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ANTÔNIO SOUTO FILHO

A essência do político no frasquinho de veneno


Copyright © Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco
www.alepe.pe.gov.br

Diretor Geral
Luiz Carlos Mattos

Diretor de Comunicação Social


José Tomaz Filho

Coordenação do Projeto Perfil Parlamentar Século XX


Angela Nascimento

Comissão Especial
Antonio Corrêa (Consultor)
Carlos Bezerra Cavalcanti
Manuel Correia de Andrade
Marc Jay Hoffnagel
Marcus Accioly
Mário Márcio de Almeida Santos

Divisão de Arquivo e de Preservação do Patrimônio Histórico do Legislativo


Cynthia Maria Freitas Barreto

Pesquisadora
Sônia Carvalho

Foto da Capa
Acervo da Fundação Joaquim Nabuco

Revisão
Thema Comunicação

Capa
Manuel Pontual de Arruda Falcão
Rafael de Paula Rodrigues

Editoração Eletrônica
Mauro Lopes

Impressão
Comunigraf Editora
PERFIL PARLAMENTAR
SÉCULO XX

ANTÔNIO SOUTO FILHO


A essência do político no frasquinho de veneno

Texto: Ildefonso Fonseca

Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco


Recife, 2001
MESA DIRETORA Eudo Magalhães
Fernando Lupa
Garibaldi Gurgel
Romário Dias Geraldo Barbosa
Presidente Geraldo Coelho
Geraldo Melo
Afonso Ferraz Gilberto Marques Paulo
1º Vice-Presidente Gilvan Costa
André Campos Guilherme Uchôa
2º Vice Presidente Helio Urquisa
Henrique Queiroz
João Negromonte
Israel Guerra
1° Secretário
João Braga
Antonio Mariano
João de Deus
2º Secretário
João Negromonte
Manoel Ferreira
Jorge Gomes
3° Secretário
José Augusto Farias
Jorge Gomes
José Marcos
4º Secretário
José Queiroz
Lula Cabral
14ª LEGISLATURA 1999-2002
Malba Lucena

Afonso Ferraz Manoel Ferreira


André Campos Marcantônio Dourado
Antônio de Pádua Nelson Pereira
Antônio Mariano Orisvaldo Inácio
Antônio Moraes Paulo Rubem
Augustinho Rufino Pedro Eurico
Augusto César Ranilson Ramos
Augusto Coutinho Roberto Liberato
Beto Gadelha Romário Dias
Bruno Araújo Sebastião Rufino
Bruno Rodrigues Sérgio Leite
Carlos Lapa Sérgio Pinho Alves
Diniz Cavalcanti Teresa Duere
Elias Lira Ulisses Tenório
SUMÁRIO

Perfil Parlamentar Século XX ....................................................................................... 6


Prefácio ................................................................................................................. 7
Garanhuns, Rua das Cruzes, Rosa e Silva, Dantas Barreto .................................. 8
Conquistando amizades, prestígio, votos e a vitória nas urnas ............................ 10
O casamento, o presente do general e as tempestades no Interior ....................... 13
O golpe de mestre dos borbistas, a volta ao poder, um tiro no comício .............. 17
Revolução de 30, a casa destruída. Perseguição, prisão em 31 ........................... 21
Volta por cima e a Constituinte ........................................................................... 24
De volta à Assembléia, contra os príncipes. Traído pelo coração ....................... 27
Bibliografia e fontes ............................................................................................ 34
Dados biográficos do autor ................................................................................. 35
A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX

A edição Perfil Parlamentar Século XX, pela Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, com
apoio dos Diários Associados, é significativa, sobretudo, porque representa o destaque de nomes, da obra e da vida
daqueles que, por sua atuação política nesta Casa e fora dela, se sobressaíram no Estado e no País.
A Assembléia Legislativa mostra às novas gerações, com esta publicação, a ação parlamentar de alguns de
seus mais ilustres deputados ao longo de seus 166 anos.
A seleção dos parlamentares representativos do século XX foi realizada pela Academia Pernambucana de
Letras, que indicou o acadêmico Mário Márcio de Almeida Santos, o Conselho Estadual de Cultura, representado
pelo conselheiro Marcus Accioly, a Fundação Joaquim Nabuco, que indicou o professor Manuel Correia de
Andrade, a Universidade Federal de Pernambuco, representada pelo professor Marc Jay Hoffnagel, e o Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, que se fez presente pelo pesquisador Carlos Bezerra
Cavalcanti. Este grupo de notáveis constituiu a Comissão Especial, a qual teve a consultoria do ex-deputado e
presidente em exercício da Academia Pernambucana de Letras, Antônio Corrêa de Oliveira.
As reuniões que antecederam a divulgação do resultado final definiram os critérios para a seleção: que o
parlamentar já tivesse falecido; atuação na Assembléia Legislativa; atuação política e profissional.
Os nomes escolhidos foram Agamenon Sérgio de Godoy Magalhães, Antônio Andrade Lima Filho,
Antônio Souto Filho, Carlos de Lima Cavalcanti, Davi Capistrano da Costa, Estácio de Albuquerque Coimbra,
Francisco Augusto Pereira da Costa, Francisco Julião Arruda de Paula, Gilberto Osório de Oliveira Andrade, João
Cleofas de Oliveira, Joaquim de Arruda Falcão, José Antônio Barreto Guimarães, José Francisco de Melo
Cavalcanti, Mário Carneiro do Rego Melo, Nilo Pereira, Nilo de Souza Coelho, Orlando da Cunha Parahym,
Oswaldo da Costa Cavalcanti Lima Filho, Paulo de Figueiredo Cavalcanti, Paulo Pessoa Guerra, Ruy de Ayres
Bello, Walfredo Paulino de Siqueira.
O Parlamento é o espaço democrático onde os cidadãos são representados pelos deputados. Esta
publicação é uma homenagem àqueles que tornaram ainda mais importante o Poder Legislativo.
Serão publicados três mil exemplares de cada um dos 22 volumes, os quais serão distribuídos,
majoritariamente, nas escolas e bibliotecas. A redação destes Perfis está a cargo de jornalistas profissionais, aos
quais esta Casa não impôs restrições, confiando-lhes o livre exercício dos seus estilos e características pessoais.
Esta coleção interessa a estudantes, a políticos, a pesquisadores e à sociedade de um modo geral, pois nela
estão contidas novas informações sobre a História de Pernambuco e do Brasil.
A iniciativa da atual Mesa Diretora da Casa de Joaquim Nabuco concretiza a determinação de que vamos
deixar uma Assembléia Legislativa que seja motivo de orgulho para a sociedade que nela se vê representada.

Deputado Romário Dias,


Presidente da Assembléia Legislativa
do Estado de Pernambuco

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 6


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

PREFÁCIO

A Essência do Político no Frasquinho de Veneno, livro do jornalista Ildefonso Fonseca, preenche uma
lacuna ao enfocar o perfil psicológico de Souto Filho, um dos políticos mais importantes da chamada República
Velha.
Certa vez, escrevi sobre ele: “Antônio da Silva Souto Filho, homem de personalidade forte e marcante,
uma das mais altas expressões de pernambucanidade da época, temperamento recatado, sóbrio, de vida limpa,
temido e respeitado, era, também, um político astuto, sutil, de mente clara e perspicaz. Sabia equilibrar tais
qualidades com uma grande correção, tanto na vida política quanto privada”. (...) “Inteligente, de grande
sensibilidade no que dizia respeito ao conhecimento prático dos homens e dos seus interesses, soube levar a efeito
um Governo, ao mesmo tempo plausível e ardiloso, contemporizador e resoluto, com um programa inflexível, mas
cauto e absorvente, que tentava conciliar os interesses quase sempre conflitantes dos grandes plantadores de café
com os anseios liberais da burguesia urbana, que ia, pouco a pouco, crescendo e fortificando-se”. (in Anatomia de
uma Tragédia – A Hecatombe de Garanhuns, p.p. 292 – 293).
Com efeito, grandes políticos e grandes estadistas são os que sabem unir idéias e realidades, são capazes
de avançar, firmemente, para os seus objetivos, ao mesmo tempo que se mantêm fiéis aos valores básicos.
Desde jovem, Souto Filho aprendeu a superar as adversidades. Nos anos 20 do século que passou, leal a
um dantismo irremediavelmente vencido, manobrou com extrema habilidade contra o poderoso Manoel Borba. Fez
o mesmo em relação a Carlos de Lima Cavalcanti, chefe de uma revolução vitoriosa, seu inimigo político,
elegendo-se como o mais votado representante da Oposição.
Sabia que se domina melhor a quem se dá confiança, e a experiência o ensinara que, admitir os outros,
deixá-los falar, render-lhes justiça, dar-lhes razão contra si, é fácil em teoria e é uma felicidade. Na vida é menos
fácil, porque os outros acreditam em seus líderes e pedem-lhes tudo.
Deve-se preservar o político do puro julgamento moral. Homens como Souto Filho, Petrônio Portela e
Tancredo Neves sabiam que o acaso não se mostra se não quando renunciamos a compreender e a querer. A fortuna
“exerce o seu poder quando não se lhe opõe nenhuma barreira; ela faz incidir o seu esforço sobre os pontos mal
defendidos”. (O Príncipe, cap. XXV). Os três foram homens que cresceram com as derrotas, transformando-as em
vitórias, pois se parece haver um curso inflexível das coisas, é somente no passado; se a fortuna parece umas vezes
favorável e outras desfavorável, é porque o homem ora compreende ora não compreende o seu tempo, e as mesmas
qualidades fazem, segundo os casos, o seu sucesso ou a sua perda, mas não por acaso. Tal como as ligações com os
outros, Maquiavel define nossas relações com a fortuna uma virtude tão afastada da solidão como da docilidade.
Segundo ele, o único recurso é estar presente aos outros e ao nosso tempo. Isto é que nos faz encontrar o caminho
no qual as derrotas são transformadas em vitórias. Curiosamente, Petrônio Portela, Tancredo Neves e Souto Filho
foram vencidos, todos eles, pela “indesejada das gentes”, a morte, às vésperas de grandes vitórias políticas.
Os três, Portela, Tancredo e Souto Filho tinham uma rigorosa compreensão analítica e crítica do que era a
sociedade brasileira.
Grandes políticos, verdadeiros estadistas, são raros. Só uns poucos conseguem unir em si caracteres tão
raros como força vital, coragem, impetuosidade e um misto de prudência e audácia. Há neles um traço psicológico
comum: senso de humor. Senso de humor que tinham Lincoln, Roosevelt, Churchill e até o sombrio Stalin. Senso
de humor que faltou aos líderes nazi-facistas Hitler e Mussolini.
Souto Filho era dotado de grande capacidade de trabalho. Organizador nato, onde chegava punha ordem.
Ordem, lembra Ortega y Gasset, “no es uma posición que desde fuera se ejerce sobre la sociedad, sino um
equilibrio que se sucita em su interior”.
O livro de Ildefonso Fonseca A Essência do Político no Frasquinho de Veneno é bem estruturado e tem o
dom raro de prender, desde o início, a atenção do leitor.

Mário Márcio de Almeida Santos - da Academia Pernambucana de Letras

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 7


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

GARANHUNS, RUA DAS CRUZES,


ROSA E SILVA, DANTAS BARRETO...

A chegada do general Dantas Barreto ao comando do Governo de Pernambuco, em 19 de dezembro de


1911, trouxe à vida pública um jovem advogado, nascido no dia 29 de agosto de 1886, no distrito de Brejão,
Garanhuns1, que teve uma trajetória vitoriosa no cenário político do Estado. Aos 25 anos, Antonio da Silva Souto
Filho foi convocado pelo governador para assumir a Chefia do seu Gabinete. A conquista é o objetivo do jogo
político. Souto Filho soube, como ninguém, se manter no cargo com desenvoltura, conquistando amizades que lhe
renderiam muitos dividendos eleitorais em várias regiões do Estado num futuro próximo. A geografia política foi
traçada além dos limites de Garanhuns – a 235 km do Recife – onde já estava plantada a semente do poder pela sua
família há vários anos. Seu pai, coronel Antonio da Silva Souto2, foi o primeiro prefeito eleito de Garanhuns, após a
proclamação da República, dirigindo o município de 1893 a 1895.
Nessa primeira eleição, o chamado “Governo Autônomo”, além do prefeito, tinha o subprefeito e o
legislativo – Conselho Municipal –, composto de nove representantes. Na disputa eleitoral seguinte, o grupo
político do coronel Souto conseguiu eleger, em 30 de setembro de 1895, o professor Manoel Antonio de Azevedo
Jardim. Ainda criança, Souto Filho observava de perto as movimentações políticas do pai, que sentia muito prazer
em ver aquele menino “interessado” no assunto, já que era o único varão. Marieta, Eurídice, Amabília e Alice –
depois casada com o coronel Euclides Dourado, que viria a ser prefeito de Garanhuns – completavam sua prole.
Garanhuns, na época, ainda não tinha o curso de Humanidades – equivalente ao ensino médio. Por isso, Souto Filho
foi estudar no Ginásio Alagoano, em Maceió, em busca do seu passaporte para prestar exames à Faculdade de
Direito do Recife.
A Rua das Cruzes – hoje Rua Diario de Pernambuco – era uma das localidades que abrigavam repúblicas
de estudantes, principalmente da Faculdade de Direito. O terceiro andar de um prédio próximo ao Diario era
dividido por Gilberto Amado, seu irmão Gileno, Alfredo Cabral, outro sergipano e Souto Filho. Em seu livro Minha
Formação no Recife3), Gilberto Amado descreve Souto Filho como “...magríssimo, pequenino, animado de uma
mobilidade de inseto, humorista de aldeia e jogador de pôquer nato. A bílis que o fígado lhe secretava devia ser
mais abundante do que a necessária ao organismo minúsculo. Queria porejar-lhe da pele saturnina”. Amado não
gostava de conviver com Souto Filho. Mesmo assim, nunca tiveram grandes desentendimentos.
Extrovertido, Souto Filho tinha uma mania que tirava o sono dos seus companheiros. De volta das noitadas
do pôquer, ele, em plena madrugada, caminhava até a janela do quarto de Gilberto Amado e, com alguma
dificuldade – tinha cerca de um metro e 60 de altura –, desancava discursos para uma platéia imaginária, lá da rua,
contra a oligarquia de Rosa e Silva. O nome do senador e o dos seus comandados eram fortemente atacados pelo
orador, que gritava freneticamente da janela, causando espanto aos poucos que passavam por aquela rua em tão
adiantadas horas. A tribuna era ocupada sempre que os jornais de oposição faziam qualquer tipo de denúncias
contra os rosistas. Ele soltava o verbo. Algumas vezes, funcionários do Diario – que pertencia a Rosa e Silva –
apareciam na janela e, vez por outra, alguém gritava: “Cala a boca, burro!”. Souto Filho não se incomodava, nem
se intimidava: continuava a sua pregação contra aqueles que já eram seus adversários políticos em Garanhuns.
Em 1905, um ano antes de conhecer Gilberto Amado, ele redigiu, ao lado de Artur Brasiliense e Tomás
Vila Nova, o primeiro jornal da sua terra, O Garanhuns. Em 1909, redigiu O Sertão e, em 1911, O Jornal. Souto
Filho, jornalista, carregava nas tintas dos jornais de Garanhuns a sua cruzada contra Rosa e Silva, exceto em O
Sertão, no qual relacionou, entre outros, o nome do conselheiro para concorrer à Presidência da República, tese que
lhe custou muito caro, anos depois. Certo dia, de volta à pensão, foi impedido por Gilberto Amado de prosseguir
usando a “sua” tribuna. “Daqui você não berra mais”, determinou Amado. Souto Filho profetizou: “O que você
quer é entrar para o Diario”. Perdeu a tribuna, mas acertou na mosca: em poucos dias, o colega ganhou uma coluna,
Golpes de Vista, no jornal.
O sergipano, querendo se livrar do companheiro incômodo – ele passou a chamá-lo de “diabinho de
Garanhuns” – foi morar numa pensão mais confortável, à beira do Capibaribe, no bairro da Várzea. O salário pago
pelo Diario tinha melhorado o seu padrão de vida, em pleno 1907. Ainda faltavam dois anos para Amado terminar
o curso de Direito.
Souto Filho fez o último pagamento de matrícula da Faculdade de Direito na Alfândega de Pernambuco,
no valor de Rs. 50$000 – cinqüenta mil réis. Aluno destacado, obteve grau 9 em todas as cadeiras do curso. Tinha

1
O nome Garanhuns é de origem indígena – Guará/pássaros e Nhu/campos – pássaros dos campos, portanto. Os índios Cariri habitavam a região
até o século XVII. De povoado de Santo Antonio de Garanhuns, passou a Vila em 1811, através da Carta Régia de 10 de março daquele ano. A
categoria de cidade veio em 1879, através da Lei Nº 1.309 e município autônomo em 7 de janeiro de 1893.
2
Prefeito: major Antonio da Silva Souto; subprefeito: capitão Napoleão Marques Galvão; conselheiros: Victorino Alves Monteiro, Pascoal
Lopes Vieira de Almeida, Augusto Cezário de Araújo, José Alves da Silva Tororó, Antonio Paes da Silva Souto e Agostinho José de Góes.
3
Amado, Gilberto. Minha Formação no Recife, pág. 167

