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2014 - 22 (2)

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A Revista Bioética é uma publicação científica idealizada pelo Conselho Federal de Medicina para fomentar a discussão
multidisciplinar e plural de temas de bioética e ética médica, voltada à formação acadêmica e ao aperfeiçoamento
constante dos profissionais de saúde. Sua linha editorial, bem como a composição e atuação do Corpo Editorial, são
completamente independentes da plenária do CFM. Os autores são responsáveis pelas informações divulgadas nos
artigos, que não expressam, necessariamente, a posição oficial do CFM.

Revista Bioética Volume 22, número 2 – 2014

Editor geral – Gerson Zafalon Martins


Editora científica – Dora Porto
Editor assistente – Thiago Rocha da Cunha
Copidesque/revisor – Napoleão Marcos de Aquino
Tradução e revisão – Tradutorium – Centro de traduções e intérpretes
Normalização bibliográfica – Eliane M. Medeiros e Silva - CRB 1a Região/1678, Rameque Beserra Antunes de
Figueiredo – CRB 1a Região/2653
Editoração eletrônica – Renovacio Criação
Gráfica – Posigraf
Ilustração de capa – Homem vitruviano, Leonardo da Vinci, 1490 – Gallerie dell’Accademia, Veneza, Itália

A Revista Bioética é distribuída gratuitamente aos conselhos federais de especialidades da área da saúde, conselhos
regionais de medicina, associações médicas, bibliotecas públicas, grupos de pesquisa cadastrados no CnPQ, cursos
de bioética e médicos interessados registrados em nosso banco de dados. Também está disponível eletronicamente
na página do CFM, na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), na SciELO e na Lilacs Express em inglês e espanhol.

Tiragem: 10.000 exemplares

Indexação
Base de Dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe de Informações em Saúde – Lilacs; Latindex; Periódica – Indice
de Revistas Latinoamericanas en Ciencias; DOAJ - Directory of Open Access Journal; Sumários de Revistas Brasileiras
(Sumários.org); readcube. SciELO - Scientific Electronic Library Online; EBSCOhost Online Research Databases; DRJI -
Directory of Research Journals Indexing; ReadCube. Filiada à Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec).

Conselho Federal de Medicina


SGAS 915, Lote 72 – Brasília/DF, Brasil – CEP 70390-150
Tel.: 55 (61) 3445 5900
Home-page: http://revistabioetica.cfm.org.br
bioetica@portalmedico.org.br
revistabioetica@gmail.com

Ficha catalográfica

Revista Bioética. Vol. 22, no 2 - 2014. Brasília/DF, Brasil, Conselho Federal de Medicina, 2014.

Quadrimestral

1.Bioética.I.Conselho Federal de Medicina

ISSN Online 1983-8034 CDU 614.25(05)


ISSN Impresso 1983-8042

Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 3.0 Unported


Editor: Gerson Zafalon Martins, Conselho Federal de Medicina, Curitiba/PR, Brasil.

Editora executiva: Dora Porto, Conselho Federal de Medicina, Universidade de Brasília (UnB) e Rede Latino-
Americana e do Caribe de Bioética da Unesco (Redbioética), Brasília/DF, Brasil.
Corpo Editorial

Os integrantes do Corpo Editorial da Revista Bioética granjeiam reconhecimento nacional e internacional, seja
por titulação acadêmica e por estudos e pesquisas realizados nesse campo, seja por contribuições à bioética a
partir de suas áreas profissionais específicas ou, mesmo, por destacada participação em comitês, conselhos e
comissões de ética e bioética em todo o país.
Ana Maria Tapajós Ministério da Saúde, Brasília/DF, Brasil.
Antônio Carlos Mendes Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC), São Paulo/SP, Brasil.
Antônio Macena de Figueiredo Hospital Universitário Antônio Pedro, Universidade Federal Fluminense (UFF),
Niterói/RJ, Brasil.
Armando Martinho Bardou Raggio Secretaria Municipal de Saúde de Sorocaba/SP, Brasil.
Arnaldo Pineschi de Azeredo Coutinho Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj);
Comissão de Bioética da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP); Departamento de Bioética da Sociedade de
Bioética do Rio de Janeiro (SBRio), Rio de Janeiro/RJ, Brasil.
Corina Bontempo Duca de Freitas Secretaria de Saúde do Distrito Federal/Fundação de Ensino e Pesquisa em
Ciências da Saúde, Brasília/DF, Brasil.
Délio José Kipper Comitês de Bioética do Hospital São Lucas e da Faculdade de Medicina da PUC/RS, Porto
Alegre/RS, Brasil.
Diaulas Costa Ribeiro Universidade Católica de Brasília (UCB), União Educacional do Planalto Central (Uniplac/
Faciplac) e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Brasília/DF, Brasil.
Dirceu Bartolomeu Greco Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte/MG, Brasil.
Fermin Roland Schramm Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Instituto Nacional de Câncer (Inca), Rio de Janeiro/
RJ, Brasil.
Gabriel Oselka Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo/SP, Brasil.
José Eduardo de Siqueira Universidade Estadual de Londrina (UEL), International Association of Bioethics,
Londrina/PR, Brasil.
José Roberto Goldim Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul (PUCRS), Hospital de Clínicas de Porto
Alegre, Porto Alegre/RS, Brasil.
Juan Carlos Tealdi Hospital de Clínicas da Universidade de Buenos Aires (UBA), Associação de Bioética e Direitos
Humanos (Bio&Sur) e Secretaria de Direitos Humanos da Argentina, Buenos Aires/CF, Argentina.
Krikor Boyaciyan Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Câmara Técnica de Saúde
da Mulher do Cremesp, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Academia de Medicina de São Paulo
(AMSP), São Paulo/SP, Brasil.
Leo Pessini Centro Universitário São Camilo – São Paulo e Espírito Santo, São Paulo/SP, Brasil.
León Olivé Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), Conhecimento e Comissão de Ética na
Pesquisa em Saúde, do Instituto Mexicano de Seguro Social, Cidade do México/DF, México.
Luís Roberto Cardoso de Oliveira Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB), Brasília/DF,
Brasil.
Luiz Roberto Londres Clínica São Vicente, Rio de Janeiro/RJ, Brasil.
Marcia Mocellin Raymundo Unidade de Assuntos Regulatórios de Pesquisa (Uarp) do Serviço de Bioética do
Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/
RS, Brasil.
Marcio Fabri dos Anjos Programa de pós-graduação stricto sensu em Bioética do Centro Universitário São
Camilo, São Paulo/SP, Brasil.
María Casado Universidade de Barcelona (UB), Observatório de Bioética e Direito e Cátedra Unesco de Bioética
(UB), Comité de Bioética de España, Comisión Nacional para el uso forense del ADN, Ibero Network International
Association of Bioethics, Comité de Bioética de Cataluña, Barcelona/CT, Espanha.
Mário César Scheffer Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (USP), São Paulo/SP, Brasil.
Mário Roberto Hirschheimer Departamentos de Bioética da Sociedade Brasileira de Pediatria e da Sociedade
de Pediatria de São Paulo, Câmara Técnica de Pediatria do Conselho Regional de Medicina do Estado de São
Paulo (Cremesp), São Paulo/SP, Brasil.
Marlene Braz Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Escola Nacional de Saúde Pública, Rio de Janeiro/RJ, Brasil.
Mauro Machado do Prado Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia/GO,
Brasil.
Mayana Zatz Universidade de São Paulo (USP), São Paulo/SP, Brasil.
Miguel Kfouri Neto Tribunal de Justiça do Paraná, Escola de Magistratura do Paraná e Faculdade Estadual de
Direito do Norte Pioneiro Jacarezinho, Curitiba/PR, Brasil.
Miguel Kottow Escuela de Salud Pública, Facultad de Medicina, Universidad de Chile. Rede Latino-Americana
e do Caribe de Bioética da Unesco (Redbioética), Santiago, Chile.
Nedy Maria Branco Cerqueira Neves Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública da Fundação Bahiana para
Desenvolvimento das Ciências (EBMSP-FBDC), Salvador/BA, Brasil.
Nelson Grisard Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), Conselho
Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina (Cremesc), Florianópolis/SC, Brasil.
Paulo Antônio de Carvalho Fortes Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e Rede
Latino-Americana e do Caribe de Bioética da Unesco (Redbioética), São Paulo/SP, Brasil.
Raquel E. Ferreira Dodge Procuradoria Regional da República, Brasília/DF, Brasil.
Reinaldo Ayer de Oliveira Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Medicina da USP e Conselho Regional
de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), São Paulo/SP, Brasil.
Roberto Luiz d’Avila Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Conselho Federal de Medicina,
Florianópolis/SC, Brasil.
Rosely Maria Zancopé Oliveira Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rio de Janeiro/RJ, Brasil.
Rui Nunes Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), Kennedy Institute of Ethics (EUA),
Hastings Center (EUA), Biopolitics International Organization (Greece), Academia Portuguesa de Medicina e
International Society on Priorities in Health Care (UK), Porto, Portugal.
Salvador Dario Bergel Facultad de Derecho de la Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina.
Simônides Bacelar Hospital Universitário da Universidade de Brasília (UnB), Centro de Pediatria Cirúrgica,
Brasília/DF, Brasil.
Sueli Gandolfi Dallari Universidade de São Paulo (USP), São Paulo/SP, Brasil.
Volnei Garrafa Cátedra Unesco e Programa de Pós-Graduação em Bioética da Universidade de Brasília (UnB),
Rede Latino-Americana e do Caribe de Bioética da Unesco (Redbioética), Comitê Internacional de Bioética da
Unesco, Brasília/DF, Brasil.
William Breitbart Memorial Sloan-Kettering Cancer Center e Universidade de Cornell, Nova Iorque/NY, Estados
Unidos da América.
Sumário
Editorial............................................................................................................................................................ 197

Artigos de atualização
El deber moral de los estados y ciudadanos de preservar la sustentabilidad ..................................................... 201
O dever moral dos estados e dos cidadãos para preservar a sustentabilidade
The moral duty of states and citizens to preserve the sustainability
Maria Luisa Pfeiffer
Bioética na América Latina: desafio ao poder hegemônico ............................................................................... 211
Bioética en Latinoamérica: desafío al poder hegemónico
Bioethics in Latin America: challenge to hegemonic power
Dora Porto
Uma genealogia imunitária: a bioética e a busca da autoconservação humana ................................................. 223
Una genealogía inmunitaria: la bioética y la búsqueda de la auto-conservación humana
An immunitary genealogy: bioethics and the pursuit of human self-preservation
Monique Pyrrho
El paciente como “texto” según Ricoeur: implicaciones en bioética .................................................................. 232
O paciente como texto segundo Ricoeur: implicações em bioética
The patient as “text” according Ricoeur: bioethic’s implication
Carlos Alberto Rosas Jiménez
Diretivas antecipadas de vontade: benefícios, obstáculos e limites ................................................................... 240
Directivas anticipadas de voluntad: beneficios, obstáculos y limitaciones
The advance directive: benefits, obstacles and limits
Maria Inês Nunes, Márcio Fabri dos Anjos
Castração química em casos de pedofilia: considerações bioéticas.................................................................... 251
La castración química en casos de pedofilia: consideraciones bioéticas
Chemical castration in case of pedophilia: bioethical considerations
Thais Meirelles de Sousa Maia, Eliane Maria Fleury Seidl
Quando a morte não tem mais poder: considerações sobre uma obra de Elisabeth Kübler-Ross ....................... 261
Cuando la muerte ya no tiene poder: consideraciones acerca de una obra de Elisabeth Kübler-Ross
When death has no power anymore: considerations on a work by Elisabeth Kübler-Ross
Carolinne Borges Alves, Pedro Lucas Dulci
Bioética de Intervenção e Pedagogia da Libertação: aproximações possíveis .................................................... 270
Bioética de Intervención y Pedagogia de la Liberación: aproximaciones posibles
Intervention Bioethics and Pedagogy of Liberation: possible approaches
Ivone L. Santos, Helena E. Shimizu, Volnei Garrafa
Limitação de esforço terapêutico na pessoa com lesão encefálica grave ........................................................... 281
La limitación del esfuerzo terapéutico en persona con lesión cerebral grave
Limitation of therapeutic effort in person with severe brain injury
Henrique de Alencar Gomes, Mônica Adelaide Almeida, Terezinha Valéria Ferreira Matoso, Maria Angélica
Assunção Viana, Maria Bernadete Cardoso Rezende, Maíza Ângela Ferreira Bento, Tatiane Santos Fonseca
Guimarães, Sabrina Vilane de Oliveira Alcântara, Ary Demétrio Júnior, Ana Paula Gomes Costa Silva, Cibele
Renata de Paula Moreira, Daniela Simplício Vieira Albergaria, Marília Káthya Coutinho, Marli Medeiros, Roseli
Melo Silva de Souza, Polianna Cristina Pires Dumont
Artigos de pesquisa
A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil ............................................................................. 290
La verdad de la violación en los servicios de aborto legal en Brasil
The truth of the rape at reference abortion services in Brazil
Debora Diniz, Vanessa Canabarro Dios, Miryam Mastrella, Alberto Pereira Madeiro
Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos ................................................ 298
Las cuestiones éticas relacionadas con las preferencias del paciente en los cuidados paliativos.
Ethical issues related to patient preferences in palliative care
Carolina Becker Bueno de Abreu, Paulo Antonio de Carvalho Fortes
Construção e validação do instrumento “Inventário de problemas éticos na atenção primária em saúde” ........ 308
La construcción y validación del “Inventario de Problemas Éticos en la Atención Primaria de la Salud”
Construction and validation of the instrument “Inventory of Ethical Problems in Primary Health Care”
José Roque Junges, Elma Lourdes Campos Pavone Zoboli, Marcos Paschoal Patussi, Rafaela Schaefer, Carlise
Rigon Della Nora
Declaração de óbito: preenchimento pelo corpo clínico de um hospital universitário ....................................... 317
Certificado de defunción: cumplimentación por el Cuerpo Médico en un hospital universitario
Death certificate: filling by the Medical Staff of a university hospital
Luan Lucena, Gustavo Henrique, Bocalon Cagliari, Julio Tanaka, Elcio Luiz Bonamigo
Compreensão e legibilidade do termo de consentimento livre e esclarecido em pesquisas clínicas ................... 325
La comprensión y la legibilidad del Consentimiento Libre, Previo e Informado en investigaciones clínicas
Comprehension and readability of the informed consent form in clinical research
Eurípedes Rodrigues Filho, Mauro Machado do Prado, Cejane Oliveira Martins Prudente
Reflexões sobre questões morais na relação de indígenas com os serviços de saúde......................................... 338
Reflexiones sobre cuestiones morales en la relación de indígenas con los servicios de salud
Reflection on moral issues in the relation between indigenous people and health services
Ana Lucia de Moura Pontes, Luiza Garnelo, Sergio Rego
Problemas bioéticos na Estratégia Saúde da Família: reflexões necessárias ....................................................... 347
Problemas bioéticos en la Estrategia Salud de la Familia: reflexiones necesarias
Bioethical Issues in the Family Health Strategy: relevant reflections
Selma Vaz Vidal, Luís Cláudio de Souza Motta, Andréia Patrícia Gomes, Rodrigo Siqueira-Batista
Distanásia e ortotanásia: práticas médicas sob a visão de um hospital particular .............................................. 358
Distanasia y ortotanasia: prácticas médicas bajo la visión de un hospital privado
Futility and orthotanasia: medical practices from the perspective of a private hospital
José Antônio Cordero da Silva, Luis Eduardo Almeida de Souza, Luísa Carvalho Silva, Renan Kleber Costa Teixeira
Reflexões bioéticas sobre a eutanásia a partir de caso paradigmático ............................................................... 367
Reflexiones bioéticas acerca de la eutanásia a partir de un caso paradigmático
Bioethical reflections on euthanasia: analysis of a paradigmatic case
Daniel Abreu Santos, Eduardo Robatto Plessim de Almeida , Felipe Freire da Silva, Layo Henrique Carvalho
Andrade, Leandro Anton de Azevêdo, Nedy Maria Branco Cerqueira Neves
Avaliação do conhecimento dos anestesiologistas sobre cuidados paliativos .................................................... 373
La evaluación del conocimiento de los anestesiólogos acerca de los cuidados paliativos
Evaluation of knowledge among anesthesiologists about palliative care
Maria de Fátima Oliveira dos Santos, Natália Oliva Teles, Harison José de Oliveira, Nicole de Castro Gomes, Joana
Cariri Valkasser Tavares, Edilza Câmara Nóbrega
Espiritualidade e qualidade de vida em pacientes diabéticos ............................................................................ 380
Espiritualidad y calidad de vida en pacientes con diabetes
Spirituality and quality of life in diabetic patients
Camila de Moura Leite Luengo, Adriana Rodrigues dos Anjos Mendonça
Editorial
d oi p od o p di i o o i o i -
d d do p di 1 r o i i pop r o
p r odo pr d . o r i o oi di r : d d 2013 o p oi rrido
por o d d pro o i r o o ho d r or
o r o i d d r i ir .
d dorr p o ri d po r o i id d do do d -
d o r i o o p r do ro do dir i o h o d i
o o d d o pop o gri o r r o r o o
d o do o p d io por . i
or r g d r pop r o r d d
d do p ri o i gi rio o o d o p i o o d i g
d r ir pri iro g r o i r p r r.
o o r i iro o p h o o pro o d gr do
r org i do o por i r dio d r d o i i d p r rr gi-
rod o o io o or o po
o d ido g o d oi p i . o o di or i o o o o -
o por rop ord do d o ho i o r d -
r o o pr o p o o r o do go r o p r i i -
p d r po d r r d d d pop o.
i o prop i o d r o pod r d i o ig r do i
o o i do do o di r o or prod o d d o po o o i i
o p ho d r dir o i r do pi orpor o i r-
io i r i o oop ri -
r d poi i d i orr p o do do r po org i d do
status quo p o - d r gi . id d i o oi r i i di do
o o o od p g or r r do do o pr d
r ido i i i d r i i di . r propo ir o o o
r r o i o or d o o o pro io i
d orr d po i gi o od d r po i id d .
o rd d r rd d dido o go r o
op o por di r o di r i i di do i .
p r odo o r i iro r p r i o pr o ig i do d x-
pr o o chega de corrupção o saúde e educação p r o gido p o
pod r i xig i r i i d ir i hi r g i o . por i o
r po h ido o p o do r d d do por
o ii r p r x r r d o o o or o
o do id p i op .
r odo o o g d i o o
x o o po o p r i di po o o ir o d r o rgi
o o i r pir do id d o propo do go r . o-
r o i g pod d ix r d o r oi o pod r d o di o i i
po i i id d d gr g r p o di dir id i id i . r r r i o
d r d p r i p pri ir o o x o o i r i iro i po
p o od o o i d oh o do d a priori
p o i r d o r . po i i id d d o r po i i i o i i-
r h r d ip o do gr po i do o o ig do
o pod r h g i o o h opo i o.

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222000 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 197-200


197
Editorial

r o d p o por io d r d o i i xpr d or p -
g id d r io do r h o. o r o o o od
p r i o p r r d p r ro o i p r h do i o
o id d d p ooh r p or o h i o do o ro. i g xo
i po do r d i di od od p o d r i
r o h id i di id id d do o r rio d ri i r o r
d ig i r i r r . r d d po o o o o pri ip
od r o o i i io do o .
o x o ir o r o o o i di p r o o
o io r o o pod r pod r r r pr pi io o.
or r rri rio r i o o do po o-id o gi o do r o
o do o pod r d o r r d o i o r
p r i ip o 2-5 o o i o o g o po i
dor do id i d r do o di o d rid d d d i
o por o rri i o o.
o id d r gi o d i or po r di i id d r -
i ri d g ro d o ri p r o rgi od xo
r d ori p ri irr p o d o o io d i d do por-
o p rigo o o o i r i do o p o oo orri
r di io o tête-à-tête or - r pid or p i o
pod pro o r o or d i o . p o o
p r x r r i dig o ir o pod r o d d d
o xpri ir pr o i o o o id r di ri i o o r
por rr o d o do p dr d o or id d .
pod r d o i o i di r d o p o i o o
o rpr r d r ido h p r r o r
p o d r op 2014. o d igo r r -
r ix d i ri d o o o i p i d do
r i o do ogo o or dor i p r d o o o
r d o i i do o rio po do o o h rg pro o
d i r oi o i di o. o i r o online r
xp dor io d o i o .
xpr i o x o r rio r or id i d p r o r -
i iro op r pr o i do o p o oi d r
d o p r o di or o o ri o o i i id d d id
o i . r h d ro hor do do p x . r
d r o r ir o d p o od -
d propo o p o d go r o o ri o pro do p o
go r d do p pop o.
r i o r od o o pr d r i o d xp
d o op r d id d i do p o o oi r r pid .
or or did op rior do o r d
id d or g d o or p ri o d por d ir o po -
h d rro did d d i io do o proxi . -
di di pri ip p r od o i di id o o
d r o pro o i r p r d o gr r- or id io por
i o: Tinha que ter reclamado antes. Agora não é mais hora de recla-
mar . o o r o o hi o pod ri di r di d po i i id d
d i ri um raio vívido de amor e de esperança à terra desce 8.
p r do por id rio o p do o i o i .
o o pr di o op d op p r o o p rio-
. r o h x p r p r i o p rod ro

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 197-200 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222000


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Editorial

h o o do id po o i . od o r o
pro o r id o r i o o odo .
do o d od r o o od o povo merece essa alegria
pop o p r i r r r o o di o di d i o o
di d ogo.
o id i i p d r d o ho p d ir xpo
i d ri d p o r o i or d o r
od od r org ho do p o o d orr d go
o pro i o o o ogo d o or do d o o pod r r
i id d i g x od dir o ido o
p po: og dor r i ro ip i g or d d d
org i o por . r iori d pop o o di g i p r d
d ii o d o p o o pro d r por d
d oo g r o ri x o o i d p d
d or do r i ri o d rro .
r h h d o o r x r r
opi i o di r do g ho g r r ro do d estraga prazeres . ido
o o h o o di i d p ri d h ir r
i o por o d rir i o di io o o og r . ior do i o rri -
or r- od xpi rio po do o o i dor d pro
i or io o r pod ri d orr r d h g id d .
i d i or i r r d i ro o
pro r i iro i o do d rir ori o d ix d r
r gi . d o op go r o r igi o r o o pod r
d ir pop o or o d id i d p ri d o o oo o o
p o o di i . i io p r d r d r p r d do r i
po do d x d gri or o r i d r p r d r
g i d d o o o. g pro io i d d h g r
o r p i o ri d ri d i o di
r pri do d dr i d dor d p r d p o ogo .
d rro do r i d o ro o i r ig do
o o o o pro o o od od r i o o i .
r r rio ro o r r i rro -
p orr d o i o ig p o pro o o o i o. or-
do id i d o o o i orpor g do p o i od
r o p do o p o i r p i d ir io
r p dio p ri ri r do o d rro d o r do
d di o r dor o orpo i di po i o g r ri
i o ro id o. i i i i r o r i p r o
o p r o o o o o gr g p o o o o d p ri do
o oo i o g do i di d r i o d op p r o o p .
d o p o i i do o ho d d rro i p r d -
o r i o ig r r d irir rid d p r d r ir o
o p dio d r o gor o r od i r ri
oo r o or d o o i d d : orr p o o d o o oi p -
i d ig d d d dir i o opor id d . r o o o i
o i d o xigir o do go r o r pro o d
do o do pro o r d o d do r i iro .
r i o r o or g o r o do h r
hi ri ir od r r o ir o o d -
r o o org ho o pro d gr d . r o o i ho
do r o or p ri p r o or r hori o d p ho

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222000 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 197-200


199
Editorial

do d r i iro i do rogr r io d i o
d o por x p o o or o r p r poi r o d pr
9
r o o o o ro p . r o g i do ri h do o -
o o ho do g r r o o i o id d i do
pro g r o o i r id r o do io o i o o
pr o i r o i r io i d dir i o h o.
oi iod r pro o di od d r -
prod i o xo do o prod ido por o od d d r i ir
o pro d o or i ri i i o i d d r i ir d io -
. o i o o i d did p r pro o r d id d -
i o op or do o i i od d . o id r o
i por poi r di g o do do o o por or op o o
d r ig ri o r g o po d i i o r or
o pro i o o g o d oi p i .
r r i r o go di ori r o gr d r ir ori do
g o 2009-2014 d r odo o d o poio i o di io
a Revista Bioética io r i ir . d o or r d i i o o
o d io o orrido p r odo o gr o io i o ro
o- r i iro ir ori d d d d p i od r i i -
i i i por d g r d i d p d i di ori . or o
o d i i r i d or o h i o do di or r di do
d odo d ii p io o r i.
r di do ro d Revista Bioética o orr r p r r
r x od o o i or d o odo o i r .

Os editores

Referências

1. o . g do d op d p io di i po o. o h d . o. od r 11.
op o o . o i go d ho d 2014.
2. i d ro . gi do o o. rd d r o r por o pr o . io d iro:
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3. po . o i do oo . ri iro o/ pi i o. p. 11. . 2014.
4. oo . pi i o: r o pod r d r d o i hor do ig or - o. r 14 .
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. o rg i igi . op 2014 r gi r r go d 32 r d d do i o d d
hi ri . o rg i igi 24 . 2014. i po : http:// o rg i digi . o . o . r/ gi/
gi . x / / r .h i oid 3 058 id 8 . 4 d 0 o 10 . 2014 .
8. i r d . i o io r i iro. r id i d p i / i i/ h p r
o r di o . i po : http:// .p o.go . r/ i i 03/ o i o/hi o.h o
10 . 2014 .
9. o i . r o . 2013 . 50.000 o - or o x d o i r id d
o i r o i d d . i po : http:// o i .p . . o / 50000- o - -
or o - - x -d - o- 3 0- i r id d - o - i - r 3 3 5 - -
o i d d o 11 . 2014 .

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 197-200 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222000


200
El deber moral de los estados y ciudadanos de
preservar la sustentabilidad
María Luisa Pfeiffer

Resumen

Artigos de atualização
o id r do or r d r rd o d r d io o r o
i rdi ip i ri p r r d r r i . r o i g o pro
i o o p io r h o. d h r o o i i
po i i r xi orig o r p po d dr o r odo
o p od i id d.
Palabras-clave: . o . i . rro o o i . o o .

Resumo
O dever moral dos estados e dos cidadãos para preservar a sustentabilidade
o id r do or rod r rd oi r d i o o o pr r ho
h i rdi ip i r p r rod r r i . r o i g pro
o io i o o p o r h o. d o r r h d o o i d
i i d po i d r x o h orig r po po d r o-
r do o o i o d i id d .
Palavras-chave: . o . io i . o i o . o o i .

Abstract
The moral duty of states and citizens to preserve the sustainability
i g i o o id r o h or g h h r o hi g hi i hi o oph
hi or oo or i rdi ip i r o ih h iro - . o do hi i o
pro hi h h iro r dh p . h r d h o o
i d po i ho gh h r o h hi origi d po i r po i i
ddr h o p o i ii .
Key words: hi . o i . iro . i d op o o .

Doctora ri 3 29 ho i. o – o o io d g io i i / i r id d d o
ir o ir rg .

Correspondência
. i d i . 4 2do 1.40 i d dd o ir 1.40 rg .

r oh r o i od i r .

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222001 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 201-10


201
El deber moral de los estados y ciudadanos de preservar la sustentabilidad

od r o d i r p r d o Los responsables
llamamos producción es de hecho extracción?
C.Sauer
d do d o o i o
Dos mil años les llevó al Pueblo Elegido...
retornar a la Tierra prometida. do h i o h pro i r do d d
Le ha tomado sólo 52 años convertir la tierra d xp r o o o o -
de leche y miel en un país de ríos con espuma,
de aguas carcinogénicas y de peces moribundos o h r d o i r o logos d
Artigos de atualização

S. Kiley h i o o d ir dr
p r o og 1. rrir xp r o
oo d d or g do i- ig i r r o io i i i r-
io p r : d ri ir o h d ir go pri r r p o pro rg
o p r o rd o o r or r d pi i d o og io o og
d r r. o i pr o id r o o do d or o p r d r o
o h o d ro r d dor i d ir d pro ir d o pro i o
o o ro i o debe ser d r . r po i id d d odo o h i o
h o i odo po do do d d o xp r o .
o h o do i ir i i o o - - o r o 2000 nuestra
r do o o ig o o o intención no es que se detenga la investigación,
h o p d r p i d. por o sino que ella deje de hacerse entre cuatro paredes,
r o d rro r : de espaldas a la sociedad, y sólo en función de los
1. g o o i r i o intereses de las grandes corporaciones. Los científi-
i di do por do cos deberíamos pasar entre seis y doce meses con
o rod o od pro organizaciones sociales seleccionadas por nosotros,
2. g r xio o r d r r d ir antes de acometer cualquier proyecto de investiga-
o r p o-po d d ción. Eso nos ayudaría a incluir las necesidades de la
r o r o o i o. sociedad en nuestros objetivos científicos. Los cien-
tíficos deberíamos mantener una intensa discusión
ro r r i r odo ro o p i- sobre cómo podemos ser útiles a la sociedad, antes
i o o o r g r o o - que estar tan ocupados especulando acerca de las
i r pi o odo d potencialidades comerciales del resultado de nues-
p r r ii r o i i p ro o o ig tro trabajo 1.
i r o d . i pro r r i r
op . op d r r p d o xp r o o og r -
dr i io r p o-po r o r di ori do
o r . o d dr po o di io- r d d idir i r i r -
r i pri d ho r o r r o h o. o o pr g r-
r o i r o o por i pi r o i p o p r o id r r h r o
o ro po d d rro o i o por d o i- do por od o og : h i
d ro di i i do o d i d d d o i d i
go o d i io po h p rdido odo i i ri go p r -
id d o id d o i - por i d io prod id por
o r d ri r . id do d rr 2 3 o i o d do
o d id d ho r o go gr g - i r id d o hi o r o por h r -
do o i . do r p io do o o o i ro r i o h r i id
o p r ho r i p rr o o g i o o 4- p g i id org o or do 8.
p io di p i d rro- o o rgi do g r do por o i -
r i o orig o rr d d org i d o r i r - pi i
h i d ho r d ir o di i d id i p d o pr d r or o ig i
d . ho r o i o o por o o r o ig do o r i ir o o od -
p d pr i dir i d o ro ho r id do ro i o i o d pr . i i i ro
d or p r o . o i r d p d dir pro r d o ro o -
r o d ho r d di r or pr i i por dio d o o i i o xp r o
i . o i o i o o o i d d o

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 201-10 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222001


202
El deber moral de los estados y ciudadanos de preservar la sustentabilidad

o p ro o d gr i p r- gi i p i o id r o or o pri ipio
d p r d do d ho o 9
. o op r d o id d d o
i d o o xr o o d id rd i r o r o
podr or r d o pro - o d pod r o i d d
r p po i . d d i o i r d d
o o o i d d o i d d i pri ipio d i o o id rio i o i di id

Artigos de atualização
pod o di r i r r ro r ig or o ri r po i id d
pro o d por odi i d ho r por r p o id d d g .
od r d r d o i o i- ro pr i o r ord r d o r i
o xp ri o i o por p o o por po o o d o pod ro o
pr x g p i i ri o o go i r o i o o r odo d
r or io io o gi o i d d o . o go i r o r i d d
d r i d iodi r id d o - io r o i r d orpor io -
i or o o rgo p o ig or o i i i r- pr o id d d g d -
p ro i i o ir do o o rr ro r o xi io po o d o i d d o ogr r
r d dor. i i p d d r g o o rdo r gi o i d d o o
d i io o r pr orri d p 10
. ro o ig i d o i d d o
r o id r do d pro d o rdo r do o g rd
o p o i i o i i podr o io r d o ri o i r p r r i o
g o pro ho d o o h o d r ho o . pod r di i ido
r do i p ro o d o d o do io pod r d i d d
o i i . d rp do ho g o o o po i i i-
d r o pro gir o io- d dd o i d d go . r p d r
o o r h o do o o o x- dio p r ogr r o. ro irr i
p r o i pi pri r g r r po i id d h ro o i do g o pri ipio o o d
i di id o o xi i d d dig id d h d ir d r p o
p ri i pro i h i ro por ig d odo i r d o h o
g do g r r po d d r o o i i od r o o por dor
o id rid d poniendo al bien común por encima d d r ho .
de los intereses particulares y partidarios o r do po o i o r
o i i d i p r odo po - odo o or d po i h r
ri i p r d o. o pr i- ido p r ip i h r p do
o o pid d io por o r odo ig d d io o
o o o io i i o i rp ro : i ido io p r io r o p -
o o o i d d o o o i i d ro o o o p r odo o p r d
d r ho r o ig i rio dio d di - o. Si priman la dignidad humana y la igualdad, si
r i d r o ig i d p r ip r se reconoce el valor de la naturaleza como tal, se
di i i d d ii r o estará defendiendo la verdad por sobre el poder, y
ro pr ro ro. la solidaridad por encima del lucro. o p
d i io po d o r o r pri i- p r r r i io d pod r r po i id d
pio o p ro ri i i d r d o i i d do i r p r p r
gr d id d o x o o di io - o do d o di io i o pr -
i di i rgo o o d i p dir io go o i o ir i go -
i o por o r i ri r p r ig or r id d d o p o
i di id . rr . oi id i d o i i o
r i i pro x r po i id d do d h o ig i d
r i
di r i d o i i rd d i o p p i o o o
rig
i i di id d i d pri do. o o xp r o o p o o i di i-
d o r o i d o p ro o r odo o do i d
d p d d o o xo. di r i i o r po i i r por r do do d
i pi rh o ido r r - odo pod o pro r o h i ro.

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222001 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 201-10


203
El deber moral de los estados y ciudadanos de preservar la sustentabilidad

La economía rg i o o pr d -
o o i o r odo i r
odo p o o ro hi ri o
Quien crea que el crecimiento exponencial p i pid o pr d r ro-
puede durar eternamente en un mundo finito, o go d i o r r
es un loco o es un economista. op d r io r p r r r r i i .
Artigos de atualização

Kenneth Bouldign ri go o p por o d or d o io


o or i o od r o o
o d d r o pro ho r i ido ri go odo r o
d i i rio o gi o d ir pro p r di do p rd r o : no habrá ganadores en
r d rr p p r este proceso “depredador”. 22 d ri d 2013
hog r oikos o r i o odo o po- i oo r rio g r d rg i i
o. o o o ri i o d io id d ir : Tenemos que
odo p por o ig i pr g i afrontar la dura realidad de que nuestro planeta
r po i id d po o i d r está en peligro…estamos socavando nuestro único
o p r d por odo por ig . 19 8 r hogar y nuestra supervivencia 14.
rd pr io d o o d 19 4 di o: No me
o od d o o o o
cabe duda que en cinco o diez años habrá un mo-
h i i 15 d ir o o g r pri i gi do d
vimiento popular en los países ricos que presionará
r r i d id h p d r i do
sobre el Congreso y la Administración estatal para
o o o o do od
que haga muchas cosas para solucionar los proble-
h id d o po r o r pri ro.
mas del medio ambiente. Pero no sucederá lo mismo
or rd xpr i o d o-
en la mayoría, tal vez en ninguno, de los países sub-
i o o i o di i h
desarrollados 11.
op d r p r do por gr i di i 1 .
r o d p hi ori o d - o gr i i d o-
i o o d rd i i o - og d d o p d or o o -
pi i o p i d ri i do ig or o ig or r po i id d o-po o
pro i g r p r r i g r o o i pop r i o
o o do r ig i - r o g pri i gi do p r o io r o o i -
do p r o r ro d ri pri o o d po o ri :
rg . o o p o i d ri i do
p rdi do r i pri ri d p r o Todo conflicto respecto a cuestiones ambientales...
o rr i rio rg o - no posee un espacio especializado donde dirimirse,
id r d por ropo og d i o o los únicos que se conocen son los espacios de solu-
i i d pri i i o. r i ción de controversias que prevén las legislaciones
d d ir d pri i i o d - comerciales, como el de la Organización Mundial del
rro o o i i d ri i i p r ip - Comercio (OMC) 1 .
i r do g o . or i r di io
d r r i d h o o i id d r p d
i o ir do d d - ro d ro r d
i d po ro o o ri . po o i odo r
r o p od o i- r do. o 19 2 do or o
d rro do o id r i r o pro gr po d o or dor i or o i d
o o io i op d r o r go- r i i o r 100 o p
i do o o p d rro o por ii r r o p o d do en un planeta limitado,
d . o p d rro o por p r r po - las dinámicas de crecimiento exponencial (población
2
ii o d rro do por rg i - y producto per cápita) no son sostenibles 18. p i-
i p ro i o po o p d i rd - i p o d ii o io o r po i
r r or i d id g o - o i i d d d r i i o o i-
d r o i . r o o o o. r i o rd 2002 r p ro
d ii d o prod i d ri pri or ro od o d i g i o
2
grog d r di o d io o og dio 19.
o p d rro do i por d gr d i d po i o i o p o era r i-
o o r di d d rro o 12 13. i o ro o do io rio d i do

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204
El deber moral de los estados y ciudadanos de preservar la sustentabilidad

r i i o xpo i d o o po- od o o gi o pr ri d o o
i d odo o r ro r d ir od o o i o r o i d d
d o r do por r i i o o- i id d r d i o r o podr
i o d or p d p rd r r r o d rro o o r
po. 2002 o i i r o o or i o o o
22
que la Tierra sólo puede mantener a mil millones de o i : La sociedad capitalista es un sistema de

Artigos de atualização
personas con el nivel de vida del País Vasco o ig- dominio que ha degradado la subsistencia a lo mí-
i o h i p p r nimo y ha creado la imposibilidad estructural para
r o .500 i o d p ro i i . una reproducción social y ecológica sustentable 23.
o i propo ig propo i do ord o d d d o 90 rg
r d d r i i o r ig do do i r go d o r do pro-
i do di d d rro o. or o i d o o o od ri un aumento
d r i i o o o i o id 20. de la pobreza y la inequidad; creció la deuda externa
odo o o do y la degradación ambiental y empeoró la vida tanto
p o o i o r o d rro o en las ciudades como en el campo 24. r 19 0
o o o d rod o r o r o 1980 po r di i d 51 33 5 p ro
: pi rg i rr r o- ir o i r r o 90 2002 r -
ri do i io r do. id r i gi r r gi 221 i o d po r 98
o ho r op o r . or i o d i dig i dd o r i o
24
o o r d r r d rro o o i o o . op d r do i o
o o o o or o p od r i o pi i : ha dado como resultado gran-
o o p r d i o id r do des catástrofes naturales y la explotación desafora-
o og ig or odo o r o da de los recursos, quitándole a muchas sociedades
o p i d do o o oikos o o del mundo su capital natural... y poniéndolas en gra-
hog r o o o rr o or o o ve desventaja, ya que ese capital se desvaneció para
r p ro d o d d pr d - siempre y no puede comprarse en los mercados 25.
dor or . ord o o gi pri ipio o p rdi-
o o ig i id do ord i o d do d rro do o o rrido o
d i i r i d d hog r. o o o p d or g i-
pr did i gr i r gio d - o i or d Programa de las Naciones Unidas
rro o d o r io r d rdo i r io- para el Medio Ambiente o o ig r -
i r io d i r io - p r o ri go o
o i d ri do d or pr - h d d r o o p i
i o r o oi p o r gio ir i . o o or o
or xp o i d o r r o r por pod r oo r po o p d h r-
o ig i r or o i oo o. do r o por o ogi r d
d i p r p g - o p o ri o o ro o p r
id d d o o rg o g r i d o di i d xp o do por o od o i -
d ho . i r io r do g o d do p d rro do rio r ro
o o i o ig or i do o o ri go o r odo por ro
or ido po r i do o po- h g do i i o og g r -
r ido . di ri i d i gr o per cápita r i o gr i od ri go.
o p h or do d ig ho po o d pr -
d d . 19 0 per cápita pro dio o d i ri p rd p
20 p ri o d do p r 15 d r io i r io ig r h
d 20 io po r . o r - i xor 2
. r ro ri p ro d -
h h i r do h 30 p o pr d i o i i . o r og dor
pro dio o p ri o h r ido r pido r o p rdi do 30.000 p i
o po r . i gr o per cápita d o 20 p d p i o d p r r -
po r h ido ii r do d d i d o oi d or o i
19 0 i o h di i ido rio d o 21. x i d p i o r 2
. odo o
or o o pro o d r gio i i g o- o o o i o xp r o r p r i o
i i o ri o r i d rg o i i od r-

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205
El deber moral de los estados y ciudadanos de preservar la sustentabilidad

id d d o o r o r o pro sin comprometer la capacidad de las futuras genera-


i . ro r r o p o ciones para enfrentarse a sus propias necesidades 28 .
d h o p o o i id d pro o d o-
r o i p o o o ro . r or d d xi po i i i-
or p r o pro i - d d i o i d o r o. po-
o d pro pro do o o d o h rd d r r ro d
Artigos de atualização

d do i io i ro d ig d d po r r p r op d g r o o di r o
d d rro o i o. o ig i o - do d io o d r ho d r r g -
i d o pro o o d o d d r i . o r odo r ro i po i
d i i p r r i i od i r i do i p rio d i pi i .
p o i pi o h r pri ro
o r o ido di r o o r d -
po r p r o o ro or .
d dio i i i od
ro opi i d rro d o ro x-
pi i o o o i o i o i o po i
o do d r o pro o po r
r d dor d o p o d i id d o
i o ri . o o o id r o ri -
do o o o por proxi i
o i o o d pi rro id d x o
or d o o g r o o
d i o o irr ri o o o or d
o pro d od o i d d ig i do. o po d i id d
rr o o i . i o o o p r o i do -
o pro o gi o d i .
pi d d r p r o prop d ogr r d rro o o i
p d ri por po o p r d p d por odo o or d o o i i o
o i o p r d i - po i di i po o o
i po o- o i -o i od r - p ig i o o
. or o r p r h o d r o p r po r pr .
o r r p d p r o po r i por
ir i i por io por o o o p o h p o
o ig r o o d o pro r r o o o i
i rio . o pro i d rro o o -
i : o i r d rro o r i i o o i o
pro i d o p id d o r do .
La sustentabilidad d rro o pr i pr o o po i o
p r o p d rro do i r
r p i p r r o o o. g o i o o o o i o
p o o p d rro do o o r : x r id d o po
d rro o r p r di i p r h r r i o o o i o o i
p . r p i g o i o o o io- i : Ante el desafío de los costos
rri o p o o ig i o p sociales no incluidos en el precio, las externalida-
po r o o d o ri o . o des... se inventan refinanciaciones matemáticas que
ri o o r : do ido no logran “internalizarlas” (sobre las cuales poco se
i i o ido r i i hi sabe, por ejemplo el desmantelamiento de centrales
do d i o ro d pod r o op i o nucleares y sus residuos que duran miles de años) 29.
o ro d i ig i o ro r i - i r i o o i o r p
o pod r r do. r p o: p r o o d d o o i i od o
i id d go o o . pro i : do r
r i o
sustentabilidad do por p or d gr d i i h p o
pri r por
o ii di d dio - id d dio i o-
i d rro o o id por io r r 30. di r o d rro i p d gr d i
id 1984 p r di r r gi r - o id r rio p ro i
r d rioro i . o io d o d i or. d pod o di r
dio d o ii r ogi ro - i o o d d rro o ood
do Informe Brundtland ro ro o r i d d i r d po
1988 do d r i o d ido o o el r p r i d i por o o o o id r
desarrollo que asegura las necesidades del presente or i di p r o rgo r i o.

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 201-10 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222001


206
El deber moral de los estados y ciudadanos de preservar la sustentabilidad

o or i or por d rro o g p r p
i o i higi p r d g po- or . o i gi o o r o o o -
r d i d p r d xido ri o i r d rro o do d xi .
d xido d i r g o d o xido d r o o id h o or p io ig i-
d o i or o h pro do r o h i i o o or-
id p r di xido d r o o go i - do ir r pir o o oh r

Artigos de atualização
od o p rdid d o o ro pro o i d r do id d i r
d oi : La curva de la U invertida o o di io i o o i od -
nos habla de la reducción o recuperación de factores g por o d r o o r r id d
ambientales en sí mismos sin considerar las conse- d rr g ir or p r d r -
cuencias sistémicas. En efecto ignora cuestionen que r i i i ig or r o o
tienen que ver con lo que sucede a nivel planetario, p i d rh o po r ido i hori-
como por ejemplo, cuando la reducción de un agente o i . o gri go h o do ho -
contaminante provoca el aumento de otro, o cuando r o o odo r o p o d ir rr
la reducción de la contaminación en un país provoca g . po i o i ir dig do d
el aumento de la misma en los países vecinos 31. g ir rr o i r -
po d o od i o r xi- o ho igo o o i
g i d i prop o i i r o o ro
i r pr d pr o - i rr p o po i r
gi d prod i o o od r i r o i o id ri o
p id d d i i i d i rr d o o i - o rr i ig or d d o o. i -
do o p id d d r io . o o po g pro oh o i rr g
io o d o io pod o i r o i- ir . r o h r d gr d i i i
r o i do d r p r o p d rro do o d rro o
r r i p ro o h hi pi oi o i oi o.
id d d r o o 32.
o i r prop d rro o i o
o o i po i o o h oh Consideraciones finales
did p : o o por o ig i o
o ig or d di dd r o o - i r ig p do o pro
r i o h ho d p id d o i- p o o o p r d
i d o po i o h podido i r pro d xp r o . i r
r . d do do pod o d - o o d d xig i r
ir o o o i io o i - d rro o p d o og io o-
o i i pi r o p d r o og odo di r o r d r d i .
i d o od o p d or i i or d d d do d
i i o gi d do r ho p or ri go i o o og i o odi i
r rir 10 r r o 33. o o i i h i i o d o pri -
r i ho org - o g prop ro p o d r d r d o id r r o o-
d o o o gi 34 r d r - g o o d o i xor o r di i d
id o o i p r o pro o o i o di i id i o o o
o d r ord r o d o: r r r ri . o do or d oh r i
1950 200 o od g h rip i do d r r p r do p i do odo -
d o i h i p i do o d r r o pro . i o o
d r r i 550 i io d di xido xig d rro o o i o d i io po -
d r o o h do 400 - h g p o id r do i rr i
di 1 o r io di g d r o i o : i o i o -
1.5 8 g o di p i id d r i i i id d pro i d o o i ig -
9 5 ro d ri i ro d d d o i .
ro r 2.8 0 ro d o- do h o d d rro o o i o
i p d 53 i o 1950 5 5 i o o o do o o i i o d d rro o
2002 o od p p 423 p r io i o or i i o o i pi -
o r 19 1 2002 33. or o p r io di r i o o i o : o

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222001 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 201-10


207
El deber moral de los estados y ciudadanos de preservar la sustentabilidad

r i i o i r o op i . pri r o i o r o o ro i r . o po-
do o o o go r o r r o d - d o p r i g r i o po i
r i o p r i r o p r o o o ir d i o o ro r o d o
oh d d ho r ho r o - o r do r 3 . o ho r o o o-
i i o d bios: i i d di r id rio d r r o d r
r . r r d i id d po - ro p . o o o op r r -
Artigos de atualização

d o r i r o o i i od or d o o. i g o i i o do
o ro h o o o. r oh r r o - i i o o i do d o i do -
r pr di p r - r i r odo o i i o o id rio
p por i . d por o rg o i i o o .
po id o og
d p r i - r i io i r d orpor id d o o h i i
ro pr g o g r d i r d p io o o p r i h o r o-
i o r r ido gi o por o r r p r d do r 38.
r do d r d gr d p r d p o o id rid d o pri r r p
or r di io o o p d d i o p r i r i ir d o o pr i o
pr g ig i or do o o pi do o o d r h
do i io o od r i od h - d o r ir o d d r ir o o
o. r o o o o id d i r d o ro o p r i r r o o r id -
d r ho progr o i i io ri o ro r d dor p r i r -
ri o i id d. o id rid d xig o pro i o
or i o d por d ir pro o pro r o r g r-
pod r ir ri pr idido por o o o o o ro o do o o ro .
p i r p ro d . o o o i op d i po r o o
p io i i oo i o h ro o or i d ri rio d -
h r r i go r i d i o i o ido o o o por-
. i o po d i r pi o or i o. i d op d dir
gr d p r o o o id rid d. do pr g- do i i r i
o i r xig o i d i r d d i r or
r do i r g propo g d i io io po r po d
p ro gir i r r i do - i . ro r o pr -
o o o o id r do i rior di - i o gi od i r i
i r do r op io i . o r id h d r r i-
i rgo o rio o o xig i d . d r
i o o i r ri r d g - o d od i po i d o
i i . h do o i d i r
op d r r d o r- i . i i r i io d op d r
i io d i p ro or d o o p r do d d po r pri ro o
o i r i ro odo p r d i d pr g o i rio
o o i p ro r i r ig o r r o p r i r r o g r o o
o o o d d r ho p ro o o i - or r io h o i-
d d d o di io d o i- ri o o o or d id h d
o i hi ri . r r- id d d d i grid d d i r d. o p -
i io d por o ig i o d - r i po o r xi o o i-
ii o i o d d i o d g r p r id ho r r d ir
i pi r i d r po i id d o i . r .
r po i id d d r d pod r 35 r pi d r o io g -
o i o p g r r io r do por o d ho r r
d do d ri i po o pr o o ri go i o o o
d ir i p i o id ri o pro d o p igro p r ro ro d r
o ro h oo oh o. La responsabilidad im- pri r g r r r o i i o
plica la solidaridad 3 . pro o r p o pro d r rir
d d o h o r i d o r p pri ipio d pr i 39 40. o i-
d o o ro i o x d p io - d r io i prop o gi

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 201-10 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222001


208
El deber moral de los estados y ciudadanos de preservar la sustentabilidad

r xio o r p od r i h - nacional, cada individuo deberá tener acceso ade-


o- r d r rr r o o cuado a la información relativa al medio ambiente
po i do ig rr d i . ro de que disponen las autoridades públicas, incluida
i od r r i o d r la información sobre los materiales y actividades
p o po d o do . o o que ofrecen peligro en sus comunidades, así como la
r po i d d r ri d g i io- oportunidad de participar en los procesos de adop-

Artigos de atualização
o i i o o por po ción de decisiones. Los Estados deberán facilitar y fo-
di r i od r ro - mentar la sensibilización y la participación del públi-
r r or r or d or co poniendo la información a disposición de todos.
idi ri d d d o o d or por d Deberá proporcionarse acceso efectivo a los proce-
r i do po r ri o r - dimientos judiciales y administrativos, entre éstos, el
r d pr d dor d o o o od r r o resarcimiento de daños 41. or o o o pri ro
r i oh o. po r ir ogr r o i d d o
r i d o 1992 d : El me- r ro po o o ho d
jor modo de tratar las cuestiones ambientales es odo o i d d o por igual i
mediante la participación de todos los ciudadanos po o o o d o go i r o p ro
interesados en el nivel que corresponda. En el plan r po i id d d o do .

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209
El deber moral de los estados y ciudadanos de preservar la sustentabilidad

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210
Bioética na América Latina: desafio ao poder
hegemônico
Dora Porto

Resumo

Artigos de atualização
r ho prop di o o r po o r p r o o id o d io o p
d o i o o id r do p i io o- ri . rod
r d o r od r o i p d orr d p i o do i o o o d di ip i
di o o i . r i o r d odo i o o p or d io p i i i do p r -
ri od po d do i do r hi ri o pro o d o r o. i h
g r i d r pri ip i o i d io d o id o o x o r i iro o- ri -
o do p i proxi o o dir i o h o o do o o ro r g rio
do p dr o r o i i . pr o o id r r o r o p r doxo i p i do
do o do dir i o h o do i r r x o r d io o o rr d
o r d ig d d i d r o o o .
Palavras-chave: io . ir i o h o. o i d d . ri . od r o i . o ro i or i d o i d d .

Resumen
Bioética en Latinoamérica: desafío al poder hegemónico
r o propo di i r d p o r p r o o id i d io o p -
d rro o o id r do p io o ri . r d
r d o r i d r i id r d xp i d -
o d ig r di i o i . r o d ri d r i p or d io
o p p r rd r ri i d po d dio r r hi ori
pro o d o r i . g r d ri o pri ip ogro d io d rro d
o xo r i o o ri o d do o r odo r i o o r ho -
o o id r do hi o r g orio d o d r o r io o i . r
o id r io r r d p r do i p i d dop i d o r ho o r do
d o r r xi r d io o o h rr i d h o r d ig d d
r ro o .
Palabras-clave: io . r ho h o. o i d d . ri . od r o i . o ro i or d
o i d d.

Abstract
Bioethics in Latin America: challenge to hegemonic power
hi p p r propo di io o r i or h o o id o o io hi i d opi g o ri
p i o id ri g h ri io hi . o o r g h d o h o r o
o r o h i p r g ro h xp io o h op d o o h o i
di io . or hi i i o i h i poi o io hi i h o ri r g ro h h -
r ri o o hi do d d ri i g ri i o r o pro . ro d r i o i
h i hi o io hi d op d i h r i i d ri o x p i ph -
i i g h ir ppro h o h righ r g or i o o hi d rd i o i r o .
pr i h d ri o id r o o h p r dox i p i d i dop g igh i g o
o r g r o o io hi oo o gh g i h i i h r o r o .
Key words: io hi . righ . o i . ri . o i po r. o i o ro i or .

Doutora dor por o g i. o – d d do i r id d d r i / r i.

Correspondência
204 o o p o 205 0234-0 0. r i / r i.

r oh r o i od i r .

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222002 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 211-22


211
Bioética na América Latina: desafio ao poder hegemônico

“Uma minoria é considerada como tal quando cons- do r o o r o oo po d io


titui ameaça real ou imaginária para a maioria” * i o di oh r io : a ética é
um aspecto das relações humanas e diz respeito a
io po d r x o - valores atribuídos às práticas sociais; aos compor-
o o pod r o r r pro io i tamentos individuais e coletivos e seu impacto no
rio r d d o di o ambiente e na vida em sociedade. r r
o i p i p o o r-
Artigos de atualização

i id di d o o gi d
po p i d d pro o r oh r i o
id d d id . i d po r o- pro o io gi o . ri o i o
d o o i di po i o di ip i r d io- x i o d id h 4
.
po d do prod ir org i r g r i r
o pod r do status quo 1 i r i r r - or i o ri do o io-
em p i d d em do d
gi d do i od io o i i p p
id o d di o. io pi -
d g pro o or d o o p r ro d
i g o ri i do p r ig
i g .
ri rio o g r i grid d i
o gid d io i r r - p i or o i o r h o dir -
x o r do dir i o i di id i o o o i dir o ido . r d
d o o di o d o od xp ri di ip i o orr p r
o o i r i r p r i d r x o o r pr io di o di r
pr di . r o o r o d io - o i od o o di oo x id
po d p ri o do o ogi o p r r o i o o por x p o o o do o p-
do r d o i o d io o i i 2 io i io o d pr i o o o
hi ri o r id i d bio, r io d do x d p r d p r id d
p o o o io di i pr o r r or r or id d o di io
o o d ética r ri o i o id o i o por .
d od id d d do, or h
i por i d o or i-
o o d ix d r i d i-
o i d ho o id r do io :
pr did .
po do rr io do p io di i
i g od i pro i i do pri- i d o i d d o r
iro d r o bio o r o g do ética id o i . p oi i dir
r pr o o r po d or o o o pr d prod o d o h -
do por d d r i i i g - i o po i o o ro d
r o o r o do o h i o p r- r do o h i o. rd d io
rd p r ro io gi o ior o or o i p o i o p xo d prod o
gr o do d di i rpr r d r xig i gr o do o h i o
id o i d d o o i i o i i. d di r r p r prod ir r po
i ri rio i p r o i gi rio i o r id d d d .
di i por od o i d d i di -
i o xp dido d r x o io -
o o g r do- od o i rpr od
p i d io r i ir p r o
r pr o i i o r i i status
o i o id - po r di ip i-
d locus d rd d . pro od o r o
r 5 d prod o d r o d io-
do o h i o p r r d io ogi o i
di o tema o r o d r
o rgi od o o o o d medicaliza- rr ri odo ogi d di r
ção 3, gr do o ri d o i d d r d d g h ri i
d r do o do ri o do id id d p rp do io o ir i o i-
o o po or xo d po i o h g i- i o i i d gogi o ogi d i -
o i i o i i o d o . i d d di i . i r rg po
p r d o o o gr do hi ori - d r x o i g r d o o po d
or ido p o or ri do o di- prod o d r did xp i -
r r o do o h i o o d o i o o o r do o p r o
hi r r i or r o id do pro o prod i do
i i io gi h id d - por o i pr prio d do idi r -
pri i gio pri ir i d h d ori pr r o ri . io

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 211-22 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222002


212
Bioética na América Latina: desafio ao poder hegemônico

i o di r o d di r r- Bre e his rico da ioética


o po i orpor ro o i i
o di og do p r prod ir i d
rigi h do o do ido
o ogr do o i o o id do
d d d 0 o r o io pro r d ig r
pr d d o id o i o d d or-
ri i r r i i io gi
r g o id r do o o p o
r x oh i oi iod rp -

Artigos de atualização
r io do pr d o pro o
r ro p r id r o o pro i i
d / do i o di o o .
d o r io o i i d -
p r r d pro o antropofágico d h o i o . p o i di did o -
propri o or o do o h i o d or io io r io di p i
r o ri io prod r ori ri ipi i 8
o ro o i i
pr do r or d r x o beneficência, não maleficência, autonomia e justi-
o r pr o h p r i pi r ça r id do o o a” io 9
.
dir ri d o pro od p rp pri o di i o -
r or o d r id d o i r r d di o r o i pi o o o i o or-
d o di o o . d orr i do dor do pri ipi i o or i i o
r do prod ido pro o r xi o - d po d do r io di o
ropo gi o po i i id d d o - o id r d i o io g od o 0.
d ir r or o r id d
o rigo d r o di d
p od r o id io pod
o - d o r io o gi
r r ri d o o pi d . i -
pi op di i . o i o io
r o ri po d ri o d r
d iri r r x o p r o o o
r ri gi do- r i r d prod o do
o i o id d i r-
o h i o. gi : o r p rd o d o -
pro o d prod o do r io i d g i o por o o io
p o o r io d di r - pro d orr d d o r pr -
o o po d r x o i i i do p o do i r o di do por
o d r x o io o i r p r r d di di ip i . o o d io
do x p o d i o i o o rgi p r o i p o o r or id -
o io o i io pi - d do r o pro di o r -d -
. r - por p r io o ro o i g r r p i do
id o do o i o pod d orr r d evidên- p rp i di id o ri i do p r o i r
cia i o o r o d suspeita, di o o i do pro o
pod rd d o o xi i d o io d / do i o.
i io o o d or opo i o i - o pri iro d o r p
d o h do pod r p r i ro di o gir or o d r ri od
i o o o d o - or p ri o do o i o d morte encefálica
i p r o r r o . i o o i o i d p r d
p o hodi r d io pod p r - rd . d i o r ri o o d or
r r h r p r odo o o orpo do or o p r o r ro i
o r id o o r o o ido o io gi o o o
io pri ipi i o di o dir io d d do pro o r ri p r i
i o o ogi pro di o o xi r. o r ri rio i o o
i rod ido r io di . r r d ir o hi - p r d ir or p r r o pro di o
o r d o p prir o o ido o r p r r i do lo-
pr p d o r di o r di ip i r cus d id d orig od o r g d o -
p r io dio o do po p i io r io do o do d or r r
ri r h do p r i r r- i d r i o o d id
d o d d i o i r d org i o o d orr d -
8- 5
io p r do d d 2005 p o i o r io d pro do
r o h i o d di o o i d di ip i or o o i o i d d o o
Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Hu- o r i o d o or o i d i o o
manos d o . or id d d sacralidade da vida o d quali-

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213
Bioética na América Latina: desafio ao poder hegemônico

dade de vida do dir i o h o d h r r o p r i o i p i d o pri ipi i o


29
h io por o di od d p i . oo o od i ri o o id d
d d o i d g ro di - o x r io d p p i r ig i do di i-
o p o : i d i i- d pr d 3.
o o o d p r d o gr id autonomia o i o i orpor do r -
3
d i o rrig d g d r o di p io pri ipi i r r - p i-
Artigos de atualização

pr po o or i o ido d i o do - d d dir i o do rio d x r r oh -


o d p r o o d i . o i- o r ro or r r o i
o p h r - por od o i d d p - o p i . di od o o i o pri -
r r od i h i ip i rg o o i - d p i po i o
odo o p i r g dor d r d r i o r oh p r pro r o
p r o id o i o r p o - r i o d orr o do do d d do
25
o o d r po d r o i r io p i o d i or o o r ri o
i g r d p o i di od pro di o. io d di p o rio p r o d
o xo g i p p r - d d i o di o r i pr ip
i poi po i i i o ri ir- p r id d o - pela beneficência e não maleficência o o o
g d odo i o o o ri i do i d di g o g o x r po -
i p r r r o r di io i d i do o io i o i h dir o di o
p r o. id i d o g o oi o i di o o i o d igualdade/desigual-
o po d i or id d ri d ri - dade, do i d ri equidade proxi do-
r io d ri o r i d rg o p r d o od . - i d o
r p o r p p i - o o i do rio i p i -
id d o o o o do r p d d por rg o di id - d or po r:
x po r p p d o o id - dir i o d r r d or r r o
o do r dido o o io dir i o d p r ip r o od .
pri pio d r o o r o o i o d ri do o o io d r o pri ipi i o o-
do o d od o i ri do - d o modus operandi d pr io di
po p r di o o ro o r o p r - i p i io or o - i
ro or i ig o i d d or id d r g o do i orpor r o o p r -
or i r pr pro io r d ro p r di od pr d r
d di o g or do ord o d d id i p d o ro or .
o i . di o r ri io di i io - io r i ir 15 pod - po r p i -
rgi p r odo i i i i rod i o propo o p r r po d r o o i o
o o o r o pod r i di id r - d di o o i o o r i id d
o di o-p i d ior o r o pro o 20-28 ig d d id -
or gr p r o r gori pro io i d 18 33-38 d ir g r o d i
49 51 52 55 5 58 59
d d o rr do paternalismo. ro- od ri . -
o pod r d oh r o d propo pr pri do p d -
r rio pro io o r i o d d o i o o r p rp prop
o g r o o o o io r o o i i 8 0- 5. r o p r
d autonomia 1. d d xp dir di o io
id i d paternalismo d orr d i rpr - di o o i o p r ro pri ipi i o
o h g i o r r po i id d do o o io di o o do i ig i o
di o não pode ser presumida 2 o r r o d d d d do d i o
o h do hor p r r r p i - r go i o.
. o o rg o pro d g d o pri ipi i o pod r ri d
o r o do o h i o di o do o d di r o or i r-r io do do i o-
or o pro io o rir d di- o ro p r r ior r i :
o p o r di r i do o 1 r r hi ri d or o do po
o i io ogi o o o r p o ogi o p r rd r io di 2 r d or od
o r p r d o r do d or d o- o id r iori do p i dor io ogi
h i o r po i id d o r o o i i d d di i o pri -
pro do do o ro r orr r i o. pio hipo r o do do i op r d

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 211-22 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222002


214
Bioética na América Latina: desafio ao poder hegemônico

or o pro io 3 i id d d r por o d di po i o o do prod ir orpo d i p r


p r ro r io i d d o o ogi di - r ir r gi d pod r 1.
i o i io rr ri o i-
pri ipi i r o p o od i p r o do io di o o-
o o i 3 o por 4 o o do i r - i i d o do d i d od
io r ri o d i d p i propi i r d ig d d o i r g o gr po pop -

Artigos de atualização
pi o do p r ro io o pri ipi i o i d d oi id d o o r
o ior i id d do pod o g ir r - d r x o di o o pri ip
o p xid d d ri i i p - o g o o d id d d
o r id d o i . id . o p h do p di o i 32 5

i di i por i d di o io - ro ri o r po do
or o d o id d io di o i p di i g g do dir i o h o o o gr
o o po opo r i - o i prop i io ri ori
i p r d r r po o o io r io do propo p r i d r io pro -
o pro o d / do i o di o di di o o i 8- 5.
8
o . i i i or o - ig i - i or r id pod - r r
pro o p o d o di o o r i o o di r p -
o i i o i i ri o r - d - o- ri o io o gr g
i ri p r gr d p r d pop o 3 -38. - d r : io i
ir i po i i id d d o d propri di r o r o
o r i i di ri d r o di r o p r ro or dor p r p i
g o gr po d ix do i o o g o do r h o i d i ipi
rg o p d d o r r or - io o i d ir pi r p r -
dor d io o i i pri ip do ro o di o o r o o io d
o d o id r do o di o i d i- di o o .
d d i . o r po o p r ro
p r d ir saúde d ix r d r ausência de do-
ença p i do- p r qualidade de vida. Bioética socia e direi os h manos
o o o o r i oi
d ir p r o o i od or i ri o o d dir i o h o d r
p r ri o do i i od d o id r d g ho i o o p r od h i-
rgir i i i p r o x i rod - d d poi oi o p r i o rgi od -
io o di r id d do p id d d g r r od p o
d o i o. p i dor d o dig id d i r . r r o d ig d d
o rr pri ipi i 10 11
o r d ig d d di r p r odo o r h -
o or g do o i o d d o o o i do o d
o o o rgi do o i o o- d o o id o d o o.
i i 1 18 2 -28 d r po d r o o i o o d ir odo o r h o o
rgi d or r or o por dor d dir i o oi i i
d propo p o o i d o o p- o d dir i o h o rir po i i i-
od d 4. d d d p d p i r di o o
i i i p r o r ir p r p - o io o o igualdade/desigualdade d -
o p r io p r odo h do p r r ior di i o d pod r r
di rg i r o p rp d id - o i gr d o id d p i d -
12 33 42-45
o do o pri ipi i o id - r o orid d r di io-
do o o check-list or o 13 o o . o io id i d ior i ri
pr r . i di id i o i r o rr g r r - d i p r io-
od o pri ipi i o o r pro - r pr o i i or id d r di-
do di o id r o d p h d do o io o di io di i o do pod r r
o o o o r o o or i pop g o gr po .
i i d di o o o di- ro i r p r i odo o
io prod o d d do do i o. - od r do o dir i o r di io -
do propri do r di r io op p g r do o o o r ri

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Bioética na América Latina: desafio ao poder hegemônico

origi o o or o pri iro od ho . or di r r p i o gr d ro d


r o d 1948 p d p r r go p o r p do do id i
rr do o dir i o h o dig- r g r i i podi r pi d io-
id d i r d ri d r o- ri do i di d o r p r do di
do o r h o x o o pod do prod i do r or o d r id d o i o
r ri gir- p o do xo i o d ior i id d . r o o o i o
Artigos de atualização

r d di o i pr - r ri p r d pop o o oo
r i i o i d d o id i r io do r i i o i oo r
p r h or r d o x o 4. r do o i o o x ogo .
pro i i o d d o i i ix do d do o id r r d
o o p o hori o h ido o r d pod r o o do d x o
po i i i o odo o do h r o o r d p o o d or r pod
o pop gr o o pop - d pr d rd pro o r or od
r di io i o o o h d i ori r id d d r o orr r did or
i r i o o x o do o - o o por o ri do or p r h do
p r o r d ig d d hi ri p iori d ir o
i po rior o r di r do status quo d or id d o
i o d do g rio p od ior p r do i di d o
pr r r p r r id d d . o id d . i o o ro o
o o d dir i o h o r o o go do o or ori o o por -
do o o i d d o id i p i do- o i di id o r o di o o
- do dir i o id do i di d o o dir i o i- or - r id d o o i do
d d d id d pop i orpor do - r prod o d or id d o i d .
op r ro di o r p r rd o o o r od iori di-
do d d d d 0 p o r o id r d i d r prod o o r or o d r i-
o i id d p i - d d o i id i o ho d pop o
p r gr po o g o o r r d d oo r o do status
8-84
o io r i di . do o quo dir r io do po i i id -
i d o o d i d do o i d d ro p i i . o i pr -
dir i o o o i o o i i rgir o xi o d iori o o o i r
or r p r rd g d d do - o i di d o r i i di d d r i-
o o r orid d d p o i d d ior r h d - p r od
h o pod r d d i o do pater familias, o pod r pop o. - r od i o pod r
r g dor do ho o r h r pri - d iori o o id o d r id d or-
i d p o r o r gr o o i pod r r dir o p r
o r d di r gr po i o. odo - pro o r r or o d ig d d
o o o rg o o - i ri o p r prod ir i d i d ig d d
di i o i i do pod r r i di d o pr o i o di ri i o 4.
g o gr po o o propo o p o .
o do hi ri r p r i r r o
i h - o o pri pio o i-
pod o r rr do po i o
o propo d r o p dr d o-
r or o d r id d o i r o ior i-
i i id d o o o i d ir
ri i o do r o o o i o
i do or o i r o d dir i o
do ho rio d d d d 50 0
h o o o o o d or or o prop g r i p r o i d d o i-
o r i i di por ior d i p o od p o ix ri
ig d d i ri r o i i. d orr do baby boom. pod o r-
r o i o o r i xi- r or d iori o o i o d h r
o pro o o d d d o por - o po o i d d do h i-
o o i d d o id i o r- do p . r - or o o
o podi r p i do i di id o d h r p r oh r d o d
o r ri o p p i or o i ri - hor r status pod r poi oo
do o i di d o d di r g o rio di r r i d o i d d r-
d g ro: o d o ido o h r id d i i r o o o i r 85.

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Bioética na América Latina: desafio ao poder hegemônico

d r oh d iori i - r o i o id o g ho p r o
i r or o d r id d permeabi- o od h id d r ido p o o
lidade estrutural do g o o gr po r i i - pod d pr r o i d r d p i-
di d r i do or o i o por o od p r p i r i i r
o i do . di p r o i o i i o o o g o
d pop o d d p r i o o gr po r i i di g r o -

Artigos de atualização
d d d r i do or o i o di p r o r r o i o
r o dir o po i i id d d - iori . o o r rio do x p o rior
di o o . o o do o i o d o- o r - or d i p r i i r o
d d por h i p o - di o o o d r o pop
ix ri odo o r o d o i d d . ri po i i io
i i d do o orr o o o o o- o p o rop i h d d d o ri o
i o d h r r r do o - o o o o orr p o o ri
i por pop o i i di - rop do r r d do go r o o o i i
p r por od i o id r do- o r gi o i rio r p propi io
o p di r o i i or d p r do gr po i ori rio . od - -
i i do o o p o p i - o r d i io rr o i o-
di o r r do i - i o g o gr po i ori rio
i od ix ri ri o i - do o pr o i o di ri i op
o pi o o i o d o . o gr g o o o o r o o d
o do o i o d h r r - d d d d di por x p o o o o r -
i d o or d permanência temporal or o prod p o r od ro p r
do o o o d r i i di poi o di- p r r o po o o d rr d id
o i i o i d o i gi rio o - o p o d r . hi ri o r i d
i o i d or i d do por- i i o d o orr r o hor
o r d o o rd d io gi i r do o p d o o p r -
o r o di o d r h r ho i ro or i h g i o pro o or do d
p r do r o i o por r - i i od or r o o oo
r i ri . ho r di i d o o i id d 8-84 8

d orr i d r rir - iori ri . o d o id r


di o i d d p r r o di r o r - p r d x p o r d d p r odo hi ri o
o d o i d d o o po id rio o i o o o do r
do o i o o i i d g d d do - i hodi r o o orr do
o rio d g ro ogr r d di i r d i h
xpr i r id d o i d o i d d o i- p r id r o di r .
d i o di r p i o r or o do r o o o o o o o -
g r d pod r r di io o o id do . od o i orpor r o p r -
doi o i o o or i do r i - ro ig i rio do dir i o h o di d d
i o do d o r o p r r di io- pi r or o gr po g o
orid d do pater familia, o or do i d di r o orr por i d d
i p r r r di i o d pod r r di io . i - g rd r o dir i o do po o o d
o d d p r i id d o o p r- ri xpr r- por io d do-
i o or propi i o d o p do p o o o r
r i i di propo p iori . o - i - d i do por o p o od -
i p r i id d o or i p d i o i i 8 . ir do i r o i -
o di o irr o do o i o i r r io i o do d d o o o i
o pro od r or od or o or - dir i o i i po o r hi i i
id d di i h o i g o por x p o o dir i o h o o r po d
do g o o gr po prop d . ri p r rid d do o x o o i o d
i po por x p o o o r d d d 0 p i id d r do di r po o -
od h r og oo o o po o o d pop o do do -p r o
d o r o d or o o or gr g do o i r o d -
p o pod r h g i o o ro gr po o p do. - g r r dir i o p o.

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217
Bioética na América Latina: desafio ao poder hegemônico

id d d po r g r gr - d di r d orr d or d ord
d iori do o o i d io o r i odo o o-
d dir i o h o d r o o r o r r do p o d io r di o o-
p ig rio o r hor pro id i i o i p i or -
r o d i r r r i d . di o i di id i o d orr d ir -
por x i o o id di i i r h d r id
Artigos de atualização

po id r i p r r o o o i o pro o d do i o i pi
po d p o o i o o i i d - r o i p i o gi o i do i di d o
o. o r p dr do - o o o r o d ir i d -
id d i r id d d id p r odo or i d i ri i r pr pro-
o r h o po r p i do p o io i o i d d o o po do
go r o io i di r id d o p r- p io pri ipi i . o r i o o od
i i dir od i ri ri r - di d d d
o i r r di i d o- o o i pr ri d d do r i o.
i d d . do o por r i p d di o o o i o d io
i p dir r prod o d i ri di i o i di d d pod r ri d r
i r d o i d d pi o oi i i i do od di i o o -
i po i o d p r ro ig or di r r od rd d do i gi rio o i r o
p i d ho r o r po do i - o pro o d / do i o. orr d
di ri i d o or d iori . o do por o gi o r d d
o o orr por pi od r o - do pod r d i d ri r o gi d ip -
d r d o i od id o o o o id do o o
o go r o do p d d r p o o o d gori di p r
di po i g r i r id d o i . i- id r i r pr o i i h io
o di i hi r r i d d id o di io do r or o do o -
d o i d d o o id d hi ori di - por o d o p o ogi . -
gr po i ori rio r di io i o ig od di i o or o - h g i o
r i i di r d o - o i d d o id i d do- d
p o o o pod o i i r o r i o p r- o di i ri pr di do por i r
ig i do po o i d g o do o i o. i do d o o
r do or o d r i i di . r i o d orr d r d d o i d
id d d id o p r dig io di o. o
d o g i r i - o ir- di r o h g i o di i o
p o do po p i o ri i p r ro i i d pr i
i r o o i id do por o d o o pr prio di r o
i ori o o i or d i po i o gi o r o do o h i o r -
r d or d iori por i o r h - prod o do o por o di o o .
do . i o x pod o o r or -
d do o o qualidade de vida o p r -
o d r id d p o o or d io-
dig io di o d por odo o p o
ri pod o r ri ig i do
d id o i . o ro piéce de résis-
r o do status quo p r i ori ,
tance do r d d o i p r o g r -
o. i d o rg o p do
do p o od di i o o -
ig d d propo p o r prod o d
dido o dir ri propo p o dir i o
i ri por or r pro o i po i -
h o p r i i i r o i i r d ig d -
o di i o i i r i r gr po -
d o i g r r por io d id d id -
ori rio i ori rio o ri i do p r o
d d id p r odo . or o i oi d i
dir i o r i r io do o d id -
o p r dig io di o i po o d ir g -
d d p r i o o id do o dir i o r i d r or do i ri d pod r r
h o r i do o o odo id do o i r o or o o p r ri-
o o i o d r prod o d di i- d d r i d i ori o orr po d o
oo i . p r ro ido p iori . o o
di d d d i ori o o id r r i- d o r r o o p r dig h g i o
i di o p i r io- r i i di do g o gr po i ori rio

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218
Bioética na América Latina: desafio ao poder hegemônico

d gi d i d o o ig or - r d i o o i o o i i do d -
i d io o rr op iori o o o h i od pri ir do di r o o
i o or p r i por p r ro di i o i d di d d d g d
d rd d di i o i . id r o or r d do r do g o -
or - d o po r h i do o pri pio r dor d
d io o di r p i o i p o di i o i i o i d d o id i.

Artigos de atualização
do o o r i o o d i p ir i i po d ix r d po r
d o i o i d i di i io o i i r i ir o- ri i d
o g ho o i i d i do d o gr o d o o g ir r d or propi i r p -
Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Hu- r o d di i r i d o x i d
manos 4 gi o pi o d di ip i g i p o do r o do
di o o i . r o p ri r dir i o h o po p i p r o gr -
r x o io pr did o io d - po i ori rio .
i o d d do o i o o i i o
o o rir i i i id d p i r gi id -
onsidera es finais
d r i i di d orr d r id d
r p o o po i
pod o o r x o pr po o do p r dig- p rd r po o r io-
h g i o. r i ir o- ri o -
do o r ir o r o p r r x o
or p r r o d r d d
d di o o o r
por o id o rg od di i -
i d o o g ir d o r d r
o i pr g o id r gr d did
di i d h r p r p r r r r
pr pri r di ip i rid d i o -
o r di r o o r g r r dir i-
i o o o po d prod o d o h i -
o r id d i r o od o
o io o i i d o o p
io di o.
o od di r o o i o o d
di o o . or r rg o r
r d r dro pr i o or-
p p dr r prod or id d r r di ip i rid d do i ri
d iori o o d do p o d di r o r di r o ri
io o i d ix d o r orid - p r o po d io o p r i r r i r
d o o o p r dig io di o r h r hi r r i i r o p r dig io -
o io o o p r ro r i d gr po di o o di io pi o r do p
g o i ori rio o o o pr - io o i i. d o o r o di o-
di po i i di id i d p r d go o o o i o o i i p r i r i or-
di i o i d iori p r dox por r r x o o gori -
o o p odo o or o h i o d d o do p i r i i i id d
id pr ri o p o p r dig io di o. gi id d d r i i di d orr d
r id d r p o o i r
d orr i d r prod o d di-
gori o i o d pr pri io o i .
i r r io o i -
i p d p r r do io d i- o o i i i r o
o r prod o modus operandi hi r r i o d io o i i r i ir o- ri
d ri o d hori o id d propo p o . i d o pr i r r do di do
or i o r po i h g i pr pri p r po pro g ir o o id o d
d o p rp o prod o io - p r ro o pi i di o o .
p r do h i i ord g o o - i io do o o o r -
g ir d i r rr p - o do o pod r o do -
d o gr g r di r o r o d ho- r r i r ri .
ri o id d do o or d i ri
i pr g i od do d r io di *A epígrafe é tradução livre de fala da personagem
o r prod ido d i r di r principal do filme A Single Man (EUA;2009), dirigi-
o io d di o o . od - do por Tom Ford e baseado em livro homônimo de
orr gr d did do o Christopher Isherwood.

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Bioética na América Latina: desafio ao poder hegemônico

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Artigos de atualização

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220
Bioética na América Latina: desafio ao poder hegemônico

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221
Bioética na América Latina: desafio ao poder hegemônico

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Artigos de atualização

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222
Uma genealogia imunitária: a bioética e a busca da
autoconservação humana
Monique Pyrrho

Resumo

Artigos de atualização
xp or do r o o x o hi ri o o pri ip i pi o d io o r go rg xi
odo d r o pr prio d di ip i r ri do por i o op r i -do
o o r oh p r r d di o o r o ri rio d i o do h o. i o
r i dor h rog id d d o p p rp or i d io o x i do
hori o d do i po po i o d o i p r dig i i rio. i o
d i d g po i i id d d o ri i o h i rpr i i ri pod o r r
io o g i r d ri or .
Palavras-chave: io . iopo .

