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Por uma Bioéti

social, polít
e comprometi
contribuições
pesquisa soc
ica
tica Por uma Bioética
social, política
ida: e comprometida:
contribuições da
s da pesquisa social

cial
CAMILA CLAUDIANO QUINA PEREIRA
Universidade do Vale do Sapucaí

RONALDO TRINDADE
Universidade do Vale do Sapucaí
Pereira, C. C. Q. | Trindade, Ronaldo

POR UMA BIOÉTICA SOCIAL, POLÍTICA E COMPROMETIDA:


CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA SOCIAL
Resumo
O objetivo deste trabalho é discutir e argumentar sobre a relevân-
cia de se realizar pesquisas Bioéticas in loco, no território ou, mais
precisamente, no cotidiano. Esta prática, comum nas ciências so-
ciais, implica na necessidade da inserção do/a pesquisador/a no
contexto de vida das pessoas, compartilhando de normas e ex-
pectativas no fluxo dos acontecimentos diários. Trata-se de uma
prática comprometida, ética e politicamente, com o contexto com
o qual se pretende lidar e, consequentemente, que se converta em
benefícios para as pessoas que participam do estudo.
Palavras-chave: Bioética, ética, pesquisa, etnografia, antropologia.

FOR A SOCIAL, POLITICAL AND COMMITTED BIOETHICS:


CONTRIBUTIONS OF SOCIAL RESEARCH
Abstract
The objective of this paper is to discuss and argue about the re-
levance of conducting bioethical research in loco, in the territory
or, more precisely, in the daily life. This practice, common in the
social sciences, implies the need to insert the researcher in the
context of people’s lives, sharing norms and expectations in the
flow of daily events. It is a practice that is ethically and politically
committed to the context with which it is intended to deal with
and, consequently, that it becomes a benefit for the people parti-
cipating in the study.
Keywords: Bioethics, ethics, research, ethnography, anthropology.

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Por uma Bioética social, política e comprometida

POR UNA BIOÉTICA SOCIAL, POLÍTICA Y COMPROMETIDA:


CONTRIBUCIONES DE LA INVESTIGACIÓN SOCIAL
Resumen
El objetivo de este trabajo es discutir y argumentar la relevancia
de realizar investigaciones Bioéticas in loco, en el territorio o, más
precisamente, de lo cotidiano. Esta práctica, común en las ciencias
sociales, requiere la inserción de el/la investigador/a en el contex-
to de vida de las personas, compartiendo normas y expectativas
con el fluir de los acontecimientos diarios. Se trata de una práctica
comprometida ética y políticamente con el contexto con el que
se pretende lidiar, que, consecuentemente, se ha de convertir en
beneficios para las personas que participan del estudio.
Palabras clave: Bioética, ética, investigación, etnografía, antropo-
logía.

Camila Claudiano Quina Pereira1


camilacquina@gmail.com

Ronaldo Trindade2
ronaldotrindade@gmail.com

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Pereira, C. C. Q. | Trindade, Ronaldo

INTRODUÇÃO não ser possível olhar para um fenô-


meno sob uma única perspectiva. A
A inspiração para este artigo nos veio
Bioética que postulamos neste artigo
das discussões e reflexões oriundas
corresponde a um campo interdiscipli-
tanto de nossa experiência docente,
nar que não se esgota e não se prende
ministrando a disciplina Bioética e Ci- a categorias, pois lidar com a Bioética
ências Sociais para os/as alunos/as do é lidar com a complexidade, abertos ao
Mestrado em Bioética da Univás, quan- inusitado, ao inesperado e atentos ao
to das trocas tecidas em encontros e que é silenciado.
conversas informais ao tratar sobre
nossa implicação enquanto bioeticis- Nossa proposta é que a prática da
tas para além do laboratório ou do frio Bioética esteja comprometida muito
confinamento das bibliotecas. mais em provocar questões, do que em
produzir respostas e verdades. Que as
Ao estudar o percurso desta área do escolhas metodológicas permitam o
conhecimento observa-se a gradu- encontro do/a pesquisador/a com o
al incorporação de questões políticas público pesquisado e, nesta parceria,
e sociais nos temas em debate, numa produzir conhecimento juntos. Neste
postura que tende a ir além dos temas aspecto, a ideia é romper com a dico-
estritamente biomédicos, como ques- tomia pesquisador/a x pesquisado/a,
tões de gênero e sexualidade, desigual- sujeito x objeto, com a velha querela
dade social, raça e etnia dentre outras qualitativo x quantitativo, com a supos-
que afetam o contexto latino america- ta neutralidade da ciência e, finalmente,
no. Percebemos um interessante deslo- que o/a investigador/a esteja disposto
camento, considerando que as investi- a mergulhar no contexto de vida das
gações iniciais estavam alicerçadas no pessoas e compartilhar as normas e
aspecto biomédico, sobretudo na área expectativas presentes no fluxo diário
da saúde, e nas temáticas ambientais, dos acontecimentos, nos quais vão ser
tal como a proposta da Bioética Glo- perceptíveis os dilemas bioéticos que
bal. as afetam, além de possibilitar uma
A abordagem social começa a ser reco- prática ética, política e comprometida,
nhecida em investigações bioéticas na que de alguma forma se converta em
medida em que ocorre uma tomada de benefícios para a comunidade.
consciência de que é impossível lidar Para avançar nesta discussão, este arti-
com os dilemas morais de forma res- go foi organizado da seguinte maneira:
trita a um ambiente clínico, tal como inicialmente, propomos uma descrição
o leito de um hospital, mas que outras sobre a criação da disciplina Bioética e
questões institucionais atravessam este a sua abertura para incorporar questões
campo, tais como temas políticos, eco- sociais e políticas nas investigações.
nômicos e culturais, além daqueles re- Em seguida, tratamos da proposta te-
ferentes às relações de poder. órica que se opõe ao modelo principia-
Neste aspecto, à luz dos referenciais lista e que se volta para questões que
das Ciências Sociais, argumentamos afetam o contexto latino-americano,

