


de casos clínicos
Preceptor, residente e serviço são os elementos funda-
mentais do processo educacional que conhecemos Metodologia ABP (Aprendizagem Baseada em Problemas)
como RM. Neste contexto, destaca-se o importante pa- – sete passos para abordagem clínica; preceptoria em um
pel do preceptor, já que este planeja, orienta, guia; esti- minuto, com discussão do atendimento em cinco minutos,
mula o raciocínio e a postura ativa; analisa o desempe- no intervalo entre consultas; técnicas five steps microskills e
nho; aconselha, cuida do crescimento profissional e Snapps; abordagem centrada na pessoa do residente.
pessoal e atua na formação moral dos seus residentes1.
Além do aprendizado, o residente irá, durante o seu trei- Eixo 3 – Utilização de novas tecnologias de
namento, desenvolver habilidades e autonomia no exer- informação e comunicação
cício das suas atividades2.
Quando se somam à função de preceptoria outras ati- Filmagem e observação direta do atendimento do resi-
vidades profissionais, o uso de ferramentas que ajudem dente; preceptoria à distância: telefone, telemedicina,
na melhor utilização do tempo disponível para essa prá- outros recursos da internet; prontuário eletrônico.
tica é de grande importância3. O grupo Colmeia obteve consenso em uma importan-
te questão enfrentada pelos preceptores na prática coti-
Além disso, a demanda crescente de atendimentos e
diana da residência: sobrecarga de trabalho e dificuldade
os imprevistos relativos à falta de estrutura nas unida-
em gerir o tempo na preceptoria. E trilhou por esses três
des de saúde, em que são exercidas as práticas da pre-
eixos em busca de respostas.
ceptoria, comprometem a qualidade da atenção e do
Em relação ao primeiro eixo, o envolvimento de pre-
ensino, o que reforça a necessidade de racionalizar o
ceptores e residentes na avaliação do desenvolvimento e
tempo disponível.
aprendizado e no desenho curricular é um importante
O objetivo da Colmeia foi pesquisar estratégias de tra-
fator motivacional e otimizador do tempo4.
balho e metodologias de ensino-aprendizagem-assistên-
No que diz respeito ao segundo eixo, as visitas à beira
cia que garantam alta eficiência na utilização do tempo na
do leito, as consultas ambulatoriais e as visitas domicilia-
prática da preceptoria.
res foram citadas como atividades comuns à grande
A partir da busca ativa individual na literatura e do
maioria dos programas de RM. A análise das sínteses in-
compartilhamento de textos na biblioteca virtual coleti- dividuais revelou que a ausência de uma base teórica de
va, o grupo definiu três eixos temáticos principais a se- orientação das práticas pedagógicas utilizadas pelos pre-
rem desenvolvidos, com o objetivo final de apresentar ceptores é um fator que dificulta o adequado aproveita-
estratégias para o uso mais adequado do tempo na pre- mento dos encontros preceptor-residente.
ceptoria. São eles: Várias estratégias sistematizadas e instrumentos que
orientem o atendimento e o uso mais adequado do tem-
Eixo 1 – Organização do processo de po para a discussão de casos em diversos cenários de
trabalho prática da preceptoria foram revelados nas sínteses indi-
viduais. Estas ferramentas podem facilitar a aprendiza-
Conhecimento dos objetivos de aprendizagem do pro- gem ativa e significativa e estimular o raciocínio clínico.
grama: foco no planejamento e nas estratégias didáticas; Entre elas destacaram-se a abordagem clínica da Apren-
necessidade de visita comentada à beira do leito para dizagem Baseada em Problemas (ABP)5, a metodologia
todos os pacientes versus seleção de casos representati- da problematização, o One Minute Preceptor6,5, steps mi-
vos; discussão de casos em equipe multidisciplinar; orga- croskills7 e o Snapps8. Todas trazem em comum a abor-
nização conjunta das agendas de preceptor e residente dagem centrada no residente.
(intervalo de cinco minutos entre as consultas para apre- Na RM, a sistematização da discussão de casos com
sentação e discussão dos casos); protocolos simples de uso da metodologia ABP para abordagem clínica tem se
conduta, construídos coletivamente. mostrado uma estratégia eficaz para estimular uma apren-

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 79


Residência Médica em Pernambuco

dizagem significativa, bem como o raciocínio clínico siste- se dediquem ao aprendizado e à reflexão sobre questões
matizado e autônomo, permitindo otimizar o uso do tem- muito mais complexas do que as tabelas e esquemas an-
po nas discussões de casos clínicos em ambientes como tes decorados.
enfermarias, por exemplo. Outra estratégia semelhante Da mesma forma, os recursos de telessaúde, que pro-
de sistematização da discussão de casos clínicos é a técni- porcionam teleassistência envolvendo preceptor e resi-
ca centrada no estudante, conhecida como Snapps8. dente, podem produzir a utilização máxima do tempo
Outro modelo de preceptoria, desenvolvido na Uni- em tarefas simultâneas em espaços diferentes da institui-
versidade de Washington com o objetivo de permitir o ção ou mesmo em pontos muito mais remotos entre si.
ensino em tempo relativamente limitado frente à cres- Os momentos de preceptoria não presencial foram cita-
cente demanda por atendimentos, é conhecido como dos como essenciais ao desenvolvimento da autonomia
Preceptoria em um Minuto (One Minute Preceptor). A e responsabilização progressiva dos residentes, que as-
base teórica deste modelo possibilita ao preceptor sumem gradativamente papel central no cuidado com o
transmitir a seus alunos, em curto espaço de tempo e de paciente2. Para isso, os autores destacaram a importân-
maneira eficaz, valiosas informações médicas, bem cia do uso de novas tecnologias de comunicação ofereci-
como permite conhecer melhor as características do das por celulares/SMS e internet, que facilitam o diálogo
grupo de estudantes. Esse foi um dos métodos mais dis- entre preceptor e residente.
cutidos pelo grupo Colmeia, que o considerou uma es- Alguns desafios encontrados foram relacionados à au-
tratégia bastante eficaz para sistematizar as discussões sência de um registro eletrônico de informação dos pa-
de casos com residentes, em diversos ambientes de cientes. Muitos programas e plataformas de prontuários
aprendizagem. eletrônicos estão disponíveis no mercado e, com certe-
Destacou-se também a utilização do método clínico za, algum deles pode ser aplicado. Os benefícios seriam
centrado no paciente que garante que questões relativas ampliados se a plataforma permitisse o acesso a informa-
às expectativas, idéias, medos e necessidades do pacien- ções contidas nos prontuários das diversas instituições
te sejam consideradas, sem sacrificar a atenção do resi- da rede de saúde, incluindo e integrando postos de saú-
dente aos outros aspectos do modelo biomédico, com de e hospitais de diferentes níveis de complexidade.
enfoque na doença9. As abelhas da Colmeia pernambucana descobriram
Sobre o terceiro eixo, apesar de a incorporação de juntas diferentes formas de utilizar eficientemente o
novas tecnologias de comunicação e informação na prá- tempo disponível para as atividades de preceptoria. To-
tica de ensino ter sido considerada um desafio, os auto- dos os eixos discutidos expuseram caminhos que são
res consultados revelam diversos benefícios relaciona- exequíveis e devem ser discutidos com os preceptores e
dos ao uso dessas tecnologias. Elas permitem economia residentes dos seus programas, com grande possibilida-
ou desdobramento do tempo quando, por exemplo, de de sucesso.
proporcionam o registro de atendimentos pelo residen- Tão importante quanto o conteúdo discutido, foi a
te através de filmes para posterior análise conjunta entre experiência adquirida pela Colmeia com o uso do Am-
ele e seu preceptor, que pode apontar pontos fracos e biente Virtual de Aprendizagem (AVA), para fortalecer o
fortes que precisem ser trabalhados e dar a ambos uma vínculo dos participantes com a tarefa proposta. Esta
prova mais objetiva das necessidades e avanços no pro- tecnologia de estudo, trabalho e comunicação, nova para
cesso de ensino-aprendizagem e assistência10. alguns, se mostrou útil à aprendizagem do gerenciamen-
Entre os dispositivos de alta tecnologia estão os smar- to do tempo no trabalho em equipe.
tphones e tablets usados em diversos cenários de prática,
como visitas à beira do leito, consultas ambulatoriais ou
Síntese coletiva do grupo ANDARILHOS
visitas domiciliares. O uso dessas tecnologias mostrou-
-se essencial para evitar o adiamento da tomada de deci- O grupo Andarilhos traduziu seu principal desafio na per-
sões clínicas e auxiliar o residente no desenvolvimento gunta: Como garantir ao residente uma formação adequada
do seu processo de aprendizagem9. Além disso, a con- num cenário desfavorável? A resposta elaborada partiu das
sulta imediata a essas fontes possibilita que os residentes percepções de preceptores e residentes acerca do que

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Ana Paula Tavares Cavalcanti de Souza et. al.

seja um cenário desfavorável à RM e será descrita nos mento descontextualizado da realidade atual? Ou uma
próximos parágrafos. realidade contextualizada? Para que e quem estão sendo
Diante de um cenário que se configura inadequado, formados como residentes? Nos lugares onde atuarão,
segundo a percepção dos Andarilhos, há de se considerar eles não encontrarão as mesmas dificuldades, devendo
duas visões do problema, não necessariamente antagôni- estar preparados para enfrentá-las12?
cas, mas que se complementam, a dos preceptores e a O excesso de demanda do trabalho, hospitais super-
dos residentes. lotados, a imposição de ter que ensinar e dar conta do
A percepção dos preceptores foi coletada mediante serviço ao mesmo tempo, baixa remuneração, reconhe-
discussão no AVA, em fórum com dois tópicos com cimento quase inexistente da função de preceptor, em
perguntas disparadoras: O que chamamos de formação suas diversas denominações e em diversos níveis, são
adequada? O que torna o cenário desfavorável na visão do outros problemas a enfrentar.
preceptor? Para responder a estes tópicos, alguns pre- Para os residentes, o valor da bolsa da residência é
ceptores utilizaram suas experiências individuais e con- tido como baixo, tornando-se um ponto negativo na for-
versas informais com colegas de profissão. De forma mação, uma vez que muitos irão complementar a renda
complementar, um terceiro tópico teve como pergunta com outros empregos, além de gerar a sensação de se-
disparadora: O que torna o cenário desfavorável na visão rem “mão de obra barata”. Assumir muitas atribuições é
do residente? Alguns preceptores responderam que outra queixa enumerada por eles, algumas vezes resul-
usaram em suas residências a estratégia de avaliação tante da estrutura inadequada dos serviços de saúde – a
Panorama Sobe/Desce, na qual foi solicitado aos resi- perda de longo tempo para resgatar exames, por exem-
dentes relacionar os fatores favoráveis e desfavoráveis plo, diminui o tempo disponível para exercer a função de
das residências. Também usaram conversas informais e residente. Observando por este lado, pode-se pergun-
outras técnicas de avaliação com alguns residentes de tar: será o tempo o maior problema para uma formação
diferentes programas. adequada? Ou será que há tempo, mas este não é ade-
Na visão do preceptor, a falta de formação pedagó- quadamente gerenciado? Ou, ainda, o residente não dá a
gica foi apontada como um problema central e talvez devida importância a alguns papéis que lhe são atribuí-
o mais importante. Isto porque, se este tivesse prepa- dos? Como se pode ver, as questões não são novas, mas,
ro pedagógico, seria mais fácil superar as adversidades sim, desafiadoras.
e ajudar seus residentes a superá-las. Médicos são for- A partir dos pontos relevantes mencionados que fize-
mados em um curso de bacharelado, e em seu diplo- ram parte da compreensão do problema, foram criados
ma parece haver uma autorização para ensinar. Esta é novos tópicos por temas, com o objetivo de responder
uma das competências exigidas pelas Diretrizes Curri- às dúvidas e propor soluções com base na literatura con-
culares Nacionais do Curso de Medicina, portanto le- sultada. Para estas etapas foram criados os seguintes tó-
gal11, e está presente em seu juramento. No entanto, picos: teorização sobre formação ideal do residente;
a atual formação médica não garante a adequada for- solucionando os problemas; motivando o preceptor; de-
mação de um profissional com as características espe- senvolvimento docente e a formação de médicos; e um
radas de um preceptor/professor/docente/tutor e, em tópico específico para a elaboração e postagem das sín-
consequência, ele não está preparado para exercer a teses individuais. O produto desta análise está apresen-
função de ensino, especialmente em um ambiente tado por subtópicos.
desfavorável.
Este ambiente desfavorável começa pela falta de es-
Os sujeitos da educação moderna, seus
trutura física dos serviços do SUS, que por lei deve ser o
papéis e inter-relações
elemento formador e gerenciador de seus recursos hu-
manos. Esta falta de estrutura leva ao ensino do que é Segundo Paulo Freire, o homem é um ser de relações e
possível ser feito, e não do que é o certo a se fazer. Mas não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com
será que o possível não é o certo para estas circunstân- o mundo13, e esse foi o referencial utilizado como subsí-
cias? O que vai ser ensinado aos residentes, um conheci- dio para a discussão sobre as dificuldades encontradas na

