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UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA COMUNICAÇÃO


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

VALDINEI DERETTI

NÚCLEO COLONIAL RIO BRANCO – GUARAMIRIM:


MICROCOSMO NAS MEMÓRIAS DE SILVEIRA JUNIOR

BLUMENAU
2011
2

VALDINEI DERETTI

NÚCLEO COLONIAL RIO BRANCO – GUARAMIRIM:


MICROCOSMO NAS MEMÓRIAS DE SILVEIRA JUNIOR

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado para avaliação do Curso de
História do Centro de Ciências Humanas
e da Comunicação da Universidade
Regional de Blumenau, como requisito
para obtenção de grau de
Licenciado/Bacharel em História.

Profª: Cristina Ferreira

BLUMENAU
2011
3

AGRADECIMENTOS

Aos meus familiares, principalmente meus pais, Norma e Valdir e minha irmã,
Marilei, pelo apoio dado em toda a graduação e principalmente na realização desta
pesquisa.
À minha namorada, Jordana, companheira de todos os momentos, por ter me
compreendido, apoiado e aturado principalmente no período de realização desta
pesquisa.
Aos professores, responsáveis diretos pela minha formação, em especial à
professora Cristina Ferreira que, através da sua dedicação, experiência e seu
comprometimento, tornou possível a realização desta monografia.
Aos companheiros de turma que, direta ou indiretamente, participaram da
minha formação, tanto acadêmica como pessoal, nestes quatro anos de convivência.
À Urda e à Lia Leal que gentilmente se dispuseram a fornecer material e
ajuda para realização da pesquisa.
Ao pessoal do Arquivo de Joinville, pela atenção.
À Fundação Cultural de Guaramirim, pelo zelo com o acervo histórico de
Guaramirim.
Aos amigos de longa data, pelos momentos de descontração durante este
percurso.
4

RESUMO

Para buscar caracterizar o Núcleo Colonial Barão do Rio Branco, pequena


colônia de agricultores situada no norte do Estado de Santa Catarina, hoje município
de Guaramirim, a presente pesquisa realiza uma análise da obra de Norberto
Candido Silveira Jr, Memórias de um menino pobre. A obra é composta por
narrativas das memórias do autor, que teve uma trajetória de vida dentro deste
núcleo colonial no período que vai de 1920 a 1932, período este que demarca esta
pesquisa. Pensar as práticas do cotidiano, o ambiente, as relações sociais, as
crenças, a educação dentro deste núcleo e das memórias de Silveira Jr faz parte
desta caracterização do contexto do Núcleo Rio Branco. Para a realização desta
pesquisa tem-se como fonte principal a obra já citada de Silveira Jr, e também
outras fontes como relatórios administrativos da colônia, cartas, periódicos
relacionados ao início da colônia. A biografia, na forma de biografia contexto, foi
designada como melhor meio de realizar esta pesquisa por se tratar de uma maneira
de pensar o contexto de um lugar e uma época a partir da trajetória de uma vida.
Chega-se à identificação das relações sociais, marcadas pelos bailes e pelas rodas
de pinga; as características educacionais, da Escola Mista do Núcleo Rio Branco,
escola multisseriada que seguia como podia os padrões de educação do Estado;
práticas culinárias, ligadas aos produtos cultivados pelos próprios colonos e
importante para a manutenção do trabalho; as práticas de curas, através dos
remédios de conhecimentos populares devido a falta de acesso à médicos;
características que apresentam a população e fazem parte do cotidiano do Núcleo
Rio Branco.

Palavras-chave: Rio Branco; Guaramirim; Silveira Jr


5

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................6

2 GÊNERO BIOGRÁFICO: HISTORICIDADE E POSSIBILIDADES DE


ANÁLISE......................................................................................................................9
2.1 HISTORICIZAÇÃO DA BIOGRAFIA..................................................................9
2.2 CLASSIFICAÇÃO DA BIOGRAFIA E BIOGRAFIA
CONTEXTO................................................................................................................12
2.3 BIOGRAFIA E AUTOBIOGRAFIA: INDEFINIÇÕES E
POSSIBILIDADES......................................................................................................16

3 SILVEIRA JR: ASPECTOS BIOGRÁFICOS..........................................................19


3.1 BIOGRAFIA E OBRA DE SILVEIRA JR..........................................................19

4 NÚCLEO RIO BRANCO: O MICROCOSMO..........................................................28


4.1 COTIDIANO NO NÚCLEO RIO BRANCO.......................................................35
4.2 LAZER E FOLCLORE......................................................................................44
4.3 A ESCOLA MISTA DO NÚCLEO RIO BRANCO.............................................48

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................55

6 REFERENCIAS.......................................................................................................58
6

1 INTRODUÇÃO

No início do século XX a colonização no Brasil fazia parte da ação do


governo. Era o Governo Federal quem autorizava ou não a entrada de novos
estrangeiros, quem dava as diretrizes para a colonização. O que garantia esse
controle era o Regulamento de Colonização, onde se encontram as leis que regem a
colonização. A Diretoria Geral do Serviço de Povoamento e, em âmbito estadual, a
Inspetoria de Povoamento do Solo eram órgãos fiscalizadores e responsáveis pelo
cumprimento das leis que regiam o regulamento. No Estado de Santa Catarina
foram criados três núcleos coloniais, entre eles estava o Núcleo Colonial Barão do
Rio Branco.
O núcleo Rio Branco, como era conhecido na região, foi criado em 1913 na
região norte de Santa Catarina entre os municípios de Joinville e Blumenau e
próximo da estrada de ferro que ligava os Estados do Rio Grande do Sul e São
Paulo. As terras foram divididas em 198 lotes, entre rurais e urbanos. Era uma
pequena colônia de agricultores, constituída por colonos russos, alemães,
poloneses, italianos e também brasileiros. A zeladoria desta colônia teve fim no ano
de 1924, mas desde 1920 o lugar tinha se tornado distrito policial o que garantiu a
sua sobrevivência por mais dez anos. Parte integrante do atual município de
Guaramirim, a antiga colônia se dividiu em bairros, hoje Rio Branco, em Guaramirim,
é o nome do bairro que fica onde se encontrava a sede do antigo núcleo colonial, a
maioria das seções do núcleo são hoje bairros com os mesmos nomes de tais
seções.
Neste lugar, no período de 1920 a 1932, viveu um personagem que faz parte
desta pesquisa, Norberto Candido Silveira Júnior. Vindo do município de Piçarras,
também em Santa Catarina, Silveira Jr passou toda a sua infância neste núcleo
colonial Barão do Rio Branco. Quarenta e cinco anos depois, já escritor, Silveira Jr
publica um livro chamado “Memórias de um menino pobre”1, como o próprio nome já
anuncia, este livro é um livro das memórias do período em que o autor viveu no
núcleo Rio Branco. Ao mesmo tempo em que faz relatos da sua vida, Silveira Jr
aborda a sociedade em que está inserido.

1
SILVEIRA JUNIOR. Memórias de um menino pobre (romance rural): história sem retoque de
uma comunidade de agricultores pobres do Sul do Brasil, com algumas ilustrações. Florianópolis:
UDESC/Lunardelli, 1977. 163p
7

Repensar a obra de Silveira Jr buscando, através das suas falas, pensar as


práticas do cotidiano, o ambiente, as relações sociais, as crenças, a educação
dentro deste núcleo colonial faz parte do objetivo central desta pesquisa que, por
sua vez, é: caracterizar o contexto social do Núcleo Colonial Barão do Rio Branco
com foco no período de 1920 a 1932, período dos relatos autobiográficos de Silveira
Jr.
Para este intento a principal fonte utilizada na pesquisa é a obra de Silveira Jr,
“Memórias de um menino pobre”, que será o carro-chefe desta pesquisa. Para
diálogos com os relatos de vida foram elencadas fontes primárias como o “Relatório
de Administração do Núcleo Colonial Barão do Rio Branco”, fonte de caráter oficial
traz várias informações sobre vários aspectos do local; cartas e discursos,
principalmente de Cantalício Érico Flores, que teve funções administrativas
importantes no núcleo, e periódicos da cidade de Joinville do período próximo da
criação do núcleo, “Gazeta do Commercio” e “Gazeta de Joinville”, que tratam
principalmente dos problemas administrativos e de ensino na colônia. Além das
fontes bibliográficas que auxiliaram na caracterização do escritor Silveira Jr como
intelectual, entre elas “Silveira Jr Imortal”2 e “Imponderáveis do destino”3.
Esta pesquisa é uma forma de iniciar um trabalho de análise historiográfica
sobre a região do núcleo Rio Branco, hoje município de Guaramirim. A produção
deste tipo de trabalho na região é muito pequena, a maioria dos trabalhos que
existem ficam por conta das histórias positivistas, trabalhos que se baseiam nos
chamados fatos importantes da história do município. Sem contar na precariedade
de informações sobre a região antes da emancipação político-administrativa, que
ocorreu no ano de 1949.
A escolha da biografia se dá pelo entendimento de que esse caminho fornece
um modo distinto de pensar e de analisar a história, e também pelas particularidades
percebidas através deste tipo de análise. Mas deixa-se o alerta de que “o biógrafo às
vezes reduz o biografado a um simples pretexto para resgatar um momento, um
contexto, uma época”4. Caracterizar Silveira Jr como escritor, intelectual é parte de
um trabalho que visa pensar através do autor, através da percepção de criança de
Silveira Jr, o contexto que o cerca, no caso, a sociedade do núcleo Rio Branco.

2
LEAL, Lia Rosa. Silveira Jr Imortal. Original cedido pela autora.
3
JUNKES, Lauro(Org.). Imponderáveis do destino. Florianópolis: ACL, 2010.
4
DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo : Edusp, 2009. p 100
8

O primeiro capítulo atém-se na biografia e na autobiografia. Faz uma


discussão sobre a historicização da biografia através de revisões bibliográficas,
indica possibilidades de análise e de escrita biográfica levando ao modelo que
pretende-se seguir, o da biografia contexto. Por último faz-se uma discussão sobre
autobiografia e sua relação com a biografia a fim de se instrumentalizar para a
análise das memórias de Silveira Jr.
No capítulo dois, realiza-se uma biografia de Silveira Jr buscando suas
características enquanto escritor através da análise de sua formação intelectual e
influências tanto jornalísticas quanto literárias para caracterizá-lo enquanto escritor
do livro “Memórias de um menino pobre”. Num segundo momento, volta-se a
atenção para as características da obra em si, a escrita, o editorial, sua posição no
cenário da literatura catarinense.
No terceiro e último capítulo desta pesquisa, encontra-se a vida de Silveira Jr
dentro do Núcleo Colonial Barão do Rio Branco, e realiza-se a análise da sua visão
buscando caracterizar o contexto em que ele está inserido, apresentando as
particularidades das práticas cotidianas do coletivo, como a alimentação, o lazer, as
relações sociais, as crenças, a educação, aspectos culturais e materiais. Dialogando
as narrativas de Silveira Jr com documentos do período, mostrando que apesar de
ser uma colônia como tantas outras no Brasil, o Núcleo Rio Branco possui as suas
particularidades.
9

2 O GÊNERO BIOGRÁFICO: HISTORICIDADE E POSSIBILIDADES DE


ANÁLISE

2.1 HISTORICIZAÇÃO DA BIOGRAFIA

O termo biografia, que aparece já na Grécia antiga, vem sofrendo


transformações de significado e sentido e ainda é um conceito muito discutível,
principalmente no âmbito acadêmico. Por muito tempo, alguns autores viram a
biografia como distinta da História, devido a sua aproximação com a Literatura, e,
enquanto alguns historiadores não vêem problema em usar o termo biografia, outros
autores, os ligados a antropologia principalmente, preferem tratar deste termo como
trajetória5.
A idéia de descrever a história de uma vida começa no mundo da Grécia Antiga,
com as chamadas histórias das vidas. Este tipo de história servia como forma de dar
exemplos morais, tanto positivos quanto negativos, e que muitas vezes acabava se
tornando um panegírico, ou seja, uma espécie de discurso que louvava determinado
indivíduo. Muito mais preocupado com o caráter político, moral ou religioso a
biografia do mundo Greco-romano, não se importava com a singularidade de seu
biografado. Ao longo dos séculos este viés biográfico sofre transformações e, a
partir do século XVIII a biografia inicia uma fase que, de certo modo, ainda
permanece, através de obras como a de James Boswell que rompe com a idéia do
panegírico e abre a preocupação de “contar a verdade” e renova o tipo de pesquisa.
Essas mudanças são ainda mais intensas quando se estreita a relação da biografia
com a literatura através de elementos narrativos que indicam o caráter fragmentário
de uma vida.6
Com a obra do escritor inglês Lawrence Sterne, do século XVIII, considerada
como o primeiro romance moderno, a biografia apreende, através da literatura, a
idéia de fragmentação do indivíduo, pois a obra é composta por constantes
variações de tempos, “incessantes retornos e pelo caráter contraditório, paradoxal,
dos pensamentos e da linguagem dos protagonistas”7. A sua ligação com a literatura

5
BORGES, Vavy Pacheco. Grandezas e misérias da biografia. In: PINSKY, Carla Bassanezi;
BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Fontes históricas. 2. ed. São Paulo : Contexto, 2006. p. 204
6
BORGES, Vavy Pacheco. Op. cit., p. 205
7
LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: Usos e abusos da história oral. 6ed. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2005. p. 170
10

acaba levando a biografia a caminhar entre a arte e a ciência, isso, mais


intensamente no século XIX devido ao apelo pela ciência existente nesse período,
que leva a caracterizá-la como “um subgênero [...] sujeito ao opróbrio e a um déficit
de reflexão” 8. Com a influência do positivismo no século XIX, a história deixa de
lado o indivíduo e passa a se preocupar mais com a constituição da nação e com os
indivíduos considerados “grandes homens”, capazes de personificar o ideal de
nação pretendido neste período. Um muro separa o “biográfico do histórico”,
colocando a biografia como gênero parasita perturbador do “objetivo científico”,
devido a intensa relação que a biografia possui com a literatura, ou seja, condena-se
o caráter ficcional do gênero biográfico9.
É só a partir do final do século XX que se percebe uma mudança quanto a esta
atitude. É tal a importância da biografia, a partir de fins da década de 1980, para os
historiadores, para a historiografia em geral, que é na biografia onde estão
instaladas boa parte das questões metodológicas em discussão na própria
historiografia contemporânea, como a interdisciplinaridade, as dificuldades e
“problemas das escalas de análise e das relações entre regras e práticas” dos
indivíduos em uma sociedade e, também, das questões que tratam da liberdade e
da racionalidade do ser humano 10 . São dois, inclusive, os principais eixos
responsáveis pelo interesse da história nos estudos biográficos, os movimentos da
sociedade e o estudo do homem na sociedade, por isso, cada vez mais se valoriza o
indivíduo e sua inserção em determinado grupo11.
A biografia abre uma nova discussão sobre a escrita da história, é através dela
que “os questionamentos e as técnicas peculiares da literatura se transmitem à
historiografia”. A partir deste momento a influencia da literatura na escrita da
biografia histórica gera discussão principalmente no que diz respeito as técnicas de
argumentação, pois a literatura sendo livre dos entraves referentes a documentação,
apresenta diversas formas de escrita dessa biografia que influencia o modo de
escrita dos historiadores. Essas formas de escrita, ou os modelos e as técnicas
biográficas que influenciam os historiadores, também os colocam diante de
obstáculos documentais que muitas vezes não se consegue ultrapassar. É o caso
“dos atos e dos pensamentos da vida cotidiana, das dúvidas e das incertezas, do

8
DOSSE, François. Op. cit., p.13
9
DOSSE, François. op. cit., p. 16
10
LEVI, Giovanni. op. cit., p. 168
11
BORGES, Vavy Pacheco. op. cit., p 209
11

caráter fragmentário e dinâmico da identidade e dos momentos contraditórios de sua


constituição”, que faz com que os historiadores busquem renovar a narrativa e
também novos tipos de fontes “nas quais se poderiam descobrir indícios esparsos
dos atos e das palavras do cotidiano”12.
A biografia encontra-se em verdadeira tensão entre retratar um passado real
vivido e compor uma história consistente através de criatividade, devido a tarefa de
recriar um ambiente ou um tempo perdido. Essa tensão não está presente apenas
na biografia, “pois a encontramos no historiador empenhado em fazer história”. O
recurso a ficção, ao toque literário é necessário para a biografia devido a
impossibilidade de se restituir a complexidade da trajetória de uma vida.13
A importância da literatura contemporânea para o entendimento deste indivíduo
fragmentado também é discutida pela historiadora Vavy Pacheco Borges ao afirmar
que a literatura apresenta a vida sem um sentido unitário, e vai além, apresentando
a psicanálise como grande contribuinte para esse entendimento ao estudar e
teorizar sobre a fragmentação do indivíduo. A partir deste pensamento, inclui ainda a
influência da sociologia e da antropologia ao se preocuparem com as vidas de
personagens e, as relações de diversas vertentes da própria historiografia que se
cruzam e até mesmo se confundem ao tratar da biografia, como a micro-história, os
estudos de caso, a história oral, entre outros 14 . Essas relações deixam clara a
interdisciplinaridade da biografia atual, que se encaixa com a idéia da “idade
hermenêutica” da biografia, apresentada por Dosse, que diz ser o momento atual da
biografia, em que os historiadores fazem experimentações por diferentes campos
disciplinares15.
A aproximação da história e biografia aumentou no inicio do século XXI depois da
criação do “Observatório da Biografia Histórica”, que promove a cada ano “uma série
de encontros em torno de um tema” 16 relacionado com a biografia, com o aumento
dos trabalhos produzidos, e com mais intensidade nas discussões sobre o gênero
nos encontros de história. O que faz surgir novos comportamentos perante a
pesquisa biográfica dentro da historiografia.