Resumen
Una genealogía inmunitaria: la bioética y la búsqueda de la auto-conservación humana
xp or do r o x o hi ri o o pri ip d io r o o
h r d r i o propio d di ip i r ri por i o op r
o o od o- o r i h p r rd di i d o ri rio d i i d h -
o. i o r i dor d h rog id d d o p o p r p or d
io o x i hori o p io d ig i do po i o d o i p r dig -
i rio. or o o i di d po i o ri io i rpr i i ri p d
or r io o r p io i r io d rip or .
Palabras-clave: io . iopo .

Abstract
An immunitary genealogy: bioethics and the pursuit of human self-preservation
ri xp ori g h hi ori o x d h i opi o io hi hi r rg h h
h i o o opi g hi h i h r ri d h i h op r i p r i o h -
-pr r o hro gh h o di io o h ttri h d h . hi h i hi h
i r d i h di ip i h rog i o o p d or p r p -i o x i di
ro d r hori o o i g hi h po i o h p r dig o i i o . i h r i di
po i o ri o h h i i rpr o r o io hi r g rdi g h io i hi
h d d h d rip d or o o io hi .
Key words: io hi . iopo i .

Doutora p rrho. o i g i. o i g o g o do o dr i o ido/ i r id d d r i r i / r i.

Correspondência
oi o o p o 101. p i r i rio r i iro. or 0904-109. r i / r i.

r oh r o i od i r .

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222003 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 223-31


223
Uma genealogia imunitária: a bioética e a busca da autoconservação humana

io ri o r r - r rh o o d o p
p pr o r ro. r- di d di ip i d o
o d i o i r r . do p r . r i pr do i d
o o d ri ri r o id o io d di - r x o do pro o
o r io di o o io h r d pr io di o ri i o
pod r r o di i do 1-3. o r i r d ott r r pr p p o hi ri o
Artigos de atualização

d i p i i o do po i p io - d po i i pr . r h
d p o rgi o d i r d o- p rp r p r i i por -
o o o i o o ro i do insights d ott r p r r x od -
d io 4
. o h r p r hi ri d di ip i io g o i 10 11.
por o r r o po r o i- po o po di rg i d p r -
d d d prod o do o h i o p id d p p r p r d di r rr
d x i -o o x i io hi ri o r di ip i 8. o r o pr -
d d rgi o. x o rg r o p
o r io hi : ridg o h r o pri- p r o di r r i proxi -
iro i ro o r di ip i prop - por o p r h r o modus operandi. x-
po d o h i o i r ir d p or do r o o x o hi ri o d
i r op r p r o do p o d o - rgi o o pri ip i pi o d di ip i
i o io do o o po r i i pr d - d r i d io d odo d -
h id d 5. p rp io r o pr prio d io r ri do por
id r o pro pr : o rio i o op r i do o o r -
di ogo o h id d o r i xor - oh p r r d di o o r o ri rio
d o i o i o gr d po - d i o.
i d r or o do io i r pr - p p o o po r i dor
h id d . o p r g r r i o x r p r di ip i r
o r oh op o io o ri i do d or o i ro r io o
o o d o adoção do critério da sobrevi- hori o i po po i o 12 d o i
vência como guia de ação e a discussão sobre que p r dig i i rio. i o r go r
tipo de sobrevivência devemos defender . i r r po i i id d d o ri i o
o o po o d i d ott r r d h i rpr d i id d o r io .
di ip i ri r r or o r o pro-
gr o i o o prop i o io -
ro: o r od p i h . i i d : ioética: em busca de um o comum
o o i ri r o r i i
or - rio di ro i ri xi i d i di r rr
o r i i . i io g r o o o r orig d io od ro o
i od o o r oh op - or o d i o 13. orig or -
r o pr p o di o o r o ri d o oo o o io -
oh o. r 14
o r rg o o r rio . -
o do i propo r ido o ro d or
d ott r o r o io rg o o r o o - r di pri ir o do r o io o
o. p o o do i ro d ott r 5 oo o ri hr 192 . p rp -
d do o d o hi . o id - hr ri ido pr r or d io o
r do p r pr o p o i g ri p o o pio iro do r o por
o o r od p i h oi o i i o r o p xid d do d o or i
di do i r id d d org o h o o i po o p o d o i o i o 15-18.
o o p i od o r pro io- r d di ord i o r orig do
o dido o o o di di o o r - r o d pr pri io i d o -
o r io do r io di 8. i o o i do or po do o o pio iro
rd o p i o d pri ir di o d ri - ri i . gr d d d
ip o io di hi 9 io d rr o r di ip i or pod r
h g o i o io d i o o o i - ri d o d r gi-
i od io di . r d i di ip i d r r

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 223-31 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222003


224
Uma genealogia imunitária: a bioética e a busca da autoconservação humana

o p xo 14. o o ro r i hi ri o r go: h o o po i r
p d o p xid d do o h rog id d d rr p rp
io o. o o o po d r
d o or i p r r po p rg po i o rg -
r o r io o o - o rd o ido io g -
r r d di r o p i o r po o dr i r o p o h rog -

Artigos de atualização
d po i rdi ip i r o i d i- o o opo d di ip i modus operandi
o. o o o id di r p o. dir io do id d :
p rp r d o h i o por o r oh o ido por di i :
ri o o prop i o po d o ri- i od ri rio d op r o. o -
i o pod o r r od io o 19. r p r o di r o d
i o pro o o di r d io o r ri d por o od o -
o p i o ri r io r roh o p o id d
g o d ott r do g do do od or- d p ro i ord d
g o . di o o p r d i ri h id d r pr r d . i o
g di r d o o d do d - o o r d o x o ri p r o di-
o ord g ri . r o o d di ip i po i
or do do o id o o i i- r xo o po d i io o r
od io di io po i o o r .
d h o r p rp - r d o r i i i
i o gi go o p o or i d do o p p d r i o d
d r p d p i d po r ig id d do o h i o i o d -
d d . g do pri ip i ord do p ho p r o pro od g d io .
ri : or o o g g h ri hor - g do o o o x o po r o o
og o o r i i o d rg o i- p r p o d ri o/ o r i i h
do h o i p i r pi o i pi o di ip i d o or o
- ro o o ogi r prod p i d od o r oh do -
i dir i o do p i o oi - i o d i o.
or do o od r ro d 20. or
o ro i d o o p r h ri -
odo o pr po o d ott r pr i- mbiguidade do conhecimento cien co
o r io go o r p
o p o p r d d pro- o p r odo p - g d rr di o
p i gr o i rdi ip i r o i o d o i o i o p r o o d
r o or d pro g o i do . r x o o por o r r- ri
p rp di o o pi o io di- por o po pr r p o ri o
o di - o o o i iodi- d o r i . r i o
r id d o g o do h do i o d o r i - did o o o o
21
o h i o pod r orr p o po r . di o o io o r i d o h i-
pri ir i o o o or o do por x p o r o r r g o
i o od r ro d p r do pr di o i o p od -
pi i go. or o pr d r hor r o di d id h od h
o opo d io go p r di i - r o r i i . r - o o
h r g i . ri go i o- d o i o i o p o o
r io di p d - d r i pod d r o i o-
r ir d ri rio d i o o x o p r r i prod ir ri o i p r do 22.
o ro pro r r do o - r r po d pr o -
io ri d ogo pro- p o o r o r i i d p i pr prio d
io o g o o i p rg r o o d ott r po o ri o ri do p r
ri po id r g o x o o p o pr do i d io 20
.
r d io do o . r o o o id r por io -
di rg i i r io di p o por o od i
i p rg o di o r o r r or g o do

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222003 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 223-31


225
Uma genealogia imunitária: a bioética e a busca da autoconservação humana

o h i o i o. pr prio g r go od r ro i i. i r -
o i o do d dor do d o o gi o do io d o d id
o hi d r io o o o o i o d p r ho d di i r i
ir d r o i p o d o ogi o r p d rg o i p id d d
di giri or o o o r di ro p r ro i o or i p r
do od h id d 8. d r i o d o r id d or h 23
.
Artigos de atualização

o 23
r or i por i d pr o - or p r - o r r g o do
p o o r o r i i h p r o - d o i o o i o r di -
i o d io o i o io di o. ri - o go r o i o d pr io di
o do i o or - ri o d di do o pr od o r i i d r i-
o oo od org o o g od p r ro p r o r o o o
r p r odo d i o d - di or i p r io .
o r o i p o do d o i o i - o o orr por o o r pi
o o r i i h . i i r o o io d o o r oh -
p r p od ig id d do o h i - poi pr d pro o g r hor r o -
o i o por o o d o i dor di d id h i di id o
o r di r o p d io . or o o o pr prio h o
o o p p r p o d ott r - or o o o o o d i r o r o.
do di o o o r di o i o o rg o o ri -
i d p d i r r io di io - o p r o ho pr pri p r p o o r
go . o r i d ri o i o or i o o ri o od d -
r r h po o od org o i r pro gido po di o.
o o pro do o io h i gido
r g r r od o i o i -
o do d i o. opor id d i dir -
o o g r io p r o o r od h -
o r ho g r r io -
o o d r ri gir i i i id d o io r
d r r r i i di i o r i- r d di ro or or i d d r
o do ho . rd d i d ott r r- p rg do- o o x
o p r i o d di ip i p r pr d o r r. di o por
io di o d ordo o r por do d por p r ro i -
pr pri o o p r h oo od i r o or i d d i o do i io do d id
or o o do o h i o i o 24. por o ro do d o r o or r
r p i do d r i r o di o o
o o i dig id d . o xoi i i
utoconservação humana e critérios de ua d r i p r i pri ir r rp r io-
li cação p r d o ro i o o
i o p di r d io p o
i d ig id d do o h i o i - r o di or i od o i o
o d r pr h id - i oi p o i od o o -
d o r i i h od o r i r oh .
o r r h d o o do pr pri io o i i-
o r r or - r i p r io go od o o r o. p r r i r r
. or io di o pro- pr i di r o o r ri
p io r d p ri d o r i h id d do o r r.
d d d 0 r o o po d o. ogo p r - o or d io-
pri ir d i d h gr i o o - x r id p r r d di o
i i od r di i p r d o o o r o d i di o ro ir
pautava não apenas a questão da sobrevivência ou a i r o io r o io gi o -
extinção do homem, mas que tipo de sobrevivência? r i di d o o id d . i io o
Um futuro de que natureza? 23 oo od o o r oh i pi
r p rp io di o d o i- r x o o o r gori d p r
o i o i p h d o o r i - d ir o status do org i o i i i
i h i d r do do r h o.

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 223-31 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222003


226
Uma genealogia imunitária: a bioética e a busca da autoconservação humana

aradigma imunitário or d r i i o io g o d
iopo r do o do o -
i or i d r d o d h id d d do
di o o r o ri o i
io gi o 29.
oh o od o o o od o d
di o r oh o oh o o r o r rr i i o r i d -
di i pr r di o o id o i d io o i i o o pr i o

Artigos de atualização
o d d i i o ri o i do r h - r r r r r or g o
o o o i po o zoon politikon . d o- o r o o po d ri d
o r po i io od i o r- iopo i i . or do
io o oi i d d i oi - o ord iopo d id o r po i o
i d o r o h o 25. o pod r o r o d ri do d pr rrog d or-
. p rp o r o d id
d d pri pio po
p p po o r pro o o d d do
d di po i o d d ir id -
dir i o i di id i or - or i o d
d d h por o r o opo i o
o. or o ro r d o do ho
io o h o. i i do o o p o
di o io gi o x i i r i -
d exclusão d zoé id org i o o
o o i do ho o r i o por
do i i o i o po o o o
o i o 30.
o g rd r i od id i d r -
r x i do h o bíos. o o g do po i o 31 iopo r -
ro ir r h o oh o d por o i o r o i
r r id zoé id i d bíos , o r po i io o d i r pr do- or
r or o oi id o o pr prio r- o o i od o r prod o
gi od od r id d . p r r d o id d id or o o d o or h .
zoé , x o o o di o - d i d i o i d g do po i o 31 d -
d p r po p o p rop p r ri o o r r o o o po i d iopo-
r d pod r i g r do o g r - d rd gri 32 d o o or-
o iopo d o i d d 2. d r i i o pod r o r o do Império
2
iopo r d x por r - g d g id
gi d pod r d o o ro r prod o o o o id d do pod r o r o.
d id o p o do or- i d i od o di rg i
po io gi o o ro d id po 2
. o - r p o por o d ri o d d -
g r o iopo r oi r o do pr - i r o hi ri r o pod r o r o
gio o i do o h i o i o pri ip - iopo . r po i o o o o d o i
io di o o po rior rgi o pr pri r o r id po p -
d io o i i do pri ip i o o d d por o o o gori di
r x o d io 28
. do progr o r d do orig o g r o iopo .
do po io gi o pri ip r or r o i id d propo por po i o
d io ogi o r d io i d g o o h i rpr xp i i di -
d ro i i io o i i r pr o o i o x o r o o
or o d p r od i i i po p r r i ri i o d iopo .
r r org i d id o pr d o o o i id d p rp d o po
d rr ri pr i - d r od d p d i id -
hori d o di d id h 28
. r id po g do o pod r pr
o o r- r g i do p r i r - id o o r o id i d
o i r pro o i o io - r d pod r p r r. o o r rio d
o i i p o or i r r pro- r ro o o id po i r-
i iopo o. pr gio o i do p gori d i id d d di -
o h i o io di o d pro o d pro- i o r r ri r od d
31
o g r hor r id h r do pr ri r id po .
o pr o do ho pr do i i pr i o o r o i -
d o po io gi o di po - i ri r ri por pro o g
i i r o io o i . dro d id o por o i o i o
io r iri o o i o d opo i o r i pr d do o r o d id

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222003 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 223-31


227
Uma genealogia imunitária: a bioética e a busca da autoconservação humana

o r di o io o o r o r i. - d o r i o od o id d io
o i di p hi ri h o- r i xpr o do po i o 12 o o
o r o do r i p o po p r oo r o o i di d o
o di o d g o pro d i- o id d o pr prio o o ro.
o r i d pr r o o p rp io ido
i g r i o o io d g r r o r- o o ro d po od r do
Artigos de atualização

od id r pr r d ir- o o r iopo o
r di r i . id d g d r id zoé, p r r o io gi
pro oi i ri r id x id i d r or d id po o o
o odo p i rd o o r od p i o p o i d bíos, id si-
h d ri d r ri o pri od p r d tua precisamente no ponto em que essa distinção se
pr pri o i o 33. torna difusa e perde o significado 31. id d io-
o o d pri o pr ori- po id p r i i d
g o gi d p r i id d immunitas o od o o o d i di o
id g o o id d commu- r bíos e zoé r oh o o oh o
nitas . o communitas i d por r o pr prio o o ro. x -
munus – o rig o d do o r pro por- io r i o d i di o op r o
o propri d i id d pri o di po i o d p o : i od d i o
d o rig ori d d do do pr o p h d do ri o d h id d 35.
por i o d d o r o i o xpro- di po i o d ir xpr o -
pri o d o id d . i id d pr p o r i i od gori d p o p
xi i do próprio pr i rd dido d rr di . o i o r o
i i o o d xpropri o r pr - do o d id d o i iro gr po i o
d p o o o o o outro 12. h i o oo o o di d -
r x r o o gi d o o. odo o r igor od gori
o o r r g o r ri o do i- r i p r or r i r id d ior do
o i i rio d o o r oh d id d o pr h do o i
i i r r r r - o hi o r id d o i o d dir i o
o r i di d o o id d x r od - d r i d o i di d o o o di o
o i o d gi i di id pri d i r i do ho . - ri r r -
od r id d 12. i por p p o o io o d i pi o dir r h id d do
d i id d p r di i p r o dir i- i di d o o dir i o d po ir dir i o 35.
o irr di - p r i di r r d d i do p o r di o r o -
r i r io i o i id d dip o - d do pr po o h i oi r po
i i d o p o o o r r gi o i do achatamento do h -
i or o. o i o g do po i o 34 o o d do io gi o . do g o
d p r o pr d r od r id d i d r o r d
or po p di r d p d r d id io gi h r i i od gori
r r id d d i - d p o h pr di r o h r xi -
ip d d pro od ri o/ o i d go d r o r i h d o
d i o xpo o . status h o r or i o ro r o i io-
35
i id d r d d pr or- .
d o r o d id o p r dig i i - h p r o pr d ro po i o 35
rio o d i i o i o ri h d di po i o d p o
d hori o i g r do o od r id d . id i d d r i . r r ri r p r p o
i d id d o o r or o d orig ro d p r per-
pr po o po o por o i d d i- -sona, r d o p r or d r
o d d o hi ori i di o i i o ro o do or dir o . propri -
o od r id d o o id d d o do o i o p r di o ri g do o -
o o r o d id i di id o o pro- or pro d i d i id i d d r i
r rg or o d o r di o ri por quanto indissoluvelmente
p r o i io i 31. r o ir o h - ligada a um corpo vivente, a pessoa não coincide
o d i o od r o por i id - integralmente com ele e, inversamente, encontra o

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 223-31 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222003


228
Uma genealogia imunitária: a bioética e a busca da autoconservação humana

seu elemento mais intrínseco precisamente naquela o d r id d d id o po i od


não coincidência que lhe consente o trânsito para a io o di ord o p r o
vida ultraterrena 35. orpo o o o r r d go pro-
gori d p o i - pri . p r d po i o sejam aqueles
o oi id i r o io o r o io- que defendem para si a disponibilidade do próprio
gi o o . or h ido r o - corpo – para melhorá-lo, modificá-lo, ou ainda para

Artigos de atualização
d p r i r i i o/r i o alugá-lo, vendê-lo, suprimi-lo – sejam aqueles que
h xp ri d d r o i o - o declaram indisponível porque propriedade intan-
gori prod i do i o di r o do p - gível de Deus, do Estado ou da natureza, devem
r do. r po i o 35 por r o id o o go pressupor a sua tradução em coisa. Somente porque
d r o o d o o orpo reportada antecipadamente à categoria de r xr
io gi o o o i o d p o por r r o r i , a vida humana é declarada sagrada
o opo o d pir o i grid d prod - para uns e qualificada para outros 35.
i do i di d o i dido. d o ir di- i od di o io r
i o r o ho i por i p i r d r i o i o r
i ro od p rp r o i o o or d p r o do h o o o
o i rior d d i di d o. o - o o odo r o di po i o d p o . p o
o ri o i o do ho o o i r io . or o o p do p io p r
o o r o status rgir do io i g r do p o p r dig i i -
d p o d r o i i p d r io- rio. or o g i i o op r d p o di po i -
do i r orpo io gi o i - od p o d r od r id d
id d po io o gi o di por d . i i d o o or o i di d o p r -
i o o r o i id d do d pr prio orpo o or di po
d i do org i o . di po i o d p o i r hor o 35.
o i ri por o i oi i rio o p r - o o do
op r or o d i di o p r dig i i rio o o h i rpr
r o orpo o i o. or io d d o - r o oi r o di io p r o pr -
o o o d ro ir gori i o di po- o i d i i iopo d io -
i od o status do r i r o o i i r p r p r io . or
xr o d i i o p ro i o 35. do iopo o r p p r o or-
di po i o d p o pro o o - po od r id d . or o ro o orpo
d ro do o i di d o i o d p r- propri do di po i i i do p r i r o.
o i o d p r r io d d p r o- io o i i o o i o d o o r-
i o d p r orp r i i i - oi i ri d or i r ir r or-
d . do io x r o r p r orp r r di o io gi p r rd o g -
o r i o i di d o status r o iopo d od r id d d o ho .
d p o o orpo o status d oi propri- o or o ri o d h id d o
di po p r do io i r o 35. i o ho o
i o d o i do di po i o d p o or - i di o ri do -
d r i p r o r r i do dir i o h - p op r gr d o d gio i r di rio
o o x i hi ori o rgi o r oh o o oh o r o o-
d io . or o o or - o - i d -p o o o-p -p o i d o
r i dor p r po i h rog o- i p o . r rr ir
p r o r po di ip i . i io x r ido o or-
p rp pr pri xi i d io- di do o o 35.
o p od d or d ri d io p r d odo gir o o
i o op r d hi ori p o di po i o d i od o o r od g do
p o r p o orpo r i o o. pr d do o r r h id d do io
ir o io o p r g o do i o i i rio pro ido
i or or i do i od o o r- p o r io o i o. p o or o
oh por p r d i i prop i - p r r orig o p x di i o-
r ir o r o orpo. o o r - o r r x r ido do o
od o d d id d pr prio ri o d h id d di o.

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222003 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 223-31


229
Uma genealogia imunitária: a bioética e a busca da autoconservação humana

onsideraç es nais i pi i or o r ri g
o ri o d io g r r p opo i o
r r i o io o r dori o 3 por-
r g ogi i i ri d io i
p r i i ir opo pro o -
o d d p r p od d -
o h o r d
p r d p o d o i o o i o r -
i r r or d o i i .
pr i do pr o p o i g r
Artigos de atualização

d i i d hi ori . o x o prop or o o or o d i i o io pr -
i pri r r p r p - d x r r pro o r
o r o io o d d o or i . h id d doi do : o o r -
o o o i dor d di o p r i g r o i di d o h o o o
p rp io g r oi o d pro - o o do ho . o or i i rio d
g r h id d d r io d io o i i o o r do
pr prio or o d pr r o. or o o o o- o r r or o d h id d i di id -
p rp io o i - o or - i io
o o o i oi i rio d g do . d i . hori o i i rio r gi o
p r id ro h d x d o pr
propo d o pr o d i id d
i do p r ro p r o o r oh -
o o h i rpr o do p r dig
.
io o i o o o d io o o
o o i pr di o o - r r di ip i p r rd hori o
pi i o. o o r r o o r o d o i po o pr pri
propo pod d o r r pro i or p r io o i o i i rio. p r r
io . ri ir r r di r id d r o o po p r o-
r r d io p r rd i- i i di d o o id d orig d i-
o o pod r i r op r r r o do d i r o d di ip i . p rp -
r dir io r i r o po o - o ri i p r r r por x p o por
ri i do p r r r pr d r g o ir r o p r i o pr o ri o d pro o
p i i o. g do g r o o oo od d d o o i i di id
d o o r o h pod or r o r i pr xi do go o o do d -
p rp o r r o o io o i i ri 3 .
or do p id d d ri d io do o do p r dig i i rio o o i -
pro r o o i r o r o o ri o r o ethos od r o p r i-
o or p r o or . i r i o i o o
p r r d h i rpr i i ri r id or i di d o o id d h -
p r - io o o oh o 34. o pr oo r
o i od o o r oh por do rr di io i p r id r
io do o o po o ri o i r i i i di id i o orr
i i i d o d o id d i ir . or o ro io
h o o di o. o ri i i r o p r opor ri rio x-
o pr d - o or d io d d i o d id o r i r
p r rd o o o o d r i- r or o p r ro d i i o
r o p h r d o io gi o pr o o do d di i ir di r i -
x d d di r id d o i i r i. o o o i g rid d h .

e er ncias

1. rod . h r o io hi . or : x ord i r i r 2009.


2. o . h r o io hi : hr dog d po h o . io hi . 2010 24 5 :218-
25.
3. dg o . io hi d h r i or o o io- h i xp o . o d i.
2010 40 2 :1 3-8 .
4. i . h d h o io hi o i . io hi . 2010 24 5 :211- .
5. ott r . io hi : ridg o h r . r : r 19 1.
. ott r . ro g o io hi : i di g o h opo d g . : i r di or. r i g o
i o h d. hi g o : d r 1991. p. 15 - 2.

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 223-31 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222003


230
Uma genealogia imunitária: a bioética e a busca da autoconservação humana

. ott r ott r . o io hi : o r g i d op ogo r i . d


o r i . 1995 2 3 :185-91.
8. i h . h ord io hi : h r gg o r i ri i g. d hi .
1995 5 1 :19-34.
9. h p hi dr . h pri ip o io di hi . or : x ord i ri
r 19 9.
10. i h . h ord io hi : i ir h d h g i o ho ho h p d i . d
hi . 1994 4 4 :319-35.

Artigos de atualização
11. o . or r r: h op o io hi r i i d. r p io d. 2010 53 3 :452- .
12. po i o . i : pro io g io d i . ori o: i di 2002. p. 212.
13. h r . rodi o d hi ori o io hi . d i . 1998 12 1 :9-22.
14. ox . r i g io hi . x ord: x ord i r i r 2008.
15. . ri hr 192 o p o io hi . d hi . 200 1 4 :2 9-95.
1 . o di . ii g h gi i g o io hi : h o ri o o ri hr 192 . r p
io d. 2009 52 3 :3 -80.
1 . gor . ri hr io hi i p r . h i hi o ophi . 2011 51 1 :141-50.
18. r . ri hr d h o d o o g o io hi : h r o i gr
io hi . r i : i r g 2012.
19. op . io hi p i di o r d o d-ord r di ip i . d hi o .
2009 34 3 :2 1- 3.
20. p rp . o por r d i io hi . x ord: i - 2013.
21. ordi . d oo o g o io hi . or : pri g r 2014.
22. . i o i r i i d: h or po i dr r h progr . : d
oo di or . h ri o i d o d: ri i or o i h or . o do : g 2000.
p. 211-29.
23. o . h ir h o io hi . x ord: x ord i r i r 1998.
24. ott r . ii i h r po i i i . io hi or o o ogi : pr id dr . r
r h. 19 5 35 9 : 2.29 -30 .
25. g . p r o: o o i . i o: o ori ghi ri 2002.
2 . g . o o r: i po r o r o d i . ori o: i di 1995.
2 . o . d dr o i : o r o g d r 19 5-19 . ri : i 199 .
28. hr . io io g r o d i r o o ro d pr d
io o i i : i rod o. i d io . 2010 1 2 :99-110.
29. hr . io o o or d r i i iopo o iopod r. . io . pr. .
2010 18 3 :519-35.
30. o . i oir d x i : oo d oir. ri : i rd 19 .
31. po i o . o : iopo i o o . ori o: i di 2004. ido: 13.5.2014
32. rd gri . pir . ridg : r rd i r i r 2000.
33. po i o . o i : origi d od o i . ori o: i di 1998. i do: 3. .2014
34. po i o . r i i d po i : o i i i iopo i . i o: i i 2008. pro do: 18. .2014
35. po i o . r p r o : po i d i oo d i p ro . ori o: i di 200 .
3 . o ro . d o po h dig i . io hi . 2005 19 3 :202-14.
3 . rr . o o i o o x o po o d io . . r . io . 2005 1 2 :122-32.

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222003 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 223-31


231
El paciente como “texto” según Ricoeur:
implicaciones en bioética
Carlos Alberto Rosas Jiménez

Resumen
Artigos de atualização

i o r o rr i id i id . or o o xp ri i h po di i rr
d ir r r rr odo ro i r d r d oh o dr o r o o
rr o. or r or d xo o i r p r i o r od o g r p r dio d i
h p o id o o o r i r i r p d r. i do r og -
r d r xi h o pro di do o i d p i o o x o d ri i o ri p r r xi
d i r di o r do or d h pr d i r po i id d r d ri do
g rp r pri ipio d o o .
Palabra-clave: io . i . o o p r o . rr i . i o r.

Resumo
O paciente como texto segundo Ricoeur: implicações em bioética
i o r rr o id i id . or o xp ri i h po i di o rr o
r r rr odo or o ir d r o do h o r o id r r rr . or
r o ori do x o o r p r i o r od o g r p r o do d oh poi o -
id o o o r r r po r. do o r o g r d r x o pro d o
o od p i o o xo d r o ri p r r x o io o do di o r g do
o or d d pr d i d r po i id d r d o ri do g r p r o pri pio d o o i p r
.
Palavras-chave: io . i . o o i p o . rr o. i o r.

Abstract
The patient as “text” according to Ricoeur: bioethic implications
i o r rg h rr o i i d i . h r or h xp ri h rr di io i i h rr -
r r d r or o o or h h d o o id r h rr . or hi r o h x
h or i o r d o i o r i g r od or h d o h o i hi i o i d op or
o o ho r di . i hi g r r or or di io h d p d h o o o h p
x d d ri d h ir ri h or r o o io hi d di r i g h o i i g pr d
r po i i i d r di o ri g p or h pri ip o o o d i r.
Key words: io hi . . ro o o . rr o . i o r.

Mestre ro ro g i. o i r id d d o d ogo oo i / i r id d o i o i ri
d oo i .

Correspondencia
rr r 2 o 12-31 i/ d oo i .

r oh r o i od i r .

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 232-9 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222004


232
El paciente como “texto” según Ricoeur: implicaciones en bioética

i o r es uno de los grandes representantes ética 9 di o o o p -


de la hermenéutica y es también, aunque esto toda- i o h r o o o o pod o h r
vía no ha sido suficientemente subrayado, uno de i o d o d h rd io h r -
los grandes teóricos de la ética actual; su filosofía es la bioética será hermenéutica ― bioética
ética, es reflexión sobre la vida moral, de principio a hermenéutica ―, o no será gr g or 10
.
fin, y es también hermenéutica, una hermenéutica o hori o o r o id r r

Artigos de atualização
que nace de las insuficiencias de la fenomenología, p i od i o r r o r
o de cierta forma de entenderla 1. p i o r o o i d p i o o xo p
2
i o ri o di pr o o - d ri o o io h r
oo h r i i d o - p d ogr r r or o pr i d d
pr d r r p r rd io xpr d p i o r o po r p ro h
xi i i do r p r r ro o o d r xi io i od
or od p ro d propi - h r di o. r o h r o r r or-
xi i . rido o r o xo d io go
i o r p r d o o og o id r i d p i o o xo
r i i do i d por h r i p i io o i io .
di r i d o d por po o d -
r i propo h r o o-
gi 3. i o r di ro di 4 h rd a bioética en contexto
odo i h r i
i h r i g . r - 19 0
. . ott r o ogo d orig ho-
i d h r o ro di r d p r io did o o
o do : reconstruir la dinámica interna del d id o pr di r o o o o
texto y restituir la capacidad de la obra de proyec- o d ho r o r id h i o i-
tarse al exterior mediante la representación de un i dio i 11
. i g
mundo habitable 5. io h ido p i o d rro o
o d o gr d por d i o r p - d d o o o o o i -
r dig h r o o o o di or i i rgo o o ri h ido
h rp od i o r r rr o d po i o odo i . pro g -
xp ri i h p rr io or p r- r d o 12 pro i d id
d r id o o rr dor d o o ro i - or o o o o ri ri i i o o
o rr i or d prod ir do i o i p d o d ir o i
d r ri g d r i do d d ri rio p r priori r i or
h do p d r p p d h r o r o ro i rod i do i r d r o
ig d d por o h h r . io r d d i io o ri go d g r r io
i o di la narración es vida vivida por o d pro di i o i or p r d d r .
o i xp ri i h rr - p r o 2000 h d od o
r r rr r io id d d d o io di o r d io i pr do i o -
h o dr o r o o rr o . pr i d h ho d d por pro d
or d xo o i r - i pir i r i h o i do o di o
p r i o r o o o i ro 8 r r p i d rpo
od o g r p r dio d i h o id r o p o p i o gi o o io i
o i ig i por o - d r d d 8. d pr d o o di
id o o o r i r i r i r i ro 8 id d d r or r p i -
p d r por o i o i pr do d d o o ri d i r r di d
ig i do p o r i do i r p r ip dor o r x i r d -
pr i d p i o o o. i pr i orr or d di io
i or h d i i do i d - org i p . rg por o ii i -
d ir r ri por i io - gr d p ro h o pr d di-
id d d id o p r o ro i io- io io gi p i o gi i o piri .
3
í mismo como otro o r o p rd i p r id d i -
propi di h . Todo el fenómeno i o di o h ido o ido pr -
hermenéutico de Ricoeur cabe también para la Bio- r d r r p o i d

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222004 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 232-9


233
El paciente como “texto” según Ricoeur: implicaciones en bioética

di i . o o od dio h r ir io r i o p rp d
d rip i xh d di r h r do dir i
o i d d i o o r o i i d o d - d i r o o r d rg i r -
ro o d i io d io p o i d i rpr i .
i i i d o r dor d d o 2
io pr io
o ri o r ir r d id op p d r i rpr d d ir o o-
Artigos de atualização

r d r d d do o id
o or d rd di o d p i
ro ro o r o d p r o r
i o o p i d propi r
r g r o i i i r p -
ri i oi i . i rgo o r-
d xpr r o o o.
r od io h r p i
o or p i i h d do id d d i rpr i d p i
r do r i i o d r xi io proxi r p i o o xo i
h ido d ri d p i o r do o id d i gr id d p r pod r
o o d rro do o rgo d hi ori . - rp o pr dido.
i h h ho rio por
d io p ro i r -
xi o o g p ro i o El paciente como texto
p o po o o r i i d
ropo og 13. o p id d d p ro h p d
p r o i o pr o d d i por- d g r o r r p r o o o-
o r ir d p ro h i d xo p todo lo que es susceptible de ser
como 13: ho r o o o i di id irr - comprendido puede ser considerado texto: no sola-
p i r r ridi io d mente los escritos mismos, claro está, sino también
p ro rpo p ri r r - la acción humana y la historia, tanto individual como
o o origi rio r r d id d colectiva, que solo son inteligibles en la medida en
r io i rp r o pri d i r d que puedan leerse como textos 14. d i
or orpor id d o p x - o i d xo i g o o
id d di do ho r o o r - oi i d p ro h ir
r o ro r go o o r r rr o d dig id d i i di po i i p -
p ro r o ro . op o i rd p r r i rd d
prop d io h r d i o r. i do d i o d r d io i o i -
g or xi id d d i o r d ho r o o o od
io r d r o o podr - r po i o o x o ord di r i h r-
o i r d p r dig h r o. io- o do p r i rpr o
d ro i d r o ii do d o h o g do d d i r
h r p d por r o op r r o di i pro i o o r i -
8
o p od r r i g r di i pr i i r i r i rr o p .
i o p r r po d r o i r po i io r r p ro
o p id d d id por o ig i d h o p rd r ir d o r
r . rg o id d d o g r r pr d r r p i o o i ro i ro
o pi o gi o d io di - or p p gi r d
2
d d o por or h r p r d r di o r o di i o r
ri o ri por d i o d. por o rd d ro r d r rd -
d p dor r o id ri r d r p i o di i d xo
d o pro i o d d id d pro d d ir d r id d i r o 8. p r-
id d dd p ro i i i or d o h odo o o i r xi i
o r d i io d or ig i do r d d por po
r io d rid d. o xp ri i h i pr h ho
g i o i do go d o lleno de significado 15. o rior i p i
do r o id h ho pi - io h dido d i r r p i
rg or o ro d i g - o o x o d h ho g or
i . o pr i o o di i ro 8 o di h o do o rgo d hi ori o
o o r r o - i por i i io id h o

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 232-9 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222004


234
El paciente como “texto” según Ricoeur: implicaciones en bioética

o io gi i o iogr r - El “texto” requiere ser escuchado


d d r p d iogr 1
. or o h ho d p i i o o o
o o d propi i d i rpr i o ri- x o o di i ro 8 i i od
do r r i i origi irr p 15
. rd r op d rg r p r d -
i od d i i di o r xr d d i io p r o d ir
i pr p p r d
rro d o d gr id d o d d p ro

Artigos de atualização
i rpr io d id ig i i p -
o d o. i pr pr r -
r d r i r o ho
id d d p ro r o hi ori p r-
p d r od i i o i
r i irr p . r id d iogr
p d pro r or o or did -
hi ri p ro i o po d p i
d. r r di o r o o
d do d o gr d o r o -
o p p ridi io id d d o h o
di i d dp r r do d o po-
o podr r o pr dido i i xp i do i o
i o io p r r r r d do -
2
o p d d p r id d 8.
r or . o o o dir d
r r r rr . i d d - or o ro do i p i dido o o
di o po r i o p ro i o xo ro di o d r i ir r -
rg o d dor d di po o o or p r i o p r pr d r d rro r p id d
d r xo 1
propi r id d p r o- d h d o xo i r d ir. or-
por o op d i o d i r r i i ir di i h -
i i d o r p r r o o xi o r o d di r d
i rpr i i o i rpr i xo g r o xpr
d ir i i pr p . di o p ro g r d r r
i r r . odo o di o o o -
hi ori i o or pr d p r ho o p r o i o
pr i d rr di i o o do i r o o i i o i od
ro por o pr d r p i o r r pro i . di o d r o d
o i pro . do or o 1 o o o xi r d d i o xi
o ri o i o r o - pri ip r o p ro o r
d rip i xp i i d r - p d g r d d.
d d i r hi ori i r r -
id d d r d d p p r go o di r i io d or i
o r o r do p ro . oo di i rr es indispensable para crecer
r d d go p pro o en humanidad y puede contribuir a hacer más
d r i r i r r o do por profunda la capacidad de comprensión del médico
en relación con sí mismo y los demás, y también más
o hi ori i d
aguda su sensibilidad podrá ayudar a percibir la
ii r o rior h ho p d
1 complejidad que también la vivencia de un hombre
rro r o r do d p i .
físicamente sano presenta, y a darse cuenta de que
o id r i d hi ori i i el dolor humano representa una realidad mucho
d d p rp rr io más amplia y difícil de explorar que el mero sufri-
p r i p i i od d miento físico 18. r i io or o o -
p rp di r . i hi ori i p d i dir i io r xi io
r r o p por r id d d p i - p p r i r or g r io d -
i o ho o p . p i di o d d r o p i -
xo d r do d pri ipio o por dio d o di hi ori i p -
or i r io do p do o pr - d r i hi ori d r d d
i r do ro p o d d p i o ro ro o r o
or o pr d r o i rpr r o or. r id d d do or ri i o.
o i d p i o o xo p id d d h d rro d por
i p i io dir io h o di o r p r o o h d i o
rido o rd ig i r : h xo r rr do o pr d or
p i pr d i r po i id d i o p rr i o po d -
or o pr i d o o d p i xpr i d o o pr -
d i io io o. i por p r d p i . r p o irr ro

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235
El paciente como “texto” según Ricoeur: implicaciones en bioética

d i r : La hermenéutica es diálogo 19 r p r - io d i o rp d r o id r d
i io di ogo d r r do p r p :p r p i o r p
d po i io p r p rp ori d i g i d -
d rip o pro d r i r r i p rp r p do d
r o r dor o r do 8. io r i di ip i
rio d r ro r o r r id r . o h o -
Artigos de atualização

pr di ogo o id r i ho d i o i o r di or r h r -
o di io d p i o op d po r d o xo d id do d o ro.
go i i d o pri ipio io o r r o d o di i o r: hacer de
o dig id d h id h otro mi semejante, tal es la pretensión de la ética en
r i pr o o or o o. lo que concierne a la relación entre la estima de sí y la
solicitud 20. r po i id d d i rd d r -
h rgo d g i ig i o id r r
Aproximación al “texto” con prudencia
o ro o o . i o p do
g or o i o r io d-
o r po d r o ro o o di i dr i:
i r o i i gr i i d pr -
Debo cuidar del Otro porque está allí, frente a mí,
d i io op d o ro
pidiéndome ayuda y no tengo otra opción que res-
d i io pr d i o do pri r
ponder a su pedido para constituirme en mi propia
i d pr di . i o r r r
humanidad Mi responsabilidad hacia aquel que
pr p o i pr d i : pri r pr p-
sufre es un permanente llamado a dar y a servir 21.
oh r r i i g rid d d d p ro
r ri i . g do r o r h r ori
i di i i i id d d ir id d d r r o o d i o r o dr o o di o
p ro o o odo o d or r g - o d d i io r po h r-
d o id r r d or i d d d d ri i r d
p r d rpo o do i d d por p i - ri io o podr d r d r i pr
i i d o r di o o d i r o d r po i id d . di o o r -
o io gi o p i o gi o o io r . dor d d h r r r po
r ro d d r r d p i dido o o x o i o i-
i ro or o d i o . d r p r i o r id d d xo
i ro r do o pr dido .
rdo o or i pr d -
i dd g r pi i io i -
g r p i i di id i do La pasividad y el principio de autonomía del “texto”
r i i rp r o o di o i di- o oh o i o r i rpr i
id po d r o o ro propio d xo pro o di i o i r i -
d id r pr r r i io d or xo r p r di o-
pro i o r r o o i i o. go i rgo x o po gr do d p i i-
o o h o podido o r r d d do d p r r do h do
o do d p i oh r od i o r p r r o pr dido. o dir r i
xi p i id do por x o. p o r id d d p i p el ser humano no
d r o por gor d x- es solamente aquel capaz, aquel que puede; tambi-
op d r pi d p i . d én es el incapaz, el que no puede, y todos somos esa
d r h do hor r do o pr d i mezcla de capacidad e incapacidad, todos somos he-
i o id r r r ri i chos antes de ponernos a hacer y esto es lo que nos
i di i i i id d or o d i o o hacer ser, en un sentido, pasivos antes que activos 22.
xig r r do. por o i o rh do
p od id do or d io . r o o i i od p i id d
o g i o gr do d o pod r ri i o
i dd r id d i id d o r -
El “texto” reclama responsabilidad r i id d i r o o id r r r -
di i d id do d ri d id d d p ro h o o r do d
pr d i o r xo o r - o o r i id d r o i-
i r po i id d. o xi rd d ro i- d r d i i r d ir go o do 23. o o
d do i r po i id d. por o h o o do o ro dio: toda la realidad del

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 232-9 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222004


236
El paciente como “texto” según Ricoeur: implicaciones en bioética

ser humano, incluso en momentos de mayor dolor y pr o o prop o p ri di o -


angustia por la presencia intensa del mal y del sufri- do p ro h r po -
miento, se llena de sentido cuando descubre que es r o r p d h r r
frágil y débil y que por tanto, tratar de alejar la expe- po r o o io o i io
riencia del dolor y del sufrimiento es algo imposible 24. o r i d ir d d id h
p i id d o ro odo o di io d d o p i h r . o i-

Artigos de atualização
d r i d o i ri i p i io
p d g r r x o p ro r xi io -
io .
o id r i d p i id d o i r
ro d pri ipio d o o p o pod - pri r g r xo p r d
o h r odo o r o i pr por - r do d r o pr dido. o -
po p r d po o i r d r r r r d o r d xo i proxi
hi o p ro o o o p d p r por i xo o d dio r d po o i r
d o id r i d p r ro r - por op d r o io o r d r
rrir dio d r prod i i d i d xo r i r d o pr -
r d rio rio pro o 24. d r o xor r d ir. or
r ri h d xo.
or i p i i io d o i d
El “texto” y la casuística p i o o xo p o h r
o d o gr d o i o p i dr r x h do.
h h ho io x i 25 2 .
g do g r o o r o o pr -
i o 2 d ri g d r d ig i -
d i . r i r g r i pr d i d
r : pri r g r por pod r o r r
h i o rp r r id do o o xo
r i r i d or o por d
o i pr d i o h do
o r xi g do g r por di -
or d io . r d pr d i
d o i i pro do d i i
di o r dor d ogr d rir
do di r i rpr io di-
gr d o p id d o xo d
i rr r r g r por dop r
o id do r i r por o o r r o
p rp p d o dir hor
pr d i . i rgo o p d o r r -
d r p ro i r o r o orr o i r po i id d. o d p i
o o. r rgo d g i o o i -
r o o p o o- o o i d ro o o
d oh r o- rr o p i o oo o r o r o o xo -
i o i o i d d i o pri ipi i - p r r do. o pr d i p i i
og o o por p r r d o o i o h h ho rgo d i h do xo
i por rr io d ir o o o - o p o i h h ho r po d .
xo . r p r r d ho or o ro do i i x o po -
o i d o o pr r d d d r r d i di id id d i d p d i o p d
p rp p r po i i id d d r o ro d d r d r gi id d por o d
p o d i o ri or o - p r rd r id d i i r d ir go o -
p o pr i d i i 2. do. xo p r r do o o o o
rio i g r d d d r d idir h r o o o i r o-
o pero tampoco podemos caer en hacer que la dopod ro o i i p ipo i rio rd -
sabiduría práctica sea transformar en regla la excep- d r o o o id r p i id d d xo.
ción a la regla 28. p i rh o - i g p i p d p rd r o o p ro
o i r po dig id d r id d ig d o g i d p r-
or propio o o o por id d d o h r
p ro h . h di o o ii r o igo d
p r r.
i o i d p i o o xo
onsi eraciones nales p r i o r r g r d do -
r xi io . io h r -
o i d p i o o xo i d o i r p
d ri d io h r d i o r i rpr io p ro o id r p i o o

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237
El paciente como “texto” según Ricoeur: implicaciones en bioética

p ro h i p o od i rpr o o di o o
i r po dig id d or propio r dor d.
o o o. g do p o pod o r
r o r r h r io - i rrog r ho o ro por h r
oh o o o i o i o o or d i i r xo i o o
h r i io io o. po i i id d d ro og por h r o
Artigos de atualização

xi ri i rpr io p r id d d p r - di o d i i r xo r
p oh d io rd oi - i h o gr do id r ii i -
i r o o o di i o 29 i p o r i d xo h pr g
or d io h r o - o i r r do o io o o
id r i d p i o o xo o o r - d xo pi io p ro
id d i r r o pr did p d o xi r o r r p d g po d do i
o dr do po o xi i d or o di p id d.

Re er ncias

1. or . io h r . por i d i o r io .
ri . 200 2 1 . p.283.
2. . por d h r ri o ri io . di r o . ogo :
o i i r id d ri / o d io 2011.
3. ro di . h r r o : rd r 2008.
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5. ro di . p. i . p. 11 -8.
. or . p. i . 200 :281-312.
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10. or . p. i . 200 : 312.
11. o go . o p o d io orri . : o rrido o go
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i r i ri 200 . p. 1 -38.
12. o . io pri ipio d o id rid d. i o: i r id d d
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13. rgo . io p ro i ii d p i id d d
d o ri o . d r o d io . 2013 80 24 :1 -30.
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15. o . io i r r : prop p r ropo og d ri i o.
ro io . 200 10 2 : 122.
1 . or . o id r io io o r r di : r r d
r r r/ od r . i hi d rop i o og . 2010 5:38-45.
1 . o . o r r r . xio o r i r r r d d. : r i
di or. r gi id d d o ho r . drid: r d 2008. p. 103-24.
18. o . p. i . 200 : 128.
19. i ro . p. i . p. 155.
20. i o r . or i . drid: p rr di or 2001. p. 108.
21. i dr i . o o o o pri r : d i d id do
di o d d d r po i id d. d r o d io . 2010 21: 13-20.
p. 19.
22. or . r io d rh o: o o r i id d. h .
2004 33: 425.
23. or . p. i . 2004: 423-8.
24. o . o pr i d do or r xi io : proxi i
pr i i r. r o . i ro ri d p ro i o o i rio. 2013 22:
83- .
25. . io : d . i rio o. 2008 121 r .
2 . o . o id rid d o o or io o. r o io . 2011 15 1 : 10-5.
2 . i o . io rr . d o i d io d . 2013 9: 1- .

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 232-9 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222004


238
El paciente como “texto” según Ricoeur: implicaciones en bioética

28. or . p. i . 200 . p. 293.


29. i o . p. i . p. .

i ido: 5.4.2014
i do: 3. .2014

Artigos de atualização
pro do: 9. .2014

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222004 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 232-9


239
Diretivas antecipadas de vontade: benefícios,
obstáculos e limites
Maria Inês Nunes 1, Márcio Fabri dos Anjos 2

Resumo
Artigos de atualização

o i o d dir ip d d o d rgi r po o o o gi o o r o
di o gr i o pr g do i g o o o od prog or i . r do
pr do o o x r io d o o i do p i .A o o 1.995/12 do o ho d r d
di i estabelece os critérios para que qualquer pessoa – desde que maior de idade e plenamente cons-
ciente – possa definir junto ao seu médico quais os limites terapêuticos na fase final de sua vida. O documento
é facultativo e poderá ser elaborado em qualquer momento da vida e da mesma maneira modificado ou re-
vogado a qualquer tempo. r go por prop i o di orr r o r io o o i i
o id r do o o ro d p i r i d o r o xp ri i po i g d
o ro p o i i o d o ri ir p r di od i o o r i.
Palavras-chave: ir ip d d o d . o o i p o . io .

Resumen
Directivas anticipadas de voluntad: beneficios, obstáculos y limitaciones
o p o d dir ip d d o d rgi r p o gi o r i o
di o gr i o i do o i io ig o o pro o g o. od
do o o i r i io d o o d r o. o i 1.995/2012 d o o
d r d di i o ri rio p r i rp r o or d d d p o -
i p d d ir o o di o o i r p o d id . do o
op io p d r o i r o od id i r odi d o r o d
i r or po. prop i o d r o di r o io o o i i -
io o id r do gr d dd i g io r i d o r xp ri i po i
g d o ro p o d por r di i o r i i d r r i.
Palabras-clave: ir ip d . o o p r o . io .

Abstract
The advance directive: benefits, obstacles and limits
h o p o d dir rg d i r po o h h o ogi progr d ggr i di
r i g po d i ig o i o i h o d prog o i . h or o hi do-
i h x r i o h p o o . h d r o i o di i 1.995/2012 o o
ih h ri ri or o pro id d h h p i g o d o gh d r o
o hoo og h r i h hi /h r do or h h r p i i h d o i . h do i op o
d o p d i i d i h i odi d or d .
h p rpo o hi r i o o id r i o d i i o id ri g h o o r -
r h rri d o o hi h d h po i d g xp ri ro o h r o ri i ord r o
o ri o h di io o i i r i.
Key words: d d dir . ro o o . io hi .

1. Doutora i 18 g i. o i r id d d r ho i r id d o ro i o o/ r i 2.
Doutor p r rr . o . r ro i r i rio o io o o/ r i.

Correspondência
ri i r 2.039 01258-020. o o/ r i.

r oh r o i od i r .

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 240-50 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222005


240
Diretivas antecipadas de vontade: benefícios, obstáculos e limites

A Resolução 1.995/12 do Conselho Federal de d id o od r o i o d i


Medicina (CFM) 1 instigou o interesse da mídia bra- p op i o p p r d idir
sileira sobre um tema multifacetado e polêmico: as r p i o do id do i or do pr r -
diretivas antecipadas de vontade (DAV) – também i o ori do o r p o d idir por .
conhecidas como testamento vital ou por seu nome xi i doi po d dir -
em inglês, living will. No mês seguinte à publicação ip d : pri ir op i p i

Artigos de atualização
do documento já repercutiam nos meios de comuni- o r o di o d o o r or-
cação as opiniões pró e contra de renomados médi- ido r i o ro d -
cos sobre a pertinência da resolução 2. o i d o i g d r
o r o ttor r d ido o o d o
Em vigor desde agosto de 2012 a resolução
d r do ro o i ori r o r p o
estabelece os critérios para que qualquer pessoa
r pr g o pro r dor d idir
possa definir junto ao seu médico quais os limites
o do p i o p r odo o o
terapêuticos na fase terminal – desde que maior de 8
o p p r .
idade e plenamente consciente. A DAV é documento
facultativo e poderá ser elaborado, modificado ou dir ip d d o d pod r
revogado em qualquer momento da vida 1. di idid doi gr po : 1 afirmação de valor
2 instrução diretiva. r od or d -
o
iod rgi r po o
r pr r i g r i o or do p i
o o gi o o r o di o gr -
r o o r o di o d odo g r
i o pr g do i g o o o
o r d or p d r -
od prog or i . or d ig-
3
oo r id d . i r o dir xpr
d p r pro g r o o i do p i o
pr r i o r por d r i do r o
r d do p rd r p id - 9
di o o o x o d d r i d do .
d d d idir r por io d do o i
r p i do o o i o o r - r pro o r o o d o do
od do /o o o r pr g ido d ri o o gr o pro o o -
por d idir i o 4. r i o ig p r r
d 10 d d ro d 1991 do odo
o o 20 o dir ip d o ho pi i i i d o g p r i .
or od i p i pri ip o rig o g d d o r dir ri -
r o d o h i o o r - ri r o d r o pro io-
id d g di r i d d o r o o o p rg r
r o di o o p i i 5. o o - o i di d o i gr i i od d
o rg o pr o r di r o p o i or - o d o dir i-
or do i r propri d g i p r od or - 10.
i o 3.
oi pro do o od p -
prop i o d r go di orr r o r o i id d d o rio o d o o r p
io o o i i d pr o h ido o o o o r d o d -
i o id r do o o ro d p i id r o ri i or r
r i d o r o xp ri i po i io g p r ii r o d d d i o
g d o ro p o i i o d o ri ir i . did oi pro d
p r di od i o o r i. i r p o io i ir
i r o p r pro g r o o i do
p i . oi i p o p i
reve ist rico das D
r di r por io d ri i r d
i po i o di d r o i r i i
po o i d ro d
d o d og - do p o di o o r o
do i r prop o o i i i g i rr pod ri o h ro d o do
o o io d r o o do o i o rg p i o i i ri o d d d i o
o d id r op i o di o r - i di i p o g or p r
o pr r i d por d r i do r - do i o o ri iri p r di i ir o o d
o . i i d d 11 12.
o di di g d ordo o o r p r d r - o r
o io hi h r dir ip d o d o r r pr o p o 13-15. i

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222005 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 240-50


241
Diretivas antecipadas de vontade: benefícios, obstáculos e limites

19
o oi r d 1 i di o r- gdo o o o id io
iro d og do r o p i - d r ri d or : d d di r
pr ri o o r r o r or i - i o i por orr r rod do por ii r
p id d g r o pr di r rido di do o d do ori do
d o r do ro opi i d p or r do o o di ri-
o r pr g pr o hor i o do ho o id r d . d
Artigos de atualização

r d or do i r do p i 1
. p r do d - po o op r ro or d or
r o id d o pr o r p r o o i d d d i di d o
d o pop rid d d r do id i d ir d orr r 19. do o
do o 0 d ido o i- io d r o or o r
do o id d or i r 1
. i d ir p r o o do or
o r i o o 1.995/12 di p i i g r do o do por do -
o r dir ip d d o d do- r i . or - rio -
o o pod r r or do r r r o pro o d or
19
r o o d id d ir do orr r d ir o r .
odi do o r og do ri 1
.O ri d or o -
documento define DAV como o conjunto de dese- ri i p r o r o di r x o
jos, prévia e expressamente manifestados pelo ho d xp ri i por o o p -
paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, h do p o i i o i :
ou não, receber no momento em que estiver inca- Morrer não é, como julgamos frequentemente, um
pacitado de expressar, livre e autonomamente, sua tempo absurdo, desprovido de sentido ... o tempo
vontade 1. que precede a morte pode ser também de realiza-
ção da pessoa e o da transformação ao seu redor
De acordo com a resolução o registro da DAV
... Quando nada mais se pode fazer, pode-se ainda
pode ser feito pelo médico na ficha médica ou no
amar e sentir-se amado 20.
prontuário do paciente, desde que autorizado por
este. Não são exigidas assinaturas nem testemu- i o o o gi o d -
nhas, haja vista que o di o por o d ri r do r o ri r p r g r
pro o po i p i o io or o g d r i o o go r
g r di o 1. pr r r r o o p r i d o o i i ig r id
po o médico deixará de levar em considera- r pr o 21. o pod o g r
ção as diretivas antecipadas de vontade do paciente o pri ip r d d io
ou representante que, em sua análise, estiverem em o ri r p r r i id r o io do
desacordo com os preceitos ditados pelo Código de id d d id o g id d h o -
Ética Médica 1. do este desenvolvimento pode levar a um impasse
quando se trata de buscar a cura e salvar uma vida,
com todo empenho possível, num contexto de mis-
ano de undo da D são impossível: manter uma vida na qual a morte já
está presente 22. i o r p r d d o -
p r do opo d r ho o r o d o r p por d ir i
di r r p i o do po or o p o d or dig h i i r o
di d d id o id r o i por - o i d d g or .
di orr r d ir i o r o o do r i o p r o
rgi od do d r d - ro o r r do id r
io o o i i . o p h do o pro io i d d p r r
i r o orr r o i ido do d em função de uma ciência que
. p ho p r pro o r - exige exatidão, eficácia e resultados para vencer as
r d r po i id d p pr pri o di o d doenças, uma ciência que diante da morte se sente
i d d r ri r o ig p r r fracassada 18.
or o ir xi r di g od - o ogi di i g di i por-
18
rd d . d i di i - io poi oi d o i o
r di o r o h d propi io o pro o g o od
d rh o d id o o id d do orig o di r r id d d
r o r or 18. id pr o p o o id d o g r

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 240-50 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222005


242
Diretivas antecipadas de vontade: benefícios, obstáculos e limites

o o r do i r r o o pro od orr r r gi r p r i i r-
do i rro p - o 22. i o por do i o o por d id do o
o o d odo o r r o di po i d di i xi xp d r p r o. o
p r pro o g r id d ri od i- o r od od r r id do r -
d d : h d di i g do i i 23 o ir o p i r dor i o d gr -
ig i o pro o g o x g r do do pro o d i 18 2 r do- pro o

Artigos de atualização
d or d p i o r o por i por o i o r p r o
o ro or o i ig i o o pro o g - pro io i d d i or o h d -
o r i do pro od or do d p i .
ri o pro o r 24. i pr i o priori- o por o d r o
r id d d id r r r or pod r p i d i d pro oo r -
o o p r do pro o r d xi i . d d r i do r o o r po -
o id r o o pro od orr r d r i id d do p i 2
. or
p o r doi or i o: i io- o i pr i d p o pod
i id d d id h xig i d orr r i di r r pr o rio o-
18
o dig id d h . r r o d r d i por do- io
18
xpr o or dig ido ri d r o d o xp 18
.
i rpr d por r r o dir o
i o o o por r p r
p r . r or por enefícios, obstáculos e limites
ig i do o r di o d pr i oo
r d i . O cerne da DAV: a autonomia
dop rg r 25 o r rir o o rd i o id r do o hor
p i o do r i o o o dir i- p r op i do o o g o i-
o g od r r r o h r d o o orr i di ri di i p r o
d i d p do i o evitaria di o 28. i por i d o d d d i oi -
confundir a eutanásia contestável com a justa recu- or d o p r h d p o pro io d d
sa da distanásia. or i r o do r - d op i i p r id d
rio g i o On dying well d é um erro em- do id do r do . i r r o r
pregar a palavra eutanásia para as decisões de não p r ip o do p i o r o o d
preservar a vida por meios artificiais, quando seria hor r do o i o o ro d g
preferível que se deixasse o doente morrer. r d p r od d d
p o r do id do r o
r o o or dor 2 o o 29
o o or r o di o o p i .
o o o i od or dig or o h i o
2
d o rig o d o o gi r id - g do r o d ordo r o
r do or i i or ido pro io i d d
o p i pod o g r
o o od o r o o - i r o di i d id pro o g r
p h o do p i i . r od id r pr o pro o r o o or
r p io or dig rg id d d o p - r o pro io i o do i . i
i xpr r o d d or ip d di d i po i i id d dir ip -
xpr o id do o i di d o d o o id r d io pro i d -
o o r r o di d -o2 . o o d r o o i do p i i
ig i o pr o po o o pro o - o r i po i i i do d x r - 30.
g o do pro od or pr d - i r 31
rg d r o 40 o
i o d di i io diri ir d hi ri d io o o di ip i d o h -
22
. o por io p i o o p i id d pr pri di
o d xi gi o r d pr d o r o pri pio d o o i o do. i-
i o p r i d . o o i o pod - di r i r x o o r pro o do
i i do pr do o. dir i o do p i p r ip r dir d
d op i p r r- d i o o r o id do o o i o rig -
id d or o r r o o di o o do di o r r i or o r p io
rido o r d - d r o i do r o r -
r o o o i di d o d d o d . o di i o io i pr r -

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Diretivas antecipadas de vontade: benefícios, obstáculos e limites

i p rg o o i or r p i d o o id r i r xi iori
ir g r r i or or d r d i i o i d i i
did por o p i - do pod r do por d r i-
o o r ori r o pro di oo r - i op r o o r id .
o propo o 8. o g
do i ig 3
pod -
o o i di i i o r - rg r xp d oh
Artigos de atualização

di io xpr o dir i o do g r o ro o i o d propor


p i d ir o o o - h o i i i d or
id d d d . r i 32 r o p rd r i id d d pro o r o pro o
o o i or o i i d go i o rio p r o d id .
o o i do i di o r
d o o gi o. io o d por -
o o i xpr od dir i o. or A questionável estabilidade das decisões
d o i r o rio ho d r gi o d i d r o-
r d ir o ro d o o o h i o i o do
id d d d . o pod r odo po d d do di o o prog o d do o o -
r i r ri d d di oi i o p op i - o d r go i do r op i
d oi po o r io i d r o r r- o pro io i d d o o i i d
h r r o d i r o pro io r id d do do d dor 2 . or r o p i -
d d 32. d idir o r i r o d o o
r r ir i o o r r pr -
Tonelli 33 i r d rg -
g o por i
po pro od o o i
g p o o pro -
r i i di o io r do o
o2 .
or io i i do p r pr i
i o rgir p r g r r o o ro d pr pro o o od
d i op i g r do o o i . p o o p pod pr
o do d ri r ido pr i o i od r p p r o rd i r p iod
r rir o pod r d d i o p r o p i o ro do i opi d d p r o o
r pr o id r r d i p i do 30 o i xi
r io d pr i r ri r - pr o p o o id d i id d d
o 33. o 34 rg or i o d i o i o or o do do oo
o d r r r do p i o pro od d - p i i r o r o i gi ri
i o p r i g o r di r po d o o ri id d r i d o di o
d r pr o i d di i id o xp ri d . r o r o
d r o do p r r r i id d pro p di d d d pr r
p r r iod do o o i por do o ro . i di d d o d d
o or do . d i o o r d d p i o
o r dir ip d d o d
o r i od
o do p i o -
d - r o od i r
ro r or i por
ri r
hipo o por ir 3 .
d o do o pr o o
o pro od or o o do g r . i r i d por hi o or dor 28
or rio r r o o o do o o d r i r xp -
p i d o ro o d o p i- ri i opi i do g ri r o r id -
x o poio pr o or h i o r pr o p d o o
go i o o g o o i do p i po i i id d d xi r d d o
i o i ri id do o i do i i i o p pr i
o o 35
. o id ro i i o o d o do o r
r o pro p r d é pr hido por g di od i -
que possibilitam escolha, segurança e controle so- pi d d i o do o pod r
bre a morte: o derradeiro exercício da autonomia 35. i i do por o r p o .
pr pr r i r o o rio do r ord r i rrog -
id do o i o h id p o p i o o r p ri i d o d ri r
d p o di o 3 o p o i o d i id d d i r io d

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244
Diretivas antecipadas de vontade: benefícios, obstáculos e limites

pr r i por r o rio hipo - r ord g pr p r i r -


o d r p r odo d r o op r o di o i i r i or g r do
p i i r do 38 op r p i - do o p r r do xi d -
ori i 39 i i d o g p r i o do d d .
40
. r do d p i r i d por hi ro p o r r o id -
o or dor 28 o r d o r d 1.42 r do o pr hi od or ord do

Artigos de atualização
g ri r 842 r po d r o o rio i- p o do r i do por i ir o or dor 4
o r xp ri i po i id do d i go pr i o pr di or d p r-
p i h . p r d r o- d d p id d d o r d i d o d
h r xi pro i o g ri r d d i o o d id o o o i o
poi o o d do o p r p o ido . r o id do r ido i i do o -
pri ip i i o po i o d r - ord i r pr r i r gi r d o po
io o r i rod o do p i por r - d d i o do r pr g o d o
o o i i o pr do i d id .
p i o o d id i i r di d p i oi r i d por io d r i
d id d r o d o o o r pr g i d i di d o d 0 o
or r r p r o ro ro d ip o i h i ido p r ip r do
pro io ii r o r o o i- do d oor i do do d d po-
d do 28. ordo o hi o or dor 28 dori h d r d . r -
po o io g o or d ri o r i or r i d 24 p or
o od h r i o id do do p - do p i . o 3. 4 i o r pr do por
i r r rido p r o r ip r i do 42 5 i r d o d
di d ido o io r o i do d d i o d r o i 03 h p rdido
pro io i o xpr . p id d d d i o h r do
i r r o r o id d . r do o r ig i o o o
d do o. do i go r - od d d o do do p r d r prog-
r o o h io i o d i- o pr r i p r r do ri o do r -
d i p dir o r o r o id do 41-45 e pouco o ppor r i do 199 49 r o
o ri p r r o i i do id - p 21 d p i i o do ho -
do r ido o d o do p i 4
. do i pi i do h . io h
r d o ro p i o o r i prop o r r id do i i do
o prop o r r r od por- 92 o id do d o or o 9 2 oi d
d id o d orr r o ho pi 4 i d odo o id do po 19 83 2 do io
o r o r do o o i - r r r id do i i do 9 1 do i-
o o d o do p i . do pro p - o r r r id do d o or o r r
o o i o d o pr i xpr o o id do d ordo o pr r i 4.
r g ido 5 do o i d p d - do o r po o io
4
d xi i d . do o r ri id do gr i o d d oo
id d do o d r pr g - r . or rg g p -
di pro r o p r d idir o r o id do d o pod o ir h do i di
d o i i do . o i d p r r g r o id do d d
do r io do d d opi i o pr rido ri i rpr o rr d
d p o do r r i o do d do por i d r gr o
pr i pr i o r ro d ido di d d o ro o r gi ro d pr r i por r -
r i -o . i o di o po do o gr i o ig i pro -
pr d io io /o gr - i id d d r r po d id do do
o d d pr o po pr rir r - o p r do o g oo oi i o .
o gr i o d por d id o p r do pod o xp i r r do
o di o d id d i i r pr d ri
iro o r o gr i o o
d io 48. hi o or dor 28 o r o o hor op o p r o p i p r do d -
r o r do h do o gi di o r od r - o. g do d r o io
pr r i d r o d poi d r r r id do iori h o do
d r d d or g - r pr g p r o d d d i o

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245
Diretivas antecipadas de vontade: benefícios, obstáculos e limites

g r o i r p por te à mercê do médico, que decide se o paciente é


i do d o do p i g r por- competente para participar das decisões sobre seu
ir i r r r o i o. tratamento, quanto tempo é relativamente um cur-
or g r i rpr o i to tempo e que define que tratamentos de suporte
or p r d do o de vida são inevitáveis. i xp i o or se o
i por i o o id do r ido paciente estiver em uma condição que o levará à
Artigos de atualização

o o d r pr g p r o d d morte cedo ou tarde e o médico responsável por seu


d i o o r o id do d d ri p r tratamento acreditar que não vale a pena preservar
d r o d or i p r do . i ir o o- sua vida, então o paciente tem uma “doença termi-
nal” e qualquer intervenção médica que prolongue
r dor 4 rg i r o o-
sua vida é “tratamento de suporte de vida”, incluin-
od r pr g x o
do antibióticos, diálise e hidratação artificial. Caso
d o o i do p i o o
o paciente se encontre na mesma condição, mas o
i r d i o o o r ri o
médico responsável por seu tratamento acreditar
d o do p i d o o hor
que vale a pena preservar sua vida, então as inter-
p r op i . r i p i -
venções que prolongam a vida do paciente não são
i d i r o io o o or o -
“tratamentos de suporte de vida” e o paciente não
o i d ri g r r o pro -
está em “fase terminal”.
dor d d po p o r r op r
o d ir di d d po i d p rp o id r - r -
2
o ri p r p rd ir propri - o r od r o r o od
d o id do o d id 4. r digid o i rpr d
pod di io r d i i
pro o io i o o p i do d o d
A terminologia ambígua utilizada na DAV d d i pod r d o oi r op r
Outro ponto contencioso sobre as DAV é abor- di i ir r po i id d o pro io i
dado por Stone 50, que em seu artigo escrutina os i i d d
termos nelas utilizados, colocando quão difícil é o o o ri ir p r i i r d
defini-los de maneira que todos os entendam igual- rg d rd pr o p r o p i .
mente. O autor relata que muitas DAV não contêm a or rg i d or -
definição ou o significado dos termos usados em sua h rgido p r hor r o i o r
descrição e adverte que sem uma definição de “do- o di o o p i d or p r o
ença terminal” no próprio documento a maioria dos r gi r or o r gr g r o di o po-
assinantes entenderá apenas de forma vaga em que d r o i - p r r i d pr -
circunstâncias esse se aplica – mas, provavelmente, o p o o i op r r do p i
não terá sequer consciência de que desconhecem i p do - o 18.
esse fato determinante.
o pr h r do o o pod o
O autor relata que na sua experiência como r r g o o o i o o
médico os familiares e o clero, com quem provavel- o id o o o o p i r r
mente o paciente discutirá o documento, não terão g i r p i do i o o ig i
um entendimento melhor do que o termo significa, do - o pr pri or o d ido id do
sendo que a maioria das pessoas que irá assinar o d d p d i -o o -
documento não sabe que existe um problema. A pa- di o p . ior p rigo orr o
lavra “terminal”, por exemplo, é muito vaga e pode d d o o o o do paternalismo au-
abranger extensa gama de situações. O autor con- tocrático do di o i o abandono respeito-
ta ter presenciado pessoas morrerem no ventilador so do p i 2
.
mecânico contra a sua vontade, devido a quão elu- di o odo r h o o dir i-
sivo o termo é 50. o d p r ip r o pro od d i r od d -
Stone 50 também chama a atenção para a no- i id i o op i
ção de tratamentos de suporte de vida que apenas do do d dig id d d r r p i do r o-
servem para prolongar o processo de morte e con- h ido o o g or 32. or po o-
testa que isso não faz sentido. O autor advoga que, ne 50
p rd r o h r o od rd r p i r
no geral, assinar uma DAV não preserva a autono- odo o r h o o o o o -
mia do paciente; ao invés disso, o coloca inteiramen- o. g r i h id r 51 rg p r r

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 240-50 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222005


246
Diretivas antecipadas de vontade: benefícios, obstáculos e limites

o p or o d o i di d o o d por d id d di r -
o o po ir i or o d d o- do id do o prog o o o o-
r r d do r o o- o r rr g do o r r
h i o di o r o h r o o od id d d i d g r o r o or
ir i o pr i ir o i i r o r r o id do propri do 5 .
o ro r o pr r i do p i g do r o or dor 5

Artigos de atualização
o h i o pro o . i r 31 o do pon- ord g do o i di d o or
d r i pr i i i id d o i o - pr r i do o id r o r
i irr o do h o/ id o i . id d d id o di o /o
i d r x od o d h r i od d pr i x. do r i
dir ip d o id r po i i id - o io o r rg do r o d -
d d d r po ir ri por d id . or pr r i o o
r r o do o r o op i - o i do o i i r pr xi o o r pr -
do d pior r. od i d r i r po i o r o d i p r
r i o o o o i di dor d - op i ip pro dor d d . o
ri i r o r or o p r di o o p o do r or pr r i
r i 52. por io d dir ip d . or r o-
r ord g i di o pro- h xi rr ir r o d -
o id por i et al. 53 i d contrato r ido r i o i d p r o r o orr r 5 .
pacto o pro od p od i- h d i r r i d p r
d do ip do o r - di r i do. g i - r rd rr ir g r go o
di d o p r d o r i do hor o i i por r do o -
x o o p i r o r o o ro di o o p r h do do or d o do
p r r or d i dido p i p o pro dor d d o p p o
o o do pr i rig i di d p r o r d i o g r5 . r-
o r o/pro di o r r - o or dor . 5 o r
i do o r ri o o r o o pr r i o propri d p r odo i o di-
xpr p o. r rg - o d ri d ir i r o o oo
54
h p r o prop i o d p od p i pod i r d dir i o
id do o pro io d d d r o ri o d p rd r p id d d d i-
d i pr r i do p i - o x. p i o d i do r i
r pr p r o r oo p o o r gi id d o o d d
o ord . di o d ri r o di o o o i i r.
g r pr r i xpr por o r o o
do i o or dor 58
p o o por pro i id d d o p i
h op r o od p rd
d r d id i r p i o do r od por-
r d i d h d p r g rd r
d id od r do do
ior o o i do i o xi r od
do i por o pr i o 55.
id i g ri do o p i od
d o x r r po d o ro o r d -
Abordagens alternativas i r io d o d id . o o r -
o xo do d - r o or ior o ido
ord g d o i d d d r i g d d ori d p r o or p r -
o ip do do id do o id r i por i do o ii -
r dir io o o o d i p op i x- r op o do id do r io do o
pr r pr r i o r por d r i d i - d id . or r i r do
r i o o di i o i o o prop i o x i r d do p -
i o por o d hidr o p r i r pr g i r p i o do
do id do. i g r- ppor ih 5 od p r o o do r o r io-
d og o od procurador ou repre- do o d id . r o ri ido-
sentante legal i o pro r o p r d i o o id d p rior 5 o p r ip
di i x p pi d d o ro do o gi di o r
o o i . or rg o or r i do . r do r -
ord r o p i o r do i d r - r po o i di d o d r gi r r

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222005 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 240-50


247
Diretivas antecipadas de vontade: benefícios, obstáculos e limites

pr r i por r o di o p - o o h r o i pod - di r xi
o xigir o g ido ipsis litteris pr xi- po o d i r o r o rg o o r
o o p r odo d or . or o do o d i -
d od iori do r i do r x- gr r pro o propi i di ogo ro
pr r pr r i d ir g r i o o - r ii r di o o p i d ir
or do id do di o /o g r r r r i id d r or -
Artigos de atualização

d pr r i por r o di o p - d id do pr r i do p i .
o p r i r o r pr g r o o i o p r d o o
i rd d o pro o d o d d d i o 58. 1.995/12 r ido or d i d 40 o p o
o p i o r r i i r do rgi o do h do o i d -
r i r or d id do do - i por i d o r i pr d o
p i r r o i r . i xp ri i d o ro p p r g r r
d d di r d i rio gi o or r io o po i o
r gi r r d o . or po i or do r ip di p -
o do o or o d iori d do - i r p i od pr r i por id do
o or priorid d d r r o d id . pro o i por
i por o pro io i pro dor d i i d r o h id -
d o oo p i dor o r po - did p r r po o ri ir p r
i p po p i r o h po - id d do id do pr r o d id
i i id d . d o d r i od o o i
po d p o pro od or .

onsidera es nais r i o o o o r pr -
r i od do o r i h
i i r r r di r d
i or r io io o p xo d odo o ri ir p r propo
o o i i d i od p - i p d r r r
rd di d d do i di i - r o pro o d or do orr r d -
o r d ior o o o o o do ir i o r or dig o o-
d d o p r od ir . o io or r id d .

Trabalho produzido no âmbito do programa de pós-graduação em Bioética pelo Centro Universitário São
Camilo.

e er ncias

o
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248
Diretivas antecipadas de vontade: benefícios, obstáculos e limites

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249
Diretivas antecipadas de vontade: benefícios, obstáculos e limites

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Artigos de atualização

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ir : o di r o . r h r d. 2005 1 5 : - 4.
58. i itto r . i ro gi g d h: pro pr r i do: 8.5.2014
d go i d-o - i di d i io i g. ro o ogi . 2005 45 1 :10 -1 .
pro do: 25. .2014
articipa o dos autores
ri or o do r go r io ri do o i r r orr o .

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 240-50 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222005


250
Castração química em casos de pedofilia:
considerações bioéticas
Thais Meirelles de Sousa Maia 1, Eliane Maria Fleury Seidl 2

Resumo

Artigos de atualização
p do i i d o o do pi i ri pr por gir o d r dir
ri pr - do do o o i d xr r i . pr r ho o oo -
o i r id d d r o i o o i o d o ro d p do i pro do
rpi r :p r o di o xp ri o i o. r - d do
d r i o i iogr di o od i r r p i i d o r io r o -
i p do i r o di o p i . o i- r p o x :
r o i o op r o di o xp ri o i o r pr r po
o r i ri ig do p r d d po ir o o pr pri . do o
ri o d p i r o pr o do r o hor o p r p d o di d d i iogr
o o x o r i iro.
Palavras-chave: io . do i . i i ri .

Resumen
Castración química en los casos de pedofilia: consideraciones bioéticas
p do i i d o o r d d p i i ri pr r i por r o d r di-
r o i o pr do r h ho o i d x r d r i . dio
o oo o i r d r i i o o i o d o ro d p do i di -
do po i rip r :p r i o di o xp ri o i o. r d r i i-
i iogr r d d i r r p i i d o r io r i i p do i
r i o di o i g i . o o r ig i do o o
x : r i i o op r i o di o xp ri o i o r id d o
r po i r i do d o propi o o io .
pr dio o ri o d pi r o pr i d r i o hor o p r o p d o
r d i iogr o x o r i o.
Palabras-clave: io . do i . i i r .

Abstract
Chemical castration in cases of pedophilia: bioethics considerations
dophi i i i d p hi ri di d i pr d p dir r hi g d o di g hi -
dr d pr - g r i g xr r o i i . hi p p r i o h hi o
h i r o oo o oid p dophi i pro i g i rip r :p i h di r -
d i xp ri . i i iogr phi r i hro gh o p i i d i r r o
io hi h i r o p dophi i di r d hi i r r h. i o d d h h
hr i g do o x d h : h i r o p ih di r d i -
xp ri r r h p hi h r i ri i i d d pi h o h h ir o hi
o o o . hi p p r h d h ri o xp di g h hor o r or p dophi gi h
o i iogr ph i h r i i o x.
Key words: io hi . dophi i . hi r .

1. Mestre h i i ho i. o 2. Doutora id . r i r id d d r i r i / r i.

Correspondência
h i ir d o i 314 o o p o 210 0 6 -100. r i / r i.

r oh r o i od i r .