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 81


Residência Médica em Pernambuco

prática da preceptoria. Assim, deve-se perguntar: Que curso adequado, para um país tão grande e diverso como
mundo é este? No momento, os preceptores, estão na o nosso?
preceptoria ou com a preceptoria? Estão no serviço ou A formação ideal se daria então a partir da elaboração
com o serviço? Isto faz toda diferença! de um currículo baseado nas competências a serem de-
De forma complementar, Freire, ao discorrer sobre senvolvidas17,18. Para elaborar um currículo baseado em
as relações de dominação, de exploração, de opressão, competências, é necessário entender melhor o que são
que por si já são violentas e levam dominador e domina- competências, e em seguida determinar quais as compe-
do a se desumanizar e se fazerem coisas – o primeiro tências necessárias para garantir uma formação adequada
por excesso, o segundo, por falta de poder13 –, nos leva aos residentes. Já não se foca somente o conhecimento.
a questionar sobre a relação preceptor-residente. Nesta As competências necessárias são um misto de conheci-
perspectiva, como coisas, não há o respeito, a ética ou o mentos (cognitivo), habilidades (psicomotor) e atitudes
compromisso. (afetivo), sendo a última uma necessidade marcante da
Preceptores são construtores deste cenário, mas, cla- formação atual. Há serviços no mundo inteiro interessa-
ro, não têm poder sobre a tomada de todas as decisões dos em desenhar e estabelecer quais competências for-
importantes. Há chefes, diretores, superintendentes, mariam um bom médico19,20. E contextualizar essas com-
coordenadores e gestores, entre outros. O que se veri- petências para o nosso meio seria um passo largo, a ser
fica, muitas vezes, é que os preceptores, não tendo po- dado por vários atores envolvidos na residência médica.
der de decisão, atuam como meros espectadores. Não Uma vez determinado o produto final desejado, deve
obstante, mesmo diante de tantos obstáculos, não se haver uma discussão sobre como garantir que ele será al-
pode sucumbir e permitir que estas indiferenças tirem cançado. Com base no que parece mais problemático,
deles a vontade de transformar e de melhorar seus resi- devem-se utilizar as armas mais poderosas para vencer as
dentes. Afinal, não é nesse cenário, cheio de adversida- falhas. A diversidade de pacientes e cenários de atuação,
des, que eles vão atuar12? assim como o empenho dos preceptores parecem não ser
Ensinar exige apreensão da realidade, e aprender é problema, mas é preciso potencializar estas armas. Como
construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não fazer os pacientes não serem somente números, coisas
se faz sem abertura ao risco e aventura de espírito. Daí a para o aprendizado? E os preceptores, como motivá-los?
qualidade que tem a prática educativa de ser política, de
não poder ser neutra14. Ensinar não é transmitir conhe-
Potencializando o aprendizado, explorando
cimento e, ainda de acordo com Paulo Freire, não há
metodologias ativas e a autonomia do
docência sem discência. Considerando praxis como re-
aprendiz
flexão e ação dos homens sobre o mundo para transfor-
má-lo15, espera-se de educadores, aqui os preceptores, Para potencializar o aprendizado diante de cada paciente,
que tenham uma prática reflexiva, modelar, para o como estratégia podem-se utilizar metodologias ativas de
aprendizado dos residentes. ensino-aprendizagem, colocando o residente como mo-
tor de seu próprio aprendizado. Esta é uma das caracte-
rísticas mais importantes do aprendizado de adultos14. O
A formação ideal
emprego de diferentes estratégias pode favorecer esta
A Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), formação, com maior chance de facilitar a tomada de de-
em sua resolução, estabelece requisitos mínimos e cená- cisões e ensinar o residente a aprender a aprender21. Para
rios de práticas com respectivos períodos de treinamen- utilizar este tipo de metodologia, seria necessário ao pre-
to para as residências e áreas de atuação/especialidades ceptor desenvolver competências pedagógicas22.
reconhecidas no País16. Apesar da legitimidade do docu- Como sugestão de metodologias a serem usadas, des-
mento, como fragilidade, ressalta-se a necessidade de tacam-se a metodologia baseada em problemas e a pro-
uma definição mais precisa do que vem a ser uma boa blematização. Na realidade da residência médica, a rique-
formação. Mas seria possível uma entidade nacional es- za de problemas diários e contextualizados poderia tornar
tabelecer o perfil de residente esperado ao final de um mais apropriada a utilização da problematização23,24.

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Ana Paula Tavares Cavalcanti de Souza et. al.

Outra estratégia, a proposta da preceptoria em um e cada vez mais apontadas como a maior dificuldade e
minuto, tem caráter ativo de aprendizagem, pois tam- falha do médico moderno21.
bém leva o residente a buscar seu conhecimento, sem
tirar a importância da figura do preceptor, apenas modi-
Desenvolvendo atitudes
ficando seu papel e exigindo dele humildade para aceitar
este novo papel. A partir disso, o preceptor faz uma ava- Na Medicina de Família e Comunidade trabalha-se com
liação apreciativa, reforçando os acertos e chamando a um método clínico, chamado medicina centrada na pes-
atenção para erros e omissões, encerrando o caso com soa. O método vem de um trabalho do professor McWin-
o enfoque de um princípio teórico geral do caso25. neye, de Medicina de Família, da Universidade de Wes-
tern Ontário, para “elucidar a ‘real razão’ pela qual uma
pessoa procura o médico”. Este método exige, além dos
Aprendendo a aprender
conhecimentos científicos por tantos anos priorizados,
Nesse sentido, aprender a aprender seria o incentivo à características humanísticas dos residentes28.
pesquisa. Esta é uma fonte de conhecimentos, e não so- Pode-se perguntar então se é possível ensinar atitudes
mente a pesquisa clínica ou a de laboratório, mas também e afetividade. A literatura tem respondido a esta pergun-
as pesquisas que envolvem revisão de literatura. Uma bus- ta com um sim29. É possível ajudar os residentes a desen-
ca adequada de literatura relevante num contexto de me- volver estas características. O que se exige especialmen-
dicina baseada em evidências, com desenvolvimento de te do preceptor é ser exemplo e, para isto, um bom
senso e análise crítica, pode ser uma fonte de fortaleci- exemplo. Ensinar empatia pode ser bem mais difícil que
mento para a aprendizagem significativa. A pesquisa social, conhecimentos.
envolvendo a comunidade, e outros tipos de pesquisas das
mais diversas podem colaborar em diferentes cenários26.
É necessário avaliar
A disponibilidade de diversas tecnologias e a necessida-
de de sua utilização em diferentes oportunidades tornam Outro ponto relevante é a necessidade de avaliação. Mas,
necessário buscar novas ferramentas de ensino, platafor- para avaliar, precisamos antes definir o que avaliar, para
mas de aprendizado a distância, e-learning e até mesmo depois decidir a melhor forma de fazê-lo. A avaliação faz
blogs27. Os dispositivos de memória externa (smartphones, parte do processo de ensino-aprendizagem e o influencia
tablets, etc.) modificaram a forma de aprender e ensinar, diretamente, podendo ser um importante momento de
conquistando a aderência de quase todos os residentes. incentivo à autonomia. Isto porque através da autoavalia-
Decorar não é mais necessário. Entretanto, é preciso que ção – avaliar com o residente – se estimula a análise críti-
os residentes entendam que, por mais rápidos e comple- ca do próprio processo de ensino-aprendizagem, contex-
tos que sejam estes dispositivos, eles somente subsidiam tualizado com o cenário de práticas (SUS) e demandas
as capacidades humanas de saber e conhecer, mas não as pessoais (expectativas e frustrações), possibilitando novas
de compreender e analisar. pactuações e planejamento do aprendizado.
Há diferentes formas de avaliação, mas os modelos de
desenho curricular usados em todo o mundo situam a
Desenvolvendo habilidades
programação da avaliação após a definição dos objetivos.
O desenvolvimento de habilidades encontra grandes di- Assim, parece primordial definir o que se quer do resi-
ficuldades em cenários desfavoráveis, mas pode ser po- dente idealmente formado.
tencializado. Podem-se desenvolver laboratórios de ha-
bilidades, mas os custos destes não parecem ser, ainda,
Motivando o preceptor
viáveis para o SUS, embora o número de pacientes seja
adequado a esta formação. Preocupar-se é necessário, Em um processo centrado no aluno, não podemos es-
pois o desenvolvimento, nos residentes, de uma visão quecer o preceptor, formá-lo para esta função é necessá-
ética e humanística é a demanda da sociedade. As habili- rio. No que se refere a aprender a aprender, vale salientar
dades de comunicação têm sido exigidas pelos pacientes que os preceptores também precisam de investimentos

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 83


Residência Médica em Pernambuco

em sua educação continuada e educação permanente. possibilidade terapêutica, e era necessário dar esta notí-
Além do estímulo e procura individual, deve ser função cia. Estavam reunidos dois preceptores e o residente,
das instituições fortalecer e incentivar estas políticas. mas naquele momento ia ter início uma atividade teóri-
Há resistências a serem vencidas pelos incentivadores ca, e o residente foi liberado para ir ao seminário. Ele, no
da prática da educação continuada e permanente e da entanto, pediu para ficar e presenciar a conversa com
integração entre ensino e serviço. Há preceptores que sua paciente, durante a qual ficou calado, só assistindo
simplesmente acham que não precisam aprender, outros como os preceptores falavam com ela. Ao final, ele disse
não têm tempo, outros consideram que aprender não que jamais aprenderia em um seminário o que tinha
será capaz de gerar mudanças21. Mas há estratégias para aprendido vivenciando aquela situação concreta.
mudar e vencer estas resistências.
Gestão de pessoas e de mudanças tem se tornado um Há problemas que não podemos resolver por com-
campo crescente em instituições de ensino, e a profissio- pleto, fazer nossa parte é um passo inicial. Não podemos
nalização de líderes genuínos pode favorecer as mudanças aumentar bolsas, salários ou obrigar que os governantes
– líderes que saibam gerenciar junto com os preceptores, e chefes de serviços valorizem nossa função – isto está
fazendo com que estes se sintam parte do programa, se fora de nossa governabilidade. Mas, como primeiro pas-
responsabilizem pelo residente, líderes que valorizem o so, podemos procurar melhorar nossa formação, deslo-
preceptor. A remuneração não é o principal atrativo para cando o foco das fragilidades e obstáculos para as opor-
estes profissionais, mas a valorização e o reconhecimento tunidades e desenvolvimento de fortalezas. Melhorar a
são fundamentais30. nós mesmos, valorizar o que de fato é importante, otimi-
A motivação dos preceptores requer também a pro- zar o pouco tempo que temos e nos ocupar da nossa
fissionalização desta profissão. É preciso garantir compe- responsabilidade de formação dos residentes. Talvez as-
tências para estes e o direito de assim serem denomina- sim, debruçar-se sobre as mudanças necessárias a uma
dos, preceptores/docentes/tutores/professores31. formação mais adequada dos residentes possa ser uma
fonte de motivação para nossa indispensável função, pre-
CONCLUSÃO ceptorar, que, no final, é antes de tudo uma questão de
ser exemplo/modelo. Resta, portanto, que cada um ocu-
O cenário para a formação dos residentes encontra-se pe os espaços institucionais de participação ou, como
inadequado. Uma das soluções para este problema é ter diria João Cabral de Melo Neto, cantado por Chico Bu-
preceptores com competências para atuar nas residên- arque, que cada um repense e tome posse da “parte que
cias médicas. A ABEM, por intermédio do curso de De- lhe cabe neste latifúndio”32 (p. 1941).
senvolvimento de Competência Pedagógica de Precep-
tores, já deu o primeiro passo, investindo na formação
de preceptores em todo o País. AGRADECIMENTOS
A melhor formação de residentes, mesmo em cenário A Dra. Gracília Ramos, preceptora de Pediatria, ex-coor-
inadequado, exige uma releitura da educação que está denadora da CEREM de Pernambuco, que contribuiu com
sendo feita, com a educação centrada no residente e a os dados históricos sobre a residência médica neste Estado.
assistência centrada no paciente. Resta ao preceptor ser
o centro de uma educação continuada e permanente,
que lhe proporcione capacitação pedagógica para atuar REFERÊNCIAS
como docente neste cenário com características singula- 1. Botti SHO, Rego STA. Docente-clínico: o complexo papel do preceptor
res – a residência médica. na residência médica. Physis Rev. Saúde Coletiva 2011; 21(1):65-85.
Aqui citamos um exemplo vivenciado por um precep- 2. Botti SHO. O Papel do Preceptor na Formação de Médicos Residen-
tes: um estudo de residências em especialidades clínicas de um hospi-
tor de nosso grupo:
tal de ensino. Rio de Janeiro; 2009. Doutorado (Tese) - Escola Nacio-
nal de Saúde Pública.
Em determinado dia, estava na enfermaria com uma pa- 3. Wuillaume SM, Batista NA. O preceptor na residência médica em Pe-
ciente jovem com doença oncológica avançada e fora de diatria: principais atributos. Jornal de Pediatria. 2000; 76(5):333-8.

