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DO

E X .MO ARCEBISPO DA BAHIA

SOBRE

A QUESTÃO DO GOVERNO DO BRAZIL COM

A CQRTE DE ROMA.

RI O DE J A N E I R O ,
NA TYP. IMP. E CONST. DE J. *VILLENEUVE E C.
Rua d’Ou vidor, n.° 65.
DISCURSO.
*

Sendo bem natural que, na discussão já encetada do orça*


mento do Ministério da Justiça ou na dos Negocios Estrangeiros,
se reproduza a questão das nossas infelizes desavenças com a Côrte
de Roma; e achando-me impossibilitado, pelo meu máo estado
de saude, de emittir de viva voz a minha opinião sobre esta ma­
téria, e tomar parte nos debates, a que ella pódc dar lugar :
julgo do meu dever faze-lo por este meio, afim de evitar sinis­
tras interpretações ao meu não esperado silencio na Camara , e
mesmo para justificar o voto que pronunciei na sessão do anno
passado, e que tanto ha desafiado a cólera e azedume de alo-uns
Jornaes defensores do Governo. Sem pretender, pois, leva,Mar o
veo das negociações pendentes a tal respeito, eu apresentarei al­
gumas breves observações, que taRez possão servir, não di°o
para guiar o nobre Ministro da Justiça , que tantos desejos tem
mostrado de sustentar e manter a Religião do Império • mas ao
menos para offerecer á sua illustrada consideração huma das fa­
ces por onde deve ser encarado este negocio, e conseguinte­
mente facilitar a marcha do mesmo Governo. A primeira destas
observações he derivada da mesma natureza do objecto, isto he,
a competência do juizo sobre a idoneidade canónica de hum
Bispo eleito, juizo inteiramente privativo do poder espiritual, e
«or conseguinte, segundo a disciplina Universal, da autoridade
^fjurisdicçao do Primado, que o Summo Pontifice exerce em
* toda a Igreja Catholica. O mesmo Governo já reconheceu, que
— á
o chefe da Igreja, denegando a confirmação ao Prelado nomeado
para o Rio de Janeiro, obedecia á sua consciência ; e islo, depois
de hum maduro exame em difierentes consistorios de Cardeaes
mui circunspectos, e estranhos a lodo o espirito de partido; de­
pois de tres annos de repetidas notas e instancias, que, sem cx-
clarecerem as duvidas do Santo Padre, nem satisfazerem as suas
legaes exigências, desfecharão ullimamente nos mais grosseiros
insultose ameaças contra a Santa Sé; depois, finalmente, que o
Supremo Pastor esgotou lodos os meios de condescendência que
lhe permittia sua responsabilidade. E como será possível obriga-lo
hoje a faltar á sua consciência, e a ser elle o proprio que se
retraele de huma denegação cathegorica e solemne ? Parece-me
que não he licito esperar tanto da habilidade dos nossos Diplo­
matas. Se outros motivos com o, por exemplo, razões meramente
políticas, tivessem influído naquella deliberação, eu contaria de
certo com os effeitos da prudência e sabedoria, que a Santa Sé
tem ordinariamente patenteado nesses conílictos : e se ella pare-
ceo hum pouco mais inflexível no reinado d’EI-Rei D. João IV.
recusando a confirmação aos Bispos por elle nomeados, eu po­
deria citar outros exemplos da sollicitude e sabio comportamento
de muitos Papas, como Gregorio XIII e Pio I I , a respeito da Po-
lonia e da Hungria; e , nos nossos mesmos dias, Leão XII, acerca
dos novos Estados da America Ilespanhola. Retardada por espaço
de sete annos a confirmação*dos rcspcctivos Bispos, pela política
de Fernando VII, que, teimando em não reconhecer a Indepen­
dência daquelles Estados, ameaçava a Santa Sé com hum rom­
pimento na Ilespanha, s*e ella exercesse na America os direitos
do Primado , e os officios de pastor e pai commum de todos os
Calholicos, achou em fim o Santo Padre os meios de conciliar
os interesses de todas as Igrejas: e os Bispos forão confirmados,
antes de reconhecida a Independência pela Melropoli.
Mas, Senhores, na questão do Brazil não apparecem semelhan­
tes motivos : o que se apresenta he lodo espiritual e de conscieni
cia, e de tal sorte identificado com as attribuições do Primado>
que não reconheço exemplo algum de se haver relaxado em taes es
K
kJ