12
LEVI, Giovanni. op. cit., p.169
13
DOSSE, François. op. cit., p. 55
14
BORGES, Vavy Pacheco. op. cit., p.210-215
15
DOSSE, François. op. cit., p. 229
16
DOSSE, François. op. cit., p. 17
12

2.2 CLASSIFICAÇÃO DA BIOGRAFIA E BIOGRAFIA CONTEXTO

Pensando no percurso da biografia e sua discussão ao longo do tempo,


intelectuais classificam os diferentes momentos da biografia. O literato francês
Daniel Madelénat analisa esses momentos da biografia apresentando uma
tripartição, colocando como “biografia clássica”, a biografia modelo ou exemplo
positivo ou negativo para a comunidade, muito utilizada até o século XVIII; “biografia
romântica”, a biografia que tenta apresentar a totalidade do homem, mas, com a
influência do positivismo, se transforma na biografia dos heróis, da nação; “biografia
moderna”, a biografia influenciada pelo relativismo, pela Psicanálise, enfim, pela
interdisciplinaridade e, ainda, muito discutida atualmente, principalmente após o seu
retorno à História no final do século XX17.
Giovanni Levi, apesar de não dar nome a essas partições da biografia,
também deixa claro uma marca de momentos teóricos relacionados à escrita da
trajetória de vida, mostrando as transformações do conceito, das práticas e da
metodologia do gênero biográfico ao longo do tempo, que torna-se semelhante à
tripartição de Madelenat, tendo um primeiro momento que vai da antiguidade ao
século XVIII, o segundo que tem a influencia da literatura e o terceiro momento que
é o seu ressurgimento na história a partir do final do século XX.
Já o historiador François Dosse faz uma discussão muito mais ampla sobre
esta divisão, apesar de também fazer uma tripartição, semelhante a do literato
Madelénat, utiliza nominações diferentes. Divide o percurso em “idade heróica”;
“biografia modal”; “idade hermenêutica”, que não estão necessariamente isoladas
em seus tempos, podendo se relacionar atualmente. A “idade heróica” consiste no
período em que a biografia faz referência à moralidade. Essa idéia de exemplo moral
como principal via da biografia é encontrada intensamente da Antiguidade ao século
XVIII, mas é encontrada também, ainda que timidamente, em outros momentos. É
uma forma de preservar, para as próximas gerações, o que seriam as boas maneiras
de viver.
A “biografia modal”, em suma, se baseia na descentralização do percurso
singular e busca visualizá-lo de uma forma que se torne representativo de todo um
contexto, o que valoriza o indivíduo quando esse serve como exemplo de um

17
BORGES, Vavy Pacheco. op. cit.
13

coletivo. Momento em que a biografia começa a estreitar a sua relação com a


literatura e com as ciências sociais, como a antropologia e a sociologia.
A “idade hermenêutica” da biografia é fase da reflexividade, a atual, onde se
desconstrói a idéia de linearidade, direção e sentido coerentes de uma vida. É a
partir deste momento que as ciências sociais interagem para pensar os relatos de
vida e, também, é neste momento que diferentes vertentes da História se mesclam,
como os estudos de caso, a história oral, mas principalmente, a micro-história,
devido as suas teorias que permitiram uma abordagem diversa, considerado como
“excepcional normal”, porque “em vez de partir do indivíduo médio ou típico de uma
categoria socioprofissional, a microstoria [...] ocupa-se de estudos de caso, de
microcosmos, valorizando as situações-limite de crise”18.
Esses momentos, ou períodos da biografia estão relacionados a diferentes
visões referentes a imagem e a metodologia de escrita da biografia. Interessados
nas possibilidades que as trajetórias individuais trazem para a história, mas
afrontados pela impossibilidade de dominar a singularidade de uma vida, os
historiadores buscam maneiras diversas para abordar o “problema biográfico”19.
O biógrafo precisa dar conta de preservar a descontinuidade da vida de seu
biografado, e lembrar que o indivíduo que está sendo biografado tem, no decorrer de
sua vida um futuro indeterminado, sobre o qual ele faz escolhas. Para o biógrafo
essas escolhas e esse futuro aparecem já determinados, mas o trabalho que ele faz,
envolve dar vida a esse personagem, recuperar “as incertezas, as oscilações, as
incoerências”20 dessa vida. Escrever a trajetória de vida do biografado como se esta
vida, mesmo que já tenha tido um fim, seja completamente inédita, sem nada pré-
determinado. O biógrafo deve se vigiar para não imputar um sentido e uma
coerência artificial à vida do biografado.
Toda essa descontinuidade e a fragmentação do indivíduo, possível graças a
interdisciplinaridade da biografia, sua relação com a literatura, com a psicanálise,
colocam o biógrafo, que tem certa preocupação com o real, diante de um problema.
A documentação gerada por uma vida, geralmente, está relacionada a uma escolha
já feita, uma incerteza resolvida, o que torna difícil o trabalho, pois geram variadas
lacunas documentais, as quais precisam ser retomadas pelo biógrafo para dar vida

18
DOSSE, François. op. cit., p.254
19
LEVI, Giovanni. op. cit., p. 174
20
SCHMIDT, Benito Bisso. Grafia da vida: reflexões sobre a narrativa biográfica. História UNISINOS.
Vol8. No10. Jul/Dez. 2004.p. 138
14

ao seu biografado. Para isso, para preencher estas lacunas, o biógrafo tem de
“valer-se da intuição” 21 , ou seja, criar hipóteses ou proposições a partir da sua
percepção, desde que possuam algum fundamento.
Para Borges pode-se de forma simples caracterizar três tipos: o artigo de
dicionário biográfico, que seria apenas uma breve biografia, um “resumo da vida de
uma pessoa pública”; a monografia de circunstancia, ligada a elogios fúnebres ou
algum tipo particular de circunstancia; a biografia dita “científica” ou dita “literária”,
obras que possuem preferência narrativa e uma finalidade histórica utilizando
documentação em grande escala.
Levi aprofunda a abordagem e propõe uma classificação, elencando algumas
tipologias para discussão: 1) prosopografia e biografia modal, seria a biografia que
aponta um caso para servir de ilustração de um coletivo, de uma sociedade em um
determinado período de tempo; 2) biografia e casos extremos, é a biografia do
indivíduo que de certa forma se destaca por alguma particularidade que influencia no
entendimento do seu período e de sua comunidade, um exemplo é o livro de Carlo
Ginzburg, O queijo e os vermes; 3) biografia e hermenêutica, atua na área da
antropologia através de perguntas e respostas dentro de uma comunidade, mas
“não se consegue traduzir-lhe a natureza real”, apesar de ter sido esse viés que
alerta para o sentido plural de uma vida; 4) biografia e contexto, através da biografia
de um indivíduo pensa-se a reconstituição do seu contexto histórico e social,
buscando comportamentos que são típicos de um meio social22.
Assim como no trabalho de Joseli Mendonça sobre Evaristo de Moraes, esta
pesquisa também procura abordar “as dinâmicas e processos sociais na perspectiva
de uma experiência particular”23, ou seja, realizar um estudo sobre o Núcleo Rio
Branco através das percepções que Silveira Jr deixou em seu livro. Para isso,
pensa-se a biografia contexto como um caminho interessante.
A biografia contexto leva o biógrafo para duas perspectivas diferentes. Uma
das perspectivas está relacionada a reconstituição de um contexto histórico e social
em que se desenrola a trajetória de vida do biografado tornando possível a
compreensão e o retrato de uma época ou de um grupo. Isso se dá através de uma
espécie de normalização dos comportamentos que, ao se tornarem típicos de um

21
DOSSE, François. op. cit., p.67
22
LEVI, Giovanni. op. cit., p. 174-178
23
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Evaristo de Moraes, tribuno da República. Campinas : Ed.
UNICAMP, 2007. p. 40
15

meio social, perdem seu caráter individual. Se trata de “interpretar as vicissitudes


biográficas à luz de um contexto”. Outra perspectiva se refere a utilizar o contexto
como forma de afirmar o caráter do biografado, quase que a operação inversa a
descrita anteriormente. No entanto, na maioria das vezes o contexto é apresentado
como algo rígido e imutável, que não sofre intervenção do indivíduo, o que não
condiz com as expectativas desta pesquisa, logo, torna-se viável a utilização da
primeira perspectiva apresentada.24
Esta primeira perspectiva muito tem a ver com a idéia de biografia modal,
onde o indivíduo “só tem valor na medida em que ilustra o coletivo”, de forma que se
possa ilustrar comportamentos, práticas, crenças de um meio social. Sendo este viés
“comum entre historiadores biógrafos”. Muito próximo da prosopografia, que é um
trabalho de certa forma estatístico sobre os membros de determinadas sociedades
onde se busca constituir um contexto social através das informações das vidas
desses membros, a biografia modal procura caracterizar um meio social através da
singularidade, ou seja, busca conhecer práticas, costumes, crenças, o contexto de
uma comunidade através de elementos da vida de uma personagem que servirá de
exemplo25.
A relação personagem-contexto se constrói através do conhecimento do
biógrafo em relação a sociedade em que está inserido o personagem, o ambiente e
as pessoas que o rodeiam. Também é importante se familiarizar com os temas que
fazem parte da trajetória a ser analisada26. Leva em consideração que a vida de um
indivíduo é feita de escolhas que não são predeterminadas e respeita a possibilidade
de uma liberdade individual perante as normativas da sociedade e a tensão entre o
vivido e o imaginado, os desejos, os medos, apresentando, assim, o “caráter incerto”
dessa vida a ser analisada27.
Colocar o contexto como um pano de fundo servindo mais como ilustração do
que propriamente dentro da discussão biográfica, provavelmente leva o biógrafo a
pensar o seu biografado através de uma “racionalidade comum aos outros
indivíduos desta sociedade”28.

24
LEVI, Giovanni. op. cit., p.175 e 176
25
DOSSE, François. op. cit., p 15
26
BORGES, Vavy Pacheco. op. cit., p.222 e p.223
27
SCHMIDT, Benito Bisso. Op. cit., p.138 e p.139.
28
BORGES, Vavy Pacheco. op. cit., p.222 e p.223
16

Além disso, estudar a trajetória de uma vida não permite que se esgote as
possibilidades do “eu”, a multiplicidade de um indivíduo. Pensar os atores históricos
como seres providos de uma racionalidade comum e limitada, que seguem uma
ordem cronológica de vida coerente e estável, ignorando as possíveis inércias e
incertezas desses seres durante a sua trajetória de vida29 é caminhar ao encontro de
tal esgotamento.
Compreender o sentido de uma vida implica em considerar a pluralidade, pois
toda experiência cotidiana envolve as práticas e mudanças do tempo vividas pelo
indivíduo, portanto, o relato de vida composto pelo biógrafo não se dá através de
uma “chave única” de leitura, mas sim por intermédio de vários recursos
interpretativos30.
Apesar de se propor nesta pesquisa realizar um trabalho de biografia
relacionado a biografia contexto de Levi e a biografia modal de Dosse, que coloca o
indivíduo como “mero reflexo” do contexto social em que está inserido, aqui pensa-
se no indivíduo como sendo constituído e constituinte do contexto social em que se
encontra, buscando construir a relação entre a personagem – Silveira Jr – e o
contexto – Núcleo Rio Branco.

2.3 BIOGRAFIA E AUTOBIOGRAFIA: INDEFINIÇÕES E POSSIBILIDADES

Utiliza-se aqui nesta pesquisa uma autobiografia como fonte principal sobre o
biografado e o contexto em que se encontra. As relações entre biografia e
autobiografia e entre romance e autobiografia geram problemáticas que acarretam
uma espécie de imprecisão nos termos utilizados e uma confusão generalizada na
tentativa de definição do próprio gênero autobiográfico. Lejeune, depois de
apresentar uma incerta possibilidade de definição da autobiografia, esboça uma
tentativa de fazê-lo: “narrativa retrospectiva em prosa que uma pessoa real faz de
sua própria existência, quando focaliza sua história individual, em particular a
história de sua personalidade”. Assim, formas de linguagem usadas para compor
uma narrativa autobiográfica podem referenciar temáticas como “vida individual e
história de uma personalidade” para evocar a identidade do autor e/ou narrador,
portanto “é uma autobiografia toda obra que preenche as condições indicadas nas

29
LEVI, Giovanni. op. cit., p.169
30
DOSSE, François.op. cit., p.375
17

categorias”: formas de linguagem, assunto tratado, situação do autor e posição do


narrador. Neste caso fica a pergunta: o que diferencia a autobiografia das memórias,
da biografia, do romance pessoal, diários e autoretratos?31
Em primeiro lugar para que haja autobiografia é preciso que ocorra uma
“relação de identidade entre o autor, o narrador e o personagem” 32 . Não uma
autobiografia como um simples enunciado, mas como “um ato de discurso
literariamente intencionado”33, essa intenção do autor é o primeiro passo para essa
identidade, pois a autobiografia está ligada à reflexão. Geralmente essa reflexão é
possível devido a cisão causada pela recapitulação do passado, uma ruptura na
idéia de unicidade do “eu”, devido ao fato de que o “eu” que surge das
reminiscências é distinto do “eu” que o traz para superfície, tornando possível a
narração deste percurso, essa reconstituição.
Estas distinções entre o “eu” do passado e o “eu” atual é que tornam possível
a reflexão34. Parece necessário à autobiografia uma intervenção na existência do
indivíduo no sentido de mudança ou transformação que impulsione essa reflexão de
si. É a escrita que tem como objeto de análise o si próprio, ou seja, é uma auto-
análise da história de uma vida, a vida do mesmo sujeito que narra e assina a
obra35.
No livro de Silveira Jr – Memórias de um menino pobre - essa identidade está
marcada pelo emprego da primeira pessoa, ele participa da narração como
observador, ouvinte e também como sujeito do ocorrido: “Na casa do seu Aquilino
tudo era paz”36...; “sempre ouvira dizer que na volta do Zé Jacinto aparecia a mula-
sem-cabeça”37...; “Eu me lembro como se fosse hoje do meu primeiro dia de aula”38.
O sujeito moderno se configura a partir de sua individualização perante a
sociedade. É quando a “razão se torna fundamento que o sujeito passa a tomar
consciência da experienciação de si”, conseguindo isolar-se do seu lócus e vê-lo
dentro de uma contextualização criada a partir dos seus julgamentos. E é a partir