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tais como desigualdade social e os as- Com a publicação da obra Principles of


suntos identitários. Encerramos com biomedical ethics, em 1979, de autoria de
a sugestão de algumas possibilidades Tom L. Beauchamp e James F. Chil-
metodológicas que possam orientar a dress, ganhou destaque outra corrente
imersão do/a pesquisador/a no terri- teórica que se baseava nos princípios
tório e estão alinhadas com a perspec- de autonomia, não maleficência, bene-
tiva teórica da Bioética Social. ficência e justiça, nomeada por Bioéti-
Métodos simples não dão conta de te- ca principialista, que se tornou rapida-
mas complexos, portanto, utilizar múl- mente o referencial mais estudado na
tiplos procedimentos de investigação área (Pessini & Barchifontaine 2002).
pode ser uma estratégia interessante A Bioética apresentou um evidente
para descrever contextos e narrar his- desenvolvimento no campo da ética
tórias sobre a vida das pessoas, como clínica, seguido por questões ligadas à
entendemos ser possível com as pes- ecologia e meio ambiente.
quisas etnográficas. O reconhecimento e interesse por ou-
tras áreas do conhecimento – não bio-
médicos – se deu ao considerar que
O POLÍTICO E O SOCIAL NA PAUTA muitas questões da ética clínica não
DA BIOÉTICA eram exclusivas da relação médico-pa-
ciente, mas que fatores institucionais -
O termo Bioética foi apresentado à
tais como os econômicos, as relações
comunidade acadêmica por meio dos
de poder e os processos de gestão - po-
estudos de Van Rensselaer Potter, em
deriam impactar a efetividade e a qua-
1970, nos Estados Unidos. Foi com-
lidade das ações promovidas pelos ser-
preendida inicialmente como uma dis-
viços de saúde. Mais recentemente, as
ciplina situada na interface das ciên-
questões sociais passaram a constar na
cias biológicas com a perspectiva dos
agenda Bioética, sobretudo no tocante
valores morais estudados nas ciências
aos problemas que afetam os países da
humanas (Pessini & Barchifontaine
América Latina e da África.
2002). A preocupação com os efeitos
do conhecimento científico e suas apli- Passou-se a reconhecer a necessidade
cações tecnológicas na vida humana de ampliar a perspectiva de uma ética
era a característica mais evidente desse estritamente clínica e biomédica para
novo campo disciplinar. Nesse sentido, uma ética institucional e social (Correa
a Bioética articulou as práticas biomé- 2009) e lidar com os conflitos éticos na
dicas, os valores morais e o impacto no dimensão social e coletiva, por exem-
futuro da humanidade. Nas palavras plo, lidar com temas como a vulnera-
de Schramm (2002: 610), a Bioética é bilidade, a exclusão, a discriminação e
uma “[...] disciplina filosófica prática a desigualdade.
que visa a esclarecer e resolver os pro- A Bioética Social se propõe a discutir
blemas morais que surgem na práxis conflitos éticos considerando o con-
humana”. texto social e econômico de cada país.