casos a severidade dos Cânones. Poderá ter havido mais ou menos


condescendência mas nunca se prescindio, nem ainda nas crises
mais apertadas, das regras e formulas estabelecidas pelos Câno­
nes , para verificar a idoneidade dos eleitosi E sem remontar a
épocas mais remotas, em que os propriosMetropolitanos ou Con­
cílios Provinciaes, quando investidos do direito de confirmar*
mandavão cassar as eleições que não lhes parecião reeulares. e
proceder a outras ; apenas lembrarei clous factos mais recentes,
que me parecem evidentemente provar o que acabei de expender.
O primeiro he a conducta da Santa Sé aperca dos Bispos no­
meados por Henrique IV , durante as suas desavenças com o Papa.
I óde-se ver nas Memórias do Clero de França, cujo redactor nãu
he suspeito , tudo quanto aconteceu durante esse calamitoso pe­
ríodo : mas, apezar das irregularidades que se praticarão, e das
aggressõcs dos Parlamentos, que depois forão revogadas, o Santo
Padre fechou os olhos a tudo ; e não hesitando em confirmar os
Bispos nomeados, sobre cuja idoneidade não havia duvida, só
recusou as Bulias a Mr. Béné Benoit, nomeado para o Bispado
de Troyes, por causa de algumas proposições emittidas em hum
sermão pregado em Orleans, e particularmente de humas notas
sobre a Biblia, que se lhe attribuírão; sem qne podessem jamais
conseguir a confirmação , nem os esforços do Embaixador Fran-
cez, nem o credito do celebre Cat deal d’Ossat, nem em fim a
aquiescência do mesmo eleito á condemnação das referidas notas.
O outro facto he o resultado da conferencia de huma Deputação
de Bispos, enviada por Bonaparte em 1809 ao Santo Padre Pio VII,
já prisioneiro em Savona, a fim de tratar dos meios de occorrer
á vacancia de muitas Igrejas.
O Summo Pontífice, animado do espirito de paz e de mansi­
dão, não duvidava, em circunstancias tão extraordinárias, con­
sentir que os Metropolitas confirmassem em seu nome os Bispos
nomeados das respeclivas P rovin d as’quando a Santa Sé o não
fizesse no praso de seis mezes, excepto, porém (note-se bem),
se a demora ou negativa da confirmação tivesse por motivo a falta
de idoneidade canónica do eleito. E, supposlo esta clausula, que
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com outras devia servir debase a huma concordata, não fosse
reconhecida pelo Concilio Nacional celebrado c^n Paris em 1811,
por não vir essa convenção revestida de certas'formalidades do
costume, e sobretudo por se julgar o dito Concilio incompetente
para conhecer desta materia : corn tu do , ella não deixa a menor
duvida de que o conhecimento da regularidade ou canonicídade
de huma nomeação compete exclusivamenle ao Primado do Pon-
tilice Romano ; e que pretender que elle ceda ou renuncie a esta
pierogativa , obrando contra a sua consciência e contra os câno­
nes, seria faltar a todas as regras da equidade e da justiça.
A segunda observação he fundada na idéa que ordinariamente
se forma da política da Curia Romana, suppondo-se que ella está
prompla a sacrificar mesmo os interesses da Religião, quando he
assim preciso, para extender o seu poder e os direitos da sua
soberania temporal, e conciliar a protecção dos Governos, que
mais podem influir sobre ella. Estou bem longe de partilhar se­
melhante opinião, desmentida por tantos heroicos exemplos de
firmeza, coragem e abnegação, dignos dos primeiros séculos do
vmristiamsmo, e oíferecidos, nestes últimos tempos, pelos Sobe­
ranos Pontífices; e, se, em hum ou outro caso, elles tem deixado de
desenvolver hum zelo mais encrgico e vigor aposlolico, lie por­
que a mesma prudência Chrislã, e o maior bem da Igreja acon­
selha vão huma grande moderação e reserva. O que ás vezes pa­
rece timidez he hum rasgo de,profunda sabedoria; e o maior ora­
dor e estadista da antiga Roma não duvidava affirmarque, antes
queria parecer mais timido, do que menos prudente. Comtudo,
para não fallar aqui senão do que respeita á confirmação dos Bispos,
ninguém poderá accusar a Santa Sé de fraqueza ou condescen­
dência reprehensivel. Bastantes direitos podia ler a Austria para
não serem recusadas suas propostas ou nomeações. A Ilíada pode­
rosa, sua intervenção armada tem abafado mais de huma vez 0
espirito de revolta nos Estados Pontifícios, e mantido a autori-
■lade temporal do Soberano Pontif.ee ; c a conveniência mesmo
de poupar hnm gabinete, a quem se tem altribuido vistas ambi-
aosas sobre huma porção d’aquclles Estados, parece que deveria
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tornar a Côrte de Roma mais flexível e docíl ás vontades do