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 8


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

uma predileção por Direito Criminal, mas qualquer publicação sobre finanças públicas o atraía com facilidade.
Concluiu o curso em dezembro de 19084, juntamente com outros 132 bacharéis, sendo 74 de Pernambuco, dois de
Minas Gerais, 10 do Piauí, 27 da Paraíba, sete de Alagoas, dois do Rio de Janeiro, seis do Maranhão, três do
Amazonas, cinco do Rio Grande do Norte, três do Ceará, um de Sergipe, um do Pará, um de São Paulo. Uma
curiosidade: o bacharel Pedro Luiz Corrêa de Araújo tinha nacionalidade francesa. Alguns de seus colegas tiveram
projeção nacional, dentre eles, o paraibano José Américo de Almeida e o pernambucano Trajano Chacon,
assassinado durante o Governo de Dantas Barreto.
Diploma na mão, Souto Filho dividiu seu trabalho na advocacia entre Garanhuns e o Recife. No Interior,
fez opção pelo atendimento a clientes pobres de toda a região do Agreste Meridional, principalmente presos que
haviam cometido pequenos delitos e não tinham condições de arcar com os honorários de advogados. No Recife,
montou escritório juntamente com Souza Filho, seu grande amigo petrolinense. Os dois fundaram e dirigiram o
jornal A Rua, que circulou de 1922 a 1928.5
No início da tarde de 11 de dezembro de 1911, o jornalista Assis Chateaubriand6 saiu apressado da casa do
conselheiro Rosa e Silva, seu patrão no Diario de Pernambuco, levando um recado de Chiquinho Rosa e Silva,
filho do conselheiro, ao governador Estácio Coimbra: ele deveria abandonar o poder e deixar a Cidade,
imediatamente. Os partidários de Dantas Barreto tinham tomado as ruas do Recife, em grande agitação, e havia
focos de incêndio em vários locais. A insatisfação popular vinha se avolumando desde os resultados das eleições de
5 de novembro, que apontaram Rosa e Silva como governador, com 21.613 votos, contra 19.385 obtidos pelo
general. Em todo o Estado havia denúncias de fraude em favor do conselheiro, uma prática comum na chamada
República Velha. Quando Chateaubriand chegou à sede do Governo, Estácio já havia fugido e tentava resistir na
chefatura de polícia. Ao receber o recado de Chiquinho, o governador entregou os pontos: à noite, embarcou no
navio Aquidabã e refugiou-se em Barreiros.
Rosa e Silva dominou a política de Pernambuco durante 16 anos. Em 1886, aos 29 anos, foi eleito para a
Assembléia Geral, pelo Partido Conservador, que dominava a política nacional e no Estado era financiado pelo seu
pai, Albino Silva, um rico comerciante. Com o término do mandato de Barbosa Lima, em 1894, Rosa e Silva
“elegeu”, sucessivamente, Gonçalves Ferreira, Sigismundo Gonçalves e Herculano Bandeira. Eleito para o senado
em 1903, o conselheiro não trocava por nada sua vida no Rio de Janeiro. Nas suas viagens anuais para a Europa, de
passagem pelo Recife, recebia os “seus” correligionários no próprio navio, não pondo os pés em terra firme. E foi
nos arredores de Paris que ele recebeu uma péssima notícia: o Partido Republicano Conservador lançara o nome do
general Dantas Barreto, ministro da Guerra de Hermes da Fonseca, para a sucessão de Herculano Bandeira. Uma
afronta ao conselheiro. A bordo do navio Amazon, ele chega ao Recife, no final de agosto de 1911, assombrado
com a crescente aceitação da candidatura Dantas Barreto e o silêncio de Hermes da Fonseca sobre o episódio.
Para ganhar tempo e estancar a escalada do general, manda Herculano Bandeira renunciar ao Governo,
alegando motivos de saúde. O seu sucessor imediato, Antonio Pernambuco, presidente do Senado Estadual7,
também renuncia, alegando os mesmos motivos. Assume o poder o presidente da Câmara Estadual, Estácio
Coimbra. Com isso, antecipa legalmente as eleições de 7 de dezembro para 5 de novembro. E mais: ele próprio
seria o candidato. As manobras não adiantaram. Nem a força da propaganda no Diario de Pernambuco, de sua
propriedade.
Emídio Dantas Barreto nasceu no município de Bom Conselho, antigo Papacaça. Com apenas 15 anos, em
1865, atendeu ao chamamento do Governo brasileiro que mobilizava pessoas, mesmo do meio rural, para participar
da guerra contra o Paraguai: alistou-se no Corpo de Voluntários da Pátria. Após a vitória na guerra, dedicou-se à
carreira militar. Chegou à patente de general-de-brigada, em 1906, graças ao seu empenho na guerra de Canudos.
Quatro anos mais tarde, era ministro da Guerra de Hermes da Fonseca. De olho no Governo de Pernambuco, Dantas
Barreto consegue apoio dos militares e do Governo Federal às suas pretensões: era chegada a hora de acabar com a
oligarquia de Rosa e Silva. Derrotado nas urnas, não aceitou o resultado, alegando fraude. A população estava ao
seu lado e o Exército também: homens armados, vindos do Interior para dar segurança aos rosistas, foram presos
por soldados do Exército por ordem do comandante militar, general Carlos Pinto. Era o apoio de que precisava para
dar o golpe mortal em Rosa e Silva. Os dantistas, de vassoura em punho – Vassourinhas foi o hino da campanha –
ameaçavam os membros do Congresso Estadual para que referendassem o nome do general. Dos 45 congressistas,
30 fugiram e os 15 restantes atenderam, placidamente, os reclamos do povo. No dia 19 de dezembro, Dantas
Barreto era empossado governador.

4
O curso era denominado Ciências Jurídicas e Sociais.
5
O deputado federal Souza Filho foi brutalmente assassinado, na Câmara, no dia 26 de dezembro de 1929, pelo também deputado Simões
Lopes, do Rio Grande do Sul. Souto Filho recebe a notícia em Garanhuns e fica desolado. Souza Filho, na verdade, representava não só um
grande amigo, mas um irmão que nunca teve.
6
Morais, Fernando. Chatô, o Rei do Brasil , págs.74/75
7
A Constituição Política de Pernambuco, promulgada em 17 de junho de 1891, definia no art. 4º do capítulo II: “O poder legislativo é delegado
a uma câmara de deputados, composta de trinta membros, cujo mandato durará três anos, e a outra de senadores composta de 15 membros, cujo
mandato durará seis anos, e constituirão o Congresso Legislativo do Estado.”

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 9


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

CONQUISTANDO AMIZADES, PRESTÍGIO,


VOTOS E A VITÓRIA NAS URNAS

Com vocação para a carreira política e uma lúcida inteligência, Souto Filho não demorou muito a
conquistar um vasto círculo de relações em todo o Estado, tornando-se um referencial nas decisões político-
administrativas do Governo dantista. Como oficial de Gabinete – o cargo equivalente, hoje, a secretário de Governo
– soube, com habilidade, contornar as intensas crises políticas dentro e fora da aliança governista. Muitos chefes
políticos de diferentes regiões do Estado iam procurá-lo em busca de soluções de problemas de seus municípios e
de apadrinhados políticos. Não era fácil: Souto Filho comungava com o seu líder da probidade administrativa e do
zelo pela coisa pública, uma marca forte do Governo Dantas Barreto. Com maestria, contemplava a todos com a
magia das palavras. Os chefes políticos ficavam muito satisfeitos com o tratamento fidalgo que lhes dispensava
Souto Filho e voltavam para suas terras com a auto-estima renovada. Mais tarde, alguns deles chegaram a romper
com Dantas Barreto, pois não havia identificação política com o novo Governo. Afinal, esses faziam parte de um
imenso grupo de descontentes com o rosismo e apoiaram o general por falta de opção e por um desejo incontido de
derrubar a oligarquia.
O desempenho na Chefia do Gabinete pavimentava o seu caminho para vôos mais altos na escala do poder.
Além dos aliados de Garanhuns, da campanha dantista, dos amigos da Faculdade de Direito e dos meios
jornalísticos, Souto Filho conquistava padrinhos de fazer inveja a qualquer aspirante a político. Em Caruaru,
contava com o apoio do coronel João Guilherme e do ex-prefeito do município, Celso Galvão, que também
governou Garanhuns; em Cachoeirinha, tinha o apoio do coronel Zuza; em São João, seu compadre José Fernandes;
em Cabrobó, seu amigo Joaquim André; em Águas Belas, o coronel José Abílio; em Serrita, o coronel Francisco
Romão; em Serra Talhada, o coronel João Lucas; em Canhotinho, os primos Gueiros; em Pesqueira, a família
Britto. Além de lideranças em Petrolina, Correntes, Bom Conselho e Angelim, prontas a atender o jovem político.
O primeiro teste nas urnas, um ano após ter assumido a Chefia do Gabinete, confirmou sua capacidade
estratégica de conquistar votos e de se consolidar como liderança maior em Garanhuns e abrir as porteiras do
Estado para sua carreira política. Eleito para a Câmara de Deputados de Pernambuco, na Oitava Legislatura –
1913/1915 – Souto Filho conduziu o seu mandato defendendo, com muita fidelidade e gratidão, os ideais do
Governo Dantas Barreto. Em seus pronunciamentos, enfatiza o caráter moralizador da administração pública no
Governo do general, em detrimento à herança de desmandos deixada pelos rosistas.
Na primeira sessão ordinária, em 5 de março de 19138, o deputado governista Gonçalves Maia apresenta
uma indicação à Câmara, levando ao governador Dantas Barreto os protestos de solidariedade da Casa pela
“reconstrução moral” do Estado. A moção é apoiada e aprovada pelos presentes. Era a senha para Souto Filho
estrear na tribuna: “Permitam-me os meus ilustres pares que sejam minhas primeiras palavras nesta Casa
secundando a indicação que acaba de ser lida, apresentada pelo meu distinto colega, Dr. Gonçalves Maia. Esta
indicação visa prestar uma homenagem ao Sr. General Dantas Barreto, governador do Estado, cuja administração
tem sido efetivamente a mais brilhante e profícua que há tido Pernambuco na vigência do regime republicano”.
Mais adiante, Souto Filho pede que seja acrescentado à indicação um voto de profundo agradecimento do
povo pernambucano a Dantas Barreto “que saiu de suas comodidades nobre e patrioticamente, deixando a pasta da
Guerra, para vir dar um grande abraço na desgraça dos seus irmãos, na desgraça de sua pátria levada ao mais
triste dos vilipêndios. Este povo ainda é o mesmo povo que ontem morria nas ruas desta cidade, vivando o general
Dantas Barreto, que era homem à imagem dos nossos sonhos, como é hoje a bandeira da nossa crença política e a
sentinela mais avançada da integridade republicana do País”. Colocada em votação, a moção apresentada pelo
deputado Gonçalves Maia é aprovada, bem como o requerimento de Souto Filho. Foi sua primeira – embora fácil –
vitória no parlamento. Ele, Gonçalves Maia, Arthur Muniz, Pedro Velho e Gastão da Silveira foram designados
pela Presidência da Mesa para levar até o general “os protestos de solidariedade política e estima pessoal da Câmara
dos Deputados”.
Ao longo do ano de 1913, Souto Filho desenvolveu uma intensa atividade parlamentar, na defesa de
projetos de reordenação política dos municípios. Era o caso, por exemplo, de Bom Conselho e de Triunfo, comarcas
suprimidas pela Lei n. 697, de 6 de junho de 1904, em pleno Governo rosista de Sigismundo Gonçalves. Para
justificar seu projeto de restauração das antigas comarcas, ele começou a utilizar e pontificar, da tribuna, uma arma
poderosa contra os adversários: a sua eloqüência. “... foi admirável, Sr. Presidente, que, tempos depois, em pleno
regime republicano, em uma época de civilização verdadeiramente ascencional, por força da superioridade do
próprio regime político, tivesse o Governo o desplante inaudito de suprimir grande número de comarcas, deixando
ao povo a descomunal mentira, a evasiva vergonhosa de que tal medida objetivava economia para os cofres
públicos do Estado. É verdade que se não ouviu o esturgir das vozerias, o grito do povo vilipendiado e enganado,
porque este estava acovardado, amedrontado, receoso de que o Petrônio pernambucano, o Sr. Rosa e Silva,

8
Anais da Câmara Estadual – págs. 22/24 (5.3.1913)

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 10


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

sempre enluvado, sempre encasacado e sempre perfumado, acenasse aos seus cruéis feitores, que sempre estavam
de chicote em punho, de Paris, de Monte Carlo, ou de onde ele estivesse”.
O projeto nº 39, aprovado pelo Congresso Legislativo, restaurou as comarcas de Triunfo e de Bom
Conselho. E inúmeros outros de sua autoria receberam o mesmo tratamento pelos seus pares. Assim, ele garantia
mais autonomia para os municípios, um judiciário mais presente na vida da população e assegurava os votos dos
eleitores, sempre gratos pelo reparo de uma lei perversa.
A luta travada por Souto Filho em defesa de Dantas Barreto se avolumava na medida em que o general
demonstrava pouco tato e mão de ferro no combate aos adversários. Dos aliados de antes, poucos resistiam a um
tropeço político. O jovem jornalista Mário Melo, então funcionário dos Correios, trabalhava, juntamente com
Trajano Chacon, no jornal O Pernambucano. Pela sua postura de neo-oposicionista, foi agredido fisicamente por
partidários do general à saída do trabalho. Pior sorte teve Chacon: foi assassinado no Beco dos Ferreiros – hoje Rua
Sete de Setembro – após sair do Teatro Helvética, localizado na Rua da Imperatriz, no dia 11 de agosto de 1912.
Uma chaga que acompanhou Dantas Barreto até o fim da sua vida, pois os assassinos pertenciam à Polícia Militar e
teriam cumprido ordens do seu comandante, coronel Francisco Melo, que foi julgado e absolvido em 26 de março
de 1914. Dantas Barreto, que, após o crime, havia hipotecado solidariedade ao seu subordinado, teve uma conduta
estranha com a absolvição: demitiu-o do comando da Polícia.
Um atestado de culpa ou uma decisão retardada? Só após oito anos, alguns dos outros acusados foram
julgados e absolvidos, como registra o Diario de Pernambuco, de 21 de outubro de 1920: “Foram submetidos,
ontem, a julgamento no Tribunal do Júri desta Capital, o tenente-coronel Estevão Câmara e o major João Nunes,
pronunciados pelo assassinato do jornalista Trajano Chacon. Os debates ocorreram, por vezes, acaloradamente,
tendo terminado à uma hora de hoje, quando o Conselho de Sentença regressou da sala secreta com o seu
veredictum. Os réus foram absolvidos por unanimidade de votos e postos em liberdade”.
Outro que saltou do barco governista foi o industrial Delmiro Gouveia. Queria trazer a energia de Paulo
Afonso para o Recife. O general desconfiou de projeto tão benevolente e recusou a empreitada. Delmiro, irritado,
rompeu com o general e fez de Alagoas seu último domicílio. No plano nacional, o senador gaúcho Pinheiro
Machado, estrela de primeira grandeza da República, passou a controlar o Partido Republicano Conservador (PRC)
e a ingerir de forma direta na política dos Estados. Dantas não aceitou a ingerência: saiu do partido e fundou, em
Pernambuco, o Partido Republicano Democrático (PRD), levando consigo a maioria dos seus seguidores da
campanha de 1911, inclusive Souto Filho.
Na Câmara Estadual, Souto Filho participava de debates acalorados com os defensores de Pinheiro
Machado, minoria na Casa, entre eles, Sérgio Magalhães, Antonio Flávio Pessoa Guerra e Turiano Campello. Os
apartes eram constantes e, muitas vezes, ofensivos. Alguns registram o clima reinante sobre o tema:

“Souto Filho: ...uns, em seu posto de honra, ao lado da boa causa, ao lado do eminente governador de
Pernambuco; outros, porém, agarrados aos caprichos do Sr. Pinheiro Machado, um intruso que nada tem a ver
com a política deste Estado...
Sérgio Magalhães: Vossa Excelência não pode dizer isso.
Souto Filho: Tanto posso que estou dizendo (...)....nós não queremos saber desse partido miserável; do
PRC. só precisam os maus pernambucanos; nós outros, repudiamos esse partido de oligarquias, já às portas da
falência.
Turiano Campello: Eu aqui não discuto com desaforo. Desaforo é lá pra fora.
Souto Filho: Eu também não gosto de desaforo, mas sendo necessário, discuto de qualquer forma e em
qualquer lugar. Não tenho medo de caretas...”10
O filho de Garanhuns cumpria o seu papel na Câmara. Entretanto, a ingerência de Pinheiro Machado em
Pernambuco estava configurada: ele controlava a Comissão de Reconhecimento do Senado Estadual. Dessa forma,
trouxe de volta à cena política o conselheiro Rosa e Silva, eleito senador, no lugar de José Bezerra, candidato
natural das forças políticas do Estado.
Outro embate com a Oposição, em seu primeiro mandato, marcou uma passagem dúbia de Souto Filho
sobre a cena política pernambucana. O deputado Sérgio Magalhães alardeia para o mundo político que Souto Filho,
no passado, tinha sido “rosista”. Em artigo assinado no jornal O Sertão, de Garanhuns, em 1909, defendera a
candidatura de Rosa e Silva para a Presidência da República. Souto Filho não tinha como contestar. Entretanto,
expôs suas razões para ter escrito o artigo. A crise na disputa sucessória de Afonso Pena, com o lançamento
precipitado do seu ministro da Fazenda, David Campista, para sucedê-lo, e o conseqüente pedido de demissão do

