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L I V - Departamento de Lingüística

L Línguas
L Clássicas
C e Vernácula
V
Estudos Crioulos

Universidade de Brasília

A QUESTÃO DA
PRODUTIVIDADE
MORFOLÓGICA NO
GUINEENSE
Maria Aparecida Curupaná da Rocha de Mello

Orientação
P rof . Dr. Hild o Hon ó rio do Co ut o

Brasília – DF
Fevereiro - 2007
UnB – LIV – Departamento de Lingüística, Línguas Clássicas
e Vernácula da Universidade de Brasília
Estudos Crioulos

A QUESTÃO DA
PRODUTIVIDADE
MORFOLÓGICA NO
GUINEENSE
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Lingüística da Universidade de
Brasília, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutor em Lingüística.

Ma ria A p a re c ida Cu ru p an á d a Ro ch a d e Me llo

Orientação
P rof . Dr. Hild o Hon ó rio do Co ut o

Brasília – DF
Fevereiro - 2007

ii
MELLO, Mar ia Aparecida Curupaná da Rocha de
Mello. A questão da produtividade m orfológica no
guineense. Brasíl ia: UnB, Depar tamento de
Lingüística Línguas Clássicas e Vernácula. Mimeo.
Tese de Doutorado em Lingüíst ica. Brasília: Unb, 2007.

Banca Examinadora

___________________________________
Prof essor Doutor Hildo Honório do Couto - UnB – Orient ador

___________________________________
Prof essor Doutor José Olímpio de Magalhães - UFMG

___________________________________
Prof essora Doutora Margarida Maria Taddoni Petter - USP

___________________________________
Prof essora Doutora Norma da Silva Lopes – UNEB

___________________________________
Prof essora Doutora Daniele Marcelle Grannier - UnB

___________________________________
Prof essora Doutora Orlene Lúcia de Sabóia Car valho – UnB - suplente

___________________________________
Prof essora Doutora Enilde Leite de Jesus Faulstich- UnB - suplente

___________________________________
Prof essor Doutor Ar yon Dall’Igna Rodr igues- UnB - suplente

iii
Ao Jehfersão, por demonstrar
continuamente que a paciência, a
coragem e o amor são os recursos
mais produtivos da pessoa humana.

iv
AGR ADECIMENTOS

Especialmente ao Pr of . Dr. Hildo Honório do Couto, cristão exem plar e agnóstico


convicto, que me guiou pelo cam inho da Cr ioulística com sabedoria, ternura e
muita paciência. Em quem encontrei plena segurança na orientação, e o carinho
sincero de um grande amigo. Muito obr igada por tornar este t rabalho possível.

Aos meus bebês, Júnior, Líg ia e Beatriz, que me conf irmam a todo o momento que
a luta diár ia vale a pena.

À CAPES, pelo apoio f inanceiro e acadêmico. Em nome da Lingüística, agradeço


cada pesquisa por ela apoiada, com as quais é possível a interação de
inf ormações no passado, no pr esente e no f uturo.

À minha prof essora e am iga Heloísa Salles, com quem aprendi que a
solidariedade humana e o amor são requisitos tão básicos quanto o conhecimento
da Teoria Gerat iva. Muito Obrigada.

Aos meus prof essor es da Pós-Graduação em Lingüíst ica do LIV. Com todos eles,
sem exceção, aprendi a enxergar muito além do que me era possível. Muit o
obrigada a todos.

À Jacinta (Jajá) pela paciência com que nos atende nos dias mais atribulados no
departamento da Pós-Graduação em Lingüística na UnB.

Aos meus colegas da Pós, pela troca de conhecimento e pelas horas de alegria e
risadas. Em especial ao Fábio José, à Mary Lourdes, ao Paulo Medeiros, à Leia, à
Débor a e muitos outr os.

Agradeço em especial ao colega Marcos Lunguinho – o meu amigo que br ilha –


por clar ear com sua luz a sintaxe de todos os desesperados.

À Adr iana Chan, em quem a regra do companheirism o, da amizade e do


conhecimento compartilhado não admite r estrições. Obrigada.

v
Aos meus colegas e am igos da ABECS – Associação Br asileira de Estudos
Crioulos e Similares - por transf ormar nossos encontros acadêmicos em encontros
de alegria e amizade. Em especial à Norma Lopes, ao Ant ônio Lopes, à Tânia
Resende, à Terezinha Resende (Teca), à Margarida Petter, à Mar y Careno e
tantos outros.

À minha amiga- irmã e colega Ulisdete Rodrigues - a Uli - com quem passo horas
discutindo sobre Lingüística e lingüistas. Em discussões regadas a muitas r isadas
e bom-humor.

Aos meus am igos Carina e Everton, pelo apoio e am izade incondicional.

Aos inf ormantes guineenses, em especial ao amigo I ncanha Intumbo, da


Universidade de Coimbra, com quem discutia e r ia m uito sobre os dados
guineenses.

Aos meus tradutores Júnior e Marcus, os santos (de casa) que f azem milagres.

vi
RESUMO

Este trabalho é um estudo da produtividade morf ológica do crioulo guineense com


base em corpus lingüíst ico. Apoiado nos modelos teór icos de Halle (1973), Aronoff
(1976) e Kiparsky ( 1982), e a part ir da análise dos dados, f oi possível def inir o
inventár io dos processos morf ológicos produt ivos desse crioulo, assim como os
itens gramaticais que compõem o sist ema morf ológico que geram as palavr as
guineenses. Nesse percurso, f oram analisadas as relações de contrastes e
distr ibuição que se manif estam mediant e as noções de bloq ueio, de condições de
produt ividade e produção, de reconhecimento do f alante do estatuto lexical ou
gramatical das f ormas lingüísticas e a f ormalização das RFPs ( Regras de
Formação de Palavr as). Com o reconhecimento das propriedades inscr itas nos
sistemas morf ológicos das línguas, manif estadas no guineense, pode-se af irmar
que a recursividade e a criat ividade estão present es neste cr ioulo.

vii
ABSTR ACT

This thesis const itut es a study of the Guinea creole's morphological product ivity
based on linguist ic corpus. Basing on the theoret ical models of Halle (1973),
Aronof f (1976) and Kiparsky (1982), and using data analysis, it has been possible
to def ine the inventory of productive morphological processes of this specif ic
Creole, as well as the grammatical items with compound the morphological system
that generates the Guinean words. Throughout this work we are supposed t o
analyze the contrast and distribut ion relat ions manif ested t hroughout notions of
blocking, product ivit y and pr oduct ion conditions, speaker's acknowledgement of
the lexical or grammatical statute of the linguist ic f orms and the f ormalizat ion of
the W FR (W ord Formation Rules). From the acknowledgement of the properties
inscr ibed into the m orphological system s of languages, manif ested in the Guinean
Creole, it has been possible t o conclude that recursivit y and creativit y are present
in this creole .

viii
“Áf rica tudo o que sof reu
Porto de desesperança e lágrima
Dor de solidão
Reza pr a teus or ixás
Guarda o toque do t ambor
Pra saudar tua beleza
Na volta da razão
Pele negra, quente e meiga
Teu corpo e o suor
Para a dança da alegria
E mil asas pra voar
Que haverão de vir um dia
E Áf rica, em nome de deus
Cala a boca desse m undo
E caminha, até nunca mais
A canção segue a torcer por nós”

Marco Antonio Guimarães e Milton Nascimento


LÁGRIMA DO SUL
Do álbum “Encontros e Despedidas”, Barclay/Polygran, 1985

ix
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO _____________________________________________________________ 3

1. A GUINÉ-BISSAU ________________________________________________________ 7

1.1 A TERRA E SUA GENTE ______________________________________________________________ 7


1.1.1 Época das Grandes Descobertas______________________________________________________ 11
1.1.2 A Costa da Guiné _________________________________________________________________ 15
1.1.3 A Guiné Portuguesa _______________________________________________________________ 21
1.1.4 A Guiné-Bissau __________________________________________________________________ 22
1.1.5 Relações com Cabo Verde __________________________________________________________ 25
1.1.6 A situação sociolingüística __________________________________________________________ 28

1.2 A FORMAÇÃO DA LÍNGUA __________________________________________________________ 30


1.2.1 Lançados, Tangomas e Grumetes_____________________________________________________ 30
1.2.2 Hipóteses Insular, Monogenética e Ambigenética ________________________________________ 33
1.2.3 Crioulo Português da Costa Ocidental Africana, Caboverdeano ou Guineense __________________ 36

1.3. A SITUAÇÃO LINGÜÍSTICA _________________________________________________________ 40


1.3.1 Variação Diacrônica, Diastrática e Diatópica____________________________________________ 40
1.3.2. O crioulo da Casamansa ____________________________________________________________ 43
1.3.3. Língua de Prestígio e Língua de Identidade _____________________________________________ 44
1.3.4 A língua portuguesa na Guiné e a descrioulização ________________________________________ 49
1.3.5 Guineense ou Crioulo? _____________________________________________________________ 51
1.3.6 Ensino formal e ortografia __________________________________________________________ 52

2. OS ESTUDOS CRIOULOS ________________________________________________ 54

2.1 A CRIOULÍSTICA ___________________________________________________________________ 54


2.1.1 O que são línguas crioulas e pidgins: características sócio-históricas e gramaticais ______________ 57
2.1.2 Contatos de línguas: diferentes condições favoráveis à emergência de uma língua crioula ________ 61

2.2 AS HIPÓTESES SOBRE A GÊNESE DOS CRIOULOS ____________________________________ 66


2.2.1 Hipótese Monogenética _____________________________________________________________ 66
2.2.2 Hipótese Superestratista ____________________________________________________________ 69
2.2.3 Hipótese Substratista _______________________________________________________________ 69
2.2.4 Hipótese Universalista______________________________________________________________ 69
2.2.5 Hipótese da Língua Mista ___________________________________________________________ 71

2.3 AS GRAMÁTICAS CRIOULAS________________________________________________________ 73


2.3.1 Idéias, conceitos e pré (conceitos)_____________________________________________________ 74
2.3.2 A lingüística darwiniana e os estudos crioulos ___________________________________________ 75
2.3.3 A morfologia nos estudos crioulos ____________________________________________________ 77
2.3.4 A tese da pouca morfologia__________________________________________________________ 78
2.3.5 Características gerais e generalizações _________________________________________________ 78

3. METODOLOGIA _________________________________________________________ 87

3.1 O CORPUS __________________________________________________________________________ 87


3.1.1 As fontes ________________________________________________________________________ 87

3.2 A LINGÜÍSTICA DE CORPUS ________________________________________________________ 88


3.2.1 Definição e justificativas ____________________________________________________________ 89
3.2.2 Representatividade, extensão ________________________________________________________ 89
2
3.3 O BANCO DE DADOS________________________________________________________________ 90
3.3.1 Formatação e Contexto _____________________________________________________________ 90

4. FUNDAMENTOS TEÓRICOS _____________________________________________ 95

4.1 A MORFOLOGIA: UM PEQUENO HISTÓRICO_________________________________________ 95

4.2 OS PRINCIPAIS MODELOS TEÓRICOS PÓS-LEXICALISMO ___________________________ 102

4.3 MORFOLOGIA BASEADA EM PALAVRA E MORFOLOGIA BASEADA EM MORFEMAS __ 106

4.4 A MORFOLOGIA NA GRAMÁTICA TRADICIONAL ___________________________________ 108

4.5 A MORFOLOGIA DE MORFEMAS DE HALLE _______________________________________ 110

4.6 A MORFOLOGIA DE PALAVRAS DE ARONOFF ______________________________________ 112

4.7 KIPARSKY E A MORFOLOGIA LEXICAL ___________________________________________ 116

4.8 AS MORFOLOGIAS DE ARONOFF, HALLE E KIPARSKY: UMA COMPARAÇÃO_________ 120

4.9 PRODUTIVIDADE MORFOLÓGICA _________________________________________________ 121

5. A MORFOLOGIA DO GUINEENSE _________________________________________ 126

5.1 COMPOSIÇÃO_____________________________________________________________________ 127


5.1.1 Conceituação ____________________________________________________________________ 127
5.1.2 Grupo sintático e composição _______________________________________________________ 128
5.1.3 Os compostos no guineense ________________________________________________________ 135
5.1.4 Composição ou Derivação?_________________________________________________________ 145

5.2 REDUPLICAÇÃO __________________________________________________________________ 149

5.3 DERIVAÇÃO ______________________________________________________________________ 162


5.3.1 Derivação no guineense____________________________________________________________ 163
5.3.2 Derivação ou Flexão? _____________________________________________________________ 164
5.3.3 A flexão no guineense _____________________________________________________________ 167
5.3.4 Sufixação_______________________________________________________________________ 173
5.3.4.1 (X)N  [(X)N + ndadi]N[+abstrato] _________________________________________________ 177
5.3.4.2 (X)N  [(X)N + esa]N[+abstrato] ___________________________________________________ 184
5.3.4.3 (X)N  [(X)N + eru]N/A ________________________________________________________ 190
5.3.4.4 (X)V  [(X)v + dur]N/A ________________________________________________________ 195
5.3.4.5 (X)N  [(X)V + ada]N e (X)V  [(X)V + ada]N _______________________________________ 200
5.3.4.6 (X)N  [(X)N + ia]V[+ação] ______________________________________________________ 204
5.3.4.7 (X)V  [(X)V + nsa]N _________________________________________________________ 208
5.3.4.8 (X)N  [(X)N + siñu]N_________________________________________________________ 211
5.3.4.9 (X)V  [(X)V + ntV/ndV]V[+causatividade] ____________________________________________ 214
5.3.4.10 (X)N  [(X)V + menti]N _______________________________________________________ 217
5.3.4.11 (X)N  [(X)N + dia]N [ +abstrato] ___________________________________________________ 218
5.3.4.12 (X)A  [(X)A + uda]N[+abstrato] ___________________________________________________ 220
5.3.4.13 (X)N  [(X)N + on]N __________________________________________________________ 222
5.3.4.14 (X)A [(X)A + asku]N[+abstrato] __________________________________________________ 224
5.3.5 Prefixação com (X)V/N  [dis- + V/N]V/N _______________________________________________
226
5.3.6 Produtividade dos afixos guineenses__________________________________________________ 232

CONCLUSÃO ____________________________________________________________ 235

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS __________________________________________ 238


3

INTRODUÇÃO

A cr ioulização envolve o desenvolvim ento ou aquisição de f ormas


lingüíst icas para expr essar categorias gramaticais como result ado da
estruturação da gramática (Plag, 1998). Essa estruturação é marcada
caracter isticamente em línguas que emergiram em situações particulares de
contato lingüíst ico. Nesse sent ido, a morf ologia tem papel preponderante no
que se ref ere à discussão acerca da recursividade nas línguas crioulas, pois,
tem-se uma conjunção dos recursos inatos da linguagem humana e do
desenvolvimento sociohist órico do povo que f ala o cr ioulo. Deste modo, um
estudo dos r ecursos morf ológicos do guineense, por suas origens cr ioulas,
não pode se f urtar das inf ormações f ornecidas pelos dados a respeito dos
aspectos diacrônicos deste crioulo.

Contudo, há uma cr ença bastante dif undida entre muitos cr ioulistas e


lingüistas, segundo a qual as línguas crioulas têm pouca morf ologia
derivacional e nenhuma f lexional. Esta idéia, tomada como uma
generalização para os crioulos, levou ao descaso dos crioulistas nos estudos
acerca da morf ologia destas línguas.

A noção da ausência de processos considerados “complexos” nas


línguas cr ioulas levou também à idéia de simplicidade. Esta, por sua vez, f oi
entendida em um sentido de pobr eza, a ponto de serem consideradas como
línguas que “ainda” não atingiram um patamar de complexidade e riqueza
gramatical, por ser em línguas jovens. Contrariamente às línguas européias
mais antigas, que entraram como línguas lexif icador as no processo de
crioulização. È sabido que as ant igas especulações acer ca da evolução
lingüíst ica eram t endenciosas e sublimavam as línguas eur opéias e
f lexionais.

É f ato que os crioulos são línguas com um histór ico de f ormação


sociolingüíst ico dif erente das línguas européias. A própria idéia de
simplicidade em língua é um conceito construído socialmente e não aceit o
pelos lingüistas. Para a Lingüíst ica, as línguas humanas, entre elas as
línguas cr ioulas, são sistemas alt ament e ef icient es de comunicação. Essa
ef iciência acompanha o curso da necessidade comunicat iva da sociedade
4
onde se realiza essa língua. Isto quer dizer que, à medida que uma
sociedade se modif ica, modif ica-se também a sua língua. Palavras ref erentes
a moder nos conceitos tecnológicos e cient íf icos não f azem parte do
guineense. O f ato de ser a língua de um país em condições de
desenvolvimento dif erentes do padrão europeu t em relevância nest a
discussão, pois o cr ioulo não tem uma utilização cotidiana e reiterada nas
ciências e na tecnologia. Isto não invalida a af irmação de que a gramática
guineense seja r ica, complexa e perf eita para a sua comunidade lingüística.

Todos os f atos acima levam a uma inquietação diante da dicotomia


simplicidade/complexidade nas línguas, uma vez que essa idéia é,
marcadamente, carregada de (pré)conceitos que emergiram de uma visão
europeizada.

Outro pensamento que incomoda, inserido nas idéias acima, é o da


“ausência” de morf ologia. Sabe-se que toda língua tem gramática, seja ela
uma língua de sinais, como a LIBRAS, ou mesmo uma língua não-natural,
com o esperanto. Se a primeira divisão que se f az da gramática (de todas as
línguas) é o estudo da estrut ura das palavr as (morf ologia) e das sentenças
(sintaxe), tem-se então um problema na af irmação de que crioulos são
línguas. E é consensual entre lingüistas o f ato de que as línguas crioulas
são línguas.

Nesse context o, o objetivo principal deste trabalho de pesquisa é


trazer mais dados à discussão e argumentar acerca da idéia de que há
pouca (ou nenhuma) morf ologia nas líng uas cr ioulas, tendo como elemento
de análise o cr ioulo guineense.

A primeira grande questão é a existência ou não de processos


morf ológicos, ou melhor, a existência de morf ologia no guineense. Se esses
processos realmente são parte da estrutrura gramatical das línguas
humanas, quais os itens morf ológicos que f azem parte da estrutura
morf ológica do guineense?

A idéia de crioulização lingüística não se limit a à língua. Ela reúne um


histór ico sociocultur al e lingüístico que não pode ser esquecido nos estudos
crioulos. Ainda que esse estudo esteja voltado à gramática da língua. Com
isso, a outra questão que emerge diz respeito ao percurso desses processos,
5
na conf iguração das Regras de Formação de Palavr as (RFP) em
produt ividade no guineense. Considerando que o quest ionamento ant erior
seja verdadeiro e que existam it ens gramaticais identif icáveis no léxico
guineense, pergunta-se então: Como eles estão se produzindo? Como eles
passaram a ser parte desse repertór io e qual o papel dos dados do
português na constr ução dessa morf ologia? Para responder considera-se o
cruzamento entre sincronia e diacronia.

Por f im, se os questionamentos acima se conf irmam na análise dos


dados, quais as regras mais produtivas e quais os f atores relevantes que
def inem o grau de maior ou menor produtividade dessas regras?

No percur so desses questionamentos, podem-se construir argumentos


que conf irmam a essência da cr iat ividade e da recursividade presentes nas
línguas humanas. Como não poderia deixar de ser, pr esent es também nas
línguas crioulas. Espera-se concluir que os processos produtivos presentes
na morf ologia guineense se or iginaram na base de uma gramática que se
articula nos recursos padr ões da linguagem humana. Esses processos
seguem um padrão de construção gramatical que obedece a gênese dos
próprios processos morf ológicos das línguas em geral, que vai da repet ição
à f lexão. Nesse percurso de produt ividade, as regras são construídas, assim
como os morf emas para o acionamento das mesmas. Como somente os
morf emas gramaticais são produtivos, alguns m orf emas lexicais se
gramaticalizam para se reproduzir em. Assim, vão adquirindo uma carga
gramatical e apagando seu conteúdo lexical. Esse desenvolvimento de
f ormas que expr essam categorias lingüísticas é um mecanismo default que
não se per deu no f alante cr ioulo em conseqüência do processo de
crioulização.

No capít ulo 1, tem-se um apanhado histórico e social de f ormação do


povo e da língua guineense. Esse percurso histór ico se inicia antes da
chegada dos portug ueses, com conf litos étnicos e políticos que def iniram a
distr ibuição etnográf ica nos séc. XV. Nos séculos seguintes, as trajetórias
histór ica e social são f ortemente inf luenciadas pela presença dos europeus,
em um contexto de crioulização marcado pelo estabelecimento do crioulo e
do povo guineense em seu território.
6
O capítulo 2 aborda os estudos cr ioulos, começando pela história da
Crioulíst ica, os conceitos e as caract er íst icas que def inem uma língua
crioula em oposição a uma não-cr ioula. As hipóteses mais destacadas nos
estudo acerca da gênese dos cr ioulos é parte desse capít ulo. Nessa seção
também é apresentado um panorama das gramáticas crioulas, indicando as
idéias, conceitos e ( pré)conceitos acerca destas gramáticas, com ênf ase na
morf ologia dos cr ioulos e os ref lexos da Lingüística Dar winiana nos estudos
da morf ologia crioula nos dias de hoje.

O capítulo 3 apresenta a metodologia da Lingüística de cor pus, com a


def inição de corpus, a apresentação dos dados e do banco de dados, sua
montagem e suas f ontes. Nesse capít ulo é apresentado o software Contexto,
um concordanciador desenvolvido para a manipulação e gerenciamento dos
dados desta pesquisa.

O capít ulo 4 trata dos f undamentos teór icos da pesquisa, começando


por uma breve hist ória da morf ologia desde a tradição grega até os dias
atuais. Neste percur so, há uma apr esent ação sucinta dos principais modelos
teóricos da morf ologia, com destaque para os modelos de Halle (1973),
Aronof f (1976) e Kiparsky (1982), que são as bases teór icas desta pesquisa.
O conceit o de produt ividade morf ológica encerra o capítulo 4.

Por f im, o capítulo seguint e, de número 5, trata da morf ologia do


crioulo guineense. Nessa seção são apresentadas as contextualizações
teóricas, os critér ios de análise, os corpora, e as análises da composição, da
reduplicação, da f lexão e da derivação do guineense.
7

1. A GUINÉ-BISS AU

1.1 A TERRA E SUA GENTE

Por volta do séc. VII, o oeste af ricano é parte do Império de


Gana, cujos dom ínios se estendiam das terras entre o alt o Niger 1 até o
Oceano At lântico, conf orme nos mostra o mapa abaixo:

http://www.globe-images.com/africa-image.htm

O Império de Gana também era conhecido como “Ugadu” – o país dos


rebanhos – sua população era const it uída de agricultor es e pastores de
gado. Também exerciam a tecelagem e a f erraria. O f orte comércio de our o
e a renda desta comercialização per mitiam a construção de grandes
cidades. Dizem que a capital do Império de Gana, Kumbi Saleh, cont ava, em
seu apogeu, mais de 15.000 habitant es. O Império de Gana viveu seu
apogeu nos séculos IX e X. Embora anim istas, os nativos permit iam a
presença dos árabes em seu territór io e mantinham uma relação de
comércio de our o, escravos e marf im com os árabes. Alguns desses nativos,
eram os chamados almorávidas - af ricanos convertidos ao islamismo. O
conf lito entre pensamentos religiosos com crenças tão diversas er a uma

1
Com 4.200 km de extensão, é o terceiro maior rio da África. Hoje, o Rio Níger faz a divisa entre o Benin e o
Níger e a sua bacia é responsável, em grande parte, pela fecundidade do solo nigeriano.
8
questão de tempo. Havia também m uito ouro e, mesm o resist indo a
investidas de inimigos como os berberes 2, por volta de 1076, os Ganas
sucumbiram diant e dos almorávidas e tiveram sua capit al, Kumbi Saleh
saqueada e tomada pelos árabes. Os almorávidas lut aram sob o signo de
“guerra santa” contr a os “ inf iéis” e a luta durou menos de cinqüenta anos.
Muitos povos f ugiram da guerra santa rumo ao oest e e se instalaram na
região onde hoje se encontra a Guiné-Bissau. É a época do Império Mali,
f ormado pelo povo mandinga, povo est e que até ent ão era dominado pelo
Império de Gana. Os mandingas já er am muçulmanos e a conversão ao
islamismo f oi conseqüência das relações com os árabes. A histór ia registra,
inclusive, peregrinações à Meca no séc. XIV

“ Co nt a- s e q ue em 13 2 4- 1 3 2 5, em pr e e nd e u ( o im per a dor )
um a per e gr in aç ão a Mec a , f a ze n do ac om pa n ha r - s e de
c er c a de s es s e n ta m il p es s oas , e nt r e as q u a is
qu i n he nt os es c r a v os c ar r eg a dos de o ur o e m bar r a e em
pó” .
(Carreira, 1947, p. 15)

Detalhe do mapa do Norte da África (Manuscrito Catalão de 1375)

http://www.ricardocosta.com/pub/imperiosnegros2.htm

Os dois números em vermelho marcam dois textos. São eles: 1. “Toda esta parte tem gentes
que ocultam a boca; só se vêem seus olhos. Vivem em tendas e têm caravanas de camelos.
Também possuem animais de cujas peles fazem excelentes escudos”. 2. “Este senhor negro é
aquele muito melhor senhor dos negros de Guiné. Este rei é o mais rico e o mais nobre senhor
de toda esta parte, com abundância de ouro na sua terra” (tradução literal). Observe que
embaixo do globo de ouro que o imperador Mansa Musa segura na mão direita está a
representação da cidade de Tumbuctu. In: DAVIDSON, Basil. “Os Impérios Africanos”, História
em Revista (1300-1400). A Era da Calamidade. Rio de Janeiro: Abril Livros / Time-Life, 1992,
p. 149.