31
LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico: de Rousseau à internet. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2008. p.13-15
32
LEJEUNE, Philippe. op. cit., p. 15
33
RICARDO, Katiuscia Correa. Clarice Linspector e o pacto autobiográfico: paradoxo entre
realidade e ficção p. 2
34
TEIXEIRA, Leônia Cavalcante. Escrita autobiográfica e construção subjetiva. Revista Psicologia
USP, v. 14, n. 1, São Paulo, 2003
35
RICARDO, Katiuscia Corrêa . op cit., p 4
36
SILVEIRA JR, Norberto Candido op. cit., p.61
37
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.58
38
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.122
18

deste momento que ele passa a procurar maneiras de manifestar a sua diferença
perante aquela sociedade. Então a autobiografia se torna pertinente, por isso, a
necessidade de firmar a sua existência39.
A oposição entre biografia e autobiografia está na reflexão sobre semelhança
e identidade. “A identidade é um fato imediatamente perceptível – aceita ou
recusada, no plano da enunciação; a semelhança é uma relação, sujeita a
discussões e nuances infinitas, estabelecida a partir do enunciado”. A identidade é
definida a partir do autor, narrador e personagem, onde o autor é “representado na
margem do texto por seu nome, é então o referente ao qual remete, por força do
pacto autobiográfico, o sujeito da enunciação”. Quanto a semelhança é necessário
inserir um quarto elemento “um referente extratextual que poderia ser chamado de
protótipo, ou melhor, de modelo”40.
Ao mesmo tempo em que biografia e autobiografia se opõem, dependem de
um pacto referencial, ou seja, buscam informar sobre uma “realidade”, submetendo-
se a uma prova de verificação que não ocorre na ficção. “O modelo do biógrafo é a
vida do biografado ‘tal qual foi’, [...] A semelhança buscada não pode nunca ser
atingida e só constitui, para o biógrafo, uma meta de trabalho, uma intencionalidade
que o impele para a representância” 41 . Na autobiografia a narrativa pessoal é
irredutível a narrativa impessoal. Primeiramente é na identidade que está a diferença
entre biografia e autobiografia, mas na autobiografia “o sujeito do enunciado é duplo
por ser inseparável do sujeito da enunciação”, que torna a relação confusa entre
autor e modelo. Lejeune então, apresenta duas fórmulas que ilustram essa
diferença: “Biografia: A é ou não N; P se parece com M. Autobiografia: N está para P
assim como A está para M”. Sendo A: autor; N: narrador; P: personagem; M:
modelo42.

39
TEIXEIRA, Leônia Cavalcante. op. cit., p. 4 e 5
40
LEJEUNE, Philippe. op. cit., p.36
41
DOSSE, François. op. cit., p 96
42
LEJEUNE, Philippe. op. cit., p. 40 e 41
19

3 SILVEIRA JUNIOR: ASPECTOS BIOGRÁFICOS

3.1 BIOGRAFIA E OBRA DE SILVEIRA JR

Com uma vida de 73 anos, aproximadamente 50 dedicados à escrita, como


uma via paralela as suas atividades profissionais, Silveira Jr alcançou lugar de
destaque na literatura catarinense. Seu último livro lançado foi Nossa Guerra com a
Alemanha(1988), romance histórico que trata da nacionalização brasileira e a
relação do Estado com os imigrantes, principalmente alemães e italianos, dois anos
antes de sua morte. Mas o destaque dentre os seus oito livros publicados, fica por
conta de Memórias de um menino pobre(1977) que “deflagrou o romancista”43.
Norberto Candido Silveira Júnior nasceu no município de Piçarras, litoral norte
do estado de Santa Catarina, em Maio de 1917, no apogeu do confronto bélico da
Primeira Guerra Mundial, período em que, no Brasil, se inicia uma mudança na
economia, com o surgimento de uma industrialização e a partir daí o aparecimento
de uma nova burguesia com novas necessidades e exigências como o acesso da
mesma à educação, que a partir desse momento vai sofrer algumas mudanças
principalmente com as idéias escolanovistas que defendem uma educação pública e
democrática44, mudanças estas que também são percebidas no estado de Santa
Catarina, a urbanização das principais cidades, criação de grupos escolares e
reforma da Escola Normal45.
Filho de Norberto Candido Silveira e Maria dos Anjos Silveira, começa a
morar no Núcleo Colonial Barão do Rio Branco perto de completar 3 anos de idade,
ou seja, no fim do ano de 1919 ou início de 1920. Nesse momento, o Núcleo Rio
Branco já possuía aproximadamente 7 anos de existência e, através do Decreto nº
13.969, recebia sua emancipação, o que o tornava, segundo o Regulamento da
Colonização, parte integrante e de responsabilidade do Estado ou do município a
que pertencia, neste caso, município de Joinville, estado de Santa Catarina. E é
nesta localidade rural de nome Rio Branco que Silveira Jr teve sua primeira
formação.

43
JUNKES, Lauro(Org.).op. cit., . p.14
44
ARANHA, Maria L. A. História da educação. 2ed. rev. e atual. São Paulo: Moderna, 1996. p. 198
45
DALLABRIDA, Norberto. A fabricação escolar das elites: o Ginásio Catarinense na primeira
república. Florianópolis: Cidade Futura, 2001. p.60
20

Com quase oito anos, foi matriculado pela mãe na Escola Mista do Núcleo Rio
Branco, dirigida neste período pelo professor Cantalício Érico Flores, conforme mais
detalhes que serão explorados no decorrer desta pesquisa. Silveira Jr concluiu a
primeira, segunda e terceira série nesta escola, e por mais três anos freqüentou a
terceira série novamente. Devido ao fato de a escola existente no núcleo possuir
apenas as três séries iniciais de ensino e à ausência da possibilidade de Silveira Jr
freqüentar outra escola, sua mãe pede ao professor para que aceite que Silveira Jr
repeta o último ano da escola para “não esquecer o que havia aprendido”. Repetiu a
terceira série novamente quando, já em Joinville, foi matriculado no grupo escolar
Conselheiro Mafra. Após esta fase sua formação se dá, segundo o próprio autor,
pela via do autodidatismo.

O autodidata é, quase sempre, um suposto auto-suficiente. Como a gente não tem


ninguém para nos orientar, aprendemos apenas aquilo que nos causa interesse ou
curiosidade e paramos por nossa conta, quando nos enfaramos da matéria, ou
supomos que dela já sabemos tudo. Não conheço nenhum autodidata que não
seja — como eu — um colecionador de curiosidades, porque aprendemos apenas
aquilo que nos agrada, sem nenhum método, sem nenhum acompanhamento
46
pedagógico .

Essa referência que Silveira Jr faz ao “autodidata” pode ser compreendida


como a de um leitor assíduo sobre diversos assuntos ou temáticas e não
propriamente uma instrução a si mesmo pautada em estudo aprofundado de vários
temas. Este tipo de situação é uma espécie de recorrência comum de certos
indivíduos deste período por conta da dificuldade de acesso à escola.
A formação de Silveira Jr se dá, aproximadamente, no período de 1925 a
1930, neste momento a educação no Brasil passa por transformações, mas o ensino
secundário ainda está voltado para a elite, por ser ensino privado, estando em pauta
nas discussões sobre educação o dever do Estado para com o ensino, inclusive o
secundário, sendo criado em 1930 o Ministério da Educação e Saúde, que irá
contribuir para a reforma do ensino no país 47 . Portanto, é prática normal para o
período que Silveira Jr, não sendo de família de grandes posses ou de alguma elite
não tivesse oportunidade de uma formação secundária, caminhasse para esse
“autodidatismo” descrito pelo próprio escritor. E esse “autodidatismo” foi possível a
figura de Silveira Jr pelo constante contato com diversas obras, inclusive clássicos

46
SILVEIRA JR, Norberto Candido apud KLUEGER, Urda Alice. Discurso de posse da Academia
Catarinense de Letras.
47
ARANHA, Maria L. A. op. cit.,p. 200
21

da literatura brasileira, que ele manteve no decorrer de sua vida, como por exemplo,
Bernardo Guimarães, o qual teve contato já na infância com a obra O Índio Afonso e,
também, A Escrava Isaura que sua mãe lhe contava, mais tarde Machado de Assis,
Euclides da Cunha, Jorge Amado entre outros.
Na apresentação do livro Memórias de um menino pobre, Silveira Jr dá
indicativas sobre as influências que sofre, principalmente no que diz respeito ao
estilo literário da obra. Inicia a apresentação declarando fascínio pelos romances
telúricos. Telúrico, segundo o dicionário, significa “relativo a Terra, relativo ao solo”,
esses romances estão próximos ao que seriam os romances regionalistas, mas mais
voltado para a questão da natureza e de determinada comunidade, sempre
compromissado com a realidade. Lista ainda alguns autores que escrevem este tipo
de romance, como Pearl Buck, Jorge Amado, José Américo, Amado Fontes e, com
maior destaque dado pelo autor, Gabriel García Marquez com sua obra Cem Anos
de Solidão, através da qual Silveira Jr se espelha na pequena Macondo e a compara
com Rio Branco, e diz que a diferença do seu livro com esses romances citados é a
“autenticidade das histórias” narradas, pois “sou eu que repito a história que ouvi ou
conto aquela que presenciei”48.
Mas sua obra muito tem a ver com a do colombiano Garcia Márquez, pois,
apesar do colombiano não alegar, sua obra apresenta indícios de mescla com a
realidade da Colômbia e de sua própria vida, é considerada uma obra de “realismo
fantástico”, pois o autor insere seus personagens num contexto sócio-cultural
colombiano abordando fatos sociais, com um toque de humor e com um toque de
fantasia49. E a obra de Silveira Jr, apesar de ele alegar sua preocupação com o real,
tem características próximas a essas. Logo, a principal diferença entre as duas
obras fica por conta da afirmação do testemunho.
Em outro momento, Silveira Jr apresenta muitas outras influencias dos
jornais e da literatura. Começando com “Humberto de Campos”, jornalista, contista e
memorialista, é considerado por Silveira Jr a sua principal influência, seu livro mais
célebre foi Memórias 1886-1900 (1933) que consiste em crônicas “dos começos de
sua vida” 50 , o que diz muito sobre sua influência em Silveira Jr. “Mas estagiei
também em Amando Fontes, passei por Darcy Azambuja, estive com Alcântara

48
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p 9
49
SÁ, Katiuscia de. Resenha Cem anos de solidão. Argumento.net, 2009.
50
Academia Brasileira de Letras. Biografia Humberto de Campos.
22

Machado”, todos relacionados ao jornalismo e a maioria cronista, sendo Amado


Fontes um telúrico. “E houve também aqueles que eu li como quem toma um
remédio, sabendo que eles eram bons, mas de difícil digestão. Entre estes, Euclides
da Cunha e até de alguma forma Rui Barbosa e Machado de Assis”, talvez essa
afirmação mostre a carência de um estudo literário por parte de Silveira Jr que ele
mesmo afirma em outro momento: “na minha pobre formação literária, nunca pude
ler nada que não me causasse enlevo espiritual. [Mas] tudo que me enfadava, que
me obrigava a profundas meditações, acabava por abominar”.
Quanto aos estrangeiros, poucos parecem ter exercido influência marcante na
sua escrita:

Dos estrangeiros, passei por Portugal. Fiz urna breve incursão pela França, estive
nos Estados Unidos e na União Soviética. Mas de nenhum deles guardei o
encanto que me deixaria Cervantes, que leio até hoje, sempre encontrando
novidades. Da Alemanha não fui além de um Tomas Mann; na Inglaterra tentei
desvendar os mistérios da linguagem pesada e difícil de James Joyce e da Áustria
tentei digerir Kafka.[...] Dos livros longos que li sem gostar incluo apenas Os
Lusíadas e A Divina Comédia”.

Mas uma leitura Silveira Jr faz questão de enfatizar, uma leitura que “tomou a
vida toda, [...]: é a Bíblia”. “Não existe para mim nada mais encantador do que esse
livro, que eu leio e releio à procura da minha espiritualidade perdida”, percebe-se em
Silveira Jr uma necessidade de afirmação de uma “religiosidade carente de fé” e é a
partir dessa carência que fica evidente as contradições da vida em Silveira Jr:
“posso dizer que me tornei um místico sem fé, um religioso sem religião, um
agnóstico à procura de Deus.”51
Esse caráter contraditório de uma vida faz parte dos obstáculos encontrados
pelo biógrafo na constituição desta trajetória, relacionados a construção de uma
identidade fragmentária, composta por “dúvidas e incertezas”, por “atos e
pensamentos da vida cotidiana”, que levam os historiadores a buscar uma
renovação da narrativa e também novos tipos de fontes “nas quais se poderiam
descobrir indícios esparsos dos atos e das palavras do cotidiano”52.
Uma das maneiras de se buscar estes indícios, principalmente ao analisar
uma autobiografia, é compreender a linguagem do biografado. Ao comentar sobre
seu trabalho acerca da biografia de Certeau, Dosse53, fala da relação do biógrafo

51
SILVEIRA JR, Norberto Candido apud KLUEGER, Urda Alice. op. cit.
52
LEVI, Giovanni. op. cit., p.169
53
DOSSE, François. op. cit..
23

com a linguagem do biografado. Existe uma necessidade da parte do biógrafo de


compreender a linguagem utilizada pelo biografado principalmente em suas obras e,
neste caso, Dosse precisou se familiarizar com a linguagem cristã para compreender
melhor as idéias de Certeau. Tomando esta situação como exemplo, nesta pesquisa
sobre Silveira Jr, a familiarização envolve pensar a linguagem literária. Sendo esta
linguagem muito particular de cada artista, o caminho é concentrar-se no campo
literário em que ele atua e nas diferentes formas de escrita que ele assina.
Memórias de um menino pobre é a primeira obra de “cunho literário, primeiro
romance”54 de Silveira Jr, antes disso ele escrevia, como diz Lauro Junkes em uma
pequena biografia no livro Imponderáveis do Destino, em que estão organizadas
algumas das crônicas de Silveira Jr publicadas no jornal A Ponte – periódico da
cidade de Florianópolis de propriedade de Odilon Lunardelli e principal suporte das
suas crônicas -, com uma “marca jornalística”55. Com este termo Junkes se refere
possivelmente à questão informativa das obras anteriores a esta. Aliás, a
denominação jornalista Silveira Jr, orgulhava aquele que obteve o registro número 1
no MTPS (Ministério do Trabalho e Previdência Social) como jornalista de serviço
público do estado de Santa Catarina. Com crônicas que percorriam vários assuntos,
principalmente do cotidiano, Silveira Jr tem inúmeras publicações em jornais
variados do estado de Santa Catarina.
Junkes, ao falar da crônica, coloca-a como a que “trata essencialmente de
matéria do cotidiano” podendo “tender ao histórico, ao social, ao político, ao
esportivo e, claro, assumir maior caráter literário”, para o cronista não existem limites
ao escolher o assunto da sua crônica nem a linguagem a ser usada. A crônica tende
a caminhar mais para o campo afetivo do que racional, “mas no caso de Silveira Jr
isso não ocorre”. A linguagem de suas crônicas “fica mais no campo do racional e
objetivo e se mesclam em narrativas, comentários, nostalgias e reflexões que
mostram a atenção do autor voltada para a condição humana, para sua terra natal,
para o contexto histórico, para aspectos ecológicos” 56 . Quanto a esta questão,
possivelmente Junkes esteja equivocado, pois o apelo que Silveira Jr faz ao afetivo
está bem explícito em suas crônicas, como por exemplo, em uma crônica com o
título “O hábito e o Monge”, Silveira Jr ao falar de uma visita a uma universidade em

54
JUNKES, Lauro(org.). op. cit., p. 13
55
JUNKES, Lauro(org.). op. cit.,. p.14
56
JUNKES, Lauro(org.). op. cit., p.272-274.
24

que é apresentado a professores “de camisa aberta ao peito e calças jeans


surradas, sandálias de couro grosseiro, cabelos em desalinho e ensebados”57 ele
mostra sua decepção, dizendo que essa não era uma atitude para um mestre
universitário, ou ainda, em uma outra crônica – “Falta de espírito público” – em que
ele critica os anúncios em baixo da placa do nome da rua, em Itajaí, considerando
“falta de espírito público e até de amor” 58 . Nas duas crônicas a questão afetiva
suplanta a questão racional, na primeira ele leva a questão para o seu imaginário,
que, ao lembrar do seu professor Cantalício, que para dar aulas usava sapatos,
coisa que só fazia dentro da sala de aula, em sinal de respeito, cria um estereótipo
de postura de professor que nada tem a ver com racionalidade. E na segunda que
caracteriza como falta de amor com a cidade ou com o nome que está estampado
naquela placa a idéia de colocar um anuncio. Na obra de Silveira Jr, Memórias de
um menino pobre, na abordagem que segue nesta pesquisa, pode-se perceber
esses elementos afetivos também.
Silveira Jr, quando saiu de Rio Branco, foi para Joinville “trabalhar atrás de
um balcão de secos e molhados”59, logo depois se mudou para Florianópolis, onde
foi pequeno comerciante e funcionário público do estado, como microscopista, que
consiste em fazer análises microscópicas, do Departamento de Saúde. E é em
Florianópolis que sua participação em jornais começa.
Em uma de suas crônicas – “Cinquenta anos de jornalismo” – ele fala do
jornal feito a mão, em 1934, junto com Armando Machado, seu vizinho, e que
entregavam para os moradores da rua Vidal Ramos. Em 1935, “pelas mãos do [...]
generoso amigo Antonio de Pádua Pereira”, maçom, consegue publicar algumas
notas no Diário da Tarde e no A Gazeta, ambos de Florianópolis. Em 1938, era
redator e revisor do Diário da Tarde. Mas para “aprender” a escrever, lia e relia
vários artigos de vários jornalistas da época como Tito Carvalho, Lourival Câmara,
Altino Flores, Barreiros Filho, entre outros. Inclusive tomou “algumas aulas de
Português num curso de madureza com o competente professor Manuel Luiz” 60 .
Devido a acidez com que o jornal tratava do então governador Nereu Ramos,
Silveira Jr, que era funcionário público estadual foi transferido para Itajaí.