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Ana Paula Tavares Cavalcanti de Souza et. al.

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ensino médico e o modelo Preceptoria em um Minuto. Rev Bras Educ mas: diferentes termos ou diferentes caminhos? Interface Comunic,
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Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 85


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Estratégias de valorização e capacitação pedagógica do preceptor da residência médica.
Estratégias de Valorização e Capacitação
Pedagógica do Preceptor da Residência
Médica
Ana Célia Costa De CarvalhoI / Ana Cristina Santiago ValeI / André Siqueira AbrantesI /
Claudio Orestes Britto FilhoI / Clécio de Oliveira Godeiro JúniorI / Eduardo Dantas Baptista
de FariaI / Eliane Pereira da SilvaI / Elza Maria Fernandes Seabra de MeloI / Eugênio
França do RêgoI / Francisco Américo MicussiI / Hadmila Rodrigues MeloI / Irami Araujo
FilhoI / Julio Cesar Vieira de SousaI / Kátia Cristina Araújo Nascimento de OliveiraI / Larissa
Morais da CostaI /Lyane Ramalho CortezI / Maria da Guia Medeiros GarciaI / Nestor
Rodrigues de Oliveira NetoI / Rodrigo Trigueiro Morais de PaivaI / Rosângela Maria Morais
da CostaI / Tásia de Albuquerque Falcão FeitosaI / José Diniz JuniorII/ George Dantas de
AzevedoII/ Rosiane Viana Zuza DinizII/ Luisa Fogarolli de CarvalhoIII/ Denise Herdy AfonsoIV

Palavras-chave: Residência Médica. Motivação. Preceptoria. Educação Médica.


Capacitação em Serviço.

RESUMO quanto os próprios médicos residentes. Há sobrecarga


de trabalho em condições adversas, pouco tempo para
Por integrarem os saberes da academia e do serviço, os discussão de casos, além de imobilidade frente às reivin-
programas de residência constituem uma ferramenta dicações dos preceptores, que necessitam de valoriza-
para a definição de padrões de qualidade da prática assis- ção como pessoas humanas e profissionais dedicados.
tencial, na medida em que a atuação de tutores e pre- Ademais, a formação dos profissionais de saúde tem se
ceptores, aliada ao interesse e à curiosidade dos jovens baseado em metodologias tradicionais, em que o conhe-
aprendizes, promove o questionamento e a discussão cimento é fragmentado em campos altamente especiali-
constantes das decisões e condutas clínicas adequadas, zados, em busca de eficiência técnica. Entretanto, as es-
com base em evidências científicas. Atualmente se ob- tratégias de capacitação pedagógica voltadas para a
serva uma inquietação dos preceptores de residência preceptoria da residência médica são ainda extrema-
médica pela falta de reconhecimento e valorização de mente frágeis, o que dificulta e desvaloriza a atuação dos
seu trabalho, envolvendo tanto seu órgão representativo preceptores. Neste contexto, este capítulo apresenta a
no Brasil, a Comissão Nacional de Residência Médica, reflexão crítica dos preceptores e tutores participantes

I Preceptor de Residência Médica do Estado do Rio Grande do Norte.


II Tutores do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
III Orientadora de Aprendizagem do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
IV Supervisora do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.

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Estratégias de Valorização e Capacitação Pedagógica do Preceptor da Residência Médica

do projeto da Associação Brasileira de Educação Médica holística, o preceptor não pode permanecer satisfeito
(ABEM) para o Desenvolvimento de Competência Peda- com sua invisível valorização. Para entregarmos um mé-
gógica para a Prática da Preceptoria na Residência Médi- dico especialista à sociedade, não bastam a teoria e a téc-
ca, realizado em Natal (RN) no ano de 2012 (DCPPRM- nica; é preciso ensinar muito mais: o olhar, o afago, o si-
-RN), sobre a valorização e capacitação pedagógica de lêncio, o sorriso, a morte, o luto. E a maioria destes
preceptores da residência médica. ensinamentos não está descrita em livros-texto, mas,
sim, na ciência da vida, à beira do leito ou na intimidade
das salas de consulta. A postura do preceptor frente à
INTRODUÇÃO
vida, seu exemplo de dedicação, o trato com todos os
A residência médica (RM) é um modelo educacional, em que o rodeiam, suas posições de limites, sua escuta qua-
nível de pós-graduação, no qual os aprendizes aprofun- lificada e a prática do acolhimento enobrecem o ensino e
dam conhecimentos e melhoram habilidades e atitudes; buscam um preparo mais humanístico na arte do cuidar.
ou seja, desenvolvem competências específicas para um Assim, apresentamos a visão, construída coletivamen-
melhor cuidado. Surgiu em 1889, no hospital da universi- te, dos preceptores da residência médica do Rio Grande
dade norte-americana Johns Hopkins, como uma forma do Norte quanto às estratégias para valorização e capa-
de capacitação profissional para médicos, tendo chegado citação docente do preceptor de RM.
ao Brasil na década de 1940 com a criação do primeiro
programa de residência médica do Hospital das Clínicas
A RESIDÊNCIA MÉDICA E A VALORIZAÇÃO
da Faculdade de Medicina da USP. Inicialmente, os pro-
DE SEUS PRECEPTORES
gramas eram chamados de internato, em vez de residên-
cia. Em 1948, no Rio de Janeiro, iniciou-se um programa A residência médica é consagrada há mais de 60 anos
de RM já com nome e formatos clássicos. O primeiro como a melhor forma de inserção de profissionais médicos
serviço de residência médica do Rio Grande do Norte na vida profissional, uma especialização sob supervisão.
teve início em 1968, como Curso de Especialização em Os serviços que dispõem de residência médica e mul-
Obstetrícia, na Maternidade Escola Januário Cicco. tiprofissional oferecem melhores oportunidades aos
Em virtude de sua característica fundamental de inte- pós-graduandos de identificarem a prática do trabalho
gração entre o saber da academia e o saber do serviço, em equipe em prol de uma atenção efetiva à saúde de
os programas de residência constituem uma potente fer- seus clientes.
ramenta para definir padrões de qualidade para a prática Além dos ensinamentos técnicos, o preceptor ensina a
assistencial, uma vez que a atuação de tutores e precep- prática humanizada de atuar. No entanto, há sobrecarga
tores, aliada ao interesse e à curiosidade natural dos jo- de trabalho em condições adversas, pouco tempo para
vens aprendizes, promove o questionamento e a discus- discussão de casos, além de imobilidade frente às reivin-
são constantes das decisões e condutas clínicas mais dicações dos preceptores, que necessitam de valorização
adequadas, com base em evidências científicas. como pessoas humanas e profissionais dedicados.
Nos serviços que oferecem RM, existe uma inquieta- Um inquérito realizado durante o DCPPRM-RN, en-
ção dos preceptores, oriunda da falta de reconhecimen- volvendo 50 preceptores de residência médica do Esta-
to e valorização de seu trabalho pelo órgão ordenador do, avaliou quais as estratégias necessárias à valorização
de normas, direitos e deveres – a Comissão Nacional de do preceptor da residência médica do Rio Grande do
Residência Medica – e até pelos próprios médicos resi- Norte. Esse inquérito permitiu obter um perfil dos pre-
dentes. Existe um silêncio velado, em razão da sobrecar- ceptores que atuam nos diversos serviços de residência
ga da assistência em condições adversas, do pouco tem- médica no Estado. Deste total, predominou o sexo femi-
po para discussão dos casos, da imobilidade de não nino (58%), idade média de 44 anos, tempo médio de
termos quem nos escute e da percepção de que precisa- formação em Medicina superior a 15 anos, tendo apenas
mos sobreviver e vamos tocando em frente. quatro preceptores (8%) concluído o mestrado e sete
Consciente do seu papel humano, em seu lugar social, (14%) o doutorado, sendo um deles (2%) pós-doutor.
na importante arte de formar médicos com concepção Tal fato é corroborado por outros estudiosos do tema.

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Ana Célia Costa De Carvalho et. al.

Segundo Botti1, não há homogeneidade em relação à do preceptor em serviço público de urgência e emer-
prática da preceptoria médica, até por não haver uma gência não universitário, bem como suas atribuições
preparação formal para esta prática. Impera em alguns dentro e fora da instituição. Observaram que este profis-
preceptores a ideia de se portar como um “guia”, enxer- sional assumia vários empregos, que a atividade de pre-
gando o aprendiz como uma “tábula rasa”, sem uma his- ceptoria no serviço, muitas vezes, lhe foi imposta pelos
tória anterior de conhecimentos adquiridos. É ressaltada superiores, não sendo remunerados pela atividade do-
a necessidade de “educadores de verdade”, com forma- cente que exerciam. Além disso, desconheciam a prática
ção clínica, porém com bagagem pedagógica. Esse autor pedagógica, não a exerciam com base em nenhum mé-
enfatiza que as habilidades motoras são adquiridas em todo e não havia integração com o corpo docente da
etapas; assim, é preciso que o residente seja acompanha- universidade.
do pelo preceptor o tempo todo, principalmente no iní- Em contrapartida, os alunos de graduação responde-
cio da residência, e que observe o preceptor em ação. ram que a figura do preceptor era fundamental em seu
O preceptor foi destacado também na formação mo- aprendizado, valorizando mais esta atividade do que a
ral do residente e na estimulação do desenvolvimento da dos próprios docentes. Segundo eles:
consciência crítica. Segundo o Ministério do Planejamen-
to e a Secretaria de Relações de Trabalho2, a educação não é qualquer médico que tem condições de exercer
superior no Brasil não prima pela capacitação pedagógi- atividades de preceptoria e que, para ser um bom pre-
ca do docente. Porém, com o advento da Lei de Diretri- ceptor, o médico necessita antes do aprimoramento
zes e Bases da Educação Nacional3, foi exigida uma pre- científico, estabelecer uma boa relação pedagógica com
paração pedagógica para o exercício da docência, o aluno e uma relação ética com o paciente.
incluindo mudança curricular, adoção de metodologias
de ensino-aprendizagem baseadas em problematização, O preceptor foi tido como uma espécie de espelho no
inclusão do aluno na seleção de conteúdos e na busca de qual o aluno se inspira durante sua relação com os pa-
conhecimentos e preparo didático-pedagógico dos do- cientes5. Esse mesmo autor fez uma revisão e análise de
centes, entre outros itens. Alguns autores relatam que 102 trabalhos dos Congressos Brasileiros de Educação
isto depende muito do interesse do docente, pois a qua- Médica de 2007 e 2008, referentes à preceptoria, quan-
lificação não é obrigatória. to a conceito aplicado, atividade exercida, formação e
O desenvolvimento de competências prioritárias – capacitação. Observou que, quanto à valorização do
como organizar e dirigir situações de aprendizagem, ad- preceptor, o tópico capacitação foi abordado em poucos
ministrar o progresso da aprendizagem, conceber e fa- trabalhos como sendo importante para a prática da pre-
zer evoluir os dispositivos de diferenciação, envolver os ceptoria. Como os trabalhos não distinguiram precepto-
alunos em suas aprendizagens, trabalhar em equipe, uti- ria de internato e de residência médica, a conclusão
lizar novas tecnologias e administrar sua própria forma- abrangeu os dois níveis de graduação6.
ção contínua – capacita o docente a atuar nos dias de Segundo editorial da ABEM7, a valorização do precep-
hoje. Neste sentido, a função de preceptor de residência tor é uma estratégia indispensável para a mínima qualifi-
se aplica à atividade de docente, pois o preceptor é um cação dos programas de residência médica. Este define
docente sem ser nomeado para isso, e o estímulo ao que o preceptor é um agente de extrema importância,
desenvolvimento de competências faz parte da valoriza- que merece maior destaque no cenário da RM. A qualifi-
ção da preceptoria4. cação do preceptor por meio de capacitação pedagógi-
Constatou-se também que a maior parte dos precep- ca, por exemplo, se faz premente, assim como a diferen-
tores (70%) era formada por técnicos de nível superior ciação em termos financeiros para aquele que se dedica
e apenas 16% eram docentes. Observou-se que 14% a essa atividade. O editorial sugere ainda que o reconhe-
dos entrevistados possuíam os dois vínculos simultanea- cimento da atividade como tendo valor curricular tam-
mente, o que favoreceu uma sobrecarga de trabalho va- bém contribuiria para a sua valorização. Ao final desse
riável de 32,6 horas semanais durante uma média de dez texto, a ABEM defende que a atividade do preceptor
anos. Neste contexto, Missaka et al.5 estudaram o perfil seja valorizada com processo de seleção, remuneração