2
Etnia nômade que vive no norte da África
9

A ascensão dos mandingas ao poder, cuja posse era até então do


Império de Gana, deveu-se ao f racasso dos almorávidas em manter o
intenso tráf ico do ouro. Os países at uais localizados onde antes era o
território do Império Mali são: Guiné, Burkina Faso, Costa do Marf im, Serra
Leoa, Libéria, Gâmbia e Senegal. Era t ambém uma sociedade dividida em
clãs, cujas ident if icações f azia pelas ocupações que exerciam os indivíduos
na sociedade. Assim, havia o clã dos f erreiros, dos poetas etc. Os
casamentos eram endogâmicos, o que preser vava as f am ílias em suas
próprias castas. O guerreir o Sundiata, f undador do impér io, f ez de Niani, às
margens do Rio Sankarani, a capit al do império Mali. Assim como no Impér io
de Gana, o comércio de ouro era o pr incipal responsável pela r iqueza e
opulência do Império Mali. O mapa abaixo mostra os dom ínios dos Malis.

http://www.ricardocosta.com/pub/imperiosnegros2.htm

A conquista militar da Guiné-Bissau, pelos Mandingas, aconteceu por


volta do século XIII ou XIV. Guerreiros mandingas, pr ocedentes do Mali,
vieram se estabelecer na região de Gabu, ao Leste da Guiné-Bissau, e em
Casamansa e ali f ormaram a principal província-est ado do Império Mali.
Nesta época, o Mali estava no auge de seu poder io. Os invasores, além de
guerreiros, com algumas de suas f acções convertidas ao islamismo, eram
também agricultores. O rei supremo do Império, o “ Mansa” tinha a sua
autoridade reconhecida, mas, o governador da pr ovíncia, chamado de Far im,
tomado pela autoridade suprema, passou a int itular-se também de Mansa, o
que o elevava à qualidade de r ei. Com o declínio do Império Mali no séc.
10
XVI, as províncias de outros povos, também parte do Império Mali,
passaram do mesmo modo a reconhecer a autor idade do seu própr io Mansa
e const ituír am estados separados. Daí resultou a derrocada do Impér io
Mali, quando as dif erentes províncias passaram a se reconhecer como
estados separados e seus governadores (Far ins), tomados pela ganância,
int itularam-se Mansa. Com a desintegração veio a ruína do Mali.

Os povos do litoral da Guiné, como os banhuns, balantas e beaf adas,


até a chegada dos mandingas viviam no int erior, mas f oram “empurrados”
para o litoral com a invasão dos mandingas. Muitos desses povos eram
integrantes do Impér io Mali e reconheciam a f igura do Mansa. Com a queda
do Império Mali, est es povos voltaram às suas or igens sociais.

Segundo Lopes (1987, p.26) “o povo que mais inf luenciou a área que
corresponde à Guiné-Bissau atual f oi, sem dúvida, o mandinga ”, pois a
super ior idade política do Mali atingiu um vast o territór io.

“ O s m andi n g as er am as s im um dos p o v os i n vas or es


v i nd os d o i nt er ior da Áf r ic a q u e em pur r ar am to da um a
s ér ie d e p e qu e nas et n i as par a a c os t a”
( Lopes, 1987 p.17)

No séc. XV, quando da chegada dos portugueses à Costa da Guiné,


em 1444, os povos do litoral já haviam passado pela alter ação na
distr ibuição territor ial def lagrada pelo assentament o dos m andingas. Havia
também uma guerra travada com Coli Tenguela, um guerreiro e conquistador
f ula que, na época da chegada dos portugueses, atravessava o Gabu
(Guiné) par a depois f undar, no vale do Senegal, reino de Fut a-Toro.

Segundo Trajano Filho (comunicação pessoal), a expansão mandinga


f ez mais do que descolar os povos do Gabu (diolas, balantas, banhuns,
manjacos, beaf adas etc) para a cost a. Teve também com o ef eito vários
arranjos e com promissos, repr esent ando claramente um processo de
crioulização cultural, que teve início cerca de 100 anos antes da chegada
dos portugueses e que inda estava em operação quando estes chegaram à
Guiné.
11
1.1.1 Época das Grandes Descobertas

A arrancada inicial ao “além-mar” deveu-se, em grande parte, à


coragem, determinação e ambição de Dom Henr ique, f ilho de Dom João I, o
precursor da dinastia de Avis. Em 1413, acontecia um avanço dos tur cos na
Europa cristã (estes já estavam pr óximos da f ronteira da Hungria). A igreja
católica vivia uma época com três papados dif erentes: Gregório XII em
Roma, Bento XIII em Avinhão e João XXIII em Pisa. Port ugal obedecia ao
papa de Roma e Castelha, por sua vez, obedecia ao de Avinhão. Portugal
queria “mostrar” ao papa que os portugueses iam além das brigas e batalhas
entre mouros e crist ãos, mas que tolhiam radicalmente o avanço inim igo, ao
ponto de arrebatar- lhe uma cidade. Assim, os galegos invest iriam contra os
árabes também na Áf rica.

Combinando objetivos religiosos, políticos e principalment e


econôm icos, Portugal “ ’zarpou ferros ’ e partiu por aí, pelo mar, buscando o
sul e encontrando nele a direcção dos outros pontos car deais” (Ferronha,
1992, p.40). Os port ugueses t inham a determinação e a ânsia de expandir
seu comércio. Soma-se a isto, o caráter arrojado de Dom Henrique. Então,
após um per íodo de planejamento, os portugueses partem com uma
esquadra com cerca de 50.000 homens e 220 navios rumo a Ceuta, no
Marrocos. Após 42 dias da partida de Portugal, a cidade est ava conquistada
em uma batalha que durou apenas um dia. Dom Henr ique, contava 21 anos
na data da tomada de Ceut a, mas participou da batalha, tendo, na ocasião,
recebido o t ítulo de Conde de Viseu e Senhor de Ceuta após a vitória.

“ c a por c er t o n om s e po d e n eg ar q ue a c i d ad e d e Ce p ta
no n s ej a c h a v e d e t od o o m ar M e d yo t er r en o . N a qu a l
c on q u is t a es t e p r í nc i pe f oe c a p it am de m u y g r a n de e
m u y po d er os a f r o ta , e c om o va l le n te c a va l l e ir o tr a b a lh o u
por s ua p es s o a no d ya q u e f o e f i lh a da a os M our os .. .”
Azurara (p. 25 e 26)
.
O inf ante era membro da Ordem dos Cavaleiros de Cr isto, uma
organização remanescente dos Cavaleiros Templár ios, cujos membros,
sempre homens, er am abnegados e consagrados à tradição e def esa da
religião cr istã contra os “inf iéis” muçulmanos. Dom Henr ique f oi Governador
da Ordem e, em seu apogeu, garantiu à Ordem a hegemonia sobre o
12
conhecimento das navegações. Os cavaleiros, por sua vez, entravam com o
poder io econôm ico, sendo a Ordem a grande f inanciador a dos
descobrimentos portugueses. Além de dom inar a tecnologia das
navegações da época, a Ordem era também possuidor a dos mapas com as
rotas mar ítimas. Conta-se que Gil Eanes, Vasco da Gama e Pedro Álvares
Cabral er am membros da Ordem dos Cavaleiros de Cr isto. Estes f atos são
interessantes na medida em que apontam para a importância dos Cavaleiros
de Cr isto para os descobrimentos portugueses e também justif ica o
interesse na ocupação da Áf rica para bloquear o avanço do islamismo que
se representava na figura dos almorávidas. A Bandeira da Ordem podia ser
notada nas naus que partiam rumo a novos descobr imentos juntamente com
a bandeir a do reino:

Bandeira do Reino Bandeira da Ordem

Fonte: http://escolavesper.com.br/bandeiras historicas

A tomada de Ceuta, além de marcar a primeir a investida dos


portugueses par a os mares distantes, também representava uma barreir a
para os ataques mouros contra a Europa, uma vez que Ceuta era cam inho
obrigatór io para se chegar do Orient e à Europa, conf orme podemos
obser var na f igura abaixo.

http://map.africa-atlas.com/
- -
13
Ainda em Ceuta, Dom Henrique ouviu, pela primeira vez, f alar sobre
a Áf rica e o ouro da Guiné . Na época das grandes descobertas, havia o
pensamento constante, por parte dos administradores, sobre busca de novas
f rentes expansionistas e novos produtos comerciais. A ganância de
expansão comercial e a pilhagem era um a const ante nesse per íodo. A Índia,
f amosa por suas especiar ias e riquezas em metais, era a aspiração de
diversos navegadores da época. Mas, chegar até à Índia representava um
desaf io, os obst áculos eram muitos. Por terra era inviável, além de
demorado, representava muit os per igos aos per egrinos. O caminho
mar ítimo conhecido pelos navegadores passava pelo Mar Mediterrâneo e
pelo Mar Vermelho. Estes dois mares estavam sob o dom ínio dos mour os,
dos genoveses e dos venezianos. Vale lembrar que, essa aliança com os
árabes representava a riqueza de Gênova e Veneza, quando do comércio
das especiarias orig inár ias do oriente e estes, por sua vez, monopolizavam
o comércio com a Í ndia. Por est es motivos, os portugueses buscavam um
caminho alternat ivo (representado em vermelho no mapa abaixo). Cam inho
este que desviasse dos mouros e dos italianos

Fonte: http://www2.worldbook.com/wc/popup?path=features/explorers&page=html/age_sailing.html&direct=yes

A supremacia como navegadores permitia que os portugueses


estivessem à f rente na corr ida expansionista. Além do dom ínio das técnicas
náuticas e o patrocínio da Ordem dos Cavaleiros de Cristo, Portugal se
posiciona estrategicamente de f rente para o Atlântico, em uma posição
14
geográf ica privilegiada para as grandes navegações. Seus conheciment os da
tecnologia náutica permitiram “subir” rumo ao norte contra os ventos Alísios,
f amosos por f ormarem um corredor de ventos na linha do Equador na direção
oeste e por transpor tarem águas quent es ao Pacíf ico. Com este dom ínio de
navegação e a capacidade de enf rentar os ventos Alísios, f oi possível
chegar às Ilhas de Cabo Verde, à Gana e realizar a grande f açanha de
passar pelo Cabo da Boa Esperança.

Também era do conhecimento dos portugueses, mesmo antes das


datas of iciais de “descobr imento”, a existência de terras que iam “além do
Bojador”. A própr ia “descoberta” do Br asil, conf orme conta a histór ia não-
of icial, parece não se tratar de uma descoberta do desconhecido. O cam inho
de Cabral é, claram ente, um desvio da rota rumo ao oriente. Segundo a
histór ia não-of icial, a passagem de Cabr al nestas terras teve o propósit o de
conf irmar a posse da terra. Aliás, est e f ato é bastante dif undido entre
histor iadores e de conhecimento geral e interessante para justif icar o
conhecimento dos mapas náuticos pelos portugueses na época dos
descobrimentos.

Azurara, em 1493, já descrevia o Saara e as correntes mar ítimas


“além do Bojador”, o que nega o f ato de que os portugueses acreditavam na
lenda dos mouros, segunda a qual, “o fim do mundo, começava
imediatamente ao sul deste ponto claramente definido ” (Herrman, sd.
p.231).

“depois deste cabo ( o Bojador) nom há hi gente nem


povoraçom algûa; a terra nom hemenos areosa que
os desertos de Libya, onde non há augua, nem her va
ver de; e o mar he t am baixo, que a hûa braça. As
correntes som tamanhas, que navyo que la passe,
jamaes nunca poder á tornar.
(Azurara, 1841, p.51)
15

1.1.2 A Costa da Guiné

A chegada dos portugueses à Costa da Guiné aconteceu em meio a


um turbilhão polít ico. Em 1437, os castelhanos conseguem uma bula papal
concedendo as conquistas portuguesas na Áf rica aos castelhanos. Dom
Duarte, “El Rei” de Portugal, manda um recado ao papa de Roma
anunciando que “apelar emos ao Senhor e prosseguiremos a apelação com a
espada ” ( Peres, 1961, p. 25). O próprio Dom Duarte empreendeu uma
expedição m ilitar à Áf rica sem intenção de conquistas, mas com o propósito
de impressionar o papa. Nesta expedição, mesmo com opiniões contrár ias,
Dom Duarte resolve atacar Tânger. A of ensiva, sob o comando de Dom
Henr ique, f oi um desastre com três bat alhas perdidas. Com a derrota dos
portugueses, os mouros colocam condições par a a partida dos derr otados.
São elas: embarque do exército português desarmado; devolução de Ceuta
aos mouros; paz por cem anos e ainda a desist ência da conquista de
Belamarin. Dom Henrique aceita e deixa de garant ia seu irmão, Dom
Fernando, como um “penhor” do cumpr imento do tratado. Portugal e El-Rei
sof reram um abalo com a not ícia do desf echo em Tânger. Dom Duarte entra
em um estado de depressão que o leva à morte. Dom Fernando, em poder
dos mouros, morre após 6 anos de cativeiro, em 1443.

Dom Henr ique mant inha seus propósitos expansionistas, apesar do


abalo com a morte do irmão. Importante ressaltar que o inf ante Dom
Fernando f icou conhecido, após sua morte, como “o pr íncipe santo”. Vencido
o medo de se chegar “além do Bojador”, por Gil Eanes em 1433, os
portugueses avançaram rumo a novas t erras e ao longo da costa af ricana.
No ano seguinte, Eanes e Af onso Baldaia, vão além do Cabo, “cinqüenta
léguas”. Em 1436, Baldaia chega ao Rio do Our o, que na verdade é apenas
um braço de mar que entra pela costa e suas areias eram, segundo
acreditavam os port ugueses, banhadas por ouro. Embora a expedição não
tenha conseguido capturar nativos, o que era da vontade do Inf ante Dom
Henr ique, trouxe inf ormações que f oram consider adas im portantes como
“rasto de homens e camelos”. Em 1441, Antão Gonçalves chega ao Cabo
Branco e em 1443, é a vez de Nuno Tristão desembarcar em Arguim e o
primeiro “ lançado”, João Fernandes, f ica em terras af ricanas por set e
meses. Em 1444, uma esquadra de seis caravelas chega às ilhas de Naar e
Tider. Nos anos que se seguir am, diversos navegadores rum am à costa da
16
Áf rica em busca de r iquezas e escravos. A proposta é chegar cada vez mais
distante nas terras af ricanas, pois o lucro de cada expedição compensava
os riscos das viagens. Assim, os portugueses rumam cada vez mais ao sul
da costa da Áf rica e chegam, com o navegador Nuno Trist ão, à terra dos
negros em 1444, a chamada Guiné.

“ E es ta g e nt e d es t a t er r a v er d e , he t o da n egr a , e p or em
he c ham a da t er r a d o s Ne gr os , o u t er r a d e G ui n ee , p or
c uj o aa zo os h om ees e m olh er es d e l la s o m c ham ados
G u in e us , q u e q uer t a n to d i ze r c om o ne gr os .”
(Azurara, 1841, p. 278)

A chegada à Costa do Ouro aconteceu em 1471 e o Cabo da Boa


Esperança só f oi ultr apassado em 1488. Com este f eito português, abr iu-se
o caminho para a Índia e para o mundo ainda desconhecido pelos
portugueses.

Carreira (1972) af irma que os document os que se ref erem aos Rios da
Guiné de Cabo Ver de não possuem uma unidade geográf ica. No começo do
Séc. XVI, a área entre o rio Senegal e o rio Orange (hoje a Nam íbia) er a
uma f aixa ainda indef inida no cont inent e, embora demarcada na costa. Não
havia um conhecimento mais acur ado da costa af ricana que permitisse uma
demarcação mais coerente e certeira. A delimit ação f oi consolidada soment e
a partir de 1600, quando “as gent es” e os r ios passaram a ser mais
conhecidos.

Após a descoberta, os portugueses com ercializavam na cost a af ricana


a bordo de navios. A ocupação mais def initiva da terra er a dif icultada pela
resistência à presença dos portugueses. Além do quê, o f ato agravava-se
com a escassez de recursos e outros f atores. Carreir a (1983) enumera 14
deles. Pode-se ressaltar: a irregularidade no comércio, a dif iculdade na
f undação de f eitor ias, a escassez de recursos humanos e m ateriais, o clima
considerado ruim, a presença abundant e dos chamados “degradados”, ou
lançados do reino etc.

A part ir do Séc. XVII, os portugueses usaram os lançados ( ou


tangomaus) vindos de Cabo Verde e, com o consent imento dos régulos
17
(chef es tribais) nos territórios ocupados, f oram se estabelecendo (não sem
dif iculdades) com a prát ica do comércio. Por questões de segurança,
instalavam-se perto de rios e em regiões costeiras, pois, em caso de
conf litos com os nativos, era possível uma rápida retirada pelos rios.
Também era comum o ataque de corsár ios às populações das margens de
rios e dos mar es. A permanência dos portugueses e a autoridade nas
chamadas “praças” eram mantidas pela f orça.

“ V i gor a v a a lei da s e l va . Q uem d is p u n ha de f or ç a


dom i na v a os m a is f r ac os . Os m or a dor es v i v i am
an g us t i ad os c om a p os s ib i l i da d e das s uas p a l ho tas
po d er em s er i nc e n di a d as d e r ep e nt e”
( Carreira, 1983. p. 24)

Os régulos resist iam f ortemente à f ortif icação portuguesa, pois isso


poder ia abalar o poder político local. Com isso, existia a resistência à
construção de f ortalezas. Havia tam bém grande diversidade ét nica e
religiosa em conf lit o naquele territ ório, uma vez que abr igava, ao mesm o
tempo, povos islamizados, animistas e cr istãos. Som a-se ainda, a
plur alidade dos regulados, com muitos chef es buscando ostentar a sua
supremacia entre os demais. A polít ica da f orça e a lei do mais f orte
causaram a ext inção dos régulos mais desguarnecidos. A autoridade passou
então aos régulos mais f ortes, possuidores de muit os escravos e armas
f ormando seu exército particular. Tais escravos, advindos da captur a em
expedições par a o continente, eram altamente lucr ativos para os chef es
religiosos e polít icos da época. Importante obser var que a prática da
escravidão entre grupos dos própr ios af ricanos er a uma prát ica tradicional.

Estes f atores causadores de dif iculdade de estabelecimento de


portugueses e mestiços na Costa da Guiné contribuíram par a um comércio
itinerante. Este, por sua vez, levava a um contato espor ádico, ou seja, um
contato de cunho comercial e não duradouro entre os povos em um modelo
mais comer cial e aleatório do que social, ou seja, “sem grande cont inuidade”
(ibidem, p. 28). Começam então a aparecer as povoações chamadas de
tabancas, presídios e praças. A dif erença entre elas estava no grau de
segurança def ensiva de cada uma, sendo a praça a mais f ortif icada e a
tabanca a menos guarnecida. As praças e presídios apresentavam um
comércio ainda t ímido e f ormavam núcleos habitados por eur opeus,
18
mestiços e cabover deanos. O território era uma “concessão” dos régulos à
coroa, embora houvesse uma “recompensação” por parte da cor oa aos
chef es – um tipo de arrendamento. A construção das f ortalezas era
“negociada” também com os régulos. O pagamento (ou tribut o) era
estabelecido dentro das regras ditadas pelos régulos. Os brancos, além de
ser minor ia, não exerciam poder sobre os af ricanos, e estes, por sua vez,
mantinham seus valores culturais intact os.

“ a in ex is t ê nc ia d e u m pode r ef e t i vo e d ur a d o ur o d a
m inor i a d os im ig r a nt es c ul t ur a lm en t e m ais e vo l uí d os
s obr e a m a ior i a af r ic an a – q ue v i v eu s em pr e
i nd e pe n de nt e e l i vr e , m ant en d o i nt ac t os t od os os s e us
v a lor es c u l tur a is , em es p ec i al as lí n gu as m at er nas ”
Carreira (1972, p. 31 e 32)

Em 1482, com o comércio escravagist a, El-Rei Dom João manda


construir o Forte São Jorge de Mina, com o propósito de servir de empório
para o tráf ico de escravos advindos das diversas regiões da costa af ricana.
O lucro obtido com o comércio at ivo de escr avos f ez com que a costa
af ricana f icasse conhecida como a “Cost a dos Escravos”.

No começo, a captura dos escravos era f eita pelos própr ios


portugueses que adentravam o continente à “caça” de negros. Essa prát ica
causava um desconf orto na (já abalada) relação entre portugueses os povos
af ricanos. Dom Henrique então decidiu que o com ércio ser ia por intermédio
dos chef es locais. Assim, os portugueses trocavam mercador ias por
escravos capturados pelos os própr ios af ricanos. Essa prática tinha a
vantagem de ser m enos violenta e pr imar por uma relação mais amistosa
com os régulos. Neste per íodo, a caça aos cativos passou a ser a atividade
mais lucrat iva na Áf rica e acarret ou um per íodo de desagregação,
disseminação de insegurança e de miséria. Reinos e impér ios declinaram,
outros até desapareceram. As autor idades f oram desagregadas no litoral,
criando um vasto número de pequenos chef es aventureiros armados. Par a
os portugueses, a exploração das rivalidades étnicas representava um
grande negócio par a a prática do comércio negreiro. Muitos af ricanos e
chef es passaram a f azer da caça de cat ivos a sua at ividade. Com isso, não
houve progresso na Áf rica, somente desagregação, morte e destruição de
reinos.
19
O comércio de negros, nos séc. XVI e XVII, percorr ia um caminho que
ia da Europa à Costa da Guiné, depois para a América e retornava à
Europa. Era o chamado Comércio Triangular. Da Europa vinham artigos
baratos, as chamadas pacotilhas - mercador ias que er am permitidas aos
marinheiros levar nas viagens e comercializar com os povos. Eram
basicamente: pér olas de vidro color idas, tecidos, aguardentes, armas e
pólvora. Como a prática comercial er a o escambo, est es recebiam de volta
escravos capturados entre os povos af ricanos. Na Amér ica, os negros eram
trocados por tabaco, açúcar, algodão, ín digo. Est as mercadorias da América
eram vendidas na Europa por preços altos, o que gerava um lucro muito
grande ao negreiro. O mapa a seguir ilustra o cam inho percorrido pelo
Comércio Triangular.

Fonte: http://exploringafrica.matrix.msu.edu/curriculum/lm6/activityfive.htm

Portugal monopolizava o comércio da Costa da Guiné, mas o reino não


dispunha de meios para f iscalizar este comércio praticado pelos
“concessionár ios” da costa. Estes começaram a negociar escravos, de f orma
ilegal, com os espanhóis, holandeses e f ranceses. Nos anos de 1580 até
1640, a coroa espanhola passou a dominar a cost a e soment e os entrepost os
da Guiné, Far im, Cacheu e Bissau resist iram à invest ida espanhola 3.

Com vist as nos lucr os obtidos com o comércio triangular da Costa da


Guiné, os portugueses não tinham int eresse pelo inter ior da Áf rica. Por

3
Não há um consenso entre os estudiosos em relação ao grau de resistência dos moradores de Farim, Cacheu e
Bissau.
20
outro lado, “as ilhas de Cabo Ver de desabitadas, começaram a ser
utili zadas como ponto de apoio do com ércio tr iangular: os seus habitantes
actuais são sobret udo escravos vindos da Guiné. ” (Lopes, 87, p. 21).
Quando Portugal consolidou o seu pr ivilégio exclusivo com o comércio
escravo nos “ Rios da Guiné”, a região que ia desde o sul da Serra Leoa até
o norte do Senegal era conhecida como a Costa dos Escr avos. Importante
ressaltar que o interesse comercial e extrativista era tão f orte nas relações
com a Áf rica que, em várias regiões, o nome representava o tipo de
mercador ia ret irada dos af ricanos para o comércio na Europa. Alguns nomes
se mant iveram através dos tempos, como Cost a do Marf im, por exemplo.
Outros nomes, após a partição da Áf rica e a consolidação das nações no
séc. XIX, f icaram somente na histór ia, como Costa do Ouro e a própr ia
Costa dos Escr avos.