57
JUNKES, Lauro(org.). op. cit., p 93
58
Idem, p. 103
59
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.11
60
JUNKES, Lauro(org.). op. cit., p.55
25

Nesta cidade, continua com o cargo de microscopista, mas depois se torna


bancário no banco INCO, sempre colaborando para jornais, vê-se a escrita como
atividade paralela. Dirigiu o semanário Itajaí, também a Rádio Difusora e o jornal O
Sol, todos da cidade de Itajaí. Foi Diretor de administração da prefeitura de Itajaí,
chefe de gabinete de Balneário Camboriú e assessor especial do governador
Antonio Carlos Konder Reis. Foi também membro do Conselho Estadual da Cultura
e ocupou a cadeira numero dois da Academia Catarinense de Letras, casou-se com
Lígia Pereira, teve duas filhas.61.
Alem das crônicas, Silveira Jr teve também alguns livros publicados. Os
primeiros, com a já citada marca jornalística, são: Itajaí (1949) ou Anuário de Itajaí,
História de uma cidade: Itajaí(1972), Um brasileiro nos Estados Unidos, sendo que a
primeira edição(1962) leva o título de Vulgaridades (e Coisas Sérias) sobre os EEUU
e por fim 1000 Notícias Culturais (1985) que marca cinqüenta anos de jornalismo do
autor, resultado de um trabalho onde foram recolhidas informações de revistas,
enciclopédias, dicionários, entre outros suportes e relacionados em verbetes
numerados de 1 a 1000 que, como o próprio autor diz, propõe popularizar
conhecimentos diversos62.
A produção “de teor mais literário”63 começa a partir da década de 70. O livro
Depois do Juízo Final (1982) é uma obra de ficção científica e de cunho futurista que
imagina o mundo a partir de uma progressão malthusiana da população universal
que gera caos e destruição e apresenta soluções; Confissões de uma filha do
século(1984) uma obra mais naturalista, que traça o relato autobiográfico de uma
moça de nome Irene, que junto com outras moças migra do interior para a cidade;
Nossa Guerra com a Alemanha(1988) quarto e último romance do escritor que trata
da nacionalização brasileira em Santa Catarina e a relação do Estado com os
imigrantes, principalmente alemães e italianos; e o seu primeiro romance, deixado
aqui por último devido a sua importância para o trabalho, Memórias de um menino
pobre(1977) que está em sua quinta edição(2009) e trata-se de uma autobiografia
do próprio autor, relatando narrativas de sua infância na localidade de Rio Branco,
obra amplamente utilizada nesta pesquisa.

61
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.12 e 13
62
JUNKES, Lauro(org.). op. cit., p.13 e p.59
63
JUNKES, Lauro(org.). op. cit., p.13
26

Memórias de um menino pobre é uma obra de cunho autobiográfico, formada


a partir de um conjunto de narrativas divididas em 42 crônicas que, sem grande
preocupação com uma linearidade, remetem a infância do autor em uma colônia de
agricultores no norte de Santa Catarina. Essas crônicas, além de apresentar
características da vida do autor, descrevem o lugar chamado Núcleo Rio Branco,
onde se passam as memórias, tanto fisicamente quanto as relações e as pessoas
que lá viviam. Com algumas imagens que servem apenas como ilustração,
principalmente das descrições físicas do lugar, como a capela, a escola e um mapa
criado pelo próprio autor. Em um “Prefácio e Post Scriptum”, o autor faz uma
biografia resumida da sua vida após os quinze anos, quando sai do Núcleo Rio
Branco é vai para a cidade de Joinville.
Silveira Jr narra em primeira pessoa as crônicas, mas nem sempre é o
protagonista dessas histórias. O autor aparece como protagonista na maioria da
crônicas, mas em alguns momentos ele aparece como quem está narrando o
acontecido como observador, e é nessas horas onde a descrição está mais presente
e, em outras está apenas narrando histórias que ouviu dos moradores de Rio
Branco, a maioria delas ouvidas nas rodas da venda da sinhá Madalena. Focaliza
muito em suas características de quando criança, suas angústias e seus temores, e
em muitos momentos da obra, percebe-se o autor fazendo reflexões sobre o
ocorrido, como vê-se mais adiante nesta pesquisa.
Teve sua primeira publicação no ano de 1977 pela editora Lunardelli de
Florianópolis em 163 páginas. De propriedade de Odilon Lunardelli, a editora foi uma
das primeiras profissionais de Santa Catarina, “o trabalho da Lunardelli na década
de 70 ajudou a reforçar a identidade da literatura catarinense”64. Hoje a obra está em
sua quinta edição publicada pela editora Hemisfério Sul de Blumenau em 2009, com
222 páginas. Todas as edições entre a primeira e a quinta são, também, da editora
Lunardelli.
Nas palavras de Urda Alice Klueger esta não é uma obra da literatura
catarinense, mas sim “um clássico da língua portuguesa”65. Lauro Junkes a descreve
como uma obra “imperecedoura no realismo e espontaneidade [que] capta a
reconstituição da infância, os problemas, limitações, anseios e lutas do menino

64
OLIVEIRA, Maurício. Escritores homenageiam Odilon Lunardelli. ANCapital. 25 de Novembro de
1999.
65
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit.,. Orelha esquerda.
27

crescendo no ambiente rural mais rudimentar e pobre, tudo registrado na fineza da


percepção infantil”66. Já o próprio autor coloca a obra como sendo “a própria vida
rural de Santa Catarina, com seus dramas e suas comédias”67Em suma, é uma obra
constituída de narrativas autobiográficas, repleta de relatos de uma infância vivida
em uma pequena colônia de agricultores num tempo “em que a cidade e o campo
tinham fronteiras bem definidas; quando a voraz sociedade de consumo não existia:
quando a palavra poluição(que era adjetivada de noturna) indicava apenas o ato
reprovável dos meninos que mijavam na cama”68. Descreve problemas, situações e
práticas ligadas ao cotidiano de pequenos agricultores de uma colônia.

66
SILVEIRA JR, Norberto Cândido; JUNKES, Lauro(Org.).op. cit.
67
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.11
68
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.10
28

4 NÚCLEO RIO BRANCO: O MICROCOSMO

O Núcleo Colonial Barão do Rio Branco foi criado pelo Governo Federal
através da Diretoria de Povoamento do Solo pelo decreto 10.059 de 14 de fevereiro
de 1913, no vale do rio Putanga, entre as cidades de Joinville e Blumenau. Neste
período as terras pertenciam ao município de Joinville que doa à União. Divididas,
as terras originaram aproximadamente 198 lotes, entre rurais e urbanos, sendo os
lotes urbanos os que se encontravam na área destinada a sede do núcleo.
Atualmente esta área é parte do município de Guaramirim. Situado na região norte
do estado de Santa Catarina, Guaramirim pertencia a Colônia Dona Francisca e
também foi distrito do município de Joinville, sendo emancipado no ano de 1949.
Hoje é uma cidade com aproximadamente 268km² de extensão e 35 mil
habitantes69. Rio Branco, atualmente, é a denominação de um bairro que se originou
no lugar onde existia a sede do núcleo colonial de quem inclusive herdou o nome.
As outras localidades existentes no núcleo, das quais algumas serão citadas
adiante, a maioria conservou o nome que possuía sendo hoje também novos bairros
pertencentes ao município de Guaramirim.
Ao classificar os tipos de colonização, chega-se geralmente em dois
processos há muito considerado distintos: “o que se atém ao simples povoamento e
70
o que conduz à exploração do solo” . Piazza conceitua “colonização” e
“povoamento” de maneira a deixar clara a intenção de desenvolvimento econômico.
E quanto a esses termos usados no século XX no Brasil, diz designar-se aos
“processos pelos quais se facilita o acesso de uma classe de pequenos proprietários
à propriedade da terra”. Ao conceito em si ele atribui um pensamento do sociólogo
Neiva71 que, por sua vez, apresenta o termo povoar como “encher de habitantes”,
que pode ser através de nascimentos ou pela entrada de pessoas ao país,
imigração, e colonizar como sendo “promover a fixação de elemento humano ao
solo, o aproveitamento econômico da região e a elevação do nível de vida, saúde,
instrução e preparo técnico dos habitantes” das regiões determinadas, ou seja, é

69
Site do IBGE
70
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 12
71
NEIVA, Artur Hehl. A imigração na política brasileira de povoamento. Boletim Geográfico, Rio
de Janeiro, Conselho Nacional de Geografia, 8 (86): 151-183, maio, 1950.
29

uma forma de ocupar demograficamente esse Brasil inexplorado e ao mesmo tempo


valorizar essas novas áreas povoadas72.
Essa distinção entre colonização e povoamento que Piazza evoca com tanta
certeza não será pensado desta maneira. Pensar-se-á aqui em colonização e
povoamento como processos integrados, pois o povoamento faz parte da
colonização e vice-versa.
A colonização de áreas do território brasileiro, a partir da República,
distinguem do processo anterior principalmente pelo seu caráter oficial, legal. Desde
o início do governo republicano o Brasil tem se voltado ao incentivo de uma
“colonização oficial, criando várias colônias nacionais” amparadas por atos
legislativos que buscam regularizar a entrada de imigrantes no país e também dar
orientação sobre as “despesas com a introdução, transporte e hospedagem de
imigrantes, bem como sobre a venda de lotes”. Através de decreto de 1890, o
governo resolve que as concessões para fundar novas colônias e também a
autorização para entrada de novos imigrantes só serão permitidas com autorização
do congresso, o que não quer dizer que se fecham as possibilidades de
oportunidades para a iniciativa privada73. Assim o colonizador passa a ser o próprio
Estado, o Governo Federal, que busca povoar e explorar terras da extensão
brasileira. Politicamente a estrutura é muito semelhante: o colonizador (Estado)
nomeia um administrador que utilizará, no seu mandato, critérios estabelecidos pelo
Governo Federal através de regulamento expedido pelo Legislativo.
A partir de 1906, por decreto, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comercio
assume as responsabilidades sobre as questões de colonização e inicia a criação
dos chamados “Núcleos Coloniais”, a principal preocupação do governo até 1930,
sendo criado, então o regulamento de colonização. É criada a Diretoria Geral do
Serviço de Povoamento, órgão do governo da União, que elabora o já citado
regulamento e que fica responsável pelas políticas e pela fiscalização da
colonização, inclusive do trabalho dos zeladores ou administradores dos núcleos
coloniais. Em cada estado é criado o cargo de inspetor de povoamento do solo para
realizar os trabalhos da Diretoria Geral no estado determinado74.

72
PIAZZA, Walter. A Colonização de Santa Catarina. 2 ed. Florianópolis: Lunardelli, 1988. p.12
73
PIAZZA, Walter. op. cit., p. 237
74
PIAZZA, Walter. op. cit., p. 237
30

Em Santa Catarina foram criados três desses Núcleos Coloniais pelo Governo
Federal: Senador Esteves Júnior em 1910 na região do município de Nova Trento,
Annitápolis em 1907 no território do município homônimo e Barão do Rio Branco já
citado e objeto desta pesquisa. Problemas administrativos cercavam as políticas de
colonização e principalmente os encargos da Diretoria Geral do Serviço de
Povoamento. O próprio Silveira Jr dá destaque, em determinado momento de sua
obra, à negligência que o núcleo colonial sofria por parte do governo. “O governo era
a coisa mais ausente deste mundo. Não havia nenhuma assistência social” 75 ,
aparentemente esta é uma situação que se apresenta desde os primórdios do
Núcleo Rio Branco como mostram dois jornais da cidade de Joinville, o Gazeta do
Commercio e também Gazeta de Joinville, edição de 1914 e 1913 respectivamente.
Estes dois jornais eram de propriedade de Eduardo Schwartz, o primeiro
fundado em 1914 e o segundo em 1905 que tem como redator principal Crispim
Mira, “um dos mais conceituados jornalistas de Joinville nas primeiras décadas do
século XX” 76 . Os dois jornais possuíam as mesmas características gráficas: as
páginas eram compostas geralmente por quatro colunas, em algumas edições se vê
cinco colunas. Os artigos eram distribuídos em sequência nas colunas. A primeira
página possuía o cabeçalho com o nome do jornal, nome do proprietário, data,
número e informações sobre assinatura do periódico, não existia nenhum tipo de
propaganda na primeira página das edições analisadas destes jornais.
Os dois periódicos denunciam, em um mesmo momento, em artigos o
descaso do inspetor de povoamento do estado de Santa Catarina para com o núcleo
Rio Branco. Estes artigos, que não continham a assinatura de um autor, vinham
publicados em primeira página em ambos os periódicos joinvillenses. Este fato dá ao
Núcleo Rio Branco certa importância, colocando-o em discussão no período, seja
por intenções puramente comerciais do jornal para atrair novos leitores ou por
intenções políticas, já que o próprio jornal não esconde sua vertente política: em um
artigo com o título de “O Futuro Governo do Estado” ,com uma foto de Felippe
Schmidt emoldurada bem no meio da primeira página, o jornal fala sobre a escolha
do candidato a governador do Estado pelo “Partido Republicano Catarinense” de