Governo Auslriacp. Mas, eu j á , o snno passado, produzi nesta
Camara os factos dos Bispos de Padua e Lubiena, nomeados pelo
Imperador, e aos quaes o Summo Pontífice Pio VIIrecusou cons­
tantemente as Bulias de confirmação, em quanto se não retrac­
t s 0 de doutrinas menos orthodoxa* que professavão. Se a Russia
nao estava nas mesmas circunstancias da Austria, etla não deixava
de exercer igualmente huma grande preponderância; e o ofle-
recimento de hum corpo de tropas, que o actual Pontífice acei­
tou, para o defender, se fosse preciso, de qualquer ataque, era
bem capaz de o lisongear, ede excitar sua sympathia e reconhe­
cimento. Todavia , o mesmo Summo Pontífice, superior a todas
estas considerações, não hesita em negar as Bulias a hum Bispo
da Poloma, apresentado pelo Imperador Autocrata de todas as
Russias.
A íran ça, finalmente, que ainda ha pouco despojava a Tiára
de hum patnmomo e dominio de mais de de/, séculos, arrastando
sacrilegamente dous veneráveis Pontífices do trono ao cativeiro,
devia, sem duvida, inspirar grandes respeitos e contemplações. O
terror se apodera de Roma, no momento em que chega a noti­
cia da occupação de Ancona peias tropas de Luiz Felippe, e to-
mão-se até medidas para a retirada do Santo Padre, se por ven­
tura huma nova invasão se viesse a realisar. Entretanto, o Mo-
narcha desta Nação poderosa apresenta hum Bispo, cuja doutrina
era suspeita á Santa Sé ; e o Summo Pontífice não teme recusar-
lhe a instituição canónica, sendo a final nomeado outro eccle-
siaslico. Logo, he summa injustiça attribuir á Santa S é , nem por
tanto se pode esperar d’ella o menor acto de fraqueza, em materia
lao importante e melindrosa. Mas, supponhamos, que considerações
de conveniência política ou diplomática, a respeito dessas grandes
potências da Europa , tenhão alguma vez influído na confirmação
dos Bispos, psto he , em hum negocio que só deve ser pesado
na balança do Sanctuario : estará o Brazil nas mesmas circuns-
Jtancias, ou seráõ suas relações políticas com o chefe da Tgreja de
tal importância, que o forcem a obrar contra os diclames da
Ú -
o
soa consciência? Terá elle de esperar auxilio ou prolecção do
Governo do Brazil para a defeza dos seus Estados; ou receará
que hum dia tremule o pavilhão Brazileiro n a\id ad ella de An­
cona, ou que, arrancando-o da Capital do Mundo Christão, o
fação vir prisioneiro a Corte do Brazil ? Parece-me que não : e
que, ao contrario, bem se pódê dizer com M. de Pradt, que
Roma não se encontra com a America senão nos espaços celestes,
isto h e, que não existem entre ellas outras relações senão aquellas
que respeitão á ordem espiritual e á salvação dos Fieis. Collocada
nesta alta esphera, apiais digna do Vigário de Jezus Christo, Roma
não pode temer do Brazil senão hum só perigo, que já lhe foi du­
ramente intimado, quero dizer, o scisma, ou, como se exprimio com
ridícula exageração o nosso ultimo Encarregado de Negocies, a
queda da Religião Catholica na America , se não fossem immediaia-
mente concedidas as Bulias ao Bispo eleito do Rio de Janeiro J ! Mas,
Senhores, eu creio que mais se deveria recear este triste resul­
tado , de qualquer acto extorquido, se isso fosse possível, á cons­
ciência do Summo Pontífice : he então que o scisma se tornaria
real e funeslissimo, porque abalaria as convicções, e acabaria de
afrouxar os laços da Unidade Catholica , que não subsiste senão
pela fé e confiança dos povos. Se , pelo contrario , a Santa Sé
proceder com a sua costumada imparcialidade e firmeza, o rom­
pimento ou o scisma não lhe poderia scr imputado; e, á face da
opinião tão altamente pronunciada em todo o Império e nas Ca-
mara.s, póde-se aífirmar que elle não encontraria senão o horror e '
anathema do povo Brazileiro. Assim lie, sobre o proprio Go­
verno que tal fizesse, que viria a recahir todo o odioso e respon­
sabilidade de semelhante yiedida ; podendo comparar-se os seus
ameaços, na phrase de hum grande politico moderno, aos desse
filho familia, que ameaçava o pai de enforcar se a si proprio,
com o fim de o mortificar ou deshonrar. Sem duvida, o scisma,
de qualquer modo que elle se verificasse, seria fatal e excitaria
os gemidos da Igreja : m as, resignada 11a pureza dê suas inten­
ções e no sentimento do seu dever, sem a menor sombra ou re,
saibo de vistas terrenas, ella esperaria tranquilla o effeito das
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indefectiveis promessas daquelle que nunca a desamparou no