A Guiné segue seu curso histór ico ser vindo de f ornecedora de


escravos e pagando o alto pr eço social por essa prát ica. Em 1641 Portugal
instala seu primeir o administrador em Cachéu, o capitão-mor Gonçalo
Aiala. No ano de 1766, Bissau passa a ser a capital. Até então, a Cost a da
Guiné estava sob a administração do arquipélago do Cabo Ver de, a
separação administr ativa entre os Rios da Guiné e as ilhas de Cabo-Verde
ocorreu somente em 1879.
21
1.1.3 A Guiné Portuguesa

Em 1884 e 1885 aconteceu Conf erência de Berlim, cuja f inalidade


principal era regulamentar a expansão das potências coloniais na Áf rica
considerando as ocupações de cada país na costa af ricana. Havia, nesta
época, disputas e conf litos das nações européias sobr e a posse das terras
ao longo da cost a e a regulamentação era necessária. Neste encontro,
f oram demarcados os lim ites de cada país e seus respect ivos “donos”. O
mapa abaixo mostra o result ado da part ição.

Fonte: http://www.elnidodelescorpion.com/N22/mundo-africa.htm

A Guiné – agora chamada de Guiné Portuguesa - cont inua sob o


dom ínio de Portugal, isto é, sob a autoridade de Portugal. É certo que as
f ronteiras f oram demarcadas por europeus ignorando a existência das
questões étnicas e culturais de cada povo. Em outras palavras, marcou-se
um encontro entre os países eur opeus para que a Áf rica f osse repartida
entre eles. A Áf rica, seus povos, suas nações enf im, suas vidas f oram
aquinhoadas e distribuídas entre os próprios europeus. Desta f orma, todos
(os europeus) estar iam satisf eitos com o quinhão que lhes coube.

Em 1963, os portugueses mudam o estat uto de colônia para Província


Ultramar ina de Port ugal. Segundo Cout o (1994, p.27), um euf emismo para
se evitar a expressão colônia. Como província ultramar ina, a Guiné t inha
Bissau como capital e como pólo comercial e educativo. As mentes mais
22
polit izadas e instruídas na Guiné estavam em Bissau. Por esta época,
começava a nascer entre os empregados da adm inistração pública e nas
poucas pessoas mais instruídas da Guiné um sentiment o nacionalist a. Este
sentimento f oi ganhando f orma na f igura do intelectual Am ílcar Cabral e
levou à f undação do PAI CG – Partido Af ricano para a Independência da
Guiné e Cabo Ver de – em 1956. Segundo Lopes (1987, p. 44), as primeiras
ref lexões nacionalistas eram de cunho cultural e não territor ial e “o debat e
girava em torno da identidade cultural” (ibidem). Mas estava nascendo aí um
sentimento nacionalista.

O movimento de independência da Guiné e Cabo Verde aconteceu de


f orma integrada. A Guiné- Bissau f oi a primeira colônia af ricana a obter a
independência com a Guerra da Libertação que durou dez anos. Am ílcar er a
um engenheiro agrônomo idealista e sob sua liderança o movimento f oi
criando cor po armado nos anos subseqüentes à f undação do PAICG. Em
agosto de 1959, percebendo a movimentação do partido, o governo
colonialist a inicia um per íodo de repressão instaurado após um massacre de
marinheiros rebeldes no cais de Pindjiguiti. A luta armada iniciou em 1963 e
em seis meses os rebeldes dominaram cerca de 15% do terr itório guineense.
O combate prosseg uiu em várias f rentes e no início de 1964 todo o sul e
centro sul estavam sob o dom ínio dos nacionalistas. A lut a continuou e no
ano de 1966, o dom ínio dos rebeldes já chegava a 60% da Guiné. Conta-se
que, devido à determinação dos rebelados, os colonialist as portugueses
aumentaram, de 1961 a 1966, 25 vezes o número de seu ef etivo. Somente
no ano de 1973, no dia 24 de setembro, f oi proclamada a República da
Guiné- Bissau. O reconheciment o português só veio no ano seguinte, em 10
de setembro de 1974.

1.1.4 A Guiné-Bissau

O líder idealista Am ílcar Cabr al f oi assassinado no mesmo ano da


independência, tendo seu meio-irmão, Luís Cabral assumido a presidência
até 1980. Neste ano, o Pr imeiro Ministro e também chef e das f orças
armadas, João Bernardo Vieira promove um golpe militar e governa o país
até o ano de 1998. Durante est e per íodo, houve várias t ent ativas de golpe,
em 1983, 1985, e 1993, ocorrendo inclusive execuções de polít icos
23
acusados de “traição”, como f oi o caso do vice-pr esident e Paulo Correia em
1986, juntamente com outros cinco polít icos ligados a ele. Em 1994 Vieir a
f oi eleito com as pr imeir as eleições livr es da história da Guiné. Em 1998
inicia uma nova e sangrenta luta armada, que vem destruir os já escassos
recursos do país. Nesta guerra civil, o pr esidente Vieira f oi deposto por uma
junta militar no ano de 1999 e Kumba Yala, f undador do PRS (Partido da
Renovação Social) e chef e opositor de Vieira, assume a presidência.

Mesmo com a tentat iva de democr atizar o país com eleições, não f oi
possível desf rutar de um per íodo de calmaria polít ica. Tudo indicava que a
luta chegara ao f im, mas não f oi o que ocorreu. Em 2000 houve a
inter venção dos Observadores da Paz da Áf rica Ocidental e a realização de
novas eleições. Neste pleito, Kumba Yalá é eleito e recebe nas mãos um
país com uma grande dívida exter na e a dependência da ajuda estrangeira.
Mas, em setembro de 2003, um novo golpe m ilitar derruba o gover no de
Yala. O empr esár io Henrique Rosa f oi então escolhido como presidente
inter ino pelos milit ares e Chef e de Estado até a realização de novas
eleições. Rosa relutou em aceitar o carg o de president e, mas f oi convencido
pelo bispo de Bissau, José Camnate, chef e da com issão nomeada pelo
militares para o r estabeleciment o da ordem civil na Guiné. Rosa é
considerado de “raça-mista”, o que o coloca apartado das questões de
ordem étnicas para a disputa do poder na Guiné.

A República da G uiné-Bissau está localizada no lado oeste do


continente af ricano com uma ext ensão de 36.125 km². Esta f aixa territ orial
está dividida em um a parte continental de 34. 625 km² e outr a insular com o
Arquipélago de Bijagós, de 1500 km², contendo 88 ilhas, classif icadas pela
UNESCO como reserva biosf érica. A superf ície cont inental consiste de uma
área de baixa alt itude e marcada por uma rede hidrográf ica constituída de
savanas. A costa é f ormada de uma região semipantanosa. Devido à sua
posição geográf ica, entre os trópicos de Câncer e Equador, o clima na
Guiné é seco, por inf luência do ar seco proveniente do Deserto de Sahel e
úmido, por inf luência, desta vez do Oceano Atlântico. Os meses de chuva
4
vão de maio a outubro e representam a época de um idade na Guiné. A

4
Há estudos que afirmam que, devido às secas dos anos 70, este período abarca agora os meses de junho a
outubro. Fonte: SANCHES, CITTADINO e ARTUSI.
24
população é de cer ca de 1, 5 milhões de habitantes (2003) 5 divididos em
diversas etnias.

Os lim ites f ronteiriços têm ao norte o Senegal e ao sudoest e a Guiné


Conacri. O Oceano Atlântico banha o extremo sul e o oest e da Guiné. Sua
densidade populacional é de 33,22 hab./km² (2001), sendo 24% (2000) de
população vivendo nas cidades e o cresciment o demográf ico de 2,41% ao
ano. A f ecundidade na Guiné é de 5,99 f ilhos por mulher, com uma
expectat iva de vida, tanto masculina quanto f eminina, de 44/46,9 anos. Os
números do analf abetismo chegam à marca de 48, 6% adult os, 58,5% jovens
(2003).

A Guiné- Bissau tam bém é uma das mais pobr es nações do m undo, e a
ajuda humanitár ia é de suma importância àquele país. A principal f onte de
emprego está na agricultura, com isso, a mão de obr a no campo abarca
cerca de 80% dos trabalhadores braçais. O cult ivo de arr oz, algodão e
castanha de caju são as cult uras pr incipais na produção agrícola do país.
Há também o cultivo de amendoim, milho, camarão, f eijão ent re outros.

A capital da Guiné-Bissau é Bissau. Trata-se uma cidade portuár ia


com cerca de 125. 000 habitantes, banhada pelo Rio Geba e pelo At lânt ico.
A histór ia da cidade se mist ura com a história da Fortaleza de São José de
Amura, construída pelos portugueses, com autorização do régulo de Bissau.
O porto e a f ortaleza f oram largamente utilizados pelos portugueses par a a
exportação de escravos durant e o per íodo do chamado “comércio
triangular”. O centro da cidade, denominado de “praça” apresenta uma
inf raestrutura bastante solidif icada. A praça abrigava os brancos e os
negros ditos “civilizados”, por isso a urbanização acont eceu de f orma
planejada. Após a independência e como conseqüência da condição de pólo
administrat ivo e comercial, houve um crescimento desor denado com a
chegada de emigrantes advindos do campo, f ugitivos de guerras e
desempregados em busca de oportunidade de trabalho. Como decorrência
do aumento desor denado, a perif eria abriga uma população bastante
carente, que vive em condições pr ecárias, sem saneamento e com
construções sem reg ulamentação dos set ores de urbanização. Aliás, este é

5
http://www.ipad.mne.gov.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=53&Itemid=84
25
um cenário t ípico nas grandes cidades em países pobres ou mesmo em
desenvolvimento.

1.1.5 Relações com Cabo Verde

“A Guiné e Cabo Verde histor icamente ligadas por um passado de


cinco séculos, const ituem um mesmo conjunto sociocult ural ” (Lopes, 1987,
p. 49). O “achament o” do arquipélago de Cabo Verde ocorreu por volta de
1456, cerca de 10 anos após Nuno Tristão Chegar aos rios da Guiné.
COUTO (1994, p. 25) aponta quatro set ores de intensif icação das relações
entre Guiné e Cabo Verde. São eles: o tráf ico de escravos e as suas
conseqüências; os setores comerciais; o setor da administração religiosa e
f inanceira e o setor da administração ger al.

“ O c onj u nt o d as i l h a s e as p o v oaç õ es d os c h am ad os
‘R i os d a G ui n é ’ p as s ar am a c o ns t i tu ir u m a uni d ad e
adm i n is tr at i v a s o b a des i g naç ã o d e ‘ C ap i ta n ia das i lh as
de C a bo V er d e ’ c om s ed e n a R ib e ir a G r a n de ... ”
Carreira (1983, p. 39 e 40)

O arquipélago de Cabo Verde é f ormado por 10 ilhas e oito ilhéus de


origem vulcânica situadas cerca de 600 km da margem sul do At lânt ico
Norte. As ilhas f oram utilizadas como entrepost o de escr avos durante o
per íodo do Comércio Triangular. Até a chegada dos portugueses, as ilhas
não eram habitadas e o povo que passou a ocupá-las e que veio a f ormar o
caboverdeano atual, resulta de f atos hist óricos que têm no comércio negreiro
o seu grande responsável.

Os negros escravizados oriundos dos rios da Guiné tinham como


comerciantes (ent enda-se traf icantes) muitos senhor es nas ilhas
(principalmente Santiago). A insularidade do local desf avor ecia a f uga dos
escravos e, ao mesmo tempo, apresent ava uma localização privilegiada para
as rotas dos navios no At lânt ico Norte - entre os três continentes e de f rente
à “Costa dos Escr avos”. Um dado im portante para a história local é a
chamada “ ladinização”, que consist ia em um batizado e uma “reciclagem”
dos negros, em um a tentativa dos traf icantes de ensinar costumes, língua,
trabalhos e religião dos brancos aos negros, para que adquirissem maior
26
“valor ização” no mer cado. Era, na ver dade, uma preparação para a ser vidão
como escravos. As ilhas ser viram, portanto, como entrepost os de
“mercadoria” par a os senhores do tráf ico que exportavam suas “peças” às
colônias portuguesas e espanholas. Houve também a utilização de mão-de-
obra escr ava no campo quando do povoamento das ilhas. Cabo Verde era o
centro político e administrativo da “Guiné de Cabo Verde”.

Uma cit ação de António Brasio em Lopes ( 1987, p.47) sobre a


descoberta de um livro de registro de escravos em Cabo Verde, datado de
1856, dá conta de que a maior parte do elemento af ricano é originária da
Guiné, das etnias m andinga, balanta, bij agó etc. Carreir a ressalta que não é
possível apontar com certeza aproximada o númer o de negros oriundos da
Costa da Guiné.

“ ( .. .) n unc a s e r á pos s ív e l , m esm o por a pr o x im aç ã o, d ar


núm er os q u e ex pr es s em o to ta l de es c r a vo s en tr ad os e
f ix a dos em Cabo V er d e, m or m ent e o d os pa r a a l i tr a zi d o s
par a ex p or t aç ão .” (Carreira, 1972, p.393)

Mas, é de se considerar a importância da origem da população mestiça


das ilhas quando, neste ambiente host il, os senhores europeus acabavam
por constit uir f amílias com as af ricanas da Cost a da Guiné, outros
“produziam” f ilhos com suas escravas para aument ar seu contingente de
mercador ia e, dest a f orma, as ilhas f oram criando sua caracter ística
populacional.

Couto (1994, p. 26) chama a atenção para o f ato de que “a expressão


‘G uiné de Cabo Verde’ é corrente na literatura portuguesa durante vários
séculos ”, além do f ato de os portugueses tentarem manter o monopólio do
comércio inst ituindo “companhias comer ciais para explorar o comércio entre
as duas regiões, ou melhor, das duas para o resto do mundo conhecido dos
portugueses naquela época ”.

Com uma caract er ística demográf ica def inida a partir da invasão d e
portugueses e negros advindos da Costa da Guiné, começa, no séc. XVIII, a
migração dos caboverdeanos para a Guiné. O clim a passou por
transf ormações que f avorecia o surgimento de longos per íodos de est iagem
decorrent e da destruição das f lorestas para o cult ivo da terra.
27

“ o s éc ul o X V II I f ec h a m uito tr is tem e nt e c om 1 1 p er í o dos


de c r is e e es t i ag em ou d e f om es , a l gu ns d e les bas t an te
gr a v es . E h oj e n ão s e t em s eq uer um a i d é ia ex ac t a d a
im por tâ nc ia d es tes c a tac l is m os p or qu e n ão e nc o nt r am os
doc um en tos s uf ic i en t em ent e es c l ar ec e d or e s do núm er o
de pes s o as v it im ad as pe l a f om e e p e l a f a l ta de ág u a.”
Carreira (1972, p. 196)

A migração é o argumento principal para a hipótese insular de


f ormação do cr ioulo def endida por Carr eira. Por outro lado, Cout o e Rougé
def endem a idéia da ambigeneidade, segundo a qual, a f ormação ocorreu
simultaneamente nos dois países. Este assunto ser á tratado mais
detalhadamente nas páginas seguintes. De qualquer f orma, ressalta-se a
relação da or igem dos cr ioulos guineense e caboverdeano para atestar a
intensa af inidade entre essas duas nações, uma vez que as hipóteses mais
f ortes têm o território de ambos os países como palco de f ormação dos
crioulos.
28

1.1.6 A situação sociolingüística

A Guiné-Bissau é um país multiétnico e multilingüe. Segundo CA


(1999) há mais de 30 grupos étnicos. Seis desses grupos tot alizam mais de
80% do tot al populacional, são eles: os f ulas com 25,4%, os balantas com
23,8%, os mandingas com 13,7%, os manjacos com 9,3%, pepéis com 9,0%
e os mancanhas com 3,5%. A distribuição etnográf ica pode ser notada no
mapa abaixo.

fonte: www.tchando.com/gui1.html

Na Guiné, há a coexistência de cerca de 20 línguas. Cada uma dessas


línguas pertence a um grupo étnico. A representatividade da ident idade
étnica presente na língua é obser vável no f ato de língua e etnia ter o mesmo
nome. Assim, a língua dos balantas é o balanta, dos mandigas é o mandinga,
dos mancanhas é o mancanha e assim por diante. O português é a língua
of icial, enquanto que a língua de união nacional é o crioulo. De acordo com
os dados de Couto (1996), na Guiné-Bissau cerca de 4,26% são f alantes só
de crioulo, ao passo que 44% f alam o crioulo e outra(s) língua(s). O
português ser ia ut ilizado por pouco mais de 0.5% da população. Porém, esse
quadro muda a cada dia em f avor do cresciment o do número de f alantes do
crioulo.
29
Como as f ronteiras lingüísticas não obedecem a tratados geográf icos,
tampouco a convenções políticas, as línguas acima mencionadas não se
lim itam ao territ ório guineense. Vale lembrar que as divisões políticas na
Áf rica aconteceram de f orma arbitrária, na Conf erência de Berlim, no f inal do
séc. XIX ignorando por complet o a presença dos povos e das nações de
cada terr itório. Na r egião de Casamansa, localizada ao sul do Senegal, com
cerca de 28.000 km 2 (a Guiné tem 36.125 km²) e 650.000 habit antes, a
língua de comunicação é o crioulo. Aliás, trata-se de uma região rica em
reser vas de petróleo e o seu dom ínio tem sido reclamado pelos guineenses.
A região de Casamansa era parte da Guiné Portuguesa até 1896, quando f oi
“doada” à França. A Guiné- Bissau cont a também com a língua f rancesa em
seu territór io. Porém, o crescimento da utilização do cr ioulo é constatado
por estudiosos. Augel (2000), da Universidade de Bielef eld, na Alemanha,
ressalta a necessidade de “literalidade” do guineense em f avor do f omento à
lit eratura da Guiné utilizando sua própria língua. Para as publicações de
escritor es guineenses, tem sido ut ilizado o português, porém , é f ato que os
lusóf onos são (uma pequena) minoria na Guiné, e o português é a língua do
dominador. Segundo Augel, nem mesmo os intelectuais f azem uso do
português em situações inf ormais. Pode- se af irmar que a situação do cr ioulo
é de f ranca expansão entre a população.

“ Hoj e em d ia é c a d a v e z m ai or a i nc id ê nc i a d e f a l an tes
do c r io u lo c om o pr i m eir a – e m es m o ú n ic a – l ín g ua ,
s obr e tu d o e nt r e os m ais j o ve ns e pr i nc i pa lm en t e n os
c en tr os ur b an os . A pe r te nç a é tn ic a s e d il u i ‘ na pr aç a ’ e
gr a n d e p ar te d as c r ia nç as e d os j o v e ns d e s c on h ec e as
lí n gu as anc es tr a is , n ã o c h eg am nem m es m o a apr e nd er
o p or t u gu ês , t en d o o gu i n ee ns e c om o s e u ú n ic o m ei o de
ex pr es s ã o. ” (Augel, 2000, p. 6)

Mesmo com uma sit uação lingüíst ica complexa, na Guiné f orma uma
Comunidade de Fala (cf .2.3.1) uma vez que há uma integridade que perm ite
a comunicação entre os vários povos com suas dif erenças lingüísticas.
30
1.2 A FORM AÇÃO DA LÍNGUA

1.2.1 Lançados, Tangomas e Grumetes

Na ocupação das t erras descobertas, os portugueses t inham como


prática capturar nativos da terra ao longo da costa, conf orme iam se
aportando rumo ao sul da costa af ricana. Estes nativos captur ados
ser vir iam, mais tar de, de intérpretes, chamados “turgimãos”. Juntamente
com a prática da captura de cat ivos, houve também a técnica inversa, ou
seja, o “lançamento” de portugueses que se aventur avam na nova terra e se
assim ilavam aos povos locais com o int uito de conhecer e explorar o
continente. Couto (1994, p.17) ressalta o mérito histór ico dos lançados,
grumetes e tangomas para a f ormação do povo da terra e sua identidade
lingüíst ica, pois “ist o signif icou o início de um contato int ercultur al cujos
resultados durariam até nossos dias”.

O primeiro lançado q ue se tem not ícia f oi João Fernandes, lançado em


1445. Os lançados têm uma representatividade bastante grande para a
f ormação do crioulo guineense (assim como em outros crioulos af ricanos).
Quando assentados à nova terra, arranjavam mulher es af ricanas e
constit uíam f amílias, suas esposas eram conhecidas como “t angomas” e, os
f ilhos nascidos da união er am os “f ilhos da terra”. Essa interação geraria
uma troca cultural simultânea no ambient e doméstico.

Como era de se esperar, na prát ica da exploração e interação com os


povos af ricanos, os lançados arregimentavam auxiliares que ser viam de
intérpr etes e guias. Estes auxiliares eram chamados de “grumetes”. A
palavra grumete vem da linguagem náutica, signif icando homem de posição
inf erior, marinheiro auxiliar. A dat ação consta do séc. XIII como gurmete,
no séc. XIV como grumete e no séc. XV gromete 6. Os grumetes ser viam aos
comerciantes europeus. Alguns eram batizados, mas nem por isso perdiam
sua ident idade étnica e a liberdade, conf orme registra as palavras de
Nolasco:

“Os ‘g r um et es ’, da d a a sua c o n v i v ênc i a c om os


eur o p eus , f or am f ac ilm e nt e c r is t ia n i z ad os pe l os
m is s io n ár i os , m as , c om o a m ai or p ar t e d a p o p ul aç ão ,

6
Fonte: Houaiss
31
per m a nec er am ape g a dos às s u as c r e nç a s an im is t as ,
f or tem e nt e e nr a i za d a s ex c e p tu a nd o- s e a p en as a lg u ns
r ég u l os is l am i za dos .”

(Nolasco da Silva, 1970, p. 514)

Suas “moranças” se localizavam próximas dos núcleos europeus, que,


por sua vez, f icavam distantes das aldeias e er am chamados de “praças”.

Segundo Couto (1994), no núcleo f amiliar dos lançados se encontrava


o ambiente propício ao aparecimento de uma língua cr ioula. Os lançados
usavam um português muito simplif icado para se comunicar com suas
tangomas e seus grumetes. Estes regist ros simplif icados vão na direção da
7
simplif icação conhecidas nos registros especiais como o baby talk e o
foreigner talk 8 . Por outro lado, as tangomas e os grumetes recebiam essas
f ormas simplif icadas como dados ( inputs). A nativização teria ocorrido logo
na primeira geração dos “f ilhos da terr a”. Este assunt o será desenvolvido
mais acuradamente nos capítulos seguintes. Por enquanto,

“ P od e- s e c onj ec t ur ar c om c er ta m ar gem d e s e g ur anç a


qu e da m édi a de ‘ pr o d uk ti v e ’ e da ‘r e ze p t i v e
P id g i n is i er u ng ’ s ur gi u um pi dg i n po r t ug u ês qu e de v e ter
s i do o ‘ i n pu t ’ l i n gü ís tic o par a a pr im eir a ger aç ão d e
f il h os da t er r a. Se is s o f or ve r d a de , tem o s a í o c r i ou l o
f or m ado . P or ou tr as p a la vr as , os f i l hos d a t er r a f or am os
pr im eir os f a la nt es de c r io u l o, po is c om el es o pi d g in
por t ug u ês ac im a r ef er i do s e na t i v i zo u” .

(Couto, 1994, p.19)

Jean-Louis Rougé, em um artigo “Sobre a Formação dos Cr ioulos do


Cabo Verde e de G uiné” (s.d.) af irma que “do mesmo modo que af ricanos
f alavam o português, ... ‘lançados’ f ixados no cont inent e f alavam línguas
af ricanas”.

Os estudos mais recentes têm explicado a origem da “simplif icação”


da morf ologia f lexional nos cr ioulos a partir da or igem do aprendizado de L2

7
Linguagem utlizada por adultos para se comunicar com crianças
8
linguagem utilizada para se comunicar com estrangeiros
32
(segunda língua) por adultos 9, ocorrendo, nesse processo a redução da
morf ologia f lexional no ambiente de contato. Rougé levanta a questão a
partir da idéia de um “português aproximativo”. Par a ele “t alvez se deva
também imaginar a existência de um mandinga, de um pepel e de um
manjaku aproximativo”. Por outro lado, é bem provável que na f ala
empregada entre os negros, ou mesmo entre eles, os grumetes e os
lançados, havia muitas f ormas reduzidas. Este português aproximat ivo f oi,
por sua vez, transmitido a outros af ricanos.