75
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit. p. 147.
76
BALDESSAR, Maria José; CRISTOFOLETTI, Rogério (org.).Jornalismo em perspectiva.
Florianópolis: [s.d.], 2005. p.25
31

quem é “órgão neste município”77. Outro fato é que, além de estarem na primeira
página destes jornais, as questões sobre Rio Branco aparecem antes de artigos e
notícias relacionados a Primeira Guerra, por exemplo. Os artigos denunciam atitudes
que consideram desonestas e desumanas como, por exemplo, a construção, contra
a promessa do Governo Federal aos imigrantes, de “ranchos de palha” para
servirem de moradia definitiva para os imigrantes no núcleo.
Esses ranchos de palha, a que se referem o jornal, são descritos em um
artigo relacionado ao relato de uma missivista, que o jornal trata por Snra. Volland,
que escreveu para o jornal depois de ler um artigo sobre as condições do núcleo.
Trabalhando no Hospital de Caridade do município de Joinville, Volland diz que sua
família é prova de que esses ranchos existem, “6 membros da sua família” se
encontram no Hospital devido a “umidade e a pouca proteção do rancho que lhes
servia de moradia”. Relata ainda que os habitantes ficam expostos a bichos durante
o dia e a noite também, e em dias chuvosos essas “habitações imundas” não
garantem asilo nenhum às pessoas. Todos da família estão com “bichos de pé e
bichos berne”, algo comum segundo o relato78. Esses ranchos, como já dito, vão
contra o Regulamento de Colonização, que diz no artigo 66 do capítulo VIII:
“Normalmente em cada lote rural será construída uma casa em boas condições
higiênicas, para residência do imigrante e sua família, preparando-se também
terrenos para as primeiras culturas a serem feitas pelo adquirente”79.
Outro artigo defende que “não se pode atirar dentro de um rancho miserável,
nas épocas de próximas invernias, pobres famílias de colonos que vêm confiantes
nas promessas de nosso Governo”80. Para apresentar ao leitor a amplitude de tal
negligência do Estado para com os colonos de Rio Branco, Silveira Jr utiliza uma
metáfora: “O cuidado que o Governo teve por esses colonos foi pouco mais do que
os antigos marinheiros dispensavam aos caprinos que depositavam em ilhas
desertas ‘para ver se na próxima viagem tinham sobrevivido e se aclimado”81. Esta
lembrança de abandono que Silveira Jr apresenta em seu livro está ligada ao
“enquadramento da memória”. Saber de determinados assuntos no presente faz
77
GAZETA DO COMMERCIO. Ano 1. n 24. Joinville, 25 de Março de 1914. Arquivo Histórico de
Joinville.
78
GAZETA DO COMMERCIO. Ano 1. n 23. Joinville, 21 de Março de 1914. Arquivo Histórico de
Joinville.
79
Decreto nº 9.081, de 3 de Novembro de 1911. Dá novo regulamento ao Serviço de Povoamento.
80
GAZETA DO COMMERCIO. Ano 1. n 24. Joinville, 25 de Março de 1914. Arquivo Histórico de
Joinville.
81
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p 161
32

com que o indivíduo reinterprete o passado, essa reinterpretação, que faz com que a
lembrança dialogue com os elementos históricos, é uma forma de enquadrar a
memória 82.
Assim com o envolvimento do autor no mundo intelectual, seu acesso a
diversos tipos de informação podem ter feito com que novas interpretações de
determinadas lembranças tenham ocorrido. Logo, por lembrar-se de nunca ter visto
alguém mais importante do que um intendente distrital em Rio Branco, e por,
provavelmente, ter lido sobre política e colonização posteriormente, Silveira Jr pode
ter reinterpretado suas lembranças a ponto de chegar às conclusões supracitadas.
Estes jornais vão além da denuncia ou do relato, eles indicam possíveis
motivos para essa negligencia como má fé do inspetor de povoamento ou então que
o Sr. Samuel Gomes Pereira, inspetor, é apenas “o instrumento do Snr. Director
Geral Dr. Ferreira Correia, que, na qualidade de paranaense ardoroso na questão de
limites, queira também, quem sabe? dificultar as aspirações justas dos
catarinenses”. E todas estas denuncias sempre baseadas na comparação com os
outros dois núcleos coloniais do estado. Como a questão da distribuição de verba
disponibilizada pelo Ministro da Indústria, “a quantia de trezentos contos de réis”,
sendo que destes o senhor inspetor dividiu pelos três núcleos do estado da seguinte
maneira: “cem contos para Annitapolis; cento e cinquenta para Esteves Junior e
cinquenta contos para Rio Branco” sendo que esses cinqüenta contos estariam
divididos em quatro meses. 83
Com uma existência breve, o Núcleo Rio Branco, como era chamado na
região, era uma pequena colônia de agricultores nacionais e estrangeiros, dentre
estes, alemães, russos, poloneses e italianos. Desde o começo os habitantes do
núcleo sofreram com problemas que costumavam estar presentes em colônias
como, a questão das necessidades básicas, condições de moradia, saneamento e
assistência médica. Em 1924 tem fim a zeladoria da colônia. Mas politicamente,
ainda, em 1920, pelo Decreto nº 1372 de 12 de Abril, do Governo do Estado, o
Núcleo Colonial passa a ser distrito policial, comportando a Sub-delegacia de Polícia

82
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. REH Vol2_No3_1989. p.9 e 10
83
GAZETA DE JOINVILLE. Anno IX. n 443. Joinville, 11 de Outubro de 1913. Arquivo Histórico de
Joinville.
33

Barão do Rio Branco. Segundo Cantalício Érico Flores, em um histórico datado de


1967, “tudo isso se acabou em 1930 com a revolução da Aliança Liberal” 84.
A Aliança Liberal tem início com um acordo entre estados que não obtinham
interesses no café, mas que estavam ligados a oligarquias regionais, eram eles Rio
Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba. A Aliança não é um partido político, mas
uma frente de oposição, não tem interesse industrial e sim em reivindicações de
partes não relacionadas com a economia cafeeira, tendo a reforma política do Brasil
como ideal principal e a defesa da representação popular como sua principal arma85.
Getúlio Vargas, então governador do Rio Grande do Sul, surge como
candidato a presidência, mas, nas eleições de 1930, é derrotado pelo candidato
republicano Júlio Prestes. Em oposição a algumas de suas partes, a Aliança Liberal
organiza uma revolução para a queda do governo de Washington Luís, que é
deposto em outubro de 1930 e Getúlio Vargas assume a presidência em 3 de
novembro do mesmo ano, e este fica sendo o marco do fim da chamada Primeira
República ou República Velha. Em outubro de 1930, depois que os revolucionários
já haviam dominado o Estado do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas embarca para
São Paulo. No caminho para São Paulo, segundo comentários e lembranças de
moradores ainda hoje, na cidade de Guaramirim, Getúlio fez uma parada com o trem
na estação do distrito de Bananal para abastecer de suprimentos e também recrutar
mais soldados.
Este fato se encaixa ao narrado por Silveira Jr, onde o autor descreve o dia
em que, na estrada geral do núcleo, se encontrou com “homens fardados de cáqui,
de perneiras e quepes, com enormes armas nas costas” e com “lenços vermelhos no
pescoço” que o param e perguntam algo que, segundo o autor, devido ao pânico
que se apoderou dele, não lembra e também não lembra da resposta. Na verdade o
que é provável que tenha ocorrido, nessa lembrança de Silveira Jr, não um
esquecimento por medo, mas sim devido a lembrança mais forte ser o medo que o
acometeu. Mas conclui, depois, que deveria ser alguma pergunta sobre Cantalício
Érico Flores, pois no dia seguinte seu Marcelino falou que os homens foram até a
sede falar com Cantalício, “que foi obrigado a virar, porque ele era do governo e os

84
FLORES, Cantalício Érico. Discurso manuscrito sobre a localidade de Rio Branco. 16 de
Outubro de 1967. Arquivo Histórico de Guaramirim.
85
FAUSTO, Boris. A revolução de 30. In: MOTA, Carlos G.(org.). Brasil em perspectiva. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 234
34

revoltosos queriam derrubar o governo”86. Segundo essa afirmação e também a fala


de Cantalício sobre o fim do Núcleo Rio Branco, algumas hipóteses surgem sobre
esse fim: poderia ser o caso de Cantalício ser republicano, fato que não pode ser
comprovado pela ausência de fatores que indiquem tal afirmação, o que necessitaria
a intervenção dos revolucionários diante da idéia de domínio; outra possibilidade
seria pela relação do núcleo com a colonização estrangeira.
Percebe-se, desde cedo na obra de Silveira Jr, uma espécie de fator de
impedimento para o desenvolvimento de Rio Branco, sua geografia, descrita como
sendo de “terras péssimas, por sinal, a maioria constituída por íngremes encostas de
morros”, uma terra muito pobre, devido a erosão, e com grande sujeição a pragas. O
autor até questiona a criação do núcleo em tal localidade, afirmando que, neste
mesmo período, em Santa Catarina, existiam diversas áreas de “terras planas,
humosas” que “clamavam por quem as quisesse trabalhar”, e completa dizendo crer
que “esse pomposo Núcleo Colonial Barão do Rio Branco [...] nunca produziu nada
que justificasse a sua criação como colônia agrícola federal”87. Essa lembrança que
busca a culpa de algo está ligada ao ressentimento, uma mágoa, um rancor do
passado que dá sentido à construção voluntária das memórias, ou de seu próprio
esquecimento, constituindo subjetividades relacionadas ao meio social e local em
que estas memórias estão inseridas. Sendo que este passado, assim como toda a
trajetória de um indivíduo é composta pela pluralidade do eu88.
Já o jornal citado anteriormente, Gazeta do Commercio, exemplar de 25 de
Março de 1914, fala em um “futuroso núcleo” que tem seu desenvolvimento atrasado
pela situação com o inspetor de povoamento, suas atitudes em relação ao núcleo
consideradas injustas e de má vontade, impedindo o possível desenvolvimento de
Rio Branco, já discutida anteriormente89.
O núcleo Rio Branco, a cidade de Guaramirim e região, obviamente também,
está localizado em uma área de mata atlântica e de clima tropical, ou seja, quente e
úmido e, é abastecido pelas águas da bacia hidrográfica do rio Itapocu, que corre de
oeste para leste desembocando no oceano Atlântico90.

86
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 103
87
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p 162
88
ANSART, Pierre. História e memória dos ressentimentos. In: Memória e (res)sentimento:
indagações sobre uma questão sensível. Campinas (SP) : Ed. Unicamp, 2004.
89
GAZETA DO COMMERCIO. Anno 1. n 24. Joinville, 25 de Março de 1914. Arquivo Histórico de
Joinville.
90
GUARAMIRIM. IBGE. www.ibge.org.br
35

Este clima quente e úmido da região é propício para o aparecimento de


pragas e principalmente da malária, tão amplamente citada por Silveira Jr.
Problemas característicos de colônias criadas em área de mata atlântica.
A memória se baseia em pontos de referências para o guardar e também para
o lembrar. “Em sua análise da memória coletiva, Maurice Halbwachs enfatiza a força
dos diferentes pontos de referência que estruturam nossa memória”, entre esses
pontos estão os “lugares da memória analisados por Pierre Nora”. Esses lugares são
compostos pelo “patrimônio arquitetônico e seu estilo, [...] as paisagens, as datas e
personagens históricas, [...] as tradições e costumes, certas regras de interação, o
folclore e a música, e, por que não, as tradições culinárias”91
A partir destes pontos de referências utilizados pela memória, pensa-se a
obra de Silveira Jr como fonte para buscar as características de Rio Branco. Busca-
se identificar os pontos de referência que a memória de Silveira Jr utiliza para
lembrar das suas vivências neste local. É constante na obra de Silveira Jr essas
referências ligadas ao cotidiano da sua trajetória no núcleo Rio Branco: os lugares
físicos, as questões ligadas a saúde, as práticas culinárias, a economia, as relações
sociais, o lazer, os costumes e as crenças.

4.1 COTIDIANO NO NÚCLEO RIO BRANCO

Em um certo momento do livro, Silveira Jr explicita sua intenção de deixar


para a posteridade algumas informações sobre a vida dos colonos de Rio Branco.
Para dar sustentação a isso, afirma descrever a sua família que pode “ser aceita
tranquilamente como a média das famílias brasileiras e pobres” da localidade,
indicando a importância que insere na descrição de “aspectos econômicos, sociais,
alimentares e culturais” da sua casa92.
Silveira Jr pode ter generalizado o grupo social de que fazia parte ao afirmar
isso, mas as características que apresenta de sua família e envolvem o seu lar são,
sem dúvida, uma forma interessante para analisar determinado grupo ou local, pois

91
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Revista de Estudos Históricos. Vol2. No3.
1989. p.3
92
SILVEIRA JR, Norberto Candido. Memórias de um menino pobre. Blumenau: Hemisfério Sul,
2009. p. 158
36

no ambiente doméstico que ocorre primeiramente os desdobramentos do “dia a dia,


os gestos elementares das ‘artes de fazer’”93.
Em um lote na Estrada Geral do núcleo Rio Branco, bem no meio de um
pasto com “exatamente duzentos metros de frente, que davam para a estrada, e
cem metros de fundo”, estava localizada “o que se poderia chamar de uma casinha
de caboclo”. Uma casa de madeira constituída de “tábuas mal ajustadas umas às
outras, sem mata-juntas” – filetes de madeira que servem para tapar a junção das
tábuas em uma parede de madeira -, “de forma que as paredes apresentavam
dezenas de fendas, porque a madeira, ressequida pelo sol, envergava” e com uma
cobertura de palha94. Essa é a casa que Silveira Jr descreve em seu livro, a casa em
que passou sua infância, enquanto viveu no núcleo Rio Branco.
Esta descrição caracteriza as condições da família de Silveira Jr no núcleo, o
local de moradia diz muito sobre seus ocupantes, “tudo nele fala sempre e muito”,
como: a “arquitetura do imóvel”, neste caso uma arquitetura simples, casa de
madeira, com quatro cômodos, teto de palha, distinta da casa de Jacó Reinert -
segundo Silveira Jr, homem de maiores posses -, que era de tijolos; “o estado de
manutenção”, as fendas entre as tábuas causadas pelo sol; “sua situação na
cidade” 95 , apesar de estar situada na Estrada Geral, ou seja, a principal via do
núcleo, estava em uma área mais periférica, com certa distância da sede. Diferente
da casa de Cantalício Érico Flores que, apesar de ser de madeira, possuía as
necessárias mata-juntas, era maior e ainda estava situada na sede do núcleo,
revelando certa importância desta personagem, que era farmacêutico, zelador da
colônia, subdelegado, entre outras funções.
É na casa, nesse ambiente privado que a criança acumula fragmentos de
saberes e de práticas e discursos os quais farão parte da sua “maneira de agir, de
sofrer e de desejar”96. Essa afirmação leva a pensar a atitude de Silveira Jr para com
as trovoadas que nasciam nos morros de Massaranduba. Sua intranqüilidade com
trovoadas muito tem a ver com a sua casa, que “quando havia trovoada, o vento
entrava por aquelas enormes frestas e levantava a cobertura de palha”97, a casa
também marca as suas memórias com as surras que levava da sua irmã Rosa e
93
CERTEAU, Michael de; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. A invenção do cotidiano: 2. morar,
cozinhar.5. ed. Petrópolis : Vozes, 2003.p. 203
94
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 80 e p.143
95
CERTEAU, Michael de; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. op. cit., p.204
96
CERTEAU, Michael de; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. op. cit., p 205 e 206
97
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 143
37

com os vários dias de repouso durante o ano devido aos constantes ataques da
malária.
Era tal o desconhecimento do povo para com a causa da malária que Silveira
Jr relata um costume: esquentar a água antes de beber, pois “a água fria era
[considerada] terrível para produzir malária”98. O remédio utilizado pelos acometidos
da malária eram as pílulas de quinino que serviam apenas para aliviar os sintomas
da doença. Essa falta de conhecimento da população de Rio Branco, pelo menos da
maioria pobre, se deve a ausência de mais dispositivos de informação. O único
veículo informativo, segundo Silveira Jr, em contato com os mais pobres, além dos
jornais que vinham embalando objetos e produtos, eram os almanaques.
Essas publicações, “editadas desde o final do século XIX”, se tornam parte da
vida cotidiana das populações urbanas e rurais. Esses almanaques de farmácia são
fontes de informação e entretenimento, mesclando informações dos almanaques
tradicionais com propagandas de produtos de saúde e higiene, “transcenderam o
caráter panfletário, instalando-se como hábito de leitura”99. Daí a importância que
Silveira Jr dá para esse tipo de publicação na formação cultural das pessoas de Rio
Branco. Estes almanaques “davam os eclipses anuais do sol e da lua, [...] os santos
do dia, as informações agrícolas e muitos outros avanços da tecnologia”. Quanto as
propagandas, Silveira Jr diz que nunca soube de alguém de Rio Branco que tivesse
comprado os remédios ou outros produtos que ali constavam100.
Os remédios em Rio Branco eram mais simples e mais baratos. Estes
cuidados ficavam por conta dos conhecimentos populares e dos práticos de
farmácia, devido a falta de acesso a médicos. As doenças eram, pelo mesmo motivo
dos remédios, explicadas a partir do “fantástico” e do “sobrenatural”: “em Rio Branco
as crianças morriam geralmente embruxadas, de arca caída e mal de gumito”.
Silveira Jr apresenta alguns remédios utilizados: o leite de figueira contra vermes, o
sal-amargo ou o óleo de rícino como purgantes, a infusão de picão-branco para as
feridas, e também os chás para tosse, para desinteria, entre outros. Esses remédios,
os que não eram caseiros, poderiam ser encontrados na farmácia de João Lyra101,
prático de farmácia estabelecido no núcleo, ou então na venda da sinhá Madalena