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 89


Estratégias de Valorização e Capacitação Pedagógica do Preceptor da Residência Médica

adicional, capacitação específica e certificação pelo exer- mais humanístico na arte do cuidar. A análise dos resulta-
cício da atividade. dos mostrou que 19 entrevistados (38%) se considera-
Em nossa revisão de literatura identificamos alguns vam valorizados em sua atuação como preceptor contra
temas que se relacionam diretamente com a vida do pre- 16 (32%), que não se sentiam valorizados, ou 15 (30%),
ceptor: o processo ensino-aprendizagem em que a díade parcialmente valorizados. Logo, constatou-se que a
preceptor-aprendiz está inserida; o papel do preceptor maioria dos entrevistados estava insatisfeita pela falta de
na formação do profissional médico; o perfil deste pre- valorização do seu trabalho.
ceptor; e os mecanismos de valorização utilizados pelas Quanto aos fatores que elevariam a valorização, 25
instituições para esta categoria. Em relação ao processo (50%) responderam que a melhoria salarial seria o fator
ensino-aprendizagem, o exercício da preceptoria exige predominante no reconhecimento do esforço como
do preceptor características como conhecimento, sensi- preceptor; 34 (68%) consideraram que o incentivo à
bilidade, bom senso e competência em relação à prática, educação permanente aumentaria o sentimento de valo-
ao processo de trabalho médico e às transformações do rização; 10 (20%) referiram que a diminuição de sua car-
mundo do trabalho. Valente e Viana4 observaram que al- ga horária seria considerada fator de impacto positivo;
guns serviços usam metodologias ativas de aprendiza- 23 (46%) responderam que o reconhecimento dos cole-
gem, porém tais modelos ainda não impactam de forma gas os motivaria em sua atuação como preceptor; 21
importante o processo de formação do profissional da (42%) acreditavam que o reconhecimento de seu traba-
saúde. Em relação ao papel desenvolvido por este pro- lho pelos residentes os faria sentir-se valorizados; e 11
fissional, o preceptor pode ser visto como “orientador, (22%) opinaram que a flexibilização de sua carga horária
exemplo, supervisor, tutor, guia, pai, amigo, professor, influenciaria na valorização de seu trabalho. Em relação
moderador, facilitador, parceiro e educador”8 (p. 70). aos tópicos citados, percebe-se na literatura embasa-
Esse mesmo estudo qualificou a presença deste profis- mento consonante, pois os mecanismos de valorização,
sional dentro do hospital com as seguintes palavras: regulamentados pelo Ministério da Educação, não estão
contemplados na legislação da Comissão Nacional de
É grande a importância do preceptor como educador, ofe- Residência Médica (CNRM) de forma a valorizar a pre-
recendo, ao aprendiz, ambientes que lhe permitam cons- ceptoria médica no Brasil. Em 2011, foi aberta uma dis-
truir e reconstruir conhecimentos. O preceptor ensina cussão no Ministério do Planejamento sobre a carreira
realizando procedimentos técnicos e moderando a discus- de magistério superior federal, na qual se cogitava uma
são de casos. Assume papel de docente-clínico, um profis- “gratificação por encargo de atividade de preceptoria”9.
sional que domina a prática clínica e os aspectos educa- Porém, em nenhum ponto da discussão se falava da
cionais relacionados a ela, transformando-a em ambiente atividade de preceptor propriamente dita, havendo uma
e momento educacionais propícios. Identificando as opor- clara distinção entre “ser docente” e fazer preceptoria e
tunidades de aprendizagem e os cenários de exposição, o “ser técnico de nível superior em ensino em serviço” e
preceptor da residência médica funciona como uma vitri- fazer preceptoria. Percebe-se, portanto, que o precep-
ne de atributos técnicos e relacionais, proporcionando tor assume vários papéis, porém estes não são valoriza-
verdadeiras condições de desenvolvimento técnico e ético dos. Encontram-se referências a orientador, tutor, super-
nos cenários reais de prática profissional8 (p. 65). visor e mentor. Ele planeja, controla, guia; estimula o
raciocínio e a postura ativa; analisa o desempenho; acon-
Um preceptor deve ser valorizado não apenas por re- selha e cuida do crescimento profissional e pessoal; ob-
passar técnicas cirúrgicas avançadas, solicitar os mais no- serva e avalia o residente executando suas atividades;
vos e sofisticados exames ou prescrever o mais novo atua na formação moral. Cabe ressaltar a importância do
medicamento que às vezes ainda não chegou ao seu país. preceptor como educador, oferecendo, ao aprendiz, am-
Sua postura frente à vida, seu exemplo de dedicação, o bientes que lhe permitam construir e reconstruir conhe-
trato com aqueles que o rodeiam, suas posições de limi- cimentos. Para isso, assume papel de docente-clínico,
tes, sua escuta qualificada e a prática do acolhimento são profissional que domina a prática clínica, transformando-
aspectos que enobrecem o ensino e buscam um preparo -a em ambiente e momento educacionais propícios.

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Ana Célia Costa De Carvalho et. al.

Portanto, segundo uma visão construída coletivamen- utilização de um diagrama denominado “Método do
te, é necessário, enquanto preceptores, discutir a quali- Arco”, de Charles Maguerez13, para representar o ensino
dade da presença e da prática clínica nos serviços, as baseado na problematização. Este diagrama é constituí-
exigências de atualização em um mundo onde a informa- do pelos seguintes movimentos: observação da realida-
ção circula rapidamente e obrigações administrativas, de, em que o aluno observa o problema; pontos-chave,
cada vez mais, sobrecarregam preceptores em hospitais, pontos essenciais à compreensão do problema; teoriza-
onde os recursos humanos são exíguos. É inegável a ne- ção por meio da análise das informações pesquisadas;
cessidade de valorizar o preceptor sob todos os aspec- hipóteses de solução e suas aplicações à realidade.
tos abordados, tendo como base fundamental a atualiza- Na ABP, os estudantes são divididos em pequenos gru-
ção pedagógica contínua para o exercício da função8. pos e lidam com problemas previamente elaborados, que
serão analisados usando-se inicialmente os conhecimentos
prévios dos alunos, com supervisão de um tutor. Eles vão
A CAPACITAÇÃO PEDAGÓGICA DO
construindo seu próprio conhecimento e aprendendo a
PRECEPTOR DE RESIDÊNCIA MÉDICA:
trabalhar em grupo. O tutor assume um papel de facilita-
IMPORTÂNCIA DAS METODOLOGIAS
dor, estimulando o processo e a reflexão sobre ele. Os
ATIVAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM
alunos, sempre sob supervisão, constroem trajetos de
O conhecimento se modifica de forma muito veloz, e o aprendizagem até a elaboração das sínteses e a produção
estudante deve receber uma formação permanente que do novo conhecimento. São aspectos importantes da ABP:
o torne apto a “aprender a aprender”. Nesta perspecti- aprendizagem significativa; indissociabilidade entre teoria
va, a educação médica brasileira vem sofrendo transfor- e prática; respeito à autonomia do estudante; trabalho em
mações graças ao uso de metodologias ativas de ensino- pequenos grupos; educação permanente e avaliação for-
-aprendizagem, visando formar médicos capazes de mativa, que considera todos os aspectos do processo edu-
abordar criticamente e resolver de forma mais adequada cacional, incluindo programa, docentes, gerentes, estu-
os problemas de saúde do indivíduo e da comunidade. dantes, resultados, materiais e mudanças. Esse processo se
Identificam-se duas propostas de ensino com aborda- consolida numa reflexão contínua sobre a prática.
gem problematizadora: a Pedagogia da Problematização
e a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP)10,11.
Emprego de metodologias ativas nas
Considerando que o ensino deve estar vinculado à
residências
prática desde o início do curso, a problematização se
destaca como uma estratégia de ensino-aprendizagem Na literatura brasileira relativa à educação de profissio-
que objetiva motivar o discente, pois este se detém dian- nais da saúde, ainda se observa uma carência de estudos
te do problema, examina, reflete, relaciona-o à sua vi- sobre o emprego sistematizado de metodologias ativas
vência e passa a ressignificar suas descobertas. Ainda na residência médica, sendo a maioria dos achados pro-
mais, estimula o espírito crítico, reflexivo, a capacidade veniente de experiências com o ensino de graduação. As
de autoavaliação, cooperação para o trabalho em equipe, experiências analisadas relatam o uso da metodologia ati-
o senso de responsabilidade, ética e sensibilidade na as- va de ensino-aprendizagem, com destaque para o papel
sistência, atributos fundamentais à prática médica. Da de tutoria exercido por profissionais do serviço que estão
mesma forma, estabelece o respeito mútuo entre pro- em contato contínuo com os residentes, compartilhando
fessor e aluno, favorecendo a superação dos hiatos de experiências na prática em saúde e também exercendo
aprendizagem. No processo de avaliação, não se objetiva atividades essencialmente docentes, como avaliação.
apenas a verificação de conteúdos acumulados pelo alu-
no, mas se leva em conta a criatividade, autonomia, capa-
Visão dos estudantes sobre as metodologias
cidade de organização, participação, relacionamento
ativas
com o grupo e comunicação do aluno. A autoavaliação e
o momento do diálogo abrem espaço para uma singular Em um trabalho realizado no Centro Universitário de Ser-
reflexão sobre a relação docente-discente12. Orienta-se a ra dos Órgãos (Unifeso), em Teresópolis, 29 estudantes

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 91


Estratégias de Valorização e Capacitação Pedagógica do Preceptor da Residência Médica

do terceiro ano do curso de Medicina foram submetidos tacaram a importância da qualificação do tutor quanto ao
a uma entrevista para avaliação do uso da metodologia conhecimento técnico, bem como ao domínio da função
ativa (PBL) que havia sido implantada no novo currículo, de facilitador. Um tutor mal preparado pode trazer pre-
em 2005. Os alunos descreveram a metodologia como juízos ao trabalho no grupo de tutoria quando o proble-
estimulante, porém observaram a necessidade de melhor ma proposto não for devidamente explorado. Ademais,
organização do modelo tutorial baseado na solução de a dificuldade de integração entre os centros formadores,
problemas. O novo currículo possibilitou um ensino cen- entre o básico e o clínico, entre teoria e prática foi elen-
trado nos estudantes, no qual eles tiveram a oportunidade cada como fator limitante. A avaliação foi considerada
de construir o próprio conhecimento, não dissociando a deficiente e inadequada, por se mostrar ainda como um
teoria da prática. Observou-se ainda que eles se aproxi- processo imaturo e não sistemático.
maram do referencial do trabalho em equipe, uma vez Outro trabalho também desenvolvido pela Famema16,
que lhe atribuiram significados de complementaridade, em 2010, objetivou avaliar os resultados de uma experi-
interdependência, disposição para compartilhar objetivos, ência de pós-graduação multiprofissional em saúde an-
decisões e responsabilidades, aprimoramento das rela- corada em metodologias ativas. Os egressos considera-
ções interpessoais e valorização da comunicação14. ram limitantes fatores relacionados ao próprio curso e
Ainda na linha de pesquisa de avaliação qualitativa, também ao cotidiano dos serviços de saúde. Foram cita-
uma universidade em Marília (SP) realizou um trabalho dos os seguintes aspectos limitantes para uma prática
que incluiu, além dos egressos do curso médico, os ges- profissional em conformidade com as necessidades do
tores e pacientes. As conclusões foram de que o curso SUS: dificuldades de implementar ações voltadas à cole-
proporcionou uma formação humanista, na visão dos tividade; excesso de demanda; solicitação de cuidados
egressos, e promoveu o aprender a aprender, a valoriza- voltados à resolução da queixa principal, dificultando o
ção do trabalho em equipe e a integração entre teoria e atendimento ampliado e voltado para a promoção à saú-
prática. Na visão dos gestores, os egressos foram além de; e questões ligadas à gestão e organização dos servi-
do foco da doença, e os pacientes os qualificaram como ços de saúde.
cuidadosos e respeitosos15.
Assim, pode-se considerar que a adoção de metodo-
COMENTÁRIOS E REFLEXÕES FINAIS
logias propostas pela educação inovadora reforça a ação
coletiva e participativa, elementos essenciais à implanta- Com base na revisão da literatura sobre o tema valoriza-
ção de mudanças no ensino. ção do preceptor de residência médica nas instituições
de ensino do País e na apuração dos dados obtidos na
pesquisa realizada com os preceptores dos diversos ser-
Desafios e dificuldades para implantação das
viços que acolhem residentes médicos no Estado do Rio
metodologias ativas
Grande do Norte, pode-se concluir que a atividade da
Um dos primeiros desafios é a mudança do método pro- preceptoria é de suma importância na formação técnica
priamente dito. Comumente, professores/tutores pro- dos residentes, contribuindo, sobremaneira, para a me-
vêm de escolas tradicionais, acreditando ser esta a única lhoria das competências necessárias à execução da práti-
forma de ensino médico. É importante estar aberto a ca médica nas diversas especialidades. No entanto, o
estas novas metodologias, “gastar” o tempo aprendendo reconhecimento deste trabalho requer um olhar mais
e assimilando suas nuances, mantendo os passos, a dinâ- cuidadoso no que diz respeito à valorização deste profis-
mica do grupo, aceitando as “outras verdades” que os sional, com relação tanto à sua capacitação, como à mo-
discentes/residentes trazem consigo e sabendo como tivação da classe.
ajudar a superar os obstáculos nesta “catarse intelectu- A capacitação em aspectos pedagógicos se mostra
al”, em que o papel do tutor é tão importante. um fator relevante para o fortalecimento da parceria das
No trabalho realizado no curso de Medicina da Uni- atividades de ensino com a unidade de saúde e da atua-
versidade de Marília15, um sentido atribuído como limite ção dos profissionais como preceptores dos alunos, me-
pelos egressos foi o papel do tutor. Neste aspecto, des- lhorando o atendimento e a qualificação dos profissio-