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Para tanto, atua na esfera pública e co- põe a tratar das situações persistentes
letiva, responsabilizando o Estado pela e das situações emergentes. A primeira
situação social dos excluídos e margi- se relaciona com as questões estrutu-
nalizados, mas também propondo es- rais dos países e que atravessam gera-
tratégias de proteção das pessoas vul- ções, tais como a desigualdade social,
neradas em decorrência do contexto a miséria, a violência, a violação de di-
econômico e social. A ideia é realizar reitos; a segunda se propõe a discutir
uma análise mais ampla e complexa do questões decorrentes do avanço das
contexto socioeconômico a partir de biotecnologias, como, por exemplo,
uma lógica coletiva, tendo por base os as pesquisas que envolvem o genoma
direitos humanos (Porto 2014). humano, células-tronco ou tecnologias
Uma nova fase da Bioética, portanto, reprodutivas. Tal abordagem reforça a
teve seu marco cronológico com a ho- importância de considerar as especi-
mologação, em 2005, da Declaração ficidades históricas, culturais e sociais
Universal sobre Bioética e Direitos de cada país (Nascimento & Garrafa
Humanos (Garrafa 2005) que se de- 2011; Garrafa 2006).
dica a discutir questões que afetam os Segundo Nascimento e Garrafa (2011),
países chamados periféricos3, aqueles nos países periféricos, importa dar des-
cuja população luta por condições mí- taque aos aspectos persistentes que
nimas de sobrevivência e apresentam têm como efeito intensas desigualda-
extrema desigualdade na distribuição des sociais. Para os autores, é necessá-
de renda, por sua vez produtora de mi- rio promover uma reflexão política so-
séria, exclusão e vulnerabilidade social. bre as questões morais decorrentes do
Para que isso seja possível, argumenta contexto de vulnerabilidade que afe-
Garrafa (2005), é necessário que se po- tam a maior parte da população, como
litize a Bioética, visto que a os inúme- ocorre no Brasil.
ros conflitos éticos relacionados à vida, A vulnerabilidade não é apenas uma
para além do campo biomédico, devem questão inerente à condição huma-
transpor o debate para o campo no na, mas também uma relação que se
qual são tomadas as grandes decisões estabelece entre indivíduos, grupos
que envolvem o destino da população, e sociedades, com diferentes luga-
qual seja, “[...] a seara das decisões polí- res de poder. Somos, em todo caso,
ticas”. Nessa perspectiva, o que se des- vulneráveis diante de algo que nos
taca é a “[...] politização das questões retira o poder (Nascimento & Gar-
morais abordadas pela Bioética desde rafa 2011: 297).
um referencial que seja adequado para De acordo com Porto (2014: 214),
o contexto de exclusão dos países do “[...] não se faz Bioética em pesquisa
Hemisfério Sul, e, sobretudo, para o de bancada nem em estudos de valida-
contexto latino-americano” (Nasci- ção de medicamentos”. Para exercer
mento & Garrafa 2011: 288). uma Bioética social, a autora preconiza
Na América Latina, ganha destaque a três aspectos. O primeiro diz respeito
Bioética de Intervenção, que se pro- à necessidade de fortalecer e exercer

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Por uma Bioética social, política e comprometida

a transdisciplinaridade, promovendo a pública, pobreza, discriminação e vul-


participação simétrica de diversas áreas nerabilidade social.
para a construção do conhecimento, Ampliar o olhar bioético para além dos
de forma a superar o predomínio das aspectos puramente biomédicos não é
ciências biomédicas. Em seguida, pro- tarefa fácil, pois consiste em lidar com
põe Porto (2014), estabelecer o diálogo uma rede heterogênea de atores em um
com os movimentos sociais para co- processo de investigação que pretende
nhecer as reivindicações que emergem produzir provocações e indagações,
da vida cotidiana. A partir daí, avalia conforme citado por Garrafa (2006),
a autora, é possível dar legitimidade e parafraseando Morin (1996), que é li-
visibilidade às demandas decorrentes dar com a complexidade.
de um contexto cultural e histórico
específico, favorecendo ainda a atuali- Isto predispõe reconhecer a incapaci-
zação da disciplina Bioética pelas situa- dade de se propor modelos teóricos
ções vivenciadas na prática. O terceiro que objetivam propor soluções padro-
e último aspecto propõe a elaboração nizadas para problemas que envolvem
de parâmetros éticos que permitam a uma série de contingências, tal como
reflexão por uma ótica coletiva (Porto foi proposto com a Bioética principia-
2014). lista.
Correa (2009) argumenta que a Bioé- O que se sugere é a possibilidade de
tica deve ser, ao mesmo tempo, plural, lidar com diferentes pontos de vista
tolerante e sem fundamentalismos, e, também, reconhecer a existência de
promovendo o diálogo em espaços de múltiplas versões e múltiplos atores
debates já existentes, entre os quais, presentes na rede heterogênea com-
comitês ou outros órgãos deliberativos. posta por atores humanos e não hu-
Além disso, deve analisar os problemas manos que compõem a arena Bioética,
éticos que afetam cada país e, assim, tais como: profissionais, instituições,
propor novas estratégias de enfrenta- documentos, legislação, comunidades,
mento. laboratórios, hospitais e pacientes.
Consiste em lidar com a diversidade
As referências teóricas na Bioética que
sem cair na tentação da simplificação
se propõem a discutir o contexto social
ou domesticação por meio de defini-
formado por situações de injustiça, ex-
ções e categorizações, conforme alerta
clusão e violação de direitos humanos,
Spink (2010: 46):
sobretudo nos denominados países
[...] esses esquemas racionais de
periféricos, são: a Bioética narrativa; a
classificação reduzem a comple-
Bioética de direitos humanos; a Bioéti-
xidade, pois ordenam, dividem,
ca de proteção; a Bioética de interven- simplificam e excluem; eliminam as
ção; e a Bioética global (Castillo 2015). nuances de cinza entre o branco e
Os principais temas investigados nessa o preto. O efeito do ordenamento
perspectiva no Brasil são: desigualda- não reduz apenas por expulsar a
de social, exclusão, inclusão e justiça anomalia ou o indesejável para as
sociais, questões sanitárias e de saúde margens; ele oferece a ilusão de que