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251
Castração química em casos de pedofilia: considerações bioéticas

pr r ho o oo od - rio p − o o d d di-
do p do i r o i o o po ro do do do ido 4. o r i h
o o p r o ro d r or o p i i ri o pro o d i o o gr o io r do do
r ri h dio do g - o o o oo o o or o
do gi o r i ir . do p do i xr di o rg i
do r o h id p rg i o di d d d id d d r o di ogo o
Artigos de atualização

d o d i o r - rio p r h po i io o i-
io d o d i r i o -10 1 o- i o r io r d o.
id d p o digo 65-4 d id o i o d io o -
o o pr r i x por ri i d p - por i d r o i
d do g ro id d pr -p r o d d p d o do i o r ri -
o i io d p rd d do do do o o p - r o do pro di o d odo di -
r ro di r d o i o i o r o o r o di o pod r
2
gr or . r d o p rp d po d o h -
o h id o o do d ho p i i- i o: o o p r o di o o xp -
ri o pr d p do i por gir ri o i o. o o r di -
o d r dir o ro r o o ri ip i r h i p rp ri r d o-
pr -
do do o o i d xr - h i o o o di i o dir i o io
r i . ogo p r d r o h i - propri di . i i d o di
o o o do or - p r g or o o d o o-
i r r i p r o ro d p do i d i pro od d i rd d x d p o
odo pr ir ro o por i di d o d r o i . d i - o
pr r or o hi ri d id . d o o id d do i
r o h o id r r o i i p r d p d rd r di r r
o do do o o i do i di d o p - ord g d r o di o o i-
d o r o ro p o d r o d i o o i di o o o
p rp ri . r r o pr prio i di d o.
r o i por rg x d id d d pr d r o
o o po i r o d o ro d do i o r - pr r ho -
o id r do r d i od - do opor od r od id d d p i o
i i o o i i o d o ro r o i p - o o r o di o xp ri o i o
o x i i i ir i ido d i di d o por dor o o r i rido o io d
d o di o. do i r - d or io ord o po i io ri o
d ri i o d odo i i ir i ido do pro di o. o o pri do r o o
o pr d r x i. o id r do o io o r i pod d ir
por r r pro di o pod o o go do pro di o pri ip po -
rr r io o r i r o i d - i i id d d r o hor o r pi d o o
r do o o o od d i o r pi or d . o r o o pro di o d
o do o 3. i por r o di o o o xp ri o i -
do o d po d o o op o p r o o - o or d d o id r r d
ro d p do i por o ro or i p rio p i p rp d o r 5
o id r o do d i i o d i do d r - o oo o o xi p r o io
o i . d p i .
h r od id d d p i o do o o i r id d d
d pro di o: r o di o r o i o o i o d o ro
o op d or xp or r r rp i o d p do i pro do rpi
r io do o i ri i o gi o o o r o r :p r o di o xp ri o
di o d o o p o d p do i o o i o. i o i d o ri ir o o p o io -
do por od id d d xp ri o o d di o o prop i o d r r r -
i o o io r r or p r pro . p rp o
p i . i por i d di o d ri- r ho ord g d
do o d r o i do d propo d pi o d r o i
pi d o op p r g do p d o p d o do d orr o p xid d do

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 251-60 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222006


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Castração química em casos de pedofilia: considerações bioéticas

do pr d r or i rpr od o r do o. x p i do po -
id d o o po i do d do o d i i pi o r i r d r o
r o di o . ogo p r - x- di o o i h r. 3 d :
g d p o r xp or do p r r do rdio r o oporo d pr o
do o p . dor d ro o . ogo p r -
i io d ro o i di d o o

Artigos de atualização
r i / io gi o o p i o gi /p i-
étodo i ri o po i io r o di -
o o o pro di o oi o d ri o .
r - d do d r i o i iogr
r i do di o o d i r r
p i i d o r io r o i ena
p do i r o di o p i-
o o i r i id d . ido - pi od r o i o o od -
d r ho p i do o r o or id d d p ri p d p o do o i di -
i do d d do di r o o i d o h o do ri d o x o -
d oog ho r i io ir r or go d rd do h i
d i i do- i iogr r g ir . pro di o do i do rio
d d do or xp or do o d ri- p . o r i di r propo
or i io do . gi r do propo do r o
p r r do o d r r i i o op p r p d o: r do
ori d d o di r pro d - o do p do d i o propo r i d
od o opo do do: r i o ro o d i 4.399/08 . o do
io r - do o r go r d r o o ro o d i 552/0 8 oi r-
p r or o d d o p rp p - i do o 282/11 9 r i o.
r . p i do ri i iogr o - p r o o do pro di o -
or o do r go oi r i d do o o po o ri o o di d o orr i r i id i
d p r d rpi r d r o i . d o x i o r ri pr - do -
d i d d ord g oi d d o id r do- di o o o d p do-
do o i o io o d o o i d - i r do o or rio o r -
r i id d . o di r do d i ri . o
o h i di op r o i di d o -
do p p pri d i rd d i
Castração química h o r do g po d o p h -
o p i i ri o. g do r do r -
d pro d r o di o r d i do 2008 p i do i d i i ri
rpi r d r o di o - i o o g i r do : ... mais da
- i por d r o i o r - metade dos criminosos sexuais condenados que aca-
g i . r o i pro di o bam de cumprir pena voltam para a penitenciária
r r r ri p ip od antes de um ano. Em dois anos esse percentual sobe
hor io o or xp i rr ir : a castração para 77,9%. A taxa de reincidência varia entre 18%
química é um tratamento terapêutico temporal e e 45% ... 10.
completamente reversível mediante o qual se injeta x pr d o r rido do
no homem um hormônio sintético feminino − Depo- po pr o p o d op d o o-
-provera (acetato de medroxiprogesterona, DMPA) pr r od o x d d
− que produz um efeito antiandrógeno que reduz o d do i o d ido o o di d r i -
nível de testosterona para inibir o desejo sexual du- id i o por r o por
rante, aproximadamente, seis meses 6. io d o ro g r r d od i
r - r o hor o d ro . or o h g - o o d
i do pro di o i o por o r o d do o p d o p o do
do pi o ri d ordo o d i - do d p i od p pri d i rd d
di d o. or pro di or r i propri do i op o o ro d
io o r i o do i por i r i id i op o od op d o

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253
Castração química em casos de pedofilia: considerações bioéticas

rd d por dor d r or o p i op o- r i gr o o i p i o r o
gi o. di o p g do o or
i por r r o ord - go o do o i or o
o r di o o r id do d i di d o o o or d o r od o-
or d op o g pro r o o do dro do i od
o o d pr do ri − por o o d r i id i . i po o d o id d d
Artigos de atualização

do o d o i o i o - r o di o-p i i ri o p i o gi o d r -
p o − r i p d o pr d ro r ri i o po i id d o i do ord g o -
d o r i od p r . 26 do digo - p o p do o id r o
11
. r - d i o pod rr o h - o r rp i od r o i o op .
id do d pr d r ri i i- i p r - di d d o p o -
o o d o x d or . do d r o di o pr
pi dio o r r do p d did poi i d ord d o o p i p d p o
d g r o pri o d i rd d o o do o d o od id d d r -
o d i o . ogo r d r o o o r do.
g do r 12 medidas de segurança surgem d i pr r r o id r
no Código Penal brasileiro como medidas especiais d o i h r. 3 o r r p i-
para criminosos específicos: os doentes mentais pe- od r o i ri r do d
rigosos o d o r o r o di r i do por r ri do od o di ip i -
oi i p o i-i p r o r i o i r pr do pri ip
por r ri do ord - p o pr dio p rd do i do
o r i iro d r id d p - i p ro o di pr ri
i i o i di d o po d o r r. d i o. r o po -
o xo i r r o - p rd p pri d i rd d x -
i o op po o i rr r d p i i ri r o po ir
pro d - rio g r r p i- i p r o i i o do pr o
do o opor o r o o d do r o di o i r r pi d o o
por o x d ri do poi p id d ri x d o iod did
− p r do do pr po o d r d d g r i o o do p r o
do − i pr i d o do r o do o id r do i i p i o i-
g do p do po rior o d do - i p i por g o o.
h o o p h o r p d do r di - ri do i p i -
o di o o o pro od o i d d i rio r i iro o orr p o di i dig
do d i r o. o xpo o o r r do do
o i r r o di o o o o or io i o d ro o o or
p h g - o od pr pri - d p i i ri . i d o pr dio
r r d r o o pro di o o r r or d p i o ri i
di o i o p i o gi o di r i - h i p do i o i r i-
i d o h id p r ri d i- d d p i i ri o or io do. od
rd d po o pr ri r o p do i r r o h id o o do d o
i r pi d o d pro op di d d d p ir o o o i
d r d o o or d r - od id d ri i o . od p -
o i rido o o o d did d g r i rid d orro or o p xid d po i-
i o o d p r o id r do io r o r o o o po o o o
i i p i o i-i p i. i p r - o o r d g or -
- o do r r o di o o r - po o opo o o o o o i
o o od id d d p r o d do p d o pro od o i d d r o ro .
o r o di o por x i po o i do hor r o pr o r do
r xp do po rior . o ro o do o d r o i o o
r
o do d r odrig 2
p pod ir r o o or d o o i
o id r o o p o d r i id d d p o p d -
o r r i r o o i d d do i di d o o p r p i rid d d p do i
do o pro di o. pr o p o o do p i i ri pro d

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254
Castração química em casos de pedofilia: considerações bioéticas

pi od r o di o o op o id r do- pr p rp -
pro di o d ri r do do o o did i - r o i o o o-
d g r d or propor io r r o d id d d r o p r o i di d o p d o
o p d do. o do o i por d - o dir i o d . r i d d
p di r d pri o i rd d o do - p r p r o d id dig d r i di -
ri i r ri do dir i o x i. d od o r p r i d i o do dir i o

Artigos de atualização
rio o do d r ri o o o i p d o ro d d i odo o
o do do o od r r - id d o do po r r id -
o g h o id r r r i id - d po i i i o x r io d rio o ro dir i o
d do p d o p r i od r pi d i. i ri i o o
or d p o i pi r o i d o r po p pr od i dir i o
d o id o pr xi o pi o. - o do do o od d o i-
o di o p i d r i id d o d 1988 xp i i pr i r go
o do d p do i r o r r o 196 14 o o d r do do.
p o do o ro r r do io - d o o po g r
i i d por p i d - o o dir i o do id d o pr
digo d ho r do pr idi rio . o od r o pr od r-
o or o xpo o p r - od - i o d r d p o go r o. orr
id d d r o hor o op o - p rd r rd d p r
id r d pri ip i ri i o gi o. po i r dig r 15 r
r o i d o r rio o i o d r od i r g -
po d r r o p d o p r rd do i d dir i o o r gi i o.
d odo i p r- h o r o d ido po o r id di r o o i o g -
o do ir d id p r o o i d d i i o dir i o d o d r d pr o
d orr d o d ri i o . dir i o r pr o i do- p i i
x o d po d d o g
dir di ri di r o id d o o i
ratamento médico ri d do d i i .
i o o id r r r o di -
r o i o o r o - o o o po r op r op d o
di o i p i pro di o hor o p r rg d id d o o r p ri propo -
o ro d o d p r i do io o o o i di d o do i
p do i do do o po i r ri i o o d oi ior io o
or xi i o d o ro 13. i orpor d o ro r h o do
r o di o pr ip do - o pr ri o do
d do r r d r o di o poi p r r id d pr -p r . i o p orro or
do o o o pr d o i p o - o di od p r d o pr o-
gi o d p do i p r - id d d o d r r o i o o or
o r do r r o r p o p r - d r o di o i ri i o gi o o
i di d o di g o do o di r io d pod r do.
or o od o r o i r i r
o x r i- id i d o or-
o r do . r ri i
od r pi or d p r d
or o o r r d i pr i di i id d por pr ri o di i o o xp i h 16.
d o r d r o di o o id d o or d odo g r o o o
rr - o o dir i o d i di d o pr d po p
od r pr od r i o p r o - por dor d r id d p i i ri d r
do. p rp o id r gr id - do i pr ri o d r op r do
d x o do d o p do i pro o o i ri o i do o dir i o d .
o i d d −p r ii r p r o do o o r- -i di-
o pr prio p d o − pod - i rpr r r o poi o do o i di d o d ri r
i o o r r p - r do o o ri i o o o p i . i ho
dr o d do r o do dir i o d o r id di o r d r o di -
pod i r o io o p o. o do d o o r o di o.

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255
Castração química em casos de pedofilia: considerações bioéticas

- po i o o o o oo i od r i id d o -
o i o pod d d ro r o o do.
por x p o o o d o i di d o o o p i - o o p r ro rio or xp i-
d r o ri r g rd do r o - i do o i od r o di o
ro dir i o o d o h r o pro io d d do d o o od id d r p o oo d
o o p h r . g do or did d g r po o ir o
Artigos de atualização

r o d ri r o id r do o d - i di d o ri d r or o o i
ido o o i i r do p i do r d id do o od i r oi o -
r g rd do odo o dir i o h i . - ri o o orr d orr i d i
r o o o do i di d o o o ri p o r g r gi r i o
d p do i o r o g pr ri- o o o ri do d
o ri di d od id d or d d pi od r o i . i p r do-
r pi o xp i i d or g r o p d pr po o pod - rg r po -
o od r o di o ig id - d r od i r or o d h po i o
d d did d g r i po o o d - o o i do i di d o pri i-
do o r or o d ord p i i ri . d d o ro i r .
o po i i id d d r pi or- i d i d r o hor o o o
d d - i 10.016 d 2001 trata r o di o i h - pro -
dos direitos das pessoas portadoras de transtornos di o dido o o or d r pi o
mentais e redireciona o modelo assistencial em saú- i op o d r o h i o
de mental 1 . ir g i r o p i- d d o r od id d i or di-
i ri o o od id d : i r o idid r gori : 1 i r pi o -
o ri i r oi o ri o p ri . gi did o o r o p i o gi o 2
r ido o r . 6o od id d i o ri r o r o gi o do i i rid
orr po d que se dá sem o consentimen- r o i d o ro pro di o
to do usuário e a pedido de terceiro 1 o o do ip o d drog por o
o p ri r ri - por r d r i d 3 r o ir rgi 19. d r o o
p . id r i i d o od o r o hor o po do o o o pro-
i r oi o ri d id o i o o di o i r o o p -
i i rio i o d 2 hor i o - gori d r o r o gi o do
o g do ritto 18 i p i p r ip o d r rr r .
o o rg o i do r od
o i o ri d i i ri -
i di d o . o por o i i rio i op
ri hi ri o i o – po i io - o
i r i i r io do o o g
do d o o p h o p i o gi o d
igi do dir i o d p o i r d . i
r o pr o o go d odo o r -
10.016/01 1 d r i o r i od
o do i di d o p d o p o o o
i r oi o ri po o orr r di
o ord or do pr r ho. i r-
r ri o ri o d i i r r po g
o p i o gi o p r o r did
o o o o pro io o ip d -
pod propi i r r d o d r i id d do p -
d rr g do do r o i o o pr -
i o or r o o o h i o r -
d o o p dido do i i rio i o.
gi d r o o r o p o o
o i r gi o p r - d p r o id d pr pri do p do i .
p r d r g r pr r r o dir i o o d po i i id d d r i id i i d
po o por dor d r or o i p o p i i r r po d r d i i r -
r o p r h r i d r i i o d drog d pr i d odo o od
o o o i do i di d o do i r- droxiprog ro di o do -
oi o ri o o p ri . ri - o r o i d r o id r do o g i
i r do d or i o ri pr o - rio : p r i do i p o x i p r
ido o o od i r o o o d pr i i o r o p i o gi o r-
p r ip do pro o o o r i o do r - o gi o o r o i
o 18. odo pod - rg rp po i ri o d r d
pro io o o o i do i di d o o o i id i di o o por od o
13
p i por dor d r or o i o x o io i i o r .

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 251-60 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222006


256
Castração química em casos de pedofilia: considerações bioéticas

g do o o do pro di o hor o- di r o o i i o oi id
p r ido o o or ro d do r po o rgi od o io. i o
do od i do d i o p - r 5 p pi o do
h o p i o gi o pr ri o d d pr i- o r g rd d or p o o i do i di-
o o do o o por o io od o - d o do r do o r pr o p
r do p o i di d o . p r pr ri o − o oo do d id d o io

Artigos de atualização
pi o d droxiprog ro rio o r o do d d r ro p r o r -
r p rior o h o do od r id d d o di d
r do rio o i di d o pr d p r p i − po-
o d di gr i io r d rgir o o o o p r o x r io d -
i o ro o r do r d id o o o i p do p r ip d i g o.
r od o r or d r pi . i o o id r o o o o o
i di i d o rio o pro o o or r do do i r po -
do di o o o do i o. d i r - r r o r o o. o i-
pri ip o r d r i do d r do pr ri o di d p i
ri rio p r p i od r o di o- r i ir pr pod - di r i di -
- o or do pro di o o d o o gr o di o d do o r -
r i r ri d d od di o. do d id d o o or r
oo r i od r o -
i d d xp ri o.
perimento cien fico r i id d r id do o i o por-
dor d d r i d p o ogi o po i r
o id r do r o i i d o r o pi .
o p i d o o x o r i iro − nem como do d id d o i di d o
p o o r o− p i i do o r go do o id r do por
i r i do pro di o o r p r- di r o dio o poi o po d r r o
i . p rp r o i i do o o pri ip i i o d g r r
oo o d xp ri o i o i pi d i o o ri o op o pod ri
o id r o d odo o p o o r r i i d o io o -
p i i o o do o o r i od r i id d . o r o -
di o o o o o o i do p r - o ott 21 r p r d od di ig -
ip o o do r o d o o i r i o io i o o i r io i d o -
r ido . i o pop po r o
pr d r r o di - do xp or d o o od r ir o o io
o o o xp ri o i o di r p i o p - d p i . i po - i id d o
i r i d o o rio i do o o r d p rid d d r o o oo
o pri od p pri d i rd - po i o d rd d ir d ig d d d pod r
d . o i do o pri od p r pro g r d i r i .
p pri d i rd d r - do i i por i do
p r ip o p i r r o pro di - odo o id do o ir d
o o o do d o o i po i o p - d d p o pr o i i id d
o or r o id r - do od r. i o od r o
o o o i do io i g ir. i o o xp ri o i o o
o r o or i pro- d r di r d odo o o i i -
o pro o o d o o i do p r ip grid d do p r ip d p i i
d p i h i por r g o r r p i d o xi o pri ip o
o o 466/12 do o ho io d d o id r r r g i do pro di o i
20
r o r d r i xig do io o r i o i d r -
i o do i r o o oo - r ido poi o di r o o i o pod
o r g rd r o o i do i od p i ir o o r o di o .
do do o d r . orr o o d p do i p r r do o o
por r rd i o xr d i- did r d o o do d do
d p r o id po i r - pi i ri o p r - d r o

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257
Castração química em casos de pedofilia: considerações bioéticas

d do h ix r o i di - p r ip o or di g do . o o
d o por dor d r or o d po i oi r do por ri 13 o do d od
rr ir o x r io p o d o o i or- do p r ip d p i r. o oi -
do-o r . do r o - do r o p r o ro d p do i d
i o o xp ri o i o rgiri o o odo pri iro o p h op i o -
do i o r r o p r o ro r r id d gi o g ido d r pi r o gi o i
Artigos de atualização

p i i ri . or o d ido d r o ip o d drog d pr i do
o i di d o p d o o r - p i do i od id d d r o oo r
d id d r do o ir p o r do. d orr i oi i or do r do
i od r i id d p i- r o hor o o ordo r-
propo . odo i d o r ido o pro di o. i i d d i i r od -
o d or i did po droxiprog ro o i di d o r o o -
o p r ip d p i pod ri r i d i x i o ri .
r- r o por do - r o o or r o o xpo i o
o op d op p r r - d di o r p i do -
do- r o di o . d ho po di r r g o
i i por i r o od - i od p i p o r r io d r id -
o o i r i id d o o do d g or o o p r r o o
o r po i opo o i di d o d r o do r o xp ri o.
odo o i pro o o o i r or o d do or pr -
d p o or r i id d d - do o d i por i p r g di o
p r o did o o d p do i o o d r o i poi
id d i i p o o r do r d iod p i -
ior i od r i id d or g r p r po o o ro d do .
o o i . o io r - o o i d o id d o o i i o -
r i id d o o io i r d o i d pi od
do d do o go do r h o. pro di o dio o o go pr o.
ir i por r gi r r
od id d d r o hor o o op i Considerações finais
i oi r i d o r i d d d -
di i d r gi o do i o rio d
r or o d x id d x . g do - do i d r ho d -
ri 13
pro or p i dor di o p i i r i o o r o o o oo od
o d i o do oi i or do o p r i- p i i o r r o i oi
p pi o d hor io r idi ri d o d o r i o id r - o pr -
o r r pi r i d do o ri o d pi r o pr o
i r p i o gi o r o r - do r o hor o p r p d o. oi
o gi o o d i i r od di - d o ido por io do o i
o hor o i . ogo - i g or - d r go i o do o g i o i i
i d o r i oi o do r r o di - o r r o i i ro o r p do i
o o o odo d o ro rio o r io pi i d i iogr
pri ip . o r p i r odrig r r ord g op r -
2
o i d p r ip o do i di d o o di o xp ri o i o.
o o orri p o o o i or- pi od r o i -
do i r o d o r o r i do op o o d r o-
pr i o o p r r i o o or io do p r od id d
r g o r i ir p i o r i r o i d : o di-
h o. - d ordo o p r r o do p d o o o i di d o por dor d
d o i od o i o id d i do do pi od r o di o
do d r 22 o ro d p r ip o - o o did d g r .
rio do r rido do h go 30 p o . o r o p od r o i
ri - p i o or o o r o di o oi r do o dir i o
d o id d r do o r o 30 d o i pi d r do do pro-

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258
Castração química em casos de pedofilia: considerações bioéticas

r r pi d d p r d p o ogi . i d po i od id d d do o d r o
rr - o pi o do pro di - i o ri i p r hor di o
o o did d g r poi o or o io d o o ro r i .
i do p do i p r d r do o o i- r p o x-
d ix d r ri . oi o r d : r o i o op r o
o d o p ori d d d r o di - di o xp ri o i o r pr r -

Artigos de atualização
o o r o di o do po o r i ri ig do
o io o pr prio d od id d . p rd d po ir o o pr -
o iod p i i o di pri . i d io d op pr p r do
o r id o od p do i o po i p r progr dir o o or d id r o
r o or o i di d o p d o r p do i o ri do . r i o -
o r o o o rio p r xp ri- ri pr o do di
o poi ri i op o d r pi . di o o p i o r i iro d pr i i
i d - o pr r ho p r hor di o do o. r i pr -
id io o o i o o or do id - i i i- o od p do i
do-o di do-o . i r - do r r o d do.
io or i di o h ido o io- do o ip o di od o
do pro o r o d - r o hor o o i d r o -
ri o o r o . or r r i pro di op r p r ord r
d o xr d i do pr o o.

Trabalho realizado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Bioética da Universidade de Brasília .

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259
Castração química em casos de pedofilia: considerações bioéticas

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irr po i id d p ri o id d did d g r . r . i i d
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Artigos de atualização

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21. ott . op p i i r i. r . o 24 . 2013 . i po : http://
. do- h .org/ / od o3.pd
22. r i. do d r . r r d o i o d o i o id d i o r o ro o ido: 31.1.2014
d i do do o 552 d 200 o 2 o . 2011 . i po : http:// gi . do. g. r/
/ r i o/ -pd /56869 i do: 2 .5.2014
pro do: 8. .2014
articipação dos autores
h i .d . i id i o r digi o r go. i . . id o ri i r d o r io o
r go.

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 251-60 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222006


260
Quando a morte não tem mais poder: considerações
sobre uma obra de Elisabeth Kübler-Ross
Carolinne Borges Alves 1, Pedro Lucas Dulci 2

Resumo

Artigos de atualização
pr r ho o i r o ri i d o r o r or o orr r d i h r-
- o p r pro od o di o h p i o do r i i. p
r i o d r o d i rio o r or o orr r or d o o o
ori r p i o do gio p o i p i ii r p ir i d proxi-
id d d or . ord g or o di d po i i id d o p r r r ri r
po i do p i d ro o or d o pr d r o o o i d d
i o o r r pr p r d p r r r . p r p o o o id - o
i do d do r o io o d o ri i o d or r io do-o o r p i
iopo d iorgio g .
Palavras-chave: i i r do . or . d p o p i o gi . o o i .

Resumen
Cuando la muerte ya no tiene poder: consideraciones acerca de una obra de Elisabeth Kübler-Ross
dio o oo o i r o por d o r Sobre la muerte y los moribundos d i -
h r- o p r pro r o di i h p i o r d d r i .
p d r i i d i rio o r r orir d r o or h d rro do
o o o or r d p p ro p i ii r p
o di io d proxi id d d r . o propor io o di io d po i i id d o o p r
r r di r io po i d o p i r o r i o i p r o -
pr d r o o i d d o r r pr p r d p r r r .
p r p i o o id o ii d r p r io io d o ri i d or
r io do r i i g io iopo d iorgio g .
Palabras-clave: i r o. r . d p i p i o gi . o o i .

Abstract
When death has no power anymore: considerations on a work by Elisabeth Kübler-Ross
hi p p r i i d i g h o ri o o h or Sobre a morte e o morrer (Abouth death and
dying) i h r- o i ord r o pro h h o di o i p ih r i i -
. r o d g i r o d h d d i g or r h hor d op d i h h r d
h or r g rdi g p r o g h p d h ir r go hro gh h d h i r. hi p-
pro h pro id po i i i o di o o o o ri po i r o p h h
i gd h o o d r d ho rr o i r o r r r d o hi . h
p r p o i o o id d i h o h io hi r i o o h hor o ri o r g
h i hr iopo i r r h o iorgio g .
Key words: p . h. d p o p ho ogi . i po i .

1. Graduanda ro 87 g i . o i r id d d r do io r d io r d / r i . 2. Mestrando p dro .d i


g i. o i r id d d r d oi oi i / r i.

Correspondência
dro i 3 370 d. ir or 74115-050. oi i / r i.

r oh r o i od i r .

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Quando a morte não tem mais poder: considerações sobre uma obra de Elisabeth Kübler-Ross

o p o o pr p r d p r or- o o ig o d r go ro o o -
r r. o d r
o gr po d p r gr d p o - r d i o g
p r d g r igi o o o o o o i d d o por :o do. o -
r di id p or o r - or r g nos últimos anos,
- i di d o r o od orr r o sobretudo na Europa e em suas ramificações no
r id d i o o o p r d pr pri id . ultramar, a forte tendência a sentir medo e a obses-
Artigos de atualização

o or g o p ri são maníaca por segurança fizeram a mais espeta-


o r i pr o pop r p i i r cular das carreiras 3. o r o i o r
i h r- o . i ro o r or d : nós que estamos na outra extremidade
o orr r, p i do 19 9 di orr o r o do imenso cemitério de esperanças frustradas, o
que os doentes terminais têm para ensinar aos mé- veredicto de Fabvre parece – mais uma vez – nota-
dicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios velmente adequado e atual. Vivemos de novo numa
parentes. era de temores 4.
o r o do gio r i i d g r io
i d id d i i i
p i o di g o d do i r d g rr d r r i o o o -
di o o d r i o r oi : g i d r r d id h -
os pacientes que tinham religião pareciam diferir do
do r r di
pouco dos que não a tinham. ... Entretanto, pode- do h i do do o por o. r do
mos dizer que encontramos bem poucas pessoas re- p i o r o do d orr r
almente religiosas, possuidoras de fé profunda ... pid r o o id r r : somente nós, seres huma-
que os libertasse dos conflitos e medos d or 1. nos, temos consciência da inevitabilidade da morte
do o x od p o e assim também enfrentamos a apavorante tarefa
id i o o i dio por r di r de sobreviver à aquisição desse conhecimento r -
pod o r r o g pr i o i - d viver com o pavor da inevitabilidade da
g r orr r. o r di morte e apesar do o h i o r p i o 5.
id o p or o o -
o r r o o pr prio o r p r por or r o do po o d i o-
xp ri i o do. io gi o o do p i o gi o pr i o
sociedades em que as pessoas são cada vez mais
p pri o ir o p rg ‘mantidas vivas’, tanto com máquinas que substi-
rg i di : d tuem seus órgãos vitais como com computadores
o o ri i p r p o que as controlam periodicamente para ver se algu-
ood or r r o di r ma função fisiológica merece ser substituída por
or ri o d o r d r- o ip o r i o . oi i h o
r po d r p rg d r o r o -
o di orr r o r r or o do pod r o -
id r d ig r i : do ponto de vista
r o d d od r id o o r -
psiquiátrico, isto é bastante compreensível e talvez
ri o x r io d d i o o r o r id
se explique melhor pela noção básica de, em nosso
or g id d r fazer morrer
inconsciente, a morte nunca é possível quando se
e deixar viver 7. o do iorgio g o r
trata de nós mesmos 2.
o gr d pr o p o o o id do d
di id i o d p o g i id d d do di o pr o p
or: é inconcebível para o inconsciente imaginar o do i o d pod r o o o
um fim real para nossa vida na terra, e, se a vida o do io gi o o o o pri rio d
tiver um fim, este será sempre atribuído a uma inter- iopo r d r d o :
venção maligna fora de nosso alcance 2. r o
i p h d p r o g ir p r (...) insinua-se uma terceira, que define o caráter
o or o or p o o d r o or- mais específico da biopolítica do século XX: já não
o. i o o o i i d p r r- fazer morrer, nem fazer viver, mas fazer sobrevi-
o or r o o io d p id d ver. Nem a vida nem a morte, mas a produção de
d . or o a morte em si está ligada a uma uma sobrevivência modulável e virtualmente infini-
ação má, a um acontecimento medonho, a algo que ta constitui a tarefa decisiva do biopoder de nosso
em si clama por recompensa ou castigo 2. tempo. Trata-se, no homem, de separar cada vez a
di o d i g r d r p ir - vida orgânica da vida animal, o não humano do hu-
rp o r p i od or do orr r mano, o muçulmano da testemunha, a vida vegetal

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Quando a morte não tem mais poder: considerações sobre uma obra de Elisabeth Kübler-Ross

mantida em funcionamento mediante as técnicas Tomando lições com os que se defrontam com
de reanimação da vida consciente até alcançar um a morte
ponto-limite que, assim como as fronteiras da geo-
política, é essencialmente móvel e se desloca segun-
p i o o o r d r- o
do o progresso das tecnologias científicas e políticas.
no outono de 1965, do quatro estu-
A ambição suprema do biopoder consiste em produ-
dantes do Seminário Teológico de Chicago pediram

Artigos de atualização
zir em um corpo humano a separação absoluta en-
minha colaboração num projeto de pesquisa ...
tre o ser vivo e o ser que fala, entre a zoé e o bíos,
sobre as ‘crises da vida humana 11. d
o não homem e o homem: a sobrevivência. Por isso,
d o ogi r i r o h r or-
o muçulmano no campo – assim como, hoje em dia,
o o pri ip ri d xi i h
o corpo do ultracomatoso e do neomorto das salas
r d o o o pr prio r d id .
de reanimação – não manifesta apenas a eficácia do
biopoder, mas apresenta, por assim dizer, a sua cifra o di ord d po-
secreta, exibe o seu arcanum 8. i o o pr prio o do i rio o gi o
o h d do p ri o p r p i :
d i po - Como fazer pesquisas sobre o morrer se é impos-
r- o r i ro riog i rd - sível conseguir os dados? Se eles não podem ser
d po d por g o o pi o comprovados, nem se pode fazer experiências? 11.
d r r p i o gi xi i d por o o o r d p r pori odo gi
o ogi go r iopo r do oi d idir- por o rio p r r o o
pro o d o or o ori o r i d p i o do
orr r o d pr do d ori do r g do r i . ro o op o
o po do i pro d prop g d odo gi i i i r d do
d ior d xi i op d d r i od do r i go
o r i i . o o d ri o rio do r o poi o índice de sobrevivência tem variado
x xpr d ir do o o: se con- de doze horas e alguns meses. Dos últimos doentes
dicionava/vacinava as crianças contra o medo da visitados, muitos ainda estão vivos, enquanto outros
morte oferecendo-lhes seus doces favoritos enquan- que estavam em estado grave sentiram-se melhor e
to elas eram reunidas em torno do leito de agonia voltaram para casa 12.
de seus parentes mais velhos 9. od o r
di did p di d ri o io o i i r i oi p d p r r pi d
rr p di did - por p o gr po or do por um ou dois estu-
or r i p or i do i dantes e o médico-responsável, ou com o capelão do
o do d o id r - o o go i o pr xi o hospital, ou mesmo com ambos 13. ri r -
d odo . did por r pr o o i o
ir io d id d d r od i i . r
r o xpo o p rg o : o di o d p i : temos um grupo interdis-
r do d do i o o i gi rio pop r do ciplinar do pessoal do hospital ansioso por aprender
h i do o o d ir do iopo o algo com ele. Fazemos, então, uma pausa, aguar-
r po d i por o - dando a reação verbal ou não verbal do paciente. E
ri i d r- o p r p i do - só começamos depois que ele nos convida a falar 13.
o: o famoso esquema de cinco estágios do
luto quando, por exemplo, descobrimos que temos o r i od r i o r po p
uma doença terminal 10. o o i or do p o - ii o o o r o i o do p -
oo p i i o o o i mais i o d di do o ocorrido
tarde, Kübler-Ross aplicou esses estágios a todas as juntamente com os ouvintes no auditório. Nossas
formas de perda pessoal catastrófica (desemprego, próprias reações espontâneas vêm à tona, sem pre-
morte de entes queridos, divórcio, vício em drogas) ocupação de que sejam justas ou irracionais 12.
e enfatizou que eles não aparecem necessariamen- rio i rio r i do o r r od -
te nessa ordem nem são todos vividos pelos pacien- oi d gr d i p r o p r ip
te 10 d i o pr prio i i - o i o rg i d o id r r
d or p r di r r r p i o do h - or o o po i i id d r o do o ro
o d o i i o i do po ip i do ro d i o.
o r do- o pro id d do r io io por r do d p i or o pro o
d o ido. dois anos depois de ter sido criado, esse seminá-

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Quando a morte não tem mais poder: considerações sobre uma obra de Elisabeth Kübler-Ross

rio passou à categoria de curso na Escola de Medicina conde a realidade do paciente para evitar uma crise
e no Seminário de Teologia. É frequentado também emocional 17. d r i o
por inúmeros médicos visitantes, por enfermeiras, p i o o go do o r o r- o
ajudantes de enfermagem, assistentes hospitalares oi todos eles haviam tomado conhecimento de
14
o o por i o i i p dr r i- uma forma ou de outra, ora sendo avisados aberta-
o r p d i o o d rio r- mente, ora não, mas que dependia, em grande par-
Artigos de atualização

o i r i rio . o or or os estudantes te, de o médico dar a notícia de uma maneira que


de medicina e de teologia que frequentam como um fosse aceita 18.
curso regular participam também de uma aula te- r i o i rio o r or-
órica, ministrada ora pela autora, ora pelo capelão o orr r r d r or p r o
do hospital, onde são tratadas as questões teóricas, xi rg o o i rior d o p
filosóficas, morais, éticas e religiosas 14. r i g r o o id d d r -
d p i od o o do o i io oi o p i d p i r i i
di i . rd d or o do pri- or o p r d id go x r-
iro r do p i r o oi r i - o pr i r i d d r or-
i do di o r po i p op i pr pri id r or d
r i id r o or d r o r i i . o p o x rg
o id do . g do r : o pes- or o o go r i io o id io-
soal da equipe hospitalar sentia uma necessidade o o i o po o di r
desesperada de negar que houvesse pacientes em id i r p i o do orr r o o o .
fase terminal sob sua responsabilidade 15. o o di o d o or o i i-
r op g r o di o o r i do orr r pr d r i d r -
r o p h ro r ho do i rio di o pr do i d id d di i
o r or o orr r. por o r o i r o di r o xi o or
od o o i d d pr pri r - di d d pro io i d d r igio o
r rri r do ro d di i pro r r ii r op i o id r
o o aprendam a prolongar a vida, o do r i o pr -
mas recebem pouco treinamento ou esclarecimento pri i g r . r i por i o ior
sobre o que é a ‘vida 1 . o ri i o o i rio propor io o p -
o o d r or o pro io i d i dor oi ori do i o gio d r o
d g r são taxativos em dizer que ‘não há or o orr r pro r r d r
mais nada a fazer’ e dirigimos nossa atenção mais aos o i o r odo o o ido o
equipamentos do que à expressão facial do paciente, p i gio r i d do r o
que pode nos transmitir coisas mais importantes que o o o g o d po r r -
as máquinas mais eficazes 1 . d i g r o r i o or d odo r h o.
d id r d or pi o or pr pri ip i p o d o r o r or-
od o i d d po i i d p p - o orr r o d resumir o que
pr d pro o pro d d aprendemos de nossos pacientes moribundos, no
r p i o d id o ro p rior o ido sentido de lidar com os vários mecanismos durante
o o id do i d r h o. uma doença incurável 19. i d o o
d ri or r d d o pr o do i r g or o gio o
do orr r pr o p - p pro o g r i g ir o i ord
id i r or i d xi ri i i- d xpo i o d r- o . pri iro gio
i d i ir o ro d di i di d r o pr do o d negação. r -
o r or o id do p i o o ri i- d r o i pri ri d odo o p i o
o do i o r d io di o id r r o i p o di o o i r
io o doi o d i di . d do i r : todos os nossos pacientes
o o odo d i or r o p i reagiram quase do mesmo modo com relação às
ii r r p i od prog or i más notícias (o que é típico não só em casos de do-
i r o pro io i d d : ficamos ença fatal, mas parece ser uma reação humana às
impressionados como se preocupam com o fato de pressões fortes e inesperadas), isto é, com choque e
o paciente suportar a ‘verdade’. ... alguns médicos descrença 20. i od r o pi do
são favoráveis a que se diga aos parentes, mas es- r p o i o o isso não pode

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Quando a morte não tem mais poder: considerações sobre uma obra de Elisabeth Kübler-Ross

estar acontecendo, não comigo” o r - i r ro o. rigor r ro


i p d r i r o o. pri- o i po : o gio não aparecem ne-
ir r od g o podia durar de alguns se- cessariamente nessa ordem nem são todos vividos
gundos até muitos meses 20. pelos pacientes 22. r p i o r- o r :
o d or i g o o
i o o ro g o d - Os membros da família experimentam diferentes es-

Artigos de atualização
g r o g do gio d r o o prog o: a tágios de adaptação, semelhantes aos descritos com
raiva. o o di r p i o xp o o d - referência aos nossos pacientes. A princípio, muitos
o r i po i i id d d g r o o. deles não podem acreditar que seja verdade. Pode
r o pod r reforçada pelas reações da equipe ser que neguem o fato de que haja tal doença na fa-
e da família, raiva quase irracional muitas vezes 20. mília ou “comecem a andar” de médico em médico
xpr o x pi gio o r - na vã esperança de ouvir que houve erro no diagnós-
orr p o como isto foi acontecer co- tico. Podem procurar ajuda e tentar certificar-se, jun-
migo?” ogi do rp op i rp o - to a quiromantes e curandeiros, de que não é verda-
ii r pod r- p do : Como de. Podem programar viagens caras a clínicas famo-
não vimos isso antes? Por que não fomos mais rápi- sas e médicos de renome, só encarando aos poucos a
dos em trazê-lo ao médico?”. realidade que pode mudar drasticamente o curso de
suas vidas. Portanto, a família sofre certas mudan-
r i pod p rd r r por pro o g do po
ças, dependendo muito da atitude do paciente, do
do r o do p i xpr i
conhecimento e da habilidade com que se comunica
di r i . o do g o pod
o fato. (...) No momento em que o paciente atravessa
o r o r iro gio: a barganha. r o
um estágio de raiva, os parentes próximos sentem a
d o o xp or r di od
mesma reação emocional. Primeiro, ficam com rai-
odo o p i r o g gr
va do médico que examinou o doente, e não apre-
d p r io r i pod o r
sentou logo o diagnóstico; depois, do médico que os
or o d d p r d d p r :
informou da triste realidade. Podem dirigir sua fúria
Se Deus decidiu levar-me deste mundo e não aten-
contra o pessoal do hospital que jamais cuida o bas-
deu a meus apelos cheios de ira, talvez seja mais
tante, não importando a eficiência dos cuidados 23.
condescendente se eu apelar com calma” 21. o -
r p r p r d pod r di r o o g i or o pod ri h r o
di g o do. op r o od xi do d r
r- o r r iro gio é o o o or d i o o o p -
menos conhecido, mas igualmente útil ao paciente, o o rg og r d r r or o o
embora por tempo muito curto 21. o di r p i- go r o gio i o: i o.
o o ro gio d r o a depressão o o o. o or p i dor qual-
po d d r o ri i o go. quer que fosse o estágio da doença, quaisquer que
i d o pr prio o po g rir or fossem os mecanismos de aceitação usados, todos
p i i d r ro o gio di r p i o os nossos pacientes mantiveram, até o último instan-
d i o i idi do po: Vou morrer te, alguma forma de esperança 24. g do r
mesmo, então por que me preocupar . gio odo r p r oo d
pod or r- p rigo o op r i o g odo h io or o o r .
p r o pr prio p i o do p i o - o d o r r o rg o
gi o g o pod r o id r d d r i o i o di io d or
r po io gi r id d r do- por po p r id d d p r
x p o. r d o id r o por odo o o i-
or o o gio id do: a aceita- do i i d p i : é bom nos lem-
ção. g pod ri rg r d pr o brarmos disto! Esta esperança pode vir sob a forma
po d i o o o pro d poi de uma descoberta nova, um novo achado em pes-
i o propri di pr d quisa de laboratório, ou sob a forma de uma nova
or i po i o odo d r ig - droga ou soro, or p r
o r or . o d pr o i po ir, é esta esperança que deve manter
ig d p i o po p r op i sempre, não importa sob que forma 25. -
o i r- d or do o o do do o r o o i-
pr p r r- p r o o d r i- i o d or .

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Quando a morte não tem mais poder: considerações sobre uma obra de Elisabeth Kübler-Ross

di o o g pr r di g- (...) sinceramente, acho que esta deveria ser a solu-


od r po r p r or ção. Não acho proveitoso que se chame um psiquia-
o r do i o or g tra sempre que o relacionamento médico-paciente
gi do d or d d . or o esteja em perigo, ou que um médico não se sinta
o d p r po d di o pod capaz ou não queira discutir problemas importantes
p dir o capelão ou o sacerdote conversem com com seu paciente. (...) Nossa meta não deveria ser
Artigos de atualização

o paciente. Pode ser que se sinta melhor transferindo dispor de especialistas para pacientes moribundos,
a outrem o pesado encargo, o que talvez seja melhor mas treinar pessoal hospitalar para enfrentar sere-
do que ignorar completamente 2 . - r do namente tais dificuldades e procurar soluções. Estou
pro io i d d r do orr r certa de que esse médico não terá tanta perturba-
pr i r r h do d or r- ção e conflito ao se deparar novamente com uma
- o g r : o médico deveria antes examinar sua tragédia como esta. Tentará ser médico e prolongar
atitude pessoal frente à doença maligna e à morte, a vida, mas levará em consideração também as ne-
de modo a ser capaz de falar sobre assuntos tão gra- cessidades do paciente, discutindo-as francamente
ves sem excessiva ansiedade 27. com ele. O nosso doente, que, antes de tudo, era
uma pessoa, sentia-se inabilitado para suportar a
ori do i o gio d i - vida justamente por estar impossibilitado de fazer
d por r- o o r p r p i uso das faculdades que lhe restavam. Com esforço
g r i : temos a impressão de que o homem sem- conjugado, muitas dessas faculdades podem ser
pre abominou a morte e, provavelmente, sempre despertadas, se não nos assustarmos vendo alguém
a repelirá. ... Portanto, a morte em si está ligada sofrer desamparado. Talvez eu queira dizer o seguin-
a uma ação má, a um acontecimento medonho, a te: podemos ajudá-los a morrer, tentando ajudá-los
algo que em si clama por recompensa ou castigo 28. a viver, em vez de deixar que vegetem de forma de-
o p o r po p o o rio sumana 30.
igr g i p or i i pr i r
o crescente medo da morte, pelo aumento do núme- i ro o r- o -
ro de problemas emocionais e pela grande necessi- : po r d d d odo o
dade de compreender e lidar com os problemas da o p do- o p i r i i o i-
morte e do morrer 28. o o xi i r . g do r or d id r o o di g-
go r io o i i d xi od do r o i h r
i iogr r p i o do i i o r d op i i o o o pi i r o
pr pri r- o o i o i. o- p o. od p o pr i pr d r
r pr o d x rir o o go - r r o r id d di d d pro-
r o d pr r o ri i o r rid r r por i o o por io d pr -
pro . pri d o o d .
do o d o o d g p r o-
p r o io propri di
Valorizar a vida como resistência ao poder da r - d po i i id d d pr pri p o r -
morte o r o r i o r id d idi do por
. p i o do r i
p i ori d do i rio o r or- d p r do ho pi i g rd do d i o
o orr r o p d r d o - o r o r id o or rd -
o. p i i r o o ido têm di o i i r o i dir o do go-
escrito trabalhos de fôlego sobre o assunto 29 o r o o g o pro i od g r -
r do o g r id d o- ri - o o id . Como qualquer espaço de
do o o ido o p i d do exceção, esta zona está, na verdade, perfeitamente
r o o i ho r o vazia, e o verdadeiramente humano que aí deveria
do i o. xi i pro do i r acontecer é tão somente o lugar de uma decisão in-
d ir pod r or d iri o o go cessantemente atualizada 31.
d hi ri . r prop i o o io o hido oi o o do p r r o o io-
r d rg o od di i d id or perante
o r o ro i o po o d o a figura extrema do humano e do inumano ...
i o r p iod or . o or rg pod r compreensão do seu funciona-
pr pri or : mento para poder, eventualmente, pará-la 32. r

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 261-9 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222007


266
Quando a morte não tem mais poder: considerações sobre uma obra de Elisabeth Kübler-Ross

o propo d r- o i i i te poder dessa promessa de lutar contra o impacto


o id r o r d or do orr r i - imobilizante da imanência da morte. Uma vez que a
d r o h os jovens médicos aprendem a proclamação tenha sido ouvida e absorvida, e que se
prolongar a vida, p r , recebem pouco trei- tenha acreditado nela, não há mais necessidade al-
namento ou esclarecimento sobre o que é a vida 1 . guma de tentar (em vão, por assim dizer!) esquecer
rd d o id r do- o r ho pr i do o a inevitabilidade da morte. Não é preciso mais des-

Artigos de atualização
id ri o di o r o r r r viar os olhos de sua inevitável chegada. A morte não
o op i i d rh o o é mais a Górgona, cuja própria visão seria capaz de
p id d d r od d d o matar: não apenas se pode encarar a morte, mas se
d or d i i d . deve fazê-lo diariamente, 24 horas por dia, a menos
o p r o i i r do p - que você se esqueça da preocupação com o tipo de
i r i i . g do p i r o infe- vida nova que a morte iminente vai prenunciar. Lem-
lizmente, a tendência é ocultarmos do paciente nos- brar a iminência da morte mantém a vida dos mor-
sos sentimentos, tentarmos manter um sorriso nos tais no curso correto – dotando-a de um propósito
lábios ou uma alegria falsa no rosto, passível de su- que torna preciosos todos os momentos vividos. ...
mir mais cedo ou mais tarde 33. o o Sua qualidade, porém, depende de como você vive
do o p i orr o pro p ri sua vida antes de morrer. Pode ser um pesado. Pode
poi opor id d d r h r or d or ser uma bem-aventurança. E agora ao trabalho...35.
i d d oi p rdid p i i i d xpr o memento mori -
o o o o do. o o id r do hor d i p i d i h
po i i id d do p i hor or d pro- r- o or . o o i i i id d
d r ri o pr prio p i d r ii r d or p r rd o r d o op r
r r or . d odo é participar i gr d id o p d i rd
naturalmente seus pensamentos e sentimentos aos odo do o or h g o
membros da família, incentivando-os a proceder as- i ri h or g o r poi
sim também 34. do o h r i ido o .
x po po o d i o origi d pi i r : ensinar aos
i rior o h o o o do r go d nossos jovens estudantes o valor da ciência e da tec-
r or p rd r o pod r. odo do nologia, ensinando a um tempo a arte e a ciência do
r g p r ir d r o d inter-relacionamento humano, do cuidado humano
or o orr r p rd od or o r o e total do paciente 3 . o i h -
o i i do r o o o o do ro pro- r o rd d iro progr o o o r o
r r do d or do orr r. Se
o g r xi i r dir io do- o i i
não fosse feito mau uso da ciência e da tecnologia
x o. i ir d or o i r
no incremento da destruição, prolongando a vida
io o id d o r or d
em vez de torná-la mais humana po d r o-
xi i go od o po i id -
r o o se a ciência e a tecnologia pudessem
d d odo do or h g r o
caminhar paralelamente com maior liberdade para
r i do poi id oi i id o xi o.
contatos de pessoa a pessoa, então poderíamos fa-
h xp ri i h d d lar realmente de uma grande sociedade 3 .
h p r pr d do o id por
i o or o i pod r: h go do
o i i di r . o i o or o Considerações finais
g ro por r o orr r o r o- o
o xi o i r. o o r r- o op - pod o o ir d rg o -
i for capaz de enfrentar a dor e mostrar com ri pr o r o r or o orr r
seu próprio exemplo como é possível morrer tranqui- r o r d o o o r oi .
lamente, os familiares se lembrarão de sua força e pri ir o rio di d
suportarão com mais dignidade a própria tristeza 34. ro i i or i i i p r
or r do- o do d - p o pro - p i o ogi d r
gio o memento mori r - d or id i o r o ri o or po o-
o r : A advertência o ori, lembrar-se r o o o ho d odo i r o or-
da morte, que acompanha a proclamação da eter- . o o o id d i o or
nidade da vida, é uma afirmação do impressionan- o o h do i i xi d o

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267
Quando a morte não tem mais poder: considerações sobre uma obra de Elisabeth Kübler-Ross

po i id d d or do or r- o po d r h do
h g r i p p rd r or . i d ii r pro io i d d o o
or op r p r dox o o or r - o i i d p i op r o id r r d
o o i d d ip d do p or d orr r odo i ro r pr pri r r -
do o o p r o xi o o i r o o orr r o x io pod r o pr r o
d ix r o d o or r p r p o r i r. or r o id r r d ido. p
Artigos de atualização

g d o o pod r o - d di o rio o o do or-


r di o pro io i d d p - r r jamais usará palavras vazias ao encontrar um
rdo o o o pr prio ii r paciente em fase terminal ... porque teve de en-
d p i o do r i pr i r - frentar a perspectiva da própria morte 39.
o id r r pr pri po r di d or p r or i d r r r iro -
pod r r pro o o o io o prop . o rd d o p o propri
di o por x p o pr o p o o io o pod o i di r p r r do r io io
or o op r h r o i o r o prog - d r- o o d o r p -
o do p i deveria antes examinar sua i d g . r - d i i r
atitude pessoal frente à doença maligna e à morte, o i d d o d o ogi d di d
de modo a ser capaz de falar sobre assuntos tão gra- riog i d r id id o or -
ves sem excessiva ansiedade g do o o - g 8 31
o o r r
or deveria prestar atenção nas ‘dicas’ que lhe dá do pro o r or o orr r o
o paciente, possibilitando extrair dele boa disposição r i i o i d d iopo . io do
para enfrentar a realidade 37. o o odo o r ro o p h od p i gio
d p o pr i po i io r- d or- r i o do id do p i o r o
r r o orr r o o r igio o rio o r or o orr r pod o ir-
pr r i od p i . i d p i o o po r d d r o d id .
h ido i d d d 0 ro o ri o o o o o o o d -
i o o p r o r od o. - o od o i p dir or
o 90 do di o o r r - d i r - id r or do o r -
do xi i r p i d r- o 90 do id r id do rd d d r o
p r i o rdo o i r do r o d di do or o orr r r or-
o o d o r r ho id d r i- do o r i i opor id d d id o
d d do i rio. r- o o : xi o. r g r é mais urgente do
que tomar posição sobre as grandes questões, sobre
(...) fiquei admirada ao ver o número de clérigos que os supostos valores e direitos humanos 40. r di -
se conformavam em se servir de um livro de orações o do o ri-
ou de um capítulo da Bíblia como único meio de co- i d r- o o i g r r d
municação com os pacientes, isto fazia com que eles io r o o io d or
deixassem de sentir as necessidades deles, se expon- do orr r o o x o d o i d d iopo .
do a ouvir perguntas que não seriam capazes de res-
ordo o r r o
ponder ou talvez nem quisessem 38.
i rio algo pode ser feito: não só encarar os
or o id ro or o p r d - pacientes com menos ansiedade, mas sentir-se bem
o r propo r o i gi rio g - diante da perspectiva da própria morte 41. i-
o d or r xigido do o i d p i ho pri i gi do p r i o o orr o or
preocupavam-se muito em providenciar cerimô- i i r- o i rr ro
nias fúnebres, em ver o que fariam antes e depois p i o i r do pro -
dos funerais, mas tinham muita dificuldade em lidar p rp o r or o orr r i -
de fato com o moribundo 38. o od ro do o di ogo o r p r p o
do o ro do i rio p ri d po r d d i r do
r i di o p o r or h g propor ig i o ior
o pr d r a própria relutância em enfrentar seus o or o d o o i d d d di d p -
conflitos, e porque usavam a Bíblia e se serviam da riog i o o g . Aprende-
presença dos parentes e das ordens médicas como mos que a morte em si não é um problema para o
desculpa ou racionalização para justificar seu não paciente, mas o medo de morrer que nasce do senti-
envolvimento 39. mento de desesperança, de desamparo e isolamento

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268
Quando a morte não tem mais poder: considerações sobre uma obra de Elisabeth Kübler-Ross

que a acompanha 1. or o o po d r ho do o p h . id do o o
p r odo o p - o p i r d p r r or ri h r o id -
r i i ii r o o o r d r id .
or i o p o d gr d i r i-

Referências

Artigos de atualização
1. r- o . o r or o orr r: o o do r i i p r i r
di o r ir r igio o o pr prio p r . 7a d. o o:
r o 199 . p. 27 .
2. r- o . p. i . p. 14.
3. . o do id d . io d iro: org h r di or 2009. p. 9.
4. . do ido. io d iro: org h r di or 2008. p. 8-9.
5. . p. i . 2008. p. 45.
. r- o . p. i . p. 28.
7. o . d d o i d d . o o: r o 2005. p. 287.
8. g . r d h i :o r i o h o o r . o
o: oi po 2008. p. 155- .
9. . p. i . p. 44.
10. i . i do o do po . o o: oi po 2012. p. 13.
11. r- o . p. i . p. 33-34.
12. r- o . p. i . p. 38.
13. r- o . p. i . p. 3 .
14. r- o . p. i . p. 39.
15. r- o . p. i . p. 259.
1 . r- o . p. i . p. 32.
17. r- o . p. i . p. 40.
18. r- o . p. i . p. 43.
19. r- o . p. i . p. 49.
20. r- o . p. i . p. 273.
21. r- o . p. i . p. 95.
22. i . p. i . p. 13.
23. r- o . p. i . p. 182-3.
24. r- o . p. i p. 273.
25. r- o . p. i . p. 275.
2 . r- o . p. i . p. 44.
27. r- o . p. i . p. 48.
28. r- o . p. i p. 14.
29. r- o . p. i . p. 277.
30. r- o . p. i p. 33
31. g . r o: o ho o i . i o : di 70 2012. p. 58.
32. g . p. i p. 58.
33. r- o . p. i . 174.
34. r- o . p. i . p. 175.
35. . p. i . p. 47.
3 . r- o . p. i . p. 30.
37. r- o . p. i . . 48
38. r- o . p. i . p. 2 4.
39. r- o . p. i . p. 25 .
40. g . p. i . p. 29. ido: 17.1.2014
41. r- o . p. i . p. 27 .
i do: 12.5.2014
pro do: 10.7.2014
Participação dos autores
dro i r ho o p o i r d o do r go. ro i org
o p o i r i o r do r go.

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269
Bioética de intervenção e pedagogia da libertação:
aproximações possíveis
Ivone L. Santos 1 , Helena E. Shimizu 2 , Volnei Garrafa 3

Resumo
Artigos de atualização

xo i proxi o r io d i r o ord g ri propo dr


o d io d i r id d d r i p d gogi d i r o ori ip dor d -
o id p o d dor r i iro o r ir . p rp or io d por prop
r o x o d d ig d d o i o pro d o di o iopo o po d
io d r p . o ir d i r ig d pop r i opri i-
d o x d i r i od o d i do d ig d d d d do do
o i id d d id o i . or ro r r o-po o p rp d ori
o do o i po o id ri d d o o od i r o o ii o o
po i i i i o o o ri o o rr ri o- odo gi p or p i o
dig id d h o dir i o h o i r i.
Palavras-chave: io . i rd d . ir i o h o. i o. o o i .

Resumen
Bioética de intervención y pedagogia de la liberación: aproximaciones posibles
r o i proxi i d io d r i - o ri o prop o dr
o d io d i r id d d r i i - d gog d i r i or ip dor d r-
ro d por d dor r i o o r ir . p rp h ido io d por propo
r o x o d d ig d d o i o pro d o di io o iopo o io
d io d r p . o r d i r ig d po io r -
opri id o x id i r i d o d i do d ig d d d di do
do o id d d id i o i . r r r r o/po o p r do
or dio o r o id rid d o o h op r i r i
o ii i o p r i o o o o o o o h rr i ri odo gi
h por r p o dig id d h o d r ho h o i r .
Palabras-clave: io . i r d. r ho h o. . o o .

Abstract
Intervention Bioethics and Pedagogy for liberation: possible approaches
h x pproxi o r o io hi h or ppro h propo d i h
dr o d io h i ri o r i d h d gog or i r o ip or
h or hi h d op d h r ii d or o r ir . h p rp r dd o
h h h i d o i o i i i o x o itt d o h o io-po i di io i
h d o io hi d hi r p . h i g h i r ig d o r op-
pr d or x d d p op h hi d i r d d o i gi i d d o g or d
i h tt r i o i d o i . h high igh g h hi /po i h r r hi h i r
o h h ori h d o d h h poi o o id ri o ii o di r o oo h
h ir oi h or - hodo ogi oo i h gh or h r p o h h i g dig-
i d o h i r h righ .
Key words: io hi . i r . righ . hi g. o o .

1. Doutoranda r o g o o. o 2. Pós-doutora hi i . r 3. Pós-doutor g rr o i g i. o i r id d d


r i r i / r i.

Correspondência
o . o dr od io d ix o 04451 0904-9 0. r i / r i.

r oh r o i od i r .

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 270-80 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222008


270
Bioética de intervenção e pedagogia da libertação: aproximações possíveis

ho o og o d Declaração Universal sobre d ori o o rr p o


Bioética e Direitos Humanos d rg i - r p i o p r id d dig id d o dir i o h -
od id p r d o i i o i r i o o pri or o
r o 2005 1 p io ig i - d id d i d d o r i .
o opo d io . d o -
i r d i p i o o orpo d -
car ter crítico e solid rio da bioética de in

Artigos de atualização
r o d di r o pri pio p r i r
rri rio i r r di ip i r do o h i o tervenção
r d ro i i o pr r i
dir io do r io di io o gi 2. r h d d d o o 1990 p o -
r do r r o h i o o od do i io
i r io p rd g p i d r i- p r r d 2004 dr o d io d
r or o. r - d do o i r id d d r i o i r io
or o o i or o h o h id p r r do x o o gr o di d
or d i o r do po i p r io r io r i do 2002 r i 10. do
o oi r o o do d ori - ido di g ido o o d o r i
r o do o r o d gi d r r o i do o o d o r do d
3
po . or i i p r rd i op r -
o r rid r o o r io i- r do p do h i rio i i i
d io - po i i id d d o r ir io i di r ... d io r di io o r -
r p r o r o pro d o o o gr o d d ig d d i i id -
p o i r g i o r i o i i i- d o i i pr o do o por o: ...
i do rg do i prod o. as riquezas sociais permanecem nas mãos de pou-
p r rd o o dro p r p d cos, continua crescente a depredação do meio am-
io p o g r r o o o h i - biente e as maiorias populacionais seguem distantes
o i do por o i d odo dos benefícios do desenvolvimento 11.
i p h do d d hor id d d di r d io r di io
id p r o i do . o do d r g r o o pro i o d o ri ir p r d -
io id po do d r di d dro. o po i r di r o
i i i id d ord g ri o r d - pr o o d o r od -
dr o d io d i r id d d r i p o p i o o i di r
4-
io d i r o do i pro o d p d ig d d o i
p r o r ori id i d o id o o xr po r od pr go o
p o p d gogo r i iro o r ir i p r o o pr ri o o po d o-
i o do pr do or gr p d o i id d r d d o . id i -
d o i o d p d gogi d i r o -9 . i r di po i i id d d o -
p rp i r po i o r- r o o d o i d d i ig -
g i r ori o o do i ri p d p o i o d r
por do r r o r o oop o o id ri o di ri i ri do i g -
d r ir -9 o ri ir p r hor o pr - r r o di i dig d o r i i
o do pr i o i o d o i p - do o d p o h g r do o
h d d o p r o pro dir i o id d d id 10.
r id d do d p r do o opri i- o r r i i id d or -
do o i i . or o ro d di ro o p r- i i i di i o r ir
r d r ir io o o pi d ri h d id d p o i po r 12 d -
po i i id d d r do i i po o d i p r o or p i o o o
p o o h i o io di o io o gi o p d r po d r id d d oi
i do p p d pro go i o r od o p do o dir i o d i do ior -
do i ig i rio po propor io r ro d p o p o ior po po r -
i dig id d p r o r h o i hor o i 13. do
o di d i i i id d o dir i o p r id d o po o d p r d p r o -
i r . pr r - d i r r o d o i d d ig i ri 14 d o r i-
po i i id d d i o o do pr i o r did or or o h i o d di-

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222008 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 270-80


271
Bioética de intervenção e pedagogia da libertação: aproximações possíveis

r po i i i p o did oo p r i o or do o-
18
d ordo o o xo r i id d . i po i .
do i o or i o d propo d o i visão macro
i dig o r d ig d d o da bioética, ampliada e comprometida com o social,
p po r do o o o o d - mais crítica, politizada e interventiva, com o objetivo
o i or d o p r o de diminuir as disparidades constatadas 19. or
Artigos de atualização

pro pr di o - i r 15 d ori h g i d io d o i d pri i-


pop p i do r i d i p - pi i o h po o or o o pr id -
o- ri o . o do do d i p r i od pi o d ri rio
d r o p r i ord p i i r o pro io -p -
i rg d orr do r pido d - i o or r x o r
o i o io o i o do o o i i o o o
o o ogi r prod g i r - p r ip o do do d i o d priorid d r -
p d rg o ido d p i - io d o pi o g od r r o
i p ri dir i - d d o g r d or d o r -
5
d o di r r i org i r .
o i d d h d d g id d o o propo d o g r - r
x o o i i ri di r or d p r p r o pro o i i o po -
di ri i o o or o i .5. o r do p io r di io . i o o -
propo d i pi r i r d r o r r p r i d pi o do ro
io pott ri i i do r x pri pio p r g r r o r p i o o dir i o -
o d o o i d d o o: dir i- d i d pop i po r proxi -
o h o id d i p r ip o i i id d - d io go d ott r o p rp
o i i o i r po ii op i d d o r- p r rd i o o gi
d o id ri d d pod r o ip - o di p rd r d i id d d pro-
o . o r p r r - d or- o r i r o pro od ri
d g i do o i o or i o - r - d io i r r or
di o o r gi r r pro io- o d o i i d o p r o pro-
i d d p i o r i g dor o r o i io
io d p i h do op r po h ii d p r ri po r
r id d d o d iori d pop o ig d d d d odo
g do por o di i d o r i- r d io i 20.
i o d o pod r r d o o r do o p ro d d d pr do i-
o d r d id i 4 5 . i do od o pri ipi i rg o o
o i o pro r pr r r i o o id - d orr d o io o- ri o -
d o do p p ri ri o o do g o i do r do por i por d o
pr o o r r - p r o pro p ri o p
algumas bioéticas despolitizadas, horizontais, d o i o 21. p r p d ori
distantes da realidade, deliberadamente neutras e d pri pio i i p r : a) análises
assépticas 1 o h r o o ho p r r - contextualizadas de conflitos que exijam uma certa
id d o ri p r o do status flexibilidade para uma determinada adequação cul-
quo xi o do i r x i o tural; b) enfrentamento de macroproblemas bioéticos
d id d o id do p r i id persistentes vivenciados diariamente pela maioria da
i ii d por o ori d p rp o população dos países latino-americanos, com níveis
o ro do o pr prio ri rio o altamente significativos de exclusão 22 o i-
or i i p ri i go i 1
. iod o - o prop d r po i d d p r
ro odo h op r id d o pro o io rir od ord -
d r r o od d i po o p rp o i po .
do p p ri ri o o d p o d - o o o o pri ip o ropro -
i o o i o g r do p g o i o d or- dir r io do o o io -
d d i r d r do i po o p ri o pr di pop
por d r i r pop po r do p p ri ri o o do r g o i do
o po r di ri i o o i - rg d r o odo p r pr h r

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 270-80 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222008


272
Bioética de intervenção e pedagogia da libertação: aproximações possíveis

d ix d p i i o r do check list pri i- ri do o gr po r di io i d o rio


pi i did o pri ipi i o o o o do di rod ii i pr po
ori pr o propor io d id o g r dor d o ii o o i -
d o di r r id d r i o i i p o o i o d pro o do o ro o
o i do p po r d p r do p - pr rio 1 .
. p r rd d o pi o gi - pro o d i do p o o ri do org -

Artigos de atualização
h g i d d o x do d i o od o ido p r r d pr ii
g d i r io d io o i gr r o id ri r o r r or dor d
di o i o di i do r id d o i . r o gr po d o rio
o po o i orpor do do p i - org i o d o po d
p i por io i o- ri o . - do dir i o h o d o ii op r
gori io i o id pr d po p rd r d i id d
g d o o r po i id d o id ri d d d pr i di gi o i
o pro i o p r ip o o r p r - o pro d . d odo r or
r p r do o x o d io p rp d r o o o id ri d d r h
o o id o d io o pro d o o o o o id i dor h d
i r g i priori o i r o o o i i o o id rio 1 .
d ri od io po i p r r
p r do pri pio d -
pr o p i i o o i rio i
r io d id d d id po-
p rio 5.
o pod r r d d or
d r rid pr o p - odo o g r do do i d p d do
o o d o id ri d d por - o xo i o orr . i -
d r r - d o i por d o- do pro i d p p ri ri o
ii o o i . do i d or i gr o d ig d d po r
d o ri h d o id ri d d io i o pod r r d o
23-25
r o o rr o d d poio r gi rr d p o p -
o r od o i p r id h - r i 5. i pr p p po o o id rio
o po do. o id ri d d r p io did or i p r p o o -
prop o ri ir o r od r or di o d pop i d r do p r o
po o- o i i o r o r or d i ri o i i i i
o ri do org i o o do gr i o d o i i i d p o d ig or i d
p r ori do rid d pr o p do - o id d p i di r o g ir
i o o outro 25. propo por d o ro 2 .
r r di io d o p o
o r d gr po org i do deve constituir-se
em uma instância social com identidade própria, re- ética niversal na pedagogia da libertação
ferencial teórico específico e espaços de ações e inter-
venções que privilegiem radicalmente o respeito ao i r do r h o rr -
pluralismo moral e a construção de transformações ri d propo por o r ir 8 pr
sociais includentes 2 . odo o ri o p i o r
i h d i orpor p i r o d gogi do pri ido d 19 0 o g r - o o
r do ior ro po d i di d o di r o org i o i dig do o i
gr po o pro o d o d d d i o pro - d i p rp r id d d pop -
do d odo g do or r di io i d po r o i d or id o do.
d idir po i . do po d o ri - do o o opri ido o -
do propo o p o dir o pro i - r o i i d i - i i po p r -
d o propo d i r o rpi o- id d x d r o esperança e denodo 28
d p r di i i po o i do gr - o r i i do p r
po i i . d o d i pir o p o i d o o i i r o.
o id ri d d r i d g do r ir o di o d h o do
r i r p rp id o i d o i di d o d p id d o-po p r i r-
p o o pr d propo d r or o ir o do d r -o d r i -o
p r r o do o i od i r do o - d i . h o o i r do iné-

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222008 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 270-80


273
Bioética de intervenção e pedagogia da libertação: aproximações possíveis

dito viável o o d i - r h o i r i i r od p o
do r o po i i id d d r o o d r - o ig i o i d i rd d p r o
or o por o g i po por i opri ido g r do- h o di d h i r-
h id d . o i o o or r r - d o r opri dig-
h id d por r id d hor id d p rdid po i d opr or .
p r odo p o o i p did r r ir oh h i ri io
Artigos de atualização

d d o r p pri or do do po o d i h o opri :
p id d o po i id d 29 do o d o i p dir o o ro i o opr or
oh p op r xp or o di ri i o oo po i od r o 89
io i -9. o di o i d o i rd d .
id i - r r or i d i o o -
o id rio o do p r id d d r p r r do o rg do i pi i -
28
i do do g r do odo o h o o ri o d ido o
i d p d d or io id d xo . o po i h o ro do or
dir i o d ser mais 9. r iri condena a explo- d or di r o ro p r
ração da força de trabalho ... iludir o incauto, golpear di or o d o oh p r r i. d -
o fraco e indefeso, soterrar o sonho e a utopia ... ética i o d ir o po hi ri
8
que se sabe afrontada na manifestação discrimina- i o o hi ri . d d r ir
tória de raça, de gênero, de classe 30 por o do d o id ri p p r -
r r i o d io i ro o od i -i i i p o
dir i o h o d i dig id d h - h i o o po o ro
. r o propo por r ir o r i di id o o o do or
d d gr i . p r do or a liberda- d r o do 28.
de não se recebe de presente, é bem que se enriquece o d d r o id ri d d r ir op
na luta por ele, na busca permanente ... 31. r di o pi i o i do o -
r o pr di do p gi pi i - r i po o r - o id ri
r d r i di id o p r d por p r r gi r pro o
odi r i o di d p r gr opr or do o i ri o do 8 9. i o or g
r do i d i or id p o i di id i o o p id d x r d d
pr i d id o ogi do i d go i o. gi pi i d i o - r prod ido
r ir pr o p do o i d p d r do i
r i r o po i i id d d di r o ho- o id ri d d o o r gi d d orr -
og o p r i ho h r i do i o o pro i o hi ri o d o o
po i i id d d d i rd d r o opri ido rp r p r r i o i i
r o do tecnologizado: o discurso da globa- pro o do o idi do i r do i-
lização que fala da ética ... procura disfarçar que r do r h o89. r r r p o o
ela (ética de mercado) vem robustecendo a riqueza o id ri d d r ir prop pro o
de uns poucos e verticalizando a pobreza e a miséria p d g gi o d o i r dor o do p r
de milhões 32. r ir o r i d gi- o r od i or pr xi
di d p o pi i o g o i i d o r p r ip h o o pr -
dir i o d r o pro i o od r po o d od o i od o o i
p i r o d od o di hi ri d do d do .
g o do dir i o do esfarrapados do mundo 33 . o o i p rp d r ir oi -
r r o pri iro p o p r - pr o id r d o o o r po o d p d i
d i r o p o d o d r odo o opri ido o do .
r id d r o do o i i d r o o p r o or r o di o hi ri-
o di o o r o do. o d d d ir d p d i d ri d d pr pri
o i i or o po o d p r d o i d or do- i r p r p r r rr ir
i . d o opri ido p r r i p d xi i d odo
do o h i o do i i i po o p opr - o o ro o ro o ro od o
o op r i i i i i po h do o i i do d i 34. do
o o go i i po d r odi do i o o i p o i di id dir -
-9
p rp r iri d or g d o- r io d o o o i o i -

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274
Bioética de intervenção e pedagogia da libertação: aproximações possíveis

d o id ri d d id o id d o pr xi or od o i od o -
ig i o o po d h o ii r p r od o ii i g
orr po p o o i do o ro ninguém po i i i odo i r r do do
é sujeito da autonomia de ninguém 35. o o i o d i d r id d opr i o
d ordo o o i r do d i or o h i od id d d
pro o o od o i o. por r or o.

Artigos de atualização
o ho o o di d p r- i pr i d r ir i r r d
ip r d id o i d d r or- r id d o o do o o r d 3 o -
do- do i g r rio o or por id d : do d i o do
d do o r o di ri p r p io i o d p o o i o p
d r o do r o r d i d d r o o p r o o o o d
p r prir id d d do pro g i- i -i i o i o o rr ir i r -
o o r d d h i- po i p r di d io o o
d d . do r ir prop d o po o. r r ir 8 por io d d -
pro dor 9 o r g r o r po i i id d d d i d
rio id d do d do po i i i do o o do io o io do io d p r i-
o d o r o d r id d o do-o po o r o o d do
p r ip r o r o do pr prio i o o id rio o d od p o h
o h i o. r ir g do d o ri opor id d d r i g do o p
r i po d o o ro odo o r h o r po i id d o-
d r o o d do pro - -po d r o r di id d p r or r
go i d do- i o o d i do d o i d d o p r r i x d .
or p r r i r r pr prio pro - r or r r id d do- id d
od o i o i r o3 . d odo dir i o d r d r -
r ho i do o i o - do rio i di id o .
o r ir o h id o r d i r o: o ro r o d opri i-
id d d g o i o d x o di - do d o d r id d opr or o pr d
orr o r ori do p d gogo r i iro r - po i i id d d d or - rio o
do p r r ir o po o d p r d do pro o g o o o d i o o o pro-
d o i o p d o d ir o d do i o d odi r o o x o d or i o
o i i r p r od d o i od po i id d nas pala-
i - i i po p r id d - vras de Freire há uma responsabilidade ética, social,
o r . p rp o d do opri i- de nós todos no sentido de tornar a nossa sociedade
do po p r r o i i i g pro d menos má 38. r d p r r ir
o i i r r do i io pro d do i o i o id rio i h o o
pro i d r id d do do i o d r r do o o pro o rd h do
pro d d i o. o r p r o opri ido i do or - rio
d i i . opri ido o o h i rd d o pr prio opri ido p o di d
o d i di o pr p r do p r r - id o r propo op r
poi o d o i i o r do d d o i o rp d o .
or do opr or. r xp r o r d opr - p rp o o d do d rr i r o
o pr i r d d do o ro i o o d pi d d o rid d d do r r -
pro od o i o o ri d do o o io p d o o i o di-
i r o3 . d r g r i r do i o o
o r h o o o r opr or o do d od r d r i-
or i o pr i o i por i d o h - o o i p d r i 9.
id or o r o or o hi ri o
op r . r id d o r odi d
i logo entre a bioética de intervenção e a pe
do o opri ido d r o d d
po i d po i i id d d p r ip o dagogia da libertação
8
. i por i p r r ir
d p d gogi rd d ir i r dor p o i proxi d
pro r id d h o o propo ori o g r o o pro o -

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Bioética de intervenção e pedagogia da libertação: aproximações possíveis

o-po o o r do d d pop p r do p i o r id d do po o
r gi i d p i i od do h i rio .
d p ro o p o gr o d d ig - po o r d pr di o o
d d i i id d g o i o o r r po o pr d ori i -
p i do do or r r d d d r i do r oi -
i di p op i . o x o o o- di o i o . r ir or o h
Artigos de atualização

3
i o o x o po o d io p i do d di do i ro p i io r
2005 i orporo d o - o r or p o o or d id
gori i r o d ii r o d pro- d i o di io d dig id d h . i
xi o o id i d r ir id d . - d pri ir o r r i
xo io pio ir i rod id o h id d gogi do opri ido r ir d r
r r iri i i i do proxi o o pro i o o o esfarrapados do mundo e
pro d i rpr o d o p r o aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se,
p ri pro h o pr di com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam 40.
id d gr d p r d pop r i :o odo o or i do x-
x do p d r do 3 . do d do d r o o
g do d i o do p - o op r d odo o -
o d r ir io pod o ri ir p r g i dig r o i d d d
d r di d o- do o ido p gi do o o o d o
r do did d i o o i do r o r p o r o d o p id d x -
o r od i i rio i d do r d por orro p r r h
i. d do ri r i d i do- d o o hi ri p r amo-
p i o or i o r o d r id d rosidade”, g ro id d o id ri d d .
o i i i o id ri o i id d d id o i orporo o di r-
p r pop x d 3. por o r - o pr do p o i i por d
r p ori do r i i id d propo po d r ir : o pr od
o io o i o or i p ho h r o i o hi ri o orp r -
id d o p r d p o p i o o r p r o -
p d o i o. r o p d o o r o por r o r o od
o o x do do i prod o o oh rd d o r o
i di d o o p dr d o r i i o h i o o o prod o h
o d ri rio i o do d hi ri o p r do d d id i r r o-
por id d d id h r x op r o h r o r r hi ri o do r ig i o r
d p r ii i p r . o i i d o o prod o o i o-
p rp d o ro r o or- ido p o di i o d práxis o/r x o d
ro o r o id d o pi r o o rio id d d ri id d r do pro o
d o id d d p r i o d o i o d o o go d xi i
o i d d r i r do i por i do o p r - h .
h o o id rio pro d d o xp d r ir o o r o i-
p i o p r o pro d i r i d r id d ho h r i do
comum 3. r p i p r rd - r d p r 8
pod do d odo
io pode lutar pelo empoderamento, pela r o o pr prio o ho d o r por i -
libertação e pela emancipação dos condenados da o p id d d pro r id p r
terra 39. o i p r p r r d r ir o d i r -
i xp i i id d id d i di id i o . o d
d g op or o h i od i d o i i g id por pro od o -
p o i o r d o o i d ho i o p r d p r o
h r o o x o do do o por o. pod r r pro od d
o o pi d o i o pro- r i od o o r opi -
d r or rri ori id d po d io- do p r r g ido ri pod do o
do io r di io o o p r rd o r do por pro-
o d x i p r o o i o io di- po o p o o do o o x o di r o
o o pro r- o r id d do d - d r id d i o o po

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Bioética de intervenção e pedagogia da libertação: aproximações possíveis

d i p r por do rio da ética 43 i r do r h o


pro do do pro o r o i ido p o h o o d do dir i o d i
di r o i o 5. d odo o r h o o o pro-
i p i d r i o o id rio d rp or g d dig id d
o od o o o i r h o o r od do
i i o r d ori do pri pio 5 - o i i o i i o ig i rio.

Artigos de atualização
o h id o o pri ipi i o. d d r r ir r o o r
o o r ir o xi o pro h o p i id d i o o
pr - ri d d r i d p r o pro xi o i od or o r or o r
d do d ri o d práxis d r r r p r i d r ro-
o i i . r i di p o p - r o oh p r od p r o o r -
do h i rio o oh r pro - di rio p r pr xi 9. or op r -
o o pr prio o ho o p r rd oh r ro r ri i d io pri ipi i
h io o o d d i - o r id d do i r g i
d o r di pro p rp - r o di d o id r d
do p r r d pr prio r ro 5. di io o o p r i r po -
do ri i i d o - i id d d pro r p r i r r d
id r o o do r h o o o pr - o h i o or do- i d d di r-
orp r o i o do o io d id d o p xid d do pro ig
o di ogo p r ip o r po i id d - p i pop po r d banda Sul
r dor i 41
. o po r r- do do.
o o r d o p r o i i o i o r ir i orpor
pro io o ig propo o di r o gori o po o o h i-
o d d r ir -9 pro r r d io o o o i o o id ri d d
r id d p o o i di - o pro i o . p rp d p i r po i -
r d o pro i o p r r d r ro po d od o h i o di i -
pro i por d o d ido ro d o r do- do r r p r i p ri o ro
r id d d . i po o p o h do pri ipi i o 44. id i -
d r ir o o ord i por i d r r p r o r
p r o p do o o i i d d o r ir . h i o propo o p
pr pri r id d d rh o odo d do or do x do o i i i o
o p r i r d o r ir o o ro do pr i o or i .
o i d d di r do do d i o p r r do p o d r ir
h o id d o o o pro go i d hi - i - r or d p i-
ri r - d o i d d di po d - r o do opri ido opri ido p i
oo i r1 or r orr pr di opri ido p i ri p o p d
d o i o or o od i r - do do o do pod r. di o o p r r ir
r ho d r do o pr prio odo d o op r i r o o r r do d
id 41 o o o o di r d o 42 o i d d i di id i d r o
oi r do o pro i o r do o o o o o ro o o o i d o id ri d d
opr or i i r r r r- p r o o r i do o pro i o r
o pro do- r or d p or g d dig id d . r - d o id -
p o do rg o o i dor . ri r o o o rg o o do
r o p do d oo i - o o d r i o i i o o d
r o i pr i d r o h r o o h i- d o g r . r do o pro i -
o d ido r r xigir pr o irr og o odo o or o di ri-
d o do i propri do o - i o g o p r o po
o r o h ido i d id r d g r o r od do o i
id d d ir po i o r i o.
i i ri . rd d ... se realmen- r ir r o id ri d d i i -
te queremos superar os desequilíbrios entre Norte i pr d por por o r di r
e Sul, entre poder e fragilidade, entre economias p id d do x do por p g d
fortes e economias fracas, não podemos prescindir or i p r i o o ri i -

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277
Bioética de intervenção e pedagogia da libertação: aproximações possíveis

do d o r or
o d r id d o o pro i o o i rd d gr g do o
opr or o opri ido
i rido. r p i op rid d o d o d r g r pri -
id i o o o o i o pio g r dig id d h i dig-
i rr 45 o or po do i d - o o r i id d d
o r id i d solidariedade crítica p o i .
o o ixo or dor p r ip o d o r d d r ir p r h d id i
Artigos de atualização

p o o i d d r d d p d - d d o d or i
i o i r i r io o r d i r o o do. ori o
p r r o o r rio o id ri d d r o po r d o p r di po o -
o o d o r r o o ro rr o r ri ir p r ho h r o o orpo
p r po o pr prio or o ir d i- o i pr pri hi ri d -
od r i id d o r . o pr prio d o o d ix do d r-
o d r ir o o r - i r por o h r i r h io . o
di o r od do hor d o o o pro o pro dor o id -
p rp p r po o i r - rio or po i p r o i i r poi o-
g i o pr io do p i p - r o d d o i i op od o-
d d d r do p r o r o i od o i i r o i
d o i d d di r o i d d p - do o pro o i di id o o p d
d o id ri d d 4 . o id ri d d pod o d ir o opri ido o i d
r o r d o op r d pro o d o o di d d o pro o d h -
o i po i o pro do pr i o i r o.
od o i o d di po i do x r io o o propo po
o o d p r ip o do di ogo d d o r - o odo o ho h r i r ir
i ri r r r po i i- r id d i do por do p -
d d g od d g ro id d do do o pro i o d o id ri d d .
o oro id d o igo o o o o ro 4 . o r o d o r d r o id d
r x i i i i d . o pro -
d o o do i di r po i i id d d
onsiderações nais pi o o d i r d did por
r ir o pri pio r h do p p -
o o d o o i o i pr 48
– como
d d o i i pr do p r rr i o p id d i
d r ir o pro i o ro d do p o r p i o o dir i o d od p o
o d do d rr . o pod ri r di r . gr po d o r r id o dig id d
p d gogi po d r ir p r h do o o i i rd d .