92 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Ana Célia Costa De Carvalho et. al.

nais, além de representar um reforço para a valorização 4. Valente GSC, Viana LO. O ensino de nível superior no Brasil e as
competências docentes: um olhar reflexivo sobre esta prática. Praxis
do preceptor. É preciso, portanto, que o preceptor en-
Educacional. 2010; 6(9):209-226.
tenda que o processo ensino-aprendizagem extrapola a 5. Missaka H. A Prática Pedagógica dos Preceptores do Internato em
simples transmissão de conhecimentos e passe a adotar, Emergência e Medicina Intensiva de um Serviço Público Não Univer-
em sua faina diária, metodologias pedagógicas moder- sitário. Rio de Janeiro; 2010. Mestrado [Dissertação] - Núcleo de Tec-
nas, visando ao incremento do processo de aprendiza- nologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro.
gem e à motivação do residente. Percebe-se que a fun-
6. Missaka H, Ribeiro VMB. A preceptoria na formação médica: o que
ção do preceptor não conflita com a do docente, uma dizem os trabalhos nos Congressos Brasileiros de Educação Médica.
vez que cabe a este último aprofundar as discussões no Rev Bras Educ Méd. 2011; 35(3):303-310.
contexto mais acadêmico, e o primeiro é considerado, 7. Associação Brasileira de Educação Médica. Residência Médica: por-
não raras vezes, um modelo de profissional a ser segui- que e como mudar. Boletim da ABEM. 2006; (10). Disponível em:
http://www.abem-educmed.org.br/boletim_virtual/volume_10/tex-
do pelo aluno. Assim, o papel deste ator se reveste de to_residencia.pdf.
grande responsabilidade. 8. Botti SHO, Rego STA. Docente Clínico: o complexo papel. Physis Rev
Outros aspectos relevantes são o aprendizado do tra- Saúde Coletiva. 2011; 21(1): 65-85
balho em equipe, o envolvimento com outras categorias 9. Brasil. Dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreira e Cargo de
Magistério Superior Federal; a criação da Gratificação de Encargos de
profissionais e a busca do próprio conhecimento. Nos
Atividade de Preceptoria – GAP e da Gratificação de Atividade de
trabalhos avaliados, a maioria relatou o uso de metodolo- Coordenação de Cursos - GCC; e dá outras providências. Brasília;
gias ativas de ensino-aprendizagem na graduação médica, 2011.
com pouca ênfase nos cursos de residências médicas. 10. Gomes R, Francisco AM, Tonhom SFR, Costa MCG, Hamamoto CG,
As limitações do método apontadas envolveram, es- Pinheiro OL, Moreira HM, Hafner MLMB. A formação médica anco-
rada na aprendizagem baseada em problema: uma avaliação qualitati-
pecialmente, o papel do tutor quanto à qualificação téc-
va. Revista Interface – Comunicação, Saúde, Educação. 2009;
nica e ao domínio da função tutorial. Também foi dado 13(28):71-83.
destaque ao descompasso entre os profissionais forma- 11. Berbel NAN. A problematização e a aprendizagem baseada em pro-
dos na lógica da problematização e aprendizagem basea- blemas: diferentes termos ou diferentes caminhos? Revista Interface
– Comunicação, Saúde, Educação. 1998; [citado 2009 dez 03]; 2(2):
da em problemas e a realidade dos serviços que com-
[aprox.16 telas]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/
põem o SUS. v2n2/08.
As metodologias ativas representam um processo po- 12. Botti SHO. O papel do preceptor na formação de médicos residen-
sitivo na formação do profissional médico, devendo, tes: um estudo de residências em especialidades clínicas de um hospi-
portanto, ser destacadas nos processos de capacitação tal de ensino. Rio de Janeiro; 2009. Doutorado [Tese] – Escola Nacio-
nal de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz.
pedagógica tanto para docentes quanto para precepto-
13. Bordenave JD, Pereira AMP. Estratégias de ensino-aprendizagem. 25
res. Tais métodos favorecem um atendimento mais qua- ed. Rio de Janeiro: Vozes; 2004.
lificado, tornando possível uma visão ampliada e contex- 14. Costa JRB, Romano VF, Costa RR, Vitorino RR, Alves LA, Gomes AP,
tualizada da realidade, uma articulação entre teoria e Siqueira-Baptista R. Formação médica na estratégia de saúde da famí-
prática, além do desenvolvimento da capacidade de con- lia: percepções discentes. Rev. Bras. Educ. Med. 2012; 36(3):387-400.
15. Marin MJS, Gomes R, Marvulo MML, Primo EM, Barbosa PMK, Dru-
viver com e respeitar os diferentes saberes necessários zian S. Pós-graduação multiprofissional em saúde: resultados de expe-
ao cuidado integral. riências utilizando metodologias ativas. Revista Interface – Comunica-
ção, Saúde, Educação. 2010; 14(33):331-344.
16. Moraes MAA, Manzini EJ. Concepções sobre a Aprendizagem Basea-
REFERÊNCIAS da em Problemas: um Estudo de Caso na Famema. Rev. Bras. Educ.
Med. 2006; 30(3):125-135.
1. Botti SHO. Principais atributos de um preceptor de Residência Médi-
ca. Manual do Preceptor de Residência Médica. Conselho Regional de
Medicina do Paraná. 2011; 78 p.
2. Brasil. Ministério do Planejamento. Secretaria de Relações de Traba-
lho. Proposta – Plano de Carreira e Cargo do Magistério Superior
Federal. Brasília: Ministério do Planejamento; 2011.
3. Brasil. Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União. Brasília. 1996; dez.
23. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 93


Universidade Federal de Roraima
Desafios da Preceptoria na Residência Medicano Lado de Cima do Equador: Experiência em Roraima.
Desafios da Preceptoria na Residência Médica
no Lado de Cima do Equador: Experiência em
Roraima
Glaucia de OliveiraI / Denise MorethI / Altamir RibeiroI / Cassandra LoureiroI / Hugo Alberto
SayanI / Jeovane SoaresI / Jordania de SouzaI / Marcia MarquesI / Mareny DamascenoI /
Maria CatiaI / Maria SoledadeI / Rutiene Maria MesquitaI / Stella Maris MartinsI / Tao
MachadoI / Valeria Cristina NascimentoI / Amon MachadoI / Bruno LeitãoI / Cristiane GrecaI
/ Debora MaiaI / Gustavo UbirajaraI / Ida PereaI / Jucineide VieiraI / Daniela PimentaII /Maria
Viviane VasconcelosII / Mauro AsatoII / Regina Helena MenninIII / Lia Márcia Cruz da SilveiraIV

Palavras-chave: Residência Médica. Preceptoria. Formação Médica. Desenvolvimento


Pedagógico.

RESUMO Equador, está situado na Região Norte do Brasil, entre a


Venezuela e a República Cooperativista da Guiana, e faz
Enfoca-se o desenvolvimento do programa de residên- limite com os Estados do Pará e Amazonas. É composto
cia médica em Roraima desde sua implementação até a por 15 municípios, possui uma população total de
fase atual de desenvolvimento pedagógico dos médicos 450.4791 habitantes e sua capital é Boa Vista.
preceptores. Trata-se de uma análise documental dos A formação do médico no Estado é realizada na Fa-
arquivos da Comissão de Residência Médica local e do culdade de Medicina da Universidade Federal de Rorai-
Conselho Nacional de Residência Médica, e de depoi- ma, criada em 1994 e que há sete anos vem implemen-
mentos dos médicos especialistas que colaboraram no tando um currículo com características metodológicas
curso de graduação da Universidade Federal de Rorai- inovadoras, o problem based learning (PBL).
ma e na implantação e desenvolvimento dos programas A implantação do primeiro programa de residência
de residência médica. São apresentadas as reflexões médica no Estado ocorreu em 2004 no Hospital da Crian-
dos preceptores sobre as suas vivências e um diálogo ça Santo Antônio (HCSA). Devido à carência local de mé-
com a literatura. dicos pediatras, em 2003 foi enviado à Comissão Nacio-
nal de Residência Médica um projeto para implantação de
Residência Médica em Roraima residência em Pediatria Geral, elaborado pela pediatra
Stella Maris Seixa Martins e pelo cirurgião pediátrico An-
O Estado de Roraima – que significa “serra verde” no tonio Carlos Sansevero Martins, ambos professores da
idioma indígena Yanomâmi –, cortado pela Linha do Universidade Federal de Roraima (UFRR). A implantação

I Preceptores de Residência Médica do Estado de Roraima.


II Tutores do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
III Orientadora de Aprendizagem do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
IV Supervisora do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 95


Desafios da Preceptoria na Residência Médica no Lado de Cima do Equador

contou com o apoio do corpo clínico do HCSA e do se- As transformações na formação do médico na gradu-
cretário de Saúde do município, que assumiu o pagamen- ação e pós-graduação acontecem paulatinamente e
to das bolsas. Desse modo, a história da residência médi- acompanham o crescimento da população roraimense,
ca em Pediatria no Estado se funde em grande parte com suas novas necessidades e demandas.
a história do Hospital da Criança Santo Antônio. Desde Nessa permanente evolução, estamos construindo e
então, a residência em Pediatria vem se mantendo com a criando alternativas para os velhos e novos problemas e
cooperação dos médicos do corpo clínico do HCSA e demandas surgidas da necessidade da construção da
com o apoio da UFRR. Nesse percurso, vários médicos identidade dos colegas de profissão que ocupam a fun-
migraram e outros foram sendo agregados ao hospital, ção de supervisionar os médicos residentes.
como os egressos da residência de Pediatria que retorna-
ram para integrar a equipe de preceptores.
Os desafios da preceptoria da residência
Entendendo que os programas de residência médica
médica
são alternativas viáveis para a formação e fixação local de
profissionais especialistas, médicos de outras áreas de Com vistas a contribuir com a formação do médico resi-
atuação também foram pioneiros nessa iniciativa para dente, em 2011, a Associação Brasileira de Educação
implementação do programa em Cirurgia Geral no Hos- Médica (ABEM), por meio do Projeto de Desenvolvi-
pital Geral de Roraima e do programa de Ginecologia e mento de Competência Pedagógica para a Prática da
Obstetrícia no Hospital Materno Infantil Nossa Senhora Preceptoria na Residência Médica, constituiu Centros
de Nazaré, ambos em 2005, e do programa de residên- Colaboradores em vários Estados, sendo a Universidade
cia em Clínica Médica, em 2007. Federal de Roraima um deles. Neste curso houve a ins-
Em 2008, o Hospital Geral de Roraima iniciou um crição local de 29 preceptores entre médicos da rede e
processo de expansão dos programas de residência mé- docentes, que participaram dos dois presenciais e do
dica com pedido de credenciamento provisório para o ambiente virtual de aprendizagem (AVA).
programa de Infectologia. Em 2009, o Pró-Residência Durante o primeiro presencial do curso, em julho de
aumentou o número de vagas dos programas de Clínica 2012, o grupo de preceptores refletiu por meio de per-
Médica e Cirurgia Geral e criou, em 2010, os programas guntas-base sobre a questão preceptoria e escreveu cole-
de Ortopedia e uma área de atuação em Medicina de tivamente duas análises baseadas em suas vivências e
Urgência e Videolaparoscopia. Em 2011, foi solicitado fundamentadas na bibliografia. Posteriormente, o grupo
credenciamento provisório para o programa de residên- manteve a comunicação através do AVA, com troca de
cia médica em Anestesiologia e Medicina Intensiva, tota- informações durante a busca na literatura.
lizando 22 vagas anuais de residência médica, sendo 20 Uma questão com referência ao preceptor debatida
de acesso direto e duas com pré-requisito nesta unidade pelo grupo foi: Como regulamentar a função do preceptor
hospitalar, e 36 vagas no Estado de Roraima. Em 2011, em termos de rotina técnica, vínculo e planejamento educa-
também foi implantado o programa de residência médi- cional?
ca em Medicina de Família e Comunidade, vinculado à A função de supervisão exercida pelo preceptor duran-
Coreme do HCSA. Atualmente, vem se trabalhando te a formação profissional do médico residente, apesar de
para a implantação do programa de residência com área assumir papel vital na pós-graduação sensu lato, configura-
de atuação em Neonatologia. -se como um aspecto pouco discutido e investigado na
Enfatiza-se neste processo a participação dos gestores educação médica. O ato de supervisionar é uma atividade
e dos avaliadores da CNRM, que possibilitaram a implan- complexa, ocorrendo em uma variedade de cenários ou
tação dos programas e, atualmente, o Pró-Residência/MS, contextos, e tem várias definições, funções e formas de
contribuindo com o financiamento de 60% das bolsas. realização. Na área médica, foram sugeridas várias deno-
Cursar um programa de residência médica é um dife- minações para o termo supervisão exercida pelo precep-
rencial na vida dos egressos, com a possibilidade de me- tor, como monitoramento, guia e feedback em matéria de
lhor remuneração e, principalmente, no aprimoramento desenvolvimento pessoal, profissional e educacional no
do cuidado da saúde da população. contexto de cuidados médicos aos pacientes.