98
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 28
99
GOMES, M. L. Vendendo saúde! Revisitando os antigos almanaques de farmácia. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 13, n. 4, out.-dez. 2006.p. 1008
100
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 88
101
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 89
38

que, “dentro de um pequeno armário”, guardava “óleo de rícino, sal-amargo, pílulas


de quinino contra a malária, tubos de aspirina[...], pílulas Rauliveira para males da
barriga, creolina Pearson contra bicheiras, [...] e pouca coisa mais”102.
Aliás, a venda da sinhá Madalena é um típico armazém de secos e molhados,
onde se encontravam suprimentos dos mais variados: “penduradas em arame,
pendiam do teto algumas ferramentas”, tinha também algumas “peças de fazenda:
riscado, pano americano, chita alemoa, morim”. Mas o principal eram os produtos de
cozinha, “praticamente todos feitos de folhas de flandres feitos no latoeiro de
Bananal”, que era distrito de Joinville e depois incorporou o território do núcleo e
formou o atual município de Guaramirim. Entre os utensílios de cozinha se
encontravam “pratos, bules, chocolateiras, canecas, latas, baldes e uma coleção
variadas de lampiões, pombocas, candeias ...”. Para os mais afortunados existia
ainda a opção de comprar produtos de alumínio, esmaltados, “pratos de pó de
pedra”, entre outros. Quanto a bebida, “as prateleiras ostentavam a indefectível
cachaça, sem selo e sem rótulo”, uma bebida de nome Fogo Paulista, “cerveja preta
marca Porter Nacional e, em esperas de festa, um ou outro litro de licor de ovos” que
Silveira Jr diz ser de São Bento. Além dos produtos alimentícios a granel como
arroz, feijão, banha, querosene, farinha, carne-seca, açúcar. Mas uma curiosidade é
que na porta geralmente se pendurava um cação “escalado e seco, único peixe do
mar que se vendia regularmente em Rio Branco”103.
Não existe uma composição padrão alimentar que convenha a todos os seres
humanos. A necessidade de proteínas, vitaminas, ou sais minerais variam de acordo
com cada indivíduo, com cada momento da vida e, também, com a intensidade das
atividades que o indivíduo mantém no seu dia-a-dia 104 . Em Rio Branco, onde o
principal trabalho era a agricultura, ou seja, atividade física constante, a alimentação
deveria ser tal que garantisse a nutrição necessária para cumprir com as tarefas
diárias e, não era diferente.
A começar pela denominação das refeições, “pela manhã era o almoço, ao
meio-dia havia a janta e à noite tínhamos a ceia”, Silveira Jr acha “exata” esta
denominação devido ao fato de que se começava o dia comendo “carne seca ou
peixe seco com pirão”, logo, para ele não cabe a essa refeição o nome de café da

102
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 98
103
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 97 e 98
104
CERTEAU, Michael de; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. op. cit., p. 230
39

manhã105. Essa preocupação do autor em marcar a diferença em relação aos “dias


atuais” faz parte do processo da memória que utiliza mecanismos recentes para
analisar experiências passadas.
A carne seca é comum nesse período devido a necessidade de conservação
da carne, geralmente bovina. Silveira Jr não especifica de onde vem esta carne, mas
como próximo ao núcleo existe uma estação da estrada de ferro, estação de
Bananal, que vem do Rio Grande do Sul, existe a possibilidade dessa carne ser o
“charque”, principal produto rio-grandense neste período, que tem o mesmo
processo da carne seca sendo a única diferença a quantidade de sal que, no
charque, é maior. Tiro essa conclusão de que a carne seca vinha de fora devido a
uma afirmação de Silveira Jr: “Gado havia muito pouco. Quase todos os colonos de
Rio Branco eram egressos de Itajaí, Luiz Alves, Ilhota, Piçarras, Massaranduba e
Gaspar, lugares onde a raiva bovina havia dizimado os rebanhos em anos
recentes”106.
O peixe seco deve ser o cação que Silveira Jr avistava de vez em quando
pendurado na venda da sinhá Madalena. Pois além dos peixes de água doce, “que
entravam em pequena quantidade na composição alimentar dos colonos”, peixe
fresco era raridade, devido a localização de Rio Branco que dificultava o acesso dos
colonos aos peixes do mar. Mas as vezes, “vinda de São Francisco pelo trem da
manhã até Bananal e dalí até Rio Branco em carroças ou carrinhos de mão”,
aparecia a tainha e, também esporadicamente a sardinha. E o pirão, bom, o pirão é
praticamente um capítulo a parte.
Fruto da mandioca, amplamente cultivada, não apenas em Rio Branco, mas
em caráter nacional, a farinha fazia parte das refeições, em muitas casas brasileiras.
Produto de origem indígena, a farinha era, e ainda é hoje, consumida,
principalmente, na forma de pirão. Seja como o pirão tradicional, de farinha de
mandioca e água, seja do pirão de feijão, onde se troca a água pelo feijão, troca
essa que “dava um pouco mais de finesse à comida”107, esse item aparece em todas
as refeições consideradas boas por Silveira Jr. Segundo ele, eram considerados
dias de fartura os dias em que pudesse “comer pela manhã pirão d’água com farinha
de mandioca e carne-seca assada; ao meio-dia, feijão, carne de qualquer tipo e

105
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 158
106
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 163
107
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 157
40

farinha; à noite, o feijão que sobrou do meio-dia, com qualquer tipo de carne e, como
reforço, café com pão de milho ou polenta, ou banana cozida com farinha”108. O
gosto muito tem a ver com a necessidade, ou melhor, sofre sua influência, pois a
composição alimentar, de uma camada mais pobre, se forma através de uma
simples fórmula: “alimentos mais nutritivos e mais econômicos ao mesmo tempo”109.
Essa afirmação de Bourdieu faz pensar a composição alimentar descrita acima, não
como a alimentação de preferência de Silveira Jr, mas sim como a melhor dentre as
opções possibilitadas pela condição da sua família e de muitas outras em Rio
Branco. Já que a falta de uma alimentação salgada gerava fraqueza e
consequentemente problemas com o trabalho pesado.
Os laticínios eram complementos quase inexistentes, “o leite aparecia na
dieta diária, na medida em que houvesse ou não uma vaca em período de lactação”
e, a manteiga, praticamente ninguém considerava complemento de rotina, “mesmo
os polacos e os teuto-brasileiros que produziam, vendiam-na integralmente, usando
banha com sal no pão”.
Nas lembranças de Silveira Jr um alimento aparece como o melhor: a galinha
ensopada. “Uma felicidade que nascia de uma galinha ensopada, uma cuia de
farinha e uma chaleira de água quente. Por isso, se hoje eu tivesse que escolher um
animal para imortalizá-lo em bronze” seria “essa ave humilde, sofredora e rústica,
[...] a galinha”. Essa lembrança com exagero sobre a galinha referencia o acesso
limitado a esse alimento, servido principalmente em datas festivas como o Natal e,
esse exagero desmedido, que aparece, também, em outros momentos da obra, é
um elemento da literatura narrativa usado para dar ênfase à determinada situação,
chamada hipérbole, usada quando se quer definir dramaticamente determinada
situação ou fato que se quer apresentar.
Mas essa alimentação, considerada farta, era muito dispendiosa, logo, havia a
necessidade de alternativas. Quando a situação financeira apertava a família de
Silveira Jr partia para alternativas como “banana cozida, arroz com café, polenta,
pão de milho”, mas existiam alternativas que, para Silveira Jr, eram “tão
desagradáveis que correspondiam a passar fome, mesmo de estômago cheio”. Para
ele a pior comida que poderia existir em uma casa pobre de Rio Branco “era o café
preto, temperado com melado e farinha de mandioca”. Dentre as alternativas,

108
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 154
109
BOURDIEU, Pierre apud CERTEAU, Michael de; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. op. cit., p. 251
41

percebe-se a presença apenas de ingredientes produzidos pelos próprios colonos: a


farinha de mandioca, a farinha de milho ou fubá, o melado, o arroz e o café. O café
preto descrito na última alternativa tem uma questão interessante, pois mesmo que
existissem cafezais em quase todos os lotes de Rio Branco, esse café preto,
segundo Silveira Jr, geralmente “era feito de milho torrado e moído”110.
A agricultura era a principal atividade econômica de Rio Branco,
principalmente para as famílias de colonos mais pobres que cultivavam grandes
tratos de terras, mas ao mesmo tempo tinham uma produtividade mínima. Silveira Jr
atribui essa pouca produtividade ao desconhecimento de “elementos básicos de
agricultura, natureza do solo, como plantar e onde”. O que levava o colono a cultivar
o produto errado na época errada e no local não apropriado, como por exemplo, a
mandioca, encontrada em praticamente todas as casas de Rio Branco, essa raiz era
cultivada geralmente nos morros castigados pela erosão, o que não permite um bom
desenvolvimento da raiz tornando a produção mais demorada e com menos
aproveitamento. Para Silveira Jr, essa era uma “fórmula infalível para o
empobrecimento mais rápido do agricultor”, pelo tempo levado para produzir a
farinha e pela desvalorização, provavelmente devido a pouca procura, já que a
maioria dos colonos a produziam, servindo assim mais como subsistência. Outra
cultura que sofria com problemas naturais era a plantação de arroz, que a família de
Silveira Jr fazia em terra alheia, como arrendeiros, ou seja, utilizavam a terra de
outrem por uma taxa da produção final. Esses arrozais eram na região do rio
Putanga que, frequentemente, sofria alagamentos. Hoje essa região é composta por
imensos arrozais, pois o problema de alagamentos foi minimizado pela retificação do
curso do rio pelo DNOS(Departamento Nacional de Obras de Saneamento) 111.
O café aparecia em muitos lotes do núcleo, e “eram todos sombreados com
ingazeiros”, prática muito comum nessa região de Santa Catarina. Mas também
levava muito tempo para começar a produzir, eram “mais de cinco anos de espera”.
Provavelmente por isso que o café preto usado na mistura com melado e farinha de
mandioca nas situações críticas enfrentadas pelas famílias de Rio Branco era
substituído pelo milho torrado e moído. Mas o principal destino do milho era a

110
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.155
111
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 162 e 163
42

atafona112. A atafona consiste em um equipamento que processa o milho para a


produção de farinha, também conhecida como fubá.
Silveira Jr sempre levava a produção de milho da sua família até a “atafona
do seu Kalin”. Essas atafonas, em Rio Branco, produziam a farinha de milho, mas
não a vendiam devido a falta de dinheiro dos colonos. Geralmente os negócios eram
na base da troca, “levava-se, por exemplo, quinze quilos de milho e trazia-se de
volta dez quilos de farinha, ou um pouco mais”113. A troca era a maneira de negociar,
também, no armazém, a colheita de um ano inteiro era entregue na venda da sinhá
Madalena “que forneceu os gêneros de primeira necessidade para recebê-los na
safra”114. A tainha que vinha de São Francisco, geralmente, era trocada por ovos e
galinhas. Era devido a essas características econômicas que Silveira Jr achava a
pobreza em Rio Branco uniforme, “era um nivelamento por baixo, que nos tornava
todos iguais”115.
Mas, existiam pessoas em Rio Branco que não estavam diretamente ligadas a
produção agrícola ou pecuária, essas eram, em sua maioria, consideradas
importantes e possuíam melhores condições financeiras. No topo dessa lista está
Cantalício Érico Flores que veio de Tijucas, para o Núcleo Rio Branco, como prático
de farmácia, depois assumiu a administração da colônia, a subdelegacia e também a
escola, se tornando um importante personagem do núcleo. Na continuação da lista
estava seu Aquilino, homem de várias posses, “Leopoldo Reinert, próspero dono de
um engenho de cana e um alambique”, sinhá Madalena e seu marido Zé Cunha,
donos do armazém, na Sede (herança do tempo de núcleo colonial) estavam “seu
Tijucano, que tinha um caminhão”, “seu Adolfo Damião”, responsável pela agência
postal, “seu Kalin, que tinha uma atafona”116. Essas pessoas eram uma parte da
população de Rio Branco que tinha mais acesso ao que acontecia fora do lugar,
logo, tinham um conhecimento de informações acima da média dos colonos de Rio
Branco. Mas outras formas de distinção estavam presentes neste que era o
microcosmo de Silveira Jr.
Em Rio Branco, segundo Silveira Jr, usar sapato era privilégio das pessoas
que chegavam a idade adulta, diz que chegou aos quinze anos sem ver uma criança

112
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 163
113
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 100
114
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 160
115
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 163
116
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 137
43

calçada. “É verdade que uma vez ou outra, vinha a aula uma criança que tomara
purgante de óleo de rícino no dia anterior, arrastando um par de tamancos ou até um
chinelinho de tapete [...]. Mas calçar sapatos mesmo era privilégio dos que haviam
atingido a idade adulta”117. Logo, nunca sentiu falta de sapatos na sua infância, se
ganhasse um sapato “teria vergonha de usá-lo e garantidamente seria ridicularizado
pelos demais colegas”, mas era muito diferente quando o assunto era chapéu.
“Ninguém, indistintamente, saía de casa sem um chapéu na cabeça”, característica
cultural que apresentava o povo de Rio Branco naquele período, apenas as
mulheres e as meninas andavam sem chapéu. Utensílio que ajudava a identificar
ricos e pobres, estava sempre em circulação por Rio Branco, “os meninos ricos
(geralmente filhos dos donos de venda ou de proprietário de extensos arrozais)
usavam chapéu de couro de pano (feltro) e os meninos pobres usavam chapéu de
palha”. O desejo de Silveira Jr “era ter um chapéu de pano, como o do João
Advento, tão luxuoso e bem acabado, que tinha até um friso de gorgorão,
contornando o arremate da aba” 118 . A partir daí, o autor narra sua luta para
conseguir o dinheiro suficiente para comprar um Ramenzoni, marca famosa de
chapéu na região, para isso começou a limpar o cafezal do seu Marcelino
juntamente com seu irmão Pedro. Juntando o dinheiro, foi a loja do seu João
Brückeimer em Bananal, e comprou um Ramenzoni de gorgorão na aba. “E fiquei
aguardando o domingo para pô-lo na cabeça e ir com ele à venda da sinhá
Madalena”, provavelmente aguardou o domingo porque é este o dia que ocorre mais
intensamente a interação social no núcleo. “Esse foi um dos raros momentos de
afirmação na minha vida de menino pobre. Aquele chapéu me conferia status [...].
Posso garantir, sem nenhum exagero, que a minha vida se divide em duas épocas:
antes e depois do chapéu de pano”, já o sapato, que veio já na cidade, diz o autor,
“não deixou nenhuma marca importante na minha formação”119.
Esse simbolismo apresentado pelo autor, que escolhe o chapéu como um
divisor em sua vida neste lugar, está relacionado à reflexão que a autobiografia
permite devido ao indivíduo que consegue “isolar-se do seu lócus e vê-lo dentro de
uma contextualização criada a partir dos seus julgamentos”120.