Trabalho desenvolvido durante o curso de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Bioética da Faculda-


de de Ciências da Saúde/Cátedra Unesco de Bioética, Universidade de Brasília , Brasília, Distrito Federal,
Brasil.

e er ncias

1. rg i od id p r d o i i r . r o i r o r
io dir i o h o. r . ri : o 2005 o 10 r. 2014 . i po :
http:// do . o.org/i g /0014/0014 1/14 180por.pd
2. rr . o o o i o d io . : rr otto d org i dor .
o i i d io : o o- ri o. o o: i 200 . p. 9-1 .
3. rr . o o i o o x o po o d io . r i ir io . 2005 1 2 :122-
132.
4. rr or o . r o io hi : propo or p riph r o ri i o x o
po r d i . io hi . 2003 1 5- :399-41 .
5. rr . io d pri pio io i r . io . 2005 13 1 :125-34.
. or o rr . io d i r o: o id r o r o o i d r do.
io . 2005 13 1 :111-23.

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 270-80 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222008


278
Bioética de intervenção e pedagogia da libertação: aproximações possíveis

. r ir . d gogi do opri ido. io d iro: rr 2005.


8. r ir . d gogi d p r : r o ro o p d gogi do opri ido. io d iro:
rr 2009.
9. r ir . d gogi d o o i : r rio pr d . o o: rr
2010. o o i r .
10. rr . p i o po i o do o i o i r io d io . . io . pr. .
2012 20 1 :9-20.
11. rr . p. i . 2012. p. 11.

Artigos de atualização
12. rr o . io o o . : rr o org i dor .
io o o . r i : 2000. p. 13-23.
13. or . x o io o r priori o o r io od id do d d : r
id d o i id d . d. d i . 2008 24 3 : 9 01.
14. rr or o . io pod r i : por d i r o. : rr i i
org i dor . io : pod r i . o o: o o / ro i r i rio o i o/
2003. p. 35-44.
15. op . do d r o o ii di : od o di o d
o h . h g r ri . 2001 33 2 :2 1-2 .
1 . rr or o . p. i . 2003. p. 402.
1 . i o rr . or id o o o i d : di ogo r io d i r o
o o i id d . d o . 2011 20 2 :28 -99.
18. ro . io i g i dp i d d p rp o i . d
i . 200 33 1 :1-10.
19. rr . p. i . 2005. p. 12 .
20. d r . io d r i . : orr oordi dor. io o i d d
o ri io o i d d o ri . go d hi : d i r ri
i i id 2012. p. 1- 5.
21. orr . io i io o i o ri . : orr oordi dor. io
o i d d o ri . go d hi : d i r ri i i id 2012. p.
5- .
22. rr . p. i . 2005. p. 130.
23. i rr . io o id ri d d r o ri do org i o. d i .
2005 39 3 :4 3-8.
24. i rr . o id ri d d r o ri do org i o: o r po i i id d d i r o
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25. i rr g . i rio do r ho o rio: i r p r r d io .
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2 . i rr . p. i . 2005. p. 4 .
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http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222008 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 270-80


279
Bioética de intervenção e pedagogia da libertação: aproximações possíveis

4 . r ir . d gogi do o pro i o: ri d o pop r. d i : i d


r 2008. o o i r r .
48. o rr . i d r o i r o r io ir i o h o d o
d d o r ir . i d io / . 2011 1 3 :130-135
ido: 22.4.2014
articipação dos a tores
o . o p r ipo d org i o d o i o do do di o o i iogr i do: 19.5.2014
r d o do r go. . hi i o o oori dor p r ipo d org i o
Artigos de atualização

pro do: 11. .2014


odo gi do do. o i rr o o ori dor d p i oi o r po por
p o p r ipo od do r ho.

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 270-80 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222008


280
Limitação de esforço terapêutico na pessoa com
lesão encefálica grave
Henrique de Alencar Gomes 1, Mônica Adelaide Almeida 2, Terezinha Valéria Ferreira Matoso 3, Maria Angélica Assunção Viana 4,
Maria Bernadete Cardoso Rezende 5, Maíza Ângela Ferreira Bento , Tatiane Santos Fonseca Guimarães , Sabrina Vilane de Oliveira Alcântara 8,
Ary Demétrio Júnior 9, Ana Paula Gomes Costa Silva 10, Cibele Renata de Paula Moreira 11, Daniela Simplício Vieira Albergaria 12,
Marília Káthya Coutinho 13, Marli Medeiros 14, Roseli Melo Silva de Souza 15, Polianna Cristina Pires Dumont 1

Artigos de atualização
Resumo
di r p i od o d d i i od or o r p o o r id d
d r pi i i p i id d di o o gi o i por o x o ho pi-
r d i r od o g p r i p r d gr d r gr o i d
id do pro o g do d d r i r o o i . pr i o d d d i op r o -
p x d o r o i di d o i ip pro io . o od r go di orr r
r p iod o o r g pro od d od did por gr g o o d
or r do p o p do por i i o do id do p i o .
Palavras-chave: ir i o orr r. io . id do p i o . o d d d i . r o i o
r i o. do g op r i .

Resumen
La limitación del esfuerzo terapéutico en persona con lesión cerebral grave
di io r d o d d i i i d ro r p o o o i-
d d d id do i i o o o og i o i por ho pi d rg i p r
p ro d r o gr io r i r i d d rgo p o
r i gr i o i . pr i o d d i io p r o p d ord r
i di id o ii ipo pro io . prop i o d r o di r o r o o
pro o i gr d d i d did di gr g i o d or r do
p ro r do por i i i d o id do p i o .
Palabras-clave: r ho orir. io . id do p i o . o d d i io . r o i o
r i o. do g op r i .

Abstract
Limitation of therapeutic effort in person with severe brain injury
i io o h i i o o h r p or r o o i i i r i d o o og d
r o i por i o g ho pi or i o or r d i ri h r ir o g- r h -
h r d o i r i gr o . i i pr h d i io i g or i i o o h r p or
i o p x d ori d ho d i o h i di id h i d h di ip i r .
h p rpo o hi r i o di o i i o o h r p or o pr h i pro o
d o r or o ggr g o o p r o - r d or r d i i o
o p i r .
Key words: igh o di . io hi . i r . i io i g. r i r hro i . ri g
.

1. Doutorando h ri .go ig. g.go . r 2. Especialista h . id r ig. g.go . r 3. Especialista rr . o .


r 4. Especialista ri g i .1 oi. o . r 5. Especialista d r d g i . o 6. Graduada i g g i . o 7.
Graduada .o o hoo. o . r 8. Graduada ri o o hoo. o . r 9. Especialista r d rio g i . o 10. Graduada
p g hoo. o . r 11. Graduada h . id r ig. g.go . r 12. Graduada d i . rg ri ig. g.go . r 13.
Especialista h . o ho ig. g.go . r 14. Graduada ri d ho i . o 15. Técnica h . id r ig. g.go . r
16. Graduada po i ri hoo. o . r d o o pi r do do d i r i r / r i.

Correspondência
ri d r o r i o o o 558/301 p d 30280-080. o ori o / r i.

r oh r o i od i r .

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222009 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 281-9


281
Limitação de esforço terapêutico na pessoa com lesão encefálica grave

progr i o d o i o o gi o d d i od o o pro od gr g o o -
do o d did d por id d or r do p o do
po i i i do o o ro d o r i r pi r r x o p rp
d gr d r id d d r pi i - or i .
12
i . o o r - r -
d d d p i d i r od o g
de uação de medidas
Artigos de atualização

p r i por ro gi gr o-
d p d id d d id
di ri . o o do p i o oo or - - p i o di-
po i o p - o o i i r po i o . o i gr irr r o r i pod
i d dig id d h o orr r o rd id o o o d di r ri
di o g i o o r po i i i o od ro r ro r p -
2
d o od r ro o d do r o o . or o i o r d orr r
r pr do o p i pro od d io proxi - d d i o h do po o d
i o io o p xid d p r id - i do o do id do o o ri o do
r i i r p o do pri ip p i ii r o pro od orr r
d o i gr i d di g i do- d di i i i
o o o r i i od or o r p o h i od r pro o g r o orr r o
. di r p iod o d d d r r pro o r r p
24
o r p i id d di . p r d di o ri d d i o
o o gi . x o r o pro od o d i i o i i pr i p i
d d i o o ri o - d o g p r i ho pi r o o -
x o ho pi r d i r od o g p r - i gr pod por o r o do -
i p r o ro gi o . x p i do do o id r o p o i r d -
ip pro io pod d p r r o i ip pro io . i o d d
rio o p i d io i o o p rd d i o i o o pi oo p o
d o o i por o ro gi gr h - d did r p p r i o xig
o o i p i o gi o i r x o o r r o r prog -
d r r d do pr o o o o d id d id d d id r d r
o id od ii r . odo o p r odo d i r o.
xpr o i i o d or o r p - p rp h i d d i d d o-
o ido o d por g or 3. o p i i do r or d
rr ro o or dor por x p o r r id d r r - o di od o o-
i i o o r ri g r p d o r o o pr d i r op i o
r g do pro di o di g o. o o o i d -
d o id r o xpr o pod r r ir o r po d g r do io d
o o o g d i i od or o d i o d o or o d d o di g -
pro io o ip o id i d r i o o d do id 5 . r r -
do or o . or r or d po i i id d o i o ho pi r pr o i - o
r p pod r r o d r o o i d d d i o p do
ir i p r dox i i- p i r o ho pi r d do- op -
o id do p i o po o d or r io o por p i o gi o o ii r 5 . -
x i o. i rr ro o or dor 2012 odo pod ri r did o o
propo o xpr o adequação de medidas o pro o d o r po i o do od o r o p o
3
di p r . p i o r do o id do p i o i di id i -
do o d xpr o r go r - do h i do o o r p ri i -
propo d r r od or o d o x i . o d p r o o
h o i i p o o o - propo p o i d d p o d di i
i gr r i id d o o. or o o i pod r did o o
o o pri ip di orr r r p iod o d i di dor d id d d i i .

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 281-9 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222009


282
Limitação de esforço terapêutico na pessoa com lesão encefálica grave

como processo de tomada de decisão por xogr p r ido propo o


agregação consensual de fatores centrado na i r r ig r 1 2 9. i d r -
pessoa pr gr d p r i d r -
g po o i por . p o i r -
pr g ip di ip i r o
Elementos fundamentais do processo de tomada o d i i r o pr i
de decisão de AM

Artigos de atualização
r o do o o p r p r ip do pro o
go r o r i o por io do o d i rio. o o i d p o pr r i
h d di r h o i pr o i o o o d d d i o o d i r pr
d p r p o oi d p i d g do pi pri ip or dor do
r r o o i o or r p o i pro o od p r p o g .
ii r piri i o o x o o io o io
d i o o d o -
do i di d o 8. r o i i d o r rir
p r h d p r r d o o r
p o o od xpr o r po i p -
di do i o o p r
o o i i r po i o do
d do o i r o d : pr -
g o por prop i o o o i i r
8 i o do di g o po i i id d d o
xpr o po i p or . o or i-
d r pi di po i o go o do io
d d r go prop o o d p r p o
r p o pro i id d d r d p r -
xpr o r po i p - o o i i -
d id p r o gio o o
r po i r x o r .
o r p o o o prog od
o d d d i o p r d por - id do ior d o d di i -
id d do o ido . rr ro o or dor do- o id r o id d d id pr i
d o p xid d d or - r id d d rior o og i o
r ri rio r io i pod r ir d rg - o 3 9. r i o d r r p i do o po
o p r o d d d i o por o i i- d p o d ii r o o r
por o p o i r do pro o 3. ori o pr o do pro o d r o d
o or dor d d r o id - g r ro id do p i o o poio d
r do ri rio o o o po do r o p r ip o . di o od
pro od o d d d i o r r d i o pod rr i d r
i di id 2. o o .

igura xogr p r o d d d i od propo o por ori o or dor 2011

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222009 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 281-9


283
Limitação de esforço terapêutico na pessoa com lesão encefálica grave

igura xogr p r o d d d i od propo o por r g r 2008


Artigos de atualização

Princípios éticos fundamentais para o processo de p o r o o i di -


tomada de decisão de AM do o pi o d oo r po
io ori - i por ro d o. pro io o pro i r
pri pio : o o i i o - i r o d o pr i i 2 10. ir g r o
2
i . pri pio pod r pri pio d i d o i d -
dido o o ori dor p r r o r i do o d
pr i o di o h r d d i h id d o r po o pr o.
i i d id do id do d d 10. r d ip r r i o: Pratique duas coi-
pri pio d o o i r r - od - sas ao lidar com as doenças; auxilie ou não prejudi-
r i o o ogo r o o pod r d d idir que o paciente 2.
o r i o. p id d d r pr - pri pio d o o d r prima fa-
pri o h i p i r po i id d r pr - cie o o- r i por i
dir i o irr i . ir g r i - po i i id d d di ri i o do
or p io o o i o orid d o i i o r i g do o ri o d
d i ri r id p o do i p p o i p i d 2 10. pri pio d r g
r pr g g r ii r di ri i o do r r o i rio d r
i pr xi o 2 10. io o i i o r d d . o
pri pio d i o i- od - o ord i o or propo -
r d pro o r io o r i d p d - por ri r do di po i o i p r i
d d -o . p o rig o p r r o h i o do dir i o d d di -
2 10
pri ip d propor io r i io pri- po i i i od r o i .
i do- o io . di o d o pro - p rd r o i d d do
r- p do pri o do o o d ro pri pio io o d pr di o -
di i pod rr ido r r p - i o o o d pi o
o o o hor po r r do- h d pr i o do o . ori
pr r do id i i do o o ri o 2 10. o or dor r certamente as decisões
pri pio d o i o rig o terapêuticas são individuais, baseadas em amplo
pr di r o o ro io do do pi contexto que envolve a avaliação de aspectos clíni-

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284
Limitação de esforço terapêutico na pessoa com lesão encefálica grave

cos e sociais baseada em critérios objetivos e subje- i d d r pr d o i d d r


tivos. Entretanto, sem sombra de dúvida, existe em- d or o i o o o d di or
basamento ético na promoção da ortotanásia e na g g i 11.
implantação dos cuidados paliativos aos pacientes o ord i o r o o o di-
críticos 2. r or r rid or o i go d di d 2010 o i do
proxi - d r r i o i con- p o ri pio d i di p nas

Artigos de atualização
dutas médicas restritivas em que se limita o uso de situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico
certos recursos inadequados ou inúteis, em oposição evitará a realização de procedimentos diagnósticos
à prática de qualquer terapia que somente prolon- e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pa-
gará o morrer e aumentará o sofrimento da pessoa cientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos
e de seus familiares 2. apropriados 13.
di o o r go 41 do r r -
Aspectos normativos pertinentes ao processo de d do o di o abreviar a vida do paciente, ainda
tomada de decisão de AM que a pedido deste ou de seu representante lega .
r d orr r r go o p p r gr o i o
o prolongamento do morrer, ou seja, a obsti- nos casos de doença incurável e terminal, deve o
nação terapêutica, propiciada principalmente pela médico oferecer todos os cuidados paliativos dispo-
tecnologia do mundo moderno, é estimulada pela níveis sem empreender ações diagnósticas ou tera-
prática de uma “medicina defensiva”, consistente na pêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em
adoção de todos os recursos e procedimentos dispo- consideração a vontade expressa do paciente ou, na
níveis, ainda que sabidamente inúteis e desnecessá- sua impossibilidade, a de seu representante legal 13.
rios, com o único objetivo de fazer prova de uma boa - o o o i d p o o
atuação profissional. No tratamento de pacientes do r pr g g r do- p -
com doenças terminais, o temor em face da possi- i r i id d .
bilidade de responsabilização ética, civil e criminal
o o o i d p o -
pela morte tem conduzido os médicos à promoção
o o 1.995/12 14 di p o r dir
da distanásia 11.
ip d d o d do p i d i do-
o po o d i or o o ro r go 1o como o conjunto de desejos, prévia
d 200 o o ho d r d di i p - e expressamente manifestados pelo paciente, sobre
i o o o 1.805/0 d r do cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no
r go 1o : É permitido ao médico limitar ou momento em que estiver incapacitado de expressar,
suspender procedimentos e tratamento que prolon- livre e autonomamente, sua vontade. o r go 2o a
guem a vida do doente, em fase terminal de enfer- or r r - d i o r id do r -
midade grave e incurável, respeitada a vontade da o d p i o r i p
pessoa ou de seu representante legal. o p r gr o d o i r- o d xpr rd ir i r
4o d r go d r : Em se tratando de doente i d p d o d i di do o mé-
incapaz, ausente o representante legal, incumbirá ao di o d r r em o id r o dir
médico decidir sobre as medidas mencionadas no ca- ip d d o d r do o p r gr o
p deste artigo. di o d r r go g i :
2o : O doente continuará a receber todos os cui-
dados necessários para aliviar os sintomas que levam § 1o Caso o paciente tenha designado um represen-
ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o tante para tal fim, suas informações serão levadas
conforto físico, psíquico, social, espiritual, inclusive em consideração pelo médico. § 2o O médico deixará
assegurando a ele o direito da alta hospitalar 12. de levar em consideração as diretivas antecipadas de
- r go p r gr o d r - vontade do paciente ou representante que, em sua
o o o i o p o pri pio d o o i análise, estiverem em desacordo com os preceitos di-
o pro o d i rio d i i o r p : pri- tados pelo Código de Ética Médica. § 3o As diretivas
iro p o g do o r pr g - antecipadas do paciente prevalecerão sobre qual-
o di o. di o g r - o i- quer outro parecer não médico, inclusive sobre os
d do p i o o o. 200 r o o desejos dos familiares. § 4o O médico registrará, no
oi p d ro d 2010 r ogo - prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que
i i r p di p d do i i rio lhes foram diretamente comunicadas pelo pacien-
i o d r r pr do pro io- te.§ 5o Não sendo conhecidas as diretivas antecipa-

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285
Limitação de esforço terapêutico na pessoa com lesão encefálica grave

das de vontade do paciente, nem havendo represen- o h do p o o x d i g


1
tante designado, familiares disponíveis ou falta de por o ogr o p dori d .
consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê i o d o i i -
de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta dro ro gi o g do i - r -
deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao io: r r o r r po o or r po
Conselho Regional e Federal de Medicina para fun- r . o or po o i i i ior
Artigos de atualização

damentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando o pro o do d o i i


entender esta medida necessária e conveniente 14. pro i id d r d d ho d or -
r o o r or o o i d p o . d ri r did d ir
r do id do r o d d p dro i d por io d i r o o p o
o o i o o . p d por ip r i d por x p o p i od
o d d d i o di i d o do oro o p o i p d g ir
p o o o o r po i p - o o o do . r prog o r o
i p r r i ii ro d ri r i p p r i op o-
d r pr g d p r d o i r h odi i p d o r o gi
r id d ho pi r o d ri r - o oi od g p r i dor . o
g ig i d . p r r d r x o d or d po oi i i o o -
pr di o o xod r i id d do d oi i d por di o pr -ho pi r
id do p i o pod r o do o pri - o i o proxi d 20 do p i
pio o p o o or o i r o o or po i i i i o r i r o d
. do ori o or dor r- 8 10 pr r o 4o 51 .
se pode constatar que no Brasil existe res- o r o id d h r pro i i-
paldo ético aos cuidados paliativos, que abrangem a d d d d ho d or o o od
limitação de tratamento considerado fútil ou inútil 2. id d . ri o i ri i id d
d did p o o r dor d ri ro d
d i o pr r i o do o
Fatores históricos da pessoa
o pro ri . id d o id r d or pr di or
hi ri o o io o i o id d d
i d p d d or id d or id d pri i-
id pr i o or id d d p o o g
p i do 0 o 1 .
do or o p o pro o d gr g o
o p r o d d d i od 3
. or di ro p pi r o r xo p pi o o ri or
x po o i o o gi o o o d drog o doi i por p r ro o i do o
pod r p r r g o o gr r prog o. i do r xo p pi r i -
o o i d p o o o i r i por pr di or d d ho d o-
ig i . o or id d o id r d o o r . p r ro d ri r i do p r -
do pri ip i i di dor pr di o d or id d i o p o r h odi i por ip r i -
or id d 15. d . o x d - r gi r r id i d r
or i dir o r po i ri i ri
r po o p pi x o p pi di -
Fatores prognósticos d o . o d p r r -
2000 r i r o d o od p r ro o d ri p 1
.
p i o do o o oo o d id -
r i di dor pr o d prog o r - r o g i i or 90
o r io i o gr do g pr d p r d ho d -
d r do d go 1
. rigi or do o i d o hip xi or
d i oi :1 io 2 - d 9 d . pr g i i
do g op ri 3 i p id d gr di i d ri r r r -
4 i p id d od r d 5 o r p r o. d por ip r i d do o i i -
i di dor do do p h ri - r do di po pr r i r
o i o o ro ogi rg o or d h pr o r ri di . i o pi dio hipo -
rg i o o itt o ro r i o g r o i do o
po or pr di o po i o d p o - do ro d or id d 1 .
o 0 o po oi i i d o pr d or id d o x i i i
d go id d o r xo p pi r hipo- d o i o i d por di o -

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 281-9 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222009


286
Limitação de esforço terapêutico na pessoa com lesão encefálica grave

p i i pri ir 12 hor d o d i r- ri rio g r i d d io i o -


i o pri id o d h orr gi io d ri o o i r orr o i -
r oid r o o id r do r i p o i p o i o do r o
i por or prog o p r o d ho ri rio p rior p rd d p o progr i o
d or . i r o pri id o - i io o o i d d pr o o di r -
i d ri r r d i h r r o ior 10 o o i ior

Artigos de atualização
di d ro r d i r - 5 o o r i ri
i o o r o xid d o d io d i h - or 2 5 dg/ di gi do pir o r -
di d r r do o do p o p ido. orr /o i g o or i d d ho pi i -
h do d pod g r r i or o prog r d io do status d d p ho
ig i pri ip por r i d ro- io i i od o id do r ri o o
ir p i o gr 1
. io od d p d i iori d -
id d d id di ri o or id d d io i o
i d od i d or prog o
g r od id d d por do
d id d i p id d d r i o po -
d di i i o d r po o r o
d r o o p r ro io i
di i i do r r i i id d o h por o r -
d ri o o ig i i prog p i
r i r o o o d
o gr pod ri r o id r do o pro -
gr o 15 1 18. d io d r ido
o d gr g o d or p r . i do
do do p r r d i or o do
o o p r ro pod r r i or o
r gi ro d d p o .
i p id d d id r d p o
o xi i do di r d . ri rio p o d ri o p r o di-
ro gi d d o or id d d
r po d ro o r r i d r po -
Fatores de declínio clínico e/ou funcional r i d r po d r r d dor
2011 o o o g o r r o- d p r or p i ig o or
r p i o g i d i di dor prog- 40 o xi op i p r
o p dr o-o ro p r d r por o di o ior p r do po do i p p r
o or o h i o pr o d p i o iori d id d d p d d i i
d id o The gold standard framework prog- o p pr i g g r r -
15
nostic indicator guidance . id do d d d id d o i i r ri do por o-
id oi d ido o o o d do p o - o i /o o o r i ri ior
o proxi do do d id pro 1 5 g/d p o i d pir o i o do
o pr xi o 12 i i do or- r o ri rio p rior pi o ri r d d -
i i hor o di 15. g i propo o p o i o r r ri d gio 3 o 4 r r orr
do r di p r dor p r r- p io o r pi d rior o progr i
i id d por o i id d o i /o og i o o r pi
d r x o r . o i d di gi p di p i i i i
r pir ri hi ri d pir o p o r
oi d di p r dor o i di dor
r po i r o o dio -
g r i d d io i o /o io d rior - 15 1 18
gi . ri rio p o d ri r
o o r d d p d i o oh
do o o o o g r i i do
p r or i od id do o i di do-
o do po o o o ro or do pro -
r i o p o r io do r o -
o d gr g o.
di d d o o r do p o r
o r r i i i i rd o g -
do r do d h i r do d A pergunta surpresa
r i o do do r io o or ro No The gold standard framework prognostic
p r gi id d id r i o indicator guidance, p i do p o o
15
o ro r io r . - p rg rpr : você se surpreenderia se esta
r i r r pr ri rio pessoa morresse nos próximos meses, semanas ou
d gi i id d p r ord g hospice o p r dias? 15 r po po i p rg i d
id do p i o o o ord i o id r d di p r dor
o o ri rio g r i p o propo o p o p r o pro d o d di o r
1 18
. do ri rio g r i p o pr do .

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222009 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 281-9


287
Limitação de esforço terapêutico na pessoa com lesão encefálica grave

e e es g o o d or r do p o .
o pr d go r i o
d p o o o i p r r-
o id r do o p o o or o
d gr d r gr o
p r o id do p i o o hi -
i id do pro o g do d d r i -
ri o d p o o i di dor prog o p - -
r o o i . or r pro d r
o ro gi o ri rio d d io i o /
Artigos de atualização

di o o r limitação de esforço terapêutico


o io o o or d gr g o r do
o p r p d o d d d i o o -
p o r x p rp pro o
p x d o p h d p i i -
or r o di g o propo i o d -
o do id do p i o do i r d i-
did di g r p o prog o
i r i i r i pi .
piri id d . pr i o o di g o di o
i o ro gi o did do pro- or p r o propo
po di g r p p d i d ri r go o r p rp -
propor io r ior prog o d id o hor po r pi d : d i i od or o
id d d id r did p d r p o p r or o xi o d id do d
propor io r o or o p o piri id d ri rio o ro d p r gi i id d di -
d p o d i o id r i r- d o o p r h d d r d
r o d d d i o r do p o p o d p r ip o d p o d i d
o pro op r o d d d i o d r ip pro io d i rid d do
pr i o o i o p h do p od o r o-p i o p r i ro i do o-
ord g p i d did d o - d o r o/p i o d ip di ip i r
or o or r por x i . p r ip r di ip i r d o h r h i-
do p r p o o o i gr
r i id d o o. p r i d propo -
onsideraç es nais pr d po r o pro d o
d di d i i pr
o o do pr r go oi di orr r i i p o i r do o
r p i od o o pro o r g d gr - r p i o i o di io p o .

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288
Limitação de esforço terapêutico na pessoa com lesão encefálica grave

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r o pro o g id do do g r do- h o id do rio
p r i i ro i o o o ri o p rp d i i i gr

Artigos de atualização
r p i d o d do p i o d r pr g . r . o 31 . 2013 .
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r o o / /2009/1931 2009.pd
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dir ip d d o d do p i . r . o 31 . 2013 . i po :
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articipação dos autores pro do: 30. .2014


i od i r r r d o di o r i o do ri o: ri d r
o . odo o d i or p r ip r d di o r i o r do ri o.

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222009 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 281-9


289
A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no
Brasil
Debora Diniz 1, Vanessa Canabarro Dios 2, Miryam Mastrella 3, Alberto Pereira Madeiro 4

Resumo
Este artigo analisa como se constrói a verdade do estupro para que a mulher que se apresenta como vítima
tenha acesso ao aborto legal no Brasil. Foram entrevistados 82 profissionais de saúde de cinco serviços de
referência para aborto legal, um de cada região do país, entre médicos, enfermeiros, técnicos em enferma-
gem, assistentes sociais e psicólogos. As entrevistas buscaram compreender procedimentos e práticas a que
a mulher é submetida para ter acesso ao aborto legal. Apesar de particularidades na organização e no fun-
cionamento dos serviços, identificamos um regime compartilhado de suspeição à narrativa da mulher que
se expressa por práticas periciais de inquérito em torno do acontecimento da violência e da subjetividade da
vítima. A verdade do estupro para o aborto legal não se resume à narrativa íntima e com presunção de vera-
cidade, mas é uma construção moral e discursiva produzida pela submissão da mulher aos regimes periciais
dos serviços.
Palavras-chave: Aborto. Aborto legal. Estupro. Violência contra a mulher. Violência sexual. Brasil.

Resumen
La verdad de la violación en los servicios de aborto legal en Brasil
Este artículo analiza cómo se construye la verdad de la violación sexual para que la mujer que se presenta
como víctima de violación tenga acceso al aborto legal en Brasil. Fueron entrevistados 82 profesionales de
salud de cinco servicios de referencia para el aborto legal, uno de cada región del país, entre médicos, en-
fermeros, técnicos en enfermería, trabajadores sociales y psicólogos. Las entrevistas buscaban comprender
los procedimientos y prácticas a que la mujer se somete para tener acceso al aborto legal. A pesar de las
particularidades en la organización y funcionamiento de los servicios, identificamos un régimen compartido
de sospecha a la narrativa de la mujer que se expresa por prácticas periciales de investigación en torno al
acontecimiento de la violencia y de la subjetividad de la víctima. La verdad de la violación sexual para el aborto
legal no se resume a la narrativa íntima y presunción de veracidad, sino es una construcción moral y discursiva
producida por la sumisión de la mujer a los regímenes periciales de los servicios.
Palabras-clave: Aborto. Aborto legal. Violación. Violencia contra la mujer. Violencia sexual. Brasil.

Abstract
The truth of the rape at reference abortion services in Brazil
This paper analyzes how the truth of the rape is constructed in order to authorize a woman victim of rape to
have a legal abortion. We have interviewed 82 health care professionals (physicians, nurses and technicians,
Artigos de pesquisa

social workers and psychologists) at five reference facilities for legal abortion in Brazil. The interviews aimed
to understand the procedures and practices imposed on a woman in order to be allowed to have the legal
abortion. In spite of the particularities of each facility, we have identified a shared regime of suspicion of the
woman’s narrative, which investigates the fact of the violence and the victim’s subjectivity. The truth of the
rape for the legal abortion is not a woman’s narrative with a status of veracity, but it is a moral and discursive
construction shaped by the victims’ submission to the forensic regimes of the services.
Key words: Abortion. Abortion, legal. Rape. Violence against women. Sexual violence. Brazil.

CAAE UnB no 12695713.7.0000.5540

1. Doutora d.diniz@anis.org.br – Universidade de Brasília, Brasília/DF, Brasil. 2. Doutoranda vandios@uol.com.br –


Universidade de Brasília, Brasília/DF, Brasil. 3. Doutoranda m.mastrella@anis.org.br – Universidade de Brasília, Brasília/
DF, Brasil 4. Doutor madeiro@uol.com.br – Universidade Estadual do Piauí, Teresina/PI, Brasil.

Correspondência
Debora Diniz – Caixa Postal 8.011, CEP 70673-970. Brasília-DF, Brasil.

Declaram não haver conflito de interesse.

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290
A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil

O aborto legal no Brasil A partir de então, o consentimento da mu-


lher ou o de seu representante legal passaram a ser
peças suficientes para o acesso ao aborto legal. Ou
“Aborto legal” é uma expressão brasileira
seja, o testemunho da mulher não deveria ser sub-
para descrever a ambiguidade do marco punitivo
metido à investigação policial ou judicial da verda-
e de políticas públicas. O aborto é tipificado como
de para que fosse reconhecido como legítimo para
crime contra a vida pelo Código Penal de 1940;
o acesso aos serviços de saúde. Ao menos para os
uma mulher que o provoque em si mesma (abor-
textos das políticas públicas, a narrativa da mulher
to provocado) será punida com prisão 1. Ao mesmo
deve ser suficiente para a história do estupro e o
tempo em que o Código Penal determina regime de
castigo tão severo, reconhece exceções em que o acesso ao aborto legal nos serviços de saúde.
aborto não deve ser punido – quando a gravidez for Estudos de opinião mostraram que médicos gi-
resultante de estupro e quando a vida da mulher necologistas e obstetras ainda acreditam ser preciso
estiver em risco. Um mesmo ato é ou não punível o BO ou autorização judicial para que uma mulher
a depender de seus moduladores para o regime de tenha acesso ao aborto legal 9,10. Se, por um lado,
causalidade: no estupro, a mulher é uma vítima de é possível acolher esse desconhecimento como in-
violência; no risco de vida, a mulher é vítima de do- formação insuficiente sobre o marco das políticas
ença. Mais recentemente, em um novo permissivo públicas em saúde, por outro, é também possível
para o aborto por decisão do Supremo Tribunal Fe- entendê-lo como sinal da persistência da controvér-
deral (STF) 2, entendeu-se que, em caso de anen- sia moral sobre como se estabelece a verdade do es-
cefalia, não há crime contra a vida, pois o feto não tupro para o aborto legal. Há uma economia moral
sobrevive ao parto. As três exceções punitivas têm em curso sobre o corpo e a sexualidade das mulhe-
em comum a construção moral da mulher como ví- res, que rejeita fissuras à heteronomia reprodutiva
tima – seja da violência patriarcal, seja do acaso da imposta às mulheres em matéria de aborto – nesse
natureza. marco moral, a exceção punitiva seria um sopro de
A centralidade da figura da mulher como ví- soberania das mulheres sobre seu corpo; por isso, a
tima movimenta as políticas públicas de saúde que intensa vigilância sobre sua atualização. A ambigui-
regulamentam os serviços de aborto legal no Brasil. dade penal – o aborto é crime, mas há exceções à
Durante longo período, disputou-se a quem caberia punição – anima uma cisão no reconhecimento do
a descrição de uma mulher como vítima de estupro: direito ao aborto legal: não é a autonomia reprodu-
se a ela mesma, como testemunha da violência sofri- tiva das mulheres o que se protege, mas a mulher
da, ou se à polícia, com registros de documentos in- vítima de estupro.
vestigativos, como é o caso do Boletim de Ocorrência Este artigo analisa uma das expressões da eco-
(BO). O texto do Código Penal estabeleceu a ausên- nomia moral do aborto no Brasil, aquela que se re-
cia de punição, mas não especificou como reconhe- produz nos poucos espaços legitimados e públicos
cer a verdade do estupro ou do risco de vida da mu- nos quais se atualiza a ambiguidade penal da exce-
lher 1. Para o segundo excludente de punibilidade, os ção punitiva ao aborto, os serviços de aborto legal.
regimes de saber médicos rapidamente organizaram

Artigos de pesquisa
Nossa inquietação foi conhecer como os profissio-
práticas e rotinas de laudo e arquivo para demarcar nais de saúde de serviços de aborto legal constroem
as fronteiras entre risco à saúde e risco à vida da mu- a verdade do estupro para que uma mulher tenha
lher. Foi sobre o primeiro excludente, o estupro, que acesso ao aborto. Por verdade do estupro, enten-
a disputa moral ganhou fôlego no Brasil 3-5. demos um conjunto de exames e procedimentos a
Em 1999, o Ministério da Saúde (MS) editou que a mulher é submetida após apresentar-se como
documento para regulamentar os serviços de abor- vítima de estupro em busca de um aborto legal.
to legal no país – a norma técnica Prevenção e Trata-
mento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual
contra Mulheres e Adolescentes. Este foi o primeiro
Os serviços de aborto legal e as entrevistas
texto em que se especificou o silêncio deixado pelo
Código Penal sobre como estabelecer a verdade do Foram realizadas entrevistas qualitativas com
estupro no caso da exceção punitiva para o aborto. os profissionais de saúde que atuam em serviços de
A controvérsia moral foi intensa e a disputa sobre a aborto previsto em lei em cinco capitais do Brasil,
soberania pela verdade do estupro foi o que moveu um em cada região. Os serviços foram escolhidos
a revisão e ampliação do documento, em 2005, e de acordo com os seguintes critérios: ter efetiva-
sua última revisão, em 2012 6-8. mente realizado aborto legal em 2013 e 2012 e ser

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291
A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil

referenciado para a região geográfica em que está pois o foco é o ethos do aborto no Brasil e não em
situado. Não há registros consolidados de abortos regiões específicas. Não há declinação de gênero
legais realizados no Brasil que permitam determinar nas transcrições para evitar qualquer possibilidade
a representatividade desses cinco serviços no cená- de identificação. As vozes foram entendidas como
rio nacional; sendo, no entanto, referência em suas vozes das equipes. Foi solicitado sigilo de cinco anos
respectivas regiões. para divulgação da avaliação do projeto pelos comi-
O projeto foi revisado e aprovado pelo Comitê tês de ética.
de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências Huma- Três pesquisadoras leram e codificaram as en-
nas da Universidade de Brasília antes da coleta dos trevistas e os dados foram tabulados a partir de um
dados, e todas as instituições exigiram nova revisão instrumento composto por duas questões: se havia
por seus comitês institucionais. No total, o projeto práticas periciais para a narrativa da mulher e, ha-
foi avaliado cinco vezes e o tempo de espera para vendo, como elas se expressavam. Os padrões foram
aprovação tomou, em média, dois meses, sendo comparados e, em caso de discrepância, as transcri-
que em um dos comitês a espera foi de onze me- ções foram revisadas. Embora cada serviço tenha
ses. A pesquisa foi realizada entre março de 2013 e organização e dinâmica de funcionamento particu-
janeiro de 2014. lar, a análise das entrevistas permitiu verificar a exis-
tência de um regime compartilhado de suspeição à
O aborto legal é uma prática exclusivamente
narrativa da mulher sobre o estupro em particular
médica no Brasil. No entanto, outros profissionais
em quatro dos serviços. Em um deles, há um regi-
de saúde fazem parte das equipes que acolhem e
me singular de reconhecimento da voz da mulher
atendem as mulheres cujas gestações se enqua-
como soberana, muito embora a economia moral
dram nos três casos previstos em lei: risco de morte,
do aborto como exceção à lei penal imponha cons-
violência sexual e anencefalia. Ou seja, são serviços
trangimentos permanentes à autonomia da equipe.
compostos por equipes multidisciplinares, integra-
das por médicos, enfermeiros e técnicos em enfer-
magem, assistentes sociais e psicólogos, de acordo O acontecimento da violência
com a terceira edição da norma técnica Prevenção
e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência
O inquérito é uma das práticas judiciárias de
Sexual contra Mulheres e Adolescentes 8.
produção da verdade, segundo Michel Foucault 11.
O foco da entrevista foi o aborto por estupro. Pelo inquérito, o poder interpela quem detém o sa-
As entrevistas foram realizadas por duas pesquisa- ber. O inquérito se institui em situações em que há
doras no próprio hospital, em local disponibilizado ausência de flagrante ou testemunha: é por meio
pela direção ou indicado pelo profissional. O con- dele que se permite caracterizar a verdade de um
sentimento para participação foi obtido mediante acontecimento.
esclarecimento prévio dos participantes e o termo
A tecnologia do inquérito não é exclusiva dos
de consentimento livre e esclarecido (TCLE) firmado
poderes judiciários ou policiais; foi também incor-
por escrito. Um roteiro semiestruturado composto
porada aos saberes e práticas biomédicas, em parti-
Artigos de pesquisa

por 13 perguntas, divididas em três categorias de


cular, para a gestão da vida sob a forma da biopolíti-
investigação (perfil profissional, fluxo do serviço,
ca 12. No caso do aborto legal, a prática do inquérito
histórias e situações de recusa de atendimento em
investiga a verdade do acontecimento da violência e
casos de aborto legal), guiou a entrevista.
produz os sentidos para a definição da subjetividade
Foram realizadas 82 entrevistas, entre 25 mé- da mulher como vítima. Em geral, não há flagrante
dicos ginecologistas-obstetras, um médico aneste- da cena do estupro – é preciso acreditar no que diz a
sista, 19 assistentes sociais, 18 psicólogos, 13 enfer- mulher que se apresenta como vítima e testemunha
meiros e seis técnicos de enfermagem. Esse univer- de sua própria violência. As entrevistas, no entanto,
so corresponde à quase totalidade das equipes dos mostraram que não basta o texto da mulher; a ver-
cinco serviços de aborto legal (apenas 12 profissio- dade do estupro é construída no encontro entre os
nais se recusaram a participar da pesquisa ou não testes de verdade sobre o acontecimento da violên-
foram localizados durante o trabalho de campo na cia e a leitura sobre a subjetividade da vítima.
unidade). Quando uma mulher alcança um serviço de
As entrevistas foram gravadas e transcritas, aborto legal, há um regime de suspeição em curso
mas nenhum dado sobre formação profissional, que a antecede e a acompanha. Ele se expressa em,
sobre a instituição ou sobre a região foi indexado, pelo menos, duas dimensões morais. A primeira,

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292
A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil

pelo ethos de exceção à lei penal que rege o abor- causal, tem que bater a história da paciente com
to em caso de estupro. Como regra instituída com a do tempo da gravidez...”, explicou um profissio-
a força da punição penal, o aborto é crime contra a nal ao ser questionado se já havia recusado algum
vida e sua prática, em caso de gravidez resultante de atendimento. Para ele, a falha no nexo causal se re-
estupro, é autorizada como exceção à punição. Man- sumiria à “questão da data da última menstruação
tém-se o estatuto de crime, porém sem pena. Essa não bater com a data da violência”, ou seja, não se
ambiguidade legal anima rumores entre as equipes contesta diretamente a existência da violência, pois
de saúde sobre o estatuto moral dos serviços de uma mulher pode ter sido vítima de estupro, sem
aborto legal: seriam serviços essenciais de proteção que a gravidez seja resultado desse evento sexual.
às necessidades de saúde das mulheres ou serviços A tese do nexo causal organiza os marcos in-
liminares à moral criminalizadora do aborto? vestigativos previstos nos documentos normativos
A atualização da regra penal nos profissionais da política pública do MS, mas também atualiza o
que assistem as mulheres nos serviços de aborto dobramento do poder policial com o poder médico:
legal anima a segunda dimensão do regime de ex- os policiais saíram de cena (não é exigido da mulher
ceção – os profissionais de saúde temem ser “enga- o BO para acessar o serviço de aborto legal, muito
nados”: “...porque existe sempre o fantasma na área embora um dos serviços entre os cinco pesquisa-
médica da questão de que as mulheres mentem...”. dos mantenha a exigência do documento, além de
A vigilância contra o engano rememora continua- autorização judicial), mas isso não significa que a
mente o caráter excepcional do serviço, dificultando investigação pericial pela verdade tenha desapare-
violações da regra penal por racionalidades da assis- cido. Se nem todos os serviços fazem uso do jargão
tência em saúde. “nexo causal” ou “relação causal”, a expectativa de
que o acontecimento do estupro possa e deva ser
Além disso, tão importante quanto a vigilância
periciado pelas datas e exames é comum a todos os
penal, o estatuto ambíguo dos serviços pressiona os
profissionais entrevistados.
profissionais de saúde a se manterem sob vigilância
para a moral que descreve suas práticas de assistên- Não exploramos a genealogia dessa catego-
cia como imorais. É nessa duplicidade de guardiões ria pericial nos serviços, até mesmo porque a me-
da lei penal e da imoralidade do aborto que as práti- mória das práticas é continuamente reavivada pela
cas de inquérito pela verdade do estupro surgem no passagem de profissionais residentes e em poucos
encontro dos profissionais com as mulheres. serviços havia profissionais desde o período da fun-
dação. Se, por um lado, pode ser resquício da dispu-
O regime de exceção possibilita que práticas
ta dos anos 1990 por ocasião da edição da primeira
periciais de inquérito se expressem como rotina da
norma técnica do MS, por outro, pode ser uma ex-
organização dos serviços para a qualificação da mu-
pansão para o campo investigativo moral de práticas
lher como vítima e, portanto, para a produção da ver-
de rotina médica para a decisão sobre os métodos
dade do estupro – ou, nas palavras de um dos pro-
de aborto a serem utilizados.
fissionais, “...se o médico não for muito sensível, ele
tem uma tendência a fazer perguntas como que pra Muitos profissionais justificaram a tese do

Artigos de pesquisa
encurralar, porque tem uma necessidade de saber e nexo causal em termos estritamente técnicos para
confrontar se a pessoa tá dizendo uma mentira...”. a investigação do tamanho do feto e, consequente-
mente, para a escolha do método de expulsão: “...a
Há uma categoria recorrente nos serviços que
ecografia é importante, tem que saber o tempo da
resume a lógica pericial imposta pelo medo da exce-
gestação, porque dependendo da idade da gesta-
ção – nexo causal. O sentido corrente nos serviços
ção a forma de interrupção é diferente...”. A última
se aproxima do sentido lógico dicionarizado da locu-
versão da norma técnica Prevenção e Tratamento
ção, “relação que une a causa ao efeito” 13, em que dos Agravos Resultantes da Violência Sexual con-
a causa é o estupro e o efeito é a gravidez. No en- tra Mulheres e Adolescentes diz que determinar
tanto, são precisos testes de veridição para avaliar a idade gestacional é importante para a escolha
diferentes aspectos da narrativa da mulher – desde do método do abortamento e para estabelecer a
o acontecimento do estupro até as chances de a gra- concordância entre a idade gestacional e o perío-
videz ser resultado do evento sexual alegado e não do da violência sexual 10, ou seja, é possível ler as
de outro. O resultado dos testes é a coerência do recomendações como prescrições técnicas para a
nexo causal. determinação do método a ser adotado, muito em-
“No caso do aborto legal, não tem a exigência bora o conceito de “concordância” permita leituras
do Boletim de Ocorrência, mas tem que ter o nexo inspiradas na tese do “nexo causal”. Seria a concor-

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A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil

dância que anteciparia o método, mas também que O consenso não apenas atesta o nexo causal
garantiria a verdade da narrativa da mulher sobre como distribui entre a equipe a produção da verda-
o estupro. de para a qualificação da mulher como vítima. No
Mas há outro nível de justificativa moral para caso desse serviço, antes do consenso, a mulher
o teste do “nexo causal” – ele faz parte do regime deve se dirigir a uma delegacia e registrar um BO,
de provas de que o serviço se mantém na linha de para então solicitar uma autorização judicial. O con-
exceção ao regime punitivo ao aborto, ou seja, de senso, assim, é uma categoria policial, judicial e bio-
que a equipe reconhece e respeita a fronteira entre médica.
o serviço de referência para o aborto legal e as clí- Mas ser vítima de estupro, ou seja, atestar o
nicas clandestinas de aborto. Assim, os registros em acontecimento da violência, não é suficiente para
prontuários da checagem de datas, exames e fatos garantir à mulher o direito ao aborto legal: é preciso
para “bater o nexo causal” permitem que as equipes ainda assegurar que a gestação tenha sido resultado
se protejam de contínuas investidas externas, des- do estupro narrado. Nas palavras de um profissio-
critas como judiciais: “porque, como a gente sabe nal, “têm muitos casos também que a gente des-
que não tem a exigência do BO, mas só que o Minis- carta... ela teve a violência, mas já era uma mulher
tério Público depois não quer saber. Se você indicou sexualmente ativa e pela idade gestacional e a data
um aborto que não houve nexo causal, o Ministério da violência não serem compatíveis, elas são enca-
Público vai pra cima do médico, ele não vai pra cima minhadas pro acompanhamento pré-natal...”. Nesse
da paciente que veio procurando o aborto legal...”. momento de produção da verdade do estupro, não
Ou seja, há uma sobreposição de regimes periciais é mais à mulher que se interpela sobre seu estatuto
em curso – das equipes às mulheres, do Poder Judi- de vítima, mas àquela gestação e à figura masculina
ciário às equipes. Mulheres e equipes são continua- como autor da violência.
mente interpelados pela moral da exceção punitiva Esse regime de suspeição é particularmente
ao aborto legal no Brasil. posto em prática para as mulheres em regime de
Os testes de veridição aplicados à mulher são conjugalidade heterossexual ou para aquelas descri-
compartilhados pelos membros das equipes, muito tas como “liberais” por um dos profissionais: “quan-
embora se reconheça a soberania da decisão médi- do é adolescente, quando a paciente tem algum esti-
ca. Assistentes sociais e psicólogos são os primeiros lo, tem uma tatuagem, usa piercing ou tem alguma
a reconstruírem a história do acontecimento da vio- questão, assim, sei lá, um paradigma mais liberal, eu
lência, recuperando datas, personagens e fatos. A acho que complica mais a situação”. “Complicar a si-
mesma narrativa deve ser reproduzida pela mulher tuação”, em termos periciais, significa ampliar os tes-
para diferentes profissionais, pois dela depende a tes de veridição sobre o acontecimento da violência.
sua aceitação como vítima. Assim, a mulher é inter- Como toda prática coletiva, há fissuras na sua
pelada por diferentes profissionais, em diferentes atualização, inclusive com posições de rejeição e es-
ocasiões – a repetição do ritual da confissão averi- tranhamento. Outro profissional do mesmo serviço
gua as duas dimensões para a verdade do estupro: do profissional que indicou maior alerta à narrativa
o acontecimento da violência e sua subjetividade
Artigos de pesquisa

das “mulheres com paradigma mais liberal” ironizou


como vítima. esse regime de veridição: “a mulher precisa che-
A sequência de interpelações pelos testes de gar com uma história convincente que caiba dentro
veridição se expressa com variações locais. Um dos do preconceito das pessoas”. O território da cena
profissionais assim resumiu como funciona em seu do estupro é um dos moduladores para o teste de
serviço: verdade – se o estupro foi cruento, maiores são as
chances de a mulher falar a verdade 14; porém, se
“...a mulher passa pela psicologia, pela assistente “ela chega dizendo que a violência aconteceu dentro
social, às vezes a gente já até adianta com o médico de casa, as pessoas têm dificuldade de compreender
o ultrassom, e se tem dúvida faz o beta [exame de que a violência sexual acontece de forma conjugal”.
sangue]. Normalmente ela tá com atraso menstrual A casa é relativizada de acordo com o estatuto ci-
pequeno, não sabe se tá grávida ou não, e através vil da mulher – se casada, o estupro é suspeito; se
do ultrassom que a gente vai verificar o efeito cau- filha e criança, o estupro move práticas de compai-
sal, conversa, vê se a data da violência bate com a xão e facilita a construção do lugar da mulher como
idade da gestação, então, essa é nossa rotina... aí a vítima. A compaixão é outro modulador ativo das
gente vai escutar, vai fazer aquela escuta e vai che- práticas periciais e dos regimes de construção da
gar a um consenso...”. verdade do estupro. Para animá-la, a subjetividade

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A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil

da vítima entra em cena para a identificação final da da vítima é o que permitiria reconstruir a factuali-
verdade do estupro. dade do terror da violência, tendo em vista que o
corpo da mulher violentada muitas vezes alcança os
serviços de saúde sem as marcas do estupro.
A subjetividade da vítima
A história de uma menina de 11 anos contada
por um dos profissionais demonstra as tensões entre
O nexo causal garante que a gestação foi re- determinações legais – presunção de violência para
sultado do estupro – mas esse é apenas o primeiro menores de 14 anos, segundo o Código Penal 1 – e
teste de verdade, aquele em que a tecnologia médi- práticas de veridição pela verdade do estupro:
ca atua como prova pericial. O ultrassom e o exame
de sangue são registros periciais dos resultados da “...o que me marcou muito foi uma menina de 11
aprovação da mulher nos testes do nexo causal. Mas anos grávida que ela engravidou e o profissional de
é preciso ainda que a mulher se comporte como ví- saúde do plantão e do outro plantão no final de se-
tima. Um dos profissionais, ao contestar a soberania mana não realizaram o aborto porque a menina não
do teste do nexo causal para a verdade do estupro, teria sido agredida fisicamente no ato sexual, então
assim descreveu o sentido do “comportamento” não era estupro. O pessoal do plantão, dois plantões
como um modulador da verdade: seguidos, se recusou a fazer porque achava que ela
gostara, a menina era safadinha...”.
“...teria algo no comportamento da mulher que não
condizia com uma situação de estupro, que não seria O profissional fez uso de uma retórica de
o fato de contar uma história confusa, porque essa exemplificação comum nas entrevistas: os casos
confusão era normal, que em situação de trauma mais tensos para o ethos da exceção punitiva foram
isso acontece, que também não é a diferença entre narrados como de outros plantões, outros profissio-
a data da última menstruação e a data da violên- nais, como histórias compartilhadas dos serviços,
cia, porque nem toda mulher lembra quando ficou sem as identidades de seus agentes.
menstruada, mas que seria algo no comportamento
O trauma é uma categoria psíquica para a
da mulher, é a forma de contar a violência que leva a
mensuração do sofrimento e para o cuidado da
equipe a perceber que ela estaria mentindo...”.
mulher vítima de violência 17. No entanto, aqui ex-
O profissional fez questão de frisar que casos ploramos sua dimensão moral para a construção da
de mulheres que mentem, ou seja, que se apresen- verdade do estupro e, consequentemente, para a
tam fora do comportamento de vítima, seriam ra- passagem da mulher à condição de vítima. O trauma
ros; ainda assim, tanto fez uso da categoria do trau- obliteraria a experiência. Ao se centrar na categoria
ma para proteger as mulheres que falharam no teste trauma e em suas respostas no corpo e na subjetivi-
do nexo causal quanto demonstrou acreditar ser a dade, a soberania do testemunho, ou, nas palavras
ausência do trauma o que levantaria suspeições so- dos documentos normativos, a narrativa da mulher
bre o estatuto da vítima. Pois é exatamente da ambi- perderia legitimidade. Não importaria mais o even-
guidade da categoria do trauma que a subjetividade to sofrido, mas sim o trauma.

Artigos de pesquisa
da vítima é averiguada. A verdade do evento sai de cena para que a
O trauma como categoria moral para a efeti- subjetividade da vítima apareça. Nesse sentido, a
vação de direitos sociais vem sendo analisado por história narrada depende de a mulher ser reconhe-
Didier Fassin 15-17. Em seu entender, o trauma não é cida como vítima pela equipe. Nessas tensões e
simplesmente a consequência de experiências insu- mesmo contradições, Fassin e Rechtman demarcam
portáveis, que não se conseguem negociar, é tam- as operações morais do trauma, em que se reinven-
bém um recurso que pode ser utilizado para garantir tam boas e más vítimas e se define quem é ou não
um direito 15. O trauma é, em si mesmo, um teste- legitimado para ter o status de vítima, independen-
munho do que aconteceu ao corpo, e é por meio temente dos fatos narrados 17.
dele que a mulher pode ser legitimada como vítima. Mesmo para aqueles profissionais que partem
O sofrimento convertido em trauma passa a do trauma como uma categoria psíquica nosológi-
ser possível, passa a ser visível e a existir para quem ca para o cuidado em saúde mental, desloca-se a
o averigua, constituindo elemento fundamental causalidade da violência para a moralidade do abor-
para a caracterização da subjetividade da vítima 16. to como crime contra a vida, ou seja, atualiza-se a
A linguagem do trauma, portanto, favorece a criação soberania do regime de exceção punitivo: “era um
de uma subjetividade específica – o comportamento sofrimento que não parecia sofrimento. Porque es-

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295
A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil

sas mulheres, por mais que elas não desejem a ges- discursiva produzida pela submissão da mulher aos
tação e queiram interromper, elas sofrem com isso, regimes periciais dos serviços.
né? Porque você vai interromper uma vida. Então Apesar de algumas diferenças específicas entre
a maioria tá fragilizada...”. Ou seja, a tipicidade do os serviços, pode-se afirmar que quase todos funcio-
sofrimento se expressaria também pelo reconheci- nam sob um regime constante de suspeição à narrati-
mento da mulher de que o aborto é uma exceção va da mulher sobre o estupro. Esse regime se expres-
moral – a fragilização da vítima não é reconhecida sa pelo ethos de exceção à lei penal e pelo medo que
apenas como resultado da violência sofrida, mas os profissionais têm de serem enganados. A palavra
pelo gesto de desafiar a ordem moral punitiva que da mulher, nesse sentido, é colocada sob suspeita e
classifica o aborto como um crime contra a vida. não é suficiente para o acesso ao serviço de aborto.
Mesmo em serviços em que a retórica dos di- A mulher precisará passar pelos testes de veridição
reitos é mais clara, a dupla dimensão investigativa das equipes de saúde para que tenha seu direito le-
da verdade do estupro – acontecimento da violên- gitimado e seja reconhecida como vítima. Para tanto,
cia e subjetividade da vítima – guia a fase de acolhi- terá de contar uma história que apresente relação de
mento da mulher pelas equipes de saúde. É como causalidade entre o acontecimento do estupro e a
uma figura detentora da verdade que a mulher é in- gravidez e, além disso, necessitará apresentar traços
quirida pelas equipes – e não imediatamente como subjetivos que a caracterizem como vítima.
uma vítima detentora de um direito. Seu sofrimento A busca por uma subjetividade específica de
move a compaixão, mas também aciona táticas de vítima faz com que a soberania do testemunho da
saber para a investigação da verdade. A mulher se mulher, ou seja, sua palavra, perca a legitimidade. É
transformará em vítima se aprovada nos testes de por meio da interrogação de seu corpo – seus ges-
veridição a que se submeterá. Uma explicação para tos, sentidos, prazeres –, e não só de sua história,
esse regime investigativo é o caráter de exceção da que a mulher será reconhecida como verdadeira
lei punitiva: mesmo aqueles que reconhecem o di- vítima. O fato de a palavra da mulher não bastar e
reito ao aborto sentem-se pressionados, pelo estig- de ela ter de passar pelos testes de veridição dos
ma imposto aos serviços, pela ameaça persecutória serviços de saúde acaba por privá-la da soberania
e pela moral hegemônica do aborto como um ato pela verdade.
violador, a atualizar táticas e práticas periciais. É, portanto, nessa relação entre o corpo das
mulheres e os mecanismos de poder que o inves-
tigam, aqui representados pelos saberes médicos
Considerações finais
e psicossociais, que a engrenagem dos serviços se
pauta. O poder pericial é exigido das equipes, não
Foram coletados dados em cinco serviços de por ausência da necessidade de apresentação de
referência em aborto legal no Brasil para conhecer documentos policiais e autorização judicial – mesmo
como se constrói a verdade do estupro para que a quando a mulher apresenta tais documentos, ela
mulher que se apresenta como vítima de violência ainda é interpelada para a produção de verdade –,
sexual tenha acesso ao aborto legal. Exceto por um mas por uma economia moral em curso e pelo re-
Artigos de pesquisa

dos serviços, há homogeneidade de práticas e dis- gime de exceção da lei penal ao aborto. Como guar-
cursos de suspeição. Ao contrário do que determi- diões da lei e da moral e responsáveis pela decisão
nam as normas técnicas do Ministério da Saúde, a sobre o direito ao aborto – os serviços de aborto le-
verdade do estupro para o acesso ao aborto legal gal – sentem-se cobrados a policiar não só os corpos
não se resume a uma narrativa íntima e com presun- das mulheres, mas também seus próprios regimes
ção de veracidade, mas é uma construção moral e de funcionamento e suas práticas de assistência.

Estudo realizado no âmbito da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero e financiado pelo Safe
Abortion Action Fund da International Planned Parenthood Federation.

Referências

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A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil

2. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no


54. O Tribunal julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação
segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124,
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17. Fassin D, Rechtman R. The empire of trauma: an inquiry into the condition of victimhood. New
Jersey: Princeton University Press; 2009. Revisado: 14.6.2014
Aprovado: 27.6.2014
Participação dos autores
Todas as autoras participaram igualmente das fases de concepção, levantamento de dados, redação
e revisão do artigo.

Artigos de pesquisa

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Questões éticas referentes às preferências do
paciente em cuidados paliativos
Carolina Becker Bueno de Abreu 1 , Paulo Antonio de Carvalho Fortes 2

Resumo
O respeito à autonomia do paciente é um princípio ético reconhecido em diversas áreas da assistência à saúde,
incluindo os cuidados paliativos, porém nem sempre as preferências do paciente são respeitadas. Uma melhor
compreensão das questões éticas relacionadas ao exercício da autonomia do paciente em cuidados paliativos
é importante passo para embasar juízos éticos ponderados no cotidiano da assistência. Tendo isso em vista,
este trabalho objetivou identificar e analisar questões éticas relacionadas às preferências do paciente e reco-
nhecidas por profissionais no cotidiano de uma equipe de cuidados paliativos à luz do referencial bioético da
casuística. Foram entrevistados onze profissionais de nível superior. As principais questões éticas identificadas
foram: respeito à autonomia do paciente; veracidade e direito à informação; habilidades de comunicação;
cerco do silêncio; participação no processo de deliberação; escolha do local de tratamento e morte.
Palavras-chave: Cuidados paliativos. Autonomia pessoal. Preferência do paciente.

Resumen
Las cuestiones éticas relacionadas con las preferencias del paciente en los cuidados paliativos.
El respeto a la autonomía del paciente es un principio ético reconocido en muchas áreas de la salud, incluyen-
do los Cuidados Paliativos, pero no siempre se respetan las preferencias del paciente. Una mejor comprensión
de las cuestiones éticas relacionadas con el ejercicio de la autonomía del paciente en los Cuidados Paliativos
es un paso importante para apoyar los juicios éticos ponderados en la práctica diaria de la asistencia. Tenien-
do esto en cuenta, este estudio tuvo como objetivo identificar y analizar las cuestiones éticas relacionadas
con las preferencias del paciente y reconocidas por los profesionales en el día a día de un equipo de cuidados
paliativos en el marco bioético de la casuística. Se entrevistó a once profesionales de nivel superior. Se iden-
tificaron las principales cuestiones éticas: el respeto a la autonomía del paciente, veracidad y el derecho a la
información, habilidades de comunicación, asedio del silencio, participación en el proceso de deliberación,
elección del lugar de tratamiento y muerte.
Palabras-clave: Cuidados paliativos. Autonomía personal. Prioridad del paciente.

Abstract
Ethical issues related to patient preferences in palliative care
The respect for patient’s autonomy is an ethical principle recognized in many areas of health care including
palliative care, but not always the patient’s preferences are respected. A better understanding of ethical is-
sues related to the exercise of patient’s autonomy in Palliative Care is an important step to support ethical
judgments in daily practice. Therefore, this study aimed to identify and analyze ethical issues related to pa-
Artigos de pesquisa

tient preferences recognized by professionals in the daily life of a Palliative Care team under the framework
of Casuistry. Eleven practitioners were interviewed. The main ethical issues identified are: respect for patient
autonomy, veracity and right to information, communication skills, conspiracy of silence, participation in the
deliberation process, choice of place of treatment and death.
Key words: Palliative care. Personal autonomy. Patient preference.

Aprovação CEP: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (Coep 181/11)

1. Doutora caro@becker.eng.br – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo/Faculdade de Ceilândia da Universidade de
Brasília, Brasília/DF, Brasil 2. Doutor pacfusp@usp.br – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo/SP, Brasil.

Correspondência
Carolina Becker Bueno de Abreu – Faculdade de Ceilândia, Universidade de Brasília (UnB). Centro Metropolitano, Conjunto A, Lote 1,
Ceilândia CEP 72220-900. Brasília/DF, Brasil.

Declaram não haver conflito de interesse.

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

Jonsen, Siegler e Winslade 1 entendem prefe- enquanto só a minoria prefere delegar esse papel.
rências do paciente no contexto da ética clínica como Estes autores constatam, entretanto, que na
sendo as escolhas que a pessoa faz quando se de- prática os pacientes são pouco encorajados a par-
para com decisões sobre sua saúde e tratamentos, a ticipar da deliberação, as opções são pouco discuti-
partir de suas experiências, crenças e valores. Cons- das e o consentimento fica apenas implícito, devido
tituem assim o núcleo ético e legal da relação clínica,
a barreiras relativas à forma como as opções são
a partir do qual o paciente deve ser respeitado em
apresentadas, à tentativa de manter expectativas
suas decisões após analisar a recomendação médica.
irrealistas por parte do paciente e família e, ainda,
O princípio moral subjacente é o da autono- à tendência de adiamento da deliberação. Conclui-
mia. Na relação terapêutica devem ser respeitadas -se, então, que há diversos obstáculos para que o
a autonomia do profissional e do paciente. O profis- exercício da autonomia e as preferências do pacien-
sional deve ter respeitado o seu melhor julgamento te sejam de fato respeitados.
e a objeção de consciência. O paciente, por sua vez,
Em geral, as dificuldades podem estar na for-
deve ser estimulado a manifestar suas preferências
mação do profissional, na capacidade de comuni-
ou propor alternativas às propostas feitas pelo pro-
cação, compreensão e discussão entre os sujeitos
fissional.
envolvidos na relação terapêutica para a tomada de
O respeito à autonomia do paciente tem signi- decisão e nos mecanismos que possibilitem sua con-
ficância clínica, legal e psicológica. Do ponto de vista cretização. Nos cuidados paliativos, o fato de lidar
clínico, favorece confiança na relação terapêutica, com pessoas com diagnósticos de doenças ameaça-
maior cooperação do paciente e satisfação com re- doras à vida, de curso progressivo e incapacitante,
lação ao tratamento. Em termos legais, respalda os torna frequentes os problemas acima listados.
direitos individuais sobre o próprio corpo. Do ponto
de vista psicológico, oferece ao paciente senso de Uma melhor compreensão das questões éticas
controle sobre a própria vida e de valor pessoal ¹. relacionadas ao exercício da autonomia do paciente
em cuidados paliativos é, assim, importante passo
Sendo princípio ético reconhecido em diversas para o aprofundamento da reflexão necessária para
áreas da assistência à saúde, o respeito à autonomia embasar juízos éticos ponderados no cotidiano da
do paciente inclui os cuidados paliativos. Interessan- assistência.
te observar, inclusive, que as mudanças na relação
médico-paciente, que passou de forte paternalismo
ao respeito pela autonomia do paciente, foi um dos etivos
fatores que levaram a mudanças no enfrentamento
da proximidade da morte na atualidade, reforçando
Identificar e analisar questões éticas relaciona-
a necessidade de se reconhecer a finitude da vida
humana, evitar sua conservação de forma incondi- das à autonomia do paciente e reconhecidas por pro-
cional, aplicar todas as medidas necessárias e dis- fissionais no cotidiano de uma equipe de cuidados
poníveis para melhorar sua qualidade, e não sua paliativos, sob o referencial bioético da casuística.

Artigos de pesquisa
quantidade, manter o paciente (e seu representan-
te) devidamente informado e respeitar seu critério rocedimentos metodol icos
para que possa participar da deliberação e decidir,
dentro da legalidade vigente, sobre o tratamento e
alguns aspectos relacionados às circunstâncias de Trata-se de pesquisa exploratória, de aborda-
sua morte ². gem qualitativa, em que todos os profissionais de
nível superior atuantes há pelo menos um ano na
Em paralelo, Tapiero ² ressalta que, apesar da
equipe de cuidados paliativos de um hospital geral
crescente tendência de se respeitar a autonomia do
da cidade de São Paulo/SP, exceto a coordenadora
paciente, na prática não é habitual que decida so-
da equipe, foram convidados a participar.
bre as circunstâncias de sua morte, mesmo porque
é frequente se lhe ocultar a condição de moribun- As entrevistas foram aplicadas em agosto de
do e, por isso, não é comum que a forma de morrer 2011, durante o expediente dos trabalhadores, com
dependa de seus critérios, valores e crenças. Bélan- duraram média de 30 minutos. À exceção de uma
ger, Rodríguez e Groleau ³ também concluem que a entrevista por telefone, as demais foram aplicadas
maioria dos pacientes em cuidados paliativos deseja no local de trabalho dos sujeitos. Foi mantido o
exercer autonomia, preferindo participar na toma- anonimato dos sujeitos que aceitaram participar da
da de decisão sobre o tratamento em algum grau, pesquisa, sendo apresentados sob forma numérica.

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

Foram aplicadas entrevistas semiestruturadas, intervenção, a documentação em prontuário se faz


cujo roteiro foi elaborado pelos pesquisadores e necessária para respaldar a equipe: “Se o pacien-
validados por meio de pré-teste. A análise temáti- te tem possibilidade de julgamento a gente chega
ca adotou a casuística como referencial teórico. As muito no paciente e pergunta, conversa, esclarece.
questões norteadoras foram: “Por favor, comente O que o paciente não quer, a gente procura deixar
sobre como é o trabalho desenvolvido pela equipe tudo muito bem documentado em prontuário pra
de cuidados paliativos e quais as principais dificulda- que isso não venha trazer problemas” (E4).
des enfrentadas”; “Com quais problemas éticos o(a)
A existência de limite ao respeito à autono-
senhor(a) se depara ao atuar nesse serviço?”; “O
mia do paciente que recusa uma intervenção sobre
que facilita a discussão e tomada de decisão nessas
a qual o profissional tem segurança de que seria
situações?”; “Que tipo de apoio seria interessante
proveitosa é, por sua vez, questionada: “Quando eu
para ajudar a lidar com esses problemas éticos?”
chego pra um paciente que precisa fazer exercício,
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Éti- um paciente que se beneficiaria muito de um exercí-
ca em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da cio, enfim... E ele me diz que ele não quer fazer (...).
Universidade de São Paulo (Ofício 181/11) e os en- Quando, até onde respeitar a vontade do paciente
trevistados foram esclarecidos acerca do caráter da se eu profissional sei que aquilo faria diferença pra
pesquisa, objetivos, procedimentos e possibilidade ele? Até onde respeitar? Até quando deixá-lo exercer
de recusa a qualquer momento, manifestando o a sua autonomia?” (E2).
consentimento mediante assinatura de termo de
consentimento livre e esclarecido (TCLE). No discurso a seguir verificamos que, ao lon-
go do tempo em que atua nos cuidados paliativos,
E2 tem amadurecido com relação ao respeito à au-
esultados e discuss o tonomia do paciente: “E eu fui entendendo que nem
sempre a minha vontade era soberana aqui” (E2). A
entrevistada reconhece que a formação profissional
Foram entrevistados onze profissionais: três
direciona e cria expectativas com relação à proativida-
enfermeiros, cinco médicos, um nutricionista, um fi-
de do profissional em promover mudanças substan-
sioterapeuta e um assistente social. A média de ida-
ciais a partir dos recursos terapêuticos de que dispõe.
de dos entrevistados é 41,3 anos, variando de 28 a
51. A média de tempo de exercício profissional geral Entretanto, a experiência que adquiriu atu-
foi de 14,5 anos, variando de 5 a 25 anos. Os entre- ando em cuidados paliativos agregou a consciência
vistados trabalham na área de cuidados paliativos há de que, por vezes, a atuação é restrita ao que ela
5,6 anos em média, variando de um ano e meio a 12 chama “vigilância”, e se refere à atenção dada aos
anos. Com relação à crença religiosa, três se declara- pacientes que não desejam a atuação específica
ram católicos, três protestantes de diversas confis- que ela tem a oferecer: “A minha formação é essa:
sões, um espírita e um judeu, e três afirmaram não eu tenho que promover alguma mudança. Então eu
ter religião definida. Alguns participantes já tinham demorei, até hoje isso pra mim é uma coisa que me
experiência em cuidados paliativos previamente ao incomoda quando eu acho que... Somente... Somen-
Artigos de pesquisa

ingresso na equipe estudada. A média de tempo de- te vigiar...” (E2).


dicada especificamente ao trabalho na equipe estu-
Neste exemplo podemos notar um conflito en-
dada é de 3,77 anos, variando de 1 a 4 anos.
tre os princípios de beneficência e respeito à auto-
Ao longo das entrevistas foram observadas as nomia. Essa postura pode ser paternalista caso con-
seguintes questões éticas relacionadas às preferên- trarie as preferências do paciente e seja justificada
cias do paciente: respeito à autonomia do paciente; pelo objetivo de beneficiar o paciente ou evitar que
veracidade e direito à informação; comunicação e sofra danos 4. As circunstâncias concretas de cada
respeito no recebimento de más notícias; cerco do caso devem ser analisadas a fim de verificar se é
silêncio; participação na deliberação e tomada de uma atitude paternalista justificável.
decisão: paciente, equipe e família; preferências
Há situações em que, ao contrário da acima
quanto ao local de tratamento e morte.
relatada, o paciente opta por intervenções agressi-
vas apesar da avaliação do profissional de que seria
Respeito à autonomia do paciente fútil ou traria mais desconforto que benefício ao pa-
Quando o paciente tem condições de jul- ciente 5. De acordo com Macauley 5, muitas vezes o
gamento, a equipe esclarece a situação e leva em consenso é atingido depois de esclarecimento, po-
conta sua opinião. Quando há recusa de alguma rém há casos em que a decisão do paciente é mais

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

emocional que racional, e desistir de intervenções O direito à informação é amplamente reco-


com foco curativo desafiaria o senso de esperança, nhecido pela equipe que estudamos: “Se o paciente
impondo intensa percepção de fracasso, fraqueza tem desejo de saber, como tem um caso aqui, que a
ou covardia 5. paciente ela é totalmente esclarecida e ela induziu
a equipe a contar tudo pra ela do que ela tinha e o
O autor argumenta que paliativistas conside-
porquê dos sintomas. Então o próprio paciente mui-
ram a complexidade do sofrimento humano, expres-
tas vezes induz a equipe a isso e deseja, e também é
sa inclusive no conceito de “dor total” proposto por
um direito que o paciente tem” (E1).
Cicely Saunders, mas paradoxalmente resistem a
aceitar a possibilidade de o sofrimento emocional As informações acerca do estado clínico são
de um paciente que aceitou o tratamento paliativo necessárias, ainda, para o paciente poder planejar
ser mais severo que o sofrimento físico esperado sobre sua vida e tomar providências frente à proxi-
como consequência de um tratamento agressivo. midade do seu fim: “Eu acho que ele tem o direito de
Conclui, então, que cuidados paliativos também têm saber aquilo que ele tem e de se planejar em cima
suas bases valorativas, o que por vezes gera confli- do tempo que ele ainda tem pra fazer as suas coisas.
tos por propor-se, ao mesmo tempo, uma aborda- Então se ele achar que tá tudo bem, ele pode até
gem centrada no cliente e que prioriza o respeito à morrer achando que tá tudo bem” (E2).
autonomia 5. A comunicação foi reconhecida, inclusive,
Podemos notar, ainda, a valorização da opi- como instrumento fundamental para resolver pro-
nião dos familiares nas decisões sobre o paciente, blemas éticos entre profissionais e paciente/família:
e o consequente compromisso de compartilhar com “A boa comunicação. Acho que é o principal instru-
mento entre equipe e estender isso para os familia-
a família todas as informações necessárias: “Porque
res do paciente.” (E6). Mediante comunicação, res-
em cuidado paliativo normalmente a gente não es-
peito à diversidade de opiniões e unidade os con-
conde, principalmente do familiar” (E1).
sensos devem ser alcançados, iniciando-se entre os
Essa realidade reflete o fato de ser frequente próprios membros da equipe:
o paciente em cuidados paliativos não estar em con-
dições de deliberar e decidir e, portanto, de exercer “Eu acho que é justamente a questão de todos fa-
autonomia, passando a ser crucial, então, a parti- larem a mesma língua, sabe, de você ter a cabeça
cipação da família a fim de representar os valores aberta e você ter o discernimento pra poder discuti-
e interesses do paciente, ou o recurso às diretivas -las. Inclusive discuti-las não só na equipe, mas pe-
antecipadas de vontade, sempre que o paciente as rante a família, né? Perante todo o restante da equi-
tenha manifestado. pe multidisciplinar. (...) Cada um respeita a sua opi-
De acordo com Kovács 6, parte importante dos nião, mas eu acho que no fundo todos conseguimos
cuidados no final da vida é facilitar o exercício da chegar num ponto comum. Eu acho que isso minimi-
autonomia e decisões de pessoas enfermas, que tra- za muito a questão dos impasses médicos, a questão
zem consigo sua biografia. de bater de frente em relação a condutas mesmo da
equipe em si” (E4).

Veracidade e direito à informação Artigos de pesquisa


A ideia de que a veracidade entre paciente e Comunicação e respeito no recebimento de más
profissional de saúde (incluindo, muitas vezes, tam- notícias
bém os familiares do paciente) é fundamental para A compreensão de uma informação depende
o exercício da autonomia e para a construção ou do sucesso do processo de comunicação. No caso da
manutenção de uma relação permeada de confian- comunicação entre profissional de saúde e paciente
ça foi explicitada: e/ou família, muitas dificuldades de comunicação
podem impor-se.
“Só a verdade. Entre o médico, equipe, família e pa- Os pacientes podem ter sua capacidade de
ciente. Tenho uns chavões: ‘a gente só pode brigar compreensão ameaçada ou diminuída em decor-
com inimigos que conhece’. Não posso esperar que rência de estados de humor como ansiedade e
a família ajude numa decisão – não pode compre- depressão, rebaixamento de nível de consciência,
ender – se eu disser meias verdades. Então dividir comprometimento cognitivo, sensorial ou pela pró-
100% com a família, porque se a família não se sen- pria dor e outros sintomas intensos. A participação
tir segura e acolhida não vai funcionar” (E6). da família ou representante legal do paciente em

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

relação às decisões sobre a condução do caso passa informação não priva o paciente do sofrimento, mas
a ser maior. a comunicação respeitosa lhe traz benefícios:
Além disso, profissionais de saúde podem ter
dificuldades para empreender uma eficaz interação “Quando o paciente sabe, a gente toca isso na lin-
com o paciente/família por falta de habilidade em guagem que ele aguenta, do jeito que ele quer. É
comunicar-se de forma simples, acessível e de acor- muito legal. Geralmente quem viveu muito bem, vai
do com as características dos interlocutores, ou pelo morrer muito bem. Quem consegue ter transparên-
receio de sobrecarregar emocionalmente o paciente cia nessa hora, não quer dizer que não sofre, que
com uma má notícia ou mitigar sua esperança. não angustia” (E7).