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nele todas as relações podem ser Antropologia, Psicologia e Medicina,


explicadas. dentre outras. Além da pluralidade
Lidar com a complexidade consiste em epistemológica, essas disciplinas tam-
romper com modelos deterministas e bém contribuem pela diversidade de
disciplinares para lidar com as questões técnicas de investigação que, potencial-
que emergem das interações entre as mente, permitirão ao/à investigador/a
duas partes, natureza e sociedade (Gar- lidar com aspectos multidimensionais
rafa 2006). Nas palavras de Sotolongo do campo, considerando que tais es-
(2006: 101), é reconhecer a impossi- tratégias metodológicas, além de múl-
bilidade de “[...] predizer, manipular e tiplas, devem ser flexíveis e adaptáveis
controlar tudo, tanto na natureza quan- ao contexto de investigação (Spink
to na sociedade”. 2010; Garrafa 2006).
O desafio de lidar com a complexidade Incorporar a complexidade na arena
deve ser pauta das investidas Bioéticas, Bioética consiste em considerar que
pois apenas a partir desse viés será pos- cada um desses pontos é um nó, em
sível se constituir e promover o diálogo uma grande teia, que vai nos conduzir
transdisciplinar. para uma rede heterogênea de atores,
em que poderemos tomar a decisão de
Esse é um convite para o/a
qual ator vamos seguir ou que fio da
pesquisador/a lidar com a imprevisi-
meada vamos puxar (Spink 2014). Não
bilidade, a desordem, a incerteza e o
há métodos simples para lidar com te-
caos, mas, também, de se surpreender
mas que são complexos, por isso, pro-
com o novo, propor e se dispor a prá-
pomos neste artigo a abertura da Bio-
ticas integrativas e lidar com os limi-
ética para metodologias participativas
tes humanos (Garrafa 2006; Castillo
que aproximem os investigadores do
2014). Nas palavras de Spink (2010:
contexto de vida das pessoas.
46), “[...] quando, ao invés de ‘ordem’,
descobrimos que há diversidade de
ordens (maneiras de ordenar, estilos, PELA INSERÇÃO DO/A BIOETICISTA
lógicas, repertórios, discursos), a dico-
NOS MICRO LUGARES
tomia entre simples e complexo come-
ça a se dissolver, a ordem dá lugar às A prática moderna da etnografia teve
performances, aos efeitos”. Lidar com início em 1914, com a publicação de
a complexidade na Bioética consiste Argonautas do Pacífico Ocidental,
em reconhecer que para escapar à ten- de Bronislaw Malinowski. Esta obra,
tação de cair no reducionismo, ao lidar que fundou uma nova concepção de
com a complexidade é importante criar pesquisa em Antropologia, tomava o
alternativas nas investigações científi- trabalho de campo em termos cienti-
cas. Nessa perspectiva, a transdiscipli- ficistas, de forma que pudesse ser tido
naridade pode ser uma alternativa útil como fonte legítima de conhecimento
por abarcar a produção de informação sobre a chamada “vida nativa”. Para
derivada de diversas áreas do conhe- Malinowski, era fundamental para o/a
cimento – por exemplo, Sociologia, pesquisador/a de campo possuir ob-

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Por uma Bioética social, política e comprometida

jetivos científicos, trabalhar com base da disciplina e ao caráter distintivo


nos critérios da etnografia moderna, de seu objeto, que o antropólogo
viver um período prolongado com o necessita da experiência do campo.
grupo pesquisado, falar a língua nativa, Para ele, ela não é nem um objetivo
de sua profissão, nem um remate de
usar métodos de coleta, manipulação e
sua cultura, nem uma aprendizagem
registro de evidência. Mariza Peirano técnica. Representa um momento
refere-se a esse momento fundante da crucial de sua educação, antes
seguinte forma: do qual ele poderá possuir
Tudo começou com o desafio que conhecimentos descontínuos que
Malinowski lançou ao confrontar jamais formarão um todo, e após o
trobriandeses de carne e osso e as qual, somente, estes conhecimentos
grandes teorias evolucionistas do se «prenderão» num conjunto
início do século. Mitificado por ha- orgânico e adquirirão um sentido
ver introduzido a pesquisa de cam- que lhes faltava anteriormente (Lé-
po intensiva, conhecido pela obses- vi-Strauss 1991: 415-416).
são pelo native’s point ofview, criticado
Clifford Geertz, comumente lembrado
pelo funcionalismo que um dia
como pai da Antropologia interpreta-
julgou ter inaugurado, Malinowski
tiva ou hermenêutica, chama atenção
talvez tenha desempenhado um
papel ainda mais fundamental que para o fato de que a observação etno-
todas essas proezas. É que coube a gráfica é de outra ordem:
ele confrontar as teorias sociológi- [...] segundo a opinião dos livros-
cas, antropológicas, econômicas e -textos, praticar a etnografia é es-
linguísticas da época com as ideias tabelecer relações, selecionar infor-
que os trobriandeses tinham a respei- mantes, transcrever textos, levantar
to do que faziam (Peirano 1995: 16). genealogias, mapear campos, man-
ter um diário e assim por diante.
Com a etnografia de Malinowski sobre Mas não são estas coisas, as técni-
os trobriandeses foi iniciada uma nova cas e os processos determinados,
modalidade de produção de conheci- que definem o empreendimento. O
mento antropológico. Ao abrir mão que o define é um tipo de esforço
de mediadores e intérpretes e passar intelectual que ele representa: um
dois longos anos nas Ilhas Trobriand, risco elaborado para uma  descrição
Malinowski procurou produzir um re- densa (Geertz 1978: 15).
trato o mais fiel possível daquilo que Para Geertz, a descrição densa é o que
chamava de “vida nativa”, em busca efetivamente se faz em etnografia,
do ponto de vista dos nativos. Depois explicando-a, inicialmente, por meio
dessa experiência etnográfica, os/as do conhecido caso das “piscadelas”.
antropólogos/as seguiram seus passos, Nesse exemplo, o autor se refere a uma
fazendo do trabalho etnográfico a mar- situação hipotética em que dois garo-
ca maior da pesquisa em Antropologia. tos se põem a piscar rapidamente o
Para Claude Lévi-Strauss: olho direito. Porém, num dos casos, a
É por uma razão muito profunda, piscadela seria um tique involuntário e
que se prende à própria natureza no outro se trataria de uma piscadela