9
O Congresso Legislativo do Estado de Pernambuco resolve: Art. 1º – Ficam restauradas as antigas comarcas de Bom Conselho e de Triunfo,
suprimidas pela Lei Nº 697 de 06 de junho de 1904. Art. 2º – O governador do Estado designará, para servir nas comarcas restauradas, dois
juizes postos em disponibilidade pela última reforma judiciária do Estado. Art. 3º – Revogam-se as disposições em contrário. Sala das Sessões
da Câmara dos Deputados de Pernambuco, em 11 de março de 1913. Souto Filho, Sérgio Magalhães, Turiano Campello, João Benigno, Souza
Filho.
10
Anais da Câmara Estadual – págs.173/175 (23/04/1914)

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 11


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

ministro da Guerra, Hermes da Fonseca, gerou um clima de insatisfação, dividindo o País entre hermistas –
defensores do marechal Hermes da Fonseca, e civilistas – os que ficaram ao lado de Rui Barbosa.
Souto Filho justificou seu artigo, assegurando que o jornal nem era rosista, nem oposicionista. Segundo
ele, Garanhuns, no fim do Governo de Sigismundo Gonçalves, era dominado pela vilania, pelo arbítrio e pelo
despotismo. Para combater os desmandos, formou-se um grupo municipal forte, e ele, apaixonado pela sua terra,
não hesitou em integrá-lo, ressalvando que não tinha compromissos partidários com quem quer que seja. Para Souto
Filho, a questão nacional refletia, diretamente, nos problemas do seu município, pois as candidaturas postas não
tinham compromisso com Pernambuco.
“Preciso salientar que também lembrei os nomes dos senhores Lauro Sodré, Lauro Muller, Dantas
Barreto e de outros, o que prova o referido artigo não ter cunho partidário. Lembrei o nome do conselheiro Rosa e
Silva porque ele era o estadista mais em evidência do Norte naquele tempo e para mim era um grande prazer que
um nortista, principalmente um pernambucano, ocupasse a Presidência da República. Acho que não cometi
nenhum crime, a não ser o de ter sido muito pernambucano”.
O Sertão sobreviveu até 1931, com periodicidade irregular – era, no início, semanário – até ser
transformado em O Monitor, pela Diocese de Garanhuns, sendo adquirido pela Prefeitura do município em 1976.
Souto Filho encerrou, em 1915, sua participação na Oitava Legislatura, com um discurso mais conciliador,
sem perder, entretanto, a sua verve hilariante, que lhe custou, ao longo da sua vida, o epíteto de “Frasquinho de
Veneno”. Na segunda sessão ordinária, realizada no dia 9 de março, ele pediu a palavra para solicitar da Câmara um
voto de pesar pelo falecimento do desembargador e ex-governador Sigismundo Gonçalves, outrora seu adversário
político. A Oposição, pela primeira vez, aparteou-o com elogios. Em maio, apresentou emenda a um projeto de lei
aumentando de 7% para 15% o imposto sobre importação de madeira pelo Estado. A Oposição foi à tribuna:

“Costa Netto: Nós não dispomos de madeiras suficientes para o fornecimento das nossas construções, e,
mesmo que as tivéssemos, deveríamos poupá-las, como fazem os outros Estados, evitando a devastação das
florestas. É este o motivo, senhor presidente, por que estou dando meu voto contra a emenda, e penso que assim
deve fazer toda a Câmara.
Souto Filho: Não era necessário o nobre deputado falar a respeito do assunto de que a emenda cogita,
porquanto o senhor já estava ciente de que eu não pediria aos meus ilustres pares a sua aprovação. Mas é que
Vossa Excelência tem a mania de discutir tudo, proferindo palavras que não traduzem senão o interesse único de
uma pequena figuração na tribuna da Câmara. (risos) – Sou o primeiro a reconhecer que a emenda deve ser
rejeitada. E assim, senhor presidente, com a nobreza que caracteriza todos os meus atos de vida pública, sou o
primeiro a pedir aos nobres colegas que não aprovem a emenda.”

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 12


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

O CASAMENTO, O PRESENTE DO GENERAL


E AS TEMPESTADES NO INTERIOR

Souto Filho tinha motivos de sobra para estar de espírito aberto naquele 1915. Espírito e coração.
Completara, com êxito, o seu primeiro mandato parlamentar, seguindo os ditames da sua consciência, de ser um fiel
escudeiro de Dantas Barreto, e iria casar, aos 29 anos, com o grande amor da sua vida: Francisca Salgado Guedes
Nogueira, sua prima em terceiro grau. Filha de Manoel Otaviano Guedes Nogueira – dono do engenho Tibiry, em
Barreiros – e de Francisca de Amorim Salgado Guedes Nogueira. Dona Chiquita, como ficou conhecida, tinha mais
três irmãos: Otaviano Júnior, Paulo e Maria Esther, mais tarde, casada com Sebastião do Rego Barros, então juiz de
Direito da comarca e, em seguida, deputado.
Além da paixão que os uniu, Souto e Chiquita tinham algo que os completavam: ambos trabalharam
intensamente na campanha dantista. Com seu pai, em Barreiros, ela participava dos atos públicos. No Recife, fazia
parte do comitê feminino da campanha do general, conforme registro na primeira página do jornal A Província, de
24 de outubro de 1911. O casamento, em outubro de 1915, foi realizado na residência de Maroquinha Salgado
Gomes de Mattos, prima-irmã da noiva, na Rua das Pernambucanas, 92, Graças. Segundo narrativa de Gerusa
Souto Malheiros, em seu livro Memórias de Amor11, a cerimônia foi simples, a pedido de dona Chiquita: ela havia
perdido o pai, há dois anos, e ainda se sentia abalada emocionalmente.
Dantas Barreto – padrinho de casamento – e o ministro da Agricultura, José Bezerra Cavalcanti, eram
algumas das autoridades presentes. Depois da recepção, os recém-casados seguiram no coche oficial para a nova
residência, na Rua Joaquim Nabuco, 189 – onde hoje é localizado a Fundação de Hematologia e Hemoterapia de
Pernambuco – HEMOPE.. Lá, nasceram os quatro filhos do casal: Maria Esther Souto Carvalho, primogênita e
afilhada de Dantas Barreto (1917), benemérita da Sociedade Pernambucana de Combate ao Câncer, e viúva do
empresário e ex-deputado federal Adelmar da Costa Carvalho; Antonio Souto Neto, já falecido, médico, professor e
diretor, durante várias gestões, do Ginásio Pernambucano; Maria Gerusa Souto Malheiros, viúva do engenheiro
Raul Malheiros, que chegou ao Recife em 1941, acompanhando a equipe do brigadeiro Eduardo Gomes, e Cláudio
Fernando da Silva Souto, professor titular da Faculdade de Direito do Recife.
Reeleito para a Câmara Estadual12 em 1915, na Nona Legislatura, pelo PRD, Souto Filho viu-se
recompensado pela sua dedicação ao Governo do general Dantas Barreto: foi nomeado curador-geral de Órfãos e
Interditos da Capital. A nomeação foi questionada pela Oposição, que alegava impedimento de Souto Filho para o
exercício parlamentar. O poder do general e a defesa jurídica de seus aliados salvaram-lhe o cargo.
Pernambuco tinha um novo governador. Manoel Borba assume o poder pelo partido do general, que não
conseguiu outra alternativa senão apoiá-lo, mas com quem romperia em seguida. Antes, porém, Dantas foi eleito
senador por Pernambuco com o apoio de Borba. Na função de curador, Souto Filho permaneceu na mesma linha
moralizadora que imprimiu na função de oficial de Gabinete e parlamentar. Na casa em que morava, na Rua
Joaquim Nabuco, por exemplo, não havia lugar para estacionar seu automóvel. Ele preferia deixar o veículo na rua
a estacioná-lo em um terreno ao lado da sua casa. Tudo porque o proprietário do terreno tinha pendências na sua
Curadoria, que envolviam pequena fortuna. Queria manter a independência para proceder decisão que poderia
mudar economicamente a vida de tutor e tutelado.
Em outra oportunidade, Carlos de Lima Cavalcanti, proprietário da Usina Pedrosa e político influente,
enfrentava dificuldades financeiras e queria obter recursos por meio de atos fraudulentos. Foi impedido por Souto
Filho de vender bens de uma enteada sua, Cleonice Lauria, para aplicar o dinheiro na usina. Ela casou, tempos
depois, com Aluízio Santos, funcionário do Lloyd Brasileiro. Carlos de Lima não perdoou Souto Filho pela sua
correção: sempre o perseguia, valendo-se dos seus jornais e, em 1931, por ocasião da sedição ocorrida durante seu
Governo, como interventor de Pernambuco, mandou prender Souto Filho. Cleonice, na época, pelo ato arbitrário do
interventor, chegou a afirmar a familiares “Graças a dr. Souto, hoje tenho uma casa para morar”.
Garanhuns já dispunha de salas de cinema. A primeira foi inaugurada em 1912, o Cine Grossi. Além do
transporte ferroviário, com bandas de música saudando visitantes ilustres na estação, implantado, em 1887, pela
Great Western, fundada em Londres, 15 anos antes, especialmente para construir a malha ferroviária do Interior do
Estado. A estrada “carroçável” seria vencida pelos automóveis, em agosto de 1916, em comboio liderado pelo
industrial Delmiro Gouveia. Em dezembro do mesmo ano é inaugurado o serviço de telégrafo. O telefone chega no
final de maio de 1918. A cidade serrana acelera seu desenvolvimento e abre os caminhos da integração com o resto
do Estado.
No campo político, a Nona Legislatura da Câmara Estadual– 1916 a 1918 – recebe, além de Souto Filho,
mais dois representantes da região: Dr. Eutrópio Silva e o coronel Júlio Euthymio da Silva Brasileiro. Este último
seria personagem central da maior tragédia ocorrida em Garanhuns em todos os tempos: o episódio que ficou

11
Malheiros, Gerusa Souto. Memórias de Amor, págs. 102/103
12
Seu concunhado, Sebastião do Rego Barros, presidente da Câmara Federal, em 1930, também foi eleito para a Nona Legislatura.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 13


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

conhecido como a “Hecatombe de Garanhuns”. Antes, porém, uma outra tragédia ocorrera nas bases políticas de
Souto Filho, segundo narra Costa Porto no livro Os Tempos da República Velha13.
Joaquim de Almeida, fazendeiro e comerciante em Canhotinho, incentivado por Souto Filho e pelo vigário
da paróquia, padre Batista Cabral, teve papel de destaque na campanha de Dantas Barreto em 1911. Com o general
no poder, tomou gosto pela política. Candidato à Prefeitura de Canhotinho nas eleições seguintes, perdeu para
Rafael da Conti, também dantista. Atribuiu sua derrota a traições de aliados, entre eles, Claudino Galindo,
conhecido como Capitu, comerciante influente em Lajedo, homem de pouca conversa e com fama de valente. Seu
filho, Olívio, foi acusado de assassinar um soldado que o havia abordado e o esbofeteado. O crime repercutiu na
região. A família de Claudino era acusada de semear a violência. Para manter a “ordem”, o delegado de
Canhotinho, Félix Cantalice Vilanova, envia para Lajedo os soldados Antonio Lopes, Damásio Pedrosa, conhecido
como “Quatro Quinas”, e Antonio Martins, o “Torrão de Gogo”. Ao chegarem a Lajedo, dirigem-se à casa
comercial dos Galindo. Sem nenhuma conversa, os soldados apontam suas armas e matam pelas costas Claudino e
um de seus filhos, conhecido como Anum. Mais um episódio sangrento no antes pacato distrito de Lajedo.
Miranda de Azevedo, advogado em Canhotinho, fundou no município o semanário A Ordem. Nele, não
poupava ninguém, incendiário, investia contra todos. O que parecia uma vingança corporativa, para Miranda era
pura ação política de adversários. Os soldados, segundo ele, eram capangas de Souto Filho, “paus-mandados”,
portanto. Miranda conseguiu botar mais lenha na fogueira. A família de Claudino, entretanto, não via no deputado a
figura do mentor do crime. Souto Filho não utilizava capangas e era contra atos de violência. Os crimes cometidos
no Interior e a falta de empenho para conter os desmandos tinham prejudicado a imagem de Dantas no final do seu
Governo. O governador Manoel Borba entendeu que não podia repetir a falha do antecessor e, pelo menos nesse
episódio, agiu rápido. Atendendo pedido do chefe de Polícia, desembargador Silva Guimarães, nomeia juiz e
promotor para procedimento do inquérito sobre o crime de Lajedo, colocando-lhes à disposição um reforço policial
de 30 soldados. No início de fevereiro de 1916, o juiz lavra a sentença, pronunciando o delegado e os três soldados
criminosos. Foi pouco para conter o ódio da família enlutada. O alvo havia sido escolhido: Joaquim de Almeida. No
dia 26, um sábado à tarde, dia de feira, Teteu, filho de Claudino e sobrevivente da chacina de Lajedo, chega a
Canhotinho, acompanhado de alguns pistoleiros. Rumam para a casa comercial de Almeida, matando-o a tiros,
além de seu irmão Osvaldo e o tabelião Manuel Morel, que não tinha nada com a história.
O crime abalou o Estado. Borba reforçou o policiamento da cidade em cerca de 100 homens, uma praça de
guerra. Nomeou juiz da Comarca, o delegado da Capital, Luiz Correia de Oliveira. Com carta branca, o juiz atuou
com eficiência e, em pouco tempo, Lajedo ganhava a tranqüilidade. Sua atuação foi reconhecida. No Governo
seguinte, de José Bezerra, foi nomeado chefe de Polícia da Capital.
Em entrevista ao Jornal do Recife, de 29 de fevereiro, Souto Filho, sempre questionado sobre a violência
por ser majoritário na região, estranhava a facilidade da ação criminosa: “Não é crível que, em dia de feira, quando
a polícia está a postos, pudessem os criminosos invadir a cidade, matar três pessoas sem serem incomodados. Se a
polícia não tivera meios de evitar o crime, deveria, quando nada, ter evitado a fuga sem serem molestados”. O
inferno astral de Souto Filho estava apenas começando.
No dia 29 de março de 1916, Souto Filho, da tribuna, pede a atenção dos seus colegas para anunciar a
chegada, ao Recife, do general Dantas Barreto. Uma das poucas visitas depois de eleito senador. Preocupado com a
freqüente ausência dos deputados na Câmara – muitos eram candidatos a prefeito no Interior – apresenta
requerimento solicitando uma comissão parlamentar para receber o general. Requerimento aprovado, o presidente
da sessão nomeia os deputados Pinto Lapa, Arnaldo Bastos, Loyo Amorim, Gastão da Silveira e Júlio Brasileiro
para assistir ao desembarque. Souto Filho faz novo agrado ao seu padrinho político – mesmo sabendo que a estrela
do general começava a perder brilho – e retarda em uma semana a campanha de Júlio Brasileiro. Ele era candidato a
prefeito de Garanhuns, disputando com o médico Rocha Carvalho, nas eleições marcadas para 10 de julho daquele
ano. Político de liderança consolidada, Souto Filho ficou observando à distância um processo que tinha ingredientes
explosivos. O voto não era secreto. Muitas vezes, havia duas urnas no mesmo local de votação, cada uma
controlada por um partido diferente. Só após a apuração é que a Comissão de Verificação de Poderes da Câmara
decidia qual a urna era considerada válida. Mulher e analfabeto não tinham direito a voto.
Garanhuns não fugia à regra dos desmandos praticados nos eventos eleitorais fraudulentos e marcados
pela imposição dos poderosos na República Velha. Júlio Brasileiro foi declarado vencedor, mas com as acusações
de fraude, o resultado oficial foi protelado. Brasileiro já tinha sido prefeito em Garanhuns (1911/1913); sua gestão
foi desastrosa. Francisco Vieira dos Santos, que o sucedeu, publicou nas Solicitadas, do Diario de Pernambuco, em
15 de novembro de 1916, sua prestação de contas ao Conselho Municipal. Nela, Vieira dos Santos revela o caos
administrativo que encontrou, inclusive um rombo financeiro considerável.
Em seu livro Anatomia de Uma Tragédia – a Hecatombe de Garanhuns14, o professor Mário Márcio de
Almeida Santos narra, com muita propriedade, os acontecimentos que motivaram o assassinato de 13 pessoas, a