117
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 105
118
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 106
119
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 110
120
TEIXEIRA, escrita autobiográfica.p. 4
44

As relações do indivíduo com seu lugar de origem ocasionam histórias de vida


que podem ser consideradas “instrumentos de reconstrução da identidade, e não
apenas como relatos factuais”. Além disso, a “historia de vida ordena
acontecimentos que balizaram uma existência” e,

Ao contarmos nossa vida, em geral tentamos estabelecer uma certa


coerência por meio de laços lógicos entre acontecimentos chaves (que
aparecem então de uma forma cada vez mais solidificada e estereotipada),
e de uma continuidade, resultante da ordenação cronológica. Através desse
trabalho de reconstrução de si mesmo o indivíduo tende a definir seu lugar
121
social e suas relações com os outros.

4.2 LAZER E FOLCLORE

Pequeno, povoado na sua maioria por agricultores, o núcleo Rio Branco


possuía suas formas de distinções sociais. A principal, ou pelo menos a que aparece
com maior destaque nas memórias de Silveira Jr, não era econômica nem cultural,
mas sim relacionada a origem dos indivíduos dentro do próprio núcleo. Fato
interessante é que quando Silveira Jr fala de status ou de poder econômico, quando
faz comparações sociais geralmente ele usa os bailes de Rio Branco como
referência. Por exemplo, para mostrar que os putangueiros, gentílico dos que
provinham da região das margens do rio Putanga, eram como “párias” – relacionado
a classe abastada da comunidade hindu - na sociedade de Rio Branco, ele afirma
que, mesmo sendo economicamente fortes, “nunca seriam bem-vistos num baile em
Rio Branco”122. Os moradores de Rio Branco eram, segundo Silveira Jr, a classe
média e, a elite ficava por conta dos moradores de Bananal. “Ser bananalense era
ter status [...], joinvillense ou jaraguaense era outra questão, era “hors concours”.
Moças e moços de Bananal não freqüentavam os bailes em Rio Branco, ou pelo
menos muito raramente, uma moça iria, talvez se fosse uma “meretriz em Joinville,
ou empregada doméstica em Jaraguá, e vinha acompanhada de seu homem”123.
Essa distinção ocorria inclusive na forma de seleção dos bailes, por exemplo,

No Zé Polaco moça de boa família não gostava de ir. Era um baile para
putangueiros[...]. Na sinhá Madalena, os bailes eram muito raros, mas de
grande respeito, que o seu Zeca não gostava de desrespeito na sua casa.
Em seu Aquilino as exigências eram demasiadas [...] dançar em seu

121
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. REH Vol2_No3_1989.p.13
122
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.130
123
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.131
45

Aquilino era um privilégio dos bem nascidos, ou dos que tinham grandes
arrozeiras[...], plantador de mandioca, fazedor de farinha, ou tirador de
lenha para a estrada de ferro não tinha condições sociais e financeiras para
esses bailes”. Existiam também os bailes mais humildes, nas “tifas: no
Perdido, no Tibagi, na Ponta Comprida, na Estrada do Leitold, no Barro
Branco, na Joana... Eram bailes onde não se tinha uma cota fixa, cada um
dava o que podia para entrar e dançar, não raro a música era uma gaita de
boca e o salão um rancho de barro batido, isto é, sem assoalho”. [...]Ali
dançava todo mundo, contanto que fossem todos da mesma cor. Em baile
124
de branco, só branco; em baile de preto, só preto.

Nota-se que os bailes eram realizados nas casas dos anfitriões e quanto a
questão racial era atitude comum do período a separação em clubes de dança para
brancos e clubes de dança para negros, mas uma característica que, talvez, seja
particularidade de Rio branco é que o negro poderia entrar no baile do branco,
inclusive sem pagar, apenas não poderia dançar, como atesta a fala de “seu
Aquilino” num baile narrado nas memórias de Silveira Jr: “Vossemecê pode apreciar
o nosso balho, mas dançar vossemecê não dança, porque vossemecê, me
adescurpe, não é branco”125. Essa fala de seu Aquilino, além de ilustrar a questão
racial nos bailes, mostra a presença de características dos romances regionalistas
na obra de Silveira Jr, a questão da utilização do linguajar local, também presente no
romance de 30 e nos romances telúricos.
Os bailes no Rio Branco eram geralmente ao som da gaita do seu Generoso e
as pessoas dançavam descalços. Mas seu Aquilino “fixou uma época” quando
resolveu fazer “a maior inovação social que houve em Rio Branco”, ele estava
preparando um baile onde só poderia dançar quem estivesse calçado. Esse se
tornou o assunto de todos e também o fato de que o seu Generoso não era quem
iria animar o baile, “seu Aquilino foi lá na Lagoa da Campinha e contratou a
Orquestra do Mochi”. Segundo Silveira Jr, quase ninguém sabia o que seria essa tal
de orquestra, só os que já haviam ido a bailes em Joinville, mas com certeza a maior
polêmica ficou por conta da exigência dos sapatos que, até então, não era de uso
obrigatório, “quem podia ia calçado; quem não podia, dançava descalço”126.
O baile foi realizado no rancho das forragens dos animais, com pequenos
ajustes para dar uma cara melhor ao lugar. Quando do início da festa seu Aquilino
ditou algumas regras: “ninguém não pode dançar duas vezes seguidas com o
mesmo par”, “moça que negasse para um, não podia mais dançar a noite inteira”,

124
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.133
125
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.121
126
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.111
46

entre outras regras, e também que todos se desarmassem. “Terminadas as palavras


do dono do baile[...] uns entregavam revólver, outros canivetes, facas, navalhas,
punhais”127.
Prática comum nos bailes em Rio Branco era a chamada “Roda do Lenço”
que consistia no momento em que o dono do baile coloca um lenço vermelho sobre
a gaita que está animando o baile e nas músicas em que o lenço fica sobre a gaita
são as moças que tem que tirar os rapazes para dançar, para Silveira Jr, isso servia
bem aos mais tímidos, pois “a moça que o convidar para dançar na primeira música
de lenço está dando uma clara indicação da sua preferência”128. Esta situação nos
bailes de Rio Branco, segundo Silveira Jr, nos de classe média, porque nos das
classes mais baixas era muito difícil, era motivo para constantes desentendimentos
devido a decepção de não ser escolhido pela moça que se esperava. “Essa era a
hora das frustrações, da dor-de-cotovelo, que, não raro, acabava em pancadaria
entre o preferido e o preterido”. Era apenas a primeira dança que valia para este
propósito, pois as seguintes “eram pra pagar convites” não tendo assim nenhuma
intenção de relacionamento.129
A explicação para a constante presença dos bailes nas narrativas de Silveira
Jr aparece nas palavras do próprio autor, quando afirma que “não havia em Rio
Branco quase nenhuma outra forma de convívio social”130. Ao que percebe-se, a
jornada de trabalho era praticamente integral para a maioria das famílias de Rio
Branco, logo, esse convívio voltado ao lazer dificilmente acontecia.
Mas existiam, por exemplo, as festas de igreja, na verdade nas memórias de
Silveira Jr aparece somente festa religiosa da igreja católica, talvez porque ele fosse
católico, apesar de ele não ser de todo crente, como ele mesmo diz, ou por ser o
tipo de festa com maior popularidade e também de maior porte, sendo assim, mais
lembrada por todos, pois a memória coletiva só é possível no momento em que a
memória dos outros se relaciona, concorda com a memória individual131. Do que
Silveira Jr lembra bem e fala de sua grande admiração, são os foguetes destas
festas religiosas, o que pode mostrar o porte de tal evento, sendo que foguetes não
eram tão comuns em Rio Branco.

127
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.116 e p.117
128
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.112
129
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.134
130
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.132
131
POLLAK, Michael. op. cit., p. 3
47

Outra forma de convívio que Silveira Jr deixa aparecer em suas memórias são
as “rodas de pinga” que aconteciam na venda da sinhá Madalena, era a venda o
local onde ocorria este tipo de encontro devido a importância que os armazéns
possuíam para com a população, o armazém mantinha relação com todos do lugar.
Nas rodas é que os contadores de casos faziam a sua fama. Muitas das histórias
que Silveira Jr descreve nas suas narrativas como histórias que ele ouvira de
alguém, provavelmente provém destes contadores de casos das rodas de pinga.
Estas rodas, pelo que dá a entender nas narrativas, são compostas por homens e
pela dona do lugar, que trazia notícias de fora quando ia buscar os produtos para
sua venda, única mulher envolvida em tal coletivo. Nessas rodas “duas conversas
principais ocupavam os homens de Rio Branco: revoluções e aparições
fantasmagóricas”132.
Silveira Jr “sempre ouvira dizer que na volta do Zé Jacinto aparecia a mula-
sem-cabeça. O seu Tôta Silveira já a havia visto, seu Dodô também; seu Marcelino
chegou a ver até a cor da mula”133. Esta personagem que aparece em Rio Branco,
faz parte do folclore açoriano, o que mostra uma presença grande de colonos vindos
de regiões litorâneas. Outra atividade também atesta esta afirmação.
Esta manifestação folclórica realmente marcou a vida de Silveira Jr e pelo que
ele apresenta, marcou também o povo de Rio Branco:

Das festa sazonais da minha terra, nenhuma superava em brilho e


popularidade as do boi-de-mamão, que começavam nos sábados de
véspera de Natal e se prolongavam até o Dia de Reis, no início de janeiro.
[...] Era uma festança bárbara, que misturava a coreografia dos cavalos
marinhos à percussão dos tambores e ao conto monocórdio dos
anunciadores do Natal ou da visita dos Reis Magos. O boi-de-mamão era
sobretudo uma cerimônia, que começava sempre em segredo, só conhecida
pelos seus promotores. [...] E, quando nas noites silentes da minha infância
se ouviam os batuques dos tambores e a voz esganiçada dos cantores, era
certo que, dentro em pouco, sinhá Eva apareceria na nossa casa,
perguntando se queríamos que o boi dançasse no nosso terreiro. [...]
passavam as noites, de casa em casa, recebendo recusas e convites de
outros, sempre esfogueados por repetidas ofertas de aguardente que, diga-
se de passagem, era o dínamo que fornecia energia para a extraordinária
atividade noturna de pessoas que passavam o dia inteiro no trabalho duro
134
da lavoura.

Percebe-se nesta descrição a ênfase que Silveira Jr dá para esta festa que
tanto marcou a sua infância, provavelmente, pelo mesmo caráter de espetáculo que

132
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.150
133
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p 148
134
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p170-172
48

os foguetes. E também a questão de apontar tamanha popularidade a mais uma


manifestação folclórica açoriana.

4.3 ESCOLA MISTA DO NÚCLEO RIO BRANCO

Silveira Jr diz ter encanto pelo valor que sua mãe, analfabeta, dava à
instrução. Não menciona se seus irmãos tiveram o mesmo caminho que o dele no
ensino, mas ele, perto de seus oito anos, que seria aproximadamente no ano de
1925, foi matriculado pela mãe na Escola Mista do Núcleo Rio Branco. Situada na
sede do núcleo, próximo da igreja e da casa da agência postal, “era uma
modestíssima escola que ministrava apenas três anos de aula”135.
A Escola Mista do Núcleo Rio Branco é uma típica escola rural, também
conhecida como escola isolada. A denominação “mista” no nome da escola sugere,
ao mesmo tempo, duas possibilidades: a de que a escola era freqüentada por
meninos e meninas e outra que está ligada a questão da escola ser multisseriada,
ou seja, todos os alunos ficavam na mesma sala com o mesmo professor, que, por
sua vez, era o responsável por todos os encargos da pequena escola, ministrando
aula para os três níveis de aprendizagem e conhecimento que a escola fornecia. E
como podemos perceber nas falas de Silveira Jr, a Escola Mista do Núcleo Rio
Branco se encaixa nas duas situações.
Ao falar do seu primeiro dia de aula na Escola Mista, Silveira Jr diz lembrar-se
de quando “o professor chamou todos os meninos e meninas que haviam começado
o primeiro ano naquele dia” para que escrevesse o alfabeto em suas lousas136. A
análise de um relatório administrativo do núcleo Rio Branco, possibilita constatar,
através da lista de freqüência e do resultado dos exames finais, que em 1918 a
escola já possuía esse caráter misto em relação ao gênero dos alunos. Mas tanto a
primeira quanto a segunda situação foram alvos de amplas discussões quando das
reformas no sistema de educação brasileiro.
O que pode ser considerado o marco ou, talvez, um impulso inicial dessa
reforma do ensino no Brasil, é a reforma educacional do Estado de São Paulo
guiada por Caetano de Campos a partir do ano de 1893, que serve de modelo para

135
SILVEIRA JR, Norberto Candido. Memórias de um menino pobre. Blumenau: Hemisfério Sul,
2009. p.122
136
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit.,p.122
49

outros Estados brasileiros, inclusive Santa Catarina 137 . Esta independência dos
Estados em relação ao ensino público, que pode ser um dos motivos para a
precariedade do ensino primário devido ao investimento que determinadas regiões
não poderiam fazer138, é herança do período imperial que, através do Ato Adicional
de 1834, atribui às Províncias as responsabilidades para com o ensino primário e
secundário, ficando à cargo da Província a legislação, organização e a fiscalização
da educação.
Depois, com a República e a constituição de 1891 praticamente nada interfere
nas competências no que tange a educação, ficando fundamentado pelo princípio
federativo a descentralização do ensino e determinada a responsabilidade dos
Estados e dos municípios para com o desenvolvimento do ensino primário e
secundário, ficando à cargo da União apenas o ensino superior139. A influência do
Estado de São Paulo chega em Santa Catarina no governo Vidal Ramos, com a Lei
nº 846 de 11 de outubro de 1910, coordenada por Orestes Guimarães, trazido de
São Paulo pelo governador catarinense. E como principal obra dessa reforma está o
novo tipo de escola, já existente no Estado de São Paulo, criado em Santa Catarina,
o chamado Grupo Escolar140.
Esse tipo de escola também aparece nas memórias de Silveira Jr, apesar de
apenas uma nota, ela informa o acompanhamento da cidade de Joinville na cena
nacional da educação. O autor fala que quando sai de Rio Branco, com 15 anos, em
1932, vai para Joinville e é matriculado no Grupo Escolar Conselheiro Mafra141. Este
tipo de escola é criticado pelo jornal Gazeta do Commercio, como sendo o tipo de
escola que não serve para se estabelecer em colônias: “Deixemo-nos de grupos ou
escolas modelos em colônias; criemos escolas, mas escolas de verdade, com
professores de verdade, e não academias com professores de cacaraçás”142. Os
grupos escolares tem como características o ensino graduado, a divisão de
atividades entre diferentes professores para diferentes séries, e todas as atividades
sobre a supervisão de um diretor, se tornando a escola modelo criticada pelo jornal