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conspiratória a um amigo. Apesar de neiras como pensam e como agem os


idênticos, ambos os gestos remetem membros do grupo pesquisado. Mas
diferentes significados. Essa distin- nem todo o trabalho de campo é et-
ção, para Geertz, pode ser captada por nográfico, uma vez que este método
meio de uma descrição densa (Geertz necessita de estadias longas no campo
1978). para ter uma visão diacrônica dos pro-
Há outra dimensão do trabalho de cessos que estamos estudando e para
campo que não tem a ver somente com que o/a pesquisador/a retorne de lá
coleta de dados e observação, e nem transformado. No caso das pesquisas
mesmo com descrição, mas com uma etnográficas é desejável o estabeleci-
experiência compartilhada com o gru- mento de relações de confiança com
po que investiga, permitindo-lhe olhar os interlocutores (antes chamados de
de fora a sua própria cultura. Maurice informantes), o que leva tempo para se
Merleau-Ponty afirma que a tarefa, tal- produzir. Como lembra Janine Colaço:
vez, mais específica da Antropologia O exercício da Antropologia de-
seja esse “emparelhamento” da análise pende da construção de uma rela-
objetiva com o vivido, o que a distin- ção de proximidade com pessoas
das mais variadas origens, dispos-
guiria de outras Ciências Sociais como
tas a falar de suas vidas, abrir suas
a Economia e a Demografia: casas, contar suas histórias, e nos
Claro que não é possível, nem ne- permitirá entrar em contato com
cessário, que o mesmo homem co- seus mundos. Construímos nosso
nheça por experiência todas as ver- conhecimento com base nessas in-
dades de que fala. Basta que tenha, formações e não raro existem ex-
algumas vezes e bem longamente, pectativas em torno dessa abertura
aprendido a deixar-se ensinar por (Colaço 2014: 74).
uma outra cultura pois, doravante,
possuí um novo órgão de conhe- Essa relação de confiança mútua é de
cimento, voltou a se apoderar da fundamental importância quando se
região selvagem de si mesmo, que pretende ter acesso a informações de
não é investida por sua própria cul- qualidade e confiáveis. Não são raras,
tura e por onde se comunica com por isso, as relações de amizade urdidas
as outras (Merleau-Ponty 1984: entre o/a etnógrafo/a e seus/suas in-
199-200). terlocutores/as e que se mantêm para
Podemos, portanto, definir o método além do campo. O campo etnográfico
etnográfico como uma estratégia em- deve, então, ser entendido como um
pírica de investigação que se utiliza, encontro de subjetividades.
fundamentalmente, de uma técnica Os estudos etnográficos abrangem va-
chamada “observação participante”, riados aspectos sociais e culturais da
para obter informações qualitativas, comunidade estudada numa tentativa
documentar em detalhes tanto os com- deliberada de combater o reducionis-
portamentos quanto as ações dos su- mo hermenêutico, frequentemente ob-
jeitos estudados, aceder aos discursos servado entre alguns/mas pesquisado-
emitidos no campo e revelar as ma- res/as que se detêm em apenas um dos