Vale considerar que assim como o acesso à Enquanto a mentira e a omissão isolam o pa-
informação é identificado como elemento ético im- ciente, a oportunidade de partilhar os medos, an-
portante na relação terapêutica, a qualidade da co- gústias e preocupações pode trazer benefício tera-
municação também traz implicações éticas, vez que pêutico, sempre que se tenha cuidado com relação
deve beneficiar o paciente e evitar os danos emocio- ao que, como, quando, quanto e a quem se deve in-
nais que uma má notícia pode trazer. formar 7. Assim, foi feita referência à forma na qual
Muitos profissionais, e por vezes familiares, as informações devem ser oferecidas ao paciente:
se questionam sobre se o paciente deseja real- “Lógico que a verdade não precisa ser “entuxada”,
mente saber a verdade, se isso pode lhe prejudicar, mas com delicadeza...” (E6).
se seria melhor omitir a verdade ou não ser veraz Fallowfield e cols. 8 ressaltam ser frequente
para preservar a esperança. Essa preocupação foi profissionais de saúde alegarem que a maioria dos
apresentada: “Até onde a gente vai? (...) Então é pacientes não deseja saber a verdade, pois perde-
lícito a gente expô-la diante de uma verdade que riam a esperança, ficariam oprimidos e deprimidos,
às vezes ela não quer ver?” (E9). Esta colocação se tornando assim incapazes de aproveitar o tempo
remete a uma exceção à regra de consentimento que lhes resta. Entretanto, há pouca evidência des-
informado reconhecida no âmbito da assistência à se processo. Ao contrário, a omissão de informações
saúde. Trata-se do chamado privilégio terapêutico, importantes sobre a realidade do estado de saúde
caracterizado pela omissão de informações sobre o do paciente não o protege do sofrimento psicológi-
estado de saúde do paciente baseado num julga- co. O resultado mais frequente dessa atitude evasi-
mento fundamentado do médico de que divulgar a va do profissional é, para o paciente, maior angústia,
informação seria potencialmente prejudicial a um dificuldade e lentidão no processo de ajustamento
paciente que está deprimido, emocionalmente es- necessário.
gotado ou instável 4. Oliveira e colaboradores 9 observaram que
Compreende-se assim que as informações 90% dos médicos entrevistados afirmaram prover
devem ser oferecidas ao paciente com cuidado, res- suporte emocional ao paciente, porém 20% infor-
peitando também o direito de “não saber”. Foi reco- maram não conversar sobre a doença nem comu-
nhecida uma diferença cultural entre o Brasil e paí- nicar o diagnóstico verdadeiro ao paciente em fase
Artigos de pesquisa

ses de cultura anglo-saxônica, que permite que, no terminal. Além disso, apesar de 70% dos médicos
Brasil, a informação seja dada de forma mais caute- concordarem que a discussão aberta sobre questões
losa: “A gente tem a sorte ética... uma sorte humana de vida e morte não causa danos ao paciente, 80%
de não estar em uma cultura anglo-saxônica, dentro deles preferem não esclarecer a estimativa de tem-
de uma cultura ainda não tão litigiosa, que eu pre- po de vida para os pacientes.
cise dizer pro paciente: tempo de vida; perspectivas; A comunicação dos médicos participantes do
chances etc. A gente tem a possibilidade latina de estudo acima citado com os familiares dos pacientes
contar o que ele aguenta ouvir, na velocidade que também é restrita. Oitenta por cento dos entrevis-
ele aguenta ouvir, oferecer silêncio... e esperar” (E7). tados afirmaram apenas esclarecer dúvidas dos pa-
Nesse sentido, Pessini 7 concorda que a atitude rentes e 30% relataram não dar apoio nem conver-
anglo-saxã em relação à comunicação de diagnósti- sar abertamente com eles acerca da doença do pa-
co/prognóstico vai mais na direção da verdade obje- ciente 9. Em revisão de literatura sobre comunicação
tiva dos fatos, o que contrasta com a nossa cultura entre profissional de saúde e paciente de cuidados
latina, que faz uma leitura emocional da verdade paliativos, Slort et al 10 constataram que as barreiras
médica com a preocupação de proteger o paciente mais frequentemente citadas para a comunicação
da verdade. Reconhece-se também que ter acesso à foram: a falta de tempo do profissional; a ambiva-

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

lência ou falta de desejo do paciente em saber sobre falar sobre questões referentes à finitude, reconhe-
o prognóstico; e o fato de o profissional não falar çam suas ambivalências e as do paciente sobre de-
honestamente sobre diagnóstico ou prognóstico. terminados assuntos, reavaliem continuamente as
Em contrapartida, os facilitadores à comunica- necessidades e preferências do paciente, e tenham
ção mais citados foram: a disponibilidade do profis- alto nível de habilidades de comunicação para dis-
sional; relacionamentos duradouros entre paciente cutir, adicionalmente, questões emocionais e espiri-
e profissional; o profissional manifestar compromis- tuais com o paciente 10.
so, abertura e permissão para discutir qualquer as-
sunto, sendo honesto e amigável, ouvindo de forma Cerco do silêncio
ativa e levando o paciente a sério; tomar iniciativa A dificuldade de falar sobre o processo de
em tocar temas relacionados à finitude, sem omitir doença e a expectativa da brevidade da vida é fre-
informações; negociar opções terapêuticas, dese- quente entre profissionais de saúde e também para
jando falar sobre diagnóstico e prognóstico, prepa- os próprios pacientes e seus familiares. É comum
ração para a morte, questões psicológicas, sociais e observar o designado “cerco”, “conspiração” ou
espirituais do paciente e suas preferências. “pacto” de silêncio, identificado pelos entrevistados
Foi identificada ambivalência por parte de pa- como problema ético: “Do ponto de vista ético, o
ciente e profissional acerca da discussão de prog- que me chama muita atenção ainda acho que é o
nóstico. Muitos pacientes manifestam querer infor- cerco do silêncio” (E7).
mação completa, mas às vezes são relutantes em O cerco do silêncio é definido como o acordo
saber de um mau prognóstico. Por sua vez, profis- implícito ou explícito, por parte de familiares, ami-
sionais referem ser conscientes do impacto das in- gos e/ou profissionais, de alterar a informação que
formações sobre a esperança do paciente e acham se dá ao paciente com a finalidade de ocultar-lhe o
difícil julgar o momento adequado para começar a diagnóstico e/ou prognóstico e/ou gravidade da si-
discussão sobre essas questões 10. tuação 11. E7 afirma que o cerco do silêncio: “É um
Comparando sua pesquisa com a literatura diagnóstico em cuidado paliativo onde você percebe
sobre comunicação entre profissional e paciente que esse paciente não está participando ativamente
em contextos gerais, Slort et al 10 concluíram que a das escolhas sobre si porque não sabe o que tá acon-
comunicação em cuidados paliativos não é tão dife- tecendo” (E7).
rente. O que poderia ser entendido como questões Quando quem detém a informação é a família,
específicas são: a maior dificuldade de predizer o ela detém o poder de decidir sobre o paciente: “As
curso clínico da doença, que leva a maior incerteza famílias tomarem conta das decisões, das escolhas,
acerca do prognóstico; a ambivalência sobre como e do diagnóstico que pertence ao paciente” (E7). O
lidar com informações referentes a um mau prog- intuito de quem impõe o cerco do silêncio é evitar
nóstico; a relevância de reavaliar continuamente as o sofrimento do outro: “Ele não vai aguentar sa-
necessidades de pacientes e família no que refere à ber”; “Vai sofrer muito” (E7). Porém, de acordo com
oferta de informação, vez que as ideias e preferên- a entrevistada, além de não excluir o sofrimento, o

Artigos de pesquisa
cias do paciente podem mudar ao longo do tempo. cerco do silêncio priva a pessoa da possibilidade de
Além disso, profissionais devem distinguir en- exercer autonomia: “Na verdade, essas pessoas es-
tre problemas do paciente e suas necessidades per- tão sofrendo... privando o paciente da escolha (...)
cebidas, pois o paciente pode não querer abordar causa um grande desgaste na família e também na
determinados problemas. Com relação aos temas gente, é os pacientes que não sabem o que tá acon-
da comunicação, questões mais específicas dos cui- tecendo” (E7).
dados paliativos são a explanação sobre a fase final Foi descrita cena em que o cerco do silêncio
da doença, preferências e emoções relativas ao fim permeia as relações: “Lá na casa, no portão, alguém
da vida, questões espirituais, futilidade terapêutica, da família me pede pra não falar sobre o assunto,
opções de tratamento que prolonguem a vida, deci- sobre o diagnóstico, sobre prognóstico, sobre tempo
sões relativas ao fim da vida e crenças sobre o que de vida, sobre nada praticamente, né? Na maioria
há para além da vida 10. das vezes, a gente sabe que o paciente já sabe e
Os autores sugerem que os profissionais de existe a tal conspiração do silêncio” (E10). Ao res-
cuidados paliativos estejam disponíveis para o pa- saltar a dialética do cerco do silêncio entre paciente
ciente, tenham uma abordagem aberta e compro- e família, a entrevistada afirma que, muitas vezes,
metida, ouçam ativamente, tomem iniciativa para o contrário das situações relatadas também ocorre,

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

sendo o paciente quem detém a informação, sem Jonsen, Siegler e Winslade 1 aconselham a
querer que a família saiba: nunca alegar futilidade para justificar decisões unila-
terais, evitando assim conversas difíceis com pacien-
“O paciente não fala pra família, eu imagino que pra te ou família, e que se evite o uso do termo futilida-
família não sofrer... mais... E a família não fala nada de com a família, haja vista sua conotação negativa.
pro paciente, também com o mesmo objetivo. E fica Sugerem, ao invés disso, direcionar os esforços para
tudo muito... fica uma situação calada e sofrida” (E10). oferecer conforto e paliação ao paciente, pois os
prejuízos de uma intervenção mais agressiva podem
Além de causar sofrimento à família e ao pa- exceder os benefícios possíveis.
ciente, o cerco do silêncio impõe um dilema para os
A autonomia do paciente (exercida por ele
profissionais: “Quem que eu vou acatar? E a gente
ou por seu representante) foi reconhecida como
vai tateando e... né? E... deixando a coisa fluir um
importante elemento para a definição da condu-
pouco devagar. E acaba... no final, eu acho que
ta, cabendo à equipe legitimar sua participação no
acaba tudo dando certo. Mas é um dilema” (E10);
processo deliberativo: “Como a ideia das condutas
“Essa questão do cerco do silêncio é uma coisa que
tem muito a ver com o respeito à autonomia do pa-
sempre me angustiou porque eu não sei de que lado
ciente (...) é uma questão de legitimar esse pacien-
eu fico... Então eu prefiro ficar na minha mesmo. Eu
te, essa família” (E7).
prefiro ficar bem quieta” (E2).
A questão da participação da família na to-
Fallowfield, Jenkins e Beveridge 8 afirmam
mada de decisão é trazida também com outro
que, embora a motivação por trás do cerco do si-
foco. Entrevistados manifestaram preocupação
lêncio seja bem intencionada, resulta em elevado
pela atribuição, a pessoas leigas, da função de de-
estado de ansiedade, medo e confusão, e não de
cidir sobre questões técnicas sobre as quais não
serenidade e segurança. Além disso, nega aos su-
têm competência:
jeitos a oportunidade de reorganizar e adaptar suas
vidas para realizar metas mais plausíveis, pautadas
por esperanças e aspirações realistas. No caso dos “Eu vejo acontecer na clínica médica, na geriatria,
cuidados paliativos, pacientes necessitam de infor- não com a gente é... Passar pro paciente e pra famí-
lia dilemas que é da equipe decidir. Por exemplo, se
mações claras para planejar e tomar decisões sobre
o paciente tem a indicação de algum procedimento
o local da assistência e da morte, colocar assuntos
e aquele procedimento ele é muito específico, você
pendentes em ordem, despedir-se, fazer pazes e
precisa de formação pra discernir sobre aquele pro-
proteger-se de terapias fúteis. Os autores concluem
cedimento. Muitas vezes aquilo, ele é jogado a res-
que a oferta de informações honestas ao paciente é
ponsabilidade para o familiar (...) Não acho que é
um imperativo ético 8.
ético discutir isso com uma pessoa leiga” (E5).

Participação na deliberação e tomada de decisão: E6 concorda, ao afirmar que: “Tem coisa que é
paciente, equipe e família conduta médica. Daí não existe “o que você quer?”,
Um entrevistado considerou como importante porque é conduta médica, não algo que a família
Artigos de pesquisa

problema ético a tomada de decisão unilateral por pode escolher” (E6). Ante tais constatações as entre-
parte da equipe médica sobre questões relativas ao vistadas remetem à discussão sobre quais questões
investimento terapêutico: “O que me deixa absolu- e de que forma a família deve participar no processo
tamente chocada, horrorizada, é a decisão unilate- de deliberação em cuidados paliativos:
ral de uma equipe médica de não mais investir em
paciente ou não. E o termo é ‘investir’, como se o “Tudo bem (a família participar de decisões) em
paciente fosse uma bolsa, um mercado de ações, questões como analgesia, sonda para não vomitar...
né? Então, em geral, os médicos avisam que não vão ajudar a escolher entre sonolência ou um pouco de
mais fazer... Ainda avisam... talvez...” (E7). dor... Mas operar ou não, ir para UTI ou não, são
outra coisa, são decisões de conduta médica” (E6).
Na fala acima transcrita verificamos o incômo-
do pelo fato de a equipe médica não permitir que Os discursos expressam, assim, que caberia à
paciente e família participem de decisão tão impor- equipe discernir sobre quais questões relacionadas
tante e também com relação a um termo bastante ao tratamento do paciente a família pode opinar, e
utilizado que é o “investir”, que, em sua opinião, é em quais circunstâncias a família deve ser esclare-
ambíguo e permite uma visão depreciativa e utilitá- cida a fim de compreender a conduta decidida pela
ria sobre o paciente. equipe: “Muitas coisas a família não tem que deci-

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

dir, mas compreender a sua decisão, porque a con- tomada de decisão advém do risco das possíveis
duta é médica. O profissional tem que ter isso claro implicações jurídicas contra a equipe ou determina-
pra ele de até onde a família pode opinar” (E6). De- do profissional. A próxima fala representa bem essa
legar à família do paciente a responsabilidade por posição: “Juridicamente, não importa o que a família
decisões de conduta médica foi identificado como escolha. A tomada de decisão da família não tem ne-
problema, especialmente quando há discordâncias nhum valor. Aliás, sempre tem um familiar que chega
entre membros da família ou entre família e equipe. de ‘Titirica da Serra’ e chega cansando, põe carami-
As situações citadas pelos entrevistados, em nhola na cabeça e vai até o juiz. Se se agarrar ao fato
que tais conflitos emergem, vão desde o enca- que a família escolheu, certamente pagará indeniza-
minhamento aos cuidados paliativos, incluindo a ção. Mas se for a conduta, é respaldado” (E6).
indicação de procedimentos menos invasivos e a Tal observação chama atenção à necessida-
contraindicação de medidas desproporcionais, ao de de integração e coerência entre os membros da
dilema, de modo especial, entre reanimar ou não o equipe e entre eles e a família, para evitar proble-
paciente. Nesse sentido, foi referido como problema mas judiciais: “É imprescindível que todos os passos
o fato de muitas vezes a equipe médica que encami- estejam friamente compassados, e também diferen-
nha o paciente ou pede interconsulta não zelar pelo ciar o que é conduta médica e no que o familiar pode
esclarecimento prévio da família: interferir”. Ressalte-se ainda que: “Acaba-se chegan-
do a um acordo, mas sempre com muito desgaste, às
“A gente esbarra muitas vezes no não falar da equi- vezes, com um desgaste muito... muito grande, né.
pe médica que está, digamos assim, gerenciando o Tem pessoas até agressivas... Até violentas” (E10).
caso do paciente. O fato de não falar das condições Kovács 6 relaciona a dificuldade da participa-
que realmente ele está... A possibilidade de cura que ção de pessoas leigas nas reflexões e tomada de de-
não existe mais, de controle dos sintomas” (E4). cisão sobre cuidados no final da vida a atitudes cul-
turais muito arraigadas de negação da morte. A au-
De acordo com um dos entrevistados, a falta
tora sugere debates e esclarecimentos à população
de informação da família ocorre mais em função de
como estratégias que possibilitem a preservação da
limitações da própria família do que devido à indis-
dignidade e qualidade no processo de morrer.
ponibilidade da equipe: “Que se houve uma desin-
formação ou uma não informação, às vezes é muito
mais por uma família que não era presente porque o Preferências quanto ao local de tratamento e morte
paciente não deixava, ou porque não conseguia ser É comum o paciente internado desejar ser tra-
presente, e que a gente acaba tendo que contar todo tado em casa. Nesses casos a equipe deve, então,
o final da história e... Contar qual que é o melhor tra- se empenhar para que esse objetivo se cumpra. O
tamento para aquele paciente. E induzir essa família fato de o serviço de cuidados paliativos estudado
a acreditar na gente. A gente tem um problema éti- oferecer assistência domiciliar favorece essa possi-
co, que é o problema de comunicação” (E7). bilidade: “O paciente quer muito ir pra casa. Então
Como problema ético, E10 aponta a rejeição a equipe se empenha mais ainda pra tentar mandar

Artigos de pesquisa
da família frente à proximidade da perda do familiar, essa pessoa pra casa” (E2).
dificultando entender a ideia de cuidados paliativos, Muitas vezes o paciente deseja falecer em
bem como o quanto é inócuo manter alguns proce- casa, mas isso traz implicações legais importantes:
dimentos: “A questão do... Principalmente da famí- “E essa é uma questão até ética que não é bem acei-
lia, não aceitar cuidados paliativos. É não aceitar que ta, entendeu? E que a gente tem muitas barreiras
se falem os procedimentos desnecessários... fúteis. É em caso de óbito no domicílio. Não pelo lado da fa-
muito frequente, também. (...) É muito difícil as pes- mília, mas pelo lado burocrático mesmo, lá do siste-
soas aceitarem que não se faça mais procedimentos, ma. Quando uma pessoa morre em casa os trâmites
que não se invista em medidas que não vão dar em normais quais são? Polícia... IML...” (E1).
nada” (E10). Pautadas nas mesmas dificuldades as Além dos motivos legais apontados, a dificul-
entrevistas também fazem referência a problemas dade de o paciente falecer em casa mesmo quando
no momento do óbito: “No prontuário estava escri- assim o deseja está, de acordo com os entrevista-
to, mas a gente sabia que havia um litígio entre equi- dos, relacionada à incapacidade de a família acom-
pe médica e família. Então, o que fazer?” (E6). panhar o processo até o final: “Porque a família não
A preocupação dos entrevistados que se pro- tem estrutura pra suportar esse... O falecimento no
nunciaram a respeito da participação da família na domicílio” (E10). Os entrevistados também aludem

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Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

à falta de recursos, por parte da equipe, para que onsidera ões nais
possam dar suporte ao paciente e família nessa si-
tuação:
Os resultados da pesquisa permitiram identifi-
car importantes questões pertinentes à autonomia
“Uma coisa que seria, que talvez, cairia na questão do paciente em cuidados paliativos, sob o paradig-
do princípio ético da justiça nos cuidados paliativos ma bioético da casuística. O dever de respeitar a
é às vezes não ter tantos recursos quanto eu gosta- autonomia do paciente foi reconhecido, porém fo-
ria... pra um paciente que quer estar em casa e a ram identificados conflitos entre esse princípio e o
gente não tem um curativo diário, ou a gente não de beneficência, principalmente quando o paciente
tem uma garantia de transporte imediato, ou a recusa intervenção. A experiência em cuidados pa-
gente não dá conta de uma demanda que poderia liativos foi apontada como estímulo a uma atuação
ser visita médica semanal, porque a gente tem limi- com maior respeito às preferências do paciente. En-
te de equipe mesmo” (E7). trou em discussão, também, a moralidade de o pa-
Em decorrência, um problema ético muito ciente/família participar de decisões sobre conduta
frequente é o não cumprimento do combinado médica.
entre paciente, equipe e família com relação ao lo- O dever de veracidade foi reconhecido e a
cal e contexto da morte, quando falecer em casa é comunicação apontada como componente neces-
desejo manifesto do paciente: “Então ficou certo, o sário para a relação terapêutica, sendo condição
paciente manifestou o desejo de falecer em casa, a elementar para o paciente exercer autonomia.
família por um momento concorda e quando chega Paralelamente, o respeito aos limites emocionais
o momento eles não suportam e trazem o paciente do paciente com relação à ciência de más notícias
que, às vezes, falece na ambulância, no trajeto, ou foi colocado como necessário. Para fazer frente a
no pronto-socorro de uma forma bem ruim. Longe essas demandas, ressalta-se a importância de os
dos familiares, longe do seu ambiente” (E10). profissionais desenvolverem habilidades de co-
Por todas essas questões a escolha do local municação.
do cuidado e da morte é apontada como algo de- O cerco do silêncio foi colocado como impor-
safiador do ponto de vista ético 12. Por vezes, o pa- tante obstáculo para a autonomia e resolução de
ciente prefere determinado local para ser cuidado pendências por parte do paciente que ainda teria
e morrer, porém isso pode não ser factível ou ético. condições de decidir e atuar socialmente. Além dis-
Os autores sugerem que o planejamento para alta so, os profissionais de saúde podem enfrentar como
hospitalar do paciente com doença ameaçadora da um dilema ético a escolha da postura a adotar pe-
vida considere se ele tem condições mentais para rante este cerco.
tomar essa decisão. Devem ser analisados, ainda, A escolha do local de tratamento e morte foi
os riscos que o cuidado domiciliar pode significar citada como importante aspecto dentre as prefe-
para os cuidadores, suas opiniões, as fontes de re- rências do paciente, embora seja reconhecida a
cursos necessários e a qualidade do relacionamen- dificuldade de viabilizar uma assistência adequada
to entre paciente e familiares 12.
Artigos de pesquisa

quando a escolha é pela própria residência. Nesse


A escolha do paciente deve ser facilitada sem- caso, faz-se necessária a avaliação das necessida-
pre que possível, respeitando assim sua autonomia, des e preferências do paciente juntamente com a
mas deve-se evitar causar dano quando o cuidado disponibilidade de assistência formal e informal no
domiciliar não for plausível, utilizando como crité- domicílio.
rio o melhor interesse do paciente e o bem-estar O estudo evidenciou o destaque do tema da
dos envolvidos no cuidado. É papel da equipe de comunicação. O fato de a comunicação em cuida-
saúde, inclusive, explicar ao paciente por que suas dos paliativos muitas vezes incluir questões de forte
preferências não podem ser facilitadas 12. conteúdo emocional a torna desafiadora para todos

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306
Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos

os envolvidos, o que frequentemente resulta na enfrentar problemas éticos, e ainda como prerroga-
omissão de determinadas informações e atitudes tiva para o exercício da autonomia, para a relação
paternalistas perante o paciente. Em paralelo, é re- terapêutica, ajustamento psicológico e resolução de
conhecido o seu papel enquanto instrumento para pendências.

eferências

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Revisado: 2. 4.2014
articipa o dos autores
Aprovado: 1. 7.2014
Este manuscrito é parte dos resultados da tese de doutorado de Carolina Becker, orientada pelo prof.
dr. Paulo Antonio de Carvalho Fortes, ambos colaboraram na condução da pesquisa e na elaboração
do artigo científico, compartilhando, dessa forma, sua autoria.

Artigos de pesquisa

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Construção e validação do instrumento “Inventário
de problemas éticos na atenção primária em saúde”
José Roque Junges 1, Elma Lourdes Campos Pavone Zoboli 2, Marcos Paschoal Patussi 3, Rafaela Schaefer 4, Carlise Rigon Della Nora 5

Resumo
Identificar conflitos éticos contribui para melhorar a qualidade da assistência. O estudo objetivou verificar a
validade de construto e consistência interna do “Inventário de problemas éticos na atenção primária em saú-
de”. O instrumento, questionário estruturado e fechado, é fruto de uma década de pesquisas sobre bioética
na atenção básica. O artigo enfoca a última etapa da validação. No início dessa fase, o instrumento continha
41 itens. Foi aplicado a 237 profissionais de 12 unidades de saúde do Grupo Hospitalar Conceição (Porto
Alegre/RS). Após análise fatorial exploratória dos escores, obtiveram-se seis dimensões centrais com eleva-
do grau de confiabilidade e consistência (KMO=0,831; Bartlett p<0,001; α geral 0,876), explicando 61,4% da
variância. Ao final, o instrumento validado ficou com seis fatores e 24 itens. O instrumento poderá contribuir
para pesquisas em bioética, com estudos quantitativos em grandes amostras, bem como propiciar o reconhe-
cimento dos problemas éticos mais comuns na atenção básica.
Palavras-chave: Estudos de validação. Ética. Bioética. Atenção primária à saúde. Resolução de problemas.

Resumen
La construcción y validación del “Inventario de Problemas Éticos en la Atención Primaria de la Salud”
Identificar los conflictos éticos contribuye para mejorar la calidad de la atención. Este estudio tuvo como obje-
tivo evaluar la validez de constructo y la consistencia interna del Inventario de Problemas Éticos en la Atención
Primaria de la Salud. El instrumento, un cuestionario estructurado y cerrado, es resultado de una década de
investigaciones sobre bioética en la atención primaria. El artículo enfoca la última etapa de validación. En
el inicio de esta etapa, el instrumento contenía 41 elementos. Se lo ha aplicado a 237 profesionales de 12
centros de salud del Grupo Hospitalar Conceição (Porto Alegre, RS). Tras el análisis factorial exploratorio de
las puntuaciones, se encontró seis dimensiones centrales con alto grado de fiabilidad y consistencia (KMO =
0,831, Bartlett p < 0,001, alpha 0,876), explicando el 61,4 % de la varianza. La versión validada del instrumento
quedó con 6 factores y 24 ítems. El instrumento contribuirá para las investigaciones en bioética, pues posibili-
ta estudios cuantitativos en grandes muestras para llevar a reconocerse los problemas éticos más frecuentes
en atención primaria.
Palabras-clave: Estudios de validación. Ética. Bioética. Atención primaria de salud. Solución de problemas.

Abstract
Construction and validation of the instrument “Inventory of Ethical Problems in Primary Health Care”
Identifying ethical conflicts contributes to improve healthcare quality. This study aimed to evaluate content
validity and verify internal consistency of the Inventory of Ethical Problems in Primary Health Care. The ins-
Artigos de pesquisa

trument – a close and structured questionnaire – is a result of decades of researches on bioethics in primary
health care. The article focuses on the last stage of validation. At the beginning of this stage the instrument
had 41 items. It was applied to 237 professionals of 12 primary care centers at Grupo Hospitalar Conceição
(Porto Alegre, RS). After the exploratory factor analysis, it resulted in six dimensions with high degree of relia-
bility and consistency (KMO = 0.831, Bartlett p < 0.001; alpha 0.876), which explained 61.4 % of variance. At
the end, the validated version of the instrument had 6 factors and 24 items. The instrument may contribute to
researches in bioethics through the development of studies to recognize the most common ethical problems
in primary care and to explore the influence of different contexts on ethical problems.
Key words: Validation studies. Ethics. Bioethics. Primary health care. Problem solving.

Aprovação CEP/Grupo Hospitalar Conceição 09-156

1. Doutor roquejunges@hotmail.com – Unisinos, São Leopoldo/RS, Brasil 2. Livre docente elma@usp.br –Universidade de São Paulo,
São Paulo/SP, Brasil 3. Doutor mppatussi@unisinos.br – Unisinos, São Leopoldo/RS, Brasil 4. Doutoranda rafaelaschaefer@hotmail.com
– Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal 5. Doutoranda carliserdn@yahoo.com.br – Universidade Católica Portuguesa, Porto,
Portugal.

Declaram não haver conflito de interesse.

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308
Construção e validação do instrumento “Inventário de problemas éticos na atenção primária em saúde”

Investigações sobre os desafios éticos nos ser- sível, bastante compreensível e de fácil aplicação.
viços de atenção à saúde podem levar os profissio- Na continuidade da validação, era preciso avaliar o
nais a refletir, deliberar e avaliar atitudes éticas nas construto do instrumento. Para validar a clareza, a
práticas de saúde 1. Os problemas éticos são desafios facilidade de leitura e a confiabilidade do construto
que exigem deliberação pela melhor solução. Enten- desenvolveu-se, entre 2006 e 2008, um estudo me-
didos como desafios, não podem ser resolvidos por todológico 6. A validação da clareza e confiabilidade
meio de receitas prontas, mas exigem permanente deu-se por meio de um painel de especialistas em
criatividade, porque requerem respostas de longo saúde da família, com uso da técnica Delphi.
alcance, que ultrapassem a solução de um caso parti- Cada item do IPE-APS teve seu enunciado des-
cular 2. No Sistema Único de Saúde (SUS), a Estratégia crito segundo a situação narrada pelos entrevista-
de Saúde da Família (ESF) vem reorganizando a Aten- dos do estudo, cujos resultados deram origem à lista
ção Primária à Saúde (APS) por meio da efetivação de problemas constantes do inventário. Para cada
dos princípios da longitudinalidade e da integralida- item do IPE-APS solicitava-se aos especialistas do
de. Tal fato reforça a necessidade de compromissos painel que avaliassem a congruência entre o enun-
éticos das equipes, que têm de exercer nova prática ciado do problema ético e a descrição da situação
marcada pela humanização, cuidado e cidadania 1.
que o gerou. Havia espaço para que os especialistas
Nessa perspectiva, desde 2000 temos estuda- sugerissem nova redação para o enunciado, se fosse
do a temática da ética na APS. O primeiro estudo, o caso. O ponto de corte da congruência era 80%,
entre 2000 e 2003, desenvolveu uma pesquisa qua- sendo mantida a redação dos enunciados com valor
litativa com enfermeiros e médicos de equipes de igual ou superior a isso 6.
saúde da família do município de São Paulo, objeti-
Para a validação da facilidade de leitura usou-
vando reconhecer um perfil das questões éticas nes-
-se o Índice de Facilidade de Leitura de Flesch-Kin-
sa nova forma de organização da APS no SUS. Como
caid (ILFK), disponível no Microsoft Windows Word.
resultado, obteve-se uma lista de 41 problemas 1,
A redação final dos enunciados dos problemas éti-
que originaram a primeira versão do inventário de
cos resultante da consulta ao painel de especialistas
problemas éticos na atenção primária (IPE-APS).
foi ajustada para uma facilidade de leitura compa-
Entre 2004 e 2005, desenvolveu-se um segun- tível com uma escolaridade aproximada ao 7o ano
do estudo para reconhecer se os problemas aponta- (antiga 6a série) do ensino fundamental (leitura
dos no primeiro se repetiriam na vivência de outras razoavelmente fácil). A redação ajustada para cada
equipes de saúde da família e se ainda haveria algo item foi revista por uma professora de língua por-
a acrescentar. O estudo mostrou que a primeira ver- tuguesa, para verificar a adequação e correção da
são do IPE-APS era de fácil compreensão e preen- escrita. Com esse estudo metodológico fechou-se,
chimento, contendo uma lista de problemas éticos em 2008, a 2a versão do IPE-APS 6.
da prática na APS suficientemente abrangente, não
Até essa segunda versão o IPE-APS vinha sen-
sendo necessário incluir novos exemplos 3.
do validado na vertente qualitativa. Sua escala para
De 2005 a 2009, no município de São Paulo, registro da ocorrência dos problemas éticos era no-

Artigos de pesquisa
outros dois estudos qualitativos investigaram as si- minal e não numérica. A partir de 2009, usando a
tuações eticamente significativas vividas por enfer- segunda versão do IPE-APS, iniciou-se a validação
meiros e médicos em serviços de APS não reorgani- por meio de técnicas quantitativas, para viabilizar a
zados pela ESF. Uma dessas pesquisas investigou as incorporação de uma escala do tipo Likert no instru-
unidades básicas de saúde (UBS) tradicionais e a ou- mento. Com isso, seria possível seu uso em estudos
tra enfocou os centros de saúde escola 4. Os resulta- quantitativos, com amostras maiores. As pesquisas
dos comprovaram a abrangência da lista de proble- objetivaram verificar a validade de construto e a
mas que compunha a primeira versão do IPE-APS. consistência interna do IPE-APS. O presente artigo
Um terceiro estudo desse mesmo período validou a descreve os resultados da última dessas pesquisas
sensibilidade do instrumento. Para essa etapa de va- de validação do IPE-APS.
lidação do IPE-APS foi desenvolvido um estudo com
expertos da área de ética e bioética. O instrumento
mostrou-se sensível, permitindo captar a variação étodo
de visão segundo o grupo em que era aplicado: pro-
fissionais da APS e especialistas em ética e bioética 5. Estudo transversal, realizado no Rio Grande do
Com esses estudos, viu-se que a primeira Sul, com profissionais de 12 unidades de saúde do
versão do IPE-APS se mostrava abrangente, sen- Grupo Hospitalar Conceição (GHC), instituição pú-

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309
Construção e validação do instrumento “Inventário de problemas éticos na atenção primária em saúde”

blica federal vinculada ao Ministério da Saúde, refe- tuação enunciada no item. Caso contrário, tinha que
rência no atendimento do SUS. O Grupo conta com assinalar com que frequência encontrava o proble-
uma equipe de 7.913 profissionais e abrange quatro ma em seu trabalho na APS: nunca (1); raramente
hospitais (Conceição, Criança Conceição, Cristo Re- (2); frequentemente (3); sempre (4).
dentor e Fêmina), 12 postos de saúde do Serviço de Registraram-se, também, algumas caracterís-
Saúde Comunitária, três centros de atenção psicos- ticas dos respondentes: socioeconômicas, especial-
social (Caps) e o Centro de Educação Tecnológica e mente a escolaridade; demográficas (sexo, cor ou
Pesquisa em Saúde, a Escola GHC. É nacionalmente raça e estado civil); fatores relacionados ao processo
reconhecido como a maior rede pública de hospitais de trabalho (profissão, tempo de formação, tempo
do Sul do Brasil, com 100% de atendimento SUS 7. de trabalho na APS e tempo de trabalho na unidade
O trabalho de campo teve início em julho de de saúde atual).
2011 com um estudo piloto, realizado na unidade O Epidata versão 3.1 foi utilizado para a di-
de saúde Conceição, que incluiu cerca de 60 profis- gitação dos dados e o software Statistical Package
sionais. O propósito era conhecer a realidade in loco for the Social Sciences (SPSS) versão 12.0, para a
para organizar o trabalho de campo e, também, ob- análise. Com o objetivo de avaliar a adequação dos
servar a compreensibilidade do instrumento pelos dados à análise fatorial, usou-se o teste de Kaiser-
profissionais durante o seu preenchimento, vez que -Meyer-Olkin (KMO). Para a validação do constructo
só havia sido utilizado em estudos no município de fez-se uso da análise de componentes principais e a
São Paulo. rotação varimax. Para tanto, foram seguidos os pas-
A coleta de dados ocorreu entre agosto e de- sos propostos por Hair JF, Anderson RE, Tatham RL e
zembro de 2011, aproveitando-se as reuniões sema- Black WC 10: formulação do problema; construção da
nais das equipes. Os profissionais eram convidados matriz de correlação; determinação do método de
a participar de forma voluntária, formando uma análise fatorial; determinação do número de fato-
amostra por conveniência. Após os esclarecimen- res; rotação dos fatores; interpretação dos fatores;
tos sobre a pesquisa e a liberdade de participação, cálculo das cargas fatoriais ou escolha de variáveis
todos os presentes à reunião recebiam o IPE-APS, substitutas, e determinação do ajuste do modelo.
com as instruções para seu preenchimento. Ao final, Para encontrar a melhor solução em termos de
recolhiam-se todos os instrumentos distribuídos, números de fatores utilizaram-se como critérios: au-
estivessem ou não preenchidos. Como não havia tovalor maior ou igual a 1, mínimo de três itens por
identificação do respondente se preservava o anoni- fator, e coerência com a teoria que fundamentou a
mato dos incluídos no estudo e também dos que se construção do instrumento em todos os estudos: a
recusaram a participar, já que a retirada dos instru- bioética deliberativa de Diego Gracia. Os critérios de
mentos em branco não era feita no campo. remoção de itens foram: aumento de alpha após a
A amostra totalizou 237 profissionais. Para o remoção do item; item carregando vários fatores ao
procedimento de análise fatorial exploratória, au- mesmo tempo, e remoção do item cujo conteúdo
tores mais rigorosos, como Dassa 8, sustentam que não fosse coerente com o construto. Para avaliar a
o tamanho ideal da amostra é de, no mínimo, dez consistência interna da escala total e sua subescala
Artigos de pesquisa

sujeitos por item do inventário ou um total de pelo utilizou-se o alpha de Cronbach 11.
menos 250 sujeitos. Outros autores, como Pestana A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética
e Gageiro 9, propõem, no mínimo, cinco sujeitos em Pesquisa do Grupo Hospitalar Conceição e todos
por questão em inventários com mais de 15 itens, os participantes assinaram o termo de consenti-
considerando-se um mínimo de 100 sujeitos. Frente mento livre e esclarecido.
a isso, consideramos a amostra do presente estudo
suficiente para as análises propostas.
A versão do IPE-APS submetida à validação esultados
quantitativa continha os 41 itens da segunda ver-
são da validação qualitativa, com problemas éticos Dentre outros profissionais de saúde das equi-
em três âmbitos relacionais da atenção à saúde: pes de saúde da família a amostra de 237 profissionais
usuário-profissional, equipes de saúde da família e incluía médicos (14%), agentes comunitários de saúde
sistema de saúde 1. A cada item os respondentes po- (11%), auxiliares e/ou técnicos em enfermagem (10%)
diam expressar sua visão sobre o tema numa escala e enfermeiros (9%). Predominou o sexo feminino
que variava de zero a quatro. O zero significava que (79%), 82% se consideravam brancos, 50% eram sol-
o respondente não considerava problema ético a si- teiros e 60% apresentavam idade entre 21 e 40 anos.

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310
Construção e validação do instrumento “Inventário de problemas éticos na atenção primária em saúde”

A análise dos dados considerou as respostas Agrupa problemas éticos referentes à: carência de
dos 237 profissionais participantes. Com o intuito condições para os atendimentos; falta de condições
de avaliar a estrutura geral dos dados, rodou-se a para a realização de visitas domiciliares; deficiên-
análise no SPSS de forma aberta, ou seja, sem de- cias do serviço de retaguarda para a remoção de
limitar previamente a quantidade de fatores, com pacientes; dificuldades no sistema de referência e
rotação varimax. O resultado dessa análise indicou a contrarreferência; retorno e confidencialidade dos
existência de 10 diferentes fatores, nos quais índice resultados de exames laboratoriais e; excesso de fa-
KMO=0,847 e Bartlett p<0,001. A variância explica- mílias adscritas a cada equipe na ESF. Esse domínio
da nesta solução era de 63,5% e o alpha geral 0,921. do IPE-APS traz a questão dos aspectos diretamente
Essas medidas indicaram que os resultados eram relacionados à organização e ao funcionamento dos
satisfatórios, ou seja, mostraram a adequação dos serviços como fonte de problemas éticos para os
dados para se proceder ao modelo exploratório de profissionais de saúde na ESF.
análise fatorial. O fator ‘longitudinalidade’ contém quatro
Após a verificação da adequação dos dados, itens que tratam das questões relacionadas à: con-
para a sequência da análise foram retirados os itens tinuidade de tratamento; recusa em seguir a indica-
que, ao mesmo tempo, apresentavam dois ou mais ção médica; prescrição de medicamento que o usu-
fatores ainda que com baixa comunalidade. Retira- ário não terá dinheiro para comprar e; dificuldade
ram-se, um a um, seis itens, o que aumentou a vari- de cumprir na prática as responsabilidades de cada
ância para 64,4%. profissional da equipe. Esse domínio do IPE-APS en-
globa os problemas éticos decorrentes da prolonga-
Após a retirada desses itens, a análise gerava
da relação que se estabelece entre o profissional e
nove fatores. Três fatores tinham apenas dois itens,
o usuário. O alpha de Cronbach desse fator foi 0,70.
o que não é recomendável na validação, segun-
do autores como Tabachnick e Fidell 11. Portanto, No fator ‘prática das equipes’ estão quatro
optou-se por retirar mais seis itens. Com isso, a ex- itens que expressam problemas éticos decorrentes
plicação da variância diminuiu para 59,6%. Não se da fragmentação do trabalho das equipes e a dificul-
esperava esse comportamento da variância com a dade de exercer a prática interdisciplinar. Esse domí-
remoção dos itens, mas, apesar disso, devido à ne- nio trata da: falta de respeito entre os membros da
cessidade de eliminar fatores que continham ape- equipe; falta de colaboração de uma equipe com a
nas dois itens, optou-se pela retirada. outra; profissionais que não apresentam perfil para
trabalhar na ESF e; profissionais que atuam com
Ao se analisar a consistência teórica, foram
falta de compromisso e envolvimento. O alpha de
encontrados três itens cujos problemas éticos enun-
Cronbach desse fator foi 0,76.
ciados não faziam sentido nos fatores onde se aloca-
ram. Também se optou por sua retirada. Obteve-se, Três itens formam o fator ‘perfil profissional’,
assim, a explicação de 61,4% da variância em um com alpha de Cronbach de 0,72. São problemas éti-
modelo com seis fatores e 24 itens. O índice KMO cos relativos ao perfil atitudinal do profissional na
ficou em 0,831, Bartlett p<0,001 e alpha geral de APS, reorganizada ou não pela ESF: pré-julgamento

Artigos de pesquisa
0,876 (tabela 1). Esse arranjo de itens e fatores foi de usuários e familiares; falta de respeito e; prescri-
considerado a melhor solução de análise, pois com- ções inadequadas.
binou importantes resultados estatísticos e agrupou O quinto fator, ‘privacidade na atenção primária
os problemas éticos de forma apropriada do ponto à saúde’, compreende três itens, que trazem aspectos
de vista teórico 11. próprios deste tema ético no contexto da APS, onde
Os fatores podem ser tidos como categorias de os domicílios e a comunidade são extensões do con-
análise ou, ainda, domínios de avaliação do IPE-APS. sultório. O fator teve alpha de Cronbach igual a 0,70.
Eles agruparam os problemas éticos na APS por fre- O fator ‘sigilo profissional’ teve alpha de Cron-
quência e por suas características, os que mais acon- bach igual a 0,64 e agrupou quatro itens relativos
tecem e de que tipo são, com base em publicações aos problemas éticos nas informações sobre a saú-
sobre atenção básica 12: 1) Gestão da atenção primá- de dos usuários e o compartilhamento destas entre
ria; 2) Longitudinalidade; 3) Prática das equipes; 4) profissionais, usuários e familiares.
Perfil profissional; 5) Privacidade na atenção primá- Há consistência interna das dimensões resul-
ria à saúde e; 6) Sigilo profissional (Tabela 1 – Anexo). tantes da análise dos dados, com índices alpha de
O domínio ‘gestão da atenção primária’ con- Cronbach 13,14 que variaram de desejável (α=0,85) a
tém seis itens, com alpha de Cronbach igual a 0,854. aceitável (α=0,64).

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311
Construção e validação do instrumento “Inventário de problemas éticos na atenção primária em saúde”

iscussão dico generalista ou equipe de saúde, nos múltiplos


episódios de doenças e cuidados de promoção e re-
abilitação da saúde. Para essa continuidade da aten-
Como resultado de mais de uma década de
ção são imprescindíveis a existência e o reconheci-
pesquisas explorando a interface da bioética e aten-
mento de uma fonte regular de cuidados de atenção
ção básica, logrou-se construir e validar um instru-
primária, o estabelecimento de vínculo terapêutico
mento para inventariar problemas éticos na atenção
duradouro entre os pacientes e os profissionais de
primária à saúde. A aplicação do IPE-APS permite
saúde da equipe local e a continuidade informacio-
fazer uma ‘epidemiologia’ 15 dos problemas éticos
nal 24. Nestes pontos concentram-se, também, os
na visão dos profissionais de saúde que atuam na
principais problemas éticos relacionados à longitu-
atenção primária. Mas, ultrapassa a contabilização
dinalidade.
porque pode se prestar à mediação da reflexão so-
bre as questões éticas para a melhoria dos serviços O terceiro fator, ‘prática das equipes’, corrobora
de saúde. estudos que apontaram deficiências na responsabili-
dade coletiva no trabalho de equipe na ESF, pois os
Os resultados do presente estudo validaram
profissionais fragmentam em atuações isoladas o que
o IPE-APS porque mostraram que o instrumento
deveria ser um saber coletivamente construído 25.
apresenta homogeneidade e consistência interna,
Para se alcançar os objetivos da ESF é necessário o efe-
com congruência dos itens em cada fator e com o
tivo trabalho em equipe, com todos atuando em prol
todo 16. A variância total explicada foi aceitável. Ape-
do mesmo objetivo. Nas equipes de saúde, cada pro-
nas 38,6% da variância permaneceu inexplorada 11.
fissional exerce sua profissão no bojo de um trabalho
Além das medidas estatísticas satisfatórias, houve
coletivo, cujo resultado final depende da contribuição
importante coerência teórica dos fatores resultan-
das diferentes áreas do saber à assistência 12.
tes da análise, segundo a literatura revisada 12,17.
O ‘perfil profissional’, quarto fator, vem ao
O fator com maior percentual de variância ex-
encontro das evidências de estudos com gestores e
plicada foi ‘gestão da atenção primária’, pois, inde-
trabalhadores do SUS, das distintas esferas de go-
pendentemente do número de fatores retidos, este
verno, ao mostrarem que, da mesma forma que o
sempre se agrupava como o primeiro. Isso provavel-
desempenho e a gestão dos recursos humanos, a
mente decorre da importância dessa questão para a
formação dos profissionais afeta, profundamente,
APS, especialmente no SUS, no qual se vem propon-
a qualidade dos serviços e o grau de satisfação dos
do que esse nível da atenção seja a porta de entrada
usuários 26,27. O setor público tem dificuldade para
do Sistema e, ao mesmo tempo, coordenadora do
contratar profissionais com perfil adequado ao que
cuidado pelos diversos pontos da rede de atenção
se pretende e se espera para a APS. No processo de
à saúde. Os problemas éticos relacionados à dimen-
formação dos profissionais, apesar dos recentes es-
são da gestão da APS guardam relação direta com
forços de mudança, especialmente com a expansão
a ética na gestão dos serviços de saúde, deixando
das horas de estágio na saúde da família, persiste o
patente a dificuldade de separar a ética dos cuida-
distanciamento em relação às demandas e necessi-
dos de saúde da ética na administração em saúde 18.
dades do SUS, com dificuldades para a integração de
Artigos de pesquisa

Diversos estudos têm evidenciado a existên- conhecimentos clínicos e da saúde coletiva 12.
cia de problemas relacionados à gestão do SUS 19-21. O fator ‘privacidade’ revela características pró-
Cada vez mais os serviços de saúde requerem dos prias da APS, pois a casa dos usuários torna-se exten-
municípios o bom desempenho da capacidade de são do consultório. A relação deixa de ser individual
gestão, que há de se voltar para a mudança posi- (médico-paciente) para se tornar coletiva (equipe de
tiva nos indicadores de saúde da população. Com saúde-família), enriquecendo a discussão de um tó-
isso, ganha importância a figura do gestor e de suas pico essencial à bioética, a privacidade das pessoas
decisões político-gerenciais na efetividade e eficiên- autônomas, com os problemas específicos e peculia-
cia do SUS. Os profissionais das equipes da ESF e os res deste nível da atenção. A privacidade é um prin-
gestores devem guiar sua prática pelo princípio da cípio derivado da autonomia e engloba a intimidade,
responsabilidade ética 22. a vida privada e a honra das pessoas. No trabalho
A longitudinalidade do cuidado é o segundo em equipe multiprofissional, a troca de informações
fator do IPE-APS e pode ser entendido como carac- é fundamental para a boa qualidade na assistência.
terística central e própria da atenção primária. Para Porém, as informações para os membros das equipes
Starfield 23, longitudinalidade refere-se ao acompa- hão de se limitar às necessárias para cada um realizar
nhamento do paciente, ao longo do tempo, por mé- suas atividades em benefício do usuário 28.

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312
Construção e validação do instrumento “Inventário de problemas éticos na atenção primária em saúde”

No sexto fator, ‘sigilo profissional’, levanta-se sigilo profissional que deverão observar como mé-
que a questão do segredo não está necessariamen- dicos, mas reconhecem ter dificuldades para definir
te vinculada ao contato direto entre informante e as situações nas quais é necessário partilhar infor-
ouvinte. Em função do atendimento aos usuários e mações e quando estas devem ser mantidas em se-
famílias, a informação pode ser obtida por uma ou gredo 33. Claro está que a troca de informações entre
mais pessoas e a confidencialidade deveria ser pre- usuário e profissional depende diretamente do cli-
servada, como respeito a um direito do usuário 29. ma de confiança que perpassa a relação clínica e o
Estudo brasileiro, realizado por Fortes e Spinetti 30, acolhimento do usuário no serviço 34.
constatou que os agentes comunitários de saúde Estudo com mulheres portadoras de HIV, em
preocupam-se com o princípio ético da privacidade uma região do município de São Paulo, mostrou que
e com a necessidade de manter o sigilo, como obri- elas revelam sua condição para a equipe de saúde
gação ética dos profissionais de saúde. da família somente quando estabelecem vínculo e
Ressalte-se que os últimos dois fatores guar- confiança com os profissionais. Ao contrário, quan-
dam semelhanças entre si, pois os termos ‘sigilo’ e do sentem medo e insegurança devido à alguma ati-
‘privacidade’ se confundem e os problemas éticos tude dos profissionais ou não confiam que o sigilo
descritos em ambos os domínios se entrelaçam na sobre sua condição será mantido não revelam seu
assistência, podendo ser diferentemente interpre- diagnóstico à equipe da atenção primária 35. O vín-
tados pelos profissionais – talvez por isso tenham culo, a confiança e acolhimento na relação dos ser-
apresentado os menores índices de alpha de Cron- viços e profissionais com os usuários e famílias são
bach (0,70 e 0,64, respectivamente). elementos fundamentais para a reflexão e condução
De fato, a proposta do SUS de trabalho em das questões éticas sobre sigilo e privacidade.
equipe para a atenção primária, especialmente com
a Estratégia Saúde da Família, traz questões éticas
Consideraç es nais
sobre o sigilo e a privacidade que requerem apro-
fundamento das reflexões para chegarmos a res-
postas que respeitem a dignidade e autonomia dos O IPE-APS é um instrumento original e inova-
usuários dos serviços. Entretanto, talvez a confusão dor para a proposta de desenvolver pesquisas em
que se manifestou na análise desses itens no instru- bioética com o intuito de aprofundar a reflexão acer-
mento seja reflexo de que usuários e profissionais ca dos desafios éticos na prática profissional cotidia-
ainda estão atônitos com a capilaridade proporcio- na dos serviços de saúde. Desconhece-se, até o mo-
nada pela Estratégia Saúde da Família, onde equipes mento, a existência de instrumentos semelhantes,
e profissionais penetram na privacidade dos lares, validados para medir o mesmo construto. Por isso,
na intimidade da dinâmica familiar. o IPE-APS é importante ferramenta na melhoria da
atenção à saúde. Ele facilitará a realização de estu-
Estudo de Seoane e Fortes 31 mostra divergên-
dos extensos, com grandes amostras, o que, por sua
cias nas opiniões dos usuários quanto às informa-
vez, também contribuirá para seguir na validação
ções sobre sua saúde e vida familiar que repassam
do próprio instrumento. A aplicação de um mesmo

Artigos de pesquisa
ao agente comunitário de saúde. Alguns cogitam
limitar as informações, não confiando ao agente instrumento validado em diferentes locais facilita a
sequer itens referentes a sua doença. Porém, há comparação dos achados, desde que respeitadas as
usuários que afirmam compartilhar tudo o que diz questões da adaptação cultural.
respeito a sua saúde, conscientes de que as informa- A aplicabilidade do IPE-APS mostrou-se possí-
ções serão levadas à equipe. Apesar de se perpetu- vel em diferentes circunstâncias e locais de trabalho
arem na prática cotidiana da atenção primária situa- da atenção primária, sendo um bom recurso para
ções de desrespeito à confidencialidade, as equipes pesquisadores, profissionais e gestores obterem in-
de saúde consideram que a preservação do sigilo formações sobre o perfil de problemas éticos na vi-
e privacidade dos usuários é elemento chave para são das equipes dos serviços, orientando o trabalho
ofertar um serviço de qualidade e humanizado 32. de comitês de ética, comissões de bioética e progra-
A perplexidade de todos os envolvidos nessa mas de educação continuada para a realidade local.
proposta de trabalho coletivo reflete-se na forma- O IPE-APS é um instrumento elaborado com
ção dos futuros profissionais. Estudantes de medici- um construto emanado da realidade do SUS e vali-
na reconhecem que a confidencialidade da informa- dado por meio de pesquisas qualitativas e quantita-
ção na sua experiência de aprendizagem na atenção tivas que lançaram mão de instrumentais da análise
básica é ponto essencial no desenvolvimento do de discurso, análise de conteúdo, psicometria, esta-

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313
Construção e validação do instrumento “Inventário de problemas éticos na atenção primária em saúde”

tística. Teoricamente, ancora-se na bioética delibe- tados para verificar se há influência de fatores cultu-
rativa de Diego Gracia. Após esta última pesquisa de rais, locais, sociais, de organização dos serviços de
validação do IPE-APS, com a qual chegamos a uma atenção primária nos problemas éticos vivenciados
terceira versão do instrumento, concluímos que ele e identificados pelas equipes, podendo se aquilatar
possibilita: traçar perfis confiáveis das questões éti- a interferência desses fatores, em caso positivo.
cas na APS; desencadear a reflexão das equipes e Estes estudos também poderão indicar se há
profissionais para a reformulação de atitudes pesso- diferenças locais e regionais significativas no perfil
ais e processos de trabalho. de problemas éticos da atenção primária. Com isso,
Com o IPE-APS abrem-se caminhos para no- não se defende a mera descrição dos problemas éti-
vas pesquisas na interface da bioética com a aten- cos, mas sistematizar o reconhecimento da situação,
ção primária à saúde. A relevância do instrumento com a geração de evidências, para direcionar ações
é possibilitar a realização de estudos com amostras de transformação da prática da atenção primária no
representativas de populações profissionais para sentido de torná-la mais ética, humanizada e cida-
verificar a potencialidade de generalização dos pro- dã. Localizando os pontos frágeis, no sentido ético,
blemas indicados no IPE-APS. Ademais, o uso de um da atuação das equipes de atenção primária poderá
instrumento validado em diferentes regiões, ou seja, se dirigir a formação permanente para os tópicos e
sua aplicação em estudos com múltiplos sítios para questões mais relevantes e frequentes em cada re-
coleta de dados, permitirá a comparação dos resul- alidade.

Os vários projetos desenvolvidos desde o primeiro estudo em 2000 contaram com financiamento do CNPq,
Fapesp e Capes sob a forma de auxílio à pesquisa e bolsas iniciação científica, mestrado, estágio pós-doutoral
e produtividade.

e er ncias

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Construção e validação do instrumento “Inventário de problemas éticos na atenção primária em saúde”

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articipação dos autores


José Roque Junges: coordenador do estudo em Porto Alegre, que constituiu a última fase de validação
do IPE-APS. Elma Lourdes Campos Pavone Zoboli: desenvolveu o estudo original que identificou os
Recebido: 23.2.2014
problemas éticos que compõem o IPE-APS e orientou as pesquisas que compõem as etapas anteriores
de validação do instrumento. Marcos Paschoal Patussi: pesquisador responsável pelo braço Revisado: 9.4.2014
quantitativo do estudo de Porto Alegre, para validação final e consistência interna do instrumento.
Rafaela Schaefer e Carlise Rigon Della Nora: realizaram os trabalhos de campo, estruturação dos Aprovado: 19.5.2014
bancos de dados e análise dos dados. Todos os autores contribuíram igualmente para a elaboração e
revisão final do artigo.

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315
http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222012
Itens Car as atoriais
2
1 2 3 4 5 6
ator estão da atenção primária (
40 A UBS não tem condições para realizar atendimentos de urgência 0,567 0,804
39 A UBS não oferece às equipes de saúde da família as condições para apoiar a realização de
Construção e validação do instrumento “Inventário de problemas éticos na atenção primária em saúde”

0,581 0,791
visitas domiciliares
41 Não há retaguarda de serviço de remoção, na UBS 0,479 0,766
37 Há dificuldades no sistema de referência e contrarreferência para a realização de exames
0,555 0,700
Fatores, itens, índices de confiabilidade dos fatores e cargas fatoriais dos itens

complementares
38 Há dificuldades quanto ao retorno e à confiabilidade dos resultados dos exames laboratoriais 0,566 0,680
33 Há um excesso de famílias adscritas para cada equipe da ESF 0,557 0,671
ator on itudinalidade
8 Os profissionais sentem-se impotentes para convencer o usuário a dar continuidade ao
0,454 0,755
tratamento
17 Usuários se recusam a seguir indicações médicas ou a fazerem exames 0,466 0,683
É difícil definir, na prática, o papel e as responsabilidades de cada profissional da ESF 0,538 0,626
5 Os profissionais prescrevem medicamentos que o usuário não terá dinheiro para comprar 0,468 0,563 0,382
ator rática das e uipes
Existe falta de respeito entre os membros da equipe da ESF 0,390 0,768
22 As equipes de saúde da família não colaboram umas com as outras 0,563 0,324 0,678
24 Os profissionais da equipe não apresentam perfil para trabalhar na ESF 0,632 0,349 0,626
ne o

21 Os profissionais das equipes de ESF atuam com falta de compromisso e envolvimento 0,394 0,539
ator er l pro ssional
4 Os profissionais fazem prescrições inadequadas ou erradas 0,366 0,778
2 A equipe da ESF prejulga os usuários e familiares com base em preconceitos e estigmas 0,214 0,694
3 O profissional trata o usuário com falta de respeito 0,281 0,412 0,668
ator rivacidade
12 O ACS conta a seus vizinhos informações obtidas no seu trabalho a respeito de usuários e
0,415 0,826
famílias
10 O ACS comenta informações sobre a intimidade da família e do casal com a equipe de saúde 0,307 0,324 0,764
13 O profissional conta informações sobre a saúde de um dos membros da família que ele atende
0,370 0,593
para os demais membros dessa família
ator i ilo
27 Usuários pedem a um dos membros da equipe de saúde da família que os outros membros
0,333 0,834

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 308-16


não tenham acesso a alguma informação relacionada à sua saúde
30 Usuários pedem a um dos membros da equipe de saúde da família que os outros membros
não tenham acesso a alguma informação relacionada à sua saúde, mesmo em situação em que 0,404 0,601
seja necessária a participação da família no cuidado
20 O profissional conta informações sobre a saúde de um dos membros da família que ele atende
para os demais membros dessa família, quando este não consegue gerenciar o autocuidado e 0,434 0,322 0,581
se expõe a riscos
16 Menores de idade procuram a UBS e pedem à equipe exames, medicamentos ou outros
0,374 0,354 0,319 0,528
procedimentos sem autorização e/ou conhecimento dos pais
lp a 0,85 0,70 0,76 0,72 0,70 0,64

abela
vari ncia 16,02 9,75 9,72 9,03 8,67 8,20
cumulativa 16,02 25,77 35,50 44,54 53,21 61,42

316
Artigos de pesquisa
Declaração de óbito: preenchimento pelo corpo
clínico de um hospital universitário
Luan Lucena 1, Gustavo Henrique Bocalon Cagliari 2, Julio Tanaka 3, Elcio Luiz Bonamigo 4

Resumo
Esta pesquisa analisou o preenchimento das declarações de óbito em um hospital universitário. O estudo
objetivou avaliar, em prontuários médicos, as declarações de óbito dos anos 2009 e 2011 e as dificuldades
dos médicos do corpo clínico em preenchê-las. Realizou-se pesquisa documental e aplicação de questionários
aos médicos. Das 528 declarações de óbito analisadas, 265 (50,18%) estavam incompletamente preenchidas.
Dos 34 médicos participantes, 34,14% referiram como principal dificuldade de preenchimento as mortes sem
assistência médica; 26,47% consideraram ter tido um aprendizado ruim durante a graduação e somente 50%
conheciam o documento que orienta o preenchimento da declaração. Como conclusão, infere-se a necessi-
dade de aprimorar o ensino na graduação acerca da declaração de óbito, bem como incentivar a atualização
médica sobre este importante aspecto.
Palavras-chave: Declaração de óbito. Epidemiologia. Causas de morte. Indicadores de morbimortalidade.

Resumen
Certificado de defunción: cumplimentación por el Cuerpo Médico en un hospital universitario
Esta investigación analizó la cumplimentación de los certificados de defunción en un hospital universitario. El
objetivo fue evaluar, en registros médicos, los certificados de defunción de los años 2009 y 2011 y las dificul-
tades para el personal médico en cumplimentarlos. Se realizó la investigación documental y encuestas a los
médicos. De los 528 certificados de defunción analizados, 265 (50,18%) fueron incompletamente cumplimen-
tados. De los 34 médicos participantes, el 34,14% apuntó que la principal dificultad en la cumplimentación
fueron las muertes sin asistencia médica; el 26,47% consideró escasa su aprendizaje durante la graduación y;
sólo el 50% conocía el documento guía que orienta la cumplimentación del certificado. En conclusión, se in-
fiere la necesidad de perfeccionar la enseñanza en el pregrado acerca del Certificado de Defunción, así como
promover la actualización médica sobre este importante aspecto.
Palabras-clave: Certificado de defunción. Epidemiología. Causas de muerte. Indicadores de morbimortalidad.

Abstract
Death certificate: filling by the Medical Staff of a university hospital
This investigation analyzed the contents from Death Certificates filled in by a University Hospital. The study ai-
med to evaluate in medical records the death certificates of the years 2009 and 2011, in the database, and the
difficulties of the medical clinical staff to fill them in. A documental research was done as well as interviews
with the doctors. In the 528 death certificates analyzed, it was found that 265 (50.18%) were incomplete.

Artigos de pesquisa
From the 34 clinical physicians who answered the questionnaire, 34.14% reported that deaths without medi-
cal assistance constitute the major difficulty in filling the document; 26.47% mentioned that they believe their
learning during the undergraduate course was not good, and only half of them knew the guideline to fill in the
certificate. In conclusion, it is inferred the need to improve the teaching during de undergraduate course and
encourage the updating of doctors when it comes to this important aspect.
Key words: Death certificates. Epidemiology. Cause of death. Indicators of morbidity and mortality.

Aprovação CEP Unoesc no 40194

1. Graduando luanlucena@icloud.com 2. Graduando gustavocagliari@yahoo.com.br 3. Mestre julioakeotanaka@yahoo.com.br 4.


Doutor elcio.bonamigo@unoesc.edu.br – Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) Campus de Joaçaba, Joaçaba/SC, Brasil.

Correspondência
Elcio Luiz Bonamigo – Rua Francisco Lindner, 310 CEP 89600-000. Joaçaba/SC, Brasil.

Declaram não haver conflito de interesse.

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222013 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 317-24


317
Declaração de óbito: preenchimento pelo corpo clínico de um hospital universitário

As informações provenientes das declarações Método


de óbito (DO) e do Sistema de Informações sobre
Mortalidade (SIM) 1 são fundamentais para o plane-
Trata-se de estudo quantitativo, retrospectivo
jamento de ações públicas, o desenvolvimento da
e transversal nas declarações de óbito de pacientes
gestão da saúde e a realização de estudos epidemio-
falecidos no Hospital Universitário Santa Terezinha,
lógicos. A implantação do SIM pelo Ministério da
em Joaçaba/SC, durante os anos de 2009 e 2011. A
Saúde (MS) 2, em 1975, que utiliza os dados constan-
escolha desses anos para a realização do estudo de-
tes nas DO, representou considerável avanço na pro-
veu-se à existência de outro estudo desenvolvido no
dução de informações sobre mortalidade no Brasil.
mesmo hospital 6, concluído em 2010: um trabalho
Ressalte-se que a criação desse sistema foi motivada
de conclusão de curso que encontrou elevada frequ-
pela necessidade de informações completas acerca
ência de inadequações no preenchimento das decla-
dos óbitos ocorridos no país. Essas informações per-
rações de óbito, sobretudo quanto ao uso de termos
mitem realizar análises e estudos especiais para de-
inadequados, cujos resultados foram levados ao co-
tectar e corrigir tanto o sub-registro de dados como
nhecimento dos principais responsáveis da institui-
as deficiências de qualidade da informação 3.
ção. Desta forma, presumiu-se que as declarações
A utilização da DO padronizada, para óbitos de óbito do ano 2011, posteriores ao citado estudo,
fetais e não fetais, implantada nacionalmente pela estariam mais adequadamente preenchidas do que
Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 4, permitiu a as precedentes, de 2009. A coleta foi realizada na Se-
uniformização nacional dos dados e facilitou a dis- cretaria de Saúde do Município de Joaçaba/SC, onde
ponibilização de informações de interesse para o as DO são armazenadas, sendo excluídas da pesquisa
setor saúde. Considerado o instrumento padroniza- as originárias de outros hospitais e/ou localidades.
do que alimenta o SIM, a DO possibilita a obtenção
Os dados foram colhidos nas declarações de
de estatísticas de melhor qualidade sobre as causas
óbito originais, diretamente encaminhadas pelo
de morte no Brasil. Contudo, isto supõe o preenchi-
hospital à secretaria de saúde, previamente a quais-
mento correto, para que a proporção dos óbitos por
quer alterações posteriormente feitas pelos respon-
causas mal definidas, decorrentes de preenchimen-
sáveis para fins de arquivamento e organização dos
to incompleto ou inadequado, seja reduzida. Assim,
dados. Foram consideradas declarações de óbito
declarações de óbito adequadamente preenchidas
corretas as que apresentavam todos os itens (de II a
são essenciais para aprimorar a qualidade dos da-
VII) adequadamente preenchidos. A coleta foi apro-
dos estatísticos sobre a mortalidade da população
vada e supervisionada pelo responsável do setor na
de um país.
secretaria municipal de saúde e pelo comitê de ética
O preenchimento das declarações de óbito em pesquisa.
constitui responsabilidade ética e jurídica 4 do mé-
Com o objetivo de identificar e analisar os pro-
dico que assina o documento, como previsto nos
blemas relatados pelos médicos no preenchimento
artigos 82 e 83 do Código de Ética Médica de 2009
5
das declarações de óbito foi aplicado, aos partici-
. Porém, é possível que o preenchimento possa es-
pantes do corpo clínico do hospital, um questionário
tar sendo interpretado como exigência meramente
com 15 questões fechadas. Para a análise dos da-
Artigos de pesquisa

legal e burocrática, sem receber a devida atenção


dos, foram utilizadas planilhas do programa Excel e
dos responsáveis quanto à importância dos dados a
o sistema computacional BioEstat 4.0 com nível de
serem registrados. Tendo em vista essa situação, o
significância de p<0,05.
principal objetivo desta pesquisa foi analisar o pre-
enchimento das declarações de óbito em um hos-
pital universitário e obter informações dos médicos Resultados
sobre o conhecimento e a dificuldade de preenchi-
mento, buscando contribuir para a superação des-
ses entraves e, consequentemente, para a melhoria Em relação ao preenchimento, das 298 decla-
dos indicadores de mortalidade. rações de óbito de 2009 analisadas, 205 (68,79%)

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Declaração de óbito: preenchimento pelo corpo clínico de um hospital universitário

apresentavam preenchimento completo e 93 Em números totais, foram analisadas 528 declara-


(31,21%), incompleto. Em 2011, das 230 DO ana- ções de óbito, 263 (49,81%) completamente preen-
lisadas 58 (25,21%) apresentavam preenchimento chidas e 265 (50,18%) com preenchimento incom-
completo e 172 (74,79%), incompleto (p<0,001). pleto (Tabela 1).

Tabela 1. Preenchimento das declarações de óbito nos anos de 2009 e 2011


Anos (%)
2009 2011 Total
Preenchimento
n (%) n (%) n (%)
Completo 205 (68,79) 58 (25,21) 263 (49,81)
Incompleto 93 (31,21) 172 (74,79) 265 (50,18)
Total (%) 298 (100) 230 (100) 528 (100)
(p<0,001)

Ao correlacionar os médicos subscritores das 24 (10,42%) por médicos substitutos, 12 (5,22%) por
declarações de óbito com os anos de 2009 e 2011, médicos legistas, 12 (5,22%) por outros médicos e
em um modelo que os dividiu nas categorias médico 27 (11,74%) não estavam preenchidas. As variações
assistente, substituto, médico legista (IML), outros mostraram significância estatística (p<0,001). Em
e não preenchidas, verificou-se que 267 (89,60%)
números totais, 422 (79,92%) DO foram assinadas
DO foram assinadas em 2009 por médicos assisten-
tes, 13 (4,30%) por médicos substitutos, 3 (1%) por por médicos assistentes, 37 (7%) por médicos subs-
médicos legistas, 12 (4,10%) por outros médicos e titutos, 15 (2,84%) por legistas, 24 (4,54%) por ou-
3 (1%) não estavam preenchidas. Em 2011, 155 tros médicos e 30 (5,68%) não estavam preenchidas
(67,40%) foram assinadas por médicos assistentes, (Tabela 2).

Tabela 2. Categorias dos médicos assinantes das declarações de óbito nos anos de 2009 e 2011
Anos (%)
2009 2011 Total
Médico
n (%) n (%) n (%)
Assistente 267 (89,60) 155 (67,40) 422 (79,92)
Substituto 13 (4,30) 24 (10,42) 37 (7)
Legistas (IML) 3 (1,00) 12 (5,22) 15 (2,84)
Outros 12 (4,10) 12 (5,22) 24 (4,54)

Artigos de pesquisa
Não preenchidas 3 (1,00) 27 (11,74) 30 (5,68)
Total (%) 298 (100) 230 (100) 528 (100)
(p<0,001)

O uso de termos vagos ou inadequados foi mos vagos ou inadequados, sendo “parada cardior-
visto em 19 (6,37%) das 298 DO de 2009, sendo a respiratória” (5 - 2,17%) o mais frequente. No total,
“parada cardiorrespiratória” (10 - 3,35%) e “falência das 528 DO examinadas, 34 (6,43%) apresentavam
múltipla de órgãos” (3 - 1%) os mais utilizados. No termos vagos ou inadequados, prevalecendo “para-
ano 2011, das 230 DO 15 (6,52%) apresentavam ter- da cardiorrespiratória” em 15 (2,84%).

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Declaração de óbito: preenchimento pelo corpo clínico de um hospital universitário

Um total de 34 (62,9%) dos 54 médicos do cor- Tabela 3. Principais dificuldades no preenchimento


po clínico participou da pesquisa. Em relação ao co- da declaração de óbito
nhecimento sobre o documento do Conselho Federal Dificuldade p/preenchimento DO No (%)
de Medicina (CFM)/Ministério da Saúde intitulado A
Óbito em recém-nascidos 3 (7,31)
declaração de óbito: documento necessário e impor-
tante, verificou-se que dos 34 (100%) médicos parti- Óbito de causa violenta 5 (12,19)
cipantes 16 (47,0%) o conheciam, 14 (41,2%) o des- Óbito sem assistência 14 (34,14)
conheciam e 4 (11,8%) abstiveram-se de responder.
Relatório sobre amputação de membros 3 (7,31)
Quanto ao uso de termos não recomendados Causa básica, intermediária e imediata ou
– como “parada cardíaca”, “parada cardiorrespi- 10 (24,39)
terminal
ratória” ou “falência de múltiplos órgãos” – para o
Outra causa 2 (4,87)
preenchimento de causa básica nas declarações de
óbito, verificou-se que 13 (38,2%) dos 34 médicos Não responderam 4 (9,75)
participantes os utilizavam, 17 (50%) não os utiliza-
vam e 4 (11,8%) não responderam. Quanto ao conhecimento sobre o preenchi-
Ao se indagar os médicos sobre as maiores mento da declaração de óbito em relação ao tempo
dificuldades no preenchimento das declarações de de formação médica, os resultados evidenciaram
óbito, em uma questão que permitia assinalar mais que 13 (38,23%) médicos com tempo de formação
de uma causa, verificou-se que 14 (34,14%) tinham até 20 anos consideraram seu aprendizado bom ou
dificuldade no preenchimento de óbitos sem assis- muito bom; 11 (32,25%), aceitável e 3 (8,82%), ruim.
tência médica; 10 (24,39%), no preenchimento da
Com o tempo de formação entre 21 e 45 anos, 3
causa básica, intermediária e imediata ou terminal
(8,82%) dos médicos consideraram seu aprendizado
da morte; 5 (12,19%), no preenchimento de óbitos
de causa violenta; 3 (7,31%), no preenchimento de bom; 3 (8,82%), aceitável e apenas 1 (2,94%) muito
declarações de recém-nascidos (com menos de 500 ruim (p=250). Em números totais, 16 (47,02%) mé-
gramas); 3 (7,31%), nas amputações de membros; 2 dicos consideraram seu aprendizado muito bom ou
(9,75%), em outras causas e 4 (9,75%) não respon- bom; 14 (41,18%), aceitável e 4 (11,76%), ruim ou
deram (Tabela 3). muito ruim (Tabela 4).

Tabela 4. Conhecimento atual e tempo de formação médica


Tempo de formação
Até 20 anos 21-45 anos Total
Conhecimento atual
n (%) n (%) n (%)
Muito bom 1 (2,94) 0 1 (2,94)
Bom 12 (35,29) 3 (8,82) 15 (44,12)
Artigos de pesquisa

Aceitável 11 (32,35) 3 (8,82) 14 (41,18)


Ruim 3 (8,82) 0 3 (8,82)
Muito ruim 0 1 (2,94) 1 (2,94)
Total (%) 27 (79,42) 7 (20,58) 34 (100)
(p=0,250)

Discussão No entanto, outro estudo desenvolvido em Belo


Horizonte 8 mostrou número bem mais elevado de
Menos da metade das declarações de óbito preenchimentos incompletos. Foram examinadas
examinadas neste estudo (49,81) foi preenchida de 282 DO de duas instituições: 141 (50%) provinham
forma completa (Tabela 1). Estudo realizado no Rio do serviço de cardiologia do Hospital de Base (HB)
de Janeiro com 806 declarações de óbito 7 apresen- e 141 (50%), do Serviço de Verificação de Óbitos
tou resultado semelhante: somente 52,3% das DO (SVO). Erros ou falhas de preenchimento ocorreram
examinadas estavam corretamente preenchidas. em 100% das DO provenientes do grupo HB e em

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320
Declaração de óbito: preenchimento pelo corpo clínico de um hospital universitário

88,08% do grupo SVO. Resultados similares também que entrevistaram 18 médicos e apenas 40% afirma-
foram encontrados em estudo realizado em Belém, ram conhecer o documento. Dessa forma, apesar de
no qual 98,7% das DO apresentavam pelo menos haver essa bem elaborada instrução, o desconheci-
um equívoco de preenchimento 9. Níveis elevados mento de sua existência é bastante alto, dificultan-
de causas mal definidas colocam em discussão a do o preenchimento adequado.
qualidade das informações das declarações de óbi- Em relação ao uso de termos não recomenda-
tos e a consistência do uso desses dados para certas dos – como “parada cardíaca”, “parada cardiorres-
unidades geográficas 10. piratória” ou “falência de múltiplos órgãos” – para
Assim como ocorreu no presente estudo, os o preenchimento de causa básica nas declarações
problemas no preenchimento costumam aparecer de óbito, parte dos médicos (38,2%) declarou fazer
com clareza em todos os itens existentes da decla- uso. No presente estudo foram entrevistas apenas
ração de óbito, desde os dados de identificação, 34 (6,43%) DO com uso de termos vagos ou inade-
história gestacional da mãe, até mesmo nas causas quados, sendo a “parada cardiorrespiratória” em 15
de morte, sendo reforçados quando óbitos ocorrem (2,84%) documentos a ocorrência mais frequente.
sem assistência médica 7. O documento do CFM/MS 2 desestimulou o uso
Na instituição em que se realizou o presente desses termos no preenchimento das causas básicas
trabalho ficou evidente que a divulgação interna, do óbito. Outras pesquisas apresentaram índices
em 2010 6, dos resultados de um trabalho de con- mais elevados de termos vagos ou inadequados. O
clusão do curso de medicina, que apontou falhas de citado estudo realizado em Belo Horizonte demons-
preenchimento das DO e teve em sua banca a parti- trou que os termos “choque” (35%), “insuficiência
cipação um dos responsáveis pela UTI, não surtiu o respiratória” (30%), “parada cardiorrespiratória”
efeito desejado na melhora no preenchimento. Ao (10%) e “falência múltipla de órgãos” (5%) foram uti-
se examinar os resultados de 2009 verificou-se que lizados como causas básicas de morte 12. Na pesqui-
das 298 declarações de óbito existentes 205 (68,9%) sa realizada em Belém a utilização de termos vagos
foram corretamente preenchidas. No ano 2011, ao – “insuficiência respiratória”, “parada cardiorrespira-
contrário do que se esperava, das 230 declarações tória” e “falência múltipla de órgãos” – foi localizada
de óbito apenas 58 (25,21%) foram corretamente em 55% das DO 9, bastante superior ao verificado
preenchidas (Tabela 1). na presente pesquisa. Na África do Sul, um estudo
realizado em 304 declarações de óbitos hospitalares
Para tentar identificar as causas da piora do deparou com o diagnóstico inadequado de “parada
preenchimento foram examinadas as categorias cardiorrespiratória” em número ainda maior: 78,9%
profissionais dos médicos responsáveis pelo preen- dos casos 13.
chimento nos dois períodos. Observou-se que em
2009 89,60% das DO foram preenchidas por mé- Na análise dos dados, ficou evidenciado que
a maioria dos médicos participantes (58,53%) re-
dicos assistentes, índice que em 2011 decaiu para
latou dificuldade no preenchimento da declaração
67,40% (p<0,001). Assim, inferiu-se que o preenchi-
em caso de óbito sem assistência médica e nos itens
mento da DO por menor número de médicos assis-

Artigos de pesquisa
relativos à causa básica, intermediária e imediata
tentes possa ter contribuído para a piora do preen-
ou terminal da morte. Resultado similar foi visto no
chimento das DO no ano 2011 (Tabela 2).
estudo desenvolvido em Belo Horizonte 12, no qual
Diversos fatores podem contribuir para o pre- 68% dos médicos relataram alguma dificuldade no
enchimento incorreto da DO, tais como a assistên- preenchimento. Naquele trabalho as principais di-
cia médica prestada no momento do óbito, o tipo ficuldades apontadas foram: grande quantidade de
de serviço utilizado pelo paciente no momento do campos a serem preenchidos (31%), morte violenta
óbito (emergência, UTI, obstetrícia, clínica médica) (16%), explicações pouco claras sobre o preenchi-
e, ainda, se o profissional que prestou a assistência mento (11%), imposição de cartórios (5%) e preen-
não foi o mesmo que preencheu a declaração de chimento na condição de médico substituto (5%).
óbito 11. O médico não assistente possui obviamente
Em relação ao conhecimento adquirido du-
menos informações e conhecimento sobre o pacien-
rante a graduação sobre DO, aproximadamente a
te, desfavorecendo o preenchimento completo. metade dos médicos considerou bom ou muito bom
Quanto ao conhecimento do documento do (47%). Os demais o classificaram como aceitável,
Ministério da Saúde e do Conselho Federal de Me- ruim ou muito ruim, evidenciando a necessidade de
dicina, verificou-se que 47,02% o conheciam. Este enfatizar o conhecimento desse estudo durante a
resultado aproxima-se do visto por outros autores 12 graduação médica. Não houve diferenças de conhe-

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321
Declaração de óbito: preenchimento pelo corpo clínico de um hospital universitário

cimento sobre o preenchimento das declarações de preenchê-la correta e completamente, seja no deta-
óbito quando se comparou os grupos por tempo de lhamento da causa básica de morte seja na sequên-
formação (p=0,250). Entretanto, deve ser levado em cia de eventos e no uso de termos precisos.
consideração o viés advindo do componente subjeti- Embora o preenchimento do médico seja de-
vo de uma autoavaliação, haja vista que outros estu- signado na Lei 6.015/73 como atestado, a designação
dos apontaram para problemas mais frequentes no do documento contendo as informações completas a
preenchimento feito por médicos mais jovens 14,15. serem encaminhadas ao cartório e à secretaria mu-
Estudo desenvolvido em Fortaleza 16 eviden- nicipal de saúde foi consagrada com a denominação
ciou expressiva redução das causas mal definidas declaração de óbito pela Lei 11.976/09 4,19. A neces-
nas declarações de óbitos de 2003 a 2008. Na pre- sidade de maior ênfase ao ensino sobre a declaração
missa de aperfeiçoar o preenchimento das DO, e de óbito, para seu correto preenchimento, ficou evi-
consequentemente as informações do SIM, reco- dente nesta lei 4 que enfatiza tanto a origem médica
mendou maior integração entre serviço e ensino do documento como sua finalidade estatística, cujo
médico, propiciando melhor aprendizado do aluno interesse médico-sanitário é destacado por vários
e entendimento da importância dos dados epide- autores 19,20. Para maior amplitude de efeito e eficá-
miológicos. Além disso, o estudo propõe integrar os cia no preenchimento, a Resolução CFM 1.779/05 21
diferentes sistemas de informação disponíveis, com- especificou que a declaração de óbito seja preenchi-
por um grupo técnico para análise do SIM e promo- da pelo médico assistente ou substituto, também po-
ver parcerias com o conselho regional de medicina e dendo ser fornecida por um médico designado pela
secretarias de saúde. instituição e, em caso de morte violenta ou suspeita,
No âmbito internacional, estudo realizado com pelos médicos legistas.
317 médicos do Qatar 14 verificou que apenas 22,7% As falhas identificadas no preenchimento
haviam recebido treinamento anterior sobre decla- apontaram para a necessidade de maior incentivo
ração de óbito e as principais dificuldades que apon- do estudo das declarações de óbito durante a gradu-
taram foram o preenchimento em casos complica- ação 14,15 e pós-graduação, bem como de se promo-
dos (47,3%) e a falta de treinamento (43,55%). Outro ver atividade relacionada em eventos para médicos,
interessante estudo realizado na Austrália 17 sugere a cujos resultados são efetivos mesmo quando cursa-
realização de workshops para treinamento dos mé- dos uma única vez 16,17. A alegação feita por alguns
dicos no preenchimento de declarações de óbito. médicos de que o documento é de preenchimento
A pesquisa mostrou que o índice de acertos passou complicado pode ser atribuída à pouca informação
de 33,3%, antes do treinamento, para 69,2% após o recebida. No entanto, o preenchimento, cada vez
treinamento. Em Taiwan 15, uma pesquisa inferiu su- em maior número, por médicos não assistentes
gestão semelhante, mas os autores evidenciaram a pode estar constituindo uma dificuldade superve-
necessidade de promover treinamento direcionado niente que contribui para o preenchimento incom-
aos médicos mais jovens e de hospitais com baixa pleto ou inadequado das DO.
ou nenhuma atividade de ensino, onde a deficiência
O esforço conjunto do CFM e do MS para elabo-
de preenchimento era maior. Neste amplo estudo fo-
Artigos de pesquisa

rar documento voltado a orientar e normatizar 2, em


ram estudadas 4.123 declarações de óbito, das quais
linguagem simples, visou fortalecer o compromisso
somente 61% estavam corretamente preenchidas.
do médico com o correto e importante preenchimen-
Estudo realizado em Recife 18 aventou que a to da declaração de óbito. Contudo, para que este ob-
deficiência de qualidade do preenchimento dos re- jetivo seja alcançado, a divulgação dessa orientação
gistros contidos nas DO remonta ao curso de gra- precisa ocorrer com maior intensidade, não somente
duação médica, decorrendo da pouca importância na graduação e pós-graduação, mas também a todos
creditada ao conhecimento dos dados como fon- os médicos no exercício da profissão.
te de informação para a saúde da população. Essa
distorção prejudica a compreensão dos registros
gerados por esse valioso instrumento de coleta de Considerações finais
informações.
Desta forma, presume-se como necessário, A metade das declarações de óbito analisadas
durante a graduação, a pós-graduação e o exercício estava incompletamente preenchida e, ao contrário
profissional, propiciar maior quantidade de infor- do esperado, houve piora do número de preenchi-
mação aos médicos sobre a importância da decla- mentos completos durante o ano 2011 em relação
ração de óbito, ensinando-lhes, sobretudo, como ao ano 2009 (p<0,001).