137
SCHUELER, Alessandra F. M. de; MAGALDI, Ana M. B. de M. Educação escolar na primeira
república: memória, história e perspectivas de pesquisa. p. 42
138
LOPES, Silvana Fernandes. A educação escolar na primeira república: a perspectiva de Lima
Barreto. p.2
139
SCHUELER, Alessandra F. M. de; MAGALDI, Ana M. B. de M. op. cit., p. 39 e 40
140
FAGUNDES, José; MARTINI, Adair Cesar. Políticas educacionais: da escola multisseriada à
escola nucleada. Olhar de professor. Vol 6. No 1. Ponta Grossa, 2003.p. 102
141
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p123
142
Gazeta do Commercio. Ano 2. n 78. Joinville 6 de Outubro de 1915. Arquivo Histórico de Joinville.
50

joinvillense. Esta crítica tem a ver com a ampla discussão sobre o ensino que
decorre no período de tal publicação. Com o surgimento de uma nova burguesia
após a Primeira Guerra Mundial, devido a industrialização e a urbanização do Brasil,
surge a necessidade, por parte desta nova burguersia, de um maior acesso à
educação. Este fato traz maiores discussões nesse campo143.
O escolanovismo surge, então, como uma das principais vertentes da reforma
educacional brasileira. Baseado em um conjunto de preocupações os escolanovistas
apresentam diretrizes para mudanças das práticas e dos saberes escolares. Com
maior ênfase na década de 20, a escola nova incita mudanças como a introdução
das ciências naturais no ensino primário, principal exemplo das apropriações dos
saberes e práticas sociais para o ambiente escolar, juntamente com o método
intuitivo, que trariam ao estudo da natureza como uma concepção evolucionista da
ciência e do homem. E como principal meta da escola nova, se tem a incorporação
de toda a população infantil ao ensino144, o que tem ligação com o “entusiasmo pela
educação”, e um “otimismo pedagógico”, que, por sua vez, estão relacionados a
idéia de que a educação é a solução para o Brasil republicano.
Outra mudança pautada pela escola nova e também devido as características
da nova situação política do Brasil, a república, ou seja, Estado e Igreja separados, é
a laicização do ensino e a co-educação de meninos e meninas. Neste âmbito
travam-se lutas entre escolanovistas, que defendiam também uma escola pública
igualitária, sem privilégios para determinados grupos e a Igreja Católica, que detinha
o comando das instituições de ensino elitstas, logo, ia contra a ideia do
escolanovismo, inclusive pela já citada questão da laicização do ensino e a co-
educação145.
Mas o alcance de todas essas mudanças não chegou a todo o território
brasileiro. Na Primeira República, a presença de escolas nos moldes do século XIX,
como as escolas isoladas e multisseriadas, é constante principalmente nas regiões
mais afastadas, principalmente no meio rural146. Exemplo dessa permanência é a
própria escola em que Silveira Jr teve sua primeira formação. Mas algumas
mudanças, principalmente na questão de método de ensino aparecem também na
143
ARANHA, Maria L. História da educação. São Paulo: Moderna, 1996. p. 198
144
VIDAL, Diana Gonçalves. Escola nova e processo educativo. In: LOPES, Eliane Marta Santos
Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive. 500 anos de educação no
Brasil.3. ed. Belo Horizonte : Autêntica, 2003.p. 509 e 512
145
ARANHA, Maria L. História da educação. São Paulo: Moderna, 1996. p. 198
146
FAGUNDES, José; MARTINI, Adair Cesar.op.cit., p100
51

escola do Núcleo Rio Branco: “O método adotado tem sido o Socrático ao serviço do
ensino intuitivo, simultâneo e coletivo, baseado na observação e experiência,
quando não na exposição” 147 , este método consiste de duas partes: a ironia,
“processo negativo e destrutivo de descoberta da própria ignorância” e a maiêutica
(relativo ao parto), “é construtiva e consiste em dar à luz novas idéias”148. Assim
como Silveira Jr, o jornal Gazeta do Commercio, periódico da cidade de Joinville,
fala da estrutura da casa como sendo de pouco espaço já em 1915, além de relatar
outros problemas que a escola possuía como a questão das diferentes
nacionalidades e a precariedade, quando não a ausência, de material didático149.
O professor, seu Cantalício Érico Flores, “era um homem de conhecimentos
gerais muito acima de um professor de primeiras letras [...] homem patriota, que não
deixava uma data cívica sem uma festa e dúzias de recitativos”150. Quando Silveira
Jr havia entrado para a escola, como já dito, aproximadamente em 1925, Cantalício
já havia ocupado o cargo de farmacêutico e zelador do antigo núcleo colonial, além
de exercer a função de subdelegado do distrito policial do núcleo Rio Branco desde
1920 e também havia sido designado professor da Escola Mista do Núcleo Rio
Branco neste ano em que Silveira Jr entrava para a escola, como mostra a carta
enviada pela Secretaria do Interior e Justiça do Estado de Santa Catarina ao
professor151.
Isto pode justificar a característica de grandes conhecimentos gerais que
Silveira Jr recorda dele que, inclusive, era característica normal de professores deste
tipo de escolas, por geralmente serem escolhidas pessoas que tinham amplos
conhecimentos gerais e não profissionais da educação, devido ao fato de que a
formação de professores para o ensino primário no Brasil neste período era ainda
muito precária. Esta precariedade na formação do professor primário é uma situação
que se arrasta do império que não tinha a preocupação da educação da massa
popular. O que leva o Estado a “improvisar” professores de diversas áreas

147
Relatório administrativo do Núcleo Colonial Barão do Rio Branco. 1918. Arquivo Histórico de
Guaramirim.
148
ARANHA, Maria L. op. cit., p. 44
149
GAZETA DO COMMERCIO. Ano 2. N 92. Joinville, 24 de Novembro de 1915. Arquivo Histórico de
Joinville.
150
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 123
151
Carta da Secretaria do Interior e Justiça do Estado de Santa Catarina designando o professor
Cantalício Érico Flores ao cargo de professor da Escola Mista do Núcleo Rio Branco. Arquivo
Histórico de Guaramirim.
52

profissionais para suprir a escassez existente 152 . Não seria diferente em Santa
Catarina, que tem como um dos seus “grandes problemas [...]a formação da grande
maioria dos docentes, os quais, além de serem mal qualificados, não tinham um
comprometimento com um ensino de qualidade” 153 . A formação de professores
também está em pauta na discussão das reformas do ensino brasileiro, com a
reformulação das disciplinas nas Escolas Normais, também com influência da escola
nova principalmente na década de 20, mas mudança considerável só aparecerá
realmente a partir de 1930 com o governo Vargas.
“Eu me lembro como se fosse hoje do meu primeiro dia de aula. Levei uma
lousa(First Quality, Morton London, Made in England) e um lápis também de pedra,
da mesma aristocrática origem inglesa”. Este era o principal material utilizado na
Escola Mista do Núcleo Rio Branco, segundo Silveira Jr, a lousa e o lápis de pedra,
era ali que aprendiam o alfabeto e faziam suas lições. Outro material citado pelo
autor é a famosa Cartilha, da Série Fontes, impressa em Florianópolis, na livraria
Entres, mas esta cartilha era apenas para alfabetização dos alunos, e pelo menos
em Rio Branco, como mostra um artigo sobre ensino no núcleo no jornal Gazeta do
Commercio, ano de 1915, o professor criava, à mão, o chamado caderno ponto,
principalmente para o estudo de história do Brasil e geografia e também mapas154.
Estes cadernos são constituídos de pontos sobre o tema proposto, toma-se como
exemplo um caderno ponto de geografia155 encontrado no Arquivo de Guaramirim:
apresenta informações “principais” geográficas. Começa com o continente
Americano, apresentando os países e suas capitais (divisão política), especificando
a Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, EUA, México. Divisão política da Europa.
Apresenta as características geográficas do Brasil como: divisão política, geografia
do solo, bacias fluviais, clima, flora e fauna, rios, agricultura, mineral, indústria
extrativa, pecuária, comercio interno, pesca. Então foca-se no estado de Santa
Catarina com informações como: divisão política, lista de municípios e vilas, portos,
produção.
O papel e a caneta vão aparecer apenas nos últimos anos em que Silveira Jr
freqüentou a escola, e somente para fazer o exame final que, era realizado ao final
152
ACCÁCIO, Liéte Oliveira. Formando o professor primário: a escola normal e o instituto de
educação do Rio de Janeiro. p. 2
153
FAGUNDES, José; MARTINI, Adair Cesar.op.cit., p101
154
Jornal Gazeta do Commercio. Ano 2. N 92. Joinville, 24 de Novembro de 1915. Arquivo Histórico
de Joinville.
155
Caderno ponto de geografia. Arquivo Histórico de Guaramirim
53

de cada ano para avaliar os alunos, “seu Cantalício convidava as pessoas mais
importantes de Bananal para delas participarem.”156 Estes exames finais possuem
caráter festivo na localidade e estará ligado à atividades cívicas. Estas atividades
cívicas são comuns nas escolas republicanas, além da disciplina de instrução moral
e cívica, são muito constantes os festejos de datas cívicas nas escolas. Esta ênfase
às questões cívicas faz parte do projeto da escola primária republicana, fazendo
parte da construção da nação. Através de formas diversas como, a presença de
símbolos patrióticos no cotidiano da escola, as datas festivas, o calendário escolar
com base no calendário cívico e também as leituras apresentadas aos alunos, se
consegue levar para toda a comunidade em torno da escola a mensagem patriota157.
O jornal Gazeta do Commercio, no mesmo artigo em que critica as escolas modelos
em colônias, apresenta o patriotismo da escola do núcleo Rio Branco:
A 3 de Maio fez-se a festa da Bandeira... Com que entusiasmo, com que
gosto aprenderam o hino! E no dia da festa foi preciso fazer sorte para
saber-se qual a menina que deveria içar a bandeira... Choviam empenhos
de famílias alemãs para que fosse uma menina alemã a que tivesse a dita;
o mesmo com as famílias letãs. Afinal, a sorte decidiu que fosse uma
brasileira, mas quando essa içava a bandeira vagarosamente,
acompanhando a musica do hino, duas meninas alemãs, colocadas ao lado
do mastro cobriam a nossa bandeira de flores, com os olhos umedecidos
158
pelas lágrimas da emoção .

Este trecho do artigo do jornal joinvillense mostra, além do patriotismo


exercido na Escola Mista do Núcleo Rio Branco, a importância de tal caráter cívico
da instituição escolar para se conseguir a “nacionalização do estrangeiro”, tão
necessária ao estabelecimento do sentimento de nação na república. Ainda sobre a
“nacionalização do estrangeiro” o jornal apresenta a importante atitude do professor
que fez com que este fato tivesse se realizado, que foi “proibir o uso das línguas
alemã ou leta nas horas de aula, forçando a aprendizagem do português” 159.
Nos exames finais o civismo era muito bem afirmado, em um dia inteiro de
exames a atividade dos alunos era sempre precedida por alguma atividade de
caráter cívico. Ao chegarem e serem apresentados aos auxiliares do exame os
alunos, nesse caso, no ano de 1918, cantaram o “hino à bandeira”, depois da
chamada, o “hino ao trabalho” e então encaminham-se para os testes de “caligrafia,
156
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.122 e p.126
157
SCHUELER, Alessandra F. M. de; MAGALDI, Ana M. B. de M. op. cit., p. 45
158
GAZETA DO COMMERCIO. Ano 2. n 78. Joinville 6 de Outubro de 1915. Arquivo Histórico de
Joinville.
159
GAZETA DO COMMERCIO. Ano 2. n 78. Joinville 6 de Outubro de 1915. Arquivo Histórico de
Joinville.
54

linguagem e aritmética”. Após este primeiro exame os alunos se dirigiram “em


marcha”, entoando a “canção ao soldado”, ao salão para o recreio, terminado o
recreio se dirigiram, “em forma” e cantando o “hino da independência”, à sala para o
exame de “História do Brasil, Geometria, Geografia, Instrução Moral e Cívica,
Ciências Físicas e Naturais e Higiene”. Terminado este exame se encaminharam
para o pátio para o exame de “ginástica”. Ao termino dos exames e o
pronunciamento dos resultados, os alunos fecham o dia com o “hino nacional”160.

160
Relatório administrativo do Núcleo Colonial Barão do Rio Branco. 1918. Arquivo Histórico de
Guaramirim.
55

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Núcleo Colonial Barão do Rio Branco foi uma colônia como tantas outras no
Brasil, apesar de sua existência ter sido curta. Mas possuía suas particularidades,
como a forma de distinção social, as características dos colonos.
A biografia se torna uma ferramenta para o historiador a partir do momento
em que ela permite buscar aspectos de uma época e de um lugar quase
imperceptíveis, específicos da sua abordagem. E é a partir da biografia que esta
pesquisa consegue encontrar, na análise de uma autobiografia, uma caracterização
do contexto de Rio Branco inserido nas memórias de Silveira Jr.
A memória cria pontos de referência ao lembrar de acontecimentos passados,
pontos que servem para que o indivíduo delimite as suas lembranças e as
desenvolva. Na obra de Silveira Jr, Memórias de um menino pobre, estes pontos
também estão presentes e é através deles que buscou-se as características do
contexto em que o autor está inserido.
O principal objetivo de Silveira Jr é, através da sua obra, mostrar a vida das
famílias pobres de Rio Branco. Essa discussão sobre a pobreza toma uma grande
dimensão, que mostra a marca que esta trajetória de pobreza deixou nas memórias
do autor. Em boa parte da obra ele procura falar sobre o que pensa serem os
motivos dessa condição da sua família e tantas outras em Rio Branco. Como uma
forma da memória através do ressentimento, que busca elementos de culpa para
determinada situação. Entre estes motivos estão: a geografia do lugar, o abandono
do governo e a desinformação dos colonos.
A geografia que Silveira Jr descreve da região do núcleo pode ser válida, mas
não significa que é ela realmente a culpada do empobrecimento do colono. Nem
esse abandono, que o autor tanto critica, exageradamente, do governo marca
praticamente toda a existência do núcleo, mas que é um problema comum em
colônias. Pelo fato de que os jornais apresentam o núcleo como próspero, é que se
contrapõe a idéia de Silveira Jr, mas a falta de mais documentação sobre o tema
acaba limitando a pesquisa a certas considerações.
Através de características que Silveira Jr apresenta no decorrer da obra
identifica-se esse colono como de origem litorânea. Além do desconhecimento de
técnicas relacionadas à agricultura, tem a popularidade de manifestações folclóricas
56

de origem açorianas como a mula-sem-cabeça e o boi-de-mamão e a necessidade


de Silveira Jr mostrar a dificuldade de acesso aos peixes do mar em Rio Branco.
A alimentação está intimamente ligada com as necessidades do trabalho no
campo e com a produção das próprias famílias. Vê-se como alimento mais
importante a farinha, em forma de pirão, muito presente devido a popular mandioca
e a carne seca, vinda do planalto de Santa Catarina ou do Rio Grande do Sul pela
estrada de ferro, praticamente única possibilidade de carne devido a necessidade de
conservação. Essa relação com a alimentação salgada é devido a necessidade de
força para o trabalho e evitar as doenças.
Em Rio Branco a questão das doenças e remédios para cura, estavam muito
relacionados aos conhecimentos populares, devido a falta de acesso a médicos. Os
remédios eram de base naturais e as doenças explicadas através de “misticismo”,
do “sobrenatural”.
A distinção social estava relacionada, em Rio Branco, principalmente à origem
do indivíduo dentro do próprio núcleo e era atestada e sentida principalmente nos
bailes que eram feitos por diferentes pessoas cada qual com sua importância,
dividindo assim inclusive os bailes, havia o baile dos mais pobres, dos mais
afortunados, dos mais importantes e dos putangueiros, gentílico dos que provinham
da região do rio Putanga, denominados por Silveira Jr como “párias” da sociedade
de Rio branco.
Os bailes eram a principal forma de interação social que existia em Rio
Branco, outras formas ficavam por conta das festas de igreja e as “rodas de pinga”
no armazém do lugar. Nestas rodas de pinga que muitas das histórias que Silveira Jr
apresenta tem origem, dos famosos contadores de casos.
O ensino no núcleo, de certo modo precário, reflete muito do que acontece no
Estado e no país em relação a educação, apesar de suas particularidades. Possui
uma escola multisseriada e mista, ou seja, todas as séries juntas e também a
presença de meninos e meninas na mesma sala, comum nas regiões rurais do
Brasil. A alfabetização é feita através da cartilha Entres, e as informações sobre
história e geografia do Brasil são passadas através dos cadernos pontos que o
professor, que era o responsável por toda a escola, fazia à própria mão.
Como já dito, a falta de documentação gera uma limitação quanto as
considerações, pelo fato de que as lacunas documentais de uma vida estão
presentes em toda essa trajetória, geradas pelas incertezas e descontinuidade da
57

vida, essas lacunas se tornam mais difíceis de se resolver. Mas com futuros avanços
do Arquivo Histórico de Guaramirim com essa documentação pensa-se em tentar
preencher estas lacunas que ficaram abertas devido a essa falta.
58

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