96 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Glaucia de Oliveira et. al.

Local de atuação, funções e requisitos principais que mas é um processo de construção do sujeito historica-
diferenciam preceptores, mentores, supervisores e tuto- mente situado5. A profissão de professor, assim como as
res foram delineados por Missaka e Ribeiro². Os autores demais, emerge num dado momento em contexto histó-
ressaltaram que os preceptores devem ensinar a clinicar, rico como resposta às necessidades postas pelas socie-
por meio de instruções formais (conteúdo das rotinas dades, adquirindo estatuto próprio e legalidade.
técnicas ou evidências científicas) e com determinados Os termos preceptor/preceptoria foram identificados
objetivos e metas integrando os conceitos e valores da em 176 trabalhos em nosso país entre os anos de 2007 e
escola e do trabalho. Devem avaliar e ter competência 2009. Destes, 34 em 2007, 68 em 2008, e 74 em 20092.
clínica, técnica e pedagógica, ainda que não sejam capaci- A preceptoria é discutida em 84% dos eixos temáticos
tados para isso, uma vez que a maioria dos preceptores dos congressos, deixando de ser citada apenas nos eixos:
tem a formação médica não voltada para o ensino. gestão da escola médica e de hospitais universitários, éti-
As concepções sobre o papel do preceptor como ca e extensão universitária. Nos congressos brasileiros
professor reflexivo intelectual e crítico, assim como téc- de educação médica, vários estudos chamam atenção
nico, não são estanques nem distantes entre si, mas para a necessidade de capacitação, valorização da ativi-
complementares, trazendo todo um potencial para a dade e normatização.
prática docente3. Em outro estudo de abordagem qualitativa realizado
No exercício da prática educativa do preceptor, o ob- com os 29 preceptores do curso, observou-se que os trei-
jetivo é estimular nos educandos uma formação crítica namentos e espaços para reflexão e discussão acerca das
com vistas a buscar o próprio conhecimento por meio estratégias de preceptoria podem incentivar e provocar a
de uma formação consistente e enriquecedora. Nesse mudança de comportamento, promovendo um processo
caso, cabe aos formadores da preceptoria investigar qual de envolvimento, enriquecimento e reflexão crítica6. Os
a contribuição que os saberes pedagógicos podem ofe- preceptores tendem a repetir os padrões de ensino a que
recer nessa formação e buscá-los ativamente. foram submetidos, de forma mecânica. Portanto, um espa-
Em relação à preceptoria e ao preceptor, a literatura ço para a troca de experiências com colegas que também
mostra vários atributos definidos, mas a supervisão e sua vinham repetindo padrões poderia levar a uma prática di-
regulamentação não têm sido objeto de estudo frequen- ferente mais reflexiva e inclusiva, graças ao maior envolvi-
te. O principal relato da profissionalização da precepto- mento e compreensão acerca do papel de preceptor.
ria, de Contréras3, se reporta às qualidades da prática A ideia de maior aproximação e relacionamentos
profissional dos professores em função do que requer o mais cooperativos entre os membros da equipe apare-
trabalho educativo. Dessa forma, a profissionalidade não ce como cerne fundamental da mudança e da melhoria,
consiste apenas em ensinar, mas engloba todos os valo- com a promoção do bem-estar neste espaço de ensino-
res e pretensões que o preceptor deseja alcançar na -aprendizagem.
profissão. Para que ocorra um entendimento sobre a A maioria dos profissionais da rede pública de atendi-
profissionalidade do preceptor, é necessário que se en- mento não recebe apoio institucional de formação para
tenda o conceito de prática educativa para adultos de o adequado acompanhamento aos residentes, visto que
forma ampla e não apenas delimitada pela prática didáti- não possui treinamento nem estímulos para isso7. Os
ca dos professores4. A educação envolve outras esferas preceptores precisam ser capacitados e ter tempo dis-
de determinações políticas, econômicas ou culturais, e ponível para a preceptoria, e para isso é necessário es-
isso faz com que os preceptores não tenham domínio truturar a função de preceptor por meio do desenvolvi-
total sobre a prática. Portanto, assim como a constitui- mento de programas metodológicos de ensino8.
ção da profissionalização de professores não é um fenô- Os profissionais médicos e os gestores devem se
meno simples, a constituição da identidade dos precep- comprometer com a formação continuada e o apoio pe-
tores também apresenta certas particularidades e dagógico, assumindo o compromisso de organizar o tra-
configura-se como um fenômeno complexo. balho de maneira a promover a prática colaborativa, o
A identidade do preceptor não pode ser considerada que seria importante fator motivacional para o trabalho,
um dado imutável nem externo que possa ser adquirido, principalmente nos locais com falta de pessoal9.

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 97


Desafios da Preceptoria na Residência Médica no Lado de Cima do Equador

Chung et al.10, em uma pesquisa que investigou os fato- Levando-se em conta que o tema “sensibilização de
res de satisfação e insatisfação entre docentes que atuam preceptores para a formação de residentes” é pouco
em salas de aulas e na prática clínica, observaram que os discutido em textos científicos encontrados na literatura,
profissionais com maior grau de insatisfação eram os que ressaltam-se os principais obstáculos para o estímulo de
orientavam diretamente a prática clínica nos hospitais profissionais médicos para a atuação como preceptores,
(preceptores). Os principais motivos relatados foram falta o que deverá ser o ponto de partida para encontrarmos
de um programa de carreira ou de promoção (valorização caminhos para solucionar esses entraves.
profissional) e falta de orientação pedagógica. Outro pro-
blema citado foi a ausência de liderança dentro dos depar-
Como sensibilizar os médicos para o exercício
tamentos, sem uma organização para o trabalho em equi-
pe colaborativo e respeitando a autonomia individual.
da preceptoria de modo a garantir uma boa
Em tese, as escolas médicas brasileiras deveriam ter formação aos residentes?
profissionais qualificados e capacitados para exercer a Apresentamos algumas propostas para sensibilizar e es-
tutela dos graduandos e médicos residentes, conforme timular médicos para o exercício da preceptoria de
dispõe a Resolução do Conselho Nacional de Residência modo a garantir uma boa formação aos residentes.
Médica no 005/2004, de 08 de junho de 2004, no Art. 2º,
que estabelece que o preceptor/tutor terá a atribuição
de orientar diretamente os médicos residentes do pro- Convidar o corpo clínico dos hospitais com
grama de treinamento. residência médica para participar de seleção
Notadamente, pouco se tem escrito sobre o assunto, e capacitação de preceptores
logo, não há regulamentação geral a respeito, apenas expe-
Apresentar a importância da presença do preceptor no
riências individuais de serviços. Em muitos dos artigos pes-
ensino dos residentes e a grande relevância da contribui-
quisados, observam-se referências ao pouco material dis-
ção de todos para um atendimento de qualidade para a
ponível para pesquisa sobre esses assuntos. Vários deles
população por meio de palestras nos diversos serviços
citam a figura do preceptor, mas não há ainda a regulamen-
médicos, incluindo a participação de outros colegas.
tação da preceptoria como carreira docente. Esse fato
Criar critérios para seleção de preceptores, tendo em
ocorre em nossa região, em que não ocorre vínculo em-
vista que: “Segundo regras em vigor, que certamente
pregatício para o preceptor. Nos hospitais locais, atividades
precisam ser melhoradas, o preceptor deve ter, no míni-
relacionadas ao ensino e à pesquisa fazem parte do regi-
mo, certificado de conclusão de residência médica reco-
mento do corpo clínico, mas esse fato não é enfatizado ou
lembrado no momento de contratar novos colaboradores. nhecido na área em que atua ou título de especialista
Conclui-se que atualmente conta-se apenas com a pela AMB”11 (p. 37).
boa vontade de profissionais, em nível nacional, que se Estabelecer a figura de um coordenador e supervisor
dedicam, durante seu horário de trabalho diário, sem re- de cada programa de residência médica.
dução do número de atendimentos no momento de en-
sino ou liberação de carga horária para esse fim, a exer- Segundo as regras em vigor, os supervisores de programas
cer o juramento que fizeram ao receberem o diploma de de residência médica derivam do conjunto de preceptores,
médico: “ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessi- e são eles que têm a responsabilidade de que tudo se faça
dade de aprendê-la...”. de forma correta e segura no âmbito de um PRM. Exer-
As transformações mais recentes das bases filosóficas, cem a ampla tarefa de planejar e executar, devendo ser
metodológicas e organizacionais da educação e do siste- médicos com autoridade e responsabilidade sobre o PRM.
ma de saúde brasileiros repercutiram nas instituições de Preferencialmente devem possuir qualificação diferencia-
ensino médico e demais áreas da saúde, provocando no- da em educação médica e noções de gestão para melhor
vos desafios aos modos de organização do trabalho em execução das tarefas. Precisam de tempo protegido e de-
saúde e, consequentemente, exigências a respeito do dicado para capacitação e exercício da função, devem ser
novo perfil dos profissionais2. também certificados, reconhecidos e remunerados11.

98 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Glaucia de Oliveira et. al.

Oferecer condições com regularidade para estimular residência médica. E são esses, mais que os outros, que
a formação profissional dos preceptores por meio de precisam ser sensibilizados.
congressos, pós-graduação (especialização, mestrado, Reivindicar incentivos financeiros, bolsas e outros be-
doutorado, cursos de aperfeiçoamento). nefícios para a carreira de preceptor é uma iniciativa ne-
cessária para que a função exista de direito, mas, para
Criar o cargo de preceptor e sua devida que isto aconteça, precisamos nos mobilizar enquanto
remuneração grupo de maneira coesa. Perceber a existência de um
grupo disposto a colaborar e assumir de direito a função
Instituir a categoria de preceptor em residência médica de preceptor e ser reconhecido como tal pelos seus pa-
pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de res e residentes. O efeito psicológico destas iniciativas
Nível Superior (Capes) e pelo MEC. tem muita influência no processo.
Regulamentar o cargo de preceptor com especifica- O ideal que precisa ser alcançado pode se originar nos
ção de função, carga horária e remuneração.
movimentos internos de cada programa e/ou instituição,
de sua organização enquanto grupo, aliados à participa-
Implantar melhorias na infraestrutura ção dos órgãos superiores, o que facilitará a formação de
um grupo maior de preceptores com vistas a mudanças
Criar um plano de investimento para as unidades com
para melhor na realidade da saúde da população local.
programas de residências médicas (PRM).
Cadastrar os hospitais da rede pública com residência
médica como hospitais-escola. REFERÊNCIAS
1. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estados@. Roraima. Po-
pulação 2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/per-
Promover a acessibilidade a periódicos, sites,
fil.php?sigla=rrl.
congressos 2. Missaka H, Ribeiro VMB. A preceptoria na formação médica: o que
dizem os trabalhos nos Congressos Brasileiros de Educação Médica
Criar endereços eletrônicos para grupos de discussão;
2007-2009. Rev Bras Educ Méd. 2011;35(3):303-310.
acesso à biblioteca e a periódicos através da UFRR/Ca- 3. Contréras DJ. A autonomia dos professores. São Paulo: Cortez; 2002.
pes/ABEM. 4. Gimeno SJ. La pedagogía por objetivos: obsesíon por la eficiencia. In:
Possibilitar a utilização da instalação da rede de tele- Contréras DJ. A autonomia dos professores. São Paulo: Cortez; 2002.
medicina, para reflexões temáticas, discussão de casos e 5. Pimenta SG. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: Pimenta
SG, Ghedin E (orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de
solicitação de segunda opinião formativa.
um conceito. 1. ed. São Paulo: Cortez; 2002.
6. Myrick F, Luhanga F, Billay D, Foley V, Yonge O. Putting the Evidence
CONSIDERAÇÕES FINAIS into Preceptor Preparation. Nurs Res Pract. 2012; 2012.
7. Trajman A, Assunção N, Venturini M, Tobias D, Toschi W, Brant V. A
Quando o profissional opta por ser preceptor já existe uma Preceptoria na rede básica da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de
motivação interna, que necessita apenas de iniciativas sim- Janeiro: opinião dos profissionais de saúde. Rev Bras Educ Méd.
2009;33(1):24-32.
ples para conduzir ou facilitar o aprendizado de um adulto
8. Kilminster SM, Folly BC. Effective supervision in clinical practice set-
e despertar o desejo de doar o melhor de si, tanto peda-
tings: a literature review. Medical Education. 2000;34:827-840.
gógica como tecnicamente. Contribuir para melhorar a 9. Paré L, Maziade J, Peletier F, Houle N, Iioko-Fundi M. Training in inter-
qualidade da assistência prestada no serviço público e sa- professional collaboration: pedagogic innovation in family medicine
ber que bons profissionais levam impressa “a marca” do units. Canadian Fam Phys. 2012; 58(4):e203-9.
preceptor são motivações internas que não verbalizamos, 10. Chung KC, Song JW, Kim HM, Woolliscroft JO, Quint EH. Predictors
of job satisfaction among Academic Faculty: Do instructional and clini-
mas que nos motivam a persistir apesar de tudo.
cal faculty differ? Med Educ. 2010; 44(10):985-995.
Por outro lado, existem bons profissionais médicos, 11. Nunes MP, Michel JLM, Haddad AE, Brenelli SL, Oliveira RAB. A Re-
organizados, acadêmicos na sua atividade, com conheci- sidência Médica, a Preceptoria, a Supervisão e a Coordenação. Cader-
mento específico evidente, que não se envolvem com a nos ABEM. 2011; 7:35-40.