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Por uma Bioética social, política e comprometida

aspectos da vida dos povos que estu- tigada. As ferramentas de trabalho usa-
dam. A etnografia tem uma perspecti- das pelos/as antropólogos/as são ba-
va mais holística e pretende revelar um sicamente o caderno de campo, onde
conjunto mais amplo e mais complexo devem ser anotadas as informações do
da vida dos/as interlocutores/as. Tra- campo de forma cronológica, as ob-
ta-se, por isso mesmo, de um método servações e ideias ocorridas in loco, mas
muito ambicioso e que demanda mais que deve ser feito com disciplina e de
tempo de campo. O objetivo final é a forma sistemática; o diário de campo,
escrita de uma etnografia, onde se de- no qual se anotam os pensamentos e
talha em profundidade o passo a passo sentimentos subjetivos do/a autor/a a
do trabalho de campo realizado e, com respeito da comunidade que está sen-
base nesse material, elaborar uma análise. do investigada e que pode ser útil para
situar o/a antropólogo/a no momento
Algumas técnicas de aproximação e in-
da escrita da etnografia sobre as ques-
serção no campo podem ser úteis. Na
tões vividas no campo; um gravador
maioria dos casos, uma rede de inter-
de som, usado para captar o discurso
locutores/as se produz por meio do
dos interlocutores em suas próprias
esquema bola de neve, no qual se chega a
palavras, já que transmitir as vozes de
um/a informante que por sua vez indi-
nossos sujeitos da maneira como elas
ca outro/a. Trata-se de uma estratégia
se expressam é de extrema importância
utilizada por muitos/as pesquisadores/
para o etnógrafo, independente da in-
as por ser uma via rápida de acesso a
terpretação que possa vir a fazer delas.
comunidades que não conhecemos de
antemão. Mas é possível também que Alguns surveys de pequena escala com
essa entrada no grupo se dê de variadas um número mais amplo de infor-
formas e simultaneamente para obter um mantes podem servir de subsídios às
conjunto mais variado de informantes, informações mais qualitativas, mas é
ao invés de uma só entrada no campo. por meio da observação participante,
em que o/a pesquisador/a não ape-
Informantes chaves ou privilegiados/
nas observa, mas também participa do
as podem significar um melhor aces-
cotidiano da comunidade investigada,
so às representações e significados do
que a pesquisa é efetivamente produzi-
grupo. Mas é fundamental saber sele- da. Os/as antropólogos/as não detêm
cionar tais interlocutores/as, ou seja, o monopólio do método etnográfico,
priorizar aqueles/as que possuem um pois os/as psicólogos/as sociais e so-
discurso articulado e que demonstrem ciólogos/as urbanos/as, por exemplo,
um conhecimento privilegiado sobre também podem se valer desse méto-
sua comunidade, sua cultura e, se pos- do de pesquisa. Vale ressaltar também
sível, que tenham reflexões críticas so- que existem distintos modos de parti-
bre elas. cipação na observação participante, o
O/a etnógrafo/a deve lançar mão de que sempre depende do acesso do/a
variadas técnicas de investigação para pesquisador/a, o tempo disponível
apreender a cultura da sociedade inves- para a pesquisa, etc.

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As entrevistas de campo elencam, em apresentam uma descrição etnográfi-


detalhe, o discurso de nossos/as infor- ca sólida, que não fica comprometida
mantes e suas perspectivas enquanto pela interpretação do/a autor/a. Aliás,
atores sociais. Três tipos de entrevis- esses mesmos dados de campo podem
tas são comumente utilizadas nas pes- inclusive subsidiar interpretações futu-
quisas etnográficas: as abertas, úteis ras diferentes.
para o começo dos trabalhos de cam- É preciso também que tal
po para recorrer ao que é importante pesquisador/a tenha respeito pelas
para os/as nossos/as interlocutores/ diversas vozes e perspectivas dos/
as, normalmente usadas na primeira as informantes, apresentando-as em
fase do trabalho para sensibilizar o/a sua complexidade. A etnografia é, no
etnógrafo/a sobre a temática; as se-
mais das vezes, apresentada em pri-
miestruturadas, em que já há um guia
meira pessoa, numa observação de-
mais completo, orientado para os te-
masiadamente matizada, talvez para
mas mais importantes para a investi-
transmitir credibilidade à visão do/a
gação e que sempre deixa uma aber-
pesquisador/a sobre o campo: Você está
tura para que os/as interlocutores/as
lá porque eu estive lá. Segundo James Cli-
falem de coisas que são significativas
fford (1998), é nesse processo textual
para eles/as; e as estruturadas, a que
descritivo que o/ etnógrafo/a constrói
se recorre frequentemente já no final
a chamada autoridade etnográfica, tão
do trabalho de campo, quando já se
questionada pelos/as antropólogos/as
conhece bem o contexto investigado
ditos/as pós-modernos/as.
e se quer obter informações pontuais.
Os estudos de caso se referem a uma As etnografias sempre terminam a fase
situação específica, paradigmática, de de campo com uma gama de informa-
forma a aprofundar e problematizar o ções, algumas vezes paralisantes. Por
campo que estamos estudando. isso, o/a antropólogo/a deve proceder
a uma eficiente maneira de codificar os
Estudar as histórias de vida também
dados etnográficos, ler, familiarizar-se
é uma estratégia possível. Neste caso,
e criar empatia com as notas de campo.
o/a pesquisador/a procura saber em
mais profundidade sobre a vida de um/a Na escrita final da etnografia, é neces-
informante privilegiado/a por meio de sário saber contrastar os discursos dos
um relato diacrônico de sua trajetória. sujeitos a quem observamos com aqui-
Uma etnografia é tida como um em- lo que eles efetivamente fazem. Não
preendimento de sucesso quando se basta apenas saber de suas palavras,
apresenta os dados de maneira detalha- mas também de suas ações. Deve-se,
da e se faz uma análise coerente dos portanto, documentar e analisar o que
mesmos. Daí a importância de uma ocorre e o porquê das diferenças ob-
descrição densa, detalhada e matiza- serváveis, por isso devemos estar inse-
da do que foi encontrado no campo. ridos em suas vidas cotidianas.
As boas etnografias são aquelas que Espera-se também que uma boa et-
resistem à passagem do tempo, pois nografia consiga articular de forma