Além do núcleo dos lançados, existiam outros ambientes férteis ao


surgimento de um pidgin. Um desses núcleos estava localizado na zona de
comércio no litoral e nas demais zonas de contato entre portugueses e
af ricanos, conf orme registra o antropólogo Trajano Filho, em um artigo
sobre o processo de crioulização na Guiné:

“ As pr im eir as em ba r c aç õ es p or t u g ues as q u e c h eg ar am à
Cos ta da Áf r ic a o c i de n ta l em m eados d o s éc u lo X V
enc o ntr ar am po v os c om lí ng u as e c os tum es d if e r e nt es
en tr e s i. Um a d as pr inc i p ais t ar ef as qu e os r ec ém -
c he g ad os a tr ib u ír am a s i , a lém da pr oc ur a pe lo ou r o e
tr áf ic o dos pr im eir os es c r a v os , f oi d e c o n h ec er a r eg i ão
e os p o vos qu e a h a b it a vam .”

(Trajano Filho, 2004, p.6)

Portanto, as condições f avoráveis à crioulização iam além dos


núcleos populacionais que se f ormavam, mas também em lugares onde
exist iam situações de cont ato entre os povos e suas línguas que interagiam
na Costa da Áf rica. Esse intercâm bio lingüíst ico-cultural ia também
adentrando o continente. Neste percurso, os recém-chegados necessit avam
de uma língua de emergência par a a comunicação com os povos da terra,
uma vez que eram aloglotas inser idos em uma terra multilíngue. Essa língua
de comunicação ser ia de grande importância, não somente ao comércio, uma
vez que as negociatas e o palavr ório são partes integrantes das
negociações, mas também para a interação e reconhecimento das pessoas,
dos lugares e dos pr odutos interessantes para a explor ação européia.

9
Holm (2005) apresenta a hipótese de que a perda flexional deve-se a tipologia das línguas de substrato e
superstrato que participaram do processo de crioulização (cf. 6.2.3)
33
1.2.2 Hipóteses Insular, Monogenética e Ambigenética

Os lingüistas não têm uma opinião unânime a respeito da or igem do


crioulo guineense. Antony Naro em “A St udy on the origem of pidgini zation ”
1978) apresenta uma af irmação bastante ousada quanto à pidginização: “ no
pidgini zation developed in Africa as a result of the first trade contacts”
(ibidem, p.333). Para Naro, a f ormação se deu na Europa e, depois de
f ormado, o pidgin foi levado à Áfr ica.

“ …é r a zo á v e l c onc l u ir que a bas e pa r a o p id g i n


por t ug u ês us a do n a Áf r ic a ao l o ng o dos s éc u l os X VI e
X VI I (o pr im eir o a s er c r i ou l i za d o) ti nh a s id o
s ubs t anc i a lm ent e, s e n ão c om p le t am ent e, f or m ada n a
E ur o p a a nt es d e s e to r na r c or r en te na Áf r ic a .”

(Nar o,1978, p.334)

Naro reconhece nos lançados e nos pr imeir os cativos a


responsabilidade pela origem dos cr ioulos portugueses. Depois de ter suas
bases est abelecidas na Europa, o pidgin f oi levado à Áf rica pelos própr ios
af ricanos que ret ornavam à terra e também com os lançados. A captura e o
ensinament o de cativos na costa af ricana era parte da política expansionist a
de Dom Henr ique, que previa a utilização dos negros como seus f uturos
intérpr etes na Áf rica. A visão de Naro, t em no pensamento europeizado sua
idéia principal, pois, para o autor, qualq uer contat o lingüístico direto entre
af ricanos e europeus “ocorreu soment e na Eur opa, quando os af ricanos
f alavam alguma ver são do português” (ibidem, p. 320). Nar o baseia-se na
teoria monogenét ica de f ormação dos crioulos, pois, conf orme diz a
monogênese, as semelhanças dos crioulos se explicam pela política
lingüíst ica do Dom Henr ique, uma vez que f oram os portugueses que
ultrapassaram o Boj ador e o Cabo Não e os primeiros a chegar à Costa da
Áf rica. Nar o elimina a expansão através dos mercadores portugueses
itinerantes pelo f ato de estes comerciant es utilizarem-se de intérpretes para
a comunicação com os af ricanos durante as negociações. Mas aqueles que
estabeleceram f amília e moradia na Áf rica têm sua parcela de dif usão. A
partir de 1508, quando da chegada de muitos lançados na Costa da Guiné,
estes ut ilizavam cotidianamente a “ linguagem de reconhecimento” que
haviam aprendido na Europa como um “ código adquirido de f orma similar à
telegraf ia ou a sot aques estrangeir os” (ibidem) com os af ricanos. Nar o
34
propôs em seu artigo “chamar esse sistema de Linguagem de
Reconhecimento” ( ibidem, p. 320).

A hipótese de Naro tem sido objeto de contestação por parte de


crioulistas. Morr is G oodman ( 1987 e 1988), em “Jornal of Pidgin and Creole
Language”, por Rougé (1986) e Couto (1996):

“ em pr ol de N ar o de v e s er d i to qu e e le f e z um a
pes q u is a in t ens a em ar q u i v os d e P or tu g al e a l hur es , o
qu e j us t if ic a a lar g a d i vu l gaç ã o q ue s e u t r ab a l ho t e v e
em tod o o m un do , n o en t an to , n o q u e c o nc e r ne a o l óc us
de f or m aç ão d es s a l i ng u ag em , e l e es tá c o m plet am en te
er r ad o.” Couto (1996, p. 193)

Para Rougé, não se pode imaginar que homens rudes como eram os
lançados f reqüentassem as escolas da polít ica de Dom Henrique para se
prepararem pr of issionalmente antes de se “lançarem” nas novas terras.

António Carreira, em “O crioulo de Cabo Ver de: surto e expansão”


tem seu ponto de ref erência no per íodo negro do comércio escravagista e na
relação de f ormação social e lingüística entre Cabo Verde e Guiné- Bissau
através de suas história. Par a Carreira, a f ormação do crioulo se deu nas
ilhas de Cabo- Verde tendo sido este transportado à Guiné por
caboverdeanos. Por esta r azão é chamado de “ Hipótese Insular”. Seus
argumentos são sustentados pela hist ória conjunta de ambos os países.
Conf orme f oi dito acima, as relações ent re Guiné e Cabo- Verde começaram
no séc. XV – após o “achamento”. O caboverdeano de hoje é o result ado da
histór ia da colonização, que t em nos negros guineenses capturados como
escravos sua base principal de f ormação e no europeu a outra parte. A
histór ia política e administrat iva de ambos ocorreu de forma conjunta,
of icialmente, at é o ano de 1879. Até mesmo o movimento de independência
dos dois países se deu em um mesmo contexto, sob um mesmo idealismo,
tendo o PAI CG (Partido Af ricano par a Independência da Guiné e Cabo
Verde) como o responsável. As ilhas f oram colonizadas pelo sistema de
capitanias hereditár ias e se encontravam inabit adas até a colonização. Esta,
por sua vez, ocorreu mediante a posse dos donatár ios portugueses e a
massa de guineenses oriundas de etnias dif erentes para a escravidão. Para
Carreira, o crioulo
35
“... c or r es p o nd e à lí ng u a de c om un ic aç ã o ver b a l,
bas e ad a no p or t u gu ês de Q u in h en t os , n a sc id a no
ar q u i p é l ag o : e p os t er i or m ent e l e va d a par a as Pr aç as e
Pr es í d ios d os ‘r i os d a G u i n é’ p e los m es t i ç os , f i l h os d e
hom ens br anc os e d e m ulh er es pr et as ( es c r a v as o u
l i vr es ) (Carreir a,1983, p. 65 – negritos nossos)

Com o comércio de escravos consolidado e este tendo as ilhas com o


“entreposto” do traf ico, um f ato chama atenção pela relevância
argumentativa da Hipótese Insular, é a chamada “ ladinização”, uma vez que
“era toda uma acção educador a e de cat equese necessária á ladini zação;. E
isso só se considerava acabado quando eles se fi zessem compreender
através de um Pidgin baseado na língua portuguesa da época... ” (ibidem,
p.51).

A expansão começou a partir do f inal do séc. XVIII com o começo de


um per íodo de f ome e decadência def lagrado por longos per íodos de secas e
a proibição do comércio ( of icial) de escr avos. Para f ugir da fome, que no ano
de 1850 vit imou mais de 30 mil pessoas ou mesmo na busca de emprego, os
caboverdeanos iniciam uma época de emigração par a a Guiné, levando
consigo sua língua. Os emigrantes letrados passaram a ocupar cargos
públicos e administr ativos, ingressando assim nas f unções estatais. Outros
se f irmaram no comércio. É clar o que a idéia da Hipótese Insular, vai ao
encontro do pensam ento dos portugueses, que davam ao arquipélago maior
importância dado o seu f omento econômico e comercial em r elação aos rios
da Guiné, uma vez que nas ilhas aconteciam as grandes negociações
comerciais. Os rios eram, em sua maior ia, apenas os f ornecedores das
“mercadorias”.

Couto contesta a hipótese I nsular m ediante a f alta de “dado


concreto” que a corrobore. Em que condições o presum ível crioulo
caboverdiano se teria transportado para a Guiné? ” ( Cout o, 1994 p. 31). Seu
posicionamento em relação à or igem do crioulo também está baseado na
histor icidade. Cout o acredita que a gênese se deu simultaneamente nos dois
países. Este pensamento f icou conhecido na literat ura com o a Hipótese da
Ambigeneidade. Jean Louis Rougé (1986) já a mencionar a, embora, para
Rougé, “saber se o crioulo do Cabo Verde está na origem do crioulo da
Guiné- Bissau ou se o cr ioulo da Guiné-Bissau está na origem do de Cabo
Verde” (Rougé, 1986, p.37) não é uma questão de extrem a relevância do
36
ponto de vista científ ico. Segundo Couto, a relação mút ua de tráf ego de
pessoas entre a Guiné e o arquipélago percorreu a histór ia dos dois países.
Outro f ato important e par a se ref utar a Hipótese Insular é que, embora tenha
desf rutado do pr ivilégio de sediar a administração, este f ato não torna o
arquipélago importante o “suficiente para comprovar a hipótese de que o
crioulo formado nas ilhas ter ia se transplantado par a o continent e” (Couto,
1994, p. 32).

1.2.3 Crioulo Português da Costa Ocidental Africana,


Caboverdeano ou Guineense

Mesmo considerando a semelhança estrutural e a int eligibilidade


entre caboverdeano e guineense, não é possível af irmar que sejam a mesma
língua, embora existam def ensores para esta idéia. Lopes, ref erindo-se ao
MLN ( Movimento para Libertação Nacional) na época da Guerra da
libertação, registra o seguinte:

“ va i b as e ar a u n i d ad e G u in é /C a bo V er de n ão n os
pr inc íp i os de c o es ã o p e qu e no - b ur gu es e s , m as na
s em el ha nç a h is tó r i a e c u l tu r a l dos do is p o vos .
Ch am am os , p or ex em p lo , a a te nç ão p ar a a e x ist ên ci a
d e u m a lín g u a co m u m, o K r i o l, as s i n a la d o d es de o s éc .
X VI” (Lopes,1987, p.31- negrit os nossos)

Para Couto, o “fluxo e refluxo” em ambas as direções, a colonização


com escravos advindos do continent e, enf im, a história conjunta dos povos e
a própr ia histór ia da f ormação do povo cabover deano devem ser
cuidadosamente consideradas na f ormação do cr ioulo. Estes f atos são
relevante par a a semelhança entre eles. Contudo, conf orme caboverdeano e
guineense f oram se estabilizando em dif erentes t erritór ios e com dif erentes
povos (com a “gente” caboverdeana consolidada) f oram criando traços
particulares.

Diante das semelhanças histórico-sociais e gramaticais do


caboverdeano e do guineense, cujas evidências levam estudiosos, com
autoridade de f alantes nat ivos, como é o caso de Lopes, a f alar em termos
de unidade lingüíst ica, uma questão se f az presente: se f orem realmente
37
uma língua comum, de quem estamos f alando, do caboverdeano ou do
guineense ou de am bas?

Uma dist inção bast ante inter essante para esta discussão está na
divisão entre língua e dialeto. Esta dif erenciação, bast ante complicada, tem
sido objeto de pesquisa e f omentado discussões, uma vez que a descrição é
f ortemente prejudicada diante da ambigüidade na utilização dos termos, ou,
plagiando Haugen (1972), trata-se de uma dicotomia muito simples
represent ando uma situação muito complexa, uma vez que

“ Naç ã o e l ín g ua s e t or n ar am i nd is s o lu v e lm ent e
en tr el aç a dos . T o d a n aç ão q u e s e re sp ei t e tem
que t er uma lí n g u a. N ão só um me io de
co m u n i c aç ão , u m a ‘v er n á cu la ' o u u m ‘d ia let o ' ,
m as um a lín g ua c o m plet am en te d es e n v o l vi d a.
Q u al q ue r c o is a m en o s q ue is s o é um a m ar c a de
s ub d es e n v o l vim e nt o.”

(Haugen,1972, p. 244 – negritos nossos)

Em Cabo Verde, dif erentemente da Guiné, não há a existência de


multilingüismo, tampouco de multietnia. As questões ref erentes à
nacionalização de cada um dos países são marcadas de f orma dif erente. Em
termos bast ante sim plistas, mas apenas para apontar a disparidade entre as
condições sociológicas na Guiné e em Cabo Verde, podem os f alar em uma
unidade social, do ponto de vista étnico em Cabo verde. Na Guiné, por sua
vez, o que há é um a complexa situação de multiplicidade ét nico-lingüística.
Assim como na Guiné, em relação ao guineense, a língua de união naciona l
nas ilhas é o pr ópr io caboverdeano. Não é objeto de estudos deste trabalho
af irmar sobre a nacionalização, a estandardização ou mesmo a of icialização
do caboverdeano, porém, cabe à discussão apont ar as dif erenças
(sócio)lingüísticas entre o crioulo em Cabo verde e o crioulo na Guiné.

Em Cabo Ver de, o crioulo é a pr imeira língua da nação. Na Guiné, na


maior ia dos casos, o crioulo é a L2, ou até mesmo a L3 dos mandingas, dos
balantas, dos f ulas etc, enf im, do povo guineense. Por outro lado, se a idéia
da unidade lingüística entre Guiné e Cabo Ver de f osse contemplada neste
trabalho, ter íamos ainda que decidir qual seria dialeto de qual, ou seja, ser ia
o caboverdeano dialeto do guineense ou seria o guineense o dialeto do
38
caboverdeano? Qual seria o cr itério a ut ilizar para se apontar para a língua e
para o dialeto dessa língua? Ainda segundo Haugen (2002, p. 97) “o termo
‘língua’ é superordenado a ‘dialeto’, mas a natur eza dessa r elação pode ser
tanto lingüística quanto social” o que sig nif ica que, apesar da complexidade
na distinção entre os termos, f ica f ácil compreender que embora nem toda
língua seja um dialeto, todo dialeto tem uma língua, ou melhor, um dialeto
sempre pertence a uma dada língua.

Mesmo com a existência de f atos históricos e af inidade gramatica l


entre caboverdeano e guineense, eles percorrem apenas part e da histór ia de
cada povo, ou melhor dizendo, parte da histór ia da nação caboverdeana e da
nação guineense. É certo que, “as línguas que participaram na f ormação dos
dois crioulos são as mesmas” e “estas f oram as línguas maternas dos
primeiros f alantes do que seria o crioulo” (Rougé, s.d.). Por outro lado,
estão radicados em territórios distint os e o curso histór ico de cada um,
mesmo com muitos pontos comuns, teve sua própr ia deriva, o que permite
af irmar que não são o mesmo povo, nem são sujeit os da mesma história,
tampouco da mesma nação. Rougé (ibidem), enumera dados que marcam a
dif erença na f ormação histórica dos dois crioulos:

No Continente – Guiné-Bissau Nas Ilhas – Cabo-Verde

Não houve ruptura com as línguas Na formação da sociedade, houve uma ruptura
africanas, tampouco com o português. com o português e com as línguas africanas.

No interior as línguas étnicas se


mantiveram fortes e em plena utilização Aqueles que aportavam nas ilhas estariam
pelos falantes, assim com as imersos em uma sociedade em formação.
comunidades sociais desses falantes.

Isto gerou contatos entre os falantes da


A estabilização se deu sem o contato
sociedade crioula que se formava e os
entre as línguas africanas e o crioulo que
falantes das sociedades étnicas que já
se formava
eram estabilizada

Como resultado, o crioulo até hoje é a L2 Nas ilhas, o crioulo é a L1 (língua


da maioria da população, cuja língua materna) da grande maioria dos
materna são línguas africanas. caboverdeanos.

No continente, a crioulização
representou o aparecimento de mais um Nas ilhas, a formação da nação
grupo étnico que acontecia nas praças, caboverdeana se deu mediante a
um grupo crioulizado com a sua crioulização da sociedade e da língua
respectiva língua.

Há ainda um terceir o elemento a f azer parte da discussão. Caso se


considerasse a unif icação lingüíst ica e a atenção estivesse voltada apenas
para a histór ia, uma solução à discussão entre língua e dialeto estar ia em
descartar o “caboverdeano”, e o “guineense” e levar a discussão para o
39
Crioulo Português da Costa Ocidental, considerado uma língua franca.
De acordo com a história das navegações e do comércio itinerante na
costa, o processo de pidginização teria ali encontrado um terreno fértil e
tomado fôlego a partir do contato ocorrido entre os povos diferentes na
costa. Esta hipótese encontra na teoria da monogênese dos crioulos um
argumento bastante f orte. segundo a monogênese, a língua que resultou
do contato na costa ocidental da África, ou melhor, o Crioulo da Costa
Ocidental da África acabou se espalhando e sendo o precursor de todos
ou outros crioulos, pois, “sabemos que uma língua de contato de base
portuguesa – sob a forma de pidgin ou crioulo – estava em curso na
região desde pelo menos os começos do século XVI” (Couto, 1996, p.
156). Assim, seria este protocrioulo, nascido do contato na costa
africana e de base portuguesa, o progenitor de todos os outros, inclusive
os de base inglesa e espanhola. Este pensamento tem defensores como
Thompson e W hinnom. Este foi primeiro a pensar nesta idéia. Valkhoff é
outro defensor da teoria da monogênese para os crioulos de base
portuguesa. Para German de Granda (apud Couto, 1996), o crioulo
português da Costa Ocidental Africana transformou-se em outros
crioulos de base inglesa, francesa etc. mediante um processo de
relexificação. As semelhanças entre os crioulos se explicam pela
permanência dos traços morfossintáticos deste ancestral comum a todos
os crioulos.
40
1.3. A SITUAÇÃO LINGÜÍSTICA

1.3.1 Variação Diacrônica, Diastrática e Diatópica

Segundo Cout o (1994, p. 45), na “Guiné podemos f alar em


Comunidade de Fala” (CF), em oposição à Comunidade de Língua ( CL). O
autor ainda expõe, em poucas palavr as, uma f orma bastante abrangente e
clara da noção de CF como o “desejo, seguido de uma decisão polít ica, de
construir uma ident idade nacional ”. Pensar em comunidade de f ala pode ser
equiparado à noção social/ individual da dicotomia saussur iana de
língua/f ala. Nem sempre povos que comungam da mesma língua são povos
com a mesma identidade cultur al. Brasil e Portugal podem ser (e são) uma
CL, mas integram CFs dif erentes. Lidar com f atos da linguagem é lidar com
vár ias ciências e a noção de CF abarca questões mais sociais e culturais do
que apenas lingüíst icas. Estas questões estão baseadas no sentimento de
identidade e nacionalidade de cada povo em seu terr itório. Por enquanto, o
interesse maior para a discussão está no f ato de que tanto o multilingüismo
quanto a mult ietnicidade, somados ao f ato de o guineense não ter o
português como língua materna, não int erf erem na implementação de uma
Comunidade de Fala.

“ .. . a CF po d e s er m ult il í ng ü e. A G u i n é - B is s au , p or
ex em p lo , a d es p e it o d o f at o de q ue em s eu i nt er io r s ej am
f al ad as q u as e 20 lí n g uas é um a CF . E o q ue é m ais , é
um a CF i nd e pe n de nt e d a CF s e n eg a les a , em bor a n a
r eg i ã o s u l d o S e ne g a l ( Cas am ans a) s e f a le a m es m a
lí n gu a , ou s ej a , o c r i ou l o p or t u gu ês . O q u e ac o n tec e é
qu e G u in é- B is s au e Cas am ans a c o ns ti t ue m um a ún ic a
CL , m as nã o um a CF . O s c as am ans en s es i nt er ag em
m uito m a is c om os r e s ta nt es s en e ga l es es d o q u e c om os
gu i n ee ns es .”
(Couto, 2005)

Esta integridade e sentimento de nacionalidade são mediados pela


língua, no caso, o crioulo guineense. Importante ressaltar que a
comunicação ver bal é sempre bem sucedida na Guiné. Não obstant e a
situação multiétnica e multilíngue, um guineense não encontra dif iculdades
em se comunicar com outro guineense. Portanto, não é uma barreir a à
41
f unção comunicativa o f ato de serem os f alantes or iundos de et nias
dif erentes e mesmo línguas dif erentes.

“ ( .. .) nã o s e c on h ec e ne n hum c as o de a l gu m gui n ee ns e
qu e nã o t e nh a c ons e gu i d o s e c om un ic ar c om qua l q uer
ou tr o gu i n ee ns e p or f al ta d e um a l ín g ua c om um . A lém
d is s o , t em os o c r i o u lo , c uj o d om íni o a um ent a d i a a
d ia” . (Couto, 1994, p. 46)

É certo que o crioulo tem hoje, depois da independência, uma


autoridade lingüíst ica dif erente do que apresentava durante o per íodo
colonial. O sentimento nacionalista de integridade social como “o povo
guineense”, encontr a no crioulo (ou no guineense) a sua língua de união
nacional.

Além do cenár io multilíngue, há ainda quatro var iedades


intermediár ias, apontadas por Cout o (1994) entre o superstr ato (português) e
o substrato ( línguas nativas), representado na f igura abaixo:

2
1 P 1 - PL = Português Lusitano
PA 2 - PA = Português Acrioulado
P
PL
4 3 - CA = Crioulo Aportuguesado
3 CT
C 4 - CT = Crioulo Tradicional
C
CA 5 - C = Crioulo Nativizado
CA
6 6 - LN = Línguas Nativas
5 L
LN
C
CN

Font : COUTO, 1994, p.56


e

Sendo o guineense um crioulo em estágio de descr ioulização, as


var iedades estão em uma distribuição de continuidade que vão na direção da
língua lexif icadora. Nota-se, pelo esquema do autor, que não há uma
delimit ação f ronteiriça precisa entre os letos, o que leva à inter penetração
das variedades. Considera-se ainda a coexist ência das línguas nativas,
muitas vezes como primeira língua dos f alantes de cr ioulo, e do português
42
ostentando seu prest ígio de língua of icial. Tudo isso pr esente em uma
sociedade mult iétnica.

O crioulo nativizado, segundo palavras de um guineense f alante do


crioulo aportuguesado, “é muito difícil de entender”. Pode-se então perceber
que há uma distância razoável entre o crioulo nat ivizado e o crioulo
aportuguesado a ponto de dif icultar a comunicação entre f alantes dessas
letos.

Neste cenário de variedades, pode-se pensar no cruzament o entre os


conceitos t eóricos, pois as var iedades mais apr oximadas do português
lusitano, que são o português acr ioulado e o crioulo aportuguesado, podem
ser estudadas do ponto de vista da sincr onia, pois envolve as condições dos
ambientes lingüístico, histórico e social no moment o atual da Guiné- Bissau.
Por outro lado, há também os ef eitos da escola f ormal, cuja língua de ensino
é o português e as próprias condições de descrioulização do guineense 10.
Por sua vez, o cr ioulo nat ivizado constitui uma var iedade diastrática e,
tomando como base de análise o continuum das var iedades desde o
português até as línguas nativas, é possível empreender tam bém uma análise
somente do ponto de vista diastrát ico, pois sabemos que as questões
ref erentes a variedades lingüíst icas não são aleatór ias, mas obedecem a uma
lógica social. Vê-se, portanto, que além da complexidade normal em relação
a var iedades lingüísticas, há ainda o agravante do context o sócio-histór ico
intrincado na Guiné-Bissau, o que geraria uma prof undidade cient íf ica que
estaria além dos objetivos dest e trabalho, cujo f oco de investigação é a
morf ologia do guineense. Por ora, é importante salientar que, neste trabalho,
não há um recorte entre esta ou aquela var iedade, pois os dados de análise
abarcam t odas as var iedades do guineense, com exceção da português
acrioulado, em razão de sua maior proxim idade com o português.