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 99


Universidade Federal do Tocantins
Estratégias para melhorar a logística e a formação do preceptor de Residência Médica.
Estratégias para Melhorar a Logística e a
Formação do Preceptor de Residência Médica
Adriana Edelves Trindade Martins CarvalhoI / Ana Mackartney de Souza MarinhoI /
Andrea Silva do AmaralI / Ediane Figueira Aguiar CóticaI / Erika Gonçalves Afonso
MauésI / Gecilda Régia Ramalho Vale CavalcanteI / Helio Hermenegildo Marques
MauésI / Henrique Barsanulfo FurtadoI / Itágores HoffmanI / Lopes Sousa CoutinhoI /
Itágores Hoffman II Lopes Sousa CoutinhoI / Ivani Mendes de Oliveira AlvesI / Larissa
Nascimento MarquesI / Luciana Martins dos ReisI / Luciano de Castro TeixeiraI /
Mabel Coelho Portela de MeloI / Maria Regina Pinto KomkaI / Mauricio Thomas
Kawai CostaI / Michelle de Jesus Pantoja FilgueiraI / Miriam Goreth Kzan Pereira
MacedoI / Nadja Duarte Oliveira de Sousa ChiaviniI / Olívia Maria Veloso Costa
CoutinhoI / Patricia Bastos AmorimI / Pedro Manuel Gonzalez CuellarI / Rita de Cássia
Vieira Coutinho MendesI / Valdir Francisco OdorizziI / Rebeca Garcia de PaulaII /
Edson Arpini MiguelII / Paulo Marcondes Carvalho JúniorIII / Denise Herdy AfonsoIV /
Leonardo BaldaçaraV

Palavras-chave: Estratégias. Logística. Residência Médica. Preceptoria.

RESUMO nova, onde seus programas de residência médica se ini-


ciaram somente em 2010.
A preceptoria na residência médica tem sido alvo de dis-
cussão e investimento em nosso país, sendo a formação
do preceptor e sua logística um dos pontos-chave, ne- INTRODUÇÃO
cessitando-se refletir sobre estratégias para isso, o que
A Universidade Federal do Tocantins (UFT), por inter-
envolve um processo não somente educacional, mas
médio de seu curso de Medicina, foi convidada a partici-
também político. São sugeridas cinco fases para a cons-
par, como um dos 12 Centros Colaboradores, do Curso
trução de uma política de Estado para a residência médi-
de Desenvolvimento de Competências Pedagógicas
ca. Esta é uma produção dos preceptores que participa- para a Prática da Preceptoria na Residência Médica
ram do Curso de Preceptoria promovido pela ABEM em (DCPPPRM), promovido pela Associação Brasileira de
2012, em Tocantins, a unidade federativa brasileira mais Educação Médica (ABEM), em parceria com a Secretaria

I Preceptores de Residência Médica do Estado do Tocantins.


II Tutores do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
III Orientador de Aprendizagem do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
IV Supervisora do Curso ABEM de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria da Residência Médica.
V Presidente da Comissão Estadual de Residência Médica-TO.

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 101


Estratégias para Melhorar a Logística e a Formação do Preceptor de Residência Médica

de Gestão do Trabalho em Saúde (SGETS) e a Organiza- 2011: Clínica Médica, Cirurgia Geral, Pediatria, Gineco-
ção Pan-Americana de Saúde (Opas), cujos preceptores logia e Obstetrícia, Medicina de Família e Comunidade e
participantes em Tocantins, em 2012, produziram este Psiquiatria. Estes projetos tiveram o matriciamento do
texto. Grupo Hospitalar Conceição (RS) e da Universidade Fe-
A residência é o momento da formação médica que deral de São Paulo (Unifesp) e, principalmente, a parce-
abarca o desenvolvimento de atributos técnicos e rela- ria entre a Universidade Federal do Tocantins (UFT), a
cionais, quando preceptor e residente realizam um pro- Secretaria de Estado da Saúde do Tocantins e a Secreta-
cesso educacional em sua ação diária como médico, edu- ria Municipal da Saúde de Palmas.
cador e aprendiz. Os PRM começaram conjuntamente com o ingresso
O preceptor é o profissional que atua no ambiente de dos graduandos do curso de Medicina da UFT no inter-
formação e cuidado em saúde, na prática clínica, com o nato com a perspectiva de iniciar o modelo de assistên-
objetivo de auxiliar o progresso do residente. Ele plane- cia-ensino nos serviços de saúde da região e, por conse-
ja, controla, guia; estimula o raciocínio e a postura ativa; guinte, aprimorar o atendimento da população local. Os
analisa o desempenho; aconselha e cuida do crescimento PRM também tinham o objetivo de criar especialistas
profissional e pessoal; observa e avalia o residente exe- preparados e identificados com as características epide-
cutando suas atividades; atua na formação moral. Sua miológicas e culturais locais para facilitar a fixação de
importância é ímpar como educador, pois oferece ao profissionais no Estado, principalmente no interior. Foi
aprendiz ambientes que lhe permitem construir e re- criada a Comissão Estadual de Residência Médica (Ce-
construir conhecimentos, despertando o interesse pela rem), o que concedeu ao Tocantins o convite para parti-
busca de atualização constante e educação continuada, cipar da CNRM.
impulsionando o meio científico. Com o sucesso da parceria e o início das primeiras
Para isso, o preceptor deve possuir certas qualidades, turmas em 2011, no final do mesmo ano foram submeti-
tais como responsabilidade, assiduidade, comprometi- dos os projetos dos PRM de Anestesiologia, Cirurgia
mento, disponibilidade, entusiasmo, pontualidade, rela- Vascular e Nefrologia, também aprovados e com os pri-
cionamento, acessibilidade, flexibilidade, conhecimento, meiros residentes ingressados em 2012. No final deste
sensibilidade, bom senso, criatividade e capacidade de ano, com nove programas de residência, foram encami-
improvisação. Sua função, portanto, deve ser ressaltada, nhados projetos para mais dois programas em Palmas
e seus atributos devem ser motivo de discussão e de re- (Reumatologia e Cirurgia do Trauma) e dois outros pro-
flexão, no sentido de ter suas atividades reconhecidas, jetos para serem os primeiros de Araguaína (Clínica Mé-
com investimento em formação específica para o desen- dica e Cirurgia Geral). Com isso, a perspectiva é ampliar
volvimento como educador. os PRM no Estado e, assim, cultivar a filosofia do ensino-
Tanto o preceptor quanto o residente devem estar -assistência em toda a região.
preparados para trocar e construir o conhecimento.
Esta troca favorece o resultado da aprendizagem autodi-
Componentes de uma política de estado para
recionada e a reflexão crítica, auxiliando o aluno a corri-
residência médica
gir seus erros e a reforçar comportamentos desejáveis.
É possível sentir uma enorme lacuna de vontade política,
principalmente dos gestores, desde as esferas governa-
A residência médica no Tocantins
mentais até a dos hospitais onde se desenvolvem os pro-
Até 2010, o Estado do Tocantins era a única unidade da gramas de residência, que não são valorizados devida-
Federação brasileira que ainda não apresentava qualquer mente. A residência médica (RM) precisa ser tratada não
programa de residência médica (PRM). Por intermédio com uma visão limitada de política de saúde, mas acima
do Programa Pró-Residência e dos ministérios da Saúde dos interesses partidários e particulares, como uma po-
e Educação e da Comissão Nacional de Residência Médi- lítica de governo.
ca (CNRM), foram criados seis projetos no segundo se- Numa política para RM é essencial a abordagem de
mestre de 2010 que foram aprovados para início em determinados elementos, tais como: (a) postura huma-

102 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Adriana Edelves Trindade Martins Carvalho et. al.

nística; (b) qualificação do corpo docente, com valoriza- Inicialmente, é necessário entender em que consiste
ção do profissional pelo conhecimento adquirido, pela uma política pública. Segundo Caldas1, “[...] Políticas Pú-
competência; (c) infraestrutura adequada; (d) compro- blicas são um conjunto de ações e decisões do governo,
misso social, entendido como a necessidade de preparar voltadas para a solução (ou não) de problemas da socie-
profissionais médicos levando em consideração aspectos dade [...]” (p. 5). Assim, quando se pensa em formular
como o perfil epidemiológico da região (no caso do To- uma política para RM, objetiva-se melhorar a condição
cantins, a Região Amazônica). de saúde da população por aperfeiçoar a formação dos
médicos.
À primeira vista, na visão do gestor, pode parecer que
Panorama atual e propostas
os gastos com a “adoção” do residente não se refletem
No Tocantins, existem atualmente quatro faculdades de positivamente na administração pública; engana-se, pois
Medicina, sendo duas particulares, uma federal e uma o residente, que inicialmente aumenta os gastos da insti-
fundação. Apesar da posição contrária das entidades mé- tuição – com material, exames, alimentação, etc. –, me-
dicas locais à abertura de algumas delas, o movimento lhora o atendimento humanístico e científico dos usuá-
médico se mantém fiel em exigir a boa qualidade do en- rios atendidos nos hospitais públicos, tanto da capital
sino médico, visando a um atendimento ético e respon- como do interior, com aumento na resolutividade dos
sável da população. É fato que a má formação médica casos clínicos e poupando os cofres públicos, colocando
tem se refletido no aumento do número de denúncias ao em evidência a melhoria na saúde pública.
Conselho Regional de Medicina. Uma política estadual para RM deve estabelecer pa-
As entidades médicas têm papel preponderante em drões claros de planejamento das atividades a serem de-
apoiar todo e qualquer movimento em direção à melho- senvolvidas e disciplina na aplicação do programa e sua
ria do ensino médico. No caso da RM, essas entidades já avaliação – não só do cumprimento dele, mas uma análi-
sinalizaram a necessidade de que o poder público valori- se criteriosa e sensível dos resultados.
ze a presença desses profissionais nas unidades de saúde Como política de Estado, deve prever parcerias
do Estado, assim como a de seus preceptores. sem restrições, com planejamento, pactuação com as
Há necessidade de repensar o atual modelo de educa- instituições envolvidas, complementação de recursos
ção médica no Estado. A abertura indiscriminada de no- humanos, pactuação de financiamento e o entendi-
vas escolas médicas sem o compromisso de assumir o mento de que o desenvolvimento do programa de re-
próprio hospital nos remete, a curto e médio prazo, a sidência será muito vantajoso para todos e, principal-
um horizonte preocupante de excesso de estudantes em mente, terá reflexos positivos no atendimento dos
nossas unidades de saúde. Todos os médicos são parte pacientes, além de enorme impacto na formação pro-
interessada e não podem ficar à margem dos possíveis fissional e científica.
desdobramentos desses equívocos. A criação de uma política estadual para RM requer o
A questão é: qual o futuro dos médicos formados nas desenvolvimento de algumas ações (fases), englobando
atuais escolas médicas do Estado de Tocantins? seus principais atores.
Uma das possibilidades é o aprimoramento de par-
te desses novos colegas por meio da RM. Esta asserti-
PRIMEIRA FASE
va precisa ser muito bem entendida pela opinião públi-
ca, através dos Conselhos de Saúde Municipal e • Realizar um fórum estadual em conjunto com as
Estadual, e pelos representantes governamentais nas entidades médicas para debater a importância da
esferas municipal e estadual. Os elementos de uma residência médica, com o objetivo de estabelecer
política estadual para RM passam necessariamente questões a serem tratadas junto ao poder público;
pelo entendimento daqueles que têm o poder de de- • Promover debates e fóruns com os colegas que
cisão e pela intenção de se comprometerem com a trabalham nos hospitais que têm programa de RM,
melhora da qualidade do exercício da medicina atra- no sentido de diminuir a resistência em relação à
vés da mesma. validade destes programas.