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322
Declaração de óbito: preenchimento pelo corpo clínico de um hospital universitário

Os resultados desta pesquisa contrastam com a lhos de medicina, Ministério da Saúde e outras insti-
importância epidemiológica do preenchimento desses tuições afins promovam em seus eventos workshops
dados para as políticas públicas de saúde do país e sobre o preenchimento de declaração de óbito – cuja
apontam para a necessidade de se aprimorar o ensi- eficácia no índice de acertos transparece nos resulta-
no sobre a declaração de óbito. Infere-se que a abor- dos dos testes de quem participa uma única vez.
dagem deste tema durante a graduação médica deva
ocorrer não somente em Medicina Legal, mas longitu- Em conclusão, o ensino sobre a declaração de
dinalmente no teor de outras disciplinas, incluindo-se óbito durante a graduação médica, pós-graduação e
a Ética Médica pelos aspectos morais envolvidos no exercício profissional do médico precisa ser incentiva-
preenchimento. Neste contexto, a orientação formula- do e as orientações existentes serem divulgadas com
da pelo CFM/MS – denominada A declaração de óbito: maior eficácia. Outros estudos serão necessários para
documento necessário e importante 2 – insere-se como identificar as falhas na formação médica e as dificulda-
uma fonte de estudos para a graduação e de consulta des que ocorrem durante o exercício profissional, para
para os profissionais. Propõe-se ainda que os conse- que sejam apontadas soluções mais abrangentes.

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Declaração de óbito: preenchimento pelo corpo clínico de um hospital universitário

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responsabilidade médica no fornecimento da Declaração de Óbito. Revoga a Resolução
CFM no 1779, de 11 de novembro de 2005. Regulamenta a responsabilidade médica no
fornecimento da Declaração de Óbito. Revoga a Resolução CFM n. 1601/2000. Diário
Oficial da União. 5 dez. 2005;Seção I:121.
Recebido: 24.3.2014

Participação dos autores Revisado: 5.5.2014


Luan Lucena e Gustavo Henrique Bocalon Cagliari participaram do desenho do estudo, da coleta
Aprovado: 11.6.2014
e interpretação dos dados e redação do artigo. Julio Tanaka co-orientou a pesquisa, participou da
interpretação dos dados e redação do artigo. Elcio Luiz Bonamigo coordenou a pesquisa, participou
do desenho do estudo, da interpretação dos dados e da redação do artigo.
Artigos de pesquisa

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324
Compreensão e legibilidade do termo de
consentimento livre e esclarecido em pesquisas
clínicas
Eurípedes Rodrigues Filho 1, Mauro Machado do Prado 2, Cejane Oliveira Martins Prudente 3

Resumo
Este artigo é uma revisão integrativa da literatura cujo objetivo foi analisar a compreensão e a legibilidade de
termos de consentimento livre e esclarecido de participantes de pesquisas que envolvem seres humanos; e
verificar quais são os fatores que influenciam sua compreensão e legibilidade. Por conseguinte, pretendeu-se
verificar os fatores associados ao problema da obtenção de consentimento válido. Integram a amostra desta
revisão onze artigos selecionados, nacionais e internacionais, dos quais quatro em Português (36,36%), um em
Espanhol (9,10 %) e seis em Inglês (54,54%). Concluiu-se que a maioria dos estudos analisados confirma a hi-
pótese de que os participantes não compreendem o que leem no termo de consentimento livre e esclarecido.
Logo, os fatores inferidos como responsáveis pela dificuldade de leitura e compreensão dos termos de consen-
timento livre e esclarecido foram o nível de escolaridade dos participantes e a linguagem utilizada nos termos.
Palavras-chave: Consentimento livre e esclarecido. Leitura-Compreensão.

Resumen
La comprensión y la legibilidad del Consentimiento Libre, Previo e Informado en investigaciones clínicas
Este artículo es una revisión integradora de la literatura cuyo objetivo fue analizar la comprensión y la legibili-
dad de los Consentimientos Libres, Previos e Informados de los participantes de las investigaciones con seres
humanos; y comprobar cuáles son los factores que influyen en su comprensión y legibilidad. Por lo tanto, se
buscó identificar los factores asociados con el problema de la obtención del consentimiento válido. Forman
parte de la muestra de esta revisión once artículos seleccionados, nacionales e internacionales, de los cuales
cuatro eran en portugués (36, 36%), uno en español (9,10%) y seis en inglés (54,54%). Se concluyó que la
mayoría de los estudios analizados confirma la hipótesis de que los participantes no entienden lo que leen en
el Consentimiento Libre, Previo e Informado. Así, los factores deducidos como responsables de la dificultad
para la lectura y la comprensión de los Consentimientos Libres, Previos e Informados fueron el nivel educativo
de los participantes y el lenguaje usado en los términos.
Palabras-clave: Consentimiento informado. Lectura-Comprensión.

Abstract
Comprehension and readability of the informed consent form in clinical research
This article is an integrative literature review whose aims were to analyze the understanding and readability

Artigos de pesquisa
of Informed Consent Forms applied to participants of researches involving humans, and to check the factors
that influence their understanding and readability. Therefore, it intended to identify factors associated with
the problem of obtaining a valid consent. The sample included eleven articles selected for this review, natio-
nal and international, four of which were in Portuguese (36,36%), one in Spanish (9,10%) and six in English
(54,54%). It was concluded that most of the studies analyzed confirms the hypothesis that the participants
do not understand what they read in the Informed Consent Form. Thus, the factors inferred as responsible
for the difficulty in reading and understanding the Informed Consent Forms were the educational level of the
participants and the language used in the terms.
Key words: Informed consent. Reading-Comprehension.

1. Mestrando euripedesrodrigues@hotmail.com – Pontifícia Universidade Católica de Goiás/GO, Brasil. 2. Doutor mauromachadodoprado@


gmail.com – Universidade Federal de Goiás, Goiânia/GO, Brasil. 3. Doutora cejanemp@hotmail.com – Pontifícia Universidade Católica de
Goiás e Universidade Estadual de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.

Correspondência
Eurípedes Rodrigues Filho – Rua 25-A, 470, Qd. 61 A, Lt 17, apto.601, Cond. Residencial Vienna, Setor Aeroporto CEP 74070-150. Goiânia/
GO, Brasil.

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325
Compreensão e legibilidade do termo de consentimento livre e esclarecido em pesquisas clínicas

Declaram não haver conflito de interesse. ma da própria legislação de países, a partir de sua
unânime aceitação mundial 4. O que sempre se teme
rigem e ist rico com as tentativas de mudanças neste documento,
como ocorreu com a decisão de Seul de 2008, é que
este patrimônio da humanidade possa perder a au-
Pode-se dizer, de modo sucinto, que na atu-
toridade moral conquistada em todos os mais de 40
alidade a importância do uso do termo de consen-
anos em que foi referencial nos estudos clínicos para
timento livre e esclarecido (TCLE) na pesquisa com
pesquisadores, universidades, laboratórios, empre-
seres humanos em todo o mundo deveu-se às atro-
sas, revistas científicas e nações em todo o mundo.
cidades cometidas por cientistas nos campos de
concentração na Alemanha nazista e que o primeiro Ante diversos casos de manipulação (inclusão
documento de princípios éticos relacionado à pes- em pesquisa sem o consentimento informado), nos
quisa foi o Código de Nüremberg, de 1947. Este do- quais pessoas enfermas vulneráveis eram usadas
cumento esclarece, em seu primeiro parágrafo, que como sujeitos de experimentação, alguns dos quais
o consentimento voluntário do ser humano é absolu- vieram a público nos Estados Unidos da América
tamente essencial. Isso implica que as pessoas sub- (EUA) na década de 70, o Congresso americano de-
metidas ao experimento devem ser legalmente ca- signou uma comissão, em 1974, para a elaboração
pazes de dar consentimento, isto é, devem exercer o de um estudo completo, que identificasse os prin-
livre direito de escolha, sem qualquer intervenção de cípios éticos que deveriam nortear as pesquisas
elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia biomédicas que envolvessem seres humanos. Após
ou outra forma de restrição posterior e devem ter quatro longos anos de reflexão e pesquisa, surgiu o
conhecimento suficiente sobre aspectos relevantes que se denominou Relatório Belmont, com o esta-
do estudo para tomarem sua decisão 1. belecimento dos seguintes princípios éticos básicos:
No ano seguinte, foi elaborada a Declaração beneficência (atenção aos riscos e benefícios); res-
Universal dos Direitos Humanos, da Assembleia Ge- peito pelas pessoas (necessidade do consentimento
ral das Nações Unidas, que reafirmou, em seu pre- informado); e justiça (equidade quanto aos sujeitos
âmbulo, a noção de dignidade da pessoa humana, da pesquisa). Estes princípios se tornaram clássicos
configurando-se, também, como marco para a pro- no âmbito dos estudos e práticas da bioética 5.
moção da justiça, da liberdade e da igualdade de di- Em relação aos TCLE, é ponto pacífico na lite-
reitos entre todas as pessoas 2. Posteriormente, sur-
ratura biomédica que existem dois tipos de consen-
giu a Declaração de Helsinque, da Associação Médica
timento: um utilizado na assistência à saúde e outro
Mundial, em 1964, que estabelece recomendações
em pesquisas que envolvem seres humanos 6. Este
acerca das pesquisas que envolvem seres humanos.
estudo enfocará o segundo tipo de TCLE, consideran-
No que concerne ao TCLE, a Declaração de Hel- do que, em um contexto de processo de obtenção
sinque afirma que: a) a pesquisa clínica em um ser do consentimento do participante da pesquisa, este
humano não pode ser empreendida sem seu livre é o documento mais importante para a avaliação éti-
consentimento, depois de totalmente esclarecido –
Artigos de pesquisa

ca de um projeto de pesquisa que envolve seres hu-


caso legalmente incapaz, deve ser obtido o consenti- manos, por um comitê de ética em pesquisa (CEP).
mento do responsável legal; b) o paciente da pesqui- Vale ressaltar que, para os CEP que analisam estu-
sa clínica deve estar em estado mental, físico e legal dos que envolvem seres humanos em nosso país, os
que o habilite a exercer plenamente seu poder de princípios éticos norteadores para a tomada de deci-
decisão; e c) o consentimento, como é norma, deve são ética estão elencados na Resolução 466/12, do
ser dado por escrito. Entretanto, a responsabilidade
Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde.
da pesquisa clínica é sempre do pesquisador e nunca
Ressalta-se que, conforme bem estabelecido nessa
recai sobre o paciente, mesmo após ter sido obtido o
resolução, as recomendações discorrem sobre um
seu consentimento 3.
processo de obtenção da anuência do participante
Essa declaração é constantemente revisada da pesquisa, em que se visa garantir seus direitos e
pela Associação Médica Mundial, tendo a última deveres, tendo-se o documento TCLE como medida
sido realizada em 2013, na cidade de Fortaleza, Bra- fundamental – no presente estudo discutido sob os
sil 3. Um estudo crítico afirma que a Declaração de aspectos de compreensão e legibilidade 7.
Helsinque, pela força histórica alcançada, acabou se
tornando um documento normativo global, tomado
como referência moral e colocado muitas vezes aci- Conceito e componentes

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326
Compreensão e legibilidade do termo de consentimento livre e esclarecido em pesquisas clínicas

Como condição indispensável na pesquisa com sigilo e a privacidade dos participantes durante todas
seres humanos e na relação pesquisador-participante as fases da pesquisa; f) assegurar que cada participan-
da pesquisa, o TCLE se constitui como decisão volun- te receberá uma via do TCLE; g) garantir o reembolso
tária. Essa decisão deve ser tomada por pessoa dotada das despesas dos participantes, quando for pertinen-
de capacidade e autonomia, tendo, ainda, como crité- te; e h) assegurar indenização por eventuais danos de-
rio de validade, a pré-existência de processo informa- correntes da pesquisa 11.
tivo. Esta mesma decisão visa a aceitação ou não de
tratamento específico ou participação em pesquisa de
experimentação, devendo o participante estar ciente Compreensão e legibilidade
da natureza, objetivos, riscos e consequências de-
correntes de sua aceitação. Trata-se de conceituação Para facilitar a adequação vocabular na redação
apresentada por Saunders, Baum e Houghton, citados do TCLE, Rossi, Goldim e Francisconi publicaram, em
por Clotet 8. Língua Portuguesa, um glossário de termos relaciona-
O TCLE não é apenas simples folha de papel dos à área da saúde, em linguagem coloquial simples 12.
na qual o pesquisador expressa por escrito um con- Tal glossário permite aos pesquisadores elaborar ter-
vite para que alguém dê sua anuência em participar mos de consentimento mais bem adaptados à com-
de uma pesquisa. É um documento complexo, que se preensão leiga, facilitando, então, a comunicação com
desdobra em vários elementos, transformando sua o participante. A compreensão do TCLE tem relação
proposição em um processo de esclarecimento e res- com a facilidade/velocidade de leitura e apreensão do
peito à dignidade da pessoa humana. Para fins de pes- sentido do texto, fatores que têm estreita relação com
quisa, o TCLE apresenta estrutura lógica, baseada nos a forma de escrita e do vocabulário utilizado.
elementos do seu conceito. A legibilidade se refere ao tamanho, tipo e cor
Os elementos do conceito dividem-se em dois de letra na formatação das palavras e construção das
componentes: de informação e de consentimento. O frases, bem como espaçamento e alinhamento do pa-
componente de informação pretende mostrar todas rágrafo e outros elementos da apresentação textual
13
as etapas concernentes à pesquisa, considerando os . A compreensão e a legibilidade devem ser parte
riscos e os benefícios, almejando a compreensão da- fundamental de um TCLE. Não há tomada de decisão
quilo que é mostrado. Por sua vez, o componente de autônoma sem compreensão adequada daquilo que
consentimento pretende possibilitar uma decisão e se lê. Segundo Junges 14, a compreensão adequada
uma anuência voluntárias em relação à participação implica em: compreender uma ação, ser capaz de en-
na pesquisa 9. Tais decisão e anuência voluntárias do tender a sua natureza e prever as suas consequências.
participante somente serão autônomas e terão vali- Portanto, o participante da pesquisa deverá receber
dade se as informações referentes à pesquisa forem informação sobre o estudo do qual irá participar. Isso
completas e inteligíveis. A linguagem deve ser clara e implica que tome conhecimento sobre sua natureza e
comum ao cotidiano dos participantes. Essa lingua- finalidade, bem como os possíveis riscos e benefícios,
gem, por fim, nunca deve influenciar o participante para que possa tomar uma decisão autônoma em par-
em sua decisão 10.

Artigos de pesquisa
ticipar ou não da pesquisa.
Em relação às informações que devem ser elen- O levantamento feito para a elaboração deste
cadas no TCLE, a Resolução CNS 466/12 estabelece que artigo não encontrou no Brasil publicação científica
o TCLE deverá conter, de modo obrigatório, os seguin- com a metodologia utilizada neste estudo, referente
tes requisitos: a) a justificativa, os objetivos e todos os à compreensão e legibilidade de TCLE de pesquisas
procedimentos que serão utilizados na pesquisa, com que envolvem seres humanos. Justifica-se, pois, em-
informação detalhada; b) explicação dos possíveis des- preender uma abordagem desse tema, mediante revi-
confortos e riscos decorrentes da participação, além são integrativa, esperando que os resultados possam
dos benefícios esperados, cautelas a serem emprega- preencher essa lacuna. O presente artigo teve como
das para evitar e/ou reduzir efeitos e condições adver- objetivos: analisar a compreensão e a legibilidade de
sas que possam causar dano; c) esclarecimento sobre termos de consentimento livre e esclarecido de parti-
a forma de acompanhamento e assistência a que te- cipantes de pesquisas que envolvem seres humanos; e
rão direito, bem como acompanhamentos posteriores verificar quais são os fatores que influenciam sua com-
ao encerramento e/ ou a interrupção da pesquisa; d) preensão e legibilidade.
assegurar ao participante plena liberdade de recusar-
-se a participar ou retirar seu consentimento, em qual-
quer fase da pesquisa, sem penalização; e) garantir o todo

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327
Compreensão e legibilidade do termo de consentimento livre e esclarecido em pesquisas clínicas

Trata-se de revisão integrativa, um método de de (BVS). Foram utilizados os Descritores em Ciências


revisão de literatura que permite a busca, seleção, da Saúde (DeCS) concernentes ao tema em foco, quais
avaliação crítica e síntese das evidências científicas. sejam: “Termo de Consentimento Livre e Esclareci-
Este método permite, ainda, a inclusão de estudos do”, “Consentimiento informado”, “Informed consent;
experimentais e não experimentais para a compre- “Compreensão”, “Comprensión”, “Comprehension” e;
ensão completa do fenômeno analisado, bem como “Legibilidade”, “Legibilidad”, “Readability”. Foram pes-
identifica lacunas na literatura e direciona o desen- quisadas as seguintes bases de dados: Literatura Lati-
volvimento de pesquisas futuras 15. Os procedimen- no-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Li-
tos da revisão integrativa foram realizados em seis lacs); Scientific Electronic Library Online (SciELO); Lite-
fases, como segue: ratura Internacional em Ciências da Saúde (Medline) e;
United States National Library of Medicine (PubMED).

1a fase: elaboração da pergunta norteadora O levantamento foi conduzido de abril a julho


A partir da reflexão sobre a temática da com- de 2013. A partir de um universo de 227 artigos, após
preensão e da legibilidade de TCLE de pesquisas que a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, fo-
envolvem seres humanos, fez-se a seguinte questão ram selecionados 11 artigos para compor a amostra.
norteadora: “Os participantes de pesquisas compre- Os critérios de inclusão previamente estabelecidos
endem o que leem no termo de consentimento livre para esse estudo foram: a) estudos que analisaram a
e esclarecido”? A partir do horizonte dessa pergun- compreensão e a legibilidade de TCLE relativos a pes-
ta, procedeu-se a busca de artigos de pesquisas que quisas que envolvem seres humanos; b) artigos em
envolvem seres humanos que tiveram como tema a Português, Espanhol e Inglês publicados no período
legibilidade e a compreensão de TCLE. compreendido entre 2003 e 2013. Os critérios de ex-
clusão foram: a) artigos de revisão de literatura; b) es-
tudos que analisaram TCLE relacionados à assistência
2a e 3a fases: busca ou amostragem na literatura e em saúde; c) artigos que aparecem em duas bases ou
coleta de dados mais, sendo que, neste caso, a referência é indicada
Fez-se um levantamento das publicações, que em apenas uma delas. O Quadro 1 apresenta as bases
tiveram como enfoque principal o tema em pauta, nos de dados consultadas, a combinação dos descritores
últimos dez anos, em Português, Espanhol e Inglês. nos três idiomas acima referidos e o número de ar-
Procedeu-se a uma busca na Biblioteca Virtual em Saú- tigos encontrados e selecionados no levantamento.

uadro Bases de dados consultadas, combinação dos descritores e artigos encontrados e selecionados na
coleta de dados
ase de rtigos rtigos
dioma escritores
dados encontrados selecionados
consentimento livre e esclarecido, compreensão e
SciELO Português 44 1
legibilidade
consentimento livre e esclarecido, compreensão e
Artigos de pesquisa

Lilacs Português 35 3
legibilidade
SciELO
Espanhol consentimiento informado, comprensión, legibilidad 23 0

Lilacs
Espanhol consentimiento informado, comprensión, legibilidad 20 0

Espanhol
PubMED consentimiento informado, comprensión, legibilidad 15 1

PubMED
Inglês informed consent, comprehension, readability 70 3

informed consent, comprehension, readability


Medline Inglês 20 3

otal 227 11

4a fase: análise crítica dos estudos incluídos ram selecionados aqueles que poderiam compor a
Após atenta e rigorosa leitura dos resumos, fo- amostra dessa revisão integrativa. Neste rol, foram

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Compreensão e legibilidade do termo de consentimento livre e esclarecido em pesquisas clínicas

lidos os artigos completos que atendiam plenamen- e síntese dos resultados, compararam-se os dados
te aos critérios propostos. A relação dos estudos identificados na análise dos artigos – os quais foram,
selecionados, contendo a procedência, o título, os posteriormente, descritos.
nomes dos autores, o periódico e a síntese da aná-
lise crítica dos resultados foram organizados em um
quadro. esultados e discussão

O Quadro 2 apresenta a síntese dos artigos


5a e 6a fases: discussão dos resultados e síntese da
que compuseram a amostra, informando as bases
revisão integrativa
de dados, títulos dos artigos, autores, periódicos e
Nestas fases, a partir da interpretação crítica
principais resultados encontrados.

uadro Relação dos artigos selecionados, quanto à procedência, título, autores, periódico e principais
resultados
roced ncia ítulo do artigo utores eri dico esultados
Miranda VC, AB Fêde O estudo mostra ser necessário
ABS, Lera AT, Ueda aproximadamente 18 anos de
Como consentir A, Antonangelo DV, Rev Assoc Med Bras estudo para a compreensão e
SciELO
sem entender? Brunetti K, 2009; 55(3): 328-34 leitura do TCLE, dado incompatível
Riechelmann R, com a realidade da população
Giglio AD estudada 16
Cinco TCLE apresentaram estrutura
de texto considerada de difícil
Pesquisadores
Revista Bioética compreensão e próxima do limite
Lilacs em gerontologia Goldim JR, Glock RS
2005; 30 (3): 11-5 considerado como estrutura muito
e consentimento
difícil. Apenas um TCLE apresentou-
informado
se como estrutura razoavelmente
difícil 17
Apesar de o TCLE ter sido
preparado para atingir pontuação
Rev Col Bras
Compreensão Biondo-Simões MLP, de acerto entre 9 e 10, observou-
Cir 2007; 34(3):
Lilacs do termo de Martynetz J, Ueda se que atingiu 7,5. O nível de
183-8
consentimento FMK, Olandoski M escolaridade influenciou a
informado capacidade de compreensão, bem
como o hábito de leitura e o acesso
à internet 18
Entendimento
do termo de

Artigos de pesquisa
consentimento
50% não entenderam corretamente
por pacientes Meneguin S, Zoboli
o TCLE; e 32,9% sequer o leram,
Lilacs partícipes em ELCP, Domingues Arq Bras Cardiol
mas o assinaram, evidenciando que
pesquisas com RZL, Nobre MR, 2010; 94(1): 4-9.
quanto menor o nível de instrução,
fármaco na César LAM.
menor o entendimento 19
cardiologia

Estudio
O tempo médio entre a entrega
observacional y
do TCLE pelos pesquisadores e sua
prospectivo del
devolução pelos 85 participantes
PubMED consentimiento Baines JPO, Grupo Med Clin (Barc).
(todos adultos) foi de 2,8 dias,
informado de de Estudio Econsec 2008;131(11):422-5
tempo insuficiente para leitura
los pacientes
e compreensão por parte de 7%
en ensayos
deles 20
clínicos con
medicamentos

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Compreensão e legibilidade do termo de consentimento livre e esclarecido em pesquisas clínicas

roced ncia ítulo do artigo utores eri dico esultados


Informed
consent: Não foi possível demonstrar que
Paris A, Brandt C,
document British Journal a melhoria do TCLE, por meio de
Cornu C, Maison
improvement of Clinical abordagem léxico-sintática ou
P, Thalamas C,
Medline does not Pharmacology Br por um grupo de trabalho, leva a
Cracowski JL
increase patients’ J Clin Pharmacol melhor compreensão por parte dos
Claire Thalamas,
comprehension 2010;69(3): 231-7 participantes 21
J-LC.
in biomedical
research
No que concerne aos objetivos
Repeated
do estudo, o questionário foi
assessments of
compreendido por 90% a 100%
informed consent
Chaisson LH, Kass dos participantes, mas apenas
comprehension
NE, Chengeta B, PLoS ONE 2011; 44% a 77% entenderam o que
PubMED among HIV-
Mathebula U, 6(10):1-10 é randomização, placebos ou
infected
Samandari T. riscos, sendo que a maioria
participants of a
dos participantes tinha nível de
three-year clinical
escolaridade correspondente ao
trial in Botswana
universitário 22
Os resultados demonstraram
que a aplicação, em uma única
Pilot study vez, dos conteúdos relacionados
demonstrating ao TCLE numa linguagem no
effectiveness NIH Public AIDS nível do ensino secundário pode
Sengupta S, Ronald
of targeted Care. 2011; 23(11): melhorar a compreensão real
LB, Strauss RP, Eron
PubMED education 1.382-91. uma semana após a intervenção,
J, Gifford AL.
to improve porém a retenção de conceitos
informed consent pode requerer acompanhamento
understanding in periódico para assegurar a
aids clinical trials compreensão durante todo o curso
de um ensaio clínico 23

Este estudo demonstra que


a combinação de um vídeo
Interactive
introdutório, TCLE impresso
informed
Rowbotham M C, PLosS ONE 2013 ; em linguagem padrão e um
consent:
Medline Astin J, Cummings 8(3) questionário interativo (online)
randomized
SR baseado em tablet melhora a
comparison with
compreensão dos procedimentos
Artigos de pesquisa

paper consents
de risco na pesquisa 24

Analysis of
the readability
Todos os TCLE analisados com os
of patient
índices de legibilidade para a língua
information
Anaesth Intensive inglesa de Flesch e Flesch-Kincaid,
and consent Taylor HE, Bramley
Medline Care 2012; 40: respectivamente, excederam o nível
forms used in DEP
995-8 de compreensão recomendado
research studies
pelos Comitês Nacional de Ética da
in anaesthesia
Austrália e Nova Zelândia 25
in Australia and
New Zealand

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Compreensão e legibilidade do termo de consentimento livre e esclarecido em pesquisas clínicas

roced ncia ítulo do artigo utores eri dico esultados


A randomized
controlled
study to assess Aplicação de dois modelos de
Abd-elsayed A,
patients’ TCLE: padrão e modificado. A
Sessler DI, Mendoza- Edizione minerva
understanding of forma modificada não melhorou
cuartas M, Dalton anestesiologica
PubMED and consenting a compreensão dos participantes,
JE, Said T, Meiner J, 2012; 78 (5) 564-73
for clinical ou a vontade de consentir em
Upton G, Franklin
trials using participar de ensaios clínicos 26
C, Kurz
two different
consent form
presentations

A discussão dos resultados foi dividida em limiar do “muito difícil”. Deste rol, apenas um TCLE
dois grupos: o primeiro consistiu em estudos que apresentou estrutura classificada como “razoavel-
utilizaram os índices de Facilidade de Leitura de mente difícil” 17.
Flesch (IFLF) e de Legibilidade de Flesch-Kincaid Os índices de Flesch e Flesch-Kincaid foram
(ILFK) como instrumentos para verificação da com-
também utilizados em outro estudo que buscou
preensão e legibilidade de TCLE. O segundo cons-
mensurar o grau de dificuldade do TCLE ou os anos
tituiu-se em estudos que utilizaram questionários
de estudo necessários para o seu entendimento por
construídos pelos próprios pesquisadores, para o
indivíduos que participam de pesquisa ou de trata-
mesmo fim.
mento. Para tal propósito, foi elaborado um TCLE
Os IFLF e ILFK são muito utilizados em pesqui- preparado para atingir alto índice de compreensão
sas que envolvem TCLE para avaliar a compreensão e legibilidade junto à população estudada. Entre-
e a legibilidade desse documento. O IFLF foi inicial- tanto, o resultado foi aquém do esperado, já que
mente proposto por Rudolf Flesch, em 1948, e adap- sua compreensão foi baixa. Não obstante, o estudo
tado pela Marinha Americana por Kincaid (ILFK), em aponta uma novidade não indicada nos demais es-
1975, para verificação do grau de dificuldade de lei- tudos que utilizam esses índices: mostra o hábito de
tura dos manuais elaborados pelo governo america- leitura e o acesso à internet como facilitadores da
no. O IFLF avalia o grau de facilidade de leitura dos compreensão. Enquanto todos os estudos citados
textos em uma escala percentual. Quanto maior o anteriormente, que se utilizaram dos IFLF e ILFK, tra-
valor do IFLF, maior a facilidade de leitura do texto zem apenas o nível de escolaridade como fator de-
avaliado e menor o nível de escolaridade necessário. cisivo na compreensão e legibilidade do TCLE, este
O ILFK, por sua vez, é um índice que estima os anos coloca ao lado deste nível elementos relacionados
de estudo necessários para a adequada compreen- ao comportamento e aos hábitos do participante,
são do texto. Os valores do ILFK mais efetivos são como a constância na leitura seja em meio impresso
os que exigem de seis a 10 anos de escolaridade 27. ou na internet 18.

Artigos de pesquisa
Dentre os quatro estudos do primeiro grupo, Encerrando a discussão do primeiro grupo,
que utilizaram o IFLF e o ILFK, está um estudo clí-
apresenta-se um estudo de anestesiologia na Aus-
nico realizado no Brasil, no Centro de Estudos de
trália e na Nova Zelândia. Neste estudo, foi realizada
Hematologia e Oncologia, ligado à Faculdade de
uma análise de legibilidade para testar a hipótese
Medicina do ABC, no Estado de São Paulo. Este
de que a linguagem utilizada na informação do TCLE
estudo concluiu serem necessários aproximada-
para os participantes da pesquisa não atenderia aos
mente 18 anos de estudo para a compreensão do
padrões de legibilidade ou expectativas de boas
modelo de TCLE apresentado pelos pesquisadores,
práticas clínicas dos comitês de ética em pesquisa
dado incompatível com a realidade da população,
destes países. Foram analisados 40 TCLE com a apli-
na qual mais de 50% das pessoas tem menos de
cação dos índices IFLF e ILFK.
oito anos de estudo 16. Além deste, outro estudo,
que consistiu na verificação da adequação dos O resultado encontrado foi que o nível de es-
TCLE por pesquisadores da área de gerontologia tudo exigido para a legibilidade do TCLE ultrapassa o
biomédica, aplicados nas pesquisas em andamento nível de estudo fundamental e médio, e, portanto, a
nesta área, também fez uso dos IFLF e ILFK. Como capacidade de compreensão da população em geral,
conclusão, informa que cinco TCLE apresentaram na Austrália e na Nova Zelândia. O estudo concluiu
estrutura de texto considerada “difícil”, próxima ao que a linguagem complexa diminui a legibilidade e

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331
Compreensão e legibilidade do termo de consentimento livre e esclarecido em pesquisas clínicas

traz impactos negativos sobre o processo de con- dos procedimentos relativos ao método aplicado na
sentimento informado e possível assinatura do TCLE pesquisa e aos riscos decorrentes da participação
pelo participante. Seus resultados sugerem que, por voluntária na mesma, descritos no TCLE.
ocasião da prestação de informações por escrito aos Os resultados encontrados mostram que 50%
participantes da pesquisa, o pesquisador elabore o não entenderam corretamente o TCLE e 32,9% se-
TCLE com a máxima cautela, para garantir que a lin- quer o leram, mas assinaram. Aplicou-se, ainda nes-
guagem usada e sua legibilidade sejam apropriadas te estudo, o TCLE dentre os participantes que rece-
para o público a que se destina 25. beram placebo após a randomização, identificando-
Pelos resultados dos quatro artigos acima re- -se que 66,7% não entenderam o significado deste
lacionados, conclui-se que a educação escolar é termo. Houve forte correlação entre o não entender
fundamental para as pessoas participantes de pes- o significado de “placebo” com a escolaridade, evi-
quisas, independentemente do lugar onde vivam. denciando que quanto menor o nível de instrução,
Todos os resultados dos estudos que utilizaram es- menor a compreensão. Portanto, conclui-se que, no
ses índices confirmaram a relação entre baixa esco- mesmo sentido dos estudos que utilizaram os índi-
laridade e dificuldade de leitura e compreensão dos ces de Flesch e Flesch-Kincaid, a escolaridade é fator
TCLE. Portanto, o principal fator que influencia na determinante para a compreensão e a legibilidade
legibilidade e compreensão do TCLE seria o grau de do TCLE, bem como a escolha dos vocábulos por
escolaridade, muito embora o hábito de leitura, o parte do pesquisador 19.
acesso à internet e a adequação da linguagem utili- O segundo estudo de TCLE aplicou dois ques-
zada pelo pesquisador na elaboração do TCLE sejam tionários: um com oito questões de múltipla esco-
fatores que também contribuem para maior facili- lha, relacionadas ao TCLE, e outro, também de oito
dade de leitura e compreensão do TCLE. questões, porém abertas, relacionadas ao estudo
O questionário, como instrumento de verifi- clínico. Os resultados desse estudo tiveram trata-
cação e levantamento de dados, é também de uso mento quantitativo simples, sendo avaliados em
corrente nas Ciências da Saúde. Segundo Parasura- termos de porcentagem. Concluiu-se que a maioria
man, citado por Chagas 28: Um questionário é tão declarou ter compreendido completamente o TCLE
somente um conjunto de questões, feito para gerar e apenas 2,4% admitiram não compreender o con-
os dados necessários para se atingir os objetivos do teúdo da folha de informação do consentimento.
projeto. Isto posto, há três tipos de questões que po- Ressalte-se, no entanto, que 36,5% não responde-
dem ser usadas na construção de um questionário: ram a essa pergunta. Esse estudo buscou também
1) questões abertas, que permitem maior liberda- verificar a percepção conceitual dos participantes
de de escolha ao respondente, dado que possibilita em relação ao estudo clínico. A maioria teve percep-
responder com suas próprias palavras, não limitan- ção errônea sobre o que é um estudo clínico expe-
do a argumentação a um rol de alternativas dadas rimental e da natureza especial do tratamento far-
a priori; 2) questões de múltipla escolha: consistem macológico estudado, enquanto cerca de 10% não
em limitar a escolha do respondente a uma dentre sabiam que sua participação poderia não lhes trazer
as alternativas apresentadas, ou, ainda, se mais de benefícios e que estariam sujeitos a danos 20.
Artigos de pesquisa

uma, a uma quantidade predeterminada de opções; O terceiro estudo de TCLE aplicou um questio-
e 3) questões dicotômicas: estas sugerem ao res- nário com 20 perguntas, do tipo dicotômicas, com
pondente apenas duas alternativas, que encerram as alternativas (verdadeiro ou falso) relacionadas à
entre si um antagonismo, a exemplo, aquelas dos compreensão do TCLE. As respostas dos participan-
tipos sim/não, certo/errado e verdadeiro/falso. tes tiveram tratamento estatístico para avaliação dos
Os sete estudos do segundo grupo utilizaram resultados. Esse estudo consistiu em pesquisa feita
todos os tipos de questionários acima citados, como na África austral, na qual o mesmo questionário foi
instrumentos de verificação da compreensão e da aplicado em inglês e no idioma nativo (Setswana). A
legibilidade de TCLE em pesquisas envolvendo seres escolha do idioma ficou a critério dos participantes.
humanos. O primeiro estudo de TCLE utilizou um Concluiu-se que poucos pesquisadores elu-
questionário estruturado com 29 questões abertas, cidam os pacientes acerca da natureza e riscos do
tais como: “Por que aceitou participar?”; “Leu o TCLE tratamento mediante os TCLE e, em quantidade ain-
antes de assinar?”; “Ao assiná-lo, estava certo de da menor, esses pesquisadores mantêm o paciente
tê-lo entendido?”. As respostas tiveram tratamento informado ao longo do processo de tratamento.
estatístico para avaliar os resultados encontrados. Para se chegar a esse resultado, os pesquisadores
Os resultados se referem ao nível de compreensão aplicaram TCLE e questionários aos participantes

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Compreensão e legibilidade do termo de consentimento livre e esclarecido em pesquisas clínicas

da pesquisa antes e durante o tratamento 22. Aqui, leram TCLE originais; grupo b) participantes que
verifica-se um diferencial com relação aos demais leram o TCLE melhorado, para facilitar a leitura lé-
estudos discutidos, vez que a aplicação do TCLE aos xico-sintática; e grupo c) participantes que leram o
participantes não se restringe somente ao início da TCLE melhorado pelo grupo de trabalho. A conclu-
pesquisa, mas estende-se durante todo o processo, são dos pesquisadores foi a de que não foi possível
inclusive mesmo ao seu final, por um período de demonstrar que a melhoria do TCLE, por meio de
aproximadamente três anos. uma abordagem léxico-sintática ou por um grupo
No esteio do estudo acima citado, o quarto es- de trabalho, leva a uma melhor compreensão pela
tudo de TCLE apresenta pesquisa realizada nos EUA população de participantes, independentemente
que se ocupou em averiguar a compreensão por do método utilizado 21.
parte dos participantes não apenas antes do início Outro sexto estudo de TCLE, realizado nos
dos procedimentos clínicos, mas também ao longo EUA, teve como objetivo verificar a compreensão de
de todo o processo. Para averiguar essa compreen- TCLE e utilizou como referência dois modelos, um
são, os autores aplicaram um questionário com vin- padrão e outro modificado. Após a aplicação de um
te e uma questões abertas, relativas a todas as eta- questionário com sete questões abertas, os autores
pas de obtenção do consentimento. Nesse estudo, concluíram que 75% dos participantes tiveram faci-
também as respostas tiveram tratamento estatístico lidade com o formato padrão de TCLE, ao passo que
para avaliação dos resultados encontrados. 66% tiveram facilidade com o formato modificado.
Buscando não apenas averiguar, mas melhorar Cerca de 90% dos participantes em cada grupo iden-
o nível de compreensão do participante da pesquisa, tificou corretamente a maior intervenção do ensaio
os autores aplicaram intervenções educativas que, clínico e o maior risco associado. Nem as caracterís-
por meio de uma proposta pedagógico-didática, pu- ticas pessoais dos participantes nem sua capacidade
dessem elucidar aos participantes aspectos ineren- de compreensão afetaram a taxa de consentimento
tes ao estudo do qual participariam, e dessa forma para o ensaio clínico. Portanto, comparando os re-
facilitar sua compreensão. É importante observar sultados da aplicação de dois modelos de TCLE, pa-
que os dois últimos estudos citados convergem não drão e modificado, não houve a melhora esperada
apenas quanto à utilização de questionários como da compreensão dos participantes ou em sua vonta-
instrumento de verificação da compreensão do TCLE de de consentir em participar de ensaios clínicos 26.
pelos participantes, mas também quanto à efetiva O quinto e o sexto estudos desse grupo apre-
compreensão sobre outros aspectos da pesquisa sentaram resultados surpreendentes ao aplicarem
por parte da população estudada. Convém salientar, diferentes modelos de TCLE, com o intuito de ve-
ainda, que ambos os estudos desenvolveram suas rificar se haveria melhora na legibilidade e conse-
pesquisas com pacientes portadores de HIV e que quentemente na compreensão do conteúdo. Os
houve em comum a preocupação em fornecer não resultados do quinto estudo apontam que não foi
apenas a orientação por ocasião da adesão à pes- possível demonstrar se a melhoria do TCLE leva a
quisa, mas também – e principalmente – informar uma melhor compreensão por parte dos partici-
quanto à própria enfermidade e outros aspectos do pantes. Os resultados do sexto estudo indicam que

Artigos de pesquisa
processo de pesquisa 23. não houve a melhora esperada da compreensão dos
Um quinto estudo de TCLE, realizado na Fran- participantes ou vontade de consentir em participar
ça, objetivou determinar se a modificação do TCLE de ensaios clínicos.
por um grupo de trabalho ou melhoria sistemática Um último trabalho, o sétimo estudo de TCLE,
da sua legibilidade léxico-sintática poderia melho- também foi realizado nos EUA e teve como objetivo
rar a compreensão da informação escrita dada aos comparar a compreensão de TCLE de uma pesqui-
participantes de uma pesquisa biomédica. Envolveu sa clínica, sob duas versões: a primeira, na forma
a aplicação de um questionário de 28 questões, di- interativa, com a utilização de tablets; a segunda,
vidido em duas partes: a) 16 questões para verificar na forma impressa. O questionário elaborado pe-
a compreensão objetiva do TCLE; e b) 12 questões los autores, constituído de 12 questões de múltipla
para verificar a compreensão subjetiva do TCLE. escolha sobre a compreensão do TCLE, foi aplicado
Aos dois tipos de questões, objetivas e subjetivas, nas duas versões. Após o tratamento estatístico dos
foram aplicados escores de 100 pontos, os quais, resultados, a conclusão dos autores foi a de que a
após tratamento estatístico dos resultados, apon- utilização de tablets facilita a compreensão do TCLE,
taram não haver diferença significativa entre os no que se refere aos procedimentos e riscos em pes-
três grupos estudados: grupo a) participantes que quisa clínica 24.

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333
Compreensão e legibilidade do termo de consentimento livre e esclarecido em pesquisas clínicas

Em síntese, todos os autores dos estudos tudos concluíram não haver diferença no resultado
utilizaram o método quantitativo, com análise es- da compreensão se o TCLE apresentado é padrão ou
tatística dos resultados. Quanto aos instrumentos modificado, o sétimo estudo concluiu que a utiliza-
ou ferramentas de verificação da compreensão e ção da tecnologia facilita a compreensão do TCLE.
da legibilidade de TCLE, os estudos foram divididos Entretanto, cabe considerar se o uso de tablets não
em dois grupos: de um lado, o grupo que se utili- pode ser, por sua vez, relacionado ao hábito de lei-
zou do IFLF e do ILFK – os quatro primeiros estudos tura em meio eletrônico, o que faria a discussão re-
listados na discussão; de outro, o grupo que se uti- tornar ao pressuposto nos resultados anteriores.
lizou da aplicação de questionários preparados pe- Assim, o tema em debate tem sido objeto de
los autores – os sete últimos estudos da discussão. estudos e representa questão a ser aprimorada para
Em relação aos resultados, todos os estudos que se o alcance do respeito à dignidade e autonomia do
valeram dos IFLF e ILFK concluíram que a adequa- participante de pesquisa, de forma a se alcançar a
ção da linguagem do TCLE e o uso de vocabulário proposição de suficiente compreensão do TCLE pe-
em conformidade com o nível de escolaridade dos las populações, especialmente aquelas em situação
participantes de pesquisas que envolvem seres hu- de vulnerabilidade social.
manos são fatores essenciais para a compreensão e
a legibilidade de TCLE.
Sobre a questão da escolaridade, Lobato, Ca- Considera es nais
çador e Gazzinelli, em investigação sobre legibili-
dade de dois TCLE igualmente utilizados em ensaio É importante destacar, em relação aos resulta-
clínico, com objetivo de correlacionar o grau de difi- dos dos estudos analisados, que quando realizados
culdade dos documentos com o nível de escolarida- em países desenvolvidos (seis estudos) foram obti-
de dos participantes, também a partir dos índices de dos resultados diacrônicos em relação às pesquisas
Facilidade de Leitura de Flesch e de Legibilidade de realizadas nos países em desenvolvimento (cinco
Flesch-Kincaid, obtiveram valores que remeteram à estudos). A título de exemplo, cita-se a melhora do
conclusão de que os dois TCLE utilizados para a par- TCLE, a qual foi tida como um procedimento indi-
ticipação em ensaios clínicos não foram adequados ferente para a compreensão segundo os estudos
para a escolaridade da maioria de seus participan- realizados nos países desenvolvidos, sendo, no en-
tes 29. Restando também ressaltada, neste estudo, a tanto, um procedimento essencial para esta mesma
relevância do aspecto de nível de escolaridade. compreensão quando se trata de participantes em
Os estudos do segundo grupo, isto é, aqueles pesquisas de países em desenvolvimento. Cabe con-
que se valeram de questionários como instrumen- siderar ademais que, além de fatores econômicos
tos de verificação da compreensão e da legibilidade, e socioculturais, produz impacto nessas diferenças
mostraram como preocupação central a compreen- também o nível de dificuldade intrínseco do idioma.
são do TCLE, por parte do participante, não somen- Porém, não obstante a disparidade dos resulta-
te por ocasião de sua anuência para participação na dos nos estudos analisados e dos fatores que podem
pesquisa, mas durante todo o curso da pesquisa. Por ter determinado ou condicionado tais diferenças, é
Artigos de pesquisa

sua vez, é importante notar que o quinto e o sexto importante salientar que a clareza da linguagem e
estudos do segundo grupo utilizaram diferentes mo- o vocabulário adequado ao nível de compreensão e
delos de TCLE (TCLE padrão e TCLE modificado) para de escolaridade da pessoa participante da pesquisa
posteriormente avaliar, mediante a aplicação de são características extremamente fundamentais no
questionários, se haveria ou não melhora na com- processo de obtenção do TCLE, particularmente nos
preensão pelos participantes de pesquisas. Os re- países em desenvolvimento. O pesquisador deve ter
sultados foram inesperados, pois em um deles não o cuidado de contextualizar o significado das pala-
foi possível demonstrar qualquer melhora na com- vras referentes à sua pesquisa, as quais normalmen-
preensão; em outro, os resultados atestam que não te fazem parte do vocabulário científico, para uma
houve a melhora da compreensão do TCLE esperada linguagem cotidiana, cujo significado deverá estar
pelos pesquisadores. mais ao alcance da compreensão dos participantes
O sétimo estudo desse grupo apresentou um da pesquisa.
diferencial em relação aos demais, pois foi apresen- Desse modo, a revisão integrativa possibilitou
tado não um TCLE modificado, mas o mesmo TCLE, a construção de uma síntese do conhecimento cien-
na forma impressa e na forma eletrônica, com uti- tífico acerca do tema em pauta e permitiu compre-
lização de tablets. Enquanto o sexto e o quinto es- ender as complexidades concernentes ao tema da

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334
Compreensão e legibilidade do termo de consentimento livre e esclarecido em pesquisas clínicas

compreensão e da legibilidade de TCLE, que, muito nas 11 abordaram a compreensão e a legibilidade


embora, principalmente nos países em desenvolvi- do TCLE aplicado em pesquisas clínicas. Portanto,
mento, possa ser facilitada pela adequação da lin- em oposição, por exemplo, à grande quantidade de
guagem utilizada, envolve ainda questões de ordem estudos relacionados a TCLE aplicados na área da
pedagógico-educativa, econômica e social. Esta re- assistência em saúde, a quantidade de estudos rela-
visão integrativa também possibilitou perceber a cionados a TCLE de pesquisas clínicas ainda é muito
necessidade do desenvolvimento de novos estudos reduzida no meio científico, concluindo-se, pois, a
e pesquisas na área de TCLE para pesquisas clínicas. necessidade de maior mobilização da comunidade
Em um universo de 227 artigos sobre TCLE encon- científica e acadêmica para esse assunto de relevan-
trados nas bases de dados retromencionadas, ape- te interesse à sociedade.

e er ncias

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335
Compreensão e legibilidade do termo de consentimento livre e esclarecido em pesquisas clínicas

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articipa ão dos autores Revisado: 2. 5.2014


Eurípedes Rodrigues Filho foi responsável pela concepção do estudo, revisão bibliográfica, análise
Aprovado: 3. 7.2014
crítica, discussão dos resultados e redação do artigo. Mauro Machado do Prado foi coorientador e fez
a revisão crítica do artigo. Cejane Oliveira Martins Prudente foi orientadora do trabalho, participando
da revisão crítica do artigo.
Artigos de pesquisa

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Reflexões sobre questões morais na relação de
indígenas com os serviços de saúde
Ana Lucia de Moura Pontes 1, Luiza Garnelo 2, Sergio Rego 3

Resumo
Os sistemas médicos são culturalmente moldados e podem ter impactos negativos naqueles que não com-
partilham essas bases. Discutimos a perspectiva indígena de questões morais na relação com os serviços de
saúde na região do Alto Rio Negro/Amazonas/Brasil. Foi uma pesquisa qualitativa que utilizou como técnicas
a observação participante e entrevistas em duas comunidades na região do Alto Rio Negro. A transferência
para serviços de saúde em área urbana foi identificada como a principal questão moral para os indígenas na
região. A diversidade de tradições, culturas e valores dos povos indígenas influenciam na sua moralidade e
tomada de decisões clínicas, que eram pouco compreendidas pelos profissionais de saúde. Na relação entre
profissionais de saúde e usuários indígenas ficou evidente o choque entre habitus distintos e a configuração
de uma relação entre estranhos morais. Essas condições dificultam o diálogo para a resolução de conflitos.
Palavras-chave: Saúde de populações indígenas. Ética clínica. Bioética. Noroeste amazônico.

Resumen
Reflexiones sobre cuestiones morales en la relación de indígenas con los servicios de salud
Los sistemas médicos son culturalmente moldeados y pueden tener impactos negativos en los que no com-
parten estas bases. Se discute la perspectiva indígena de cuestiones morales en la relación con los servicios
de salud en la región del Alto Rio Negro/Amazonas/Brasil. Fue un estudio cualitativo que utiliza las técnicas
de la observación participante y entrevistas en dos comunidades de la región del Alto Rio Negro. La transfe-
rencia para servicios de salud en zona urbana fue identificada como la principal cuestión moral para los indios
de la región. La diversidad de tradiciones, culturas y valores de los pueblos indígenas tienen influencia en su
moralidad y la toma de decisiones clínicas que eran poco comprendidas por los profesionales de salud. En la
relación entre los profesionales de salud y los usuarios indígenas se hizo evidente el choque entre los distintos
habitus y la configuración de una relación entre extraños morales. Estas condiciones dificultan el diálogo para
resolver los conflictos.
Palabras-clave: Salud de poblaciones indígenas. Ética clínica. Bioética. Noroeste del Amazonas.

Abstract
Reflection on moral issues in the relation between indigenous people and health services
Medical systems are culturally adapted and may have negative impacts on those that do not share these
bases. We discussed the indigenous perspective on moral issues in the relation with health services in the
region of Alto Rio Negro/Amazonas/Brazil. It was a qualitative research that used participant observation and
interviews in two communities in the region of Alto Rio Negro as techniques. The transfer to health services

Artigos de pesquisa
in urban areas was identified as the main moral issue for the Indians in the region. The diversity of traditions,
cultures and values of the indigenous people influence their morality and clinical decisions to be made, what
used to be little understood by health professionals. In the relationship between health professionals and
indigenous users it was clear the shock between different habits and the configuration of a relation between
moral strangers. These facts hinder the dialogue to solve conflicts.
Key words: Health of indigenous people. Ethics, clinical. Bioethics. Northwest Amazon.

Aprovação Conep - CAAE 0058.0.031.000-11

1. Doutora analupontes@fiocruz.br Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz, Rio de Janeiro/RJ, Brasil 2. Doutora luiza.
garnelo@amazonia.fiocruz.br Instituto de Pesquisas Leônidas e Maria Deane/Fiocruz, Manaus/AM, Brasil 3. Doutor rego@ensp.fiocruz.
br Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz, Rio de Janeiro/RJ, Brasil.

Correspondência
Ana Lucia de Moura Pontes – Avenida Brasil, 4.365, Manguinhos CEP 21040-360. Rio de Janeiro/RJ, Brasil.

Declaram não haver conflito de interesse.

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337
Reflexões sobre questões morais na relação de indígenas com os serviços de saúde

A percepção, a compreensão e a resolução dos saúde na região do Alto Rio Negro/Amazonas/Bra-


problemas morais nos serviços de saúde são forte- sil. Nossa análise partirá do reconhecimento de que
mente influenciadas pelo contexto, rural ou urbano, profissionais de saúde e indígenas não comparti-
onde ocorrem 1,2. Uma característica fundamental dos lham os mesmos habitus 12,13 e, portanto, consti-
serviços de saúde em contextos rurais é que frequen- tuem-se como estranhos morais 14. Nesse contexto,
temente as populações atendidas possuem conheci- consideramos a ética discursiva como um caminho
mentos, práticas, e valores diferentes dos reconhe- para a solução desses conflitos e forma de superar a
cidos pelos profissionais de saúde. As variações de relação colonizador-colonizado 15.
compreensões de práticas e de valores morais levam
a episódios de conflitos nos serviços de saúde 3. Tur-
ner 4 afirma que nas últimas décadas vários estudos Habitus estran os morais e ca discursiva
têm mostrado a considerável variação cultural nas
formas como as famílias e os indivíduos entendem si- O habitus, segundo Bourdieu, são esquemas
tuações clínicas, como o diagnóstico terminal, a defi- de disposições duradouras, adquiridos nos proces-
nição de morte, o uso de alta tecnologia, entre outras. sos de socialização, que incluem dois componentes:
As diferenças culturais e de tradições religio- os princípios ou valores que regulam a conduta co-
sas estão diretamente relacionadas com essa di- tidiana (ethos), e as posturas e disposições do corpo
versidade moral existente na sociedade. Portanto, (hexis corporal) 13,16. Portanto, indígenas e não indí-
na relação entre povos indígenas e profissionais de genas, que não compartilham o mesmo mundo so-
saúde essas diferenças deveriam ser tomadas como cial, desenvolvem diferentes atitudes e maneiras de
pressuposto. Ellerby e colaboradores 3 destacam agir, perceber e refletir.
que as decisões éticas dos povos nativos diferem Os agentes portadores do mesmo habitus não
dos valores hegemônicos da sociedade ocidental. precisam entrar em acordo para agir da mesma
Ademais, o contexto histórico das relações de po- maneira 16, pois a codificação comum assegura uma
der existentes entre povos indígenas e sociedades comunicação mínima 13. Todavia, se as condições
nacionais também influencia essa relação. No Brasil, objetivas ou o contexto se modificam, pode ocorrer
durante séculos, agentes colonizatórios — como as uma defasagem entre o habitus antigo e as novas
instituições de saúde — desenvolveram o projeto de condições, que levariam os agentes a atitudes con-
“civilizar” os indígenas, ou seja, entendiam que es- sideradas inadequadas, desencadeando conflitos 16.
tes deveriam ser protegidos de si mesmos adotando Engelhardt Jr. 14 denomina estranhos morais
os valores, costumes e habitus da cultura ocidental aqueles que não compartilham premissas, regras
5
. Assim, os indígenas foram desconsiderados como ou autoridades morais, incorporados nos habitus
sujeitos morais, com valores e conhecimentos pró- de indivíduos e grupos. Por conseguinte, os amigos
prios e capazes de tomar decisões. morais seriam aqueles que compartilham uma mo-
A discussão sobre questões morais na relação ralidade continuísta em um grupo de pessoas. Para
de indígenas com os serviços de saúde é fundamen- resolver as controvérsias, os amigos morais podem
tal para a melhoria da qualidade do cuidado pres- recorrer ao argumento moral ou a uma autoridade
Artigos de pesquisa

tado a essa população, pois a falta de uma atenção reconhecida, mas os estranhos morais não: teriam
culturalmente sensível pode ser responsável pelo que resolver por meio de um acordo comum, pois
não uso dos serviços de saúde e por seus maus não compartilham as mesmas regras, pressupostos
resultados 6,7. Em vários países é visível que a po- ou autoridades morais. O autor afirma que o não
pulação indígena apresenta menor expectativa de compartilhamento de uma moralidade essencial
vida e maiores prevalência e incidência de diversos não significa a impossibilidade de compreensão da
agravos 7-11. Os sistemas médicos são culturalmen- perspectiva do outro, de modo que propõe a resolu-
te moldados, no Brasil como em outros países, em ção de conflitos por meio de acordos.
conformidade aos valores ocidentais, cristãos e libe- Concordamos com a perspectiva da ética discur-
rais, o que pode trazer impactos negativos àqueles siva, que tem sido trabalhada no contexto da relação
que não compartilham essas bases 2,7. entre indígenas e não indígenas no Brasil por Oliveira
Turner 4 destaca a relevância de estudos sobre e Oliveira 15 e Oliveira 17 usando como fundamento o
o ponto de vista moral de membros de comunida- conceito de comunidade de comunicação e de argu-
des específicas. Sob tal enfoque, pretende-se, nes- mentação de Karl-Otto Apel. A comunidade de comu-
te artigo, discutir a perspectiva indígena a respeito nicação é um espaço social marcado por relações dia-
de questões morais na relação com os serviços de lógicas, mas que para funcionar democraticamente

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338
Reflexões sobre questões morais na relação de indígenas com os serviços de saúde

como comunidade de argumentação necessita de um tidos 26,27 e aprovada na Comissão Nacional de Ética
acordo intersubjetivo das normas e das regras entre em Pesquisa. As técnicas utilizadas para a coleta de
os interlocutores 15. Contudo, no contexto interétnico dados foram a observação participante, na modali-
de uma sociedade dirigida por um Estado uniétnico dade participante como observador 28,29; o registro
observa-se a hierarquização de uma cultura sobre a sistemático em caderno de campo; e revisão biblio-
outra, de modo a comprometer as condições de sime- gráfica internacional.
tria e igualdade necessárias para um diálogo efetiva- O trabalho de campo foi realizado durante 40
mente democrático. Este é o desafio que encontramos dias consecutivos em duas comunidades do Baixo
no contexto das relações entre profissionais de saúde Rio Içana no Distrito Sanitário Especial Indígenas
e indígenas para a resolução de conflitos morais. do Alto Rio Negro (Dseirn), situado no município de
São Gabriel da Cachoeira Os principais informantes
e tradutores foram quatro AIS – duas mulheres e
ubsistema de saúde indígena no rasil
dois homens – que atuavam nessas comunidades.
Os nomes das comunidades e pessoas utilizados
A partir de 1999 implantou-se um subsistema são fictícios.
específico de atenção à saúde dos povos indígenas A observação participante compreendeu o
integrado ao sistema nacional de saúde brasileiro. A acompanhamento diário das atividades coletivas
Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indí- das comunidades, a prestação de cuidados pelos
genas (Pnaspi) prevê a implantação de um modelo quatro AIS e os itinerários terapêuticos seguidos
de atenção cuja operacionalização é baseada em 34 pelos doentes atendidos. Também foram realizadas
distritos sanitários especiais indígenas (Dsei), res- conversas informais com moradores sobre suas ex-
ponsáveis por oferecer o acesso à atenção integral à periências nos serviços de saúde nas cidades de São
saúde dos povos indígenas 18. Os distritos oferecem Gabriel da Cachoeira (SGC) e Manaus. Os registros
serviços de atenção primária em saúde realizados no diário de campo foram revisados e categoriza-
por equipes multiprofissionais formadas por médi- dos, buscando identificar situações que, na pers-
cos, enfermeiros, odontólogos, técnicos de enferma- pectiva dos indígenas, representavam conflitos na
gem e agentes indígenas de saúde (AIS) que devem relação com profissionais de saúde.
atuar nas aldeias indígenas. Essa rede local articula-
se com o restante do sistema de saúde (SUS) para Também foi feita revisão bibliográfica no ban-
a oferta de serviços de média e alta complexidade. co de dados do PubMed, em março de 2013, que
serviu para a definição das categorias de análise e
Uma das diretrizes fundamentais desse sub- discussão dos dados empíricos.
sistema é a atenção diferenciada, que preconiza a
adequação dos serviços por meio da preparação dos
profissionais de saúde para a atuação em contexto ontexto local do estudo
intercultural, a articulação com os sistemas tradicio-
nais de saúde e a diferenciação das ações e tecno- O Dseirn está localizado no noroeste amazô-
logias para os contextos locais. Porém, essa diretriz

Artigos de pesquisa
nico, região Alto Rio Negro, no município de São
encontra muitas dificuldades para sua concretização Gabriel da Cachoeira, na fronteira com a Colômbia.
nos distritos. Atualmente, ali vivem 17 povos falantes de idiomas
Alguns conflitos éticos oriundos da relação in- de três troncos linguísticos — Arawak, Tukano e
tercultural entre povos indígenas e sociedade nacio- Maku. Nosso estudo ocorreu na região do rio Içana,
nal permanecem polêmicos, mas a literatura cientí- afluente do Rio Negro, onde vivem os membros da
fica sobre as questões éticas que emergem com a etnia Baniwa 30, alvo de interesse da pesquisa.
implantação do subsistema de saúde indígena ainda O estudo foi realizado no baixo curso do Rio
é incipiente. A pouca bibliografia disponível foca a Içana, nas aldeias Baniwa, ficticiamente denomina-
questão do infanticídio 5, 19-24 e a ética em pesquisa 25. das de Açaí e Buriti. A área do Baixo Içana compre-
ende uma região geopolítica localizada entre a foz
do Rio Içana e o médio curso do mesmo rio, local
sob antiga influência do processo colonizatório; es-
todo paço preponderante de trocas comerciais estabe-
lecidas no regime de extrativismo de produtos da
Esta é uma pesquisa qualitativa, interessada selva, cuja influência econômica se faz sentir até
no “ponto de vista do ator” como produtor de sen- meados do século XX.

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Reflexões sobre questões morais na relação de indígenas com os serviços de saúde

A relativa proximidade com a sede municipal entes podiam ser encaminhados à Manaus – nesses
de São Gabriel da Cachoeira favoreceu o intenso casos, a Casai de Manaus hospedava os pacientes e
contato interétnico, a continuada atuação de mis- gerenciava a continuidade do cuidado.
sões religiosas e o maior contato com agências da Durante o trabalho de campo foi identificado
sociedade nacional, o que acentuou as transforma- que a remoção para a cidade gerava conflitos en-
ções no modo Baniwa de viver 31. A organização e re- tre as famílias indígenas e as equipes do Dseirn. De
produção da vida social Baniwa é fortemente apoia- acordo com os AIS, frequentemente as pessoas de-
da em um sistema de saberes míticos e na forma de sistiam da remoção ou se recusavam a ser desloca-
organização de parentesco, que são fundamentais das ou a permitir a transferência de familiares para
para a compreensão da origem, manutenção e clas- a cidade. Na literatura, encontramos que esse tipo
sificação das doenças nessa sociedade 32,33. de situação é também comum em outras regiões.
Stamp e colaboradores 35 relatam que a transferên-
Resultados e discussão cia para serviços em áreas urbanas é uma experiên-
cia intimidadora para indígenas de áreas remotas na
Austrália, e diz respeito ao receio do ambiente e de
Nas comunidades estudadas as famílias pre- pessoas desconhecidas, às dificuldades e custos nos
ferencialmente buscavam resolver seus problemas deslocamentos e alojamento, às inadequações cul-
de saúde com recursos locais, que abrangiam: a) os turais dos serviços e às dificuldades de comunicação
cuidados domésticos/familiares, mediante uso de relacionadas ao bilinguismo desses povos e, por ve-
plantas medicinais, e/ou dietas e/ou automedica- zes, à pouca fluência nos idiomas nacionais.
ção com remédios industrializados; b) a consulta a
terapeutas tradicionais indígenas; c) o atendimento Na etapa de análise da pesquisa foram selecio-
pelos AIS; d) menos frequentemente, a busca de nados os registros no diário de campo relacionados
assistência junto a enfermeiros e técnicos de en- com as situações de remoção, relatados pelos usuá-
fermagem das unidades de apoio denominadas de rios indígenas ou acompanhados pela pesquisadora,
polos-base. que serviram de material empírico para a discussão
sobre a perspectiva dos indígenas acerca dos confli-
Em geral, a população indígena usava de forma tos com os serviços de saúde.
concomitante os diferentes recursos de saúde exis-
tentes no território; para eles não existiam conflitos
ou contradições no uso de terapêuticas biomédicas Barreiras nos serviços e discriminação nos serviços
e tradicionais, conjuntamente, caracterizando-se de saúde
um pluralismo médico que é, segundo Menéndez 34,
típico das sociedades latino-americanas, nas quais “Durante uma visita com o AIS Rodrigo, ele comenta
os sujeitos e grupos sociais realizam constantemen- com as três famílias reunidas que eu tinha pergunta-
te articulações entre as variadas formas de atenção do as razões pelas quais as pessoas não gostam de
à saúde. ir para a cidade. O sr. Abreu diz que a Casai mistura
muita gente, que o local é sujo e bagunçado, porque
Os AIS, como membros das equipes multipro-
Artigos de pesquisa

os funcionários não limpam o local e dizem que os


fissionais de saúde do Dseirn, realizavam a primeira indígenas é que deveriam limpar. Depois Dona Ma-
avaliação e conduta dos usuários indígenas do sub- ria diz que a Casai de Manaus é pior que a de SGC,
sistema de saúde nas aldeias, bem como delibera- que lá não tem onde colocar a rede, que tem que
vam sobre as primeiras condutas. Se concluíssem dormir no chão” (Trecho do diário de campo da co-
que o caso era grave ou que não possuíam recursos munidade Açaí) .
locais para resolver o problema de saúde identifica-
do, se comunicavam por radiofonia com a sede do Muitos relatos deixavam claro que, para os
Dseirn em busca de orientação sobre procedimentos indígenas, as condições da Casai eram inadequadas
ou para solicitar a remoção do doente para a cidade. para a hospedagem de pacientes e familiares. Essas
Na cidade de SGC localiza-se uma Casa de Saú- experiências negativas eram reforçadas por histórias
de do Índio (Casai), unidade de apoio, que oferecia semelhantes de outras famílias nas Casai e nos de-
hospedagem e cuidados de saúde aos indígenas en- mais serviços de saúde – esse tipo de percepção ne-
caminhados para atendimento na rede de referên- gativa dos serviços de saúde foi também identificado
cia da sede do município (hospital e ambulatório), na Austrália por Stamp e colaboradores 35 e Aspin 9.
gerenciada pelas secretarias estadual e municipal de Os indígenas demonstravam desconfiança na
saúde, respectivamente. Quando necessário, os do- relação com os profissionais não indígenas e inse-

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Reflexões sobre questões morais na relação de indígenas com os serviços de saúde

gurança quando eram transferidos para os serviços No caso dos Baniwa, a origem e a classificação das
urbanos, pois nestes se sentiam desconfortáveis, doenças são feitas a partir de um sistema de saberes
maltratados e submetidos a condições inadequa- míticos relacionados com guerras entre famílias de
das. Dessa forma, a adesão às orientações e trata- heróis criadores 38. Garnelo e Buchillet 33 estabelecem
mentos ofertados era prejudicada e a remoção re- a taxonomia das doenças dos povos indígenas rione-
cusada pelos pacientes ou seus familiares, situação grinos, entre os quais os Baniwa, cujos fundamentos
igualmente referida por outros autores 6,7,9,35. Stamp são: doenças relacionadas com a agressão de seres-
e colaboradores 35 destacam que a falta de informa- -espíritos; com envenenamentos, uma forma de bru-
ção disponível para os indígenas sobre o que espe- xaria que tem lugar central na cosmologia Baniwa;
rar dos hospitais de referência agrava esse descon- com conflitos de gênero que remetem às guerras
forto e consideramos que isso pode também ser um ancestrais entre homens e mulheres; doenças pro-
fator relevante na região do Rio Negro. vocadas por Yoópinai – seres-espíritos da floresta; e
doenças provocadas pelo contato, mas inseridas na
Esse tipo de situação foi classificado por Be-
cosmologia tradicional.
tancourt 6 como barreiras estruturais no acesso aos
serviços, pois se refere a dificuldades encontradas Tais especificidades da compreensão do pro-
devido aos desenhos da estrutura física e de ges- cesso saúde-doença coexistem com a oferta de
tão dos serviços de saúde, como a hospedagem e serviços governamentais baseados em APS, que
manutenção dos espaços. Para o autor, esse tipo de são utilizados pelos indígenas no enfrentamento de
barreiras também inclui a ausência de intérpretes, seus problemas de saúde. Porém, na região do Rio
demora nos atendimentos, dificuldades na referên- Negro os relatos dos indígenas revelaram o despre-
cia a serviços especializados, ausência de material paro das instituições e dos profissionais de saúde
educativo e informações culturalmente sensíveis 6. para lidar com essas especificidades socioculturais
Essas outras dificuldades no acesso nos serviços de do processo saúde-doença:
saúde também são enfrentadas pelos indígenas bra-
sileiros e mais uma vez podem ser compreendidas “Pergunto por que as pessoas não gostam de ir para
como a falta de respeito ao que os identifica e carac- SGC? A agente Denise diz que o problema era que
teriza naquela comunidade em particular. na Casai a comida é ruim e eles misturam as etnias.
Denise também fala que havia um senhor que come-
Apesar de a legislação brasileira 36 determinar çou com inchaço generalizado, ela pediu resgate e a
o atendimento humanizado, acolhedor e livre de família, a princípio, concordou, mas depois desistiu.
qualquer discriminação nos serviços, o funciona- A família achava que era doença tradicional (sopro)
mento das instituições de saúde reflete valores e e queria tratar com remédio tradicional” (Trecho do
concepções existentes na sociedade. E percebemos diário de campo da comunidade Açaí).
que visões estereotipadas sobre os modos de vida
dos indígenas levam à discriminação desses usuá- Nesse relato identificamos algumas barreiras,
rios nos serviços – o que é também constatado por classificadas como clínicas para Betancourt 6, rela-
outros autores 7,9,37. O registro de que existem dispa- cionadas às diferenças socioculturais nos processo

Artigos de pesquisa
ridades no acesso e na qualidade do atendimento saúde-doença-cura e que levam a conflitos nos ser-
nos serviços de saúde relacionadas ao perfil étnico viços. A incompreensão dessas diferenças culturais,
é relatado em diversos estudos 2,6,9, embora tal si- por parte de profissionais de saúde e gestores, pode
tuação ainda seja pouco discutida na bibliografia ser expressa, por exemplo, na inadequação cultural
brasileira. quando da organização de serviços oferecidos na
Casai, tais como: a mistura de pessoas de diferen-
tes etnias, entendida como uma situação de risco
O desafio da diversidade e da pluralidade médica à saúde; a desconsideração das dietas e restrições
na atenção alimentares tradicionais das famílias enfermas; e a
Segundo Betancourt 6, o reconhecimento da proibição de especialistas, conhecedores de plantas,
necessidade de adequação, ou de competência cul- pajés e benzedores realizarem seus tratamentos nos
tural dos serviços, tem se tornado mais evidente nos espaços dos serviços públicos, além do não reco-
últimos anos e no caso da atenção à saúde direcio- nhecimento das doenças tradicionais.
nada aos povos indígenas é mais evidente e neces- Garnelo e Wright 32 destacam que o desloca-
sária, posição compartilhada por vários autores 7,3,2. mento de doentes para a cidade e a permanência
Para cada cultura, os sintomas, as classificações na Casai são eventos temidos para membros dessa
e as terapêuticas para os problemas de saúde variam. etnia, pois a produção de alimentos por pessoas de

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Reflexões sobre questões morais na relação de indígenas com os serviços de saúde

outros grupos é identificada como situação de risco dado proporcionado por indígenas, que envolva a
para adoecimento, não por razões biomédicas, mas cultura, a comunidade e a espiritualidade. Para El-
por ameaçar o modo de vida. Em paralelo, mesmo lerby e colaboradores 3, devido a uma imposição de
entre os indígenas urbanizados existe o receio de valores ocidentais as instituições de saúde também
não poder seguir a dieta adequada para cada fase vi- podem ser associadas à cultura de colonização.
tal, segundo as tradições. A internação em hospitais Para os indígenas, os parâmetros que orien-
ou permanência na Casai gera a ruptura de regras tam a tomada de decisão em situações clínicas não
dietéticas, bastante restritivas para os enfermos e diferem daqueles aplicados nas demais situações da
suas famílias, que alguns grupos mantêm. Na maior vida. As decisões éticas indígenas seriam frequen-
parte dos casos, essas regras não são exclusivas para temente situacionais e altamente dependentes de
o indivíduo enfermo e se estendem à família, o que é valores e do contexto familiar e comunitário 3. No
diferente da lógica dos serviços de saúde, cujo foco
contexto rionegrino, o ethos é fortemente orientado
da atenção é exclusivamente o enfermo. Além disso,
pela família (parentesco) e vida comunal. Para Eller-
para essas sociedades a presença da família serve
by e colaboradores 3, a ética indígena é mais bem
de apoio para os doentes, característica encontrada
entendida como um processo relacional e, de fato,
em outros contextos 3,35.
percebeu-se no trabalho de campo que para os indí-
Para os indígenas, existe o uso complementar, genas era extremamente importante, na tomada de
não conflitivo, de recursos biomédicos e tradicionais; decisão, a qualidade da relação com os profissionais
mas para os profissionais de saúde é muito difícil de saúde, principalmente com relação à confiança,
aceitar essa coexistência. Lorenzo 39 enfatiza o fre- amizade e empatia.
quente etnocentismo na implantação das ações de
Também percebemos que para os indígenas e
saúde, baseado em uma visão de que o saber cien-
suas famílias do Alto Rio Negro os riscos e benefícios
tífico deve esclarecer e/ou validar o saber local 39.
para o indivíduo podem ser relativizados diante dos
Dessa forma, observamos que as práticas locais dos
interesses da família e da comunidade, e a presença
especialistas de cura são toleradas nos territórios in-
da família na tomada de decisão clínica é fundamen-
dígenas, mas não em serviços de saúde.
tal. Concordamos com autores 2,43 que apontam que
Atualmente, a maioria dos profissionais de a ênfase dominante na sociedade ocidental no res-
saúde que atuam nos distritos não recebeu nenhu- peito à autonomia – entendida como uma tomada
ma preparação para trabalhar no contexto indígena. de decisão individual, que prioriza o consentimento
Vários autores brasileiros identificam o desconheci- individual do enfermo – deveria ser substituída por
mento dos profissionais não indígenas da história, concepções coletivistas. Ao invés de atribuir a uni-
culturas e sistemas médicos dos povos indígenas 39-41, dade da decisão autônoma ao indivíduo, esta pode
e confirmam que os profissionais de saúde têm di- ser a família ou a comunidade, como identificado
ficuldades na compreensão do que seria a atenção por Hanssen 43.
diferenciada 41,42. As ações de saúde implementadas
Os profissionais de saúde deveriam ser capa-
nos distritos e na Casai são baseadas nos programas
zes de reconhecer os diferentes modos de tomada
nacionais de saúde, sem adequações significativas
Artigos de pesquisa

de decisão, de noção de família e das formas de


nas tecnologias, sistemas de informação ou metas.
comunicação dos usuários indígenas 2. Observou-
Em decorrência, as concepções universalistas dos
-se essa dificuldade durante o trabalho de campo,
profissionais de saúde concretizam-se em um cui-
quando um membro da comunidade sofreu uma pa-
dado tecnicamente padronizado aos doentes, sem
ralisia. Dada a possibilidade de o indivíduo ter sofri-
quaisquer considerações em relação às suas singula-
do um acidente vascular cerebral, tentou-se conven-
ridades culturais.
cê-lo em aceitar a remoção rápida via transporte do
Dseirn. Porém, desde a primeira conversa o enfermo
Diferentes valores morais, formas de autonomia e afirmou desejar deslocar-se por meios próprios, o
os conflitos durante a tomada de decisão que levaria muito mais tempo. Somente após dois
Pelo relato dos usuários indígenas percebe- dias de diálogo compreendeu-se e foi aceito que o
se que nos serviços de saúde eles são solicitados a enfermo queria gerenciar seu cuidado com os pró-
tomar decisões com base em valores biomédicos. prios recursos, de modo que pudesse, no percurso,
Entretanto, segundo Garvey e colaboradores 2, na parar em outra comunidade para encontrar com seu
perspectiva indígena frequentemente o compromis- filho, realizar tratamento tradicional, ficar hospeda-
so com a qualidade de vida é maior do que a busca do na casa de familiares na cidade e procurar o hos-
da cura, assim como o desejo de receber um cui- pital autonomamente e não pelo Dseirn.