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Por uma Bioética social, política e comprometida

satisfatória e, se possível, inovadora, interlocutores. Na maioria das etnogra-


o micro e o macro, ou seja, entender fias não se identificam os/as informan-
suas experiências, representações e sig- tes, ou em alguns casos, nem mesmo
nificados em meio a fatores estruturais as comunidades com seus nomes reais,
que condicionam o comportamento a não ser quando somos solicitados a
dos sujeitos no campo. isso ou quando nos referimos a pesso-
Como se pode perceber a partir des- as públicas. A participação deve ser vo-
se detalhamento da prática etnográ- luntária e nunca por qualquer tipo de
troca ou coação. É extremamente reco-
fica, esse método pode ser de grande
mendado aos pesquisadores/as evitar
contribuição para as investigações em
qualquer consequência negativa ou da-
Bioética, um campo teórico e prático
nos que possam resultar da publicação
marcado pela complexidade, “(...) en-
de nossos estudos sobre a comunidade
volvendo diversos objetos de estudo,
ou nossos/as interlocutores/as. É de-
referenciais teóricos, métodos e agen-
sejável também que haja uma relação
tes sociais, seja da academia ou de
de reciprocidade do/a pesquisador/a
organizações da sociedade civil”. (Ri-
com o grupo por meio de algum retor-
beiro 2017: 45). Por meio da pesquisa
no do trabalho que foi produzido.
etnográfica, o/a bioeticista pode des-
crever e analisar problemas éticos rela- Depois que o/a pesquisador/a realiza
cionados às práticas sociais e também sua etnografia com determinado gru-
“(...) seus efeitos sobre a vida humana po, é uma questão de responsabilidade
e, de modo mais abrangente, a vida nas com os pares não dificultar o acesso
suas várias manifestações, bem como a tal grupo ou comunidade estudada.
as moralidades que as sustentam” (Ri- E também por isso, é de extrema im-
beiro 2017: 45). portância saber entrar e saber sair do
campo, para deixar as portas abertas.
Por essas portas podem então passar
SOBRE A DIMENSÃO ÉTICA E PO- os/as novos/as pesquisadores/as que
LÍTICA DO/A PESQUISADOR/A NO pretendem ter uma prática de campo e
TERRITÓRIO se tornar etnógrafos/as. “Desse modo,
escolhas deverão ser realizadas e de-
A maioria dos cursos de Antropologia vem respeitar os interlocutores com os
brasileiros não submete os projetos de quais se trabalhou, pois ao reconstruir
pesquisa de seus/suas discentes e do- uma realidade fragmentada que, em
centes a comitês de avaliação ética, po- muitos níveis, se mostra conflituosa, é
rém estamos sempre trabalhando com necessário proceder com cautela” (Co-
seres humanos ou outras formas de laço 2014: 74).
vida, por isso, algumas dimensões éti- Mas as discussões éticas nas Ciências
cas devem permear a pesquisa e con- Sociais, nas décadas recentes, vêm ga-
duzir o/a pesquisador/a. nhando novos contornos. Desde a dé-
Esse/a pesquisador/a deve proteger cada de 90 do século XX, já vinha se
a identidade e privacidade de seus/as efetivando uma “virada reflexiva”, que

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Pereira, C. C. Q. | Trindade, Ronaldo