Jean-Louis Rougé (comunicação pessoal) não acredita em


descrioulização no guineense. Rougé se baseia na diversidade nos níveis
do tempo, da sociedade, da distribuição espaçial etc., com o agravante
de estarmos lidando com uma sociedade multilingüe e multiétnica. Tanto
que Couto, antes de começar o esboço gramatical de seu livro “O crioulo
português da Guiné-Bissau”, lembra a complexidade que o quadro

10 É importante lembrar que considera-se aqui o conceito clássico de descrioulização, aquele cujo ciclo vital de
uma língua crioula é o processo de aproximação com a língua lexificadora deste crioulo
43
apresenta para uma descrição. Afinal, “que crioulo descrever?”, diante da
emaranhada situação das variantes no guineense e “Na Guiné-Bissau as
coisas se complicam ainda mais porque ‘abaixo’ do basileto temos as
línguas nativas africanas, em vez de um pidgin” (Couto, 1994, p. 53)

Quanto à var iação diatópica, ou seja, a var iação espacial, Couto


acrescenta que, uma vez que é pouco estudada, “é difícil ent rar em detalhes
sobre suas var iedades diat ópicas ” ( p.51). Rougé (1988) aponta essas
dif erenças dialetais em seus verbet es, mostrando os níveis de uso, isto é, a
f aixa lingüística de uso da palavra, ou uso regional de Bissau (Bis) e
Zinguichor. (Zin):

ningen (Zig.) ningin (Bis.) Pronom personne


Du portugais ninguém.
(p. 108)
Kumpaña (Zig. Bis.) Verbe accompagner
Variante: kompaña. Du Portugais acompanhar (p. 90)

Indimigu (Zig.) inimigu (Bis.) Nom ennemi


Du Portugais inimigo (p.71)

(Rougé, 1988)

Pint o Bull ( 1989, p. 82) af irma que “há no cr ioulo dessa região
(Casamansa) muit as interf erências lingüísticas do f rancês” citando exemplos
como: timbar, timbre, em vez de selu ou selo ou ainda poste para correio.

1.3.2. O crioulo da Casamansa

Casamansa é uma r egião de maior ia étnica mandinga, pepel e diola e


seus terr itórios étnicos estão também distr ibuídos na própria Guiné. A
colonização começou mediante a Feitor ia de Zinguichor, f undada em 1645,
às margens do Rio Casamansa. Essa Feitoria er a considerada como um
pólo comercial importante aos portugueses. Seu comando administrat ivo
pertencia à Capitania de Cacheu, mas passou à França no f inal do séc. XIX
em razão de acor dos polít icos entre Por tugal e França. Com uma população
de “f ilhos de terra”, ou crioulos, cuja descendência era de mulheres diola
com portugueses, os moradores da região tinham o cr ioulo como sua língua
principal e eram, em sua maior ia, católicos. Gozavam de prest ígio junto aos
f ranceses, uma vez que serviam de intérpretes entre os f ranceses e os
44
outros povos. Depois da independência, f oram discrim inados pela população
e considerados “ aliados” dos f ranceses. Houve um declínio da população
chamada de “cr ioula” e o wolof começou a ganhar terreno f rente ao cr ioulo,
mas o crioulo ainda é a língua veicular na região. Vale lembrar que a
ext ensão terr itorial de Casamansa representa um t erço do tamanho do
território da Guiné-Bissau.

1.3.3. Língua de Prestígio e Língua de Identidade

Fernando Pessoa, usando o heterônimo de Bernardo Soares, no “Livro


do Desassossego" declarou que a “m inha pátria é a língua portuguesa ”. Nos
ver sos da música “Língua 11”, Caetano Veloso f az uma releit ura do verso d e
Pessoa dizendo que “ Minha pátria é a minha língua”. Sob o ponto de vist a
lingüíst ico-social, identidade e língua podem ser consideradas dois lados da
mesma moeda.

Do ponto de vista individual, compete à língua a ident if icação do


indivíduo f alante em sua comunidade de f ala, com isso, pode-se af irmar que
a língua tem o papel de inser ir o f alante em um grupo étnico. Dentre as
f unções da língua at ribuídas pelos estudos sociolingüíst icos, a atribuição de
identidade étnica e social é consider ada de suma importância.

Pode-se pensar em uma língua, até certo ponto, no sentido de


Saussure, como algo que vai além do individual, como um fato social. Para
a sociolingüística, este f ato social não pode ser dissociado da sua
comunidade lingüística, uma vez que est a comunidade é articulada pela sua
língua. A ela cabe o papel de f azer a mediação entre o povo f alante desta
língua e o terr itório em que habita este povo. É sabido que na Guiné, a(s)
língua(s) está(o) intimamente ligada(s) à ident idade étnica de cada um, uma
vez que et nia e líng ua têm o mesmo nome. Do ponto de vista do guineense,
língua e etnia é a mesma coisa. Na Guiné-Bissau ser balanta signif ica ser
f alante de língua balanta ou ser mandinga é ter o mandinga como primeira
língua e assim por diante. A marca ét nica do guineense est á assinalada em
sua língua e em sua f ala, ou seja, no social e no individual, e um individual
que é posterior ao social (conf orme o pensamento saussur iano) e que só tem
existência a partir do coletivo.

11
Do álbum “Velô - Caetano e a Banda Nova” - de 1984 – Gravadora: Polygram
45

Mas at é que ponto pode-se pensar em Comunidade de Fala e em


integração étnica em uma sociedade multilíngüe? Ou melhor, como é
possível uma língua ref letir uma sociedade mult iétnica e mult ilíngüe? Calvet
(2002, p.119) argumenta que “o único modo de se desvencilhar desses
paradoxos é sair da língua e partir da realidade social”. De acordo com o
pensamento de Calvet, um indivíduo pode ser part icipant e de mais de uma
realidade social, assim, pode ser f alant e de uma língua de união nacional,
no caso, o crioulo e a sua língua étnica. Ele acrescent a ainda que única
maneir a de ir até o f im da concepção da língua como f ato social está em
dizer que “o objeto de est udo da lingüística não é apenas a língua ou as
línguas, mas a comunidade social em seu aspect o lingüístico”.

Aplicando as palavr as de Calvet à situação de mult iligüism o da Guiné


e, ao mesmo tempo, considerando que nas sociedades onde há a
coexistência de mais de uma língua, há a ocorrência de dig lossia, entramos
então no campo das atitudes lingüísticas. Considera- se a situação de uma
f amília guineense composta de pai balanta e mãe mancanha. Par a uma
análise simplista e desconsiderando as condições impostas pelo lugar onde
acontece essa inter ação, normalmente uma cr iança nascida dessa união,
terá como L1 ( língua materna) a língua da mãe e a usará na f ala “caseira”.
Porém, no contato com outras cr ianças, como na escola, por exemplo, a
língua veicular utilizada nos corredores, no pát io e mesmo nas inter ações
com a prof essora será o crioulo. Ocorre também de núcleos f amiliares com
pais e mães de etnias dif erentes usarem o crioulo como lín gua caseira. Nas
ruas, nas brincadeir as inf antis etc, tam bém a língua é o crioulo. Por ém,
dentro das salas de aula, são alf abetizados em uma outra língua dif erente da
sua língua materna e de sua língua de união comunitária. Esta língua é o
português. Mas em casa, seu código é sua língua étnica, nas ruas é o
crioulo e, por imposição das f orças políticas, tenta-se (sem sucesso) impor
também uma sociedade de língua portug uesa.

Essa realidade ling üíst ica da Guiné é o que Ferguson 12 chamou de


“diglossia”. Nas situações diglóssicas, há a presença de mais de uma língua
(também pode-se f alar em variantes lingüíst icas) em relação de sobreposição
hier árquica dentro de uma única comunidade lingüística. Est a hierarquização

12
Diglossia, in Word, 15, pp. 325-340, 1974
46
de uma sobre a outra não é aleatór ia, mas obedece a valorização atribuída
pelos f alantes, ou seja,

“ as pes s o as qu e f al a m qua l qu er d as lí n gu as def in i d or as


c ons i d er am H ( h i g h) s up er i or a L ( l o w) i nf er i or em m uit os
as p ec tos . A lg um as ve ze s es t e s e n tim e nt o é tã o f or t e q u e
s om ent e H é c o ns id er ad a c om o r e a l e L c o n s ta c om o ‘n ã o
ex is t en t e’ . D es t a hi er ar qu i za ç ão e das s i tu aç ões
par t ic u l ar es d e us o , é f ei ta a es c o l ha da lí ng u a a s er
ut i l i za d a. ” (Ferguson, 1974, p.104)

Esta autor idade, ou melhor, este prest ígio atr ibuído à língua H é
mantido, segundo Ferguson, mesmo por aqueles que não dom inam
plenamente a língua H, mas a consideram “mais certa” ou “mais bonita” e
“mais capacit ada à expressão” que a(s) língua(s) L. Ferguson enumera mais
oito f atores lingüíst ico-sociais que f avor ecem o f enômeno da diglossia. Para
esta discussão, o pr est ígio é bastante signif icativo na situação lingüística da
Guiné, pelo f ato de ser o português considerado a língua de prest íg io entre
os f alantes do crioulo e das línguas étnicas. Mesmo com a f unção de ser a
língua veicular entre indivíduos de etnias diversas, os quais se reconhecem
como guineenses, o crioulo não é a língua de prest íg io na Guiné. Por ser a
língua of icial, a língua do ensino e a língua do dominador, os f alantes
atribuem julgamento posit ivo ao português e ao mesmo tempo, promovem a
sua super valor ização ante as demais línguas, entre elas, o própr io cr ioulo.
Não se pode dissociar tal prát ica das relações de poder e pr est ígio, uma vez
que ref lete o conjunto de opiniões que f oram consagradas pelo senso
comum, independent emente de ser bom ou ruim par a o grupo.

Por outro lado, sabemos que há o reconhecimento, entre os indivíduos


das diversas etnias, de uma “com unidade guineense” - do ponto de vista
polít ico-social - t ant o que é possível f alar em Comunidade de Fala na Guiné
(cf . Couto, 1994) e no crioulo como sua língua. Sapir , em “A linguagem”
af irma que

“ T oda lí n gu a t em um a s e de . O p o v o q ue a f al a,
per t enc e a um a r aç a ( ou a c er to núm er o d e r aç as ) ,
is t o é, a um gr u po d e h om ens q ue s e de s tac a de
ou tr os gr u pos po r c ar ac t er es f ís ic os . P or o u tr o l ad o,
a l í ng u a n ã o ex is te is o la d a d e um a c u l tu r a , is t o é ,
47
de um c onj un t o s oc i a lm ent e h er d a do d e pr át ic as e
c r enç as q u e d et er m in a m a tr am a d as n os s as v i das ”
(Sapir, 1972, p.205)

Essa trama tem sua exist ência em uma dada comunidade. A noção de
comunidade engloba um povo ( P) vivendo em terr itório comum (T) e que tem
sua interação mediada por meio de um a língua (L). Fato que Cout o vem
chamando de Ecologia Fundamental de Língua. Nessa perspect iva, o
equilíbio do modelo da Comunidade (C) é mantido pela existência de cada
uma das partes int egrantes deste modelo, que são: língua (L), povo (P) e
território (T) (cf . 2.1.2).

Portanto, na distinção da comunidade guineense, em relação à


comunidade caboverdeana, à comunidade senegalesa et c, tem-se um
território (a Guiné-Bissau), um povo (o g uineense) e uma líng ua (o crioulo).

Na const ituição desta identidade sócio-polít ica, ou melhor, desta


convergência étnica, o movimento de independência na G uiné teve papel
importante, pois

“ c ons e g ui u um a c o nj u gaç ã o i nt er ét n ic a n ot á ve l . Dur a nt e


a l ut a ar m ad a as d if e r en t es et n i as pa r t i lh a r am a c aus a
c om um . Des e n vo l v er am a int er ac ç ã o .. . Des c o br ir am
c um pl ic id a des c ol ec ti v as ” (Lopes, 1987, p. 61)

O crioulo é hoje a “língua mater na ou língua segunda da maior ia dos


habitantes da capital e das ‘pr aças’ ” ( Scantamburlo, 1999, p.15). Foi também
durante os anos da luta pela libertação que o crioulo chegou às populações
do campo, que até então só tinham contato com línguas ét nicas. Os
revolucionários tinham como comandantes homens da cidade “conhecedor es
até da língua por tuguesa, mas que tinham como pr incipal meio de
comunicação o crioulo” (Couto, 1994, p. 59). Diante das etnias locais, o
crioulo passou a ser a “Língua da Libert ação” e um elem ent o de unif icação.
O guineense, por não ser a língua de nenhuma etnia e t ambém por pertencer
a uma nação que tem a crioulização como ref lexo da tr ajetória de sua
f ormação, é a língua dos guineenses. A este respeito, Signorini af irma que:
48

“A un i da d e da c om un id a de vai se ar t ic u l ar
pr im or d ia lm en t e em tor n o d e um a lí n gu a n ac io n al e, n o
c as o d e n aç õ es m ul ti é tn ic as e p lur i l ín g ü es , a l í ng u a
nac i o na l p o d e o u n ão c or r es p o nd er à ‘ lí n gu a m ater n a ’ d e
um a e tn i a i n te gr an t e d a c om un i da d e nac i o na l”
(Signorini, 2002, p.99)

Por outro lado, sabe-se que quando há o surgimento de uma língua


crioula, há um envolvimento histór ico m aior que envolve a crioulização de
toda uma sociedade, o que implica valores sociais, étnicos e culturais e,
conseqüentemente, lingüísticos. W ilson Trajano registra que

“ j un tam e nt e c om as m udanç as l i n gü ís t ic as q ue r es u lt am
num a lí n gu a c r i ou l a, a c r i ou l i za ç ã o tam bém im pl ic a
i n var i a v elm e nt e um pr oc es s o de m u d anç a c u lt ur al
r es u l ta n te d e um in t r ic ad o f lux o d e va l or es , pr át ic as ,
s ab er es , c r e nç as e s í m bol os q u e d á lu z a um a en t id a de
s oc ia l ter c e ir a: um a un i d ad e in t er n am en te he t er o g ên e a
qu e em er g e do c o m pr om is s o s oc i a l e l i ng üís t ic o
a lc a nç ad o pe l as s oc ie d ad es qu e p ar t ic ip ar am do
enc o ntr o or i g in a l” . (Trajano Filho, 2004)

O que remete, mais uma vez, à af irmação de que os f atos da linguagem


estão em integração com outros cam pos das ciências sociais e que,
identidade lingüíst ica e prest ígio de língua traduzem um campo que vai
muito além do pur amente lingüíst ico. Soma-se ainda, a complexidade
multiplicada nas relações lingüíst ico-sociais em uma sociedade crioula.
49
1.3.4 A língua portuguesa na Guiné e a descrioulização

Após a libertação, “a consciência nacional ser viu sobr etudo para


lançar um novo peão no jogo: O Estado” (Lopes, 1983, p. 64) e “O estado
age, como pessoa j ur ídica que f az uso da língua leg ítim a... A língua só é
leg ít ima, sabemos, na medida em que tem ‘f orça de lei’” ( Barbaud, 2001,
p.264) e est a “f orça de lei”, na Guiné, é atribuída ao português, por sua
posição de “língua of icial”.

O português, embora f alado por um número muito pequeno de


pessoas, “não é nem a língua pr imeira da maior parte da população, nem
mesmo a da elite ‘instruída ’ (Augel, 2000), além de ser a língua do
dominador e uma língua menor entre os guineenses, especialmente f ora das
cidades e das praças, é a língua of icial e de pret ígio. Não é nem um pouco
comum uma criança guineense adquir ir o português como língua materna, o
que signif ica que, na Guiné, o português é sempre uma seg unda língua (ou
mesmo terceir a ou quarta língua). Ele t ambém não é utilizado para a dif usão
da cultura do povo “ou instrumento de comunicação nas cidades, nos
ambientes e nas cerimónias of iciais” Scantamburlo (1999, p. 62). Todos
estes espaços de f uncionalidade da líng ua que não conseguem ser ocupados
pelo português - que é a língua of icial - são preenchidos pelo crioulo, e
este, por sua vez, assume seu papel “nacionalizador”.

Scantamburlo (1999, p. 62) apresenta um quadro comparativo do senso


de 1979 e 1991 na G uiné em relação ao português:

Informação L1 L2 L3 total
1979 0 2% 3% 5%
1991 1% 3% 5% 9%
Fonte: Scantamburlo, 1999

Porém, de acor do com a estratif icação nos níveis da escala diastrática, o


crioulo apresenta níveis mais ou m enos semelhantes à sua língua
lexif icadora, que como sabemos, é a língua de prest íg io e a língua of icial no
território do crioulo. Conf orme f oi apresentado em Couto (1994), há quatro
níveis dispostos em um cont inuum entr e o substrat o ( línguas nativas) e o
superstrato (português).
50

Há qu a tr o ní v e is d o c r i ou l o g u in e ens e
en tr e o s up er s tr a t o ( por t ug u ês ) e o
s ubs tr at o ( lí n gu as na t i v as ) (cf.
CO UT O , 19 9 4) . Es t es ní v e is
d is tr i bu em - s e em um c ont i nu u m,
s en d o o c r i ou l o n a ti v i za d o o m ais
pr óx im o d as lí n gu as na t i vas . E o
por t ug u ês ac r i o u la d o m ais pr óx im o
do p or t u gu ês . O c on t at o c om a
lí n gu a l ex if ic ad or a e o pr es t íg i o des ta
j un to aos gu i n ee ns e s f av or ec em a
apr ox im aç ã o do c r i o u l o à s u a l ín g ua
l ex if ic a d or a. É a des c r i o u li za ç ão ,
r ep r es e nt an d o a et ap a f i n al d o c ic l o

O processo de descrioulização na Guiné apresenta um quadro que, à


primeira vista, parece paradoxal, mas ref lete a lógica da relação entre o
povo e a sua língua. Sabemos que o cr ioulo está em plena expansão entre
os guineenses, ou seja, ganha mais e mais espaço entre os f alantes e, a
cada dia, vai se consagrando como a língua da Guiné-Bissau. À medida que
vai se expandindo, vai também se estabelecendo e assum indo as f unções de
integrar o indivíduo a um determ inado grupo; de transm itir inf ormações,
emoções, conhecimentos etc, inclusive transmitindo a cult ura e elaborando
recortes e r epresentações do mundo etc. Com isso, o cr ioulo assume as
f unções de “língua do povo guineense”. Vale lembrar que, na Guiné- Bissau,
este posto somente pertenceu ao portug uês “de direito”, mas nunca f oi “de
f ato” ocupado por ele. Todavia, mesmo com esse f ortalecim ento do cr ioulo,
este continua seu pr ocesso de descr ioulização e, a cada etapa, se apr oxima
mais do português – seu superstrato e a língua que se enf raquece nas
interações cotidianas entre os guineenses, embora seu pr est ígio e estat uto
de língua of icial sejam mantidos. Eis o paradoxo: ao mesmo tempo em que o
crioulo avança seus dom ínios f uncionais e o português per de suas f unções
lingüíst icas, o cr ioulo vai at ingindo o topo da escala vital com a aproximação
com o português. Porém, a contradição é neutralizada pela análise de que
este cam inho é parte do ciclo da vida de uma língua crioula, portanto, está
de acordo com sua deriva natural.
51
1.3.5 Guineense ou Crioulo?

Há de se consider ar que, a visão europeizada imposta pela situação


dos tempos coloniais, f ez com que o cr ioulo – e a própr ia palavr a cr ioulo –
carregasse um traço pejorat ivo, até m esmo vexat ório entr e os af ricanos.
Pint o Bull (1989, p. 112) f ala de guineenses assim ilados que exerciam
cargos administrat ivos e renegavam, não só suas esposas e suas origens,
como também “tinham vergonha de f alar na sociedade línguas af ricanas em
geral, e o crioulo em particular”. Esses assimilados chegavam a “trocar” suas
mulher es considerando que estas não eram “dignas de sua posição social”.

Carreira (1983) mostra que já no séc. XVIII havia “correntes de opinião


apontando para um a imagem negativa do crioulo; e que nem os indivíduos
colocados nas cúpulas da sociedade crioula f icaram imunes” e usavam a
palavra “cr ioulo” “com o signif icado de mestiço; crioulo no sentido de língua
de mestiço”. Carreira ainda apresent a vár ios exemplos de ref erência
negativa ao crioulo, como de Lopes Lima (1844): ”gír ia r idícula, composto
monstruoso do ant igo Português, e das línguas da Guiné, q ue aquele povo
tanto presa, e os mesmos brancos se comprazem a imit ar”. (ibidem, p. 72)

A sociolingüíst ica é categórica na af irmação de que o preconceito


lingüíst ico tem sua representação em questões mais sociais que
propriamente lingüística. Dest a f orma, a (des) valor ização de uma dada
língua ou de uma variante lingüíst ica vai depender da posição do seu f alante
na estratif icação social. Nesse juízo de valor estão incluídas questões de
estética, f unção, entre outras. Portanto, o cr ioulo sendo a “ língua dos
crioulos”, não podia ser bem vista pela ót ica do europeu. Essa idéia
arrastou-se pelos anos e ainda hoje é t ida como verdade por muitos leigos.
Há aqueles que chegam se ref erir ao crioulo como uma “não-língua”. Diante
disso, Scantambur lo na introdução do Dicionár io do Guineense argumenta
que “julgo que deve ser mais correcto designar esta língua de ‘Guineense’,
termo já utilizado, aliás, pela Revist a Lusitana de Lisboa em 1897...” e logo
depois o autor deixa claro que “Para mim este termo não tem conotações
pejorativas veiculadas pela palavr a ‘cr ioulo’.” (Scantambur lo, 1999, p.15).

Sabe-se que as decisões de polít ica de língua têm por base questões,
como já diz o nome, polít icas. Scantambur lo lembra que depois da
independência, o guineense ganhou o estatuto de língua nacional e de
52
símbolo nacional, tanto que, em programas de rádio e pr ogramas polít icos do
governo, as emissoras utilizam o guineense por reconhecer sua abrangência
e compreensão entr e a população. O autor def ende também a of icialização
do guineense ao lado do português na Guiné, o que implicaria a ut ilização do
mesmo como língua do ensino f ormal. Para isso, ser ia necessár ia a
padronização do sistema gráf ico, uma vez que não há uma padronização na
escrita. Em 1987 houve uma propost a de graf ização adotada pela Direcção
Geral de Cultur a, a Propost a de Unif icação da Escrita do Crioulo, baseada
em uma escrita f onét ica.

1.3.6 Ensino formal e ortografia

Na Guiné-Bissau, a taxa de analf abetism o atinge as marcas de 44,5%


homens, 75,4% mulheres 13. As condições de ensino são tão precárias
quanto a sit uação social do país. As dif iculdades não se lim itam às
condições materiais, quando cerca de 4-5 crianças dividem a mesma
carteira, não há mat eriais didát icos, o salár io dos prof essor es é insuf iciente
para comprar um saco de 60 quilos de arroz, as aulas, muitas vezes
acontecem em barracas improvisadas cobertas com lonas. Dada a complexa
situação lingüística na Guiné, com a coexistência de etnias e línguas
dif erentes, as cr ianças que chegam à 1ª classe, muitas vezes, têm ali o
primeiro contato com o português e serão, ao mesmo tempo, alf abetizadas
nesta língua. Nas salas de aula, a língua veicular entre pr of essores e alunos
(das classes pr eliminares) é o crioulo. Os prof essores, por outro lado, nem
sempre dom inam o português e, apesar de of icialmente proibido, têm de
f azer uso do crioulo nos pr imeiros anos, caso contrário, qual língua ut ilizar?
Não é de se estranhar o insucesso do sistema de ensino e os altos números
de evasão escolar na Guiné.

O ensino bilíngüe nas escolas guineenses tem sido objeto de


discussão de longa data. Há def ensores e opositor es desta idéia.
Scantamburlo é integrante da corrent e de def ensores. Seu Dicionár io
Guineense- Português - Disionar iu Guinensi-Purtuguis. Lisboa: Edições
FASPEBI, 2002, é uma argumentação em direção à regulamentação
ortográf ica do guineense, e ref orça a idéia da ut ilização do guineense como
língua do ensino formal. Este argumento baseia-se no imaginár io dos

13
Fonte: IPAD – Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento - http://www.ipad.mne.gov.pt
53
puristas e legisladores lingüísticos, os quais acredit am na dicionar ização
como um dos sustentáculos lingüíst icos que apontam para a padronização e
of icialização de uma língua, desconhecendo outros valor es envolvidos nesta
questão. Trata-se de um discurso bast ante dif undido entr e leigos, aquele
que acredita que a língua é o que prega o dicionár io, ou, em outras palavras,
o dicionário é o guardião da língua. Esta é, sem dúvida, uma resolução
polít ica e os argumentos lingüísticos são “invisíveis” aos legislador es.
Porém, como def ensor da idéia do ensino bilíngüe, o autor dá aos
legisladores, aquilo que eles querem: gramática e dicionár io.