13
Costa Porto, José. Os Tempos da República Velha, págs. 385/394
14
Santos, Mário Márcio de Almeida. Anatomia de uma Tragédia – A Hecatombe de Garanhuns, págs. 71 e 294.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 14


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

maioria confinada dentro da cadeia pública de Garanhuns. O coronel Júlio Brasileiro impunha sua liderança política
por meio de métodos condenáveis, inclusive recorrendo à violência física contra seus adversários. A Imprensa –
notadamente o Diario de Pernambuco – denunciava o clima de tensão, antes e depois das eleições. Os partidários
de Júlio Brasileiro costumavam “pintar” as paredes das casas dos adversários utilizando fezes. As notas apócrifas se
multiplicavam na Imprensa. Ofensas para todos os lados. Ameaças. Agressões. Sales Vila Nova estava na mira dos
homens do coronel. Suposto autor de cartas apócrifas ofensivas a Brasileiro, ele não se cansava de destratar seu
alvo. Na noite de 12 de janeiro de 1917, ao sair do Cine Grossi, onde trabalhava, Sales Vila Nova foi agarrado por
seis homens, que lhe aplicaram golpes violentos de bengala e cipó-de-boi. Com o corpo dolorido e marcado pelas
pancadas, denunciava Júlio Brasileiro pela agressão, prometendo vingança. Solidários a ele, alguns velhos
partidários do rosismo. Na vingança, quase ninguém acreditava.
O trem que trazia Sales Vila Nova ao Recife chega a Cinco Pontas no início da noite do dia 14 de janeiro.
Vai à procura de Rocha Carvalho. Não o encontra. O médico, naquele momento, estava na casa de Souto Filho, na
Rua Joaquim Nabuco, atendendo dona Chiquita, que se encontrava enferma. Armado, Vila Nova vai procurar seu
desafeto em locais que costumava freqüentar. Encontra-o no Café Chile, na Praça da Independência, sentado com
alguns amigos. Ele se aproxima e dispara seu revólver contra Júlio Brasileiro. Atingido no peito, o deputado ainda
tenta uma reação, mas o criminoso dispara outro tiro, acertando-o no abdome. O deputado estava morto.
Souto Filho soube do crime poucas horas depois, na sua residência, por intermédio do seu apadrinhado de
Garanhuns, Elpídio Branco, futuro deputado. No dia seguinte, por ocasião da necropsia no necrotério de Santo
Amaro, Souto Filho e Dantas Barreto, junto com outras autoridades, presenciaram o procedimento médico. Na
mesma noite, o deputado Eutrópio Silva envia mensagem, por telégrafo, para Garanhuns, comunicando o fato à
viúva do coronel, Ana Duperron Brasileiro. Na manhã seguinte, incrédulo, o telegrafista Raimundo de Araújo Lima
leva a notícia para a família. Começava o desenho da maior tragédia de Garanhuns.
Passado o impacto, um cheiro de vingança povoava a atmosfera da casa enlutada. Os familiares e a viúva
desqualificaram o assassinato como um ato isolado de Sales Vila Nova. Para eles, o crime era resultado de ação
engendrada pelos inimigos. O clima de tensão tomou conta da cidade. Homens armados começaram a acorrer ao
local onde Ana Duperron articulava a vingança. Temendo o pior, muitos deixaram a cidade. Os que ficaram,
tentaram se esconder. A cada instante, o número de vingadores aumentava. Gente da cidade e cangaceiros
“importados” das regiões vizinhas, principalmente de Brejão. Lourenço e Bida Souto, parentes de Souto Filho,
foram dar os pêsames a Ana Duperron. “O senhor pega no rifle?”, perguntou ela. Com a negativa da resposta, ela
sentenciou: “Pois fique sabendo que a família Souto Filho também botará luto e que as cabeças de Souto Filho,
Rocha Carvalho e Luiz Farias serão arrancadas quando mesmo no Recife.”
Diante de tanto ódio, os que ficaram, adversários do coronel Brasileiro, foram orientados, e poucos
aceitaram, a se refugiar na cadeia pública. Lá, ao contrário de seus lares ou estabelecimentos, estariam em garantia
protegidos pelas autoridades locais. Alguns já sofriam violência física e invasões de seus domicílios, praticadas por
capangas armados que circulavam por toda parte. O juiz Abreu e Lima e o delegado Meira Lima convenciam os
jurados de morte a irem para o local enquanto a situação fosse controlada e chegasse reforço policial de outras
localidades. Em conivência ou não com as autoridades, um plano macabro já havia sido traçado na casa da viúva:
os inimigos e participantes da “trama” que vitimou Brasileiro seriam mortos dentro da própria cadeia.
Pouco depois das 15 horas, a corja partiu da casa de Ana Duperron com destino à cadeia. O sargento
Pedro Malta calculou em cerca de 400 homens armados os participantes da chacina. Prédio cercado, o cabo Antonio
Pedro, o “Cobrinha”, oferece brava resistência aos invasores. É ferido mortalmente, mas, antes, consegue matar
dois e ferir um outro. No início do tiroteio, seis conseguem fugir pelo oitão do prédio, entre eles, dois presos
comuns. Argemiro Miranda esboça uma nova reação, mas também é assassinado.Os outros são chacinados sem
nenhuma defesa. Entre eles, Manoel Jardim, seu sobrinho Luiz Gonzaga, e o médico Borba Júnior.
A atmosfera de horror da cadeia contrastava com a “alma lavada” da viúva de Brasileiro. Entretanto, à
noite, a casa de Ana Duperron começou a se esvaziar dos justiceiros. O ódio deu lugar ao medo. Outras mulheres
também estavam enlutadas e a cidade começava a receber reforços. No dia seguinte chega, do Recife, o corpo do
coronel Brasileiro, trazido em comboio especial. Logo após o enterro, a viúva e familiares se apressam em deixar a
cidade. Garanhuns estava marcada pelo ódio e a sua rotina só seria “normalizada” meses depois.
Em dezembro do mesmo ano, Sales Vila Nova era absolvido em júri concorrido no Recife e voltou a
residir em Garanhuns. Alguns invasores da cadeia foram presos. A família Brasileiro perdeu seu espaço em
Garanhuns. O governador Manoel Borba foi acusado de omissão e saiu chamuscado. O juiz Abreu e Lima foi
absolvido pelo Superior Tribunal de Justiça, mas ficou marcado pela tragédia: desistiu da magistratura e foi advogar
no Rio de Janeiro. O tenente Meira Lima perdeu o emprego. Os responsáveis diretos pela carnificina, condenados,
perderam suas mocidades na prisão
Rocha Carvalho foi condenado pelo juiz Paulo Silva, da Primeira Vara do Crime, em queixa-crime
movida contra ele por Ana Duperron. Ela ainda alimentava o ódio. A sentença absurda dada ao médico foi anulada,
posteriormente, pelo Superior Tribunal de Justiça de Pernambuco. Souto Filho, avesso à violência e construindo
uma postura de democrata, deu testemunhos fundamentais em favor de Rocha Carvalho. Na verdade, o médico se

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 15


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

encontrava, no final da tarde de 14 de janeiro, em sua residência, tratando de sua esposa Chiquita. “Como poderia
aquele clínico estar às dezessete horas e quarenta minutos na Estação Cinco Pontas ou confabular com o assassino
de Júlio Brasileiro?”, indagava Souto Filho pela Imprensa. Ele saía ileso da tragédia, fortalecido por sua conduta e
herdando mais admiradores em uma Garanhuns que se modificava socialmente com a derrocada dos coronéis, mas
começava também, uma situação adversa para ele com as brigas entre o senador Dantas Barreto e o governador
Manoel Borba.
Na conclusão do seu livro, o historiador Mário Márcio de Almeida Santos escreve o seguinte: “Antonio da
Silva Souto Filho, homem de personalidade forte e marcante, uma das mais altas expressões de pernambucanidade
da época, temperamento recatado, sóbrio, de vida limpa, temido e respeitado, era também um político astuto, sutil,
de mente clara e perspicaz. Sabia equilibrar tais qualidades com uma grande correção, tanto na vida pública quanto
na privada. Dominou a política de Garanhuns e das regiões circunvizinhas durante o período restante da chamada
República Velha. Inteligente, de grande sensibilidade no que dizia respeito ao conhecimento prático dos homens e
dos seus interesses, soube levar a efeito um governo, ao mesmo tempo plausível e ardiloso, contemporizador e
resoluto com um programa flexível, mas cauto e absorvente, que tentava conciliar os interesses quase sempre
conflitantes dos grandes plantadores de café com os anseios liberais da burguesia urbana; que ia, pouco a pouco,
crescendo e se fortificando”.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 16


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

O GOLPE DE MESTRE DOS BORBISTAS,


A VOLTA AO PODER, UM TIRO NO COMÍCIO

O rompimento de Dantas Barreto com Manoel Borba, que vinha se desenhando há algum tempo, é
oficialmente confirmado em 24 de janeiro de 1917. A crise interna do PRD dividia dantistas e borbistas. Na Câmara
estadual, a bancada dantista sempre se retirava não dando quorum para o plenário deliberar. No dia 16 de março,
entretanto, o borbista Alexandrino Rocha dá um golpe de mestre: interpretando ao pé da letra o artigo 160 do
Regimento Interno da Casa, que considerava ausentes aqueles que “se afastarem do prédio, mediante prévia
comunicação à Presidência”. Como não havia prévia comunicação e ficavam nos corredores, os dantistas foram
considerados legalmente presentes; assim havia número para deliberar.
De imediato, os borbistas ocuparam a Presidência (Alexandrino Rocha); Arnaldo Bastos e Araújo
Sobrinho, na primeira e segunda vice-presidência; Mário Domingues e Pedro Velho, para primeira e segunda
secretarias. Mesa de borbistas, inferno dos dantistas. De nada valeram os protestos, os apelos ao presidente da
República, ao ministro da Justiça, à Câmara e ao Senado Federal. Até um habeas corpus foi impetrado ao juiz
federal Sérgio Loreto. De nada valeu. Loreto julgou-se incompetente para decidir. Apelaram ao Supremo. Nova
derrota.
O ano de 1917 transcorreu com o Congresso praticamente em recesso. Manoel Borba governava como
queria, sem nenhum controle do Legislativo. Preparava outra – e cruel – manobra contra os adversários, dentro do
seu próprio partido, nas eleições marcadas para março de 1918. Borba, com o controle total da legenda, elege os 26
candidatos apresentados pelo “seu” PRD. A Oposição preenche as outras quatro vagas. O “outro” PRD, ligado a
Dantas Barreto, fica de fora. Souto Filho amarga uma derrota eleitoral por se manter fiel ao general. Mergulha no
ostracismo consciente de ter cumprido seu papel naquele cenário político. Sua volta era só uma questão de tempo.
Atravessa os Governos de Borba e José Rufino Bezerra dedicando-se à família, as suas funções públicas,
como curador-geral de Órfãos e Interditos da Capital, visitando mais freqüentemente Garanhuns e fazendo política.
Souto Filho dizia sempre que “política é a arte de engolir sapos sem vinho do Porto”. Borba “engoliu” José Rufino
para seu sucessor da mesma forma que Dantas o havia assimilado. Ele queria fazer o coronel Carneiro da Cunha seu
sucessor. Não conseguiu. Borba começava a perder a guerra. Com a doença de José Rufino, em 1919, assume o
Governo Severino Pinheiro, presidente do Senado Estadual e chefe político de Limoeiro, antes do coronel Chico
Heráclio. Os grupos do senador eleito Manoel Borba e Estácio Coimbra, eleito vice-presidente da República, não
chegavam a um consenso sobre a sucessão de José Rufino Bezerra. Com o impasse, surge o nome da conciliação: o
juiz federal Sérgio Loreto. Mais uma vez, Borba perdia o brilho da sua estrela, pois Sérgio Loreto ligou-se cada vez
mais a Estácio Coimbra. Em declínio, e dando sinais de desespero, Borba rompe, de vez, com o Governo, em 1923,
se desgastando perante a opinião pública com ataques pessoais pela Imprensa, culminando com o patrocínio da
publicação do livro Sérgio Loreto e seu Governo de Pernambuco. História de um Quatriênio Calamitoso.
Estratégia equivocada. O livro teve efeito bumerangue. Além de perder aliados e prestígio, Borba recebeu
o troco de Estácio Coimbra, já governador em 1926, que não lhe deu apoio para renovação de seu mandato de
senador. Souto Filho, por orientação do general Dantas Barreto e do seu grupo político, aceita figurar na chapa da
Câmara Estadual entabulada por Sérgio Loreto para esmagar o caciquismo do PRD de Borba e se aproximar de
Estácio Coimbra, sucessor de Loreto.
Eleito em 15 de janeiro de 1925, agora pelo Partido Republicano de Pernambuco (PRP), o mais votado no
3º Distrito15, Souto Filho retorna à cena política, na 12ª Legislatura, para ocupar seu lugar na Câmara Estadual, sem
ter que se preocupar com golpes dentro do PRD. Aprendera o suficiente para reiniciar sua vida parlamentar
vitoriosa, daquela data em diante.
A primeira sessão da Câmara Estadual realizada, em 1º de março de 1925, presidida por Feliciano André
Gomes, evidencia o conceito de Souto Filho entre seus pares. Ele foi escolhido para ser o relator da primeira
comissão instalada, que tratava dos diplomas dos eleitos para aquela legislatura. Até 1927, quando concluiu o
mandato, participou, ativamente, de várias comissões: Constituição, Legislação e Justiça; Fazenda e Orçamento;
Estatística e Divisão Civil e Contas e Negócios Municipais. Ainda em 1925, aos 95 anos, falece o seu pai, coronel
Antonio Souto, primeiro prefeito de Garanhuns.
Em 1926, Souto Filho é líder do Governo na Câmara Estadual. Fundador do primeiro jornal de Garanhuns,
não perde seu ânimo pelo Jornalismo. É dirigente e articulador, no Recife, do jornal A Rua, que circulou de 1922 a
1928. E é A Rua, de 2 de janeiro de 1927, que registra em sua primeira página, homenagem prestada no Restaurante
Leite, por seus amigos e admiradores pela sua nova função: “Almoço íntimo oferecido por amigos e admiradores
pela escolha de Souto Filho para líder da maioria na Câmara Estadual. Presentes, cônego Henrique Xavier,

15
Formavam o 3º distrito os municípios de Águas Belas, Sertânia, São José do Belmonte, Bom Conselho, Santa Maria da Boa Vista, Buíque,
Cabrobó, Canhotinho, Correntes, Floes, Floresta, Garanhuns, Granito, Afogados da Ingazeira, Parnamirim, Exu, Ouricuri, Pedra, Pesqueira,
Petrolina, Salgueiro, São Bento, São José do Egito, Triunfo, Tacaratu e Serra Talhada.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 17