meio das mais horríveis tempestades. Estas reflexões, de que eu
quizera dispensarime, se a gravidade do assumpto o permittisse,
só servem, eu o repito, para mostrar a delicadeza com que cum­
pre ao nosso Governo tratar hum negocio que interessa parti­
cularmente ás prerogalivas da Santa Sé , e terminar, quanto an­
tes , huma questão, que huma serie de imprudências tem rodea­
do de gravíssimos embaraços, e feito chegar ao ponto em que o
vemos.
A terceira observação, em fim , he relativa ás regalias da Co­
roa , em que tanto se tem fallado. Não pense alguém , que eu ,
e posso dizer, os de mais Bispos e Clero Brazileiro, deixamos de
respeitar, como Cidadãos e como Padres, os direitos da Sobera-
ria, independente na ordem temporal de outro qualquer poder;
nem que pretendemos reproduzir no século XIX as ideas e o di­
reito publico da Europa nos séculos XII e X III: não ; não somos
nos que havemos arrastado a Coroa Imperial pelas ruas de Roma',
nem apagado o brilho das estrellas que a esmaltão. Se alguém
houve, que perpetrou esse sacrílego desacato, foi oproprio En­
carregado ou Representante do Governo, humilhando e expondo
a digniaade da Corôa ao escarneo de toda a Europa, com os seus
plagiatos diplomáticos, e não provocados insultos á Santa Sé.
O nosso dever e a nossa missão h e , como se explicarão em huma
numerosa Assembléa os Bispos da Igreja Gallicana, ensinar a obe­
diência para com os Soberanos, sem outros limites, que ospres-
criptos pelos mesmos Apostolos, isto h e , a Lei Divina e a cons­
ciência : e parece-me que assim o temes praticado. Mas, nós re­
conhecemos também que os dous poderes, espiritual e tempo- *
ral, estabelecidos pela Mão do Mesmo Deos, como dous grandes
luminares, para regerem o Mundo, tem na sua marcha huma
orbita impreterivel, além da qual se confundirião e anniquilarião;
e que so na sua reciproca harmonia e independencia póde repousar
a paz e a tranquillidade dos povos. O ía , applicando este princi-