Mas, temos de considerar as condições econôm icas para se pensar em


uma of icialização e no ensino bilíngüe, uma vez que publicações de
materiais e desenvolvimento de projetos custar iam somas exorbitantes ao
Instituto de Educação da Guiné, e, dinheiro é o que menos há. Isso não quer
dizer que não há produções escr itas. Existem publicações de f ábulas
(oratura), de contos (cf . Montenegro e Morais, 1979, Pinto Bull, 1989).
Como pr imeir o passo da of icialização do guineense, destacam-se a vontade
e empenho polít icos, para que possam avaliar, com ser iedade, as condições
precár ias do ensino do português como L1, em uma nação multilíngüe e
multiétinica. Ao mesmo tempo, há a necessidade da consideração do papel
polít ico do guineense como língua nacional. Contudo, o mais importante, é o
reconhecim ento de que o ensino do português deve responder aos pr incípios
de ensino de L2 e, para se buscar um modelo igualitár io do ponto de vista
lingüíst ico, a aquisição da língua escr it a, na Guiné, deve ter no guineense
seu objeto principal. Af inal, o guineense é a língua da Guiné-Bissau.

Scantamburlo (1999) apresenta um ar gumento para a of icialização


que aponta para a super ior idade comunicativa do guineense e sua posição
bem marcada como a língua das escolas, segundo o qual,

“ A pr ópr i a es c ol a q ue pr et e nd e af ir m ar o Po rt u g u ê s é
u m d o s ma io r es d if u so r es d o G u in e en s e, p or qu e, d e
f ac to , to d as as c r i a n ç as e j o ve ns , qu e f r eq ü en t am a
es c o l a, c om u nic am e ntr e s i em G u i ne e n s e, d i ár ia e
s is t em at ic am e nt e.”
(Scantamburlo, 1999, p. 61 – negritos nossos)
54

2. OS ESTUDOS CRIOULOS

2.1 A CRIOULÍSTICA

A crioulística é o ramo da Lingüíst ica que se ocupa do estudo das


línguas crioulas e dos pidgins. É com um na literatura datar o início da
crioulíst ica no f inal do séc. XIX, porém, desde o séc. XVII estudiosos
manif estaram inter esse pelas línguas crioulas. Couto (1996, p. 122)
considera os precursores dos estudos crioulos os “missionár ios morávios que
f oram enviados para a ilha de St. Thomas (1730), onde se f alava
negerhollands, que eles chamavam de ‘carriols’, e para o Suriname (1735)”,
uma vez que esses missionár ios chegavam a produzir gramáticas e
dicionários para desenvolver a content o os objetivos da missão junto à
população da terra. No f inal do séc. XIX, o pensamento europeu acer ca das
línguas cr ioulas “era consider ado com o mesmo racism o que caracter izou a
escravidão” ( Meij er e Muysken, 1977, p. 21), o que signif ica que os crioulos
eram vistos com como uma f orma adulterada e piorada de línguas européias
e “sendo um hábito funesto quando f alado por negros, mas com um gostoso
sabor local quando f alado por brancos” (Bertrand,1949, – apud Meijer and
Muysken,1977, p.22 ). Além da segregação dos f alantes de raça negra em
relação aos f alantes de raça branca, havia também a idéia de uma gradação
de var iedades entre um crioulo e a sua língua lexif icador a, o que implica
dizer que o crioulo era tido como uma variedade (corrom pida) de uma língua
européia. O f ilólog o e prof essor português Francisco Adolf o Coelho, em
1880, surge como opositor desse pensamento.

Os ideais de Coelho eram compartilhados por outros intelectuais na


busca de uma r evalorização portuguesa na Áf rica, pois, passado o apogeu
econôm ico com as grandes navegações e o comércio escravagista dos
séculos anteriores, Portugal vivia uma época de submissão econômica à
coroa br itânica, embora f osse possuidor de colônias na Áf rica. Adolf o Coelho
e seus companheiros intelect uais tinham apoio f inanceiro de empresários e
juntos f ormaram, em 1878, a “Sociedade Geográf ica de Lisboa”, que veio a
empreender expedições à Áf rica para demarcar as condições geográf icas e
os potenciais agr ícolas das colônias. No “ Boletim da Sociedade de
Geograf ia de Lisboa”, em 1880, estavam registrados os resultados das
pesquisas apoiadas pela sociedade e, dentre os relatos apresent ados,
55
constava o text o de Adolf o Coelho “ Os Dialectos Românicos ou Neo-Latinos
na Africa, Asia e América ”.

“c h am am os a att e n ç ão d os n os s os c o n s oc ios e do
pu b l ic o par a as f ór m as di a l ec t a es par t i c u lar es que
a lg um as l in g uas eur o pê as e p ar t ic u l ar m en t e o f r anc e z, o
hes p an h o l e o p or t u g ue z, t in h am tom ad o n as c o lo n i as e
c on q u is t as d a Af r ic a , As i a e Am er ic a. Es s es d ia l ec t os
tê em até h oj e atr a h i do m u it o p o uc o a a tt enç ã o d os
l in g u is t as , nã o ex is t i nd o a i n da ne n h um tr ab a l ho ger a l
s obr e e l les . .. . Er a n o s s o des ej o r e u n ir os m ater ia is p ar a
um tr a ba l ho es p ec ia l s obr e os d ia l ec tos p or tu g ue ze s , em
um tr a ba l h o g er a l c o m par at i v o em qu e t en t as s emo s
d et er mi n a r a s l ei s d e f o rm aç ão d es s es d ia le ct o s”
(Coelho, 1880, p.4 – negritos nossos)

Detalhe da pr imeir a edição do Boletim da Sociedade de Geograf ia de


Lisboa

Fonte:
http://purl.pt/24/1/pp-28-3-v/index-HTML/M_index.html

Embora considerado “também o pioneiro na compilação de dados


sobre diversos crioulos” (Couto, 1996, p.126), segundo Meijer e Muysken
(1977), Coelho não estava ciente do contexto social dentro do qual um
crioulo existia como uma língua opr imida, não percebendo, desta f orma, as
dif iculdades de se buscar um estudo mais aprof undado. Há t ambém cr ít icas
quanto à conf iabilidade de seus dados, uma vez que estava baseado em alg o
estático e apont ava para um grau de aproximação do português maior até
mesmo que algumas das variedades do própr io português. Além disso, a
56
quase totalidade desses dados era do caboverdeano e enviados por
correspondentes leig os.

Em 1982 o alemão Hugo Schuchardt manif esta seu interesse pelos


estudos dos “dialect os creoulos”. Para DeCamp, “indisput avelmente, o pai
dos estudos de pidg ins e cr ioulos f oi Hugo Schuchardt” ( DeCamp, 1977 p.9).
Schuchardt def endia a idéia da inexist ência de uma língua totalmente pur a e,
assim como Adolf o Coelho, era opositor dos neogramáticos, tanto em relação
à classif icação genealógica em árvores, proposta por Schleicher, como em
relação às leis f onéticas. Schuchardt tinha um olhar voltado par a as
questões sociais. Para ele, as mudanças obedecem às leis segundo a
natureza geográf ica e social onde a língua se realiza. Dif erentemente do
pensamento dos neogramáticos, a língua não pode ser tratada como leis da
natureza, mas como uma ent idade que existe nas pessoas que f azem uso
dessa língua, ist o é, de f orma socialmente contextualizada. Para Cout o
(2005) Schuchardt foi o pioneir o na utilização de dados de pidgins e crioulos
para argumentar contra o pensamento da regularidade da mudança
lingüíst ica durant e o reinado dos neog ramáticos. Schuchar dt também f icou
conhecido por sua descr ição, em 1909, da Língua Franca Mediterrânea e
como o primeiro lingüista a estudar a língua basca.

Outro crioulista pioneir o f oi Dirk Christiaan Hesseling, um holandês


interessado no contato de línguas que buscava entender a coinê grega.
Hesseling tentava desvendar se “seria a coinê um desenvolvimento do át ico
ou o resultado da m escla de dialetos” ( Couto, 1996, p. 131). Hesseling f ora
iniciado na f ilologia clássica, mas, seu interesse pelo contat o de línguas e o
conhecimento do trabalho de Schuchardt o levaram a est udar o af rikaans e o
malaio-português. Embora Schuchardt e Adolf o Coelho tenham suscit ado, no
século passado, questões ainda hoje discutidas na Lingüística, como a
relação entre aprendizado de L2 e crioulística e as idéias universalistas no
processo de crioulização, os autores não distinguiam pidgin/crioulo. A
dist inção pidigin/crioulo só começa a se f azer nos estudos crioulos a partir
da década de 40, com Robert Hall. Sabe-se que não há um consenso acerca
da importância dessa dist inção entre os crioulistas, uma vez que o conceito
de pidgin é considerado “dispensável” para algumas linhas de estudo,
conf orme veremos nas páginas seguintes.
57
Importante salient ar que o conceito de pidginização sugere
caracter ísticas que implicam contextualizações que ultrapassam a
Lingüística e adent ram o campo das ciências sociais. Sendo assim, os
conceitos de pidginização e crioulização vão além das ref erências
gramaticais das línguas e perpassam pela hist ória da com unidade que f az
uso de uma língua crioula ou pidgin. As discordâncias estão sempre
presentes no tratamento da pidginização/crioulização, visto que o est udo
abarca também uma contextualização sociolingüíst ica e hist órica da
comunidade crioula que f az uso da língua crioulizada. Mesmo atado a
conceitos além da lingüística, tenta-se r esponder, nos moldes lingüísticos, a
um primeiro questionamento: o que é uma língua pidgin ou uma língua
crioula?

2.1.1 O que são línguas crioulas e pidgins: características


sócio-históricas e gramaticais

Esta questão leva em conta, não somente as caracter íst icas


estruturais ou gramaticais, mas o conjunt o histórico que impulsionou o
aparecimento deste pidgin/crioulo. Começando pelo pidgin. O conteúdo
histór ico-social é tão importante quant o o conteúdo lingüístico. Para os
estudos da sociolingüística, a relação língua e sociedade é a regra
geral. Considerando que a crioulística e a pidginística estão
subordinadas ao escopo maior dos est udos da língua em relação à
sociedade, ou seja, da Sociolingüística, f ica assim justif icada a
importância do conteúdo sócio-histór ico apresentado no capít ulo
primeiro. Partindo da relação entre língua/sociedade e crioulística,
apresentamos a def inição de pidgin com o

“ um a l ín g u a d e em e r gê nc i a, qu e s u r g e q ua n do
po v os f a la n tes de l ín g uas m ut ua m ente
i ni n te l i gí v e is e ntr e s i en tr am em c ont at o es tr e i to .
P or d ef i n iç ã o, el a nã o é lí n gu a m ater na de
n in g uém , um a v e z qu e s ó é us a da n a s i tu a ç ão d e
c on t at o” Couto (2002, p.7)
58
Na acepção acima, o autor evidencia a condição socioling üíst ica do
contato marcada pela não inteligibilidade dos f alant es envolvidos neste
contato.

Existem caracter ísticas sociolingüíst icas que emergem em razão


dessa situação inusitada do contato lingüístico, algumas delas são mais
f avoráveis à emergência de um pidgin/ crioulo. Uma dessas caracter ísticas
tem a ver com a f alta de identif icação sociocultural dos povos que utilizam
este pidgin. Vale lembrar que ele (o pidgin) não é a líng ua materna de
nenhum dos usuár ios, portanto, não há relação de identidade cultural ou
mesmo de lealdade por parte dos f alant es em relação ao pidgin. Esse f ato
f az com que o destino dessa língua emergencial seja var iável, e va i
depender de f atores extralingüísticos.

Primeiramente, esse pidgin pode desaparecer sem deixar marcas


sociais ou lingüísticas juntamente com a própria situação de contato que
criou condições par a a sua emergência.

Em segundo lugar, esse pidgin pode passar a uma língua crioula,


desde que a situação comunicat iva cont inue at iva. A permanência do pidgin
depende, pr incipalm ente, do grau de ut ilização e importância do mesmo na
comunidade em que é utilizado, ou sej a, sua sobrevivência está at ada às
condições de necessidade comunicativa do contato. Caso essa situação de
contato, geralmente comercial, deixe de exist ir, o pidgin é “descartado”,
pois, não sendo a língua nativa de nenhum dos lados com erciais, não há
atribuição af etiva ou cultural que a m antenha em uso após o térm ino do
contato entre os povos.

Essa ef emeridade dos pidgins é explicada pelo f ato de eles ser em


soluções mais sociais que propr iamente individuais. As soluções
comunicat ivas são caracter izadas por normas de aceitabilidad e
estabelecidas entre os povos envolvidos no contato. Muitas vezes a
inteligibilidade do pidgin só acontece na situação do contato, e f ora de
contexto discursivo ele é inint elig ível. Isso não quer dizer que um pidgin não
possa permanecer em uso por muitas gerações.

Geralmente, um pidgin não apresenta uma gramática própr ia, quando


há uma gramática, esta é proveniente do substrato ou mesmo da pessoa que
59
está tentando se comunicar no momento do discurso. Peter Mühlhäusler
def ende a idéia de que o pidgin pode se estabilizar. Isto acontece quando
ocorre um a cr istalização do pidgin antes da crioulização pr opriamente dita.
Pode também ocorr er de esse pidgin se expandir antes mesmo de ser
nativizado, como f oi o caso do tok pisin, falado na Nova Guiné.

Quanto às caracter ísticas estruturais, há dist inção entre os chamados


pidgins instáveis e pidgins estáveis. Estes últimos apresentam uma f orma
lingüíst ica um tant o def inida, dif erent emente dos pidgins instáveis que
podem ser mudados de acordo com os sujeitos envolvidos na situação de
contato. Por sua condição instável, estes pidgins ainda não têm gramáticas.
Porém há caracter ísticas que são gerais nos pidgins (instáveis e estáveis),
como as simplif icações e reduções resultant es do processo de pidnização,
tanto da(s) língua(s) de substrato (LS) quanto da língua lexif icadora (LL).
Essas caracter ísticas são:

i. Núm er o r ed u zi d o d e f o nem as ;
i i. Re d uç ã o d e pr oc es s os d er i vac i o na is ;
i i i. A us ê nc i a de pr oc es s o s f l ex i o na is ;
i v. Re d uç ã o d o l éx ic o ao m ínim o n ec es s á r i o à s it u aç ã o d e c o nt at o ;
v. Pr ef er ênc i a p e la s í l ab a ót im a ( C V) ;
v i. F u nç õ es s i nt á t ic as in d ic ad as p e la o r d em s i nt agm át ic a.

Outra questão que divide as opiniões dos cr ioulistas diz respeito ao


f ato de ser ou não o pidgin uma língua. Mesmo par a aqueles que
reconhecem o pidgin como uma língua, r econhecem também que se trata de
uma língua emergente com poucos recursos gramaticais. Um exemplo é o
inglês pidginizado da Nigér ia.

Segundo a opinião mais geral, quando ocorre a nat ivização, ou seja,


quando o pidgin passa a ser a língua nativa de alguma criança, este pidgin
muda o seu status de pidgin a língua crioula. Pode-se então apr esentar um
primeiro conceito de crioulo como “um pidgin nat ivizado”, ou melhor, com o
um pidgin que se tornou a língua mat erna de uma criança. A nativização
implica a oposição entre a aquisição de L1 e L2. Bickerton (1977, p. 49)
registra que “pidginização é o aprendizado de segunda língua com input
restrito, ao passo que a cr ioulização é a aquisição de pr imeira língua com
input restrito”. Na def inição de Bickerton, a noção de aquisição de L1 em
60
oposição à aquisição de L2 é crucial no processo que vai determinar o
crioulo em relação ao pidgin. Tanto L1 como L2 são adquiridos mediante a
exposição de dados restritos, em decorrência da situação de contato.

Robert Hall, em 1962 propôs o chamado ciclo vital dos


pidigins/crioulos. A f igura abaixo mostra o esquema idealizado por Hall.

• No vértice do triângulo ocorre o encontro dos


povos com línguas ininteligíveis entre si. Neste
momento, a comunicação acontece de modo
pragmático ou seja, há a emergência de um
pidgin instável;

• Com a continuidade do contato, há a consolidação


e estabilização do pidgin, no chamado pidgin
estável, é o processo de pidiginização;

• Quando ocorre a nativização, ou seja, o pidgin é


adquirido como L1, passa a ser um crioulo.

• Com o tempo, há a reaproximação do crioulo com


a LL, é a chamada “descrioulização”.

Nem todos os crioulistas concordam que o processo de nativização


seja determ inante na distinção de pidgin e cr ioulo, tampouco há um
consenso quanto ao número m ínimo de crianças a adquir ir um pidgin como
L1 par a este pidgin passar a um cr ioulo nativizado. Esse desacordo em
relação à nat ivização não a enf raquece como argumento. Muf wene ( 2001,
p.7) argumenta que

“ s e os c r i ou l os f or am des e n vo l v i d os p or c r i anç as ,
e les s er i am lí n gu as q ue p er m an ec er am n a f as e d e
des e n vo l v im en to . A a lt er n a ti v a é q ue e l es ( os
c r i ou l os ) t er iam a dq u ir id o es tr u t ur a a d ul t a qu a nd o
as c r ia nç as s e t or n a r am adu l tos , o q ue c r ia a
per g u nt a: po r q u e s e u s pa is ter i am s id o inc ap a ze s
de d es e n vo l v er ta is e s tr u tu r as d ur an t e a f as e d e
p id g in .”

Há outra concepção na crioulíst ica segundo a qual a nat ivização est á


em segundo plano na caracter ização de um pidgin como uma língua crioula.
Os adeptos dessa opinião valem-se da idéia de que a líng ua é o principal
meio de comunicação de uma comunidade, sendo assim, quando est a língua
passa a ser a língua de uma comunidade, ou melhor, quando acontece a
comunitarização do pidgin, este passa a ser consider ado um crioulo.
61
Portanto, nessa concepção os aspectos sociais são pr ior izados no processo
de crioulização, constituindo um percur so teórico mais sócio-histór ico, em
oposição à ót ica puramente lingüíst ica e gramatical. Nessa perspectiva,
pode-se então apresentar uma segunda def inição de crioulo como “o pidgin
que se comunitariza” .

2.1.2 Contatos de línguas: diferentes condições favoráveis à


emergência de uma língua crioula

Na Lingüística o estudo das línguas cr ioulas e pidgins acontece no


âmbito do contato de línguas. Esta cont ext ualização é explicada pelo f ato de
a emergência de um pidgin acontecer devido ao contato de povos f alantes de
línguas mutuamente inintelig íveis que se vêem obr igados à interação
lingüíst ica. Nesse contexto, o t ipo de contato pode var iar, ou seja, há
questões ref erentes à territorialidade, ao poderio econômico, ao prest ígio de
uma comunidade em relação à outra e mais alguns f atores que são
relevantes na emer gência de um pidgin. Nos primeiros momentos do
contato, a int eração acontece de “modo pragmático, ou seja, cada um
emprega vocábulos de sua própria língua mais um ou outro da língua
dominante que conseguiu capt ar, sem nenhuma sint axe, com o auxílio de
m ímica e outros recursos extralingüísticos” (Couto, 2002, p.37 e 38). No
percurso da emergência de uma língua que permita a comunicação, Cout o
(2002, p.38) aponta para f ases dist intas, sendo a pr imeira delas a TIC –
tentativas individuais de comunicação. Quando essas tentativas individuais
são bem sucedidas e os indivíduos passam a usá- las de f orma mais
continuada e em maior escala, passam a ser chamadas de estratégias
individuais de com unicação – EIC. As EICs não são ainda recursos
comunicat ivos colet ivos, mas, com o passar do tempo e o uso dos
inter locutores, podem então coletivizar e tornarem-se estratégias coletivas
de comunicação – ECC. O conjunto dessas ECCs f orma o meio de
comunicação interét nica ou interlingüíst ica – MCI. Segundo Cout o, com a
consolidação da comunidade acont ece t ambém a consolidação da MCI como
a língua desta com unidade. É a comunitar ização. Após este estágio, o
pidgin pode ser considerado um cr ioulo, segundo a proposta teór ica da
comunitarização. A f igura abaixo mostra a seqüência proposta em Couto
(2002).
62

TIC EIC ECC CRIOULO


Quando um
TIC 1 EIC 1 ECC 1 MCI tem seu
próprio T
comunitariza
TIC 2 EIC 2 ECC 2 MCI do passa a
ser chamado
de crioulo
TIC n EIC n ECC n

Couto (2002, p. 34) indica t ambém as caracter íst icas das situações de
contato que f avorecem o aparecimento e os caminhos de um crioulo depois
de f ormado. São elas:

i. S it u aç õ es d e m u lt i l in gü is m o c om um c on t at o c o nt i nu a do en tr e os
po v os ;
i i. O m ais c om um é o c o nt at o ac o n tec er em ter r it ór i o d as L Ss ( lí ng u a s de
s ubs tr at o) o u em ter r i t ór io n e utr o ;
i i i. G er alm e nt e, a L L ( l í ng u a l ex if ic ad or a) f o r nec e o léx ic o e as L Ss
f or n ec em p ar te d a gr a m átic a ;
i v. Há c as os d e r e l ex if ic aç ã o , q ue é a s u bs t i t u iç ã o d o l éx ic o por o utr a
lí n gu a d if er e nt e d a L L;
v. De p ois d e f or m ad o u m c r iou lo p od e c am inh ar par a o pr oc es s o d e
des c r i o u li za ç ão , o u s e j a, um a r e a pr ox im aç ã o d a LL .

Para cr ioulistas que trabalham sob a ót ica da Ecolingüíst ica, (estudo


das relações entre língua e m eio-ambiente), como Muf wene ( 2001) ,
Mühlhäusler (1996), e Couto (2007, no prelo), a comunidade lingüística é
estruturada pelo pr incípio de que há sempre a existência de três elementos
f undamentais na f ormação de uma língua, quais sejam, língua (L), povo (P) e
território (T). Couto vem trabalhando esse conceit o de Ecologia Fundament al
da Língua (EFL), segundo o qual, uma comunidade é composta por um povo
(P) que vive em um determinado terr itór io (T) cuja inter ação é mediada por
uma língua (L). A f igura abaixo representa o conceito de EFL.
63

-O equilíbrio do modelo da Comunidade (C) é


mantido pela existência de cada uma das partes
integrantes d este modelo, que são: língua (L), p ovo
(P) e território (T).
L -A base é ocupada por um grupo de pessoas (P) em
um determinado território (T).

-A ferramenta de solidariedade entre os integrantes


do grupo que ocupa aquele espaço territorial é a
língua (L).
P T -L é o instrumento d e coesão entre povo e território
e o ápice da pirâmide, sendo, portanto, onde povo e
Fonte: COUTO, 2002, p. 35 território se encontram e ond e se dá o equilíbrio da
Comunidade.

- As s i m , o m o d e l o p r e v ê q u e C = P + T + L .

A EFL prevê que em uma comunidade o seu povo interage por meio de
sua língua em um determinado terr itór io. As situações de contato podem se
apresentar, segundo Couto (2002), de quatro f ormas dif erentes, o que
implica resultados lingüísticos também dif erentes. Neste caso,
contrariamente às noções lógicas da matemática, a or dem dos f atores
inf luencia o result ado lingüístico-social do processo, uma vez que a mudança
da estrutur a da EFL desencadeia conseqüências lingüíst icas dif erentes dos
padrões de cont ato considerados com uns. São situações inusitadas, nas
quais sempre há a f alta de, pelo menos, um dos sustentáculos da EFL, ou
seja, f alta ora um povo, ora uma língua, ora um terr itório. A tendência
natural é o preenchimento da lacuna que está em aberto, seja ela uma nova
língua, um novo povo ou mesmo a ocupação de um novo ter ritório para este
povo com sua língua.

Outro f ator relevante na crioulização diz respeito aos f atores sócio-


polít icos. Nas situações de contato e de mult ilingüismo há a tendência da
haver t ambém uma relação de dom inante/dominado entre os povos. O povo
de maior poder io econômico, social ou bélico representa o povo dom inante, o
que implica tam bém o f ato de que o número de pessoas não é garantia de
dom ínio em sit uações de contato, tampouco a terr itorialidade ou, no caso da
língua, a classif icação na tipologia morf ológica.