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 103


Estratégias para Melhorar a Logística e a Formação do Preceptor de Residência Médica

Algumas questões devem ser lembradas: misso com o ensino, trabalhando para que o ambiente se
adapte às necessidades didáticas.
Remuneração dos preceptores
Uma das questões que necessita estar incluída é a remu- SEGUNDA FASE
neração dos preceptores, que, infelizmente, até o pre-
sente não é uma realidade para a maioria dos precepto- • Desenvolver ações concretas junto aos Conselhos
res da residência criada no Tocantins. No entanto, o Municipal e Estadual de Saúde no sentido de se re-
Ministério da Educação2 deixou evidente, na Câmara conhecer a importância da RM como um instrumen-
Técnica da Comissão de Residência Médica, que apro- to de melhoria da capacitação profissional e, por
vou a criação e a regulamentação do cargo de precep- conseguinte, da qualidade do atendimento médico.
tor-tutor dos programas de RM. A nova regra define a
reserva de vagas para médicos residentes convocados TERCEIRA FASE
para o serviço militar e institui a obrigatoriedade de mais
• Utilizar a Comissão Estadual de Residência Médica
dois cursos de natureza teórica: Medicina Preventiva e
(Cerem) como interlocutora entre as várias facul-
Saúde Coletiva.
dades, o poder público e entidades médicas, com o
“Um bom programa de residência médica depende do
objetivo de facilitar o reconhecimento da RM no
preceptor, daí a necessidade de regulamentarmos o car-
Estado, dentro das unidades de saúde. Definir nor-
go”, disse o secretário-executivo de Residência Médica
mas, decretos, resoluções, em resposta a possíveis
da Secretaria de Educação Superior (SESu/MEC), profes-
problemas encontrados.
sor Antônio Carlos Lopes. Para outubro de 2012, está
marcado o Fórum Nacional de Residência Médica, em
Brasília, em parceria do MEC com o Ministério da Saúde2. QUARTA FASE
De acordo com a Resolução nº 5/2005, a carga horá-
• Elaborar um projeto legislativo que contemple a
ria do preceptor-tutor será de 40 horas semanais, em
presença de médicos residentes e de seus precepto-
tempo integral e folga de um dia. A remuneração para o
res nas unidades de saúde do Estado e municípios.
cargo será equivalente à bolsa do médico residente,
acrescida de 10%2.
QUINTA FASE
Comprometimento dos funcionários das • Desenvolver ações de divulgação dos programas
instituições de saúde com o ensino de RM no Estado por meio de sua avaliação e dos
resultados obtidos. Como já há várias regras e dire-
O termo “funcionários” engloba desde o indivíduo da por-
trizes estabelecidas nacionalmente, deve-se adap-
taria, serviços gerais até o diretor do hospital. É preciso tá-las à realidade do Tocantins a fim de montar e
orientar esses profissionais quanto à nova forma de ensino apresentar essas propostas. Lembrar que a valori-
no hospital, explicando-lhes a importância social da RM e zação profissional do preceptor deve estar à fren-
que, a médio e longo prazo, eles também serão beneficia- te. Acrescente-se a isso o estímulo contínuo ao
dos com tal ensino se este se mostrar de qualidade. aperfeiçoamento do aprendizado pelo preceptor e
a garantia de estímulo financeiro para conservação
Ambiente adequado às atividades de ensino e melhoria do patrimônio (hospitais, ambulatórios,
USF, PA, auditórios, etc.).
Na maioria das vezes, o espaço de pronto-socorro e das
enfermarias é utilizado para aprendizagem, mas há ne- No atual panorama da residência médica no Estado, o
cessidade de salas apropriadas para discussões de casos preceptor necessita, acima de tudo, lutar contra as ad-
clínicos e aulas teóricas. Nesta questão, a administração versidades das diversas situações em que trabalha –
hospitalar pode mostrar seu entendimento e compro- como superlotação dos hospitais, sem condições ade-

104 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013


Adriana Edelves Trindade Martins Carvalho et. al.

quadas de atendimento e, consequentemente, de ensino. O quarto fator se refere à melhoria da qualidade do


Neste cenário, a atenção ao modelo de formação que atendimento, com o agendamento de menor número de
orienta os Residentes deve ser muito maior; cabe ao pacientes em ambulatório, com consequente melhoria
preceptor, entre outras responsabilidades, não permitir do aproveitamento do aprendizado.
que, apesar de situações inadequadas de infraestrutura, O reconhecimento oficial pela Coordenação de Aper-
o residente se acomode a uma situação de desumaniza- feiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do
ção do trabalho do profissional da saúde. preceptor em Residência em Saúde, com normatização
Em relação ao processo de ensino na rede de aten- do cargo (carga horária, capacitação e remuneração),
ção, há a “logística” – esta palavra tão ampla e compli- constitui fator primordial. As instituições de ensino e Se-
cada deve ser reinventada. O preceptor se adapta a cretarias Municipais e Estaduais de Saúde deverão, a
uma situação de “aprendiz de professor” nos hospitais. exemplo da Câmara Interministerial de Educação em
Não há computadores nos locais de trabalho, nem sa- Saúde, constituir em seus organogramas um espaço de-
las de estudos ou auditórios. Com perseverança e cria- mocrático para a pactuação da integração ensino-servi-
tividade, utilizando-se o conhecimento, elaboram-se ço, buscando também complemento salarial para a tare-
rotinas e se experimentam novos horizontes de traba- fa de preceptoria e incentivo à ascensão no Plano de
lho, num processo de crescimento pessoal e profissio- Cargos, Carreiras e Salários.
nal que precisa transpor, a cada dia, as dificuldades, Sugere-se a elaboração de fóruns de debates e ofici-
sem alimentá-las. nas no Estado do Tocantins para delinear o trabalho do
Na logística do desempenho da preceptoria, estão en- preceptor médico, com os gestores de saúde, represen-
volvidos vários fatores, que devem ser valorizados com tantes das entidades formadoras de saúde no âmbito pú-
a participação efetiva das entidades (escolas de Medici- blico e privado, representações de classes, diretores dos
na), instituições hospitalares e Secretarias Estaduais de serviços onde se realizam as práticas do internato e resi-
Saúde para o exercício digno e pleno desta função. O dência médica, docentes e alunos das instituições de gra-
primeiro fator é a existência de estrutura física adequada duação, pós-graduação e residências médicas, precepto-
a atividades de ensino, com salas e auditório com recur- res já em atuação e aspirantes a esses cargos.
sos de aprendizagem destinados exclusivamente a este Sugere-se também elaborar um planejamento ade-
fim, além de implantação de biblioteca virtual e impressa quado da residência médica no Estado, com a identifica-
nas unidades hospitalares de ensino, com acesso aos pe- ção das áreas prioritárias para instalação das residências
riódicos assinados pelas instituições de ensino superior médicas, voltadas à realidade no Estado, a fim de prepa-
– possibilitado mediante parcerias com as universidades rar os alunos para atuarem em cidades e/ou municípios
que utilizam suas dependências. Reformas com amplia- onde terão que demonstrar a capacidade de criar solu-
ção e adequação do número de leitos de enfermarias e ções rápidas e práticas, independentemente do aparato
melhorias na capacidade de atendimento nos setores de tecnológico de que essas localidades disponham.
emergência, evitando superlotação, bem como a organi-
zação dos setores com salas de prescrição adequadas,
CONCLUSÃO
distantes de ruídos, sempre interferem positivamente no
aprendizado. Analisando a ausência de uma política estadual que con-
O segundo fator é o incentivo à pesquisa, com inves- temple a regulamentação da RM, a única forma de rever-
timento em recursos e equipamentos para as unidades ter o quadro atual é a mobilização, organização e reco-
de saúde. É importante, inclusive, ter um laboratório nhecimento das necessidades que o setor apresenta.
equipado e com pessoal bem capacitado, comprometido É necessário que os residentes deixem de ser “mão
em obter um nível de excelência de atuação. de obra” – o que, infelizmente, vem ocorrendo em vá-
O terceiro fator se relaciona ao incentivo à capacita- rios locais do País – e que se invista na melhoria da sua
ção didático-pedagógica: participação em congressos e formação, em termos qualitativos e quantitativos, para
em cursos de pós-graduação com a garantia de liberação que atendam às reais necessidades de toda a população
de carga horária remunerada. brasileira.

Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013 | 105


Estratégias para Melhorar a Logística e a Formação do Preceptor de Residência Médica

Considerando o artigo 200 da Constituição Federal3, Chemello D, Manfroi WC, Machado CLB. O papel do Preceptor no
Ensino Médico e o modelo da preceptoria em um minuto. Rev Bras
que determina ao SUS o ordenamento da formação dos
Ensino Médico. 2009; 33(4): 664-669.
recursos humanos na saúde, reiteramos o apoio à insti-
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Jornal do
tuição da Comissão Interministerial de Gestão do Traba-
CREMESP. 2012 abr.; nº 291.
lho e da Educação na Saúde, que desempenhará o im-
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Jornal do
portante papel de estabelecer as diretrizes para a CREMESP. 2011 nov.; nº 287.
formação dos profissionais de saúde no Brasil, inclusive
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Jornal do
da preceptoria na residência médica. CREMESP. 2011 mai.; nº 281.
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Jornal do
REFERÊNCIAS CREMESP. 2009 nov.; nº265.
Informativo FENAN. 2010 jun.; nº 9.
1. Caldas RW (coord.). Políticas Públicas: conceitos e práticas. Belo Ho-
rizonte: Sebrae/MG; 2008. Marins JJN, Rego S. Educação Médica, Gestão, cuidado, avaliação. Rio
2. Agência Brasil. MEC cria cargo de perceptor-tutor para residência de Janeiro: ABEM; 2004.
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br/noticia/2004-06-06/mec-cria-cargo-de-perceptor-tutor-para-resi- [internet]. 2010 [capturado em: 21 jun. 2012]. Disponível em: http://
dencia-medica. w w w. a n t o n i o m o s e r. c o m / s i t e / i n d e x . p h p ? o p t i o n = c o m _
3. Associação Paulista de Medicina. SUS: O que você precisa saber sobre content&view=article&id=82:o-envelhecimento-da-papulacao-bra-
o Sistema Único de Saúde. São Paulo: Atheneu; 2003. p.54-55. sileira-e-seus-desafios&catid=34:artigos&Itemid=41
Missaka H, Ribeiro VMB. Preceptoria nos congressos de Educação
Médica. Rev Bras Educ Med. 2011; 35(3): 303-310.
REFERÊNCIAS CONSULTADAS
Nunes MPT. Residência Médica no Brasil: situação atual e perspecti-
Barreto VHL, Monteiro R, Magalhães G. Papel do preceptor da Aten- vas. Cadernos ABEM. 2004;1:30-32.[online]. Disponível em: <http://
ção Primária em Saúde na formação da Graduação e Pós-graduação www.abem-educmed.org.br/publicacoes/cadernos_abem/pdf/art_
da Universidade Federal de Pernambuco – Um termo de referência. patrocinio_completo.pdf>.
Rev Bras Educ Méd.2011; 35(4): 578-583.
Trajman A, Assunção N, Venturi M, Tobias D, Toshi W, Brant V. A
Botti SHO, Rego S. Preceptor, supervisor, tutor e mentor: quais são preceptoria na rede básica da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de
seus papéis. Rev. Bras. Educ. Med. 2008; 32(3):363-373. Janeiro: opinião dos profissionais de Saúde. Rev. Bras. Educ. Med.
Botti SHO. O papel do Preceptor na formação de médicos residentes: 2009; 33(1):24-32.
Um estudo de residências em especialidades de um Hospital de Ensi- Wuillaume SM, Batista NA. O preceptor na residência médica em Pe-
no. Rio de Janeiro; 2009. Doutorado [Tese] – Escola Nacional se Saú- diatria: principais atributos. Jornal de Pediatria. 2000;76(5):333-8.
de Pública, Fundação Oswaldo Cruz.
Ceccim RB, Feuerwerther LCM. Mudança na Graduação das profis-
sões de Saúde. Cad Saúde Pública. 2004; 20(3): 1400-1410.

106 | Cadernos ABEM • Volume 9 • Outubro 2013

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