yf
)bipio á questão que nos occupa, he incontestável que o direito
aPresentar pertence exclusivamente ao Governo ou ao poder
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temporal, e o de instituir ou confirmar, e por conseguinte de


conhecer da idoneidade do Apresentado compete ao Summo Pon­
tífice ou ao poder espiritual. Nem este pode ním ear ou obrigar
aquelle a que nomêe huma pessoa determinada, nem aquelle
obrigar este a dispensar os Cânones, e confirmar cegamente qual-
quci que lhe seja proposto. He desta maneira que o Governo de
El-Rei D. João IV por hum lado sustentava a prerogative da Co­
roa, não querendo aceitar a confirmação dos Bispos, com a clau­
sula - mota-proprio — que offerecia a Côrte da Roma; e por
outro lado respeitava a do Summo Pontfice na denegação das Bul­
ias, bem que ella se fundasse só em motivos politicos, ou nas
etiquetas da diplomacia. E como lie, pois, que se tem julgado
offcnsiva das regalias da Corôa a exigencia de huma explicação,
que a Igreja nos seus mais bellos tempos exigia ainda mais seve-
ramenle , em idênticas circunstancias, como hum meio indispen­
sável para assegurar-se da idoneidade daquelle que deve ser o
mestre da fé e dos costumes ? Pode hum Bispo , como hc expresso
no Concilio Tridenlino nas Sessões 7 cap. 13 e 25 , cap. 9 de Re­
format. , submelter a exame hum Parocho apresentado pelo Sobe­
rano Padroeiro, e negar-lhe a instituição canónica, se o não
julga idoneo, sem que o antigo Governo se desse por offendido
desta repulsa, como já se disse nesta Casa : e não poderão Chefe
da Igreja Universal usar do mesmo direito na confirmação de
hum Bispo? Póde hum Prelçdo excluir das Ordens a qualquer
Ordmando, que não esteja habilitado, segundo os Cânones, ou
de cuja orlbodoxia elle desconfie, bem como aconteceu, se bem
me lembro, com o sabio Nicole, a quem o Bispo de Chartres não
quiz, e creio que com justiça, admiltir ao Sacerdócio, por
causa da sua manifesta adliesão á escola e doutrinas do Janscnis-
mo ; c não poderá o Summo Pontífice exigir huma simples expli­
cação, antes de conferir a hum Padre a plenitude do Sacerdócio
ou o Episcopado, cuja influencia na ordem religiosa e civil lie
muito maior que a dc hrítn Parocho, ou a de hum simples Pres
bytero? A que ficaria reduzido o Divino Primado do Pontific
Romano, e a sollicitude com que lhe incumbe velar sobre o De-
— 11 —