A primeira situação de contato pode ser exemplif icada com o caso da


maior ia dos imigrantes que chegam a uma nova terra. Esse contato não é
f avorável ao desenvolvimento de uma língua crioula. Nessa situação, na qual
o contato se dá no t erritório do povo em condição de povo dominante, tanto
64
do ponto de vista quantitat ivo quant o sóciopolít ico, o povo imigrante passa a
constit uir um subgrupo em meio a um grupo majoritár io. Ao mesmo tempo em
que as dif erenças ét nicas, religiosas e lingüísticas de cada povo marcam as
dif erenças dos grupos envolvidos. Do ponto de vista lingüístico, há a
tendência de esses imigrantes f ormarem ilhas lingüísticas. Um exemplo são
os japoneses que chegaram ao Brasil no início do séc. XX.

Em uma segunda situação, o contato acontece no territ ório do povo


dominado mediante o deslocamento do povo polit icamente dominante, com
sua respect iva língua, até o territór io do povo dom inado. Muitos cr ioulos
surgiram dessa situação de contato. O cr ioulo guineense é um exemplo. Com
a expansão dos domínios portugueses, no séc. XV, e a ânsia de conquist ar e
explorar os povos e as novas terras descobertas, os portugueses at é
usavam, no começo (bem no início) da interação e do contato, um pouco
da(s) língua(s) local(s). Com o passar dos tempos, essa dominação polít ica
se impôs de f orma a ocasionar um processo de cr ioulização, como no cas o
da Guiné-Bissau. No caso do Brasil, a imposição e of icialização da língua
dominante ocorrer am mediante o af ogamento das línguas (e povos) locais.
Há também casos em que a língua do povo dom inante não teve f orça para se
impor. Este é o caso de alguns lugares da costa da Áf rica, onde as línguas
locais têm seu espaço territor ial e seu povo garant idos. Nas ilhas de Bijagós,
na Guiné-Bissau, o povo daquelas ilhas representam uma resistência à
dominação européia.

Para a proposta da EFL, nos contatos lingüísticos que r esultaram em


crioulos, durante o per íodo de expansão dos dom ínios portugueses, a
emergência de um novo povo crioulizado f ez surgir, naquele territór io
específ ico, também uma nova língua. Era o nascimento de uma nova
estrutura de EFL.

A terceira situação é a mais propensa à emergência de uma língua


crioula. Ela acontece quando povos, e suas respectivas línguas, entram em
contato em um espaço que não é o território de nenhum dos povos
envolvidos na situação de contato. Esse contato se dá em um território
neutro. Cabo Ver de é um exemplo do crioulo que emergiu dessa situação.
Até o “achamento”, em 1460, as ilhas não eram habitadas por seres
humanos. A colonização se deu com escravos vindos da Costa da Guiné e
com aventureiros portugueses levados para as ilhas com o propósito de
65
colonização daquele território. Nessa situação específ ica de contato entre
portugueses (na condição de dominant e) e af ricanos (como dominados),
f altavam dois dos sustentáculos da EFL, território e a língua. Isso porque,
tanto af ricanos quanto europeus, se encontravam em territór ios que não lhes
pertenciam e ambos sem uma língua comum de comunicação. Tão logo f oi
consolidado o territ ório das I lhas de Cabo Verde, um novo povo crioulizado,
o caboverdeano, passou a ser o povo daquele territór io. O povo das ilhas se
reconheceu como pertencent e àquele espaço terr itor ial. A emergência de
uma língua, no caso o crioulo, na comunidade caboverdeana, era primordia l
para equilibr ar a estrutura daquela nova comunidade ling üíst ica. Assim o
equilíbr io se deu quando o povo, vivendo nas Ilhas de Cabo Verde,
encontrou no cr ioulo o elemento de coesão entre povo cabover deano e seu
território.

Importante ressaltar que, na geração de um novo povo marcado pelo


traço da crioulização, há a emergência de uma língua também crioula.

O quarto tipo de contato acontece em situações f ronteiriças, quando


ocorre o compartilhamento entre os povos, suas línguas e seus territ órios.
Um exemplo é a situação dos chamados “brasiguaios” da fronteira entre
Brasil e Paraguai. Um outro exemplo é o caso dos russos do norte da Rússia
que negociavam mer cador ias e peixes no norte da Nor uega durante o verão.
Esta sit uação de contato gerou um pidgin conhecido como russenorsk,
composto de elementos do russo e do norueguês. De acordo com SEBBA
(1997, p.63), o russenorsk, também chamado de moja po tvoja ‘meu no seu’
e kaksprek ‘como f alar’, repr esent ava o estágio mais básico de
desenvolvimento de um pidgin, ou seja, um jargão. O russenorsk era f alado
somente durante o per íodo do verão, quando aconteciam as negociações e
não havia, na situação de contat o, relações de dom inante/ dominado entre
os usuár ios do kaksprek. Segundo Kortlandt (2000, p.2), “não pode ser
comparada a uma língua natural, mas ilustra um processo de mistura de
línguas em uma situação onde a cr ioulização nunca teve chance”. O
russenor sk teve seu per íodo mais f orte durante no séc. XIX e f oi ext into pela
repressão def lagrada durante a revolução russa.
66
2.2 AS HIPÓTESES SOBRE A GÊNESE DOS CRIOULOS

As teorias que tentam explicar a gênese dos cr ioulos podem ser


divididas em duas grandes áreas: aquelas f ocadas no desenvolvimento
gradual e outras f ocadas no desenvolvimento de f orma abrupta. Bickerton,
como gerativista, é o maior representante da teoria do desenvolvimento de
f orma abrupta, pois, na ótica dos universalistas, a súbita emergência dos
crioulos gera certas caract er íst icas que são consideradas como traços
específ icos. Esses t raços são de extrema relevância para os estudos dos
universais lingüísticos. As teor ias f ocadas no desenvolvimento gradual têm
como base o ciclo vital do crioulos, pr oposto por Hall (1962), segundo o qual
as f ases seguem gradualmente o ciclo de pidiginização  crioulização 
descr ioulização. (cf . 2.1.1). Para Mülhhäusler, a graduação é chamada de
cont ínuo evolucionár io.

2.2.1 Hipótese Monogenética

A Hipótese Monogenética, com grande inf luência nos anos 60 e 70,


prevê que todos os crioulos e pidgins se originaram de um ancestral comum,
ou seja, de um prot o-pidgin, sendo, portanto, genet icament e relacionados.
Esse proto-pidgin seria um pidgin por tuguês f alado ao longo da cost a
af ricana durante o séc. XV, que teve sua expansão em decorrência da
colonização portuguesa no per íodo das grandes navegações portuguesas
empreendidas nos sécs. XV e XVI. Este proto-pidgin ter ia seu valor histór ico
como língua de comunicação entre os cavaleiros medievais que lutavam
durantes as cruzadas e teve sua expansão até a Ásia, conf orme registra
Romaine (1988, p.86),

“ O pr ot o- p id g in da T eor i a d a M o no g ên es e é em
h ip ót es e o p i d gi n p o r tu g uês do s éc . X V o q ua l
po d e t er s id o um a r e lí qu i a d o s ab ir , a l ín g ua
f r anc a m edi e va l q u e ac r e d it a v am s er a lí n g ua dos
c r u za d os e a l ín g ua c om um no c o m ér c io
m edit er r â ne o” .

A Hipótese da Monogênese para a crioulíst ica não é dif erente da


Monogênese da Lingüística Histórica, com a noção do pr oto-indo-eur opeu.
Ela tem como base a noção das f amílias lingüíst icas dispostas em árvores,
67
do alemão Schleicher, pois a noção da existência de um ancestral comum
das línguas crioulas era a base do pensamento dos adeptos da Teoria da
Monogênese. Além do “parent esco” lingüíst ico, a idéia geral dos adeptos da
monogênese pr evia que o curso histórico das mudanças lingüíst icas er a
determinista e perf eitament e previsível. Como explicar então os cr ioulos
holandeses, ingleses e espanhóis ou mesmo a dif erenças entre os
portugueses? A explicação veio com a noção da relexif icação, cuj a idéia
pregava que o crioulo levado pelos portugueses no per íodo das grandes
navegações teve seu léxico substituído por outra língua eur opéia. A
depender da sócio-histór ia do local onde o crioulo er a f alado, seria
determinada a língua doadora do léxico, ou seja, a língua relexif icadora.
Assim se explicar iam as dif erenças e semelhanças entre os diversos
crioulos, uma vez que o parentesco lingüíst ico podia responder pelo intenso
grau de semelhança entre os cr ioulos, considerado, muitas vezes, até maior
que a parecença com a língua lexif icadora. Ao passo que as dif erenças se
atribuíam às dif erentes colonizações européias. Em outras palavr as, o
parentesco explica as semelhanças e a relexif icação responde pelas
dif erenças.

O termo “relexif icação” f oi proposto por Stewart (1962) e traz a idéia


de oposição à noção de reestruturação. Na relexif icação monogenética,
contrariamente ao pensamento darwiniano de evolucionismo, sempr e
marcado pela idéia de melhoramento, no caso das línguas crioulas, tinha o
signif icado de piora. A evolução do crioulo a partir da língua eur opéia,
represent ava uma degradação dessa língua européia.

A rejeição à Monogênese entre os crioulistas se deve ao f ato de estes


entenderem que há mais material genético envolvido no contato de línguas
para a f ormação de um cr ioulo do q ue supõe a Monogênese. Entre os
def ensores da Hipót ese da Poligênese, que prevê que os crioulos tiveram
suas or igens independentes uns dos outros, podem-se classif icar, por
exclusão, todos os crioulistas que não são adeptos da Monogênese.
68
2.2.2 Hipótese Superestratista

Conf orme sugere o própr io nome, a Hipótese Superestrat ista elege a


língua de superstrat o como aquela que tem a responsabilidade pr incipal no
surgimento do cr ioulo. O t ermo superstrato é usado na lingüística em
ref erência a um conjunto de f ormas ou traços que vieram a inf luenciar a
língua menos dom inante em um ambiente onde há contato lingüístico e,
geralmente, envolve dominação cult ural e política.

Na Hipótese Superstratista, mais uma vez a crença da superior idade


européia, em relação aos povos não-europeus, tem presença marcada na
histór ia da cr ioulíst ica. A justif icação da teoria estava na tentativa dos povos
af ricanos “inf eriores” em f alar a língua do povo europeu “super ior” e, nesse
percurso cognit ivo, dominavam uma f orma degenerada da língua européia do
dominador. Segundo Couto (1994, p. 145), a idéia do superstratismo er a
uma idéia geral entr e os pr imeir os cr ioulistas, até mesmo Adolf o Coelho não
acreditava na impor tância do papel das línguas de substrato na f ormação
dos cr ioulos. Esse pensament o pr econceituoso ainda t em f orça entre leigos,
uma vez que é comum a ref erência às línguas crioulas como uma f orma mal-
f alada da língua do conquist ador, desconhecendo-as como línguas
genuinamente af ricanas, sugerindo que os crioulos são línguas européias
estropiadas e suas origens são sempre exógenas. Esse pensament o está
presente, muitas vezes, no imaginár io do próprio crioulóf ono, revelando
sentimento de submissão e inf erior idade dos povos (e suas línguas)
colonizados f rente ao europeu colonizador (e sua língua).

Chaudenson é um superstrat ista dentro de uma abordagem sócio -


histór ica. Para esse f rancês, a crioulização é um aprendizado imperf eito da
língua-alvo que acaba por gerar um outro sistema, porém este novo sist ema
utiliza o mater ial da língua-alvo de f orma reestruturada. No ponto de vista
de Chaudenson, a contribuição das líng uas af ricanas f oi mínima no pr ocesso
de pidiginização e cr ioulização.
69
2.2.3 Hipótese Substratista

Segundo a Teoria Substratist a há uma t ransposição da gramática das


línguas de substrato para o léxico da língua de superstrato. As sim ilaridades
nos traços gramaticais das línguas da costa oest e af ricana aparecem como
traços comuns entre crioulos de base lexicais européias diferentes. Dentr e
esses traços, podemos exemplif icar a cópula, que consiste na existência de
um ver bo semanticamente f raco utilizado para relacionar element os da
oração, como os verbos de ligação. No guineense, por exemplo, o “i” tem
essa f unção de f azer a relação dos elementos na oração, como em gos i
Jababa i m injer pekadur na mundu ‘agor a Jababa é uma mulher pecadora no
mundo’. Outro traço apont ado como inf luência das línguas de substrato é a
seriação verbal, como em ki lebr i i r inka kuri , ‘aquela lebre arrancou-se e
correu’, também do guineense. Embora nem todos os estudiosos do
guineense concordem com a exist ência da ser iação nessa língua, em Cout o
(1994, p.106) há exem plos encontrados nos dados do autor. O sistema
pronom inal e a topicalização verbal também são considerados traços
advindos das línguas af ricanas ocidentais. Romaine (1988, p. 104) apr esent a
um exemplo de topicalização do sranan tirado de Alleyne ( 1980, p. 103): a
pley mi ben pley nang a wroko ‘é um jogo que eu meramente joguei no meu
trabalho’.

2.2.4 Hipótese Universalista

Para os universalistas, as mesmas leis que regem os princípios


universais das líng uas são responsáveis pelas semelhanças entre os
crioulos. Este pensamento tem or igem na Teoria Inat ista de Noam Chomsk y
(1965), segundo a qual a construção da gramática da líng ua se dá com a
criança expost a a um número reduzido e f inito de dados que, ao f inal do
processo de aquisição, é capaz de gerar uma númer o inf init o de sentenças.
Isso quer dizer que a aquisição da língua pela criança é possível porque os
seres humanos são dotados de uma capacidade inata para a linguagem. A
LAD (Language Aquisition Device) ou UG (Universal Grammar) é f ormada por
leis de car áter geral, consideradas como parte de um componente biológico
dos ser es humanos para a linguagem. A GU – Gramática Univer sal - contém
os pr incípios univer sais, ou melhor, os traços gerais da linguagem humana.
70
Após o disposit ivo da LAD ser ativado, por acasião da exposição da cr iança
aos dados da sua língua, a criança seleciona as regras que são
interessantes à língua que se adquir e, enquanto as outras regras são
automaticamente apagadas. O resultado desse processo é a estruturação da
gramática da língua. Uma vez que os dados iniciais ( input ) são pobres, o
que Chomsky chamou de “pobreza de est ímulo”, o resultado do processo de
aquisição e estrutur ação da gramática da língua é uma argumento bastante
f orte para a Hipótese do Inat ismo. Ele atesta a existência de uma habilidade
inata, específ ica da espécie humana para a linguagem, chamada por
Chomsky de Faculdade da Linguagem.

O maior responsável pelo pensamento universalist a na cr ioulística f oi


Derek Bickerton, da Universidade de Honolulu, embor a par a Cout o (1996,
p.126), Adolf o Coelho já mencionara, no f inal do séc. XIX, os aparatos
psicológicos e f isiológicos como responsáveis pelas semelhanças entre os
crioulos. Como parte de uma abordagem gerativista, Bickerton está
interessado nas qualidades distintivas puramente gramaticais das línguas e,
consequentemente, os traços gramaticais são det erminantes na
caracter ização das línguas cr ioulas, em r elação às línguas não-crioulas. Isso
implica não considerar a relevância dos conteúdos histór ico-sociais
envolvidos na emer gência e na f ormação da sociedade que f ala o crioulo.
Como gerat ivista atuante, Bickerton acredita que as semelhanças
gramaticais existent es entre os crioulos do mundo independem de suas
matrizes de superst rato ou substrato, uma vez que são explicáveis pelos
universais inscritos na GU, como parte de um patr imônio biológico dos ser es
humanos dotados da linguagem.

A hipótese de Bickerton, chamada de Biopr ogram Hypothesis,


considera os crioulos como línguas novas, línguas ainda jovens que surgiram
com base em um jargão, ou pidgin, desprovido de gramática. Esse dado é
represent ativo da teoria inat ista, uma vez que a “pobreza de est ímulo”, no
caso específ ico da nativização, é inúm eras vezes int ensif icada, já que o
pidgin não tem gramática e o est ím ulo está inscr ito no dispositivo da LAD
das crianças que pr ocessam a nat ivização do crioulo. Isso quer dizer que a
gramática da língua crioula, que emer ge do processo de crioulização, é
estruturada mediant e as leis gerais das línguas humanas dispostas na GU
das crianças. Outra questão interessant e da Hipótese do Biopragrama é que
o crioulo se desenvolve de f orma abrupta, pois o processo de nativização se
71
dá de uma geração à outra, ou seja, a gramática é estruturada de f orma
repent ina em uma única geração e não de f orma gradual. Essa caract er íst ica
proporciona o aparecimento de traços que emergem do disposit ivo d a
linguagem, cujo desenvolvimento é possibilitado por um mecanismo inato
dos ser es humanos que está det erminando a natureza dessa gramática. O
programa é acionado somente por cr ianças em f ase de aquisição de língua.
Nessa perspect iva, questões ref erentes à sócio-histór ia não são relevantes
para explicar as estruturas gramaticais que se acionaram na f ormação dos
crioulos. Em contrapartida, autor es que abordam a visão sócio-histórica na
crioulíst ica ref utam a hipótese do Biopr ograma.

Até o advent o da proposta de Bickert on, os cr ioulistas t endiam a


sublimar o papel das línguas de substrat o nas f ormações dos crioulos, o que
levava os estudos a elegerem o papel determinante da sócio-histór ia e da
colonização européia. Hoje, há aqueles que consideram a relevância dos
postulados de Bickerton para as análises e estudos dos crioulos, pois a
discussão acerca da construção da gramática envolve processos que
remetem à criatividade humana. Nesse processo, a questão entre o que é
herança das gramáticas das línguas de substrato e o que é inerente à
f aculdade da linguagem, inscrita na condição biológica dos seres humanos,
ainda tem muito a ser invest igado.

2.2.5 Hipótese da Língua Mista

Lucien Adam, em 1883 af irmou: “O crioulo é uma lingua mista,


constit uída do vocabulário de um idioma europeu, adapt ado ao sistema
gramatical de uma língua indíg ena” (apud Cunha, 1981). Quando se f ala em
língua mista, entende-se como uma língua que tem o vocabulár io europeu e
a gramática af ricana. Esse é o entendimento de língua m ista também no
âmbito da Crioulíst ica, embora as noções de pureza e mist ura nas línguas
têm suscitado discussão entre linguistas, especialmente entre crioulistas.
Couto (1996) lembr a que na “opinião de Max Müller não há língua mista”, ao
passo que par a Schuchardt “todas as línguas são mescladas”.

A teor ia da língua Mista está inser ida no âmbito m aior da relexif icação,
assim como a Monogenética, pois traz a noção do léxico do superstrato na
gramática do substr ato. DeCamp (1977) em The Development of Pidgin and
72
Creole Studies lembra que para Schuchard - no início da crioulíst ica -
alguns cr ioulos mudam sua f iliação e são tão mesclados que desaf iam
qualquer classif icação (DeCamp, 1977, p. 10). Como opositor dos
neogramáticos, Schuchardt viu nos pidgins e cr ioulos um f orte argumento a
seu f avor, dada a imprevisibilidade de se relexif icar com uma língua
dif erente da lexif icadora atual. Há línguas que passaram por relexif icação,
como o chamorro, falado nas ilha de G uam e nas Mar ianas, nas Filipinas.
Os lingüist as consideram o chamorro uma língua malaio-polinésia que teve
seu léxico substituído quase que t otalmente pelo espanhol. Porém, do pont o
de vist a sócio-histór ico, a f ormação do povo e da língua não caracter iza o
chamorro como um crioulo. Mesmo quando se leva em consideração o f ato
de a substituição lexical apresentar um caráter sócio-polít ico. É sabido que,
quando há implicações de poder de uma língua sobre outra, no caso da
relexif icação, sempr e a relexif icada está em piores condições sociais e
polít ica em relação à língua doadora. Trata-se, portanto, de uma dominação
cultural. A grande quantidade de americanismo presente no léxico do
português brasileiro, e em outras línguas, exemplif ica a relação de
dominação e poderio dos Estados Unidos no mundo atual.

Enf im, o que tem a ser ressalt ado é que qualquer crioulo pode ser
classif icado como uma língua m ista, porém, a recíproca nem sempre é
ver dadeir a.

Hoje a noção de mistura de língua tem sido discutida sobr e a ótica


universalista e no contexto da relexif icação, com Claire Lef ebvre. Segundo a
proposta de Lef ebvre, a relexif icação acontece no sintaxe e na semânt ica
dos crioulos, uma vez estas são perenes no processo de relexif icação,
enquanto que as f ormas f onológicas são subst ituídas pelas f ormas da língua
lexif icadora. Essa mistura gera uma sobreposição do léxico do superstrat o
na gramática do(s) substrato(s).

2.3 AS GRAM ÁTICAS CRIOULAS


73
Tem sido ressaltado, ao longo deste capítulo, que há traços comuns
entre os cr ioulos e que estes traços t êm suscitado muitas discussões na
crioulíst ica. Em Couto (1996) tem-se um a descr ição pormenorizada de cada
uma das partes da gramática, que apresentamos de f orma reduzida.

- Q u an t id a de bas ta n te r ed u zi d a de f o nem as em r elaç ão às l ín g u as q ue


en tr ar am em c o nt at o n a s ua f or m aç ã o. A e s t r ut ur a s i lá b ic a t e nd e à s í la b a
ót im a e m enos m ar c a da , a C V , o qu e f a z c om qu e m ui tas tr ans f o r m aç ões
no m at er i al l i ng ü is t ic o s ej am na d ir eç ã o des ta f or m a c a n ô nic a , us an d o os
pr oc es s os f o n o ló g ic os c o n hec i dos na li t er a t ur a .

- A or dem s i n tá t ic a m en os m ar c ad a, is s o é, a S V O ( s uj e i to – v er b o –
obj et o) . Al ém de s er f ix a é t am bém a r e gr a g er a l, p ois , a a tr ib u iç ão d e
Cas o e pr e p os iç õ es nã o f a z p ar t e da s i nt ax e c r i o u la . As f u nç ões s ã o
m ar c ad as pe l a or dem n a s e nt enç a . Es t a , por s ua ve z c o ns ti t u i , par a
B ic k er t on , um d os u ni v er s a is d a c r io u l i zaç ã o.

- O utr a c ar ac t er ís t ic a na s i n tax e c r i ou l a é um s is t em a T MA p ar t ic u lar


( tem po , m od o e as p ec t o) . N os c r i ou l os , d if er en t em ent e d as l ín g uas
eur o p éi as , a r ef er ê nc ia do tem p o está no que pas s o u, no qu e
ef et i v am ent e oc o r r e u . Es t a é a f or m a m en os m ar c a da , o pr es e nt e e o
f utur o s ã o as f or m as d if er en t es , p or ta nt o , f or m as m ar c ad as . P or ex em pl o:
N b a ja N n a ba j a N ta baja N b a b a ja
‘eu dancei’ ‘eu danço (agora)’ ‘eu danço, sei dançar’ ‘eu dançarei’

- A d up l a n e gaç ã o tam b ém é um a m ar c a d os c r i ou l os , como em:


N k a k u me n a d a
‘eu não comi nada’
- A s er i aç ã o ver b a l, c o m o em :
l ebr i r ink a k ur i
‘a lebri arrancou e correu’
- A ut i l i zaç ã o de um ún i c o ve r b o par a ex pr im ir pos s e e ex is t ênc i a, c om o
em :
Pu t i k a te n e i ag u e N k a te n e i ag u
‘não há água no pote’ ‘eu não tenho água’

- A u ti l i za ç ão d a f or m a adj et i v a l n a f u nç ão de v er b o, p or ex em pl o:
I li n p u k or s o n b a
‘ele já foi uma pessoa de bom caráter’.

Para este trabalho, as caract er íst icas morf ológicas são as mais
relevantes. Sabe- se que na crioulística os estudos acerca da morf ologia são
poucos, uma vez que a idéia de que “um dos dados mais conspícuos dos
crioulos e, é claro, dos pidgins é a ausência quase t otal de morf oloig a
derivacional e f lexional” ( Couto, 1996, p. 48). Alguns cr ioulos emergem como
exceção e apresentam processos morf ológicos. A composição é um processo
74
bastante produtivo nos cr ioulos, a derivação apresenta uma redução, ao
passo que a f lexão pode ser tratada com raridade. Como diz Couto
(comunicação pessoal) “concordância já é ‘luxo’”. Esse assunto será tratado
mais detalhadament e no capítulo 5.

2.3.1 Idéias, conceitos e pré (conceitos)

As af irmações carregadas de preconceit o são partes do cont ext o maior


das línguas crioulas desde o reconhecim ento de suas particular idades, tanto
do pont o de vista social quanto gramatical desde o séc. XVIII.