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

presidente da Câmara; Eurico Souza Leão, chefe de Polícia; Pessoa Guerra, prefeito do Recife; Gouveia de Barros,
diretor do Departamento de Saúde; Aníbal Fernandes, redator-chefe do Diário do Estado.”16 Souza Filho era diretor
proprietário do jornal A Rua. Permanecia grande amigo do dr. Souto desde os idos de 1909, quando dividiam
escritório de advocacia. Abaixo do registro da homenagem, o discurso de Souza Filho, no Leite: “ O auxiliar de
Governo de 1911 é o líder do governo de 1926. Incoerência ou apostaria? Não. Nunca. Exatamente o contrário, isto
é, a coerência da lealdade... O dever separa e realiza. A luta apura os valores. A paz glorifica-os. As lealdades, de
um lado ou de outro, das refregas de 11 podem confraternizar aqui, sem constrangimento, porque já viveram,
congraçados, as horas trágicas de 22”.
Experiente, conhecedor das manhas políticas e estrategista de primeira grandeza, Souto Filho prepara um
vôo mais alto na escala do poder. Em março de 1928, é eleito para o Senado Estadual, na chapa apresentada por
Estácio Coimbra. Nas eleições de 9 de setembro do ano seguinte, é eleito prefeito de Garanhuns. Toma posse em
dezembro e, de imediato, passa o cargo para o vice, Francisco Simões dos Santos Figueira, que governa durante
dois meses e renuncia em fins de fevereiro de 1930. Assim, o presidente da Câmara Municipal, coronel Euclides
Dourado, cunhado de Souto Filho, assume a Prefeitura. Ratificava sua liderança em Garanhuns.
Souto Filho ocupa sua cadeira no Senado Estadual em junho de 1928. Líder da Maioria também naquela
casa, participa como relator das comissões de Finanças, Orçamento e Negócios Municipais e de Saúde, Instrução
Pública, Redação de Leis, Segurança e Força Pública. Numa das primeiras sessões, realizada em 19 de junho, vai à
tribuna para homenagear três personalidades ilustres, cujas mortes ocorreram no primeiro semestre daquele ano.
Oliveira Lima, historiador e diplomata, falecido em Washington; Esmeraldino Bandeira, jurista e parlamentar,
falecido no Rio de Janeiro, e Júlio de Mello, ex-presidente do Senado Estadual, que morreu no exercício do
Governo de Pernambuco.
Durante os recessos legislativos – geralmente de dezembro a fevereiro – e as férias escolares dos filhos,
dr. Souto visitava Garanhuns com toda a família. A viagem, de trem, demorava cerca de sete horas. Na estação,
uma pequena multidão para receber seu chefe político. A banda de música do maestro Francisco Ribeiro saudava a
comitiva. José Francisco, o “Zé Fogueteiro” – se encarregava de soltar os fogos da girândola. A babá dos filhos de
dr. Souto, Celina, se apressava para tirar as crianças da plataforma por causa da quantidade de pessoas que se
acotovelavam para cumprimentá-lo.
Era sempre assim, uma grande festa. Da estação, rumavam para a casa da Praça Dom Moura, 44. Souto
Filho passava horas no porão habitável, um espaço imenso tomando toda a extensão da casa, recebendo amigos e
correligionários. Ali funcionava o seu gabinete, guarnecido com móveis de jacarandá e uma imensa mesa redonda.
Era o seu “quartel- general”. A casa ainda existe, mantendo as características originais e representando uma linha
arquitetônica ímpar na cidade, pois sua construção era resultado do apogeu do café. Foi erguida, em 1919, por José
de Almeida, seu primeiro proprietário, comerciante e ex-prefeito de Garanhuns, que contratou o arquiteto italiano
Bruno Giorgio para fazer o projeto. Todo o madeiramento para o assoalho e lambri foi importado do Pará. A
entrada ao porão se dá por duas passagens, sendo uma, interna, com acesso direto à cozinha da casa. Hoje, a casa é
habitada pela família do médico aposentado Wilson Santana Neves.
Souto Filho também era proprietário da Fazenda Bela Aliança, nos arredores de Garanhuns, onde recebia
autoridades para festas ou conversas mais reservadas. O primeiro bispo de Garanhuns, dom José Tavares de Moura
e o governador Estácio, Coimbra eram algumas delas.
Nas férias do início de 1929, um fato curioso marcou na lembrança de Gerusa Souto Malheiros, então com
cinco anos incompletos. Ela conta que a sua babá Celina costumava levá-la a um passeio matinal pelas
proximidades da casa: Praça Dom Moura, estação ferroviária. Não se sabe por quê, Celina se distancia um pouco e
visita a Cadeia Pública. Os olhares tristes e a penúria dos presos impressionam Gerusa. Um dos presos, sabendo que
aquela menina era filha do senador e chefe político da região, pede que ela rogue ao seu pai que o liberte e escreve
seu nome em um pedaço de papel. O pedido a comove. De volta para casa, Gerusa desce até o porão onde Souto
Filho despachava e transmite o pedido do preso, sem nenhuma cerimônia. Ele a olhou ternamente, com os seus
olhos azuis profundos e disse-lhe: “Minha filha, se eu atendesse ao seu pedido, os jornais de Oposição, amanhã, me
responsabilizariam de soltar um preso sem a conclusão do processo, que é da absoluta competência do juiz. Como
chefe político, não tenho condições para tal decisão.”
Ao recordar esse fato, Gerusa dimensiona bem a postura equilibrada e o sentido de justiça do pai. Souto
Filho semeava dentro da própria família o sentido retilíneo de conduta do homem público que o tornaria uma avis
rara na vida política do Brasil de hoje.
Líder do Governo no Senado Estadual, Souto Filho mantinha com seus aliados e comandantes políticos a
mesma lealdade que o caracterizou nos tempos de Dantas Barreto, sem, entretanto, macular sua consciência. A
mensagem do governador Estácio Coimbra, enviada ao Senado em 17 de junho de 1929, recebe de Souto Filho os
melhores elogios. “A mensagem do Poder Executivo, cuja leitura acabamos de ouvir, é um documento eloqüente da
prosperidade de Pernambuco e da eficiência do seu atual Governo, que nos expôs com clareza, sinceridade e

16
O Diário Oficial da época.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 18


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

firmeza a nossa real situação , sem o otimismo dos governos imprevidentes e sem o pessimismo criminoso dos
governos fracos”.
Ele, como sempre fazia, envia à Mesa indicação de aplausos e de apoio ao governo e à política do
governador. A moção é aprovada contra o voto de Arruda Falcão, avesso a unanimidades e borbista que era quase
voz solitária contra Estácio naquela Casa.
O Senado Estadual ficava na Rua da Aurora, onde hoje está instalada a Polícia Civil de Pernambuco.
Algumas vezes, após as sessões, Souto Filho caminhava com os amigos até o Clube Internacional, que funcionava
no número 265 da mesma rua, onde, atualmente, funciona o Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães –
MAMAM. No Clube, entre rodadas de pôquer, avaliava o quadro político e trocava idéias com os aliados. Bebia
pouco. Vinho nas refeições mais concorridas e champanhe nos eventos festivos. Fumava, de vez em quando,
charutos Suerdick, importados. Do pouco tempo que dispunha para o lazer, se dedicava à família, mesmo
recebendo, em casa, inúmeros amigos que lhe pediam orientação política. Às vezes, ia com dona Chiquita ao Santa
Isabel, para assistir a alguma peça das várias companhias que se apresentavam no Teatro. Vestia-se,
impecavelmente, em qualquer ocasião. No frio de Garanhuns ou no calor do Recife. Sua casa da Joaquim Nabuco
mantinha as luzes acesas até tarde da noite. O chefe político, muito atencioso, quase sempre perdia as horas,
confabulando com amigos. Hipertenso, sua saúde ainda não preocupava médicos e familiares. Como prevenção,
abstinha-se do sal. E só. Na época, não existia nenhum remédio que pudesse controlar a pressão.
A Administração de Estácio Coimbra caminha para o final do mandato. Confiante na condução de um
processo vitorioso no plano federal, por meio do presidente Washington Luiz, não aceita o convite para compor
com Getúlio Vargas a disputa presidencial. Declinada a proposta, os aliancistas chamam o presidente da Paraíba,
João Pessoa, que aceita o desafio. Janeiro de 1930 chega com a nau estacista em sossego, mar de bonança e céu de
brigadeiro em Pernambuco. Lembrava os tempos de Rosa e Silva. Comando único, partido coeso e forte, aliados
leais.
Janeiro era também o tempo de indicar os nomes do partido para renovação de quadros no cenário
parlamentar. Eleições para o Senado e Câmara Federal em março – seriam as últimas da chamada República Velha.
Souto Filho renuncia ao mandato de senador estadual para voar mais alto na escala do poder, concorrendo à Câmara
Federal. Dentro de pouco tempo, estava mudando de endereço junto com toda a família. Deputado federal, vai
residir no Rio de Janeiro. A casa da Joaquim Nabuco é alugada a uma família portuguesa. Móveis e objetos da
família são enviados para Garanhuns. Além de José Maria Belo para o Senado, o estacismo elege todos os
candidatos apresentados. Antiógenes Chaves, Antonio Austregésilo, Arquimedes de Oliveira, Bianor de Medeiros,
o general Barbosa Lima, Costa Ribeiro, Eurico Chaves, F. Pessoa de Queiroz, Genaro Guimarães, Lima Castro,
Joaquim Bandeira, Samuel Hardmann, Sebastião do Rego Barros (eleito presidente da Câmara), Sérgio Loreto e
Souto Filho. A Oposição elegeria três borbistas: Agamenon Magalhães, Arruda Falcão e Arnaldo Bastos.
As caravanas “revolucionárias” da Aliança Liberal, que faziam a campanha de Getúlio Vargas à
Presidência percorriam o País. Em Garanhuns, o deputado gaúcho Batista Luzardo,17 grande defensor da Coluna
Prestes na Câmara Federal, liderava uma dessas caravanas. Início de fevereiro. Um grande comício programado
para ser realizado à noite ia contar com a participação de muitos oposicionistas ao Governo. Batista Luzardo era a
atração maior. A família Souto Filho se encontrava em Garanhuns. Chefe político e tendo seu cunhado, Euclides
Dourado, como prefeito, não colocou nenhum empecilho para a realização do comício. No final da noite, já
dormindo, é acordado e ouve, perplexo, a notícia que o deixa atordoado: um velho e querido amigo, Joaquim
Branco, pai de Elpídio Branco, disparara um tiro para cima na hora em que Luzardo discursava, com o objetivo de
dissolver o comício.
O episódio coloca Souto Filho em situação constrangedora. Os jornais de Oposição, no Recife,
principalmente o Diário da Manhã, iriam explorar o fato por muito tempo. Dona Chiquita Souto, mulher que
sempre compartilhava da vida pública do marido, sugere que Souto Filho abra as portas da casa e receba os
membros da caravana que se encontravam hospedados no Hotel Mota, próximo à Praça dom Moura. Os
“revolucionários” ouviram as ponderações do deputado e compreenderam que a ação teria sido um ato isolado e
inconseqüente de alguém que não tinha preparo para conviver com a democracia. A brilhante idéia de dona
Chiquita serenou os ânimos, pelo menos naquele momento. O ano de 1930, entretanto, reservara muitas
turbulências nas relações de poder e acontecimentos que abalaram o País inteiro, culminando com um movimento
revolucionário que pôs fim à República Velha, mudando o destino de quem era Governo e de quem fazia oposição.
Na capital da República, Souto Filho instala a família no Hotel América, na Rua do Catete. O seu
proprietário, Ernesto Nascimento, era pernambucano. O hotel era muito freqüentado pelos conterrâneos,
conseqüentemente, pelos governistas, mas essa aproximação em nada alterava as suas convicções democratas na
hora de externar o pensamento ou exercer o direito do voto livre em questões polêmicas. Na sua atuação
parlamentar, embora membro da maioria, nunca abdicou da sua independência.

17
Meireles, Domingos. As Noites das Grandes Fogueiras, págs, 571 e 605.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 19


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

Um caso exemplar foi o parecer que sacrificou os deputados da Paraíba. Nas eleições de março, João
Pessoa foi eleito presidente da Paraíba, pela chapa da Aliança Liberal, com mais de 20 mil votos de diferença em
relação ao adversário. Com isso, a vaga de senador federal e as quatro de deputado ficariam com os aliancistas. O
presidente Washington Luiz ordenou a degola dos vitoriosos, determinando a posse dos derrotados. Souto Filho foi
o único representante governista da bancada pernambucana que votou contra o parecer que sacrificou os deputados
eleitos legalmente pela Paraíba.
O País vivia momentos de grande agitação política. Washington Luiz lançara, nas eleições de primeiro de
março, o presidente de São Paulo, Júlio Prestes, para sucedê-lo. A Aliança Liberal ficou com Getúlio Vargas,
presidente do Rio Grande do Sul. Urnas abertas, Prestes vence Getúlio com uma diferença superior a 300 mil votos.
Os aliancistas, como tantos outros na República Velha, alegam fraude e começam a conspirar contra o Governo.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 20


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

REVOLUÇÃO DE 30, A CASA DESTRUÍDA.


PERSEGUIÇÃO, PRISÃO EM 31
O estopim da crise foi o assassinato de João Pessoa, no Recife, em 26 de julho de 1930. Advogado e
deputado, João Dantas, adversário político de João Pessoa, tivera, meses antes, seu escritório político invadido e
algumas cartas de sua namorada, Anaíde Beiriz, são divulgadas no jornal A União, periódico do Governo da
Paraíba. O escândalo provoca a ira de Dantas, que se muda para casa de um cunhado, em Olinda, Pernambuco. E
assim fizeram os que se sentiam ameaçados por Pessoa.
Ao saber que seu detrator se encontrava no Recife, João Dantas vai ao encontro dele, na Confeitaria
Glória, na Rua Nova, centro da Cidade. Ele estava sentado em uma mesa na companhia de Alfredo Dias, Caio de
Lima Cavalcanti e Agamenon Magalhães. Dantas entra na Confeitaria, anuncia seu nome e atira quase à queima
roupa em João Pessoa. O presidente da Paraíba estava morto. O crime abalou o País. A Imprensa oposicionista
utilizou o crime como bandeira de luta, incentivando os revoltosos que há tempos vinham maquinando a
“revolução”. No Sul, Getúlio Vargas comandava a trama. No Norte, o tenente Juarez Távora, egresso da Coluna
Prestes, se encarregava de fechar o cerco. O dia “D” se aproximava.
Em meados de setembro, Souto Filho retorna a Pernambuco para resolver, junto com o diretório do
Partido Republicano de Pernambuco, a indicação do substituto de Luiz Correia de Britto, senador da República pela
sua agremiação, falecido no começo do mês. No dia 23 de setembro, os diretorianos se reúnem e apresentam o
nome do ex-governador e deputado federal Sérgio Loreto para a vaga de Correia de Britto na eleição suplementar,
marcada para o dia 21 de outubro, que terminaria não acontecendo. Assinam o Boletim, Sebastião do Rego Barros,
Julio Belo, Paulo de Amorim Salgado, Antonio Souto Filho, Davino Pontual, Archimedes de Oliveira e F. Pessoa
de Queiroz. Por ironia, o Boletim – espécie de nota oficial – só é publicado no Diário do Estado, órgão oficial do
Governo, em 4 de outubro, um sábado, dia em que eclode a revolução em Pernambuco e na Paraíba. Desde o dia
anterior, o Rio Grande do Sul e Minas Gerais estavam nas mãos dos rebelados.
A revolução alcança Souto Filho em Garanhuns. No seu retorno a Pernambuco para participar da
apresentação do nome de Sérgio Loreto para ocupar a vaga no Senado, os boatos sobre o movimento já eram
grandes. Ele viaja a sua terra para resolver problemas pessoais e manter contatos com lideranças. Sua presença na
cidade desperta curiosidade, principalmente dos aliancistas, aumentando ainda mais as especulações.
Em seu livro Memorial de Pernambuco – O Impeachment no Estado e no Brasil18, o escritor José
Wamberto, na época estudante do Ginásio de Garanhuns, lembra que, na noite do dia 3, o vice-diretor, padre
Agobar Valença, entrou na sala de estudos e ordenou que todos se retirassem para o dormitório, recomendando que
se ouvissem algum movimento estranho, algum tiro, para se meterem debaixo da cama. Nada de ir olhar pela janela.
Nada aconteceu. No dia seguinte, os estudantes – internos – tiveram a saída semanal permitida pela direção do
Ginásio para irem ao cinema. Conta José Wamberto: “Quando descia a Rua Treze de maio, que liga a 15 de
novembro à Praça João Pessoa, vi na agência postal-telegráfica, que ficava à esquerda, o deputado Souto Filho
junto a um telegrafista (Ignácio Galvão dos Santos – pai do professor e escritor Mário Márcio de Almeida Santos),
que manipulava um aparelho Morse, à procura de notícias.”
Não há condições de se precisar quanto tempo o deputado ficou buscando notícias sobre os
acontecimentos junto com Ignácio Galvão, mas desde o dia anterior eles se encontravam na agência telegráfica. Em
entrevista ao Diario de Pernambuco, no dia 29 de outubro de 1981, o coronel Sidrack de Oliveira Correia, na época
da Revolução delegado em Bom Conselho, revela que recebeu ordens, por telégrafo, para ir ao encontro de Souto
Filho, em Garanhuns. O deputado lhe passa instruções do governador para seguir com uma tropa para fazer algo
pela situação dominante no Recife. Sidrack diz ao deputado que só dispõe de um escrivão e um soldado. Também
via telégrafo, Souto Filho já sabia dos acontecimentos no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais.
No Recife, os revolucionários haviam tomado de assalto o depósito de material bélico do Exército, na Rua
da Soledade, distribuindo armas para populares dispostos a lutar pela “causa”, e aos condutores de bondes, que se
organizaram em milícias, a que deram o nome de “Linha Azul”. Pouco a pouco, a Capital ia cedendo. A Casa de
Detenção, dirigida por Joaquim Cavalcanti, foi o penúltimo foco de resistência do Governo. O assassino de João
Pessoa, João Dantas, que ali se encontrava preso, não suportou as ameaças dos revoltosos e cometeu suicídio no dia
6, cortando a jugular com um bisturi.
No final da tarde do sábado, depois de ouvir oficiais do Exército, que lhe relataram a situação no Estado e
na Paraíba, Estácio Coimbra resolve abandonar o Palácio e não oferecer resistência. O pesadelo de 1911 estava
muito vivo em sua memória. A História se repetiu, sem farsa. Mais uma vez, ele embarca em um navio – agora, um
rebocador que tinha o seu nome – e ruma para Barreiros, junto com alguns correligionários. No domingo, Souto
Filho entrega a Prefeitura de Garanhuns – seu cunhado Euclides Dourado era o prefeito – à Junta Militar