posito da F é, se nem ainda lhe fosse licito certificar-se da pureza


da doutrina dos nrimeiros Pastores, ou se, para conferir-lhes a
missão canónica, elle não tivesse outra regra senão as vontades
ou caprichos dos differentes Governos? Procure, por tanto, o
Governo sustentar as regalias da Corôa Imperial, mas dentro dos
seus justos Jimites, e sem tocai' nas atlribuições do Primado, cuja
força e poder cumpre manter no seu proprio interesse; porque
essa força e poder, em ultima analyse, reverterá em beneficio da
mesma Religião, e conseguintemente da estabilidade do Trono
Brazileiro. No momento em que da Côrte de Roma sahissem pre-
tenções de diversa natureza , e que ferissem , ainda levemente, as
prerogalivas da Corôa, conte o Governo que, salvo o respeito e
obediência filial devida ao Chefe da Igreja, eu seria o primeiro
em desapprova-las, dando a Cezar o que he de Cezar, e a Deos
o que he de Deos.
Quanto á suspensão do Recurso á Santa Sé, declarada pelo
Governo desde o anno passado , bastara dizer, que ella he con­
traria a disciplina geral, ociosa e aníi-poliiica. Sem reccorrer aos
monumentos da Historia Ecclesiastica, onde se pode ver quanto
são antigas as reservas de certos pontos da Jurisdicção Episcopal,
e sem me fazer cargo de mostrar, que ellas se derivão da mesma
índole do Primado de Honra e Jurisdicção— Pro supremâ Potes-
tate sibi in Ecclesiâ universâ tr a d ita — como definem os Padres de
Trento na Sessão lá cap. 7; só lembrarei, que no tempo do
grande scisma do Occidente, quando no meio de huma deplorá­
vel anarchia, não se sabia qual era o verdadeiro Papa, então
mesmo reconhecerão os Bispos Francez«s, reunidos no Concilio
Nacional de Paris em l á l á , que apenas se podia tolerar a dis­
pensa dos impedimentos matrimoniaes, que se achavão reservados
á Santa Sé, em algum caso de grande utilidade publica, e por
ventura com algum Rei ou Principe Sçberano; e isto, não pela
autoridade de hum ou outro Bispo (note-se bem) mas pelo mes-
io Concilio Provincial -— si autem magna Reipublicce utilitas exe-

/
J e r ii, forte cam aliquo rege aut Príncipe dispensandum super hoc,
concHium provinciate valeat dispensare . . . Videtur satis tolerabile
— 12 —

hoc tempore durante, quod concilium promneiale cum magnis nobUibus


valeat dispensare ~ cujo luminoso exemplo foi depois imitado
amda mais explicilameníe, pelos seus successoiVs no Reinado dè
Napoleao, e durante o cativeiro do Santo Padre Pio Vil. Ora
respeitáveis Prelados que assim deliberarão e praticárão, não erão
certamente escravos do Papa , nem pretendião entregar á Curia
nomana o Reino de França, que dies mesmos, segundo a ex­
pressão de Gibbon, havião fundado. Entretanto, be esla disci-
phna respeitada no tempo mesmo de buma tão longa e absoluta
impossibilidade de recurso; disciplina muito anterior ao Concilio
de Trento, sanccionada por elle, e pela pratica e consenso uni-
ce toda a lgieja, que, como se sabe, tem força de Lei
recebida em todos os Estados Catholicos, e neste mesmo Império,’
que o nosso Governo não duvidou abrogar ou suspender, íarac-
tensando-a de meras condescendências para com a Santa S é ; e
ate engindo-se, como annunciou no seu Relalorio o ex-Ministro