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Reflexões sobre questões morais na relação de indígenas com os serviços de saúde

Essa postura inicial reflete o paternalismo que “mesoesfera” situada nas relações com os Estados
marca a prática médica no Brasil, que enfatiza que nacionais; e a “macroesfera” das deliberações e
o profissional deve atuar sempre no sentido de res- ações de organismos internacionais.
taurar a saúde e prolongar a vida dos pacientes,
mesmo sem sua aprovação e inclusive contra sua Internacionalmente, existem disposições le-
vontade 44. Esse ethos, entendido como valor que gais e marcos que defendem o discurso indígena e
regula a conduta cotidiana dos profissionais, é justi- indigenista. Contudo, no âmbito da “microesfera”
ficado pela ideia de que o saber técnico seria o único observou-se que as regras e valores morais diferiam
critério válido para garantir o melhor interesse do entre indígenas e profissionais de saúde. Ademais,
paciente 44. Menéndez 45 enfatiza que no processo o pouco tempo para diálogo durante os atendimen-
de hegemonia da biomedicina construiu-se a situa- tos, o curto período de permanência das equipes nas
ção de paciente subordinado ao conhecimento mé- comunidades, a falta de acompanhamento longitu-
dico, postura incorporada no habitus profissional. dinal dos pacientes e a alta rotatividade dos profis-
sionais entram em conflito com a importância dada
Porém, no Brasil, Barroso 46 refere que a Cons- pelos indígenas à qualidade das relações humanas
tituição de 1988 é um marco na garantia dos direi- na tomada de decisão e no processo terapêutico 3,43
tos individuais, adotando a concepção de dignidade e dificultam a constituição de comunidades de argu-
humana como a capacidade de ser autônomo. Esse mentação entre profissionais e indígenas – situação
jurista defende que prevaleceria legalmente no país encontrada em outros distritos 49,50.
a ideia de que os indivíduos, com base em seus va-
Quando ocorria discordância com a indicação
lores e princípios, sejam religiosos ou culturais, po-
de transferência para a cidade, os principais respon-
dem decidir sobre suas vidas e seus tratamentos
sáveis pelo diálogo e convencimento eram os AIS. O
médicos, inclusive podendo abrir mão de um direito
Dseirn adotou como estratégia solicitar aos que se
fundamental, como a vida.
recusam a remover os enfermos que assinassem um
Mas também é nesse ponto que observamos “termo de responsabilidade”, cujo maior objetivo pa-
que indígenas e não indígenas são estranhos morais. rece ser isentar o Dseirn das consequências da deci-
Autores do campo da saúde indígena 47 relatam que são. Essa estratégia é usada em outros distritos e, no
a oferta de cuidado à saúde é fortemente impactada nosso entendimento, dificulta o diálogo democrático
pelo conflito entre os valores de igualdade e indi- e o entendimento das motivações sobre as recusas.
vidualidade da sociedade ocidental e a organização
Alguns profissionais, com mais tempo e ex-
das etnias das terras baixas sul-americanas, caracte-
periência, aprenderam a dialogar com lideranças e
rizadas como sociedades de pessoas (e não de indi-
a realizar reuniões comunitárias para discutir seu
víduos) e marcadas pela tensão entre igualitarismo
planejamento e avaliação de atividades ou os pro-
e hierarquia nos grupos de parentesco. Este é o caso
blemas. Esse tipo de postura era bem vista pelos
específico das etnias do Alto Rio Negro.
indígenas e auxiliava na resolução de conflitos. Tal
A noção fundamental de liberdade individual iniciativa denota a importância de o profissional
de escolhas, que separa o indivíduo do meio socio- de saúde estabelecer diálogo e de, por meio deste,

Artigos de pesquisa
cultural, entra em conflito com a noção de cons- buscar o conhecimento sobre a realidade dos povos
trução coletiva da pessoa desses grupos 25,43,47,48. A indígenas, e aponta para tentativas de constituição
noção de indivíduo é algo particular e histórico e, de comunidades de argumentação entre usuários e
atualmente, é base das teorias científicas, políticas, profissionais.
éticas e do trabalho em saúde na sociedade ociden- Durante a estadia nos serviços de saúde em
tal, mas projetá-la para outras sociedades gera equí- área urbana, os indígenas também relataram difi-
vocos e conflitos. culdades para garantir seus direitos e desejos com
relação às condutas terapêuticas. Para o atendimen-
Estratégias de resolução de conflitos to de especialistas indígenas e uso de medicação
Ao considerar o referencial da ética discursiva, tradicional necessitavam retornar para as comuni-
o grande desafio no campo da saúde indígena é a dades. Alguns terapeutas indígenas entrevistados
constituição de comunidades de argumentação 15,17. relataram estratégias e tentativas de atenderem de
Oliveira e Oliveira 15 apontam três espaços sociais forma desapercebida nos serviços.
para o diálogo democrático e negociação: a “micro- É importante destacar que a regulação dessa
esfera”, referente ao âmbito da família e da comu- relação entre serviços de saúde e usuários indíge-
nidade; a nas está no âmbito da “mesoesfera”, da formulação

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Reflexões sobre questões morais na relação de indígenas com os serviços de saúde

e implementação Pnaspi e de seus mecanismos Essa situação tem levado a experiências negativas e
de participação e constituição de comunidades de desrespeitosas nos serviços, a falhas de comunica-
argumentação. No contexto atual, identifica-se di- ção, à insatisfação, à baixa aderência aos tratamen-
ferentes entraves para a constituição de espaços tos, à desconfiança na relação com os profissionais,
democráticos de diálogo, pois as instâncias locais entre outros problemas. Destacamos que alguns
e distritais de controle social não têm sido efetivas. desses problemas identificados não são específicos
No âmbito nacional, observa-se a incorporação de para essa população.
lideranças indígenas substituindo a construção de
A questão moral subjacente reside na não con-
espaços de diálogo representativos; na última Con-
sideração da perspectiva do sujeito indígena no seu
ferência Nacional de Saúde Indígena, em 2013, os
modo de conduzir a vida e o processo terapêutico.
gestores utilizaram diferentes estratégias para man-
Não considerar neste caso significa não conhecer ou
ter sua hegemonia na condução das deliberações
respeitar e isso expressa a persistência da perspec-
– e observa-se diferentes ações governamentais e
tiva etnocêntrica, que advoga que o indígena ainda
políticas que retrocedem nos direitos indígenas.
precisa ser protegido de si próprio.
Nas situações discutidas entre profissionais
onsiderações nais de saúde com usuários indígenas ficaram evidentes
os choques entre habitus distintos e a configuração
A recusa dos indígenas no que diz respeito de uma relação entre estranhos morais. Ademais,
à transferência para os serviços de saúde em área percebe-se que as condições e as características do
urbana, identificada no Dseirn, revelou diversos encontro entre profissionais de saúde e usuários in-
elementos conflitivos da relação entre indígenas e dígenas dificultam a constituição de comunidades
profissionais de saúde. Na nossa análise, esses re- de argumentação para a resolução de discordâncias.
latos não se referiam a recusa à atenção biomédica É necessário que os profissionais atentem para
propriamente dita, mas às barreiras culturais ine- as percepções, expressões e valores de cada usuá-
rentes à estrutura e proposta operacional dos ser- rio indígena, e que flexibilizem suas práticas diante
viços, bem como à desconsideração da perspectiva de cada contexto. A valorização da família durante
dos indígenas sobre o processo terapêutico. o cuidado e a tomada de decisão, o uso de intér-
Foi também possível verificar conflito entre pretes durante o processo, o reconhecimento e o
prioridades sociais, rituais ou familiares dos grupos respeito dos conhecimentos e práticas tradicionais
estudados, cuja importância não era percebida pe- de saúde parecem fundamentais para consolidar a
los profissionais de saúde e, por isso, se tornavam relação entre profissionais de saúde e indígenas nos
competitivas com a oferta dos cuidados de saúde. serviços de saúde.

Artigo produzido no âmbito do Projeto Saúde e Condições de Vida de Povos Indígenas na Amazônia, Programa
de Apoio a Núcleos de Excelência – Pronex/Fapeam/CNPq, Edital 003/2009.
Artigos de pesquisa

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345
Reflexões sobre questões morais na relação de indígenas com os serviços de saúde

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Revisado: 8.5.2014
ar ci ação dos autores: Ana Lucia de Moura Pontes coletou os dados, analisou-os e elaborou o
Aprovado: 20.6.2014
trabalho para o doutorado em Saúde Pública (Ensp/Fiocruz); Luiza Garnelo co-orientou o estudo,
tendo participado da análise dos dados e da redação final do artigo; Sergio Rego orientou o estudo,
tendo participado da análise dos dados e redação final do artigo.
Artigos de pesquisa

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 338-46 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222015


346
Problemas bioéticos na Estratégia Saúde da Família:
reflexões necessárias
Selma Vaz Vidal 1, Luís Cláudio de Souza Motta 2, Andréia Patrícia Gomes 3, Rodrigo Siqueira-Batista 4

Resumo
Trata-se de revisão de literatura abordando os principais problemas éticos no âmbito da Estratégia Saúde da
Família (ESF). Foram utilizados 15 artigos publicados no período de 1994 a 2012 e textos qualificados como
complementares. Puderam ser destacadas, nos resultados, três grandes categorias de problemas bioéticos:
1) relações entre profissionais/trabalhadores e usuários do sistema de saúde; 2) relações entre profissionais/
trabalhadores no domínio da equipe; e 3) relações ético-políticas, afins à intersetorialidade, na esfera do Sis-
tema de Saúde – e uma quarta categoria, ligada à esfera ambiental, que ainda necessita melhor delimitação
empírica e conceitual. As considerações finais assinalam os principais complicadores para a adequada abor-
dagem dos problemas bioéticos na ESF e as possibilidades de seu equacionamento a partir do emprego de
estratégias de educação permanente; e análise embasada nos referenciais teóricos da bioética da proteção e
da bioética de intervenção.
Palavras-chave: Bioética. Estratégia Saúde da Família. Atenção primária à saúde.

Resumen
Problemas bioéticos en la Estrategia Salud de la Familia: reflexiones necesarias
Se trata de una revisión de la literatura abordando los problemas éticos clave dentro de la Estrategia Salud
de la Familia (ESF). Se utilizaron 15 artículos publicados entre 1994 a 2012 y textos calificados como com-
plementarios. Se han destacado en los resultados, tres grandes categorías de problemas bioéticos: 1) las
relaciones entre profesionales/trabajadores y usuarios del sistema de salud; 2) las relaciones entre profesio-
nales/ trabajadores en el ámbito del personal; y 3) las relaciones ético-políticas, en el ámbito del sistema de
salud – y una cuarta categoría, vinculado a la esfera del medio ambiente, que todavía necesitan límites más
empíricos y conceptuales. Las consideraciones finales indican la principal complicación el enfoque adecuado
a los problemas bioéticos en ESF y las posibilidades de ecuación por medio del empleo de estrategias para la
educación continua; y análisis empleando los principios teóricos de la bioética de protección y de la bioética
de intervención.
Palabras-clave: Bioética. Programa de salud familiar. Atención primaria de la salud.

Abstract
Bioethical Issues in the Family Health Strategy: relevant reflections
This is a literature review aimed at key ethical problems within the Family Health Strategy. 15 articles publi-
shed between 1994 and 2012 and texts considered complementary were used. It could be highlighted in the
results, three major categories of bioethical issues: 1) those concerning relations between professionals/
workers and users of the health system; 2) those relating to relations between professionals/workers in the

Artigos de pesquisa
field of staff; and 3) those related to ethical-political relations, related to intersectionality, in the Health Sys-
tem sphere - and a fourth category, linked to the environmental sphere, which still needs better empirical and
conceptual boundaries. The final considerations indicate the main complicating factors to a proper approach
to the bioethical problems in Family Health Strategy and the possibilities of their addressing from the em-
ployment of strategies for continuing education and analysis based on the theoretical principles of bioethics
protection and bioethics intervention.
Key words: Bioethics. Family health program. Primary health care.

1. Doutora vazvidal@yahoo.com.br – Prefeitura Municipal de Magé/RJ, Brasil e Programa de Pós-graduação em Bioética, Ética Aplicada
e Saúde Coletiva (PPGBIOS), Rio de Janeiro/RJ, Brasil 2. Doutorando lcsmotta@hotmail.com – Programa de Pós-graduação em Bioética,
Ética Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBIOS), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Centro Universitário Serra dos Órgãos
(Unifeso), Rio de Janeiro/RJ, Brasil 3. Doutora andreiapgomes@gmail.com – Universidade Federal de Viçosa, Viçosa/MG, Brasil 4. Doutor
rsbatista@ufv.br – Programa de Pós-graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBIOS), Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro/RJ e Universidade Federal de Viçosa, Viçosa/MG, Brasil.

Correspondência
Selma Vaz Vidal – Rua Salma Repani, 31 CEP 29900-409. Magé/RJ, Brasil.

Declaram não haver conflito de interesse.

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222016 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 347-57


347
Problemas bioéticos na Estratégia Saúde da Família: reflexões necessárias

A bioética e a Estratégia Saúde da Família (ESF) atenção primária à saúde (APS), garantindo a reor-
são domínios teórico-práticos capazes de unir a ganização da prática assistencial – em termos de
clínica e a saúde pública, sendo consideradas, por ações de cuidado –, com foco na família. Ademais,
analogia, como genuínas pontes 1. A bioética alude reconhece a extrema relevância do ambiente físico
aos problemas morais que emergem da intervenção e das relações sociais no processo saúde-doença,
humana em diferentes campos, com destaque para além de garantir a equidade no acesso à atenção
aqueles inerentes às relações estabelecidas em to- em saúde 6,8. Igualmente, possibilita o envolvimen-
dos os níveis da atenção à saúde. Enveredar-se nes- to com a comunidade, especialmente pela atuação
ta temática requer o auxílio de conceitos fundantes dos agentes comunitários de saúde (ACS), e situa as
da ética, vez que os aspectos éticos da atenção à equipes multiprofissionais mais próximas às pessoas
saúde nem sempre são visíveis aos gestores, usu- em seus espaços de vida.
ários e trabalhadores da área da saúde e, ao final, Dentre os princípios que norteiam a ESF, de-
interferem direta e indiretamente na consolidação vem ser destacados: 1) processos de trabalho ba-
do Sistema Único de Saúde (SUS). seados nos conceitos de prevenção de agravos,
O SUS é resultado de uma histórica luta pela promoção e vigilância da saúde; 2) a integralidade
democratização da saúde no Brasil, classicamente e a hierarquização vinculadas à rede de serviços,
denominada Movimento da Reforma Sanitária, que assegurando a referência e contrarreferência para
teve seu apogeu na década de 80, caracterizando- os diversos níveis; e 3) a territorialização e a vin-
-se como importante mobilização nacional de rei- culação, provenientes do trabalho na microárea de
vindicações por mudanças, radicais, no ineficiente abrangência, definida por meio do cadastramento e
e insuficiente sistema sanitário vigente 2. Destarte, do acompanhamento de determinado número de
buscava-se a ampliação da organização popular com famílias por cada equipe 8. Essa proposta objetiva
a emergência de novos atores sociais, produzindo o substituir a forma de pensar e praticar saúde, trans-
incremento das demandas sociais sobre o Estado, formando o tradicional modelo biomédico – preva-
em prol da universalização do acesso à saúde como lentemente curativo, que enfatiza o adoecimento in-
direito fundamental para todos, domínios que ser- dividual e a assistência centrada nas especialidades
viram de subsídio para a elaboração do capítulo da desarticuladas – em uma clínica ampliada, multi e
saúde na Constituição da República Federativa do interprofissional, com foco na família e na comuni-
Brasil de 1988 3. dade 3,9. Ademais, o desafio que se coloca é a trans-
Dessa forma, a criação do SUS abre perspecti- formação da assistência inscrita no procedimento
vas para apoiar ações no domínio social e na esfera para o cuidado à saúde centrado no usuário.
pública, as quais possam garantir a participação po- A transformação radical na lógica de operar
pular na gestão. Ante esta realidade, a participação no campo da saúde tem motivado questionamen-
popular e o conhecimento da comunidade sobre o tos quanto ao papel da ESF na reformulação do SUS,
SUS se fazem de extrema importância, devido ao uma vez que neste, não raras vezes, são mantidas
fato de que só é possível avançar na qualidade dos estruturas atinentes ao tradicional modelo biomédi-
serviços e das ações de saúde com a cooperação co, o qual solapa o processo de trabalho no cotidia-
Artigos de pesquisa

social efetiva, à medida que seus atores se tornem no do sistema de saúde 10. Nesse sentido, o SUS vem
capazes de apontar os problemas e as soluções re- seguindo um difícil processo de consolidação, prin-
lativas às díspares demandas 4,5. Não obstante, para cipalmente no que tange à questão do financiamen-
que isto aconteça é necessária a existência de espa- to, enfrentando um contexto que tornou premente
ços que possibilitem o empoderamento/a libertação a necessidade de se repensar sua organização na
dos cidadãos – no âmbito da reorganização do SUS sustentabilidade do desenho atual. Tal contexto
–, no sentido de ampliar a inclusão social. Desde tem exposto diferentes níveis de problemas éticos
esta perspectiva, a Estratégia Saúde da Família (ESF) – criando tensões que emanam da organização da
– criada como Programa Saúde da Família (PSF) em rede de saúde, alcançando o âmago da equipe e o
1994, pelo Ministério da Saúde – tem sido proposta usuário –, os quais apresentam clara inter-relação
como campo significativo para a transformação do com o domínio da bioética.
modelo de atenção à saúde no país, provocando re- De fato, ao se considerar o conceito de bioéti-
flexões e mudanças nas instituições e na práxis dos ca elaborado por Warren Thomas Reich na Enciclo-
cidadãos brasileiros 6,7. pédia norte-americana de bioética, edição revisada
A ESF visa prestar atendimento de qualidade, de 1995 – ou seja, um estudo sistemático das dimen-
integral e humanizado, em unidades municipais de sões morais, incluindo visão moral, decisões, condu-

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348
Problemas bioéticos na Estratégia Saúde da Família: reflexões necessárias

tas e políticas, das ciências da vida e dos cuidados Levantamento bibliográfico e seleção dos artigos
da saúde, empregando uma variedade de metodo- O caminho percorrido na pesquisa diz respeito a
logias éticas em um ambiente interdisciplinar 11 –, uma revisão da literatura com estratégia de busca de-
percebe-se que se trata de um campo do conheci- finida, utilizando a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).
mento dirigido à abordagem das questões morais,
Os descritores empregados foram selecionados por
procurando descrevê-las adequadamente para, ato
meio de pesquisa aos 1) Descritores de Ciências da
contínuo, prescrever as melhores condutas, do pon-
to de vista do sujeito autônomo, racional e razoável, Saúde (DeCS) e 2) Medical Science Health (MeSH).
capaz de tomar decisões sobre o certo e o errado. Os artigos que compuseram a amostra deste
Tal proposição parte do pressuposto de que, estudo contemplaram os seguintes critérios de in-
em princípio, todo indivíduo racional é capaz de reali- clusão: publicações no período de 1994 – ano de im-
zar julgamentos morais, capacidade que se desenvol- plantação do Programa Saúde da Família – a 2012;
verá mais ou menos, de acordo com as características publicações em periódicos indexados; disponibili-
e as oportunidades da interação dos sujeitos com o dade nas fontes de informação das bases de dados
seu meio. De maneira geral, pode-se sintetizar essa SciELO Brasil e Saúde Pública e Lilacs. Na base Pub-
evolução do desenvolvimento individual pelo deslo-
Med empreendeu-se a estratégia de busca com os
camento do julgamento alicerçado em razões hete-
seguintes unitermos: “Bioethics” e “Family Health
rônomas ao fundamentado em razões autônomas e
prioridade dos interesses egoísticos para as análises Program” (Estratégia 1) e “Bioethics” e “Primary He-
baseadas em princípios éticos universais 11. Neste alth Care” (Estratégia 2). Os artigos foram filtrados
movimento, as condições da interação dos indivíduos com o operador padrão and, o qual inclui todas as
com seu meio social – e as oportunidades que esse palavras contidas nos descritores. Foram conside-
meio social lhes oferece – tornam-se determinantes radas publicações em inglês, espanhol e português.
para a compreensão da sucessão de mudanças que
A seleção dos artigos para a composição da
ocorrem diuturnamente. Isto confere relevância aos
revisão baseou-se nos seguintes critérios: 1) abor-
processos de educação, tendo em vista o pressuposto
de formação dos profissionais de saúde, não apenas dagem de temática pertinente às questões bioéticas
nos aspectos técnicos, mas também éticos 12. no âmbito da APS/ESF e 2) disponibilidade de aces-
so, via web ou Programa de Comutação Bibliográfica
Com essas preliminares considerações, tendo
em vista as intersecções entre ESF e bioética e o re- (Comut). Após a análise das citações obtidas, foram
conhecimento de que, a priori, “toda ética é, antes, selecionados 15 artigos que compuseram o estudo.
uma bioética” 12, foi construída a pergunta norteado-
ra para o desenvolvimento da investigação: “Quais
Análise dos artigos
problemas bioéticos são identificados no âmbito da
O material coletado passou por classificação
Estratégia Saúde da Família, em artigos indexados
no período de 1994 a 2012?” Delineou-se o objetivo de cunho analítico e gerou um quadro demonstrati-

Artigos de pesquisa
do ensaio, assim enunciado: descrever os principais vo – com títulos dispostos em ordem crescente por
problemas bioéticos presentes na APS/ESF, a partir ano de publicação –, no qual se buscou evidenciar o
de revisão de literatura. estado do conhecimento acerca das questões bioé-
ticas atinentes ao espaço-tempo da APS/ESF.

étodo
adro Distribuição dos títulos, ano de publicação, métodos e problemas bioéticos identificados nos
artigos sobre bioética e Estratégia Saúde da Família
ít lo ano de Princi ais roblemas bioéticos
étodo
blica o denti cados
• Estudo qualitativo. Realização de grupo focal • Formação técnica insuficiente dos
Dilemas bioéticos
com dinâmica de grupo agentes comunitários de saúde
no cotidiano do
• Participantes do estudo: dois grupos de nove para atuação no SUS, nas situações
trabalho do agente
agentes comunitários de saúde (ACS) persistentes (violência, uso de drogas
comunitário de
• Cenário: unidades da Secretaria Municipal de ilícitas, gravidez precoce e aborto)
saúde (2004) 13
Saúde de Recife

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349
Problemas bioéticos na Estratégia Saúde da Família: reflexões necessárias

ít lo ano de Princi ais roblemas bioéticos


étodo
blica o denti cados
Bioética e atenção • Estudo empírico, qualitativo, de ética
básica: um perfil descritiva, realizado a partir de entrevista
• Problemas éticos nas relações com
dos problemas semiestruturada. Realizada análise categorial
usuários e família
éticos vividos temática, conforme proposto por Bardin
• Problemas éticos nas relações da equipe
por enfermeiros • Participantes do estudo: 17 enfermeiros e 16
• Problemas éticos nas relações com a
e médicos do médicos
organização e o sistema de saúde
Programa Saúde da • Cenário: unidades básicas de saúde (PSF
Família, São Paulo, implantado) do município de São Paulo
Brasil (2004) 14
Bioética e atenção
• Estudo quantitativo, exploratório, de ética
básica: um estudo
descritiva. Coleta de dados com questionário • Problemas éticos nas relações com
exploratório
autoaplicado usuários e família
dos problemas
• Participantes do estudo: 24 enfermeiros e 22 • Problemas éticos nas relações da equipe
éticos vividos por
médicos • Problemas éticos nas relações com a
enfermeiros e
• Cenário: unidades básicas de saúde (PSF organização e o sistema de saúde
médicos no PSF
implantado) do município de São Paulo
(2006) 15
Enfermeiros
e usuários do • Estudo empírico, qualitativo, de ética
• Problemas éticos nas relações com
Programa Saúde descritiva. Entrevista semiestruturada.
usuários e família
da Família: Realizada análise categorial temática,
• Problemas éticos nas relações da equipe
contribuições conforme proposto por Bardin
• Problemas éticos nas relações com a
da bioética para • Participantes do estudo: 17 enfermeiros
organização e o sistema de saúde
reorientar esta • Cenário: unidades de Saúde da Família do
relação profissional município de São Paulo
(2007) 16
• Estudo descritivo qualitativo, com as • Questões relacionadas à privacidade e
Mulheres vivendo questões tratadas no campo da bioética. à confidencialidade no relacionamento
com aids e os Entrevistas com roteiro semiestruturado. entre o profissional e a paciente
profissionais do Realizada análise de conteúdo • Problemas relacionados à autonomia do
Programa Saúde da • Participantes do estudo: seis mulheres usuário em decidir sobre a revelação de
Família: revelando o portadoras de HIV/aids informações à equipe do PSF
diagnóstico (2008) 17 • Cenário: Secretaria Municipal de São Paulo, • Conflitos na manutenção do direito à
Programa Saúde da Família e Serviço de privacidade e no exercício do dever do
Atendimento Especializado sigilo pelos profissionais da ESF
• Investigação quanti-qualitativa, empírica,
de ética descritiva. Realizadas entrevistas • Problemas éticos nas relações com
Problemas éticos na
Artigos de pesquisa

semiestruturadas (instrumento validado) e usuários e família


atenção básica: a
análise de conteúdo • Problemas éticos nas relações da equipe
visão de enfermeiros
18 • Participantes do estudo: 33 médicos e 30 • Problemas éticos nas relações com a
e médicos (2009)
enfermeiros organização e o sistema de saúde
• Cenário: Centro de Saúde Escola, Estratégia
Saúde da Família e unidade básica de saúde
• Limites da relação profissional-usuário
• Desrespeito do profissional com o
Bioética e atenção
• Artigo de revisão usuário
básica: para uma
• Propõe que a clínica ampliada própria para a • Desrespeito entre os profissionais de
clinica ampliada,
atenção primária à saúde requer amplificação saúde
uma bioética clínica
da bioética clínica • Necessidade da conjugação de direitos e
amplificada (2009) 19
responsabilidades, por meio da ética do
cuidado

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350
Problemas bioéticos na Estratégia Saúde da Família: reflexões necessárias

ít lo ano de Princi ais roblemas bioéticos


étodo
blica o denti cados
A percepção • Estudo exploratório de corte qualitativo.
do usuário do Entrevistas com roteiro semiestruturado.
• A privacidade e a confidencialidade no
Programa Saúde Categorias de análise: direito; respeito;
relacionamento entre o profissional e o
da Família sobre diferencial de informações privativas
paciente
a privacidade e a • Participantes do estudo: 30 usuários, maiores
confidencialidade de 18 anos
das informações • Cenário: unidade básica de Saúde da Família
(2009) 20 do município de São Paulo
• Usuários: a demanda espontânea/
• Pesquisa exploratória, com abordagem independência em relação aos
Processos de qualitativa integrantes da equipe de saúde
trabalho no • Participantes do estudo: três médicos, três • Profissionais de saúde:
Programa Saúde enfermeiras, dois técnicos de enfermagem e multidisciplinaridade, educação
da Família: quatro agentes comunitários de saúde continuada e permanente, estresse
atravessamentos e • Cenário: unidade de coleta de dados: técnica do trabalho, intensa rotatividade dos
transversalidades de discussão focal e, posteriormente, análise profissionais
(2009) 21 de conteúdo. ESF do município de Campo • Gestores: modelo de gestão praticado
Bom • Sistema de Saúde: questões atinentes
à referência e à contrarreferência,
predominância de modelo biomédico
• Estudo qualitativo. A coleta dos dados
• Falhas no sistema referência/
O olhar da bioética ocorreu em duas etapas, envolvendo
contrarreferência
de intervenção questionários e entrevistas. Procedeu-se
• Questões atinentes à participação
no trabalho do a análise de conteúdo, de acordo com o
popular e ao controle social na
cirurgião-dentista proposto por Bardi
manutenção do conselho de saúde
do Programa Saúde • Participantes do estudo: cirurgiões-dentistas
• Ineficiência das linhas de cuidados
da Família (PSF) que compunham as equipes de ESF
quanto ao princípio da universalidade do
(2010) 22 • Cenário: unidades de Saúde da Família de
SUS
Florianópolis
• Estudo com abordagem qualitativa e design
Acolhimento na
exploratório-descritivo. Realizada entrevista • Limitação do acesso do usuário à saúde e
atenção básica:
semiestruturada e análise de conteúdo, negação do direito
reflexões éticas
conforme proposta por Bardin • Dificuldades no acolhimento e na
sobre a atenção à
• Participantes do estudo: nove gestores, 10 proteção dos usuários pelos membros
saúde dos usuários
trabalhadores da saúde e sete usuários das unidades básicas de saúde
(2010) 23
• Cenário: rede básica de saúde de município • Fragmentação dos serviços de saúde
de grande porte no Estado de Santa Catarina
• Problemas éticos relativos à demanda

Artigos de pesquisa
Bioética da atenção • Questões éticas atinentes aos processos
primária à saúde • Artigo de revisão de trabalho nos serviços de cuidados
(2011) 24 primários

• Relato de experiência de capacitação de 40


horas, com enfoque problematizador como
• A formação de vínculos entre os
estratégia de ensino-aprendizagem, dirigido
profissionais da ESF e os usuários
Capacitação em à deliberação em bioética. Na análise,
• Desenvolvimento de competência ética
bioética para estimou-se a mobilização na sensibilidade
dos profissionais da ESF
profissionais da para percepção de problemas éticos com a
• Abordagem crítica da ética em saúde
Saúde da Família do aplicação de instrumentos antes e depois da
município de Santo capacitação
André, SP (2012) 25 • Participantes do estudo: seis médicos, seis
enfermeiros e um dentista
• Cenário: unidades da Estratégia Saúde da
Família, Santo André, SP

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Problemas bioéticos na Estratégia Saúde da Família: reflexões necessárias

ít lo ano de Princi ais roblemas bioéticos


étodo
blica o denti cados
• Interpretação dos problemas éticos
evidenciados pela prática dos profissionais da
atenção primária oriundos de dois estudos:
Hermenêutica dos • Problemas éticos nas relações com
1) A percepção dos profissionais sobre os
problemas éticos usuários e família
aspectos éticos da Estratégia Saúde da Família
percebidos por • Problemas éticos nas relações da equipe
(ESF) no município de Campo Bom (RS) – 2004
profissionais da • Problemas éticos nas relações com a
a 2006; e
atenção primária organização e o sistema de saúde
2) O discurso dos trabalhadores de uma
(2012) 26
unidade básica de saúde (UBS) de São Leopoldo
(RS) sobre a humanização dos serviços – 2007
a 2009
• Questões bioéticas relativas às tensões
• Estudo com abordagem quanti-qualitativa.
O cuidado no entre equipe e usuários
Realizada aplicação de questionário e análise
espaço-tempo • Questões bioéticas relativas às tensões
de conteúdo, conforme proposta por Bardin
do Oikos: sobre entre os próprios profissionais de saúde
• Participantes do estudo: profissionais da
a bioética e a • Importante dificuldade de
saúde que atuam na ESF
Estratégia de Saúde reconhecimento, pelos profissionais, das
• Cenário: unidades da Estratégia Saúde da
da Família (2012) 27 questões bioéticas atinentes ao processo
Família, Teresópolis/RJ
de trabalho
Fonte: pesquisa bibliográfica realizada pelos autores.

Discutidas à luz dos referenciais teóricos per- No exame dos elementos que compõem os arti-
tinentes as linhas gerais de apreciação da questão gos selecionados foi possível perceber a convergência
norteadora que versa sobre a identificação dos pro- para três principais ordens de problemas bioéticos: 1)
blemas bioéticos, no período de 1994 a 2012, na as relações entre os profissionais/trabalhadores – vale
ESF, são apresentadas a seguir. a ressalva de que neste estudo considerou-se a distin-
ção entre profissionais e trabalhadores de saúde, em
concordância com a classificação do Código Brasileiro
es ltados e disc ss o de Ocupações 28 – e os usuários do sistema de saúde;
2) as relações entre os profissionais/trabalhadores no
Dos artigos selecionados na amostra (n=15) domínio da equipe e 3) as relações ético-políticas da
percebe-se que nove trabalharam com o método intersetorialidade na esfera do SUS. Tal delimitação,
qualitativo, denotando certa predileção por essa pormenorizada em seguida, está intimamente articu-
estratégia de pesquisa por parte dos autores que lada aos resultados da pesquisa realizada por Zoboli
eslaboram os estudos bioéticos dirigidos à ESF/APS. e Fortes 14. Deve ser destacado que os artigos apon-
Ademais, cabe destaque para a predileção pela in- taram para a centralidade dos problemas éticos que
Artigos de pesquisa

vestigação empírica, na medida em que a mesma, interpenetram as relações conflituosas, os quais nem
no entender de Zoboli, trata-se de um meio para co- sempre são identificados pelos profissionais/trabalha-
dores da equipe de saúde, como questões bioéticas.
nhecer, compreender e avaliar como os profissionais
de saúde lidam com as questões da prática clínica, Uma quarta ordem percebida pelos autores
desvelando suas visões, atitudes e valores 25. desse ensaio – mas não trabalhada nos artigos sele-
cionados – diz respeito aos problemas bioéticos da
Os resultados/considerações dos artigos do
saúde vinculados à esfera ambiental, os quais serão
presente estudo demonstram que somente poucos
brevemente comentados.
autores referem e realizam a análise dos dados da
pesquisa à luz das correntes da ética e das teorias
da bioética. Nesse âmbito, duas correntes de pensa- Problemas bioéticos nas relações profissionais/tra-
mento bioético foram utilizadas prioritariamente – o balhadores e usuários do SUS na ESF
principialismo e o utilitarismo –, a despeito da pouca Foram identificadas dificuldades dos profissio-
elaboração argumentativa em torno dos problemas nais/trabalhadores na relação com o usuário/família,
atinentes ao SUS. Igualmente foram constatadas as quais dizem respeito ao estabelecimento de limi-
poucas publicações sobre a temática bioética e APS/ tes éticos e terapêuticos para atuação no estilo de
ESF na forma de artigos no período de 1994 a 2012. vida das pessoas, tendo em vista os determinantes do

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Problemas bioéticos na Estratégia Saúde da Família: reflexões necessárias

processo saúde-doença. Pode-se agrupá-los em duas as quais albergam problemas bioéticos, destacando-
ordens de questões principais: se a falta de compromisso, de companheirismo e
colaboração entre os membros da ESF, o desrespei-
to e o despreparo para o trabalho em equipe, as di-
• A comunicação entre profissional/traba- ficuldades na delimitação do campo de atuação das
lhador e usuário profissões, os questionamentos no desenvolvimento
A comunicação realizada por meio da relação das atividades clínicas, as omissões relativas às ações
dialógica, como parte do acolhimento, é o centro para de cuidado, a quebra do sigilo e a não solicitação de
a formação do vínculo da equipe de ESF com o usuá- consentimento aos usuários do SUS, nos casos de pu-
rio do sistema de saúde. Tal esfera abrange questões blicação científica 14,15,20,32.
bioéticas – habitualmente relacionadas aos “ruídos de
comunicação” –, dado que a ‘tecnologia’ das relações Com base nessas conjecturas, as tensões nas
é uma das mais complexas, por incluir conhecimentos, relações estabelecidas entre os membros da equipe
habilidades e comportamentos e requerer atitudes de da ESF exprimem dúvidas acerca da autonomia e da
respeito entre pessoas. A comunicação configura ação responsabilidade dos profissionais/trabalhadores da
intencionalmente dirigida e orientada, sendo “algo equipe de saúde, as quais podem ser abordadas sob
a perspectiva de distintas teorias éticas 16,30, como as
que se constrói” com base na escuta do outro – para
correntes consequencialistas e deontológicas. Ainda
compreender crenças, situação e possibilidades – com
nesse âmbito, destaca-se que o trabalho em equipe
vistas à atuação conjunta no processo saúde-doença.
abrange a necessidade de articulação intersetorial,
Essa abordagem dialógica e emancipatória tem como
no que tange aos problemas bioéticos das situações
pressuposto que todas as pessoas têm o direito a esco-
persistentes, tais como violência doméstica, uso de
lher o caminho mais apropriado para promover, man-
drogas, prostituição, gravidez precoce e aborto clan-
ter e recuperar sua saúde 14,29,30.
destino, dentre outras 33
Os problemas bioéticos entre os profissionais/
• O exercício profissional do sigilo, da confi- trabalhadores podem ser transformados em desafios
dencialidade e da privacidade, como direi- a ser vencidos coletivamente, com a continuidade do
to do usuário processo educacional formativo que contenha ele-
Reconhece-se que o sigilo, a privacidade e a mentos promotores de condutas assertivas.
confidencialidade são condições inerentes ao exer-
cício profissional na área da saúde. A ESF tem con-
formação diferenciada, por nortear-se para o cuidado Problemas bioético-políticos de intersetorialidade
centrado no usuário e na família e agregar os ACS, na esfera do sistema de saúde
moradores da comunidade, como parte da equipe de Os aspectos agrupados nessa categoria são
saúde. Quando o usuário fornece informações secre- abrangentes e explicitam diferentes fragilidades no
tas sobre si mesmo – ou aspectos são identificados no processo de consolidação do SUS. Foi possível des-
exame clínico – para o profissional de saúde, o sigilo tacar as seguintes questões: insalubridade associa-
manifesta-se na perspectiva da confidencialidade, da da à precária estrutura física das unidades básicas

Artigos de pesquisa
discrição, da lealdade e da fidelidade, para além da de Saúde da Família (UBSF); dificuldades para a rea-
abordagem deontológica 24,26. Paul Ramsey argumen- lização da visita domiciliar (quantitativo insuficiente
ta que a questão ética fundamental na pesquisa e na de ACS, pouca disposição da equipe técnica para as
assistência à saúde é a seguinte: Qual é o significado visitas, dentre outras); falta de apoio da gestão para
da lealdade de um ser humano para com outro? 31 É discutir e resolver os conflitos éticos no ambiente
possível reconhecer que a lealdade representa aspec- de trabalho (por exemplo, o atravessamento de
to essencial para a conduta moral, ressaltando-se a questões políticas eleitorais; a falta de promoção de
obrigação da veracidade, da confiabilidade e da fide- capacitação e educação permanente); limitações da
lidade, as quais devem estar imbricadas na relação rede de saúde do município, incluindo número insu-
profissional que se estabelece com o usuário 30. ficiente de unidades da ESF, demanda clínica além
da capacidade instalada, inoperância do sistema de
referência/contrarreferência, dentre outras. Em sín-
Problemas bioéticos entre os profissionais/traba- tese, tais questionamentos dizem respeito à gestão
lhadores da ESF do cuidado em saúde e das pessoas. A constituição
Os textos obtidos referem um conjunto de si- do SUS representou – para gestores, trabalhadores
tuações cotidianas no âmbito da ESF – atinentes à e usuários do sistema – nova forma de pensar, estru-
convivência entre os profissionais/trabalhadores –, turar, desenvolver e produzir serviços e assistência

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Problemas bioéticos na Estratégia Saúde da Família: reflexões necessárias

em saúde, vez que os princípios da universalidade de Assistência Social (Suas) – este último compõe
de acesso, da integralidade da atenção à saúde, da uma rede protetiva ao cidadão, que identifica as de-
equidade, da participação da comunidade, do res- mandas, vulnerabilidades e riscos, configurando-se
peito à autonomia das pessoas e da descentraliza- em sistema público que organiza, de forma descen-
ção tornaram-se o norte para as práticas 34. tralizada, os serviços sócio-assistenciais no Brasil 42.
Nesse contexto, existe uma situação crítica no
que tange aos vínculos de trabalho no SUS – na área Problemas bioéticos vinculados à esfera ambien-
de competência municipal –, que é a precariedade tal: uma quarta ordem de questões, aguardando
do trabalho 34, na medida em que se vive, hodierna- investigação
mente, circunstâncias que envolvem diversos tipos Os componentes ambientais que determinam
de nomeações, as quais não garantem os direitos o adoecimento da população deveriam ocupar papel
trabalhistas e previdenciários consagrados em lei, primordial nas ações de cuidado, desenvolvidas pela
bem como a ausência de concurso público ou do equipe multiprofissional da ESF e dirigidas ao usu-
processo de seleção pública para ocupação de car- ário do SUS. Ainda que esses aspectos não tenham
gos na ESF. Isso gera situações de rotatividade dos sido delimitados, claramente, como categorias iden-
membros da equipe, baixos salários – com comple- tificadas pelos autores dos artigos selecionados na
mentação por produtividade – e instabilidade, con- presente investigação, alguns aspectos relacionados
texto que se torna ainda mais complexo diante do às interseções saúde/ambiente puderam ser identi-
surgimento de outras modalidades de gestão da ESF, ficados nos textos escolhidos e em outras fontes bi-
tais como a terceirização por fundações estatais e bliográficas consultadas 43,44. Há diferente vulnerabi-
por organizações sociais (OS) 35,36. lidade para a aquisição de doenças relacionadas ao
O conceito de gestão urge ser ampliado, de ambiente nas regiões brasileiras, as quais são pouco
modo a abranger as funções administrativas e po- abordadas do ponto de vista da ESF 43, destacando-
líticas para a efetivação dos planos de carreiras, se como entidades mórbidas significativas: asma;
cargos e salários (PCCS), na lógica da meritocracia pneumoconiose; câncer de pulmão; doenças infec-
e de novos arranjos para a democracia institucional. ciosas – tanto emergentes quanto reemergentes,
A gestão inclui ainda, em seu bojo, a função educa- com destaque para as zoonoses em centros urbanos
tiva, que tem como tônica a qualificação e a capaci- –; intoxicações exógenas, sobretudo por pesticidas,
tação para o exercício do profissional/trabalhador, dentre outras 42,44.
em caráter emancipatório com a implicação de seus A interdependência entre saúde e determi-
atores 37. Para o alcance de tal fim, a formação do nantes ambientais tem interface com a bioética
profissional/trabalhador deve estar incluída nos di- contemporânea, a qual precisa ser mais bem explo-
versos planos de trabalho anuais e ser aprovada e rada, de modo a auxiliar a tomada de decisão em
acompanhada pelos conselhos municipais de saúde. respeito às ações efetivas de promoção e proteção
Os problemas bioético-políticos expressam à saúde. Tal proposição torna-se mais clara ao se
a complexidade existente nos segmentos da pro- reconhecer que a bioética, em suas origens, traz
Artigos de pesquisa

moção social dentro do Estado brasileiro, como a um discurso com marcante preocupação ecológica,
garantia de serviços com qualidades, relativos à o que aponta para a intrínseca interseção entre as
educação, à moradia, ao transporte, ao trabalho, à duas disciplinas. De fato, ao ser proposta pelo onco-
segurança pública, à seguridade social, ao esporte, logista Van Rensselaer Potter, em 1970, a bioética foi
ao lazer e à saúde. Por pertencerem a um contexto caracterizada como uma nova ética científica capaz
macropolítico, nem sempre os profissionais do SUS de dar respostas aos problemas advindos das rela-
– mais especificamente da ESF – atentam para a pos- ções homem/natureza — entendendo-se que o pri-
sibilidade de compartilhamento dos problemas no meiro comportava-se como verdadeiro câncer para
campo da saúde com a intersetorialidade, no qual as o planeta Terra —, cujos objetivos principais seriam
necessidades não resolvidas vão se constituindo em garantir a perpetuação da espécie humana e de sua
situações bioéticas persistentes, as quais poderão qualidade de vida 45.
ser adequadamente analisadas pelos referenciais
da bioética da proteção 38,39 e da intervenção 40,41.
Assim, poder-se-ia obter significativo ganho na in- onsidera ões nais
terlocução com as secretarias de educação, de meio
ambiente (essencial para a próxima ordem de pro- A revisão da literatura realizada no presente
blemas a ser abordada) e setores do Sistema Único artigo permitiu a identificação de relevantes pro-

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Problemas bioéticos na Estratégia Saúde da Família: reflexões necessárias

blemas bioéticos no espaço-tempo da APS/ESF, com de espaços de educação permanente na equipe da


ênfase especial para três ordens de questões, con- ESF, os quais poderiam ser extremamente fecundos
cordes à originária descrição de Zoboli e Fortes 14: para o estabelecimento do diálogo – as boas conver-
1) problemas éticos nas relações com usuários e fa- sações –, concorrendo, assim, para a construção de
mília; 2) problemas éticos nas relações da equipe; relações mais fraternas entre os membros da equi-
3) problemas éticos nas relações com a organização pe. Em relação ao segundo, o emprego de correntes
e o sistema de saúde. Tais situações emergem, em bioéticas originalmente propostas para a interseção
grande medida, dos contatos contínuos entre os clínica/saúde pública – como a bioética da proteção
profissionais e os usuários do SUS, habitualmente e a bioética de intervenção – poderá auxiliar subs-
em situações de menor urgência – peculiaridade da tantivamente o equacionamento das situações.
APS –, o que pode tornar os problemas com aparên- É possível conjecturar que a reflexão bioética
cia menos dramática, ainda que sua complexidade poderá direcionar a delimitação dos problemas e a
não seja menor, em relação às questões vividas nos proposição das melhores condutas para os mesmos,
grandes complexos hospitalares 46-48. à medida que os profissionais/trabalhadores se ou-
Dentre os complicadores identificados para çam, no domínio pertinente às suas atribuições e à
a adequada abordagem dos problemas bioéticos participação nas tomadas de decisões no âmbito da
na APS/ESF merecem destaque a invisibilidade dos equipe. Trata-se de uma aposta na indissociabilida-
mesmos para os profissionais de saúde que atuam de entre trabalho/formação – quiçá consubstancia-
nesse nível de atenção e as dificuldades teóricas da na criação de espaços de educação permanente
para a proposição de soluções para as questões –, considerando-se o desenvolvimento dos trabalha-
observadas. Em relação ao primeiro ponto, é pos- dores da ESF, a pluralidade das pessoas e as circuns-
sível formular a hipótese, sob o prisma educativo, tâncias que se modificam sob a influência de diver-
de que tais problemas bioéticos poderiam ser ade- sos fatores, que têm na bioética a ponte que une o
quadamente encaminhados com a implementação biológico às humanidades.

Este artigo é parte da tese de S. V. Vidal, intitulada Bioética, educação e Estratégia Saúde da Família: entre prá-
xis e paidéia, que se articula ao projeto Bioética na formação do profissional de saúde: construindo discursos
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em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBIOS).

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Partici a o dos a tores no artigo Revisado: 18.3.2014


Selma Vaz Vidal, Andréia P. Gomes e Rodrigo Siqueira Batista desenharam o artigo. Selma Vaz Vidal
Aprovado: 1.7.2014
participou, com Luiz Cláudio S. Motta, da elaboração, montagem da revisão e redação do texto.
Rodrigo Siqueira-Batista orientou o trabalho de pesquisa, revisando com Andreia P. Gomes a versão
final do manuscrito.

Artigos de pesquisa

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Distanásia e ortotanásia: práticas médicas sob a
visão de um hospital particular
José Antônio Cordero da Silva 1, Luis Eduardo Almeida de Souza 2, Luísa Carvalho Silva 3, Renan Kleber Costa Teixeira 4

Resumo
Dentre os conceitos relacionados à terminalidade da vida, encontram-se a distanásia e a ortotanásia. Dis-
tanásia significa a obstinação terapêutica para adiar a morte iminente. Ortotanásia significa morte em seu
processo natural, não prolongando o tratamento. Este estudo objetivou analisar a percepção de familiares
de pacientes internados acerca da ortotanásia e distanásia, avaliando a alternativa mais aceita. Trata-se de
estudo transversal e observacional, no qual foram entrevistados 190 familiares por meio de questionário
padronizado contendo perguntas sobre aspectos sociais e conhecimento da temática. A maioria (64,2%) ma-
nifestou preferência pela distanásia como conduta para seu familiar. Entre 122 participantes que desconhe-
ciam o significado de “estado terminal”, 85,2% optariam pela distanásia. Porém, entre os que conheciam o
significado, 70,9% optariam pela ortotanásia. O estudo indica a necessidade de trazer o tema para discussão
da sociedade, sensibilizando-a a entender implicações individuais e coletivas do prolongamento da vida em
situação de sofrimento.
Palavras-chave: Estado terminal. Percepção social. População. Futilidade médica. Bioética.

Resumen
Distanasia y ortotanasia: prácticas médicas bajo la visión de un hospital privado
Entre los conceptos relacionados con el fin de la vida, están la distanasia y la ortotanasia. Distanasia significa
la obtinación terapéutica para postergar la muerte inminente. Ortotanasia significa muerte en su proceso
natural, sin prolongar el tratamiento. El objetivo de este estudio fue analizar la percepción de los familiares
de pacientes hospitalizados sobre la ortotanasia y la distanasia, evaluando la alternativa más aceptada. En
este estudio observacional y transversal 190 familiares fueron entrevistados mediante un cuestionario estan-
darizado que contenía preguntas sobre los aspectos sociales y de conocimientos sobre el tema. La mayoría
(64,2%) manifestó su preferencia por la distanasia como conducta para su familiar. De los 122 participantes
que no conocían el significado de “estado terminal”, el 85,2% optaría por la distanasia. No obstante, entre los
que conocían el significado, el 70,9% optarían por la ortotanasia. El estudio indica la necesidad de plantear el
tema para discusión de la sociedad, sensibilizándola a entender implicaciones individuales y colectivas de la
prolongación de la vida en situación de sufrimiento.
Palabras-clave: Enfermedad crítica. Percepción social. Población. Inutilidad médica. Bioética.

Abstract
Futility and orthotanasia: medical practices from the perspective of a private hospital
Futility and orthotanasia are among the concepts related to the terminality life. Futility means therapeutic
obstinacy to delay imminent death. Orthothanasia means death in its natural process, not prolonging tre-
atment. The aim of this study was to analyze the perception of patients` family members in private general
Artigos de pesquisa

hospital on orthotanasia and futility, assessing which the most widely accepted alternative is. This was a cross-
-sectional, observational study, in which 190 families were interviewed using a standardized questionnaire
containing questions about social aspects and knowledge on the subject. Most respondents (64.2 %) opted
for the realization of futility as a conduct for their relative. Of the 122 participants who did not know the mea-
ning of “terminal condition”, 85.9% would choose futility. However, among those who knew what they meant,
70,9% would choose orthotanasia. The study indicates that this topic needs to be discussed by society, en-
couraging them to understand the individual and collective implications of life prolongations when suffering.
Key words: Critical illness. Social perception. Population. Medical futility. Bioethics.

Aprovação CEP Uepa (plataforma Brasil): 263.968

1. Doutor corderobel4@gmail.com 2. Graduando luisd_souza@hotmail.com 3. Graduando luisacs.lcs@gmail.com 4. Graduando


renankleberc@hotmail.com – Universidade do Estado do Pará (Uepa), Belém/PA, Brasil.

Correspondência
José Antônio Cordero da Silva – Av. Governador José Malcher, 1.343 apt° 1.300 CEP 66060-230. Belém/PA, Brasil.

Declaram não haver conflito de interesse.

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Distanásia e ortotanásia: práticas médicas sob a visão de um hospital particular

Embora a maioria dos óbitos no século XXI Na maioria dos países ocorrem muitas dis-
ocorra nos hospitais, os médicos são pouco treina- cussões sobre as decisões éticas do final da vida 6.
dos para cuidar do paciente vítima de doença termi- No mundo, a ortotanásia é praticada legalmente
nal. Da dificuldade em aceitar a morte, surge a dis- na Suécia, Inglaterra, Canadá, Japão e Brasil 7. Con-
cussão sobre o impasse entre os métodos artificiais tudo, segundo Hill 8, apenas 4% das faculdades de
para prolongar a vida e a escolha voltada a deixar medicina dos Estados Unidos se preocupam em
a doença seguir sua história natural 1. Estudo rea- transmitir ensinamentos sobre o processo de mor-
lizado por Moritz 2 acerca do comportamento dos te. Na América Latina é considerável a quantidade
profissionais de saúde ante a morte verificou a ne- de pesquisas direcionadas a pacientes terminais e
cessidade de aprofundar o debate sobre os temas ao tema terminalidade da vida 9, embora haja es-
morte e terminalidade da vida. A autora observa cassez de publicações sobre práticas e processos de
que a presente cultura ocidental torna a morte as- tomadas de decisões, envolvimento de membros da
sunto socialmente evitado e politicamente incorre- família e pacientes, ou mudanças em tratamentos
to. A palavra morte frequentemente associa-se ao baseados na consciência e na responsabilidade re-
sentimento de dor. queridas pela reflexão bioética 10.
No tocante aos médicos, formados para salvar De maneira geral, o evento morte é complexo
e curar, a morte associa-se à sensação de fracasso e foco de dilemas éticos, bioéticos e profissionais,
ou erro. Diversos estudos mostram que o médico no qual emoções precisam ser trabalhadas e discu-
deve reconhecer a terminalidade e modificar sua tidas a partir de princípios bioéticos que podem ser
conduta, passando da luta pela vida para a provisão resumidos por pequena palavra, que importa muito
do conforto 2. Para que isso ocorra, faz-se essencial ao paciente terminal: dignidade. Assim, o objetivo
que seja ministrado o ensino sobre a morte e o mor- desta pesquisa foi analisar a percepção de familia-
rer na formação acadêmica e o debate constante do res de pacientes internados em hospital geral priva-
tema durante a atuação profissional. do sobre a ortotanásia e a distanásia, avaliando qual
das duas é a alternativa mais aceita.
O aumento da prevalência de doenças ter-
minais é fato atual a ser enfrentado por médicos,
serviços de saúde e sociedade. Paradoxalmente, erminalidade da vida e a prática da distanásia
há carência de cuidados paliativos adequados, fa- e ortotanásia
zendo com que a maioria da população não esteja
provida desta atenção. Além disso, há barreiras cul-
turais, éticas, sociais e estruturais que impedem o O desenvolvimento de novas tecnologias, me-
oferecimento de cuidados apropriados a pacientes dicamentos e técnicas cirúrgicas fizeram com que
em fase final da vida. Ocorrem falhas e lacunas na houvesse surpreendente melhora no aumento da
formação de profissionais de saúde, bem como da- expectativa de vida na população. Atualmente, diver-
queles egressos de outras áreas do conhecimento, sas doenças intratáveis apresentam tratamentos com
às quais somam-se enormes deficiências nos siste- boa evolução e bons prognósticos. Essas mudanças
mas de saúde e, ainda, desconhecimento acerca da foram determinantes para criar o dogma de que sem-

Artigos de pesquisa
reflexão proposta pela bioética e pelo biodireito 3. pre deve ser alcançada a cura do paciente ou o pro-
longamento máximo da vida do indivíduo 11,12.
Com relação a essa questão, muito se discute
quando é necessária a tomada de decisões no pro- A história mostra essa mudança. Inicialmente,
cesso saúde/doença, considerando-se dois proces- Hipócrates formulou como objetivos da medicina: ali-
sos de grande relevância: distanásia e ortotanásia. A viar o sofrimento dos enfermos, minimizar a agressivi-
distanásia é a obstinação terapêutica com a finalida- dade da doença e recusar fazer tratamentos quando a
de de retardar a morte inevitável 4; a ortotanásia é a medicina reconhece que não pode mais contribuir 13.
morte em seu processo natural, no qual o paciente Essas prerrogativas foram mantidas até o início do sé-
recebe apenas tratamento para eliminar ou diminuir culo XVI, quando Francis Bacon considerou três finali-
suas dores e sofrimento 5. Para auxiliar essa toma- dades para a medicina: preservação da saúde, a cura
da de decisão por parte dos indivíduos com familiar das doenças e o prolongamento da vida 14.
terminal é fundamental uma formação humanística, A busca pelo prolongamento da vida, em pa-
ética e acadêmica da equipe de saúde em busca da cientes que não apresentam condições de cura, sem
relação médico- paciente solidária e humanizada, a preocupação com a qualidade de vida e opinião do
estabelecendo um vínculo de afeto e respeito entre paciente, constitui uma futilidade 14. Além de trazer
pacientes e profissionais. maior sofrimento para o paciente e familiares, essa

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Distanásia e ortotanásia: práticas médicas sob a visão de um hospital particular

prática acaba por alocar recursos para tratamentos foram questionados acerca do conhecimento sobre
desnecessários, que poderiam ser utilizados por pa- “doença terminal” e os que afirmaram desconhecer
cientes com patologias potencialmente curáveis 15. o significado da expressão receberam padronizada
Este prolongamento exagerado e desproporcional explicação dos pesquisadores, bem como os que re-
é denominado como distanásia, sendo sua prática feriam não conhecer os conceitos de distanásia e or-
proibida pelo Código de Ética Médica (CEM) 10. totanásia – buscando, contudo, não influenciar a es-
Contrapondo-se a este conceito, a ortotanásia colha de qual método optar. Dessa forma, puderam
é definida como a morte no tempo certo, sem abre- prosseguir no questionário e responder se possuíam
viação nem prolongamentos desproporcionados do ou não um familiar em estado terminal.
processo de morrer 3,12, devendo este conceito ser di- Foi utilizado o software BioEstat® 5.3 para rea-
ferenciado de eutanásia. Na eutanásia a morte ocor- lizar a análise estatística, o teste Contingência em C
rerá devido à ação/omissão de terceiro. Contudo, a e o teste Exato de Fisher para comparar as variáveis
ortotanásia será decorrente da própria doença 11,12. analisadas com a preferência pela distanásia ou or-
No Brasil, a prática da ortotanásia é autorizada pelo totanásia. Para rejeitar a hipótese de nulidade foi
CEM 10, mas até o momento não há leis federais na- adotado um p menor que 5%.
cionais para regulamentá-la 12.

esultados
étodo
Foram entrevistados 190 acompanhantes de
A presente pesquisa caracteriza-se como pacientes em todos os setores do hospital durante
transversal, descritiva, observacional e de análise o período estudado. Do total, 106 (55,7%) eram mu-
quantitativa. Aprovada no Comitê de Ética em Pes- lheres e 84 (44,3%) homens, a idade variou de 18
quisa da Universidade do Estado do Pará a pesqui- a 78 anos, sendo a média de 41,71 ± 14,90 anos.
sa foi realizada entre os meses de junho e julho de Quanto ao estado civil, 86 eram casados (45,3%); 86
2013. Foram entrevistados 190 acompanhantes dos (45,3%), solteiros; 11 (5,7%), viúvos e sete (3,7%),
pacientes internados no Hospital Porto Dias, um divorciados. Em relação à religião constatou-se que
hospital privado na cidade de Belém (Pará). Fun- 111 (58,4%) dos entrevistados eram católicos; 51
dado em 1995, é referência em atendimento geral (26,8%), protestantes; dois (1%), espíritas e os de-
de alta complexidade, com enfoque em traumato- mais (26 - 13,8%) declararam não seguir nenhuma
logia, neurocirurgia, urgência e emergências clínicas religião.
e cirúrgicas. Possui 270 leitos, divididos em aparta- Em relação à escolaridade, dois (1%) partici-
mentos (135), enfermarias (45), leitos de UTI (52) e pantes eram analfabetos, nove (4,7%) cursaram o
pronto-atendimento (38). fundamental incompleto; 18 (9,5%), o fundamental
A pesquisa incluiu os familiares de pacien- completo; 14 (7,4%), o ensino médio incompleto;
tes curáveis e em estado terminal internados, sendo 65 (34,2%), o ensino médio completo; 22 (11,6%), o
Artigos de pesquisa

permitido mais de um acompanhante por pacien- ensino superior incompleto; 38 (20%), o ensino su-
te. Os critérios de exclusão foram: acompanhantes perior completo; três (1,6%) possuíam mestrado e
menores de 18 anos; os que se recusaram a parti- 19 (10%) não responderam.
cipar da entrevista ou assinar o termo de consenti- Quando questionados, 36 (19%) apresenta-
mento livre e esclarecido – que informava detalha- vam conhecimento sobre o significado de distanásia
damente os objetivos do estudo. e ortotanásia. Desse total, 21 (58,3%) preferiam a
Foi realizada entrevista – baseada em questio- realização da distanásia; 14 (38,9%), a ortotanásia;
nário (Anexo 1) – com o acompanhante do paciente, e um não apresentava opinião sobre o tema (2,8%).
em local reservado e longe do enfermo. O questio- A Tabela 1 mostra a escolha dos participantes em
nário continha perguntas relacionadas às condições relação à distanásia ou ortotanásia, após a explica-
sociais (sexo, estado civil, idade, grau de escolari- ção do conceito. As variáveis sexo (p=0,5309), idade
dade, raça/cor) e ao conhecimento geral (conceitos (p=0,7447), escolaridade (p=0,0991), estado civil
sobre ortotanásia e distanásia, qual atitude tomaria (p=0,1797) e religião (p=0,8553) não influenciaram
com familiar em estado terminal) acerca das prá- a opinião do paciente na escolha entre distanásia ou
ticas da distanásia e ortotanásia. Os participantes ortotanásia.

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Distanásia e ortotanásia: práticas médicas sob a visão de um hospital particular

abela Opção por distanásia ou ortotanásia como haviam conversado sobre a realização de tratamen-
conduta ao seu familiar tos intensivos com o paciente, os acompanhantes
Opção Quantidade % optaram pela escolha da distanásia (p=0,0098).
Distanásia 122 64,2
abela Associação entre a opção do entrevistado
Ortotanásia 62 32,6 e se o familiar internado havia conversado com a
Nenhuma 6 3,2 equipe médica sobre tratamentos intensivos
otal 190 100 Opção pela Opção pela
Total
ortotanásia distanásia
Fonte: questionário de pesquisa.
Familiar internado
conversou com a 14 41 55
O conhecimento sobre o significado de estado equipe
terminal influenciou na escolha dos participantes
Familiar internado
(p=0,0298). Dentre os que o conheciam, 44 (70,9%) não conversou 34 35 69
optariam pela ortotanásia e 18 (29,1%) pela dista- com a equipe
násia. Entre os que o desconheciam, 104 (85,2%) es-
Desconheciam se
colheriam a distanásia e apenas 18 (14,8%) a ortota- o familiar havia
násia. Tal fato pode ser evidenciado na Tabela 2, na - - 60
conversado com a
qual a maioria dos que não possuíam conhecimento equipe
sobre doença terminal optaram pela distanásia e, Não optaram
daqueles que tinham, pela ortotanásia. Após breve - - 6
por nenhum
explicação acerca do termo “doença terminal”, ob- procedimento
servou-se que do total de entrevistados 71 (37,3%) otal 190
diziam ser acompanhantes de pacientes terminais –
Fonte: questionário de pesquisa. p=0,0098 (Exato de Fischer).
fato que não influenciou na escolha entre distanásia
ou ortotanásia (p=0,33).
Discussão
abela Associação entre conhecimento de estado
terminal e opção pela distanásia e ortotanásia
A escolha da atitude a tomar diante da morte
Conhecimento
Opção pela Opção pela iminente de um ente querido é uma das mais difí-
sobre doença Total
terminal
ortotanásia distanásia ceis que pode ocorrer na vida de um indivíduo 10. O
período próximo à morte de um familiar ou pessoa
Sim 44 18 62 querida é um momento de reflexões e mudanças na
Não 18 104 122 estrutura psicológica, afetiva, social e física de uma
- - 6 família ou de um grupo social. Desse modo, torna-se
Não optaram
nítida a necessidade de produzir análises profundas
otal sobre medos, receios e dúvidas das pessoas que

Artigos de pesquisa
possuíram ou possuem familiares e amigos com al-
Fonte: questionário de pesquisa. p=0,0298 (Exato de Fischer).
gum agravo à saúde 16. Estas reflexões são o foco do
presente estudo.  
O estudo mostrou que 47 (24,7%) pacientes
haviam conversado com seus acompanhantes so- Diversos aspectos – questões culturais, sociais
bre terminalidade; que 83 (43,7%) pacientes não e até demográficas – podem interferir na decisão de
haviam conversado e que 60 (31,6%) entrevistados que atitude tomar ante a morte iminente de um fa-
não sabiam se o paciente havia conversado com al- miliar 17. Nota-se, no estudo, grande tendência à es-
gum outro acompanhante, e considerou que este colha do método da distanásia, o que pode ter ocor-
fato não influenciou na escolha entre distanásia ou rido pela condição econômica elevada dos entrevis-
ortotanásia (p=0,45). Contudo, quando questiona- tados. Observa-se que estes desejam prolongar ao
dos se o familiar internado havia conversado com máximo a vida do ente querido, considerando-se a
a equipe de saúde sobre a realização de tratamen- disponibilidade de tratamentos qualificados e sofis-
tos intensivos (Tabela 3), 55 (28,9%) afirmaram ter ticados à pessoa internada.
conversado; 69 (36,3%) que este não conversou e 60 Tornou-se evidente a preferência pela distaná-
(31,6%) não sabiam se o paciente havia conversado. sia entre os entrevistados que não tinham conheci-
Ressalte-se que quando os profissionais de saúde mento sobre doença terminal (Tabela 2). A popula-

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ção não conseguiu compreender que o paciente em a população tem preferência pela distanásia por
estado terminal invariavelmente falecerá e que, para acreditar na cura.
ele, a realização da distanásia apenas será um des- Outro fator, que pode ter influenciado na es-
conforto, um sofrimento a mais, além do fato de que colha dos acompanhantes, foi o estudo ter sido rea-
será exposto e ficará afastado do convívio de seus lizado num hospital geral, no qual o prognóstico dos
familiares, de seu habitat e da rotina pessoal 18. Além pacientes, na maioria dos casos, é bom. Assim, os
disso, complementa-se o fato dos próprios entrevis- familiares apresentam dificuldade em aceitar a mor-
tados terem relatado não conhecer o significado dos te iminente, apegando-se a esperança de que algo
termos estudados. positivo ocorra e o doente consiga a cura 16. Dife-
Fatores como sexo, idade, estado civil e es- rente é o que ocorre num hospital oncológico, onde
colaridade não influenciaram na decisão do entre- os familiares já estão sofrendo há algum tempo e
vistado acerca de que atitude tomar diante da fase podem ter recebido um preparo maior em relação à
terminal da vida. Assim, acredita-se que fatores morte do ente querido.
pessoais e individuais não sejam de relevância ou A pesquisa realizada mostra a interferência
importância e haja um senso crítico comum numa de dois fatores na escolha do tema: a compreensão
determinada população que serve de base para a do estado terminal e se o ente querido do familiar
escolha. Outro ponto de grande relevância é o afeto havia dialogado com a equipe de saúde sobre ter-
consolidado em toda a convivência com o familiar minalidade da vida. Os entrevistados que referiram
que, aliado ao dogma de que a função do médico é que seu familiar havia conversado com a equipe
sempre salvar vidas 19, faz com que seja difícil para optaram pela distanásia (Tabela 3). Estudos eviden-
os familiares desistirem de lutar pela vida do ente, ciaram que mais da metade dos médicos apresen-
buscando sempre alternativas com o objetivo de tam dificuldade para falar com os pacientes sobre o
maximizar sua sobrevida. tema morte 26,27. Consequentemente pode ocorrer
Contudo, o fato do estado civil não interferir possível interferência da própria equipe de saúde
em tal escolha é notável visto que esta correlação junto ao doente, incentivando-o a prosseguir no
ficou explícita em diversos estudos 20,21 realizados tratamento e exaltando as qualidades da ciência no
com pessoas que possuem vínculos matrimoniais prolongamento da vida 23, haja vista a dificuldade de
com pacientes terminais. A condição de cônjuge aceitar a morte e de associá-la ao fracasso ou erro.
modifica a escolha, sendo relacionada à tendência Um mecanismo proposto para reduzir a dista-
de optar pela ortotanásia, em decorrência do acom- násia é a manifestação da vontade antecipada 26-29.
panhante colocar-se na posição do doente terminal, Nesta, o paciente previamente informa se deseja
sua pessoa amada 21. A grande quantidade de sol- ou não, quando não for possível a cura, que sejam
teiros entrevistados na pesquisa pode ter alterado empregados métodos de prolongamento artificial
tal correlação, já que muitos não têm a experiência da vida. Este mecanismo ainda não apresenta uma
de um relacionamento duradouro, com convivência legislação vigente no Brasil, mas uma pesquisa de
mais intensa e dependência mútua, o que implica Piccini 29 evidenciou que significativa parcela dos
que outros fatores afetem sua escolha. médicos respeita a escolha do paciente, mesmo este
Artigos de pesquisa

Os aspectos religiosos são de suma importân- mecanismo não apresentando valor legal, e outra
cia para a melhora do bem-estar geral do paciente pesquisa de Campos e colegas 30 detectou que a qua-
em estado terminal, proporcionando reflexões acer- se totalidade dos pacientes e familiares quer ter suas
ca de uma “vida pós-morte” e provendo um aumen- vontades antecipadas respeitadas. Neste contexto,
to da “paz” interior do doente 22. Alguns estudos para suprir o vazio legal, o Conselho Federal de Me-
demonstram isto como fator preponderante para a dicina (CFM) emitiu a Resolução 1.995/12 31 que ins-
escolha do tratamento do enfermo 23. No presente tituiu as diretivas antecipadas de vontade no âmbito
estudo, não se observou interferência da religião na da ética médica brasileira como um instrumento que
escolha da distanásia ou ortotanásia. Esse resulta- pode contribuir para a inibição da distanásia.
do é importante, pois diversas instituições religiosas O presente estudo evidenciou a necessidade
em todo o mundo adotam posicionamentos a res- de maior discussão sobre a terminalidade da vida,
peito da escolha frente à terminalidade da vida 24,25. que grande parcela da população desconhece. Mui-
A ausência de relação estatística em relação to se divulga e discute sobre a “eutanásia”, devido a
à variável religião pode ter ocorrido devido a maior sua presença marcante na mídia, porém os debates
parte dos participantes acreditar em uma religião, sobre os temas “distanásia e ortotanásia” são redu-
corroborando com os achados deste estudo no qual zidos, não tendo tanta importância quanto o primei-

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ro 23,32. Este fato pode estar ocorrendo pela ausência realizados para preencher as lacunas deixadas por
de leis federais nacionais para regulamentar a práti- esta pesquisa, analisando-se, por exemplo, outros
ca da ortotanásia 27-31, havendo apenas um projeto ambientes como hospitais públicos, faixas etárias
de lei 33 em tramitação na Comissão de Constituição, específicas etc.
Justiça e Cidadania do Senado Federal, embora es-
Os dados encontrados nesta pesquisa podem
teja em vigor a regulamentação do CFM direcionada
contribuir para melhorar o atendimento, acompa-
aos médicos por meio do Código de Ética Médica 10,
nhamento psicossocial e apoio, tanto aos pacien-
em seu artigo 41, e da Resolução CFM 1.805/06 34,
tes internados quanto aos familiares envolvidos
que permite ao médico limitar ou suspender proce-
com pacientes em estado terminal. As informações
dimentos e tratamentos que prolonguem a vida do
levantadas podem contribuir para aperfeiçoar os
doente em fase terminal.
serviços de saúde, orientando gestores e equipes
acerca de como melhorar o atendimento dos seus
onsidera es nais pacientes.
O trabalho também permitiu constatar que há
Observou-se que mesmo com a forte divulga- necessidade de preparar melhor as equipes de saú-
ção nas mídias a respeito do assunto terminalidade de para o acolhimento dos parentes e amigos de um
da vida, a maior parte dos indivíduos entrevistados paciente terminal. Essa constatação revela-se espe-
desconhece seus conceitos e reflexões básicas, sen- cialmente pertinente em relação aos médicos, cuja
do óbvia a necessidade de abordagem mais ampla graduação ensina a combater a morte, inclusive por
de toda a equipe de saúde, visando esclarecer as pressão ou temores jurídicos. Há, em certos casos,
possíveis dúvidas acerca da situação do paciente. na graduação e em outros níveis como na residência
médica, ausência de ensino sobre a forma de con-
A maioria dos entrevistados optou pela reali-
duzir e reagir em casos de impossibilidade de trata-
zação da distanásia frente à possível morte iminen-
mento e cura de pacientes terminais.
te do familiar. Constatou-se que essa escolha não
sofreu intervenção dos fatores sexo, idade, estado Por fim, há necessidade premente de trazer o
civil, escolaridade e aspectos religiosos. Porém, o tema para a discussão em sociedade, informando
estudo evidenciou grande interferência em relação as pessoas sobre o que é distanásia e ortotanásia,
ao familiar possuir conhecimento acerca do signifi- e sensibilizando-as para entender que o prolonga-
cado de doença terminal, bem como da existência mento da vida em situação de sofrimento pode vir
prévia de diálogo a respeito do fim da vida, entre o a se tornar um pesado fardo para o paciente e para
doente e sua família. Demais trabalhos deverão ser a sociedade.

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Distanásia e ortotanásia: práticas médicas sob a visão de um hospital particular

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terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender
Artigos de pesquisa

procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados


necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência
integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. Diário Oficial da União.
28 nov. 2006:seção I, p. 169. Recebido: 29.10.2013

articipa ão dos autores Revisado: 16. 2.2014


Todos os autores participaram da elaboração e revisão do artigo. Luis Eduardo Almeida de Souza e
Aprovado: 3. 4.2014
Luísa Carvalho Silva realizaram a coleta de dados e a confecção do manuscrito. Renan Kleber Costa
Teixeira realizou a análise estatística e a confecção do manuscrito. José Antônio Cordero da Silva
orientou a pesquisa e realizou sua revisão crítica.

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364
Distanásia e ortotanásia: práticas médicas sob a visão de um hospital particular

ne o
uestionário de pes uisa

1- Idade:_______ 9- Você possui ou possuiu algum familiar em estado


terminal? ( ) Sim ( ) Não
2- Sexo:
( ) Masculino 10- Qual é/era o diagnóstico do seu familiar?
( ) Feminino ______________________________________________
______________________________________________
3- Estado civil: ______________________________________________
( ) Casado
( ) Solteiro 11- Qual a sua orientação espiritual/religião?
( ) Viúvo ( ) Católica Apostólica Romana
( ) Divorciado ( ) Católica Ortodoxa
( ) Protestantismo
4- Grau de escolaridade: ( ) Judaica
( ) Analfabeto ( ) Budista
( ) Fundamental incompleto ( ) Islâmica
( ) Fundamental completo ( ) Espiritismo
( ) Ensino médio incompleto ( ) Outra, qual?
( ) Ensino médio completo ______________________________________________
( ) Ensino superior incompleto ______________________________________________
( ) Ensino superior completo ______________________________________________
( ) Mestrado ou doutorado
12- Sua religião possui alguma orientação sobre a conduta
5- Raça/cor: a ser tomada no caso de pacientes terminais?
( ) Negra ( ) Sim ( ) Não
( ) Parda
( ) Branca 12.1 Se sim, quais condutas seriam?
( ) Indígena ______________________________________________
______________________________________________
6- Você tem conhecimento sobre distanásia e ______________________________________________
ortotanásia?
Sabe o que significa? 13- Você seguiria essa orientação? ( ) Sim ( ) Não
( ) Sim ( ) Não. O que é?
______________________________________________ 14- O paciente que o senhor(a) acompanha recebeu visita
______________________________________________ de algum membro da igreja/religião a que pertence?
______________________________________________ ( ) Sim ____________________________ ( ) Não

6.1 Se a resposta foi “Sim” para a pergunta 6, como você


adquiriu conhecimento sobre esse tema? 14.1 Se sim, como acha que o paciente reagiu à visita?

Artigos de pesquisa
______________________________________________ Orientar a dar uma nota entre 0 a 10, em que “0” seria
______________________________________________ Terrivelmente e “10” seria Perfeitamente. A nota “5”
______________________________________________ corresponde a Muito bem. Nota: ____________________
______________________________________________
7- Se fosse possível, qual das duas você optaria para ser ______________________________________________
tomada como conduta ao seu familiar? Por quê? ______________________________________________
______________________________________________ ______________________________________________
______________________________________________
______________________________________________ 15- O paciente já conversou com você sobre
terminalidade da vida? ( ) Sim ( ) Não
8- O senhor(a) tem ideia do que é uma doença terminal?
( ) Sim ( ) Não 16- O paciente já demonstrou/conversou com você sobre
Em caso positivo, qual o significado seus desejos de tratamento frente a situações agravantes
______________________________________________ – por exemplo, ressuscitação, tratamento intensivo,
______________________________________________ tratamento invasivo (cirurgia)?
______________________________________________ ( ) Sim ( ) Não

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365
Distanásia e ortotanásia: práticas médicas sob a visão de um hospital particular

17- O paciente já demonstrou/conversou com o médico/


equipe médica sobre seus desejos de tratamento frente
a situações agravantes – por exemplo, ressuscitação,
tratamento intensivo, tratamento invasivo (cirurgia)?
( ) Sim ( ) Não ( ) Não sabe
Artigos de pesquisa

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 358-66 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222017


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Reflexões bioéticas sobre a eutanásia a partir de
caso paradigmático
Daniel Abreu Santos 1, Eduardo Robatto Plessim de Almeida 2, Felipe Freire da Silva 3, Layo Henrique Carvalho Andrade 4, Leandro Anton
de Azevêdo 5, Nedy Maria Branco Cerqueira Neves 6

Resumo
Recentemente, na cidade de Curitiba/PR, ocorreu um fato que gerou grande repercussão nacional e suscitou questões
acerca da “eutanásia”, tema controverso e pouco debatido na população em geral, o que motivou a realização deste ar-
tigo. O objetivo do trabalho consiste em analisar aspectos envolvidos no processo de morrer: eutanásia e ortotanásia e
sua relação com o princípio bioético da autonomia. Trata-se de revisão reflexiva de literatura tendo como base matéria
publicada na imprensa, abordando a visão de um grupo de acadêmicos de medicina a respeito do tema. A eutanásia é
considerada uma prática ilegal segundo o Código Penal brasileiro e vai de encontro aos princípios éticos da medicina. A
ortotanásia não deve se confundir com aquela prática, encaixando-se como uma opção legítima a ser adotada por pacien-
tes com doença terminal em intenso sofrimento físico e psíquico.
Palavras-chave: Eutanásia. Ortotanásia. Distanásia. Bioética. Autonomia profissional. Autonomia pessoal.

Resumen
Reflexiones bioéticas acerca de la eutanásia a partir de un caso paradigmático
Recientemente, en la ciudad de Curitiba-PR, se produjo un evento que generó gran impacto nacional y plan-
teó dudas sobre la “eutanasia”, un tema controvertido y rara vez discutido en la población general, lo que ha
llevado a la realización de este trabajo. El objetivo de este trabajo consiste en analizar los aspectos bioéticos
implicados en el proceso de la muerte: eutanasia, ortotanasia y el principio de la autonomía. Se trata de una
revisión reflexiva de la literatura basada en un artículo publicado en la prensa, abordando la visión de un gru-
po de estudiantes de medicina acerca del tema. Se considera la eutanasia una práctica ilegal según lo que se
prevé en la legislación brasileña y está en contra los principios éticos de la medicina. La ortotanasia no debe
ser confundida con aquella práctica, adecuándose como una opción legítima a ser adoptada por los pacientes
con una enfermedad terminal en intenso sufrimiento físico y psíquico.
Palabras-clave: Eutanasia. Ortotanasia. Futilidad. Bioética. Autonomía profisional. Autonomía personal.

Abstract
Bioethical reflections on euthanasia: analysis of a paradigmatic case
Recently, a fact that occurred in the city of Curitiba-PR caused a huge national impact and raised questions
about euthanasia, a controversial topic that is rarely discussed by the population, what led the realization of
this article. The objective of this work is to analyze bioethical aspects involved in death process: euthanasia,
orthotanasia and the principle of autonomy. This is a reflective literature review based on an article published
in the media that shows the point of view of medical students on this topic. The euthanasia is considered an

Artigos de pesquisa
illegal practice according to national legislation and goes against the medicine principles, since the professio-
nals in this field are trained to work for the maintenance of life. Orthotanasia should not be confused with
that practice, and it seems to be the best way to be adopted by patients with terminal diseases and intense
mental and physical pain.
Key words: Euthanasia. Orthothanasia. Dysthanasia. Bioethics. Professional autonomy. Personal autonomy.