levaria à crítica pós-modernista (Cli- das etnografias, a despeito das inúmeras


fford & Marcus 1986). Essas reflexões, tentativas de se postular uma suposta e
muitas vezes, incidiram sobre as etno- necessária neutralidade que não passa de
grafias, problematizando a sua prática um ideal longínquo.
representacional que insistia em des- A presença do/a pesquisador/a no
crever as culturas, a partir do presente campo o coloca diante de várias ques-
etnográfico, como unidades homogê- tões que dissipam os ideais românticos
neas e discretas. As críticas atingiram relacionados a essa experiência, que é
principalmente as etnografias “clássi- sempre complexa. “E não se trata so-
cas” e “realistas”, produzidas por an- mente de trazer à luz a forma pela qual
tropólogos ocidentais em contextos os grupos organizam seu mundo de sen-
coloniais. A crítica pós-modernista tidos, mas também como o conhecimen-
cobrava uma problematização do con- to produzido pelo antropólogo pode afe-
texto e das condições de produção das tá-lo, um lado político que também deve
etnografias, de forma a justapor vozes, ser avaliado” (Colaço 2015: 74).
cindir fronteiras e desestabilizar as re-
lações de poder que residem sob a es- José Guilherme Magnani (2003), desta-
crita etnográfica. cado antropólogo da USP, faz questão
de lembrar em seus estudos de que não
Desde a bombástica publicação de
se faz Antropologia da aldeia, mas na
“Um diário no sentido estrito do ter-
aldeia. A presença do/a pesquisador/a
mo”, o diário pessoal de Malinowski
no campo, a empatia com os interlocu-
escrito durante sua estadia entre os
tores, a escuta do outro, o contato com
trobriandeses, autorizado por sua vi-
suas representações e a atenta obser-
úva após sua morte, uma série de
vação da realidade pode permitir ao/à
questionamentos sobre a relação do/a
bioeticista perceber o que reside sob a
antropólogo/a com o campo vieram
aparência e os múltiplos significados a
à tona. Ali, o pai da etnografia revela-
que um acontecimento pode remeter.
va momentos de irritação com os/as
Sua inserção no campo, por meio de
pesquisados/as, chegando inclusive a
uma pesquisa etnográfica e da obser-
usar expressões racistas e etnocêntri-
vação participante, orientada para uma
cas. De posse desse diário, os/as an-
descrição densa das relações que se de-
tropólogos/as pós-modernos/as tece-
senvolvem no campo pesquisado, pode
ram críticas contundentes que tinham
fazer com que algumas questões mo-
a ver com a prática representacional
rais, que residem sobre uma silenciosa
construída pela escrita. Vale lembrar
normalidade possam se tornar visíveis e
que o livro que definitivamente instaura
se converter em objetos de reflexão ética.
a pós-modernidade entre os/as antropó-
logos/as se chama “Writing Culture”, uma
proposital lembrança de que o que elabo-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ramos são textos. Assim, a subjetividade
do/a pesquisador/a passa a ser entendi- É urgente e necessário que se produ-
da como relevante para o resultado final zam pesquisas comprometidas, ética e

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Por uma Bioética social, política e comprometida

politicamente, com seus/suas interlo- locução com o outro de forma que,


cutores/as, que possibilitem a partici- nesse encontro, possam emergir as
pação do público pesquisado no pro- palavras, as representações e os signi-
cesso de construção das informações. ficados por meio dos quais nossos/as
Para tanto, é importante traduzir a lin- interlocutores/as ascendem ao mundo.
guagem acadêmica de forma que a co- Nesse sentido, deve haver uma fideli-
munidade tenha acesso e dialogue com dade absoluta relacionada com as ob-
o conhecimento produzido e, conse- servações construídas no campo e com
quentemente, faça uso deste material. as entrevistas. Por conta dessa posição
liminar, pois estamos dentro e fora do
O diálogo com os movimentos sociais
campo, acabamos por atuar, às vezes,
é indispensável quando se pretende
como porta vozes dos grupos que in-
criar condições para que estes grupos
vestigamos. Mas esse papel também já
se auto determinem e com isso, te-
foi alvo de crítica por meio dos pró-
nham visibilidade e representatividade
prios sujeitos investigados nas pesqui-
na arena científica. Desse modo suas
sas antropológicas, alegando que ao
práticas sociais, tanto quanto as elucu-
tentar deter o sentido da cultura do ou-
brações acadêmicas poderão somar-se
tro, de um modo que o próprio outro
para a tecitura de um conhecimento
não detém (Viveiros de Castro 2002),
de fato compartilhado. Em outras pa-
acabamos por reproduzir relações de
lavras, tornar o texto acadêmico poli-
poder assimétricas.
fônico e descentrado, reconhecendo
outras agências produtoras de saberes.
A presença do/a pesquisador/a no NOTAS
campo lhe permite tornar-se partícipe 1
Doutora em Psicologia Social pela PUC-
desses territórios, criar vínculos e re- -SP, professora do curso de Psicologia e do
conhecer a diversidade de sentidos e Mestrado em Bioética da Univás.
significados construídos nas interações 2
Doutor em Antropologia Social pela USP
sociais. Trata-se de um convite para es- e professor do curso de História e do Mes-
tar diante do novo, do inesperado e das trado em Bioética da Univás.
singularidades, opondo-se às teorias 3
São chamados países centrais aqueles
totalizantes e disciplinadoras. cujos direitos fundamentais da população
Métodos de pesquisa que tenham já foram atendidos ou estão encaminhados,
como foco a participação de diversos tais como educação, moradia e saúde. Paí-
ses periféricos são aqueles cuja riqueza está
atores são bem-vindos em uma pers-
concentrada em um número mínimo de
pectiva que toma o conhecimento en-
pessoas, produzindo a desigualdade social
quanto construção social, tais como a (Garrafa 2006).
pesquisa participante, a pesquisa-ação,
a etnografia ou outras estratégias cola-
borativas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A etnografia é um empreendimento Brigagão, J. I. M. 2016 Aspectos éticos
que pretende estabelecer uma inter- nas pesquisas no cotidiano. Athenea Digi-

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OSlinks/54d0d0ff0cf20323c219cff0
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