da Justiça, em Supremo Juiz da competência do Papa e dos Ris-
pos, no exercício de sua divina jurisdicção ! A tanto não chega
de certo a supremacia do Rei de Inglaterra, pois que, em hum
dos trinta e nove artigos da celebre Confissão de Fé da Igreja An­
glicana, se declara expressamente que a ingerência do Poder Real
nao se póde extender ao regimen e administração das cousas es-
pmtuaes. E para que fim se lançaria mão de buma tal medida?
be he, como informou o mesmo ex-Ministro da Justiça, para
o ugar ao Summo Pontífice a expedir as Bulias de confirma-
çao quem não vê quanto isto lie inútil, ocioso, e apenas pra­
tica o por alguns Governos despóticos e inimigos de toda a es-
pecie de liberdade? Parece me que nenhum outro effeito tem
produzido semelhante expediente, senão o vexame e oppressão dos
Brazileiros, privados dos seus legítimos Recursos, e reduzidos a
peior condição do que os Religionarios das Seitas Protestantes,
toleradas eadmittidas neste Império. Estes podem livremente cor-
responc er-se com os seus chefes , e expôr-lhes todas as suas ne­
ae-
cessidades, como ainda ha pouco fizerão cm buma celebre coK
respondencia ou relatorio transcripto em hum dos Jornaes desta»f
Cidade, os Missionários Melhodistas, que aqui se achão, e onde
se faz a mais violenta satyra ao Povo, e sobretudo ao Clero do
Brazil; não havendo genero algum de mal que se lhe não impute,
ate a falta de estradas, e a bulha que fazem os carros pelas ruas!
Mas isto , para o dizer de passagem, não deve admirar, sendo bem
conhecida a intolerância de iguaes seitas contra o Clero Catho-
lico, como acaba de o demonstrar, cm Dezembro do anno pas­
sado , o procedimento barbaro e atroz dos Melhodistas Ingle-
zes , que dominão a Ilha de Otaiti, expulsando e perseguindo
dous respeitáveis Missionários Francezes, que ãli havião aportado,
enviados pela Missão Catholica estabelecida na Oceanica Orien­
tal: e só os Brazileiros , cuja Religião foi solemnemente garantida
pela Lei Fundamental, hão de ser privados da liberdade de cons­
ciência, e de toda a communicação com o primeiro Pastor e cch-
tro da Unidade Catholica, sem a qual não póde existir a mesma
Religião? Pasmoso contraste! Em quanto o Catholicismo pros­
pera e dilata suas conquistas na Inglaterra e nos Estados Unidos
da America, o protestantismo abalado nesses focos da sua an­
tiga dominação, vem reparar suas perdas entre nós, e recrutar
proselytos, sem a menor contradicção, no meio do innocente
Povo Brazileiro ! E quando a Causa Catholica ganhava na Irlanda
o mais glorioso triumpho contra as calumnias e fraudes com que
o protestantismo a pretendeu atacar, em huma famosa Associa­
ção, cuja má fé foi desmascarada pelos proprios Jornaes daquella
communhão ; he então mesmo e por ventura nos mesmos dias (*)
que os Ministros do Catholico Império do Brazil vinhão annunciar-*
nos a encommenda de dous Irmãos Mcfraves ou de Missionários
Lutheranos para chrislianisar os Indígenas, e a suspensão do Re­
curso ao Summo Pontífice e ao seu Delegado, ou do livre exerci­
d o da Religião do Estado ?
Mas deixemos estas tristes recordações, que não merecerião ser
rememoradas, se factos de semelhante natureza não concorressem