1. Graduando dansantos18@hotmail.com 2. Graduando eduardoplessim@gmail.com 3. Graduando felipefreire_silva@hotmail.com 4.


Graduando layo_andrade@hotmail.com 5. Graduando leandro_azevedo89@hotmail.com 6. Doutora nedyneves@terra.com.br – Escola
Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador/BA, Brasil.

Correspondência
Nedy Maria Branco Cerqueira Neves – Av. Antônio Carlos Magalhães, 1.034, sala 137, Ala A, Itaigara CEP 41825-906. Salvador/BA, Brasil.

Declaram não haver conflito de interesse.

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Reflexões bioéticas sobre a eutanásia a partir de caso paradigmático

“Quem não sabe o que é a vida, étodo


como poderá saber o que é a morte?”
Confúcio 1
Trata-se de pesquisa de revisão reflexiva de li-
O homem vive um ciclo imutável de morte. teratura, tendo como pilar fomentador de estudo a
Entretanto, discuti-la é algo evitado e fomentador prática da médica paranaense que ganhou a mídia
de polêmicas. É inegável que a significância do con- brasileira no dia 11 de março de 2013 com a matéria
ceito morte sofre influência de concepções religio- intitulada: “Médica acusada de desligar aparelhos de
sas, filosóficas e culturais, o que gera, desta forma, pacientes terminais concede primeira entrevista” 11.
visões multifacetadas e, por conseguinte, conflitan- Como fontes de pesquisa foram utilizados li-
tes 2,3. Notavelmente, a população leiga, em geral, vros, revistas e artigos científicos que preenchiam os
possui dificuldades em discernir o significado de seguintes critérios: abordavam a temática da euta-
morte encefálica e paciente com doença em esta- násia e os aspectos bioéticos envolvidos, possuíam
do terminal. Segundo a literatura, tal situação ex- como metodologia a revisão narrativa de literatura
trapola para a classe médica especializada, para a e foram escritos na língua portuguesa (Brasil). Como
qual ainda há desconhecimento em relação aos cri- fontes de busca, os bancos de dados virtuais SciE-
térios preconizados para definir morte encefálica 4, LO e Lilacs. As seguintes palavras foram abordadas
estabelecida pela comunidade científica como uma como descritores: eutanásia, ortotanásia, distaná-
perda irreversível das funções do cérebro e tronco sia, princípios da bioética e autonomia. No SciELO
encefálico 5. foram encontrados sete artigos ao se utilizar os des-
critores eutanásia AND ortotanásia AND distanásia.
Segundo Robatto 6, pode-se considerar uma
Outros nove artigos foram encontrados ao se utilizar
doença como terminal quando, na sua evolução,
como descritores os termos eutanásia AND bioéti-
apesar de todos os recursos médicos disponíveis,
ca AND autonomia. Idêntico procedimento foi feito
o paciente não apresenta condições de prolongar
no Lilacs, encontrando-se 10 artigos com o primeiro
a sobrevida, estando, portanto, em um processo grupo de descritores e 20 artigos com o segundo.
de morte inevitável. A eutanásia é um dos assuntos Desse modo, foram inicialmente selecionados 46
mais delicados da ética médica contemporânea 7. O artigos. Foram excluídos artigos em outros idiomas
termo, concebido em 1623 pelo filósofo Francis Ba- e aqueles que, apesar de apresentarem os descri-
con, significa, conforme sua etimologia, “boa mor- tores, não abordavam a temática proposta. Ao final
te” 8, e caracteriza-se pela abreviação da vida por da busca foram selecionados 14 artigos. Essa revisão
solicitação do paciente 9. bibliográfica possibilitou o embasamento teórico
sobre o assunto, permitindo fomentar o desenvolvi-
mento do trabalho.
utanásia rea mente é boa morte
É relevante ressaltar que este estudo teve
como base o conteúdo divulgado publicamente pela
O fato é que no Brasil, de acordo com o arti-
mídia, vez que não houve acesso aos autos éticos
go 121 do Código Penal, a eutanásia é considerada
Artigos de pesquisa

e legais que tratam do caso, haja vista que o pro-


homicídio, conceito que se aplica em diversos ou-
cesso corre em sigilo judicial e não foram fornecidas
tros países 10. Recentemente, em Curitiba, ocorreu
maiores informações acerca do inquérito. Em de-
um fato que gerou grande repercussão nacional: o
corrência, trata-se de estudo de fonte secundária,
caso de uma médica intensivista acusada de desli- que perpassa a interpretação da mídia, a qual, em
gar aparelhos de pacientes terminais na UTI em que alguma medida, reflete os estereótipos que moldam
trabalhava. Esse acontecimento suscitou questões o senso comum acerca da temática.
acerca da “eutanásia”, o que motivou a realização
desta revisão de literatura, visto que se trata de um
tema controverso e pouco debatido na população iscuss o
em geral.
Assim, o objetivo deste trabalho consiste em A morte é um evento final e inevitável de todo
realizar uma análise dos aspectos bioéticos envolvi- ser vivo. É um processo flagrado rotineiramente
dos no processo de morrer, especificamente, a eu- pelas pessoas que lidam com a vida, sobretudo os
tanásia, a ortotanásia e o princípio da autonomia, profissionais da área da saúde, formados e “prepa-
tendo como pano de fundo uma reflexão crítica so- rados” para evitá-la a todo custo. Apesar de a for-
bre o ocorrido em 2013 com a médica paranaense. mação acadêmica preconizar o desenvolvimento

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Reflexões bioéticas sobre a eutanásia a partir de caso paradigmático

de habilidades que possibilitem ao estudante lidar importância ressaltar, contudo, que na literatura exis-
com a dor e a morte como um ofício, certamente tem diversas classificações da eutanásia, havendo
encontram-se notórias dificuldades nesse âmbito 12. considerável divergência 20.
Isso ocorre em grande parte como decorrência do No meio médico, a abordagem mais adequada
interdito social em relação à morte, cada vez mais em pacientes terminais é a ortotanásia. Tal prática
negada em sua essência, à medida que a ciência aceita o curso natural de morte mediante a adoção
consolida seu poder no imaginário. A ciência, por de cuidados paliativos, evitando procedimentos
sua vez, reproduz um paradoxo: mesmo diante de desnecessários, que apenas iriam prolongar o sofri-
constante evolução, ainda não consegue propiciar mento do paciente, constituindo o limite de esforço
respostas suficientes sobre os fatos que circundam a terapêutico 21.
morte. Por conta disso, o tema permanece cercado
por discussões calorosas e controversas em vários
ramos da sociedade, como religião, bioética, política Eutanásia como solução para “desentulhar” leitos
e a própria ciência. do sistema público de saúde?
No tocante à prática da eutanásia, em feverei-
A bioética é o campo interdisplinar que enfo-
ro de 2013 uma médica paranaense foi acusada de
ca as questões referentes à vida humana, definindo
homicídio doloso por desligar aparelhos que man-
princípios em prol da vida e da saúde. Um deles re-
tinham a vida dos pacientes na unidade de terapia
fere-se ao princípio da autonomia, cujos pressupos-
intensiva (UTI) do Hospital Evangélico de Curitiba 11.
tos facultam à pessoa a liberdade para decidir sobre
Este caso trouxe à tona antiga discussão pautada
o que considera bom ou não para si 13,14. As escolhas
nos princípios bioéticos relacionados com a auto-
individuais do paciente, portanto, devem ser trata-
nomia do médico e do paciente, no que se refere
das com respeito pela sua capacidade de decisão
à decisão do momento certo de morrer. Segundo o
frente aos atos médicos, diagnósticos ou terapêuti-
inquérito policial, que se baseia em denúncias de
cos, que devem ser autorizados pelo mesmo 15.
ex-funcionários e escutas telefônicas, a médica afir-
O moderno debate bioético sobre a eutanásia mou, entre outras coisas, que queria “desentulhar”
repousa, em grande medida, na polarização entre os a UTI e referiu “desligar” pacientes 11.
princípios do respeito à autonomia individual e da
O Brasil, configurando-se como um país em
sacralidade da vida. O direito de morrer se basearia
desenvolvimento e cujo sistema de saúde opera, na
no princípio da autonomia 13,16 : Ó doçura da vida –
maioria das vezes, em condições precárias, enfrenta
Agoniza a toda a hora sob a pena da morte, em vez
grave problema de insuficiência de leitos nos gran-
de morrer de um só golpe 17.
des hospitais públicos, decorrente tanto da falta de
recursos humanos quanto de aporte financeiro 3.
Há o direito de morrer? Nesse contexto adverso, a legalização da eutanásia
No Brasil, a eutanásia é considerada prática poderia ser pleiteada como forma de aumentar a
ilegal, segundo o previsto pela legislação nacional, disponibilidade de vagas em UTI, previamente ocu-
no art. 121 § 1o do Código Penal 10. Em países como a padas por pacientes terminais, além de interferir na

Artigos de pesquisa
Holanda e Bélgica, sua realização é permitida 18,19 e, política da doação de órgãos, contribuindo para a
nestes contextos, a caracterização do ato, segundo ampliação deste campo 22.
Goldim 20 , pode ser subdividida em ativa e passiva A situação precária da saúde pública do nosso
(ou indireta). A eutanásia ativa ocorre quando o mé- país, traduzida pela carência de recursos/leitos, não
dico produz diretamente a morte do paciente com deve servir de justificativa para a adoção de práti-
doença em fase terminal, enquanto a passiva se dá cas criminosas, como a abreviação da vida de um
mediante omissão, ou seja, pela ausência de ação ser humano em situação de fragilidade, atitude que
do médico 6,20 . descaracteriza totalmente a prática médica, estabe-
Quanto ao consentimento do paciente, Morais 9 lecendo, inclusive, o total descrédito da medicina.
classifica a eutanásia como voluntária, não voluntária Se tal proposta pode ser considerada hetero-
e involuntária. A voluntária ocorre quando o enfer- doxa não deixa de ser também preocupante, espe-
mo expressa o seu desejo de morrer, enquanto a não cialmente em uma sociedade na qual a ética assume
voluntária refere-se a situações quando não se sabe cada vez mais um caráter relativo; onde a linha que
a opinião do paciente. A involuntária, por sua vez, divide o princípio da beneficência médica e a bana-
acontece contra a vontade deste, se associando mais lização da morte é tênue. Assim, pode-se questio-
intensamente com o homicídio doloso 9,20. É de suma nar a seriedade da política que regeria tais ações, as

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369
Reflexões bioéticas sobre a eutanásia a partir de caso paradigmático

quais necessitariam de controle rigoroso. Acima de totanásia é aceita como a conduta médica lícita do
tudo, é inconcebível a ideia de desprezar vidas como ponto de vista jurídico, desde que não signifique re-
meros objetos mercantis. dução do período natural de vida do paciente nem
O princípio bioético da autonomia garante o caracterize abandono de incapaz 22.
direito de autodeterminação e a capacidade de ge- Assim, é indispensável constatar que a ação
renciamento de toda e qualquer pessoa 13,14,16. En- da médica paranaense reflete a falta de princípios
tretanto, até que ponto o paciente com doença ter- éticos e humanos enraizada na sociedade. Vale con-
minal, inserido no universo da enfermidade incurá- siderar a doença terminal como o estado mais de-
vel 23, tem a integridade mental para discernir sobre gradante da essência humana, de forma que cada
sua própria existência? Dessa forma, a eutanásia vai paciente deve ser tratado de maneira singular, se-
de encontro ao princípio basilar que rege a prática gundo suas necessidades físicas, psicológicas e espi-
médica – o juramento de Hipocrátes 24: Aplicarei os rituais. Permitir ações como a praticada pela referi-
regimes para o bem do doente segundo o meu poder da médica é o mesmo que atentar contra os valores
e entendimento, nunca para causar dano ou mal a e princípios morais que mantêm a sociedade brasi-
alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remé- leira, abrindo espaço para outras distorções morais
dio mortal nem um conselho que induza a perda 25. similares ou de maior impacto contra a vida.
No outro extremo, considerando-se a vida em
sua sacralidade, tenta-se mantê-la a qualquer custo Ser médico: a dor e a morte como um ofício
com procedimentos exaustivos e ineficazes. Diante A literatura apresenta conteúdo abrangente
da irreversibilidade da condição clínica do paciente, sobre pacientes em fase terminal. Todavia, pouco
pratica-se, então, a distanásia 26. se aborda a dinâmica que envolve o manejo desses
pacientes 30. Até que ponto a vontade do paciente,
O prolongamento da vida pode ‘fazer mal’ ao pa- da família e do médico, dentro de suas pluralidades
ciente? e interesses religiosos, culturais, socioeconômicos e
Em 2012, o Conselho Federal de Medicina bioéticos, podem interferir na conduta terapêutica?
aprovou a Resolução CFM 1.995 27, que dispõe sobre Nesta ótica, é possível que a eutanásia, na medicina,
as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes, seja prática bem mais frequente do que o presumí-
deixando claro que o paciente tem autonomia, jun- vel, ainda que ilegal. Este argumento, por si só, en-
to ao seu médico, de decidir sobre a não realização seja a ampliação de discussão e aprofundamento do
de procedimentos inúteis em fase de terminalidade tema nos meios médico e acadêmico.
da vida. A resolução assegura ao paciente o direito O processo de morte traz consigo conflitos e
de não prolongar seu sofrimento. Essa prerrogativa angústias humanas com os quais o estudante-pro-
apoia a ideia de que a distanásia é algo inaceitável fissional de saúde irá, inevitavelmente, lidar durante
e cruel, sendo estarrecedora a constatação de que toda a sua carreira. Deve ser, portanto, devidamen-
é prática médica frequente nas unidades de terapia te preparado para suprir sua própria fragilidade, de
intensiva 28. forma a estabelecer uma relação interpessoal hu-
Artigos de pesquisa

O princípio da beneficência norteia a essência manizada, segura, honesta e cautelosa, conferindo,


das condutas médicas, visando garantir a saúde do assim, conforto ao paciente e seus familiares diante
paciente e o seu bem-estar 13. A distanásia propõe desta delicada situação.
o ato de prolongar a vida dos enfermos considera- A morte é a indelével certeza da condição
dos incuráveis, situados em um contexto de sobejo humana, embora quase sempre recalcada, consti-
sofrimento, tanto físico como emocional e psíquico. tuindo intrínseca peculiaridade do Homo sapiens
Prolongar a vida de um paciente nesta condição não sapiens, o único vivente que tem a consciência da
significa certamente promover a beneficência. Pelo própria finitude 31.
contrário, ao invés disso pode-se estar a ampliar
exageradamente os seus momentos de dor e des-
conforto, o que vai de encontro ao que se objetiva onsidera ões nais
na prática médica, ou seja, assegurar o bem-estar
do paciente 29. Ante a complexidade do tema, este trabalho
É nesse contexto que se pensa na ortotanásia não pretende esgotar a discussão. Ao contrário, visa
como a via intermediária e mais adequada para o estimular o aprofundamento da temática, conside-
cuidado dos pacientes com doença terminal. A or- rando a sua importância social. Caso se confirmem

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370
Reflexões bioéticas sobre a eutanásia a partir de caso paradigmático

as notícias divulgadas na imprensa, um aspecto re- tagonizou esses eventos está respondendo tanto a
levante refere-se ao descumprimento do Código de processo judicial como a processo ético- profissio-
Ética Médica (CEM) pela profissional, dado que o nal no Conselho Regional de Medicina do Estado do
artigo 41 veda ao médico abreviar a vida do pacien- Paraná. Segundo o entendimento do Ministério Pú-
te, ainda que a seu pedido ou de seu representante blico, a profissional, que esteve presa por um mês,
legal. O inciso XXII, do mesmo documento, também deveria ser novamente detida para garantir a ordem
terá sido violado, visto que destaca o dever profis- pública e a conveniência da instrução do processo 33.
sional em propiciar aos pacientes todos os cuidados Em março de 2014, porém, a 1a Câmara do Tribunal
paliativos apropriados na vigência de situações clí- de Justiça do Paraná (TJ-PR) negou em julgamento o
nicas irreversíveis e terminais 32. Assim, a situação recurso do Ministério Público e o pedido de retorno
analisada se revelaria inaceitável considerando-se, à prisão.
estritamente, o cumprimento das normas deonto-
Por fim, é importante ressaltar que a atividade
lógicas da profissão.
médica deve ser respaldada no legado hipocrático
A eutanásia, além de ser ilícita no Brasil, nega que ensina a curar quando possível, aliviar quando
dois princípios éticos de suma importância para necessário, consolar sempre 34. Então, deve partir
a medicina – a beneficência e a não maleficência dos profissionais de saúde – e estender-se à socie-
–, visto que os profissionais desta área, em geral, dade como um todo – a compreensão de que a mor-
são capacitados para atuar visando o bem-estar e te é condição intrínseca à natureza dos seres vivos, a
a manutenção da vida dos pacientes. E é em nome qual todos estão fadados. Sua inevitabilidade impli-
da manutenção da vida que o profissional, muitas ca considerar que o fenômeno perpassa e transcen-
vezes, extrapola suas atribuições utilizando desme- de traços culturais, princípios éticos e pressupostos
suradamente artifícios para a manutenção da vida: científicos relacionados a contextos e períodos his-
a obstinação terapêutica. Entretanto, estudos têm tóricos definidos. Na atualidade, configura-se tema
apontado que a formação adequada, voltada ao polêmico em vista do fato de as sociedades nega-
bem-estar do paciente, promove melhores resul- rem peremptoriamente o fenômeno, o que se refle-
tados, conferindo um processo de morte mais har- te na formação das áreas acadêmicas da saúde e na
monioso. A ortotanásia encaixa-se nesta linha de prática dos serviços que lidam diretamente com ela.
práticas como a melhor escolha para pacientes com Assim, urge refletir sobre essa temática para trans-
doenças em estado terminal, com intenso sofrimen- formar a percepção e as práticas relativas à morte
to físico e psíquico. e ao morrer 35, sem confundir processos legítimos,
No que tange ao caso analisado neste artigo, como a ortotanásia, e ilegítimos, como a eutanásia,
é importante informar que a profissional que pro- como se pretendeu nesta discussão.

Re er ncias

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Revisado: 10. 2.2014
articipa o dos autores
Aprovado: 27. 5.2014
Daniel Abreu Santos, Eduardo Robatto Plessim, Felipe Freire da Silva, Layo Henrique Carvalho e
Leandro Anton de Azevêdo: interpretação dos dados, redação do artigo e versão a ser publicada.
Nedy Maria Branco Cerqueira Neves: correção, análise crítica do artigo e da versão a ser publicada.

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 367-72 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222018


372
Avaliação do conhecimento dos anestesiologistas
sobre cuidados paliativos
Maria de Fátima Oliveira dos Santos 1, Natália Oliva Teles 2, Harison José de Oliveira 3, Nicole de Castro Gomes 4, Joana Cariri Valkasser
Tavares 5, Edilza Câmara Nóbrega 6

Resumo
Avaliar o conhecimento dos cuidados paliativos entre anestesiologistas por meio de questionário individual.
A amostra teve 95 profissionais, dos quais 65 do sexo masculino e 30 do feminino. Sessenta e dois
anestesiologistas informam que “qualidade de vida” é o termo que melhor expressa os cuidados paliativos
e 53 consideram a combinação da assistência casa/hospital a mais conveniente para o atendimento do
paciente que requer esses cuidados. Observou-se que 83,2% dos pesquisados (n=79) não receberam
preparação para lidar com paciente que requer cuidados paliativos e 88,4% comentam com colegas quando
um paciente morre (n=84). A maioria dos entrevistados (n=46) discorda da prática de eutanásia. Quanto à
autopercepção do conhecimento sobre cuidados paliativos, numa escala de 0 (nenhum conhecimento) a
10 (conhecimento total), a maioria das respostas alcançou média 5 (n=28), o que mostra a necessidade da
reflexão acerca do cuidar na área da anestesiologia.
Palavras-chave: Cuidados paliativos. Assistência terminal. Doente terminal.

Resumen
La evaluación del conocimiento de los anestesiólogos acerca de los cuidados paliativos
Evaluar el conocimiento de los cuidados paliativos entre los anestesiólogos a través de un cuestionario indivi-
dual. La muestra fue de 95, de los cuales 65 eran del sexo masculino y 30 del femenino. Sesenta y dos de los
anestesiólogos informan “la calidad de vida” como el término que mejor expresa los cuidados paliativos y 53
consideran que la combinación de cuidado en el hogar / hospital es más conveniente para el cuidado del pacien-
te que lo requiere. Se observó que el 83,2% de los investigadores (n = 79) no recibieron la preparación para lidiar
con el paciente que requiere cuidados paliativos y el 88,4% comentan con sus compañeros cuando un paciente
muere (n = 84). La mayoría de los encuestados (n = 46) no estaban de acuerdo con la práctica de la eutanasia.
En cuanto a la autopercepción del conocimiento sobre los cuidados paliativos, en una escala de 0 (ningún co-
nocimiento) a 10 (pleno conocimiento), la mayoría de las respuestas alcanzó el promedio de 5 (n = 28). Esto
demuestra la necesidad de reflexión acerca del cuidar en el área de anestesiología.
Palabras-clave: Cuidado paliativos. Cuidado terminal. Enfermo terminal.

Abstract
Evaluation of knowledge among anesthesiologists about palliative care
To assess anesthesiologists’ knowledge about palliative care through an individual questionnaire. The sample
was 95, with 65 male and 30 female. Sixty-two of the anesthesiologists reported quality of life as the term

Artigos de pesquisa
that best expresses the palliative care, and 53 consider the combination of home care/ hospital the most
convenient for the treatment of a patient who requires palliative care. It was observed that 83.2% of the in-
terviewed (n = 79) have not been prepared for patients who require palliative care and that 88.4% mention to
a colleague when a patient dies (n = 84). Most respondents (n = 46) disagreed with the practice of euthanasia.
As for the perception of palliative care on a scale of 0 (no knowledge) to 10 (full knowledge), there was a majo-
rity of the average response of 5 (n = 28). It shows the need to reflect about care in the filed of anesthesiology.
Key words: Paliative care. Terminal care. Terminally ill.

Aprovação CEP Hospital Universitário Lauro Wanderley/UFPB – 359/09

1. Doutoranda fatimadeosantos@hotmail.com – Faculdade de Medicina Nova Esperança, João Pessoa/PB, Brasil 2. Doutora natalia.
oteles1@gmail.com – Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Portugal 3. Especialista harisonoliveira@bol.com.br – Hospital
Santa Isabel, João Pessoa/PB, Brasil 4. Graduanda nicoledecastrog@gmail.com 5. Graduanda joanavalkasser@gmail.com 6. Graduanda
edxinobrega@hotmail.com – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa/PB, Brasil.

Correspondência
Maria de Fátima Oliveira dos Santos – Av. Umbuzeiro, 881 apto 501, Manaíra CEP 58038-182. João Pessoa/PB, Brasil.

Declaram não haver conflito de interesse.

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222019 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 373-9


373
Avaliação do conhecimento dos anestesiologistas sobre cuidados paliativos

Cuidados paliativos (CP) são um modelo de seja tão importante utilizar preceitos humanitários
cuidar que só se expressou de forma especializada entre os profissionais 7,8.
por volta de 1967, quando Cecily Saunders fundou Em síntese, os cuidados paliativos estão cen-
o St. Christopher Hospice, em Londres, dando início trados no direito de o paciente viver os dias que lhe
ao trabalho de difundir a filosofia do hospice mo- restam e de morrer com dignidade, constituindo
vement de modo a promover a qualidade de vida campo interdisciplinar de cuidados totais, ativos e
ante doenças sem possibilidade de cura. Esses cui- integrais dispensados aos pacientes com doen-
dados têm como meta assistir os pacientes median- ças avançadas e em fase terminal. Esse conjunto
te abordagem destinada a melhorar a qualidade de de ações interdisciplinares busca oferecer a “boa
vida nas doenças que ameaçam a continuidade da morte” aos pacientes com doenças terminais, bem
existência, entendendo o processo de morrer como como apoio aos familiares e cuidadores 9.
inevitável e natural. Os CP baseiam-se em terapêu-
ticas que buscam oferecer, no momento próprio, Especificamente no campo da anestesia, a ex-
qualidade de vida digna e diminuir os sintomas que pansão dos cuidados paliativos é ainda mais recen-
a doença ocasiona, respeitando sempre os direitos te, verificando-se que os desafios para o anestesista
individuais, sem esquecer que a família também que assiste o paciente que requer cuidados palia-
deve ser assistida 1-2. tivos vêm aumentando devido ao crescente pro-
gresso obtido com as novas técnicas de analgesia e
Os CP são procedimentos que buscam contro- sedação. O cuidar em anestesia paliativa destina-se
lar a dor e outros sintomas, como os de ordem psi- a prover conforto, proporcionar ao outro o seu pró-
cológica, social e espiritual. Logo, o seu objetivo é prio cuidado e dar-lhe o poder de se responsabilizar
proporcionar melhor qualidade de vida aos pacien- por isso. Dentre essas novas técnicas destaca-se a
tes e familiares, que enfrentam problemas associa- analgesia controlada pelo paciente (ACP) 10-11.
dos com doenças ameaçadoras 3. Os cuidados palia-
tivos chegaram ao Brasil no início da década de 80, É, enfim, agir e reagir adequadamente frente a
quando o sistema de saúde priorizava a modalidade situação de morte com o doente e a família, lutando
hospitalocêntrica, essencialmente curativa. para preservar sua integridade física, moral, emo-
cional e espiritual, conectando-se com o paciente
Segundo Kovács 4, o conceito de CP mudou ao e comprometendo-se a auxiliá-lo e permitir que
longo do tempo à medida que a filosofia de cuida- também possa decidir por si mesmo como e quando
do foi se desenvolvendo nos ambientes de saúde. utilizar a sedação paliativa para amenizar seus sinto-
Tradicionalmente, eram vistos como procedimen- mas 10,12. Cuidar, em anestesia paliativa, é prover o
tos aplicáveis apenas no momento da morte, mas alívio e reconhecer seu paciente como ser humano
atualmente são oferecidos desde o estágio inicial de único. Por isso, é fundamental o controle de sinto-
doença terminal progressiva, avançada, incurável, mas como a dor e a fadiga, a anorexia, a constipação
até os últimos momentos de vida. Ressalte-se que e a dispneia, entre outros 12-13. Tendo como base es-
esse cuidado deve valorizar aspectos que ficaram ses pressupostos, o objetivo deste estudo foi avaliar
em segundo plano: as dimensões humana e ético- o conhecimento sobre cuidados paliativos entre mé-
espiritual da pessoa 4-6. dicos anestesiologistas da cidade de João Pessoa, na
Artigos de pesquisa

Os CP traduzem mudança significativa no pa- Paraíba, Brasil.


pel dos profissionais dos serviços de saúde, que
além de cuidarem da vida devem também cuidar
do processo de morrer, haja vista serem interven- todo
ções destinadas àqueles em situação de fim de vida,
voltadas a amenizar sintomas desagradáveis, provo- Foi realizada pesquisa do tipo exploratória,
cados pela doença incurável. Considerando que a descritiva, com abordagem quantitativa, com anes-
formação dos profissionais de saúde sempre este- tesiologistas da Sociedade de Anestesiologia do
ve voltada para os aspectos biológicos, sendo a sua Estado da Paraíba (SAEPB) que exercem suas ativi-
prática predominantemente individual, consistindo dades profissionais na cidade de João Pessoa/PB e
em intervenções fragmentadas de diferentes profis- aceitaram participar voluntariamente neste traba-
sionais para o mesmo paciente, compreende-se que lho, nos meses de janeiro e fevereiro de 2012.

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Avaliação do conhecimento dos anestesiologistas sobre cuidados paliativos

Dos 126 anestesiologistas registrados na SAEPB, Na Tabela 1 observam-se respostas às pergun-


contatados por telefone, 95 (75,4%) aceitaram fazer tas: “Palavra que expressa CP” e “onde atender ao
parte da amostra. Os dados foram coletados pesso- paciente que requer CP”. Verificou-se que o termo
almente pelos pesquisadores, mediante questionário “qualidade de vida” é o que melhor expressa os
estruturado composto por perguntas fechadas do cuidados paliativos (65,3%; n=62). Quando indaga-
tipo múltipla escolha, que continha questões sobre dos onde deve ser o atendimento do paciente que
os cuidados paliativos. requer cuidados paliativos, a maioria dos entrevis-
A pesquisa foi elaborada de acordo com as re- tados (55,8%; n=53) respondeu “casa/hospital”, se-
comendações éticas da Resolução CNS/MS 196/92, guido por 36,8% (n=35) que consideram a “casa” e
substituída pela Resolução CNS/MS 466/12 14. Os par- apenas 3,2% (n=3) o “hospice”.
ticipantes confirmaram o consentimento por meio da
assinatura do termo de consentimento livre e escla- abela Dados referentes às perguntas: “Palavra
recido (TCLE), do qual receberam cópia. Justifica-se a que expressa cuidados paliativos e onde atender ao
paciente que requer CP”
escolha desses profissionais por muitos deles assisti-
rem de forma contínua ou esporádiaca pacientes nes- ari vel N %
sa situação, que requerem seus cuidados. Entretanto alavra ue e pressa cuidados paliativos
o estudo não se restringiu àqueles profissionais que
Dor 2 2,1
lidam exclusivamente com paciente que se encontra
com a doença em fase terminal sendo o critério de Família 1 1,0
inclusão ser anestesiologista com atividade na cidade Morte digna 24 25,3
de João Pessoa.
Não respondeu 2 2,1
Para a análise dos dados utilizou-se o programa
Ortotanásia 4 4,2
estatístico Statistical Package of Social Sciences for
Windows (SPSS), versão 19.0. Os dados descritivos Qualidade de vida 62 65,3
foram expressos em valores percentuais, média, me- nde deve ser o atendi mento do paciente ue
diana, moda e desvio padrão. Para realizar as análises re uer cuidados paliativos
dos dados foi utilizado o teste de qui-quadrado com
Casa 35 36,8
simulação de Monte Carlo.
Casa/hospital 53 55,8
Hospice 3 3,2
esultados e discussão
Hospital 3 3,2

O estudo contou com a participação de 95 mé- Não respondeu 1 1,0


dicos anestesiologistas da cidade de João Pessoa/PB, N= número de anestesiologistas.
sendo 65 do sexo masculino (68,4%) e 30 do feminino
(31,6%). Quanto ao estado civil, houve predominân- A Tabela 2 resume as respostas obtidas às
cia dos casados, com 65,3% (n=62), sendo a menor perguntas: “Recebeu preparação para lidar com pa-

Artigos de pesquisa
parcela da amostra composta por indivíduos viúvos, ciente que requer CP?”; “Vivenciou a experiência de
representando apenas 2,1% (n=2) do total. perda pessoal?”; “Quando acontece a morte de pa-
A maior parte dos indivíduos tinha idade entre 41 ciente que você assistiu, aborda [o fato] com os seus
e 50 anos (26,3%) e apenas 7,4% (n=7) entre 25 e 30 colegas anestesiologistas?”. Para a maioria dos pes-
anos. Quanto ao tempo de formado, 33,7% (n=32) pos- quisados – 83,2% – (n= 79) faltou preparação para
suíam 30 anos ou mais, com média de 21,3 anos. No lidar com pacientes que requerem CP terminais.
que se refere à carga de trabalho semanal, a maior par- Quando indagados se vivenciaram a experiência da
cela 43,2% (n=41) dos pesquisados trabalha entre 40 e perda pessoal, 92,6% (n=88) responderam que sim.
70 horas semanais, com média de 65,1 horas. Em rela- Relativamente à pergunta “quando acontece a mor-
ção à confissão religiosa, os maiores grupos da amostra te de um paciente que você assistiu, comenta com
são de católicos (73,6%; n=70) e protestantes (13,7%; seus colegas anestesistas?”, 88,4% (n=84) respon-
n=13). A maioria 63,2% (n=60) afirmou ser praticante. deram afirmativamente.

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375
Avaliação do conhecimento dos anestesiologistas sobre cuidados paliativos

abela Dados referentes às perguntas: “Recebeu Discutir a temática dos cuidados paliativos
preparação para lidar com paciente que requer pressupõe a realização de exercício reflexivo, que
cuidados paliativos”; “Vivenciou a experiência de envolve família, cuidador, morte e autonomia do
perda pessoal” e “Aborda com os colegas a morte
de um paciente” paciente, entre outros. De início, observa-se serem
poucas as pesquisas sobre cuidados paliativos dire-
erguntas respostas N % cionadas aos anestesiologistas e pouco se sabe so-
ecebeu preparação para lidar com paciente bre a opinião e o posicionamento desses profissio-
ue re uer cuidados paliativos nais. Em relação ao questionamento que procurava
Sim 16 16,8 identificar a palavra adequada para expressar “cui-
dados paliativos”, 65,3% dos pesquisados indicaram
Não 79 83,2
o termo “qualidade de vida” como o que melhor se
ivenciou a e peri ncia de perda pessoal presta à definição.
Sim 88 92,6 O paciente que se encontra com a doença em
Não 7 7,4 fase terminal e em tratamento de quimioterapia
apresenta diminuição das funções física, emocional,
uando acontece a morte de paciente ue
cognitiva e social, pois nesse momento ocorre o au-
voc assistiu aborda o ato com seus colegas
mento dos sintomas fadiga, náuseas e vômitos, dor,
anestesiologistas
insônia, perda de apetite e diarreia. Por isso, é tão
Sim 84 88,4 difícil a mensuração de qualidade de vida (QV) do pa-
Não 11 11,6 ciente terminal. Ressalte-se que essa definição inclui
N= número de anestesiologistas.
seis domínios principais: saúde física, estado psicoló-
gico, níveis de independência, relacionamento social,
características ambientais e padrão espiritual. Portan-
A Tabela 3 resume os dados obtidos quanto
to, a qualidade de vida é uma noção eminentemente
ao posicionamento em relação à prática da euta-
humana, que tem sido entendida como grau de satis-
násia, relativamente ao sexo dos inquiridos. Assim,
fação encontrado na vida familiar, amorosa, social e
verificou-se que tanto 29 (63,0%) dos indivíduos
ambiental, e na própria estética existencial 15-16.
inquiridos do sexo masculino como 17 (37,0%) do
sexo feminino discordam de sua prática, totalizando Aprofundando o assunto, observa-se que o
o número de 46 indivíduos. O teste do qui-quadrado anestesiologista que atua em cuidados paliativos
sugere que não existe associação entre os dados. busca amenizar ou diminuir o desconforto por que
Assim,depreende-se que o sexo não interfere no po- passam o paciente e família. Por ter o privilégio da
sicionamento quanto à prática da eutanásia. proximidade com quem está em processo de morte,
pode transformar essa convivência em fonte de con-
abela Dados referentes ao posicionamento em forto para quem arrosta a inevitabilidade da morte.
relação à prática da eutanásia quanto ao sexo Em face dessa circunstância, os cuidados paliativos
ão oncor iscor ão res buscam oferecer ao paciente e a sua família a me-
sabe da da pondeu lhor qualidade de vida no tempo que ainda resta
Artigos de pesquisa

N % N % N % N % àquele 15,17.
Feminino 8 38,1 4 14,8 17 37,0 1 100,0 30 Entre as opções para o atendimento do pa-
Masculino 13 61,9 23 85,2 29 63,0 0 - 65 ciente que requer cuidados paliativos, os anestesio-
otal 21 22,1 27 28,4 46 48,5 1 1,0 95 logistas entrevistados reconhecem que a combina-
N = número de anestesiologistas. ção preferida é casa/hospital (55,8%; n=53). Nesse
sentido, até o médico cuidador entende que a com-
Quanto à autopercepção dos anestesiologistas binação casa/hospital é a mais completa. Isto signifi-
em relação ao conhecimento sobre CP, numa esca- ca alteração em relação ao local habitual de morte e
la de 0 a 10, observou-se que a maior frequência induz a necessidade de criar e implementar progra-
(moda) foi 5; a média foi 5,8; a mediana, 6,0; e o mas efetivos e integrados nos hospitais, para prestar
desvio padrão, 1,54 para n=28. Evidenciou-se nível este atendimento, dado que a tendência é de que os
de significância de 0,755. Logo, a maior parte dos in- pacientes invertam sua preferência quanto ao local
divíduos da amostra atribuiu nota que variou entre de atendimento – o que parece estar acontecendo,
4 e 7, para desvio padrão de 1,54. O teste qui-qua- manifestando-se no fato de os doentes preferirem,
drado não sugeriu associação entre os dados, ou cada vez mais, permanecer em casa, junto da família
seja, o sexo não influenciou na atribuição da nota. e das pessoas que amam.

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Avaliação do conhecimento dos anestesiologistas sobre cuidados paliativos

O Conselho Federal de Medicina editou a Re- Como consequência dos avanços da tecnolo-
solução 1.805/06, que todos os médicos precisam gia, a procura por profissionais tecnicamente habili-
conhecer. Trata da terminalidade da vida e tem cará- tados é e será sempre cada vez maior, em detrimen-
ter deontológico, garantindo os cuidados essenciais to da preocupação com a alma humana. Esse fenô-
para aliviar os sintomas que podem levar ao sofri- meno do avanço da tecnologia tem levado a medici-
mento, respeitando sempre a vontade do paciente na a segmentar-se cada vez mais, oferecendo, além
e trazendo-lhe mais conforto no estado terminal. das especialidades, as subespecialidades, o que faz
Posta a questão nesses termos, a conduta a ser ado- com que os seus profissionais se dediquem apenas a
tada para o doente em processo de morte inevitável alguns segmentos do corpo, levando-os a esquecer
será sempre polêmica, questionando-se se valerá a a integralidade da pessoa humana, como ser dotado
pena retirar o paciente de casa e transportá-lo para de corpo e alma, e que, por isso, necessita de visão
o hospital apenas para morrer 18. holística no tratamento integral da sua saúde 22.
A maioria dos anestesiologistas pesquisados Os anestesiologistas que atuam como cuidado-
(83,2%; n=79) declarou não ter recebido prepara- res encontram-se também em situação de fragilidade
ção para lidar com pacientes que requerem cuida- quando se deparam com paciente sem possibilida-
dos paliativos. Essas considerações vão ao encon- des terapêuticas 23. Observou-se no presente estudo
tro de estudos realizados em diversos países que que muitos deles comentam com os colegas a morte
mostram lacuna na formação dos profissionais de de pacientes que estiveram sob seus cuidados, vez
saúde no que tange aos cuidados paliativos, indi- que costumam compartilhar informações sobre o
cando a necessidade de estimular essa formação dia a dia laboral. Tal situação parece ser relativamen-
19,20
. Embora os cuidados paliativos sejam pouco di- te comum, considerando-se que esses profissionais
vulgados também entre os anestesiologistas, essa têm papel imprescindível no cuidar do paciente que
abordagem é extremamente relevante para este está morrendo, visto que a fase terminal pode ser
grupo profissional que, muitas vezes, é aquele de- terrivelmente difícil tanto para o doente quanto para
signado a assistir o doente nos últimos momentos o cuidador, pois o que se pode fazer pelo paciente é
de vida. muito pouco. Não obstante, referem que os médi-
Em decorrência dessa deficiência na formação cos consideram a morte do paciente como falha de
profissional, a adoção de medidas fúteis muito pro- sua ciência e, frustrados, encerram sentimentos de
vavelmente decorre do desconhecimento dos pro- culpa por não conseguirem evitá-la 24. Para Horta, os
fissionais sobre os cuidados paliativos. A respeito profissionais de saúde e de outras áreas carecem de
de tal situação no Brasil, constata-se que existem reflexão para enfrentar os desafios do processo de
diversos desafios a vencer, dentre eles o de superar morrer e da morte – que pode ajudar, inclusive, na
essa possível deficiência no processo de formação elaboração de suas experiências 25.
dos profissionais de saúde no tocante à finitude da Sobre a eutanásia, os anestesiologistas do estu-
vida. É indispensável que o anestesiologista esteja do posicionaram-se da seguinte maneira: 46 discor-
preparado para os cuidados paliativos, valorizando dam, 27 concordam e 22 não responderam ou não
a autonomia do paciente, cujo posicionamento deve sabem. A eutanásia não é aceita em boa parte das

Artigos de pesquisa
respeitar sempre que possível. sociedades, sendo conduta ética proibida, constituin-
Se é viável constatar que a mudança de men- do-se em antecipação da morte de alguém em ato
talidade dos profissionais para a adoção dos CP é de misericórdia sem qualquer lucro pessoal. Na pers-
necessária, percebe-se também que nem sempre pectiva de Cabral, a palavra “eutanásia”, de origem
estes estão dispostos e receptivos a nova mudança grega, foi introduzida por Francis Bacon, no Organon.
com quebra de paradigmas. Considerando-se que Com o significado etimológico de “boa morte”, isto é,
o cuidar do paciente terminal vai além dos proce- suave, pacífica, sem sofrimento, a eutanásia é carac-
dimentos técnicos, devemos abordar a dimensão terizada como ato médico cuja finalidade é eliminar
humana, englobando – dentro das possibilidades – a dor e a indignidade da doença terminal, mediante
aspirações, desejos, necessidades e vontades do pa- indução direta e ativa da morte de seu portador 2,26,27.
ciente terminal. Ante isso, somos levados a crer que Evidenciou-se neste trabalho que os conheci-
será necessário realizar árduo trabalho, em termos mentos sobre cuidados paliativos são insuficientes, o
de mudanças (pessoais, humanas e sociais), a partir que pode ser explicado como falha na formação mé-
dos aparelhos formadores que moldam profissio- dica, período em que pouco se fala da morte. Assim,
nais com excelente preparação técnica e nenhuma os anestesiologistas devem receber preparação para
ênfase humanística 21,22. saber como lidar com os desafios que surgirão no

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Avaliação do conhecimento dos anestesiologistas sobre cuidados paliativos

campo do atendimento ao paciente que requer cui- Embora nos cuidados paliativos a ação tam-
dados paliativos. É também necessário que o aneste- bém seja movida pela proposta de atenção técnico-
siologista possua, para além da competência técni- científica, incorpora outras questões subjetivas. A
co-científica, competência humana, vivenciando os assistência médica ao enfermo que necessita dos
verdadeiros valores para o agir coerente e responsá- cuidados paliativos possui – essencialmente – di-
vel, pois neste momento o profissional deve compre- mensão humana. Para atender cabalmente esses
ender os temores e medos dos pacientes, bem como pacientes, requer a adoção de medidas que não
esclarecer dúvidas sobre os aspectos inerentes ao visam mais curar, mas sim aliviar o sofrimento; por
ato anestésico de forma a minimizar fatores que pos- isso, a razão da necessidade de cuidados paliativos
sam interferir no bem-estar dos mesmos 28. é ter como prioridade o valor da dignidade da pes-
soa, o que implica a considerar integralmente, não
Nessa perspectiva, há que se cuidar da forma-
somente do ponto de vista do diagnóstico, mas tam-
ção do médico, por meio da reflexão e discussão em
bém em relação ao tratamento da doença e o que
todo o seu processo de formação e aperfeiçoamen-
pode ser feito quando se esgotam os recursos da
to. Assim, é importante reconhecer a necessidade
terapêutica.
de formação no campo específico dos cuidados pa-
liativos, de forma a contribuir para a melhoria da Nesse contexto, evidencia-se a relevância
prestação dos cuidados de saúde pelos profissionais da reflexão sobre os cuidados paliativos para esta
de saúde, devido a estas preocupações serem con- categoria de profissionais, ressaltando-se o envol-
flitos constantes e diários de qualquer médico que vimento dos anestesiologistas no cuidado desses
lide com doentes terminais 16,29. pacientes nos momentos finais de vida, cientes da
importância de seu papel como pilar dos cuidados
médicos em face da indispensável assistência que
onsideraç es nais devem prestar-lhes nos últimos instantes, aliviando-
lhes a dor e o sofrimento.
O presente estudo apresentou e analisou o Acredita-se que os dados apresentados nesta
conhecimento dos anestesiologistas da cidade de pesquisa podem colaborar para evidenciar a neces-
João Pessoa, na Paraíba, sobre os cuidados paliati- sidade de valorizar o anestesiologista cuidador no
vos. Este tipo de cuidado se encontra em campo fi- processo da assistência ao paciente que precisa de
losófico e conceitual ainda em construção, de modo cuidados paliativos. É fundamental inculcarmos a
que sua prática é desafiadora para essa categoria de necessidade de futuras pesquisas na área de cuida-
profissionais médicos, especialmente porque tanto dos paliativos com os anestesiologistas, com vistas
a própria ciência quanto a formação profissional fo- a contribuir para a melhoria do desempenho dessa
cam na prática tecnicista voltada à cura. tarefa médica.

Agradecimentos
Aos anestesiologistas da SAEPB e da Coopanest-PB que exercem suas atividades na cidade de João Pessoa/PB.
Artigos de pesquisa

e er ncias

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Artigos de pesquisa
Recebido: 3.9.2013
articipação dos autores
Maria de Fátima O. Santos participou da concepção e desenho do estudo por meio da elaboração do Revisado: 5.2.2014
projeto de pesquisa e da análise estatística e interpretação dos dados, além da redação do manuscrito.
Aprovado: 2.7.2014
Natália Oliva Teles auxiliou na revisão da literatura e análise dos dados. Harison J. de Oliveira auxiliou
na análise estatística e sua interpretação. Nicole de Castro e Joana Cariri contribuíram com a revisão
crítica do manuscrito e Edilza Câmara, com a revisão da literatura.

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379
Espiritualidade e qualidade de vida em pacientes
com diabetes
Camila de Moura Leite Luengo 1, Adriana Rodrigues dos Anjos Mendonça 2

Resumo
i pi d piri id d d do i i d do d -
d r go . di do pr do i id i o propor d ior .
o oo o oi o h r o ig i do d piri id d p r p i di o orr io do-o
o id d d id . p i d o - o ro d d o i d r i r
i ip d o o gr . o r oi o d por 20 p i por dor d di . di r-
o do io o o o i o odo o hido p r o r o do ig i do . oi p i do -
o rio o po o d r p rg gr d r ri gr . p r do r i do iori
r d h r d o i o d i o p o d pr g d . do d o ro
p r o ig i do d piri id d ig do p o r igio o o i p g p r o g ir
o i r o o di hor r i id d d id .
Palavras-chave: piri id d . id d d id . i i .

Resumen
Espiritualidad y calidad de vida en pacientes con diabetes
i p i io d piri id d dh ido i d do do
i o d r o. i r d d pr i id i o propor io d
gr d . ro o o r o pr d r ig i do d piri id dp r o p i di o
orr i o id d d id . i g i d rro ro d d i o r i
d d i ip d o o gr i r i. r o i 20 p i o di .
di r o d o o o odo gido p r o r i d o ig i do . pi -
o rio o d r pr g gr d r ri i gr . p r d o do
or r r d d p d o dio pri rio i o p o. dio d o r
ig i do d piri id d p r i do p o r igio o rr r -
p d i ir o di or r id d d id .
Palabras-clave: piri id d. id d d id . i i .

Abstract
Spirituality and quality of life in diabetic patients
h piri i i pi o i h hh i d d do d i h dr d o r-
. i i di h h i r i g i id . r go o d r d h i pi o o
Artigos de pesquisa

piri i o di p orr g i i h h ir i i . hi r r h d op d i
d o ri h o o gr i r i. h p o i d o 20 p pr g i .
o ir o i g o hr o pp i d d r r ord d d r ri d. h i-
r o 20 p op i r i d h o i d o o o rri d po d d i hi o p
pri r d o . h d d o r d h or h gro p i d d h i g o piri i i r d
o r igio p h ho d tt h o h i ord r o o rr h ir i ih i
d i por h r or h ir i o i .
Key words: piri i . i o i . i i .

pro o ip 0418 212.2.0000.5102

1. Graduanda i go g i. o 2. Doutora dri r ho i. o i r id d do do p i o o gr /


r i.

Correspondência
i d o r i go o d dor o r i 44 p o 102 3 550-000. o o gr / r i.

r oh r o i od i r .

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 380-7 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222020


380
Espiritualidade e qualidade de vida em pacientes com diabetes

io po r i i h - or id o i d o di d o g
id d r di io did o d r o d o o po r d r o -
pi o o p do o orr o d o pi i o o i ro giop r op
o ogi r d i i di d o - rop rop . o ho r o ro
o d d do di or i por pr - i o d do pod o orr r o p i
do . dro o p o o o o go pr o o o o p o -
r igio p o i do p i i- g ir r op rop d r o r o -
r i rido o di o d pr i- i iri o pro r id d d
ca 1 h i or p io o or d id d p o . or o g i d
id d p r o o o o pi r i o go pr o od
2
r o pro io d d op i . i p i . di o or o i -
p r d r o i o o i rpr - i d do o o po i ri po idip i
ri d piri id d pod r did po i gi p rd d p o i 10.
o o r i d o r p r- do r i o r i r r
piri do r h o opo i o p r d p o o d id i orpor o d pr -
ri 3. pro o di i o p o xp - r p o r d p -
ri i 4 pro r ri ir ig i do do dr i r o ro g i i o pr d
xi i pod do o xi r o o d ro d pr - id d i o d pr o r ri
d r do r igio o 5. r igio id d por o p h o o o por ip di -
i - i o d d r i do o o ip i r d d 10. i r o o Diabetes mellitus
d or . g or g r r igi o i pi o r- o p x di -
i io dog r ri o - i r r ii r o -
piri id d p o id 5. o d id d d h io d od
p r d o ro r i i o r o i- ro i p od id do pro di -
o d piri id d o r d r x od o d o ro d g i i o do i r
o r : Deve ficar claro que, se esses benefícios vêm d o o pr od o pi
11
de uma intervenção ou resposta de Deus aos apelos g d r i . ir o o p o
da oração e da espiritualidade, isso vai estar sempre p r o di o i i o o ro g r
12 13
além daquilo que a ciência possa ou não provar . do do d d -do .
id d d id r r - o io od o i o do do d i -
do o o o poi d di rir d i di - por i o o i od piri i
d o p r i di d o i or r r r pr . or o d - o
o o go d id . h o r o or po d id d d id pod ir or r
d r i d p o oi ro di dor r o po d d od
combinação resulta numa rede de fenômenos e si- r igio / piri i o pod ii r o d -
tuações que, abstratamente, pode ser chamada de o i od i r d h

Artigos de pesquisa
qualidade de vida. r o o i do - o o di o piri 14
. o
or o o do d d o g id d o pri r ho por id d o h r
o r ho rio rr i i r di po- o ig i do d piri id d p r p i di -
i o pr r piri id d : Num sentido mais o piri id d pod i i r
amplo qualidade de vida pode ser uma medida da hor d o o r o propor io -
própria dignidade humana, pois pressupõe o aten- do i hor id d d id .
dimento das necessidades humanas fundamentais .
o o po o d i d d r h r8 o -
Método
r pod r di idid i di :
i o io o i pro io i
piri . i o 9 por d pr do d ord g i
o o i h do po d ri o oi d o ido o ro d
r o o o gr d o do i di d o d o i d d r i r -
r o o id ii r oro o i - i ip d id d d o o gr o p r odo
i xi i r g do o o h i o d 1/2/2013 30/9/2013 do o o o r 20
xp ri i or d i di d o o id d p i por dor d di . ri rio d
d r i d po o i o. p r ip o o do or : r r o

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381
Espiritualidade e qualidade de vida em pacientes com diabetes

h p o o id d p rior 18 o Tabela 1. r r p o i o io o i
d do pr hi o do o rio di g- do r i do
o o r do di i do pro rio. Sexo
i i o 12 0
or r rd do d r i
i o 8 40
o o pri ip o o ord g o pr -
i d id d o o por - Estado Civil
o iro 0
o do p r ip o ho d o r
do 15 5
oi d ido o io i o i or i do 2 10
ri r o r op r i o 3 15
d p i o hido d d d p i - Escolaridade
dido i i o. odo o- o oi o 0
r g oi do po i io do r i o d o p o 5 25
p r r do o h i o do p i dor o r i o d i o p o 8 40
pop o o i p di r i- i o dio o p o 5 25
d d d r i do . i o dio i o p o 0
r iro gr o p o 2 10
r r o d do d p i oi p i - -gr d do 0
do o rio i r r do o po o d Situação laboral
r p rg gr d r ri gr . d 0
odo o hido p r i do ri oi o pr g do 8 40
di r o do io o o p do o - pr g do 12 0
r o do ig i do do p r i r proxi-
o o o o do. r i
Tabela 2. io p dr o di d id d do
do d do io - o r digido pri ir p i r i do
p o do i g r o po o por xpr - h
Desvio padrão Média N
r id i r i
or g . Masculino 3325 4 00 08
o o i do p r ip do do oi Feminino 10 8519 2 18182 12
r p i d p i r d i o d p r ip r d p - Total 8 213 2 5 20
i p o or i o d ori
idi r d i o. p i r - o o- r d r g i d d op r
r r i o i i or i o o h io pid io gi o do i di d o o di r -
o do p r ip . or pr i o pro- ri o - p o pr do io do xo i i o 0
di o g r o d i id d o poi o p g do ir i 15 pop o -
o i o d i or pri id d pro- i i ior i . o xp i
od i g do r po d g r do- p r ior propor o d h r o -
d i d o di g o d por pro r r
Artigos de pesquisa

i or o d o or i d
pr o d r r p r o i gr i r o r i o d d .
do do. do g i o pr i o - id d do i di d o rio r 42 9
ido p o o 19 /9 do o ho io o o di o r dor do 4 o i r o
d d ig o p r odo pi od p r o o h do d i r r h
p i oi ori d p o o i d d i- g do d o r o di
r id d do do p . ior pr i p o i d 35 o 1 .
o o rid d 40 h o i o d -
i o p o 0 d pr g do .
Resultados e discussão g do o or d o i -2001 d -
o o r o d r or i di d o
r do or pr do r p r- o ix o rid d ix r d o -
. pri ir o id i d r r r po i id d d ip d d d -
p o i o i i do r i do 1 2. i d o r id d d o

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382
Espiritualidade e qualidade de vida em pacientes com diabetes

o o ro d do p r pro o r - id d . r odo d ordo o o -


1
d . o o d r i do 5 r do . dro 1 iori do r i do r po d
rg i o di d d r r piri id d ig d p o r igio o
o do i i do i di d o i i di i r .
ii r o o id do. r o ido o o po-
i o i i r pod r or d i i o p d Quadro 1. d i r i io r i do
o o o id do o i o1. 1
g
d p r o id i do o Ideias centrais Sujeitos Frequência
xp or do o r p id i r i rp 1 1
dro 1 2 3 p r- r p o do
o o r d id i r i o p h d 2 1
bem
do r p o di r o do io o o.
3 4 11 12 13
pri ir p rg i oi: Qual o significado p o r igio o 10
14 15 1 18
de espiritualidade?”. di r o do io o -
rh id 5 1
o do id i r i pr d
p rg or : r 10 1 3
a
1 id i r : r p Espiritualidade é o h i o do
8 1
para a gente ter uma paz, um sossego... i rior
o 9 19 2
2a id i r : r p o do -
piri id d p o do p - r i rp 20 1
o h or d ...
3a id i r : p o r igio o Espiritu- do d o go g i o r rid-
18
alidade para mim é religião, uma pessoa religio- g io d r 28 o .928 p i
sa. É um espírito de bondade, de paciência ... r 1 94 o ri do o pr
é o espírito religioso, é o espírito da gente. Um r g r d id d r igio r o-
ser cristão, pessoa que tem Deus no coração. Eu r x d or id d . r do or
considero todas as religiões, eu respeito, procu- i ro o h r i d
ro aprender com os outros... p r d d do r i o or
d ri o d o ho r d o ig i
4a id i r : rh id É você ter uma
espiritualidade de perdão, de aceitar as coisas. do i p o. r o g i o o p i
... É humildade, ser humilde...” o pr r igio r i rro p r
o gi o do r id d i r g r
5a id i r : r De maneira ge- r o por o i hor r o
ral eu acho que é aquilo que a pessoa tem de do d d .
crença, o jeito dela agir. ... é essa parte emo-
cional. É uma coisa que a pessoa tem que acre- o or dor 19 i r p -
i d r pr r igio o h i -

Artigos de pesquisa
ditar, tem que ter fé, não importa a religião
a
do r o id r d i d pr r igio
id i r : o h i o do i rior
r . or i do 141. 83 i di d o o
Eu diria que é o conhecimento do meu eu
id d d 45 89 o i do 882 r di -
interior”
29. 09 i o or r por do -
a
id i r : o o i g i o dio d 9 5 o . or
8a id i r : r i r p p ri o o x po rior ho h r i do
r i r oi d p ... r pr xi o i d pr r igio
oi gr ... . r or x d or id d .
or pri ir i gori o - g do o o r i
r po d o r i d id i r oi p rg do: “Como a espiritualidade dá sentido
o o r rio d o r r po d r i - a sua vida?”. id i r i d xpr - h -
do r r o r opi i o or d d p rg r i d r po
/o o o r o ig i do d piri - o r ri o dro 2.

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222020 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 380-7


383
Espiritualidade e qualidade de vida em pacientes com diabetes

Quadro 2. d i r i io r i do pod r o d io o d o or o d -
2 p d do d o o p o r por 21.
Ideias centrais Sujeitos Frequência or ir id o ig 22 ri r
o o 1235 11 13 20 8 iori do do o d ido
4 9 10 12 14 i i do d o i o o r igi o
p o r igio o 10
15 1 1 18 19 o o i do po i o i di dor d
r - r p i o gi o o o id i-
8 2 id d o po i o or do o -
g ir
o d pr o o por o i id od
i d o id p r r do di r o drog oo . r o i p o po i o do
do io o o do id i r i o i o r igio o d i x -
pr d p rg or : r r p o o ir i d id -
r ido o o g i i id d
1a id i r : o o Minha o g do .
vida agora tá boa, graças a Deus. Está boa por-
que eu tenho paz, sossego, não tenho que ficar or oi p rg do “Como a espiritualida-
pensando problemas... É ter alegria, paciência, de tem te ajudado a enfrentar o diabetes?”. id i
ter comunhão com as outras pessoas. Quando r i d xpr - h d p rg
você está de bem com a vida, você está bem o o r i d r po o r ri
também. Ajuda muito. Para a gente evitar frus- o dro 3.
tração chega e conversa com alguém da igreja,
né? É muito bom Quadro 3. d i r i io r i do
3
2a id i r : p o r igio o A gente
Ideias centrais Sujeitos Frequência
tem que acreditar em alguma coisa, tem que ter
força. É a crença ... que dá força para a gente o go 1 1
continuar né? Para a gente viver, para a gen- r od
23 9 4
te enfrentar certas doenças, para a gente levar do
em frente. Ajuda no dia a dia da gente, ter paz, d do io 4 1
esperança, fé. Eu sou muito devota, sou católi-
o d d i r 1
ca, sou muito devota em Deus e Nossa Senho-
ra. Peço todos os dias para proteger eu, meus oi i 8 1
filhos e meu marido. O Espírito Santo que Deus r 5 10 13 1 1 5
deixou aqui nesse mundo deixou pra ser nosso o ro r o
consolador ... então, ele que me dá incentivo r oi o
na minha vida. Sem religião, sem Deus, a gente 11 12 15 3
i g r
não é nada . do
3a id i r : r Em tudo por- i od
Artigos de pesquisa

14 18 19 20 4
que aí você tem uma meta a seguir, você pensa do
mais no seu semelhante do que em você mes-
mo... Você tem que ter um objetivo né, alguma di r o do io o o do
coisa para você poder tocar sua vida de acordo id i r i pr d p rg or :
com aquilo que você pensa . a
1 id i r : o go Então a gente pro-
o p do r po do dro 2 o r- cura cada vez mais ter sossego, paz, evitar o
- 10 r i do r po d r i do nervoso porque a gente tem que segurar o ner-
id i r d p o r igio o di do voso né? Pra ter saúde
piri id d p o r di r
2a id i r : r o d do A
g oi r p r p o
espiritualidade ajuda a enfrentar, claro. Eu me
oi o di r piri id d r i -
apego muito com Deus ... enfrentando a mor-
o o doi i r id i r d r
te do meu marido e esse tanto de problema que
g ir. g i g dor o r -
r r igio id d d rd r eu tenho. Tem que lutar para conseguir vencer
o d id g o i i do o do i - 3a id i r : d do io Tem ajuda-
o 20. o o orr por o x o o r igi o do muito

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 380-7 http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222020


384
Espiritualidade e qualidade de vida em pacientes com diabetes

4a id i r : o d d i r O diabetes io p i o id r i por di-


precisa que você tenha vontade de viver, que o piri o pro o d -do go -
você se dedique a tá melhorando sempre ri d r r poio do do -
5a id i r : oi i A espirituali- rio 2 24. ri - o do p r
dade não me influencia piri id d i i d r -
do id i do por x p o p i
a
id i r : r É a minha cren- i di i i po i d piri id d
ça em Deus, a minha fé que leva eu conseguir or pr i d r or o i ior
viver com a doença. A gente tem que realmen- id d d id ior o r id or po d
te acreditar muito em Deus e deixar na mão i r o 2. do d r o id r do o
Dele, entregar na mão Dele. Ele sabe. Eu peço p p do pro io d d o ii r i-
muito para Nossa Senhora de Fátima que não i xpr r o ro o pri pio
deixa meu diabetes subir muito não e tenho o do r p i o o o i i 25.
muita fé né, que um dia eu não vou ter mais
isso. Eu nunca perco a fé, porque eu não tinha o h do- ri do or o ri-
essas coisas, eu não tinha diabetes. Sempre p r o r od p r p od id d
que eu tô às vezes com alguma aflição eu me d id o i di d o ri - r i -
apego ao divino pai eterno, é ter fé porque se r d do o r o o d r igio id d
a gente fosse uma pessoa agressiva, nervosa, o oi i dor o od d o o
não enfrentava o po d id d d id o p o
o do d d r o o o pop o
a
id i r : o ro r o r o i o i - g r o id r d d 2
.
g r do Eu creio que ela ajuda
eu comportar, não ficar nervoso, me ajuda a
controlar né, não sai muito dos trens. Eu sou in- Considerações finais
seguro nessa parte. Tem gente que fala que tem
tanta fé, tem isso, tem aquilo. Eu confesso que i od p o di o d piri -
sou inseguro. O que é o estresse, a depressão? É id d d r igio id d o o por r p
uma desconfiança do futuro né? d r i od d ho po i o di r
8a id i r : i o d do Ajuda do o do od op r
porque você passa a procurar entender as coi- i i di . o o id r r i i -
sas, a partir da religião você começa a entender d odo d o r - o o di oo
as coisas... Eu pensei que eu não sou a única, r r roi p od xp ri -
não sou a primeira. Eu acho que eu tenho que i r igio piri i p o odo i o
ter isso aí porque se eu ficar triste eu quase fico r di io i .
passando mal ... não ser estressada, não ser i i d piri id d d -
infeliz. Eu tenho tanto problema de saúde e tô o r do r i p o o r d i
andando bem graças a Deus . d i do- o o po i or d pr o o

Artigos de pesquisa
p rg ior r i d o i o d do pop o pr i -
d r po o orr d ro d id i r d r di r d od i oo i p -
r i o r po . i o o d di r do . id i - dir -
ro r po d ro d id i d piri id d io do d or i ro o i p r o
d do r r do ro do rio d pr o: do i d p d
id i r d piri id d d do i r iori d gr d ro d o rio r -
do r id i r d d r o ro r pr o d pop o i di pr
o r oi o i g r do . r g rd id d r igio r d ido o ri o
o xo or - i por r- d i od ir ig i .
r p r o r o do di g o i od d do odo i o o
r o do di . o p d pr go do pri pio d di i d i-
di i o p o pro - pro r d i p r i o r d i r r o d -
d r r o o r do . or o - od do pod r pro ro i ho
o p r r r or r o r r - o r hip do pro i or o o pro -
ir d proxi r d d r or p r do. o r p o r pod r o
23
por r i i i d i po p do . o o id r o p r dig i p r odi o

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385
Espiritualidade e qualidade de vida em pacientes com diabetes

d p r p o o d d o i d d d o pr o o r i por -
orr o r piri id d d . i do p o d i p od
o r do r o d - o o- d r po i id d d r go r i
d piri id d o id do d p o o o o i or i
di r or do do o d o i- r d o id por io d po p i
od p o i por o o o o o hori d id d d id
i id d o o i o p r - do i di d o o ori o do r h do-
o o or i od r o i i i- r d ip d d d i .
i r p r o poio o do . r di - di od r o r
or or - i por proxi- piri id d do r d d
o do pro io i d d o o h r did pro g o o i -
i po o o do od pi- o io o gi o 29. i r ir o hor
ri id d o p o d id do. i o pro io- d ho d do o r r hor i-
i o o d p r id r o o d i por o i o r piri -
por i r id d o pr p r id d d o i i o o i rig
d p r 2
o or o r- pro do p r dig p r di i od r 30.
do p i r i d 90 do o id r - o r do o r
pro or d d d p i d di i po r o id do d d piri id -
p r ip do do o id r r i- d o di o o ro pro io i d d d
r id d r i ir o or i i or i r pr po o d r r -
i p r o d r p i o 28. i do pr prio p i o do d r
or o o h r id d d id do i - or o do r p i o o o i
di d o o di ig i o o p r od i do p i .

Publicação resultante de projeto financiado pelo programa de bolsa de pesquisa da Fundação de Amparo à
Pesquisa de Minas Gerais p ig o did i d o r i go.

Referências

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386
Espiritualidade e qualidade de vida em pacientes com diabetes

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d hi : p p r p o d o pr h i r . o r i d. 2013 11 2 :140-4.
i do: 13.5.2014
Participação das autoras
pro do: 4. .2014
i d o r i go oi r po p op o do do o d d do i
r d o do r go. dri odrig do o do p ori o
orr o do r go.

Artigos de pesquisa

http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422014222020 Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 380-7


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A Revista Bioética foi idealizada pelo Conselho Federal de Medicina para fomentar a
discussão multidisciplinar e plural de temas de bioética e ética médica. Sua linha edi-
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revistabioetica.cfm.org.br, em português, inglês e espanhol.
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tes do manuscrito, a indicação dos objetivos, método, apresentação de resultados,
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O critério para seleção dos pareceristas busca contemplar a mais ampla diversidade
analítica possível, em consonância à interdisciplinaridade do campo da bioética. Cada
artigo é enviado para avaliador com formação na área específica do trabalho (espe-
cialidades da Saúde e Biologia, Direito, Filosofia, Ciências Sociais etc.), para outro que
estude ou já tenha discutido o tema (iniquidades em saúde, direitos humanos, abor-
to, distanásia, genética, ética em pesquisa etc.) e, ainda, para o exame de bioeticista
com formação lato ou stricto sensu em Bioética para avaliar a utilização de conceitos
e categorias éticas. Para a aprovação final pode ser necessária nova adequação ou

Rev. bioét. (Impr.). 2014; 22 (2): 388-92


388
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389
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Artigos de pesquisa
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466/12), considerando ainda os princípios da Declaração de Helsinki e da Associação Médica Mundial (1964
e reformulações subsequentes anteriores a 2008), além de atender a legislação específica do país onde a
pesquisa foi desenvolvida. Pesquisas empreendidas no Brasil devem ser acompanhadas de cópia do parecer
de aprovação no comitê de ética em pesquisa (CEP).
• A Revista Bioética apoia as políticas de registro de ensaios clínicos da Organização Mundial da Saúde (OMS)
e do Internacional Committe of Medical Journal Editors (ICMJE), reconhecendo a importância dessas iniciati-
vas para o registro e divulgação internacional em acesso aberto de informação sobre estudos clínicos. Portan-
to, só serão aceitos artigos de pesquisa sobre ensaios clínicos que tenham recebido número de identificação
em um dos Registros de Ensaios Clínicos validados pelos critérios estabelecidos pela OMS/ICMJE, o qual deve
ser apresentado ao final do resumo.
• Quando da aprovação de artigos de pesquisa, os autores devem enviar um termo de responsabilidade re-
ferente ao conteúdo do trabalho, atestando, inclusive, a inexistência de conflito de interesse que possa ter
influenciado os resultados.

Autorização para publicação


A Revista Bioética considera que a apresentação do manuscrito e submissão do mesmo às recomendações
dos editores e do Corpo Editorial caracteriza a aceitação para publicação. Quando aceito o artigo, todos os au-
tores devem enviar a autorização para publicação da versão final do trabalho por meio eletrônico; o principal
autor também por escrito, na forma de carta, assinada de próprio punho, endereçada à Revista Bioética, con-
forme modelo enviado pelos editores. Os artigos publicados serão propriedade da Revista Bioética, que deve
ser citada em caso de reprodução total ou parcial em qualquer meio de divulgação, impresso ou eletrônico.

Referências
• As referências, em sua maioria, seguirão as normas propostas pelo Comitê Internacional de Revista Médi-
ca – Vancouver Style Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas http://www.nlm.nia.gov/bsd/
uniform_requirements.html
• Só serão aceitos artigos com referências citadas literalmente ou indicadas no corpo do texto.
• As referências devem ser feitas em algarismos arábicos sobrescritos, conforme exemplo: Potter 2, e nume-
radas consecutivamente, pela ordem em que forem sendo citadas. Todas as referênciasindicadas devem ser
listadas ao final do artigo, na ordem numérica correspondente.

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Normas editoriais

•Não serão aceitos artigos cujas referências utilizam recursos de formatação de programas de edição de tex-
to. Ex. “Notas de rodapé” e “Notas de fim”.
• Não serão aceitos artigos com referências em ordem alfabética.
• Comunicações pessoais não serão aceitas como referências, podendo, porém, ser transcritas no texto, entre
parênteses, com o nome da pessoa e data.
• As referências citadas apenas em quadros ou legendas de figuras devem estar de acordo com a sequência
estabelecida.
• Todas as citações de outras fontes apresentadas no texto devem fazer parte das referências, incluindo do-
cumentos, tratados, reportagens, livros e capítulos de livros.
• Nas referências, artigos com vários autores devem incluir até seis nomes, seguidos de et al quando esse
número for excedido.
• Deve-se sempre buscar a referência do original que se quer destacar e evitar referência de segunda ordem,
ou seja, quando o autor citado está se referindo a outro. Se o apud for inevitável, isso deve ser explicitado no
texto. Por exemplo: Analisando o trabalho de Potter, Pessini 3 descreve...
• Todas as referências devem ser apresentadas de modo correto e completo. Títulos de livros, local e nome
de editoras não devem ser abreviados. A veracidade das informações contidas na lista de referências é de
responsabilidade dos autores.

Quadros e ilustrações
Recomenda-se que cada artigo seja acompanhado de, no máximo, três quadros, tabelas ou figuras – forma-
tados no corpo do texto, abertos à revisão e não copiados em formato de imagem. Devem ser numerados
sequencialmente e indicar a fonte das informações apresentadas na parte inferior. Nos quadros, identificar as
medidas estatísticas de variações, como o desvio padrão e o erro padrão da média.

Exemplos de citação de referências

Artigos de revistas
• Listar até os seis primeiros autores. Mais de seis, listar os seis primeiros e acrescentar et al.
Tongu MT, Bison SHDF, Souza LB, Scarpi MJ. Aspectos epidemiológicos do traumatismo ocular fechado contu-
so. Arq Bras Oftalmol. 2001;64:157-61.
Garcia ME, Braggio EF, Martins ABK, Goulart LQ, Rubinsky A, César LO et al. Análise de dados dos exames
periódicos efetuados nos trabalhadores da Universidade de São Paulo. Rev Med Hosp Univ. 2000;10:29-33.

Livros e outras monografias


• Autores individuais
Martin LM. A ética médica diante do paciente terminal: leitura ético-teológica da relação médico-paciente
terminal nos códigos brasileiros de ética médica. Aparecida: Santuário; 1993.

Capítulo de livro
Rego S, Palácios N, Schramm FR. Alocação de recursos na assistência materna-infantil. In: Schramm
FR, Braz M, organizadores. Bioética e saúde. Novos tempos para mulheres e crianças? Rio de Janei-
ro: Editora Fiocruz;2005. p. 81-104. (Coleção Criança, Mulheres e Saúde).

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Normas editoriais

Livros de atas de conferência, congresso e encontro


Relatório Final da 10a Conferência Nacional de Saúde: 1998 set. 2-6; Brasília, Brasil. Brasília: Ministério da
Saúde; 1998.

Outras publicações
• Artigo de jornal
Scheinberg G. Droga é principal forma de aborto. Folha de S. Paulo. 15 nov. 1999; Ciência: 12.
• Texto legal - Legislação publicada – NBR 6.028
Brasil. Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995. Normas para o uso das técnicas de engenharia genética e libera-
ção no meio ambiente de organismos geneticamente modificados. Diário Oficial da União. Brasília, v. 403, no
5, p. 337-9, 6 jan. 1995. Seção 1.
• Dicionário e referências semelhantes
Stedman. Dicionário médico. 25a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1996. Apraxia; p. 91.
• Texto clássico
The Winter’s Tale: act 5, scene 1, lines 13-6. The complete works of William Shakespeare. London: Rex; 1973.
• Material não publicado/aguardando publicação
Martins-Costa J. A reconstrução do Direito Privado: reflexos dos princípios constitucionais e dos direitos fun-
damentais no Direito Privado (mimeo ou no prelo).
• Material eletrônico
Fortes PAC. A bioética em um mundo em transformação. Rev. bioét. (Impr.) 2011 ago.; (acesso 22 dez. 2011);
19(2): 319-27. Disponível: http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/630/657
Martins-Costa J. A reconstrução do Direito Privado: reflexos dos princípios constitucionais e dos direitos fun-
damentais no Direito Privado (mimeo ou no prelo).
• Material eletrônico
Fortes PAC. A bioética em um mundo em transformação. Rev. bioét. (Impr.) 2011 ago.; (acesso 22 dez. 2011);
19(2): 319-27. Disponível: http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/630/657

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Para onde enviar
bioetica@portalmedico.org.br ou revistabioetica@gmail.com
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Prezados(as) colegas,
A Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) depende exclusivamente da
participação dos seus associados para o desenvolvimento de atividades
e manutenção, haja vista não contar com qualquer patrocínio público
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quitem suas anuidades e atualizem os dados cadastrais, inclusive para
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Medicina (CFM).
Na oportunidade, convidamos os que ainda não se associaram para
que o façam, lembrando que além dessa vantagem o associado terá
descontos nos eventos da SBB, além de garantir a continuidade de
uma instituição multidisciplinar – viva e atuante – no cenário bioético,
político, científico e social brasileiro.
O link www.sbbioetica.org.br disponibiliza as informações necessárias
para os procedimentos de associação, pagamento de anuidade ou
renovação de cadastro na SBB. Àqueles que estão com o pagamento
em dia, solicitamos que também acessem nossa página eletrônica e
atualizem seu endereço postal, incluindo o CEP, a fim de que possam
receber seus exemplares da Revista Bioética e outras publicações
institucionais.
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Diretoria
Sociedade Brasileira de Bioética
Artigos de atualização
El deber moral de los estados y ciudadanos de preservar la sustentabilidad............................................................................201
Maria Luisa Pfeiffer

Bioética na América Latina: desafio ao poder hegemônico ......................................................................................................211


Dora Porto

Uma genealogia imunitária: a bioética e a busca da autoconservação humana .......................................................................223


Monique Pyrrho

El paciente como “texto” según Ricoeur: implicaciones en bioética .........................................................................................232


Carlos Alberto Rosas Jiménez

Diretivas antecipadas de vontade: benefícios, obstáculos e limites .........................................................................................240


Maria Inês Nunes, Márcio Fabri dos Anjos

Castração química em casos de pedofilia: considerações bioéticas ..........................................................................................251


Thais Meirelles de Sousa Maia, Eliane Maria Fleury Seidl

Quando a morte não tem mais poder: considerações sobre uma obra de Elisabeth Kübler-Ross ............................................261
Carolinne Borges Alves, Pedro Lucas Dulci

Bioética de Intervenção e Pedagogia da Libertação: aproximações possíveis...........................................................................270


Ivone L. Santos, Helena E. Shimizu, Volnei Garrafa

Limitação de esforço terapêutico na pessoa com lesão encefálica grave ..................................................................................281


Henrique de Alencar Gomes, Mônica Adelaide Almeida, Terezinha Valéria Ferreira Matoso, Maria Angélica Assunção Viana,
Maria Bernadete Cardoso Rezende, Maíza Ângela Ferreira Bento, Tatiane Santos Fonseca Guimarães, Sabrina Vilane de
Oliveira Alcântara, Ary Demétrio Júnior, Ana Paula Gomes Costa Silva, Cibele Renata de Paula Moreira, Daniela Simplício Vieira
Albergaria, Marília Káthya Coutinho, Marli Medeiros, Roseli Melo Silva de Souza, Polianna Cristina Pires Dumont

Artigos de pesquisa
A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil....................................................................................................290
Debora Diniz, Vanessa Canabarro Dios, Miryam Mastrella, Alberto Pereira Madeiro

Questões éticas referentes às preferências do paciente em cuidados paliativos ......................................................................298


Carolina Becker Bueno de Abreu, Paulo Antonio de Carvalho Fortes

Construção e validação do instrumento “Inventário de problemas éticos na atenção primária em saúde” .............................308
José Roque Junges, Elma Lourdes Campos Pavone Zoboli, Marcos Paschoal Patussi, Rafaela Schaefer, Carlise Rigon Della Nora

Declaração de óbito: preenchimento pelo corpo clínico de um hospital universitário..............................................................317


Luan Lucena, Gustavo Henrique, Bocalon Cagliari, Julio Tanaka, Elcio Luiz Bonamigo

Compreensão e legibilidade do termo de consentimento livre e esclarecido em pesquisas clínicas.........................................325


Eurípedes Rodrigues Filho, Mauro Machado do Prado, Cejane Oliveira Martins Prudente

Reflexões sobre questões morais na relação de indígenas com os serviços de saúde...............................................................338


Ana Lucia de Moura Pontes, Luiza Garnelo, Sergio Rego

Problemas bioéticos na Estratégia Saúde da Família: reflexões necessárias .............................................................................347


Selma Vaz Vidal, Luís Cláudio de Souza Motta, Andréia Patrícia Gomes, Rodrigo Siqueira-Batista

Distanásia e ortotanásia: práticas médicas sob a visão de um hospital particular ....................................................................358


José Antônio Cordero da Silva, Luis Eduardo Almeida de Souza, Luísa Carvalho Silva, Renan Kleber Costa Teixeira

Reflexões bioéticas sobre a eutanásia a partir de caso paradigmático .....................................................................................367


Daniel Abreu Santos, Eduardo Robatto Plessim de Almeida, Felipe Freire da Silva, Layo Henrique Carvalho Andrade, Leandro
Anton de Azevêdo, Nedy Maria Branco Cerqueira Neves

Avaliação do conhecimento dos anestesiologistas sobre cuidados paliativos ..........................................................................373


Maria de Fátima Oliveira dos Santos, Natália Oliva Teles, Harison José de Oliveira, Nicole de Castro Gomes, Joana Cariri
Valkasser Tavares, Edilza Câmara Nóbrega

Espiritualidade e qualidade de vida em pacientes diabéticos...................................................................................................380


Camila de Moura Leite Luengo, Adriana Rodrigues dos Anjos Mendonça

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