18
Wamberto, José. Memorial de Pernambuco, págs. 75/76

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 21


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

Revolucionária, formada por José Gaspar da Silva, Fausto Lemos e Mário Lyra. Viaja para Maceió a fim de
encontrar-se com a caravana dos “decaídos” de Estácio Coimbra.
Os revolucionários vitoriosos pregavam mudanças estruturais na política brasileira, em especial o voto
secreto, grande arma do eleitor para mudar os seus destinos. Queriam uma República Nova, democrática, com
igualdade de oportunidades para todos. Tudo isso contagiava o povo. O que se via nas ruas do Recife, entretanto,
era um furor cívico destruidor. Uma cidade entregue ao saque. Jornais situacionistas ou simpatizantes foram
incendiados. Residências saqueadas e incendiadas, entre outras, a de Pessoa de Queiroz, na Praça Chora Menino. O
mesmo ocorreu com Souto Filho. Sua casa da Joaquim Nabuco foi depredada e incendiada. Por mais que o
inquilino português gritasse que o deputado morava no Rio, que aquela casa estava alugada a ele, e empunhasse a
bandeira de Portugal na janela, a turba ficava mais violenta, destruindo tudo que encontrava pela frente. Nem a
imagem do Coração de Jesus, entronizada na sala principal, escapou. Dona Gerusa conta que o que mais a fez
sentir, quando regressou do Rio de Janeiro e viu a casa destruída, foi constatar a falta da estátua de Diana, a
caçadora – da mitologia grega, que ficava no centro do jardim. Tudo foi destruído.
O chefe da Revolução no Norte, o tenente Juarez Távora, entrega o Governo a Carlos de Lima Cavalcanti.
Os “revolucionários” de 30 manteriam, em Pernambuco, os usineiros no Poder. Carlos de Lima, em primeira
providência, busca restaurar a ordem no Estado, principalmente no Recife, tomado pela embriaguez da vitória. Para
barrar o horror, ele procura restaurar a máquina mantenedora da ordem – chefias de polícias, delegados,
comissários, enfim, todos os aliancistas da área policial que pudessem ajudar o novo Governo a normalizar a
situação. Em Garanhuns, pelo menos, o clima era de tranqüilidade. A casa e a fazenda de Souto Filho foram
preservadas pelos revolucionários conterrâneos.
Passageiro privilegiado no navio que levou Estácio Coimbra à rota do exílio, Elpídio Branco narra com
detalhes, em seu livro Memórias Brancas19, o longo percurso até o Rio de Janeiro. Na segunda-feira, dia 6, Souto
Filho, acompanhado do deputado Genaro Magalhães, do coronel José Abílio e do fazendeiro José Marques de
Oliveira, chega a Maceió e embarca com Estácio Coimbra e seus amigos no Aratimbó, com destino à capital da
República. Próximo à costa da Bahia, o navio é perseguido por um torpedeiro. Seu comandante, Radler de Aquino,
ordena que o comandante do Aratimbó pare as máquinas. Durante duas horas os dois comandantes confabulam. O
navio não pôde seguir viagem, até segunda ordem. Um clima de insegurança e pavor toma conta do ambiente.
Elpídio diz que já se sente preso na Ilha das Cobras, no Rio. Souto Filho, mesmo em momentos de apreensões, não
perde o humor, diz que, ali mesmo, todos seriam sepultados para sempre. Cerca de cinco horas depois, o navio era
liberado para seguir viagem com todos, menos o governador, por ordem do ainda presidente Washington Luiz,
talvez magoado pela desídia de Estácio na contenção da revolta em Pernambuco. O governador, acompanhado de
Gilberto Freyre, seu oficial de Gabinete, embarca em navio francês e parte para o exílio na Europa.
Souto Filho chega, no dia 12, ao Rio, e vai ao encontro de sua família, no Hotel América, levando Elpídio
Branco a tiracolo. É informado da situação no País por amigos e familiares, inclusive sobre os atos de vandalismo
contra sua casa da Joaquim Nabuco. Mesmo com um ambiente revolucionário mais ameno em relação aos
“decaídos”, Souto Filho resolve se asilar na Embaixada do Uruguai, vizinha ao hotel. O chefe das operações da
revolução do Sul e Sudeste, Góis Monteiro, seu primo, informado da situação, o transfere para a casa de sua mãe,
Constancinha Góis Monteiro, em Niterói. Grávida do filho Cláudio, dona Chiquita fazia muito esforço para visitar o
marido em Niterói, utilizando a balsa e sendo submetida a “vistorias” pelos revolucionários. Dona Gerusa relembra
os retornos de sua mãe para o Hotel América com o semblante sempre abatido.
O concunhado de Souto Filho, Sebastião do Rego Barros, presidente da Câmara – portanto, terceira pessoa
da República–, segue para o exílio em Lisboa. Começava um novo tempo no País. No dia 23, dom Sebastião Leme
da Silveira Cintra, arcebispo do Rio de Janeiro, convence Washington Luiz a deixar o Governo. Depois de pouco
tempo preso no Forte de Copacabana, viaja à Europa e, em seguida, aos Estados Unidos. Assume o poder uma
Junta Militar integrada pelos generais Mena Barreto, Tasso Fragoso e pelo almirante Isaías de Noronha. Prevendo
disputas extemporâneas pelo poder, em função de interpretações sobre quem comandaria o Governo, Góis Monteiro
defende a posse de Getúlio Vargas na Presidência, para fazer justiça às eleições de 1º de março e coroar de êxito os
princípios da Revolução. A tese foi aceita pela Junta, que entrega o poder a Getúlio, no dia 3 de novembro, na
qualidade de chefe do Governo provisório. Era o fim da República Velha.
Sem mandato – o Governo revolucionário dissolvera o Congresso Nacional e as casas legislativas
estaduais – Souto Filho volta, com a família, para o Recife, no final de novembro, amargando, no mesmo navio, a
companhia de Juarez Távora, que foi ovacionado por uma multidão no Porto de Salvador, onde desceu. Além da
perda do mandato, foi sumariamente demitido do cargo de curador-geral de Órfãos e Interditos. Sua casa da
Joaquim Nabuco foi restaurada para poder abrigar a família. Lá nasceram seus quatro filhos. Em março de 1931,
nasce Cláudio, o caçula. Pouco a pouco, as coisas iam se normalizando. Cessadas as hostilidades contra os
decaídos, Souto Filho volta a se reunir com amigos e correligionários do Recife e de Garanhuns. Homem de
conduta retilínea, conseguia manter o mesmo prestígio e respeito de quando estava no poder. Sem os salários dos

19
Malheiros, Gerusa Souto. Memórias Brancas, págs. 80 e 95

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 22


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

cargos que ocupava, buscou na Fazenda Bela Aliança, com o cultivo do café, os recursos necessários para manter a
família dignamente. Carlos de Lima, em 10 de setembro, em seu jornal, Diário da Manhã, lançava ataques a Souto
Filho sobre o episódio ocorrido no ano anterior, em Garanhuns, e já superado pelos próprios revolucionários
envolvidos no caso: “Batista Luzardo ia sendo vítima de um monstruoso trucidamento, capitaneado pelo ex-
deputado estadual, senhor Souto Filho, instrumento servil e perverso da politicalha dirigida pelo supermandão dos
latifundiários barreirenses. É de se lamentar, apenas, que a Justiça, nesse particular, não tenha sido, até agora, como
se faz mister, tão inflexível quanto oportuna e exemplar”. Ele sabia que nenhuma crise ou poder seriam
permanentes. Tinha tempo, portanto não tinha pressa.
Enquanto vencia a rotina, ampliava seu horizonte otimista em relação ao futuro. O interventor Carlos de
Lima Cavalcanti vivia uma lua-de-mel com o poder até o dia 29 de outubro, quando ocorreu o levante do 21º
Batalhão de Caçadores – Rua do Hospício - com o apoio das polícias civil e militar. Os recifenses viveram três dias
de tensão com um movimento sedicioso que causou algumas vítimas, entre elas, o comandante da 7ª Região Militar,
capitão Nereu Guerra. No bairro de Afogados, o tenente Fortuna foi assassinado e o capelão militar, padre Arruda
Câmara, ficou ferido. Pedro Calado, chefe civil do movimento e alguns militares, se achavam donos da situação
com a tomada de quartéis e delegacias. Os revoltosos diziam que a ação era contra o Governo estadual, contra o
interventor, que, segundo eles, não cumpria os ideais de 30.
Carlos de Lima fraquejou e deixou o Governo à deriva. Não fosse a imediata ação do tenente-coronel
aposentado, Muniz de Farias, no comando da resistência, a história seria outra. Na manhã do dia seguinte, com os
reforços vindos da Paraíba, os líderes da sedição foram sendo presos e a situação voltava à normalidade no início de
novembro. Mas, ainda na noite do dia 30, mesmo sem nenhum controle da Cidade, o governador e os responsáveis pela
segurança pública, “elegeram” alguns inimigos para serem presos, juntamente com alguns militares que capitularam, ou
simplesmente, foram detidos em seus focos de resistência.
Souto Filho estava febril naquele 30 de outubro. Eram quase 11 horas da noite quando bateram à sua porta.
Dona Chiquita vai atender e recebe a ordem de prisão do marido, pelas vozes de Renato Carneiro da Cunha e Edgar
Bezerra Cavalcanti, “revolucionários extremados”. Ela pede que eles se sentem e esperem um pouco, pois o marido nada
tinha a temer e os acompanharia sem problemas. As crianças estavam dormindo. Souto Filho se despede de dona Chiquita
e segue com seus algozes para a Casa de Detenção do Recife, atual Casa da Cultura. Carlos de Lima ainda não perdoava
Souto Filho pelo veto ao dinheirinho que queria usar da enteada para aplicar na sua usina. Antes de ser trancafiado em
cela de cimento batido, Souto foi submetido a uma operação de rotina pelo escrevente de plantão que era o responsável
pelo registro dos prisioneiros. Sua verve alimentou a ironia. Apresentado pelos seus algozes como “Dr. Souto Filho”, sua
ficha de identificação policial no Arquivo Público Estadual é hilariante pelas respostas dadas ao escrevente. “Data:
30/10/31; Nome: Dr Souto Filho; Filiação: ignora nomes dos pais; Naturalidade: ignora; Idade: ignora; Estado Civil:
ignora; Cor: branco (definição do escrivão); Profissão: ignora; Sinais Característicos: 1m66, cabelos pretos e crespos,
rosto comprido, faz barba, olhos castanhos, nariz grosso, boca e corpo regulares, todos os dentes. (Souto Filho tinha em
torno de 1m60, cabelos castanhos e lisos, rosto normal, olhos azuis, nariz e lábios finos). No final, uma observação: sabe
ler”. Naquele dia, juntava-se a ele, só na Detenção – outros locais, inclusive Fernando de Noronha, serviriam de
cárcere para os “participantes” da insubordinação – 206 prisioneiros20. Na manhã seguinte, é transferido para a
enfermaria e, à tarde, escreve uma carta a dona Chiquita: “Estou bem e quase restabelecido da gripe, só me resta a
coriza e assim mesmo, atenuada. Aqui nada me tem faltado. O Restaurante Leite tem me mandado as refeições. Não
me mandes mais nada, a não ser uma escova de cabelo e duas camisas de peito mole. Recomendo-te, mais uma vez,
toda resignação, que te pode dar a tua fé cristã, muito propícia nestes momentos de provação moral. Esta situação é
mais dura para ti do que para mim. O meu sofrimento único é não sofrerem tu e os queridos filhinhos. Tudo passa.
Não deves pedir a ninguém pela minha liberdade. Confio na fortaleza do teu espírito e no ânimo dos filhinhos que
devem ir se acostumando a ser fortes. Tenho dormido bem. Façam de conta que estou em Garanhuns, passando uns
dias. Beijos para ti, Esterzinha, Antony, Geruzinha e Cláudio. Do teu, Soutinho”.
Dona Chiquita não pediu a ninguém pela liberdade do marido, mas, no início da noite do dia primeiro de
novembro Souto Filho era libertado. Sua prisão repercutiu junto à sociedade. Um ato arbitrário do interventor. Em
nenhum momento ele teve participação no levante. Os jornais nada noticiaram, pois passaram dias sem circular. O Diario
de Pernambuco ficou uma semana fora de circulação. Só os jornais adesistas, inclusive o Diário da Manhã, de
propriedade dos Lima Cavalcanti, circularam normalmente, seguindo o noticiário oficial. À noite, a casa da Joaquim
Nabuco ficou pequena para abrigar as dezenas de amigos que foram solidarizar com ele, inclusive o secretário de
Agricultura de Carlos de Lima, João Cleofas de Oliveira.
Outra revolução, a Constitucionalista, em 1932, encontrou Souto Filho em São Paulo, palco dos
acontecimentos. Ele tinha viajado ao Sudeste para se distanciar um pouco das perseguições sofridas no Recife e
pedir ao seu primo, general Góis Monteiro, a restituição da sua função de curador-geral de Órfãos e Interditos. A
função era vitalícia, mas, mesmo assim, tinha sido demitido do cargo pelo interventor. Ainda não foi dessa vez.

20
Além de Souto Filho, foram presos, naquele dia, o advogado Demócrito César de Souza e os jornalistas Salvador Nigro, Filemon de
Albuquerque, Aprígio de Faria e Silvio Cravo. Os outros prisioneiros eram, na maioria, militares de várias patentes.

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 23


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

VOLTA POR CIMA E A CONSTITUINTE

Em janeiro de 1933, no Recife, Souto Filho é um dos fundadores e vice-presidente do Partido Social
Republicano de Pernambuco, em oposição ao Partido Social Democrático, criado por Carlos de Lima Cavalcanti.
Ele estava pronto para mais uma luta eleitoral. Desta vez, por um partido de Oposição e candidato à Assembléia
Nacional Constituinte nas eleições marcadas para 3 de maio daquele ano, as primeiras com o advento do voto
secreto e livre do eleitor.
Não seria bem assim. Acontecia que ao ser chamado, o eleitor assinava o nome na lista de
comparecimento e recebia das mãos do fiscal do partido do Governo, uma chapa para ser colocada na urna que
ficava sobre a mesa de votação, à vista de todos. Não havia as chamadas cabines de votação. Tudo era claro e
ostensivo. O eleitor de oposição tinha que levar a sua própria cédula ou consultar a papeleta que continha os nomes
dos candidatos de todos os partidos. Votar contra o Governo era um ato difícil e de coragem. Pior: terminada a
votação, o sistema permitia que os mesários – a maioria governista – completassem as listas de votação, assinando e
votando pelos que ficaram em casa. Os próprios mesários abriam as urnas, contavam os votos e redigiam as atas. A
revisão do resultado só ocorreria tempos depois nas Comissões de Verificação da Câmara. Mesmo assim, não
deixava de ser um avanço em relação ao processo que ocorria na República Velha.
Chega o grande dia. As eleições, em todo o Estado, transcorrem de forma tranqüila. A Imprensa
acompanha com liberdade e as manifestações dos eleitores em favor de candidatos são respeitadas. Começavam a
chegar ao Palácio da Justiça, local da apuração, os primeiros resultados da contagem de votos de várias regiões do
Estado. Souto Filho foi o único candidato da oposição eleito para a Assembléia Nacional Constituinte. Cristiano
Cordeiro obteve votos suficientes para se eleger, entretanto, por ser comunista e candidato por partido avulso, foi
vítima de uma manobra que lhe tirou a vitória. Sobre a conquista de Souto Filho, no dia 6 de maio, o Jornal
Pequeno registrava na primeira página: “Ontem, à tarde, em todos os recantos da Cidade, o assunto obrigatório nas
conversações foi a vitória eleitoral do Dr. Souto Filho que ultrapassou o quociente eleitoral adquirindo 3.921 votos
em primeiro turno. Foi o Jornal Pequeno de ontem quem deu, em primeira mão, essa notícia que causou surpresa
no Recife inteiro”.
No mesmo dia, também na primeira página, o Diario de Pernambuco destacava: “No 1º turno, apenas
foram eleitos os candidatos João Alberto, Barreto Campello, Agamenon Magalhães e Souto Filho”. Já o Jornal do
Commercio, também do dia 6, narrava o clima de euforia dos admiradores de Souto Filho: “Sufocado quase pela
avalanche de amigos e correligionários, que no afã de cumprimentá-lo não lhe davam trégua sequer para um
suspiro, o prestigioso líder garanhuense, assim mesmo, ainda teve tempo para, numa rápida fuga, nos conceder
alguns minutos de palestra, atendendo a uma solicitação nossa”.
Souto Filho voltava de forma triunfante à cena política. Seus adversários teriam que engolir aquele sapo,
mas o vinho do Porto quem iria tomar era ele, na sua Garanhuns, junto com a família e centenas de admiradores, na
festa da vitória do filho ilustre que estava sendo preparada pelos seus amigos Manoel Agripino do Rego Barros,
Luiz Guerra, Elpídio Branco, José Marques de Oliveira, Lafayete Rezende, Francisco Figueira, Ary Barreto, Abdias
Branco, entre tantos outros.
Em carro especial atrelado ao comboio da Great Western, Souto Filho, junto com sua família e amigos,
segue com destino a Garanhuns. Nas estações de Canhotinho e Angelim, recebe grandes manifestações de apoio.
Após a chegada apoteótica em Garanhuns, formou-se um grande cortejo em direção à sua casa, com direito a banda
de música e foguetório. Durante a festa, realizada na sede do Sport Clube de Garanhuns, o melhor na época, Souto
Filho pronunciou um discurso que traduzia todo o seu sentimento em relação aos dissabores que havia sofrido e a
vitória recente. Eis os principais trechos, selecionados por sua filha Gerusa em seu livro Memórias de Amor: “Há
pouco mais de três anos, quando eleito à Câmara Federal, dissolvida pelo poder das armas, os meus conterrâneos
me ofereceram um banquete nesta cidade, no qual, diga-se de passagem, vi alguns convivas, que aqui não vejo.
Naquele tempo, eu era um candidato do partido dominante e tinha nas mãos dos amigos todas as posições oficiais.
Poder-se-ia dizer que ontem eu teria recebido um repasto de áulicos, mas, hoje, quando estou distante do poder, e
por ele injustiçado e combatido, ninguém dirá que esta festa não seja uma viva expressão do sentimento de
Garanhuns com o seu modesto filho, que, no decorrer da sua vida pública, sempre procurou honrar e engrandecer
o rincão natal. É que a eloqüência da de agora, ressalta menos do fato em si mesmo, do que do momento e
condições em que é feita. A de hoje vale mais do que a de ontem, tanto para vós, como para mim. Com o revés de
outubro de 1930, advém-nos uma quadra de pleno arbítrio, na qual, ficamos sujeitos a toda sorte de achincalhes,
de perseguições, de violências, de difamações, pondo-se no pelourinho das torturas morais, a honra dos vencidos,
exceto a daqueles que, por fraqueza ou conveniência, foram se engajando nas fileiras dos vencedores. Crivaram-
nos com todos os defeitos e imputaram-nos de todos os desmandos, crimes e malversações, numa orgia satânica de
ferir, denegrir e inutilizar, sem se lembrarem do que mais alto do que a injúria soez, há de falar a sociedade em
que vivemos, testemunha incorruptível e serena dos erros e acertos dos nossos serviços e desserviços, dos nossos
defeitos e qualidades. E já começou a falar, apesar de todas as coações exercidas contra os nossos amigos. Os