( ) Vide Dublin Review. N. 2 July i S36 Art. 9 the Protestante


Association.
- ill —

tanto para produzir o sceplicismo religioso, e dar maior ousadia


aos inimigos da Igreja Calholica. Tendo feito* ver que, com a
referida suspensão não poderá o Governo conseguir o fim que
se propôz , só me resta mostrar, quanto cila he impolilica , ao
menos na parte que respeita ás Dispensas IVIalrimoniaes. Sim,
ao ouvir as queixas que algumas vezes se tem feito contra a fa­
cilidade dos Bispos cm conceder taes Dispensas, queixas apresen­
tadas nesta Camara em hum Projecto assignado pelo chefe do ac­
tual Governo, então Deputado, pareceria, Senhores, que huma
esclarecida Adminiátração deveria apreciar e sustentar as Regras
estabelecidas, como hum dos meios de diflicultar as Dispensas dos
impedimentos, ao menos d aquelles que se considerão mais gra­
ves ; conducla esta tão natural e tão sábia, que os mesmos Impe­
radores Romanos a adoptárão em seus Godigos, prescrevendo ,
que iguaes Dispensas não podessem ser concedidas |netos ^1'J*-*lf uo 10
trados das Províncias, mas ficassem reservadas ao Supremo Chefe
do Estado. Se com effeito essa facilidade he contraria aos saudá­
veis fins que teve em vista a Igreja , de acordo com os Soberanos,
estatuindo certos embaraços ou impedimentos dirimentes; se essa
facilidade t digo, que não esta ao alcance dos Bispos remediar
inteiramente, póde ser prejudicial aos costumes, e soltar, por
assim dizer, o freio com que as Leis impedientes do Matrimonio
procurárão reprimir as paixões libidinosas, e preservar o pudor e a
honra c!as famílias; como her que se pretende que aquellas mes­
mas Dispensas, que , por muito graves, estavão reservadas á Santa
Sé, fiquem á discrição dos Ordinários, destruindo essa tal ou
qual barreiia, que as loinftva mais difficeis ? Não seria mais digno
de hum Governo illustrado manter inalLeraveis as Reservas exis­
tentes, e reconhecidas pela nossa mesma Legislação , do que vir
ensinar-nos em 1836 , que o Brazil está-mais de duas mil legoas
distante de Roma, e que, elevando-nos acima da sabedoria de
tantos séculos, e do senso Religioso de todas as Nações Catholi-
cas da Europa e da America, devemos livrar o Catholico Brazi-^
lei10 dos Poucos laços que ainda o ligão á Cadeira eterna, sobre'
qne esU fundada a fgreja de Jesus Chrislo ? Eu não me opponho \
de modo algum aquaesquer medidas justas que tendão a promovei1
os casamentos no Brazil: mas, se lie verdade, como pensão grandes
Politicos, que as successivas allianças no mesmo sangue ou nos grios
prohibidos, produzem huma degeneração mui sensível e pronun­
ciada em certas famílias ; se he certo mesmo pelas analogias que
oíferecem os animaes, que hedo cruzamento ou união de indivíduos
estranhos, que resulta a robustez, belleza e melhoramento da es-
pecie, parece indubitável, que sendo os embaraços, postos pela
Religião a taes allianças incestuosas, filhos de hum profundo co­
nhecimento da natureza physica c moral, á 'verdadeira politica
cumpre respeita-los , e fazer que elles se não tornem illusorios
pela nimia facilidade. M o he, p ois, nem extinguindo os impedi­
mentos, como parecia ler em vista o supradito Projecto , nem
abolindo as reservas estabelecidas, que se hão de conseguir taes
íins ; mas conservando-as do modo possivcl, e pondo em vigor as
Leis Canónicas, e a salutar Disciplina da Igreja a este respeito.
Eu disse ha pouco que não está ao alcance dos Bispos remo­
ver ou obstar inteiramente á facilidade das Dispensas Matrimo-
niaes: e sem duvida ninguém contestará , que a sua denegação,
em muitos casos , acarretaria sobre elles e o seu Ministério grande
odiosidade, e que em contacto com as influencias locaes, elles
não podem estar tão habilitados, como o supremo e independente
Hierarcha da Igreja, para dizer ao pretendente poderoso— non
licet tibi — quando a sua pretenção não he admissível.
A Historia da Igreja, mormente em épocas de corrupção, Jus­
tifica exuberantemente este meu modo de pensar, e demonstra a
justiça com que se fizerão taes reserva», por ^cordo e consenti­
mento dos mesmos Bispos, Por tanto, o acto de as suspender ou
revogar, he também impolitico e contrario aos interesses da So­
ciedade. %
Eis aqui o que eu tinha a dizer sobre.está materia, confiando
mui sinceramente do Nobre Ministro da Justiça, que no seu pa­
triotismo , luzes e religiosidade, achará meios de pôr honroso
termo a tão deploráveis occorrencias, que não podem trazer senão
males e calamidades ao Paiz. O Nobre Ministro sabe mui bem ,
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{jup. quanto mais livre deseja scr hum P o v o , tanto roais se devem
estreitar os laços religiosos, e invocar o apoio da R eligião, que
só póde unir verdadeiramente os h o m e n s, porque só ella tem o
poder de imperar aos espíritos e ás consciências. Se a Unidade
Religiosa não fòr respeitada, mal poderá sò-lo a Unidade P o lític a ;
e ao desprego das crenças, que são o mais forte vinculo da na­
cionalidade , succederá o fatal indifferenlismn e frio e g o ism o ,
que já vem os derramado por todas as classes', como huma espe-
cie de m a r a s m o q u e precede e annuncia a morte ou dissolução
do corpo social. •

fyp. Imp. e Const, de J. V i m .u s k c v e o O , Run d’Onvulor , N° f>5.

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