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 24


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

nossos adversários esperavam, que o processo de ultraje fosse suficiente para nos incompatibilizar com a opinião
pública da nossa querida terra e que os sofrimentos morais vos abatessem o ânimo viril e vos matassem todas as
aspirações, decorrentes do direito de cidadania. A todos prometo que, no seio da Assembléia Nacional
Constituinte, procurarei desempenhar o mandato, com que me honraram, de conformidade com as minhas forças e
de acordo tanto quanto possível, com o programa do partido, que inscreveu o meu nome no rol dos seus
candidatos. Não darei lustre à investidura, mas me sinto com as necessárias forças morais para exercê-la com
probidade e patriotismo, sem me deixar arrastar pelos desvarios da paixão partidária e sem me subordinar a
outros interesses que não sejam do Brasil, ávido de ordem para prosperar, de direito para viver e de liberdade
para respirar. Nas resoluções desta Constituinte, que vai dar ao País politicamente desorganizado, o estatuto
básico dos seus destinos, o meu voto e os meus esforços se somarão aos daqueles que propugnarem pelo
restabelecimento das normas sábias e liberais da velha Constituição, que, a meu ver, só merece ligeiras
modificações, reclamadas umas pela experiência da vida federativa e outras forçadas pelas circunstâncias do
momento político. É possível que seja forçada a válvula fechada, como se fez na Constituinte 90/91 e a Nação
possa começar a pôr seus delegados a se manifestar mais livremente. Do anteprojeto constitucional, também
mandado elaborar pelo Governo provisório pouco ou nada se conhece, mas, é de crer, que, não venham, em seu
contexto, inovações exóticas ou dispositivos atentatórios da nossa crença religiosa e dos direitos de segurança,
liberdade e propriedade tão caros a comunhão brasileira e tão resguardados pela Carta Política, que a revolução
espatifou. Destes-me, meus caros amigos, a vitória e ainda me festejais. Assinalas-te, assim, o ponto culminante de
toda minha carreira política. Se pudesse encerrá-la hoje, recolher-me-ia à vida privada, sobranceiro e
compensado de todas as suas agruras, abraçando os amigos que me elevaram e até perdoando os adversários, que,
em vão, tentaram me desconceituar por todos os meios e modos. Mas isto não é possível: seria egoísmo, desprimor
e fraqueza, seria não corresponder a vossa confiança e não ser digno dos vossos ingentes sacrifícios. O meu lugar,
é ao vosso lado. Agora e sempre.”
O Hotel América, na Rua do Catete, recebe, mais uma vez, a família Souto Filho. Os amigos do Rio
festejam a chegada do constituinte pernambucano. O general Góis Monteiro era um assíduo visitante da família.
Ironicamente, o general liderou, mais tarde, um golpe anticonstituinte contornado por Getúlio Vargas. Ficavam
horas conversando sobre política. As crianças retomavam seus estudos e matavam as saudades. Souto Neto voltou a
freqüentar o tradicional Colégio Santo Antonio e a jogar futebol com o filho do deputado baiano, Magalhães Neto,
Antonio Carlos Magalhães, hoje ex-senador. O Rio de Janeiro, mais do que nunca, era o foco das atenções de todo
o Brasil. Duzentos e oitenta e um homens e apenas uma mulher – a paulista Carlota de Queiroz – iriam decidir
sobre os destinos do País, elaborando uma nova Constituição, embora o Governo provisório tenha elaborado um
anteprojeto para servir de base na sua feitura.
Empossado em novembro de 1933, Souto Filho é um dos que se destacam na Constituinte, ganhando
espaço na Imprensa pela sua atuação em diversas áreas de trabalho da Carta, que seria promulgada em 16 de julho
de 1934:

A Nova Constituição: “Sempre me incluí entre os que entendiam que o Brasil poderia poupar o trabalho
da feitura de uma nova Constituição, uma vez que, a que nos legaram os republicanos de 1891 é uma das melhores
do mundo. Merecia reparos de ordem técnica e algumas modificações aconselhadas pela experiência e pelos
reclamos da evolução, o que se poderia fazer sem desfigurar a beleza da sua forma e sem quebrar o ritmo de sua
harmonia”. (Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 6/4/34).
Autonomia dos municípios: “O artigo 119 do substitutivo, em seu parágrafo segundo, preceitua que o
prefeito ‘poderá ser nomeado pelo governo do Estado, na capital ou naqueles onde o Estado custeie serviços
municipais’. Com este ‘poderá’, o cidadão há de ficar às tontas nas vésperas de uma eleição, sem saber se o
governo tem ou não candidato a nomear, já que a nomeação é facultativa. E não é só isso, A autonomia municipal
ficará exposta ao maior desvirtuamento, podendo mesmo desaparecer praticamente do quadro das conquistas
democráticas. Estou clamando contra os atentados à autonomia dos municípios”. (Jornal do Commercio, Rio de
Janeiro, 6/4/34).
Defendendo os interesses dos Estados e de Pernambuco: Apresenta emenda ao art. 14 do anteprojeto.
“Elimine-se do nº 1 do art. 14 as palavras ‘de consumo’ que devem figurar no inciso 1º do art. 15, eliminando-se
daquele artigo as palavras ‘bem como o global’ e deste as ‘bem como o cedular de renda’. Reconhecemos que é do
maior interesse econômico para o País, ficar o imposto de exportação pertencendo à União. O anteprojeto, porém,
não bem se apercebeu da verdadeira situação dos Estados, em face da permuta que faz, dando a estes o imposto
cedular da renda e à União, o imposto sobre a exportação. Com tão avultadas obrigações, com déficits alarmantes
e com o decréscimo sensível da arrecadação, não será possível ao Estado abrir mão da sua maior fonte tributária
(em Pernambuco, o açúcar), sem uma compensação razoável. O imposto de consumo deve conciliar e parece ser o
único que compensaria o imposto de exportação, além de ser mais justo que aos Estados caiba, na distribuição
tributária, o referido imposto. Daí a nossa sugestão no sentido de a União cedê-lo aos Estados ao invés da renda”.
( Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20/12/33).

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 25


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

Contra o divórcio: “Voto contra a qualquer sugestão que queira implantar o divórcio no Brasil. Além de
defender os ditames da minha consciência, faço cumprir um compromisso de campanha com a igreja católica, que
defende o preceito do casamento indissolúvel. A polêmica do tema, exaustivamente debatida nos jornais da minha
terra ao longo dos anos, deixou clara a reação dos pernambucanos a essa iniciativa. A evolução da sociedade e
dos costumes dirá o momento apropriado para nova discussão. Agora, não”. (Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
22/12/33).
Mudança no Regimento: “Daria o meu voto a qualquer modificação regimental no sentido de se
apressar a constitucionalização do País, mas sem sacrifício do exame e discussão de projetos e suas emendas. O
substitutivo da comissão de política à indicação de Medeiros Neto, além de trazer no seu fecho a possibilidade da
inversão da ordem dos trabalhos, absurdo que o bom senso já repeliu, reduz a meia hora o prazo para cada
congressista falar sobre o projeto, inclusive emendas, que proponha em restrição, o que impossibilita o exercício
do mandato e conspurca a finalidade da Assembléia Constituinte. Por isso voto contra o aludido substitutivo”.
(Jornal do Comércio, Recife, 10/12/33).
Contra o Conselho Nacional: “O Conselho Nacional, como está proposto, é um quarto poder e mais forte
do que os outros, não só pela órbita da competência, que lhe traçaram, como pelos privilégios que lhe deram. É um
órgão destinado a viver em perene conflito com os outros poderes, perturbando-lhes a ação e entravando a marcha
dos negócios públicos”. (Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 10/04/34).
Os jornais de Pernambuco acompanhavam os trabalhos da Constituinte exaltando os seus representantes
preferidos. O Estado mantinha uma linha de independência e incomodava o interventor Carlos de Lima. No início
de março de 1934, a polícia invade a redação do jornal, exigindo que seja publicada uma nota oficial do interventor,
sem direito a comentários. Com a negativa da direção da empresa, nova invasão, depredação e ameaças. No dia 8
de março, Souto Filho vai à tribuna para protestar contra a violência:

“Sr. Presidente, pedi a palavra para comunicar à Assembléia que, ao entrar neste recinto, recebi um
telegrama relatando o fechamento virtual d’O Estado, órgão que se edita no Recife. Apresento o meu veemente
protesto contra essa violência do governo de Pernambuco.
Agamenon Magalhães: Vossa Excelência, que está falando em liberdade e em intolerância é o
representante do regime de maior intolerância que se instituiu em Pernambuco.
Souto Filho: O regime do qual Vossa Excelência fez parte, juntamente comigo, como deputado.
Agamenon Magalhães: Sempre defendi as liberdades públicas.
Souto Filho: Apoiando o Governo do senhor Sérgio Loreto e outros.
Agamenon Magalhães: Vossa Excelência é um retardatário, só hoje é que vem falar aqui em liberdades
públicas.
Souto Filho: Retardatário é Vossa Excelência, que sempre foi um reacionário.

Agamenon Magalhães parte em direção de Souto Filho, mas é impedido pelo general Cristóvão Barcelos,
que se coloca entre eles. Agamenon tem uma crise de nervos e não consegue sequer articular as palavras, naquele
momento. O episódio teve ampla repercussão no Rio de Janeiro. O presidente da Associação Brasileira de
Imprensa, Herbert Moses, se solidariza com Souto Filho e com a direção d’O Estado. A liberdade de Imprensa era
um imperativo para a maioria dos constituintes e sociedade em geral. Souto Filho, um jornalista extemporâneo,
conseguiu chamar a atenção do País contra o cerceamento da Imprensa pelo interventor Carlos de Lima. O Correio
da Manhã, do Rio de Janeiro, no dia 12 de março, fazia coro junto com toda a Imprensa carioca: “Causou péssima
impressão, nos meios jornalísticos e políticos, o restabelecimento da censura aos jornais de Pernambuco”.
Um mês antes da promulgação da Carta, Souto Filho, se despede dos trabalhos na Constituinte, votando
contra a elegibilidade de Getúlio Vargas, chefe do Governo provisório, à Presidência da República. Vargas,
entretanto, no dia seguinte à promulgação da Constituição, foi eleito, indiretamente, pela Assembléia, presidente da
República, tomando posse em 20 de julho para um mandato constitucional até 1938. A nova Constituição manteve
a Federação; proíbia a reeleição dos chefes executivos – exceto aqueles que se encontravam nos cargos naquele
momento; mantinha a autonomia dos Estados; reconhecia os direitos sociais; acabava com os Senados estaduais,
mantendo só as Câmaras e criava a figura do deputado classista, eleito pelos sindicatos, entre outras medidas.

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A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

DE VOLTA À ASSEMBLÉIA, CONTRA OS PRÍNCIPES.


TRAÍDO PELO CORAÇÃO...

Cumprida sua missão na Constituinte, Souto Filho retorna com a sua família para o Recife, no início de
agosto. Decidira trocar um mandato certo de deputado federal pela candidatura à Assembléia Constituinte Estadual.
Para a Imprensa, dizia que era uma decisão pessoal: “Não posso competir com amigos diletos que são candidatos e
também pelo desejo de não sair do meu Estado natal”. (A Nação, Rio de Janeiro, 25/07/34).
Souto Filho, entretanto, atendia a pedidos de médicos e da sua família por causa do agravamento do seu
problema cardíaco. Além disso, com a nova Carta, ele foi reintegrado ao cargo de curador de Órfãos e Interditos da
Capital. No dia 8 de agosto, o Jornal Pequeno, do Recife, noticiava: “Somos absolutamente insuspeitos para
registrar que o ato do interventor calou magnificamente no espírito público. O Dr. Souto Filho honrava aquele
cargo, não só pela inteligência como pela severidade e honradez dos seus atos. Representa a reparação de uma
injustiça e uma obediência a dispositivos irretorquíveis da Constituição de 16 de julho de 1934”.
No dia 14 de outubro, era eleito pela sua nova agremiação, o Partido Republicano Social de Pernambuco,
para a Câmara Estadual – constituinte – na Primeira Legislatura da República Nova, que teve início no dia 24. (1) A
Oposição, entretanto, fica em minoria na Câmara. Assim, não consegue, em eleição indireta realizada pela Câmara
Estadual, em 15 de abril do ano seguinte, eleger seu candidato a governador, capitão João Alberto, um dos heróis da
Coluna Prestes. Carlos de Lima Cavalcanti é reeleito com os votos da maioria dos deputados. Mesmo assim, Souto
Filho era um referencial para qualquer decisão política, mesmo para os que detinham o poder. Líder da Minoria,
pode estabelecer as diretrizes dos trabalhos na Câmara.
No início das atividades na nova Casa, consegue barrar as pretensões do deputado Ângelo Souza, que
requer urgência, por meio de requerimento à Mesa, ao projeto nº 01, que trata do Regimento Interno, conforme
publica o Diário do Estado, do dia 11 de novembro: “Nós, da Minoria, queremos colaborar sinceramente na obra
constituinte, que será resultante do esforço de todos nós. O requerimento não tem razão de ser. Temos um único
projeto: o da Constituição do Estado. Não tenho qualquer intento de obstrução dos trabalhos. Somos uma minoria
que busca as críticas justas ao trabalho do governo. A maioria na defesa possível do governo. Tudo num ambiente
de cordialidade, sem prejuízo das boas normas de civilidade e dentro dos limites da probidade parlamentar”.
Souto Filho não tinha apenas o respeito dos adversários e a admiração dos seus correligionários; era o mentor das
decisões da Casa e alvo de consulta dos seus pares, mesmo na Oposição.
A casa da Joaquim Nabuco – que havia sido comprada por dona Chiquita ao se desfazer de um engenho de
sua propriedade – se tornou pequena para abrigar a família e às necessidades de Souto Filho em atender, cada vez
mais, as inúmeras reuniões políticas e o vai-e-vem dos correligionários. A casa da esquina da Avenida Conde da
Boa Vista (nº 1306) com a Rua Osvaldo Cruz será a sua nova e última morada. Ela foi alugada, com promessa de
compra – que não se concretizou - a Bartolomeu Anacleto, empresário pernambucano radicado no Rio de Janeiro.
Nos últimos anos, funcionou, naquele local, uma agência bancária, hoje, nada mais resta da edificação. Do outro
lado da rua – onde há um posto de gasolina, esquina da Avenida Conde da Boa Vista com a Gonçalves Maia,
morava o deputado Pio Guerra, seu amigo e companheiro de confabulações políticas e de noitadas de pôquer.
Souto Filho curtia essa fase de reverências exercitando o seu bom humor. Elpídio Branco, registra em
Memórias Brancas, além de sua gratidão – todos os seus empregos e a carreira política deveram-se ao “Dr.
Soutinho”, como era chamado por pessoas mais íntimas –, algumas passagens hilárias do líder de Garanhuns: Por
piedade, Elpídio levou um amigo para pedir dinheiro emprestado a Souto Filho. “Elpídio, você não sabe que não
empresto dinheiro a amigos?”, questionou. Elpídio pouco entendeu. No dia seguinte, seu “padrinho” mostra o
“esquecimento” do amigo dele em pagar um empréstimo ao seu cunhado Euclides Dourado.
Souto Filho não era, necessariamente, uma “mão de vaca”, mas era zeloso com o seu patrimônio. O
apelido “Frasquinho de Veneno”, batizado pelos seus temerosos oponentes, ganhava fama no meio político e social.
Elpídio lembra um episódio muito engraçado. No carnaval de 1929, agitado pelas desconfianças políticas, ninguém
podia usar máscaras por conta das conspirações contra o Governo. Elpídio era delegado de Polícia. No bairro de
Santo Antonio funcionava o Clube Pernambucano, o principal cassino da Cidade. Lá, um casal insistia em
desobedecer à ordem do Governo, pois tinha suas privacidades a preservar. Ele foi chamado a persuadir os
pombinhos a retirar as máscaras. Era um senhor de engenho adúltero, pilhado em flagrante com uma mulher casada.
Ele suplica ao delegado: “Não conte nunca esse episódio ao ‘Frasquinho de Veneno”.
Era o temor, além da área política, dos que tinham contas a pagar. A língua de Souto Filho, versada na
cultura e nos descaminhos dos adversários, era também afiada no círculo de amizades, só pelo prazer de criar um
clima amistoso nas suas relações. Elpídio narra em seu livro um encontro de Souto Filho com o seu amigo
desembargador Veiga Pessoa – poeta nas horas vagas e que gostava de troçar das pessoas - na esquina do Lafayete.
O senador Paulo de Amorim Salgado era homem de poucas letras, mas querido pela sua bondade. Veiga Pessoa
larga o verbo na calçada: “Esse que por aí vai passando/Paulo de Amorim Salgado/Não gosto dele falando/Só
gosto dele calado”. Por coincidência, o senador se aproxima deles. Souto Filho exprime admiração pelos versos e

PERFIL PARLAMENTAR SÉCULO XX – ANTÔNIO SOUTO FILHO 27


A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

pede, ardiloso, ao “poeta”, para repeti-los bem alto. Veiga engole a corda. Indignado, o senador protesta. Veiga
tenta sair da cilada: “Paulo de Amorim Salgado/Este que por aí vai passando/Não gosto dele calado/Só gosto dele
falando”.
Dona Gerusa lembra-se de um verso, de autor desconhecido, que arrancava risos entre seus amigos: “Um
vidro de estricnina/Na Farmácia Conceição/Quando viu Soutinho na esquina/Espatifou-se no chão”. Na Câmara
Estadual, empenhase nos trabalhos e não deixa escapar, como líder da Minoria, os menores detalhes das pretensões
dos governistas.
Em todos os debates, ele representa com autoridade sua conduta de líder oposicionista. Cumpre a sua
missão. Se não consegue reverter as principais matérias contra suas convicções, pelo menos garante negativar
objetivos exóticos de seus pares. É assim nos episódios dos príncipes. No dia 9 de setembro de 1935, o deputado da
situação, Ruy Bello, propõe homenagem pela passagem de aniversário do príncipe dom Pedro Henrique, da dinastia
dos Bragança. Souto Filho derruba seu propósito. Registrado nos Anais de 13 de setembro de 1935: “Estamos numa
Câmara republicana e esse príncipe que hoje aniversaria não tem nenhum serviço prestado ao Brasil. O meu voto
é absolutamente contrário à homenagem, pois se a Assembléia o aprovar , não cumpre o seu dever político e rende
homenagens a quem não merece”. O requerimento do deputado da Maioria não é aprovado, Souto Filho ganha mais
uma parada.
Igual sorte teve o requerimento de Lins e Silva, que queria prestar uma homenagem a Maurício de Nassau,
no dia 21 de janeiro de 1937. Após a exposição das benfeitorias de Maurício de Nassau, Souto Filho questiona na
tribuna com o seu veneno: “Vejo transitar no jardim do Palácio para a Praça da República uma ema e não sei
como os penegristas de Nassau ainda não disseram que ela é remanescente do falado jardim zoológico de
Nassau”. Risos gerais. Mais um príncipe é “decapitado” nas homenagens sem graça dos deputados.
A última participação de Souto Filho na tribuna se dá no dia 30 de abril de 1937. Como líder da Minoria,
declara-se contrário a um empréstimo do Governo estadual à Prefeitura do Recife: “Em nome da minoria, desejo
que fique registrado, na ata dos nossos trabalhos, o voto integral da Minoria contrário à aprovação do projeto
concernente ao empréstimo da municipalidade do Recife”.
No primeiro semestre de 1937, a sucessão presidencial já agitava os meios políticos. Dos candidatos,
Armando de Sales Oliveira, paulista e ocupante de cargo de confiança no Governo Vargas, tinha o apoio da
Imprensa paulista. O integralista Plínio Salgado acreditava na sua força por conta da vitória do Governo contra os
comunistas na Intentona de 35. José Américo de Almeida, colega de turma de Souto Filho na Faculdade de Direito
do Recife, em princípio, seria o candidato “natural” do Governo. No dia 18 de junho de 1937, o Jornal do
Commercio, do Recife, registrava a ida, no dia seguinte, do candidato José Américo, à convenção da Situação
mineira, que iria homologar o seu nome à sucessão presidencial. Na noite do mesmo dia, Souto Filho acompanha e
é fiel, mesmo a contragosto, já que tinha suas simpatias pela candidatura de Armando Sales, a decisão da
convenção do seu partido, que encampa a candidatura de José Américo.
Após a reunião decisória, Souto Filho retorna à sua casa em companhia do seu cunhado, Sebastião do
Rego Barros. Com ele, demora-se em longa conversa antes de se recolher. Parecia bem. Às quatro horas e trinta
minutos do sábado, 19 de junho de 1937, acorda e começa a passar mal. Logo depois, um infarto. O coração de
Souto Filho deixava de bater. A morte do líder político, aos 51 anos, pega todos de surpresa. No dia seguinte, a
notícia é destaque na Imprensa: “Faleceu ontem, repentinamente, no Recife, o deputado estadual Souto Filho...”. O
Globo, Rio de Janeiro, 20/06/37. “Depois de ter tomado parte na convenção que homologou a candidatura de José
Américo de Almeida à Presidência da República, faleceu repentinamente ao regressar à sua residência, o deputado
Souto Filho...”. A Batalha, Rio de Janeiro, 20/06/37. “Em sua residência, na Avenida Oswaldo Cruz, nesta Capital,
faleceu ontem, às 4 horas, o dr. Antonio Souto Filho, deputado à Assembléia Legislativa do Estado, onde liderava a
corrente oposicionista, e curador de órfãos desta Comarca...”. Diario de Pernambuco, Recife, 20/06/37. E assim em
diversos jornais de todo o País.
Às 9 horas e trinta minutos do dia seguinte, um Domingo, seu corpo era enterrado no Cemitério de Santo
Amaro, sob a emoção de centenas de pessoas, vindas de todos os recantos do Estado. O Jornal Pequeno, do dia 21,
assim noticiou: “...O ato teve o comparecimento do representante do senhor governador do Estado, altas
autoridades, congressistas, advogados, jornalistas e outras pessoas de relevo social. Ao baixar o corpo à sepultura,
discursaram dr. Matheus Vaz, pela minoria parlamentar do Estado; dr. Paulo Salgado, em nome do Partido
Republicano Social; dr. Carlos Rios, pela Assembléia Legislativa; sr. Hybernon Wanderley, pelo povo de
Garanhuns e o professor Jeronymo Gueiros, pelos amigos do saudoso pernambucano. O corpo foi depositado em
caixão de veludo negro, com alças de prata, e conduzido em carro de alto luxo, da conceituada Casa Baptista. O
cortejo fúnebre, da residência do morto à necrópole de Santo Amaro, movimentou-se lentamente e compunha-se de
203 carros”.
Várias homenagens foram prestadas ao morto ilustre. A Câmara e o Senado suspenderam a sessão do
sábado, 19. O Jornal, do Rio de Janeiro, destacava, no dia seguinte: “A sessão de ontem, da Câmara e do Senado,
foi dedicada a votos de pesar. O senhor João Villasboas fez o elogio fúnebre ao deputado estadual pernambucano
Souto Filho, constituinte de 1934”. Na reabertura dos trabalhos da Assembléia Legislativa, em 3 de agosto de 1937,

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a sessão é em homenagem a Souto Filho. Vários deputados se revezaram na tribuna para lembrar o colega falecido.
Um, em especial, o deputado Carlos Rios, seu ferrenho opositor, merece ser registrado: “Senhor presidente,
aproveito esta oportunidade de profunda emoção para resgatar uma dívida de reconhecimento. Eu, que tenho a
religião da gratidão, não posso deixar passar a oportunidade de ficar inscrito nos anais desta Casa aquele sentimento
profundo, aquela emoção, que jamais desapareceu do meu sensório, de uma solidariedade que em momento
delicado de minha vida, recebi na singeleza de um aparte, quando na Assembléia eu me debatia contra inimigos
desprimorosos, quando ainda crepitantes as chamas da fogueira de novembro, e fazia a minha autodefesa. Uma
única voz quebrou a magia, o misticismo desse silêncio em que era ouvido e foi a de Souto Filho, dando o seu
depoimento em apoio a minha conduta de republicano democrata, fiel aos fundamentos do regime. Senhores, nesta
hora em que ele não me pode ser mais útil aos destinos da vida objetiva, em que não posso merecer dele a
recompensa dessa confissão de reconhecimento, quero que fique na História, através dos Anais, que não esqueci
aquele gesto de solidariedade, que ele não passou despercebido à minha reminiscência, à minha lembrança, ao meu
registro”. Carlos Rios fazia referência às acusações que sofrera de ter participado do levante comunista de 35,
quando tentava dar explicações à Casa e recebeu o desprezo dos seus colegas da Maioria.
O Diario do Estado, órgão oficial do Governo de Pernambuco, do dia 20, entretanto, registrava a morte de
Souto Filho em pequena nota de seis linhas de uma coluna: “Por intermédio do seu ajudante de ordens, major José
Pedro da Silva, o governador apresentou pêsames à família do deputado Souto Filho, falecido, ontem, nesta
Capital”.
Garanhuns, pela voz de Elpídio Branco, já deputado, homenageia seu líder, em agosto de 1949, com um
busto confeccionado pelo escultor Edson de Figueiredo, na Praça Souto Filho, uma das mais bonitas da cidade. O
coronel João Guilherme, de Caruaru, dá o nome Souto Filho a uma das principais avenidas da cidade. No Recife,
por iniciativa do vereador comunista Carlos Duarte, a praça que liga a Rosa e Silva ao Parque da Jaqueira, na Rua
Hoel Sette, recebe o nome de Souto Filho, na gestão de Pelópidas da Silveira. Também é homenageado em rua com
o seu nome, no início da Avenida Boa Viagem. O Governo do Estado, na Administração Eraldo Gueiros, denomina
Souto Filho uma escola, no Rio Doce, Olinda.
Segundo Gerusa Souto Malheiros, a maior das homenagens, entretanto, é ver o trabalho reconhecido de
quem sempre honrou sua vida, pública e privada: “Homem de bem nas legislaturas a quem representou, homem de
bem no seu cargo público de curador de órfãos e interditos da capital e um homem de bem como chefe de família
exemplar”.
Sem Souto Filho, a política seguiu o seu rumo. O voto que dera contra a eleição de Getúlio Vargas à
Presidência da República, na Constituinte, representou o prenúncio de acontecimentos que iriam mudar a História
do Brasil. Em 10 de novembro de 1937, Vargas dissolve os partidos, fecha a Câmara dos Deputados e o Senado,
determinando, também, o fechamento das Assembléias Legislativas estaduais. Era o golpe. Nascia o Estado Novo.

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Arquivo da Faculdade de Direito. Reprodução: João Santana

No certificado da Faculdade de Direito do


Recife, o registro da nota geral, 9.
A matrícula custava cinqüenta mil réis.

Álbum de família. Reprodução: Roberto Soares

Souto Filho e dona Chiquita, com os filhos Souto Neto, Esther, e


Gerusa (no colo), e a professora Celeste Dutra (E), na casa de Garanhuns.

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Marconi Glauco

A casa da Praça Dom Moura, em Garanhuns, onde Souto Filho recebia seus correligionários
e amigos. Apesar da antena parabólica, a construção mantém os traços originais.

Álbum de família. Reprodução: Roberto Soares

Souto Filho, na Galeria dos Constituintes, entre Agamenon Magalhães


e Augusto Cavalcanti de Albuquerque, em 1933.

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Álbum de família. Reprodução: Roberto Soares

O artista plástico e acadêmico Ubirajara presta criativa


homenagem ao deputado Souto Filho, em 1935.

Álbum de família. Reprodução: Roberto Soares

A carteira do deputado, em seu último mandato, 1935.

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João Santana

O busto de Souto Filho na praça que tem o seu nome,


em Garanhuns, homenagem da municipalidade.

Roberto Soares

Gerusa Souto Malheiros, autora do livro Memórias de Amor,


uma homenagem ao pai e líder político.

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A essência do político no frasquinho de veneno – Ildelfonso Fonseca

BIBLIOGRAFIA E FONTES

MORAIS, Fernando. Chatô, o Rei do Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1994.

MEIRELLES, Domingos. As Noites das Grandes Fogueiras. São Paulo, Editora Record, 1995.

PORTO, José da Costa. Os Tempos da República Velha. Recife, Fundarpe, 1986.

AMADO, Gilberto. Minha Formação no Recife. Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 1955.

MALHEIROS, Gerusa Souto. Memórias de Amor. Recife, Gráfica da Escola Dom Bosco, 1986.

BRANCO, Elpídio. Memórias Brancas. Recife. Serviço Gráfico do Jornal do Comércio, s/d.

SANTOS, Mário Márcio de Almeida. Anatomia de Uma Tragédia – A Hecatombe de Garanhuns. Recife,
Companhia Editora de Pernambuco – Cepe, 1992

VIEIRA, Alfredo. Garanhuns do Meu Tempo. Recife, Gráfica Recife Editora, 1981

DIAS, João de Deus de Oliveira. A Terra de Garanhuns. Garanhuns, 1954. (cópias xerográficas)

WAMBERTO, José. O “Impeachment” no Estado e no Brasil – Memorial de Pernambuco. (Cópias xerográficas).

CAVALCANTI, Alfredo Leite. História de Garanhuns, Recife, Centro de Estudos de História Municipal, 1983.

REGO, Alberto da Silva. Os Aldeões de Garanhuns, Recife, Centro de Estudos de História Municipal, 1987

NASCIMENTO, Luiz do. História da Imprensa de Pernambuco, Recife, Imprensa Universitária da Universidade
Federal de Pernambuco, 1967.

FONTES ORAIS

Sebastião Jacobina (Garanhuns)


Graciete Branco (Garanhuns)
Ulisses Pinto (Garanhuns)
José Wamberto (Brasília)
Humberto Morais (Garanhuns)
Mário Márcio de Almeida Santos (Recife)
Gerusa Souto Malheiros (entrevista/Recife, julho de 2001)

OUTRAS FONTES

Álbum do Município de Garanhuns – Gráfica Norte Evangélico (1923)


Anais da Assembléia Legislativa de Pernambuco (1913 a 1937)
Arquivo Público Jordão Emerenciano (Ruas do Imperador e Imperial)
Arquivo da Faculdade de Direito (Anexo I)
Coordenação de Microfilmagem – Fundação Joaquim Nabuco
Diário de Pernambuco (Recife – a partir de 1911)
Jornal do Comércio (Recife – datas diversas)
Diário da Manhã (Recife – datas diversas)
Jornal Pequeno (Recife – datas diversas)
A Rua (Recife – datas diversas)
Diário do Estado (Recife – datas diversas)
O Estado (Recife – datas diversas)
Correio da Manhã (Rio de Janeiro – 1933/1934/junho 1937)
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro – 1933/1934/junho 1937)
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro – 1933/1934/junho 1937)
O Globo (Rio de Janeiro – 1933/1934/junho 1937)
Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro – 1933/1934/junho 1937)
A Vanguarda (Caruaru – junho 1937)
O Monitor (Garanhuns – junho de 1937)

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DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR

Ildefonso Fonseca nasceu no dia 23 de janeiro de 1955, em Limoeiro, Pernambuco. Jornalista formado em
1983 pela Universidade Católica de Pernambuco, onde ensinou no Curso de Jornalismo de 1985 a 1999. Chefe de
reportagem da Rádio Tamandaré, em 1986 e da Rádio Globo em 1987. Diretor da Secretaria de Imprensa de
Pernambuco de 1987 a 1990. No final de 1990, chefia a reportagem do Diário de Pernambuco. A partir de 1991, no
mesmo jornal, é editor do Caderno Vida Urbana, com uma rápida passagem na gerência de programação das rádios
Clube e Caetés. Presidiu o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Pernambuco em 1995. Atualmente,
é consultor em Comunicação da NGE – Negócios, Gestão e Empreendimentos. Desde maio de 2000, dá assessoria
de Comunicação à Prefeitura de Bom Jardim.

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