A noção de que aqueles que er am dif erentes dos brancos eram seres
inf eriores levava a pensar que seu discurso também era inf erior. Assim, os
traços dif erentes das línguas crioulas em relação às não crioulas er am
tomados como traços inf eriores e ref letiam, portanto, a idéia da inf erioridade
de seus f alantes. Esses traços não são considerados em relação às
condições sócio-históricas de f ormação dos cr ioulos, o que leva ao
julgamento da incapacidade cognit iva dos f alantes das línguas crioulas.

Existe, ainda hoje, na crença popular e, por vezes, acadêm ica, a idéia
de que os crioulos são uma classe distinta de línguas. Esta idéia está
inserida na velha crença de que os crioulos são t ambém línguas
degeneradas e inf eriores em relação às línguas não-crioulas. Essa
discussão tem sido largamente combatida por Michel DeG raff , Ingo Plag,
Silvia Kouwenberg, na chamada ACE – Against Creole exceptionalism. A
noção de excepcionalismo, por sua vez, apresenta um traço de segregação,
segundo o qual os crioulos:

i. S ão d es c e nd e nt es d eg en er a dos d as l í ng u as anc es tr a is e ur op é i as ;
i i. S ão lí ng u as q ue e m er gir am de um br eak de tr ans m is s i on ou
tr a ns m is s ã o a no r m al a br u p ta ;
i i i. S ão f ós s eis l in g üís t ic o s ;
i v. S ão h í br id os es pec i a is c om um a ge n ea l o g ia ex c e pc i on a l.

Em 1998, John McW horter, prof essor da UC Berkeley publicou um


artigo chamado “Identif ying the creole protot ype: vindicat ing a typological
75
class”, cujas idéias principais inquietaram e suscitaram um período
bastante prof ícuo no debate sobr e a morf ologia das línguas crioulas. Na
ocasião, o t exto de McW horter apresentava uma volt a à lingüística
dar winiana. O estudo de McW horter leva a discussão à Lingüística do séc.
XIX, com a Lingüíst ica Dar winiana de August Schleicher.

2.3.2 A lingüística darwiniana e os estudos crioulos

A grande pr opost a cient íf ica na época de Scheleicher era a de Charles


Dar win. As idéias dar winianas ref letir am também na Lingüística, com a
utilização dos conceitos da or igem e evolução das espécies aplicados às
línguas. No modelo dar winiano havia um a busca para as f ormas ancestrais
que detinham menos aparatos biológicos de adaptação ao meio. A palavra
chave er a evolução, sempre ligada à noção de progresso, de melhor amento.
Nesse sent ido, tempo e depuração acontecem de f orma int egrada: quanto
maior o tempo de uma espécie, maior sua evolução, sua melhoria e sua
adaptação. Scheleicher desenvolveu a noção genealógica das f amílias
lingüíst icas em ár vores, com base no evolucionismo e nas condições de
hereditar iedade, ligadas à herança das caracter ísticas das línguas
ancestrais transm itidas às línguas sucessoras. Havia também a noção de
seleção, cuja aplicação acontecia quando essas línguas sucessoras
herdavam, do mesmo modo, a capacidade de (re)produzirem outras línguas
com as suas caracter ísticas. Embor a com var iações evolutivas entre as
gerações. As f ormas primogênitas, conf orme mostrava as reconst ituições
das línguas, eram “ simples” e semelhantes. Algumas línguas conser vam a
simplicidade desde os primórdios, como as isolantes. A língua, no
pensamento da Lingüística Dar winiana, tem a ver com a histór ia da
evolução do homem, pois vár ios estágios das línguas podem ser também
notados nas caract er íst icas dos estágios evolucionários do homem. No
cerne das idéias de Schleicher estava a idéia do simples para o complexo,
no sent ido de ser menos ou mais evoluída. Como era alemão, Schleicher
classif icou as línguas européias entre as mais evoluídas. Assim, com a
divisão das t ipologias lingüíst icas, as línguas se dividiram da seguint e
f orma:
76
As línguas isolantes como línguas com pouca morf ologia e com
multiplicidade em m onomorf êmicos. São primit ivas e simples, ou seja, não
são ainda desenvolvidas, tampouco são línguas complexas. O f ato de
apresentarem itens monomorf êmicos, representava, na ót ica da Lingüíst ica
Dar winiana, organismos unicelular es, o exemplo apr esentado de língua
tipicamente isolante era o chinês.

As aglut inantes são aquelas línguas com muit as palavras


polimorf êmicas, porém, cada morf ema carrega apenas um signif icado lexical
ou uma f unção gramatical, como o húngaro, que estaria em um estágio
intermediár io entre o primit ivo e o evoluído.

As f lexionais ou f usionais são línguas que também têm palavras


polimorf êmicas, porém, dif erentemente das aglut inantes, há a cumulação, ou
seja, mais de um signif icado lexical ou f unção gramatical em um único
morf ema. O português e as línguas r omânicas são exem plos de línguas
f lexionais. No modelo da Lingüíst ica dar winiana, traços f lexionais são
capazes de medir o grau de evolução ou pr ogresso que se apr esent a na
complexidade estrut ural dessas línguas.

Volt ando a McW horter, em sua propost a do protótipo crioulo, a


idéia aponta para caracter ísticas básicas como “resultados claros de uma
uma quebra de transmissão seguidos por um per íodo de desenvolvimento
breve demais para serem desf eitos como nas línguas mais velhas” ( Mc
W horter, 1998, p. 788).

A idéia da juventude das línguas crioulas, no sent ido de que


estão apenas começando, aponta par a a noção de serem estas línguas
“imaturas” que ainda não se desenvolver am suf icientemente para apresentar
os mesmos traços das línguas mais “maduras”. Esses traços ser iam
paradigmas de af ixos der ivacionais, idiossincrasias léxicas, derivação
semanticamente desenvolvidas, que “se originam de um processo inevitável
de movimento semântico e de inf erência metaf órica que é assegurado
mediante milênios” (McW horter, 1998, p. 788).

Seuren (1998, p. 292 – apud DeGraff ), em Western Linguistics: an


historical introduction , f az um comparação entre as línguas crioulas e as
77
línguas consideradas “sof isticadas” af irmando que “gramáticas cr ioulas...
são, de certa maneira, simplif icadas, no sentido de que lhes f altam as
caracter ísticas mais sof isticadas das línguas respaldadas por um passado
cultural r ico e ext enso e uma sociedade lit erata grande e bem-organizada”

Segundo Seuren e McW horter, por serem muito novos nas línguas, o s
af ixos der ivacionais dos crioulos, além de serem produtos de
gramaticalizações, são também novos na qualidade de forma livr e, pois
eram f ormas presas nas línguas de input. Por sua condição ”jovem”, os
af ixos conser vam a transparência semântica da língua doadora, o que
implica que as línguas crioulas não têm lexicalizações idiossincrát icas como
nas línguas “mais velhas”.

Certamente que a disputa acerca da m orf ologia nas línguas crioulas


parece ainda ter muito a ser discut ido e vem, nos últimos t empos,
movimentando um novo debate na cr ioulística.

2.3.3 A morfologia nos estudos crioulos

A chamada “pobreza” de morf ologia das línguas cr ioulas é parte


integrante dos aspectos gramaticais dessas línguas. Como af irma Romaine
(1994, p. 171), “a f alta de morf ologia constitui uma das car acter íst icas das
línguas cr ioulas” Esse pensamento encontra ambiente f avorável na crença
da “simplicidade” (em oposição à complexidade) das línguas crioulas.
Diante da cr ença da pouca ou nenhuma morf ologia, esta f icou esquecida nos
estudos cr ioulos. Vários estudiosos são adeptos desse pensamento, como
Seuren e W ekker (1986, p. 66 – apud Plag) que af irmam que a “a morf ologia
é essencialmente estranha nas línguas crioulas”. Thomason (2001, p. 168),
registra que “a maioria dos pidgins e crioulos apresenta um a f alta total de
morf ologia ou têm recursos morf ológicos muito lim itados comparados à
lexif icadora ou outras línguas de input”.

Por outro lado, há crioulistas que se debruçaram sobre os dados


crioulos e ref utaram a crença da pobreza da morf ologia nos crioulos, cr iando
um novo debate na Crioulíst ica.
78

2.3.4 A tese da pouca morfologia

O pensament o bickertoniano af irma que os morf emas presos são


perdidos no processo abrupto de cr ioulização ou, quando muito, são
assim ilados como itens lexicais sem manter a mesma correspondência com
a língua lexif icador a. Ainda, de acordo com essa idéia, este f ato pode
constit uir uma def iciência cognit iva de seus f alantes, e estes, por sua vez,
“teriam até a chance de ‘melhor ar’, se adotassem uma língua superior, com
requisit os expressivos para um mundo mais moderno” (Bickerton 1990, 1998
– apud DeGraff , 2005).

Quando se diz que os crioulos têm um inventár io morf ológico mais


“pobre” comparado a seu super strato, é importante também lembrar que
essa comparação sempre parte da língua lexif icadora para o cr ioulo. O
inventár io morf ológico não está circunscr ito ao invent ário da língua
lexif icadora, como um subconjunto desse inventár io, e uma série de
inovações são possíveis na morf ologia do cr ioulo, embora elas sejam
menores que as inovações da língua lexif icadora.

Para Plag (2004), “ uma revisão sér ia na lit eratura sobr e os crioulos
também ref uta a asserção da pouca morf ologia nessas línguas”. O autor
af irma, ref utando a tese da pobreza de morf ologia, que “f ica estabelecido
desde agora o f ato de que os crioulos têm morf ologia de uma f orma não
desprezível”

2.3.5 Características gerais e generalizações

A relação entre f orma e signif icado nos crioulos está sempr e ligada à
questão da transparência semânt ica e da iconicidade no seu sistema
morf ológico. Segundo um pensament o f reqüente, quando acontecem os
processo morf ológicos, estes são transparentes na sua totalidade. A noção
de transparência quer dizer que o signif icado de uma palavr a complexa é a
soma de signif icado de suas partes. Essa idéia, par a McW horter, tem a ver
79
com a condição de língua ainda jovem dos cr ioulos, pois, as irregularidades
semânticas surgem de um processo inevitável de deslizamento semântico e
inf erência metaf órica que ocorre com o tempo. Para McW horter, esse
mecanismo é o único que determ ina os processos não-transparentes nas
línguas e está, ainda, inativo nos crioulos.

Ingo Plag (2000) combate essa idéia, tomada como uma generalização
para os crioulos. Em “ T h e n at ur e os d er iv a ti o na l mo r p h ol o gy i n c r eo l es a n d n o n-
c r eo l es ” , o autor af irma que a opacidade semânt ica br ota de outros
mecanismos, pr incipalmente entre os empréstimos, o que signif ica ser este
um mecanismo bast ante comum em situações de contato. Portanto, não é
uma condição exclusiva das situações crioulizantes. É de se esperar que
em situações de contato de línguas haja empréstimos de f ormas
consideradas mais complexas, às vezes, com reanálises. Porém, nem
sempre é isso o que acontece e após desenvolvimento e ut ilização na língua
pode levar a idiossincrasias. Por exemplo, no guineense o suf ixo – dur,
originário do português - dor . Esse suf ixo f orma substant ivos a part ir de
ver bos, na maior ia das vezes indicando ocupação. Por exemplo:
- m on t ia  mo n ti a d ur
‘caçar’ ‘caçador’
- ba j a  ba j a dur
‘dançar’ ‘dançarino’
- t ar b a j a  tar b aj a d ur
‘trabalhar’ ‘trabalhador’

Nos dados acima, o suf ixo – dur, or iginário do português veio para o
crioulo, sem reanálise semânt ica ou morf ológica, som ente f onológica.
Entretanto, os dados em -dur apresent am também uma f orma em – dur,
idiossincrática e opaca, como em
- p ek a d u  pek a du r
‘pecado’ ‘pessoa, gente’
ex : l a ga r t u k u ns i t ud u n o mi d i pek a du r
‘o crocodilo conhece o nome de todas as pessoas’

Há também o suf ixo -siñu, que indica uma subclasse e não o


diminut ivo como na língua lexif icador a, no caso, o português.

- mame  mamesiñu
‘mãe’ ‘madrasta’
- bentu  bentusiñu
‘vento’ ‘brisa’
80
Nos exemplos com o suf ixo -siñu, não há uma relação de
transparência total, tampouco de regular idade no uso do suf ixo, porém,
houve r eanálise semântica, pois o uso não é o mesmo do português.
Importante salientar que a reanálise, ou reint erpretação semânt ica,
acontece nas línguas independentemente de suas classif icações como
crioulas ou não crioulas. Ela ocorre quando um f alante interpr eta uma
determinada estrutur a de modo dif erente de sua f orma original e pode incidir
nos diversos níveis gramaticais. Por exem plo, no latim, o suf ixo –ula-ae,
que f ormava os diminut ivos lat inos ovicula-ae e acucula-ae,
respect ivament e, ovelha e agulha, sof reram uma reinterpr etação
morf ológica dos f alantes através dos t empos e o suf ixo f oi incorporado à
palavra-base, o que leva a uma interpr etação do f alante como um palavra
simples e não mais uma f orma complexa. Vê- se que, dif erentemente dos
exemplos com af ixos vivos na língua (como o pref ixo re- ) , o af ixo lat ino –ula
não é parte do inventário de suf ixos vivos do português, ou seja, ele não f oi
transposto como it em gramatical no português, mas sim como parte
integrante do lexem a das palavras que o tinham como suf ixo no latim. Outro
exemplo do português é o artigo neutr o do árabe al que f oi incorporado
como parte do r adical das palavras her dadas do árabe no português, como
almoxarife, almofada e alfa zema. Um exemplo no crioulo guineense é a
palavra iagu ‘água’. A reinterpret ação ocorreu mediante os dados f onéticos
de input , que, no português europeu, são atualizados com uma ditongação
antes das vogais altas. Essa exposição aos dados f onéticos levou à
interpr etação dos guineenses de que essa dit ongação er a parte int egrante
do signif icante.

Questões como est as levam a discussão para a noção de palavr a,


pois, a não-f luência da língua alvo atrapalha a segmentação das palavras
por parte dos aprendizes em um cont ínuo de f ala. Há t ambém que se
considerar que são questões que entrecruzam o campo da sincr onia e da
diacronia. Pode-se pensar em uma constr ução da intuição que leva a análise
do f alant e com um recorte sincr ônico. Por outro lado, há traços que levam a
uma int erpretação histór ica. Por exemplo, no guineense kar ga corresponde
ao português carr egar. Segundo Houaiss (2004), no português há
controvérsias em relação à palavra carga, pois alguns acredit am tratar-se de
um dever bal de car gar, que data do séc. XIII. Nota-se que a transposição da
língua lexif icadora para o crioulo aponta para uma interpretação da
81
semântica da f orma primit iva, que utilizou a f orma morf ológica derivada da
f orma original. Qual a análise a ser consider ada? Somente a sincrônica não
enriquece a interpr etação da análise, pois a diacronia muito tem a dizer
sobre as questões de reanálise. Mesmo ocorrendo em dois níveis de f orma
simultânea, quais sejam, morf ológico e semântico, sugerindo uma maior
complexidade, os dados apontam para o f ato de que a reanálise não f az
dist inção entre línguas crioulas e não crioulas.

Por outro lado, há palavr as que surgem espont aneamente, de acordo


com a necessidade do f alante. Essas f ormas têm uma carga discursiva e são
geradas mediante um signif icado que “gravita em torno do núcleo semânt ico
da palavra”, (cf . Aronoff , 1976). Esses aparent es deslizamentos semânt icos
podem ocasionar f ormas aparentemente opacas, idiossincráticas à primeira
vista, mas, em uma análise mais acurada, entre f orma e signif icado, pode
determinar um tipo de relação lexical de natureza semânt ica e morf ológica,
como do português, ficar  ficante (cf . 4.5). Plag argumenta que não é
possível que essa caracter íst ica ling üíst ica seja per dida na situação
crioulizante. Sendo esta uma prerrogativa lingüíst ica que aponta para a
produt ividade das línguas e esta, por sua vez, só é possível mediant e a
competência do f alante, como podemos pensar que um f alante de crioulo
não possui tal capacidade?

Importante lembrar que não se deve pensar em transparência em um


sentido dicotôm ico, mas em um continuum (cf . 4.9). Uma forma pode ser
totalmente transpar ente, parcialmente opaca, totalmente opaca etc. A
interpr etação do grau de transparência e/ou opacidade é variável. Essa
var iabilidade tor na a f ronteira entre o menos transparente e o mais opaco
tênue demais para uma interpretação r íg ida. Mesmo para um f alante nat ivo,
há f ormas que acarretarão dúvidas na classif icação em relação ao grau de
transparência ou opacidade.

Há outro f ator a ser considerado e já notado em Plag (2004) que diz


respeito ao t ipo de processo envolvido na f ormação da palavra. Segundo a
teoria, no pr ocesso de f ormação, a relação se dá nos níveis semânt ico e
morf ológico, por exemplo, refa zer, reinaugurar, ou seja, a noção semânt ica
de “ref azimento” do pref ixo re-, mais as condições morf ológicas dos ver bos
de ação de fa zer e inaugurar perm item que seja possível a interpretação das
estruturas acima. Se o pr ocesso não apresenta essa transparência, ou seja,
82
se é opaco, então a relação é só f ormal, não há relação semântica, como
em, desmanchar, cuecas e gotícula. Porém, a discussão retorna ao
problema do est atuto dessas f ormas semanticamente opacas: complexas ou
simples? Se consideradas f ormas simples, então não é possível assum ir
qualquer mecanismo morf ológico de f ormação de palavra, mas uma relação
puramente f ormal na sua f ormação, uma vez que a relação morf ológica só é
consolidada mediante uma relação de f orma mais signif icado. Por outro
lado, qual o grau de possibilidade de seg mentação das partes que compõem
essas palavr as pelo f alante quando exposto a dados como estes
(desmanchar, cuecas, gotícula) ? É cert o que o grau de reconheciment o do
f alante dos componentes das palavr as expostas não é igual para t odas as
três. Em desmanchar, int uit ivamente o f alante reconhece as partes
envolvidas, mas em cuecas e gotícula vai depender de um conhecimento
f ilológico prévio, o que é extremament e raro na massa de f alantes de uma
língua.

Volt ando a discussão par a a cr ioulística, se a morf ologia dos crioulos


é sempre transparente, então não é lícito af irmar que ocorram processos de
natureza puramente f ormal, mas sempre processos m orf ológicos de
natureza f ormal e semântica. Isso implica na existência da intuição, por
parte dos f alantes, das partes f ormadoras de um item lexical complexo. Ser á
que os dados de guineense são f avoráveis a este pensament o? Outra leitura
a ser f eita na tese da transparência total diz respeito à “f alta de morf ologia”,
pois, mesmo que houvesse soment e processos transparentes, estes
estariam sendo acionados na produção de itens lexicais constituindo, pois,
uma programação de ordem morf ológica, portanto, estabelecendo uma
morf ologia.

A teor ia geral da morf ologia proclama que somente as f ormas


transparentes são produt ivas. Isso implica dizer t ambém que a
transparência nos processos der ivacionais das línguas crioulas leva a uma
produt ividade total das regras de f ormação. Sabe-se que a transpar ência
total e, conseqüentemente, a produtividade geral são ref utadas na análise
de crioulist as como DeGraff , Plag e Cout o.

Por outro lado, a declaração da transparência t otal nas línguas


crioulas const itui uma af irmação contrária à noção de produtividade das
línguas. Uma palavra considerada semanticamente opaca, tendo uma
83
entrada como f orma simples no léxico e tida como simples (em oposição à
complexa) pela teor ia, a depender de sua f ormação, pode ser reconhecida
as suas partes pelos f alantes da língua. Esse reconhecimento, conhecido
como regras de redundância - RR (Jackendoff , 1975) e regras de análise
estrutural – RAE (cf . Basílio, 1980), per mite ao f alant e reconheçer as partes
que compõem uma f ormação do tipo desabafar. Ele possibilita ao f alante a
percepção do processo de pr ef ixação com o pref ixo des- . No caso dos
crioulos, esse traço cont inua como uma prerrogativa exist ente na
criat ividade do f alante – ele não perdeu esse disposit ivo por ser f alant e de
crioulo. Os dados mostram a existência de processos produt ivos que
autorizam a ut ilização desses dispositivos pelos f alantes, como o exemplo
do suf ixo –dur, mas há também processo improdutivos, ir regulares, com
derivações semant icamente opacas, como, por exemplo, o suf ixo –on,
conf orme os exemplos abaixo.

- garafa  garafon
‘garrafa’ ‘botija’
- Amontua  amonton
‘acumular’ ‘preguiçoso’ ‘negligente’

- porta  porton
‘porta’ ‘entrada maior’

- kalma  kalmon
‘cabaça, concha’ ‘cabaça com asa, colher de abóbora’

Embora semanticamente opacos, com irr egular idade e com uma regra
não produt iva - do ponto de vista diacrônico - o f alante percebe a
recorrência do suf ixo -on em gar afon, amonton porton e kalmon, da mesma
f orma que reconhecemos o des- em desmanchar. Não é necessár ia uma
análise prof unda para notar que não há transpar ência, tampouco
regularidade nas f ormações em –on nos dados. Af inal, qual a carga
semântica do suf ixo -on no guineense? Poder íamos pensar que a f orma –ão,
do português f oi reinterpr etada, mas como dar conta da irregular idade?
Embora f ortemente marcados pela opacidade, os der ivados com o suf ixo - on
não deixam de ser formações complexas, acionadas a partir de uma regra
de f ormação de palavra não mais produtiva na língua.

Outra idéia generalizada em relação à morf ologia das línguas crioulas


diz respeit o à iconicidade. A iconicidade, por sua vez, é um pr incípio
pertencente à sem iótica e ref ere-se à existência de uma relação entre
signif icante e sig nif icado, contrar iando a noção saussur iana de
84
arbitrar iedade do signo lingüístico. Por exemplo, quando a noção de
plur alidade é marcada com um morf ema, representando “mais f orma  mais
signif icado”, trata-se de um processo icônico ( Sapir, 1972). Da mesma
f orma, se a reduplicação vem marcando pluralidade ou iteratividade, ou
seja, “mais da mesma f orma  mais do conteúdo”, como em “foi um ‘corre-
corre’ o tempo todo”, também estamos no campo da iconicidade. No caso
dos crioulos, há a idéia de que no invent ário lexical das líng uas crioulas há
a abundância de f ormas icônicas. O que nos dizem os dados do guineense a
este respeito?

Um dos processos mais produtivos nas línguas cr ioulas é a


conversão – que é não-icônico. A conversão const itui uma f orma de
derivação sem alteração na const ituição da f orma da palavra, por isso
também é chamada de der ivação zero ou derivação com o morf ema ø, por
exemplo: subs  adjetivo = homem burro, mulher gat inha

Há também reduplicações não-icônicas, que são processos


considerados produt ivos nos cr ioulos de modo geral (Kouwenberg & La
Char ite, 2003 – apud Plag). Por exemplo, em Ndjuka, a reduplicação nos
ver bos expressa um estado [+anterior]. No guineense ocorre o mesmo
f enômeno. Por exem plo:

- bai  bai-bai
‘comprar’ ‘comprado’

Há também dados de reduplicação que r ef letem uma motivação icônica como


nos exemplos abaixo.

- Ñeme  Ñeme-ñeme
‘comer’ ‘comer muito’

- Gosi  gosi-gosi
‘agora’ ‘agora mesmo’

Mas há ainda reduplicações lexicalizadas que, além de não serem icônicas,


são totalmente opacas, como pode ser notado abaixo.

- Kinti  kinti-kinti
‘quente’ ‘muito rápido’
85
De acordo com Couto (1994), pode-se distinguir, no cr ioulo
guineense, três níveis de transparência nas composições, o que ref orça a
noção do cont inuum entre o mais transparente e o menos transparente.
bida-magru ‘emagrecer’
‘virar’ ‘magro’
• Transparentes kau-di-sinta
‘lugar’ ‘sentar’
‘assento’

laba-kurpu ‘lavar-se’
‘lavar’ ‘corpo’
mata si kabesa ‘suicidar-se’
‘matar’ ‘reflexivo’ ‘cabeça’
• Parcialmente transparentes susu korson ‘mau-caráter’
‘sujo’ ‘coração’
mama di bunda ‘nádegas’
‘mamilo’ ‘bunda’
raka-tara ‘namorar’
‘rachar’ ‘ráfia’
• Opacas iran-segu ‘espécie de jibóia’
‘demônio’ ‘cego’
mara-panu ‘deflorar’
‘amarrar’ ‘pano’

Para Plag (2003), há três f ontes básicas de emergência da morf ologia


dos pidgins e crioulos. De acordo com a primeira delas, as marcas
morf ológicas vêm dir etamente de uma das línguas envolvidas no contat o, ou
seja, são produt os de emprést imos. De acordo com a segunda f onte, as
marcas podem ter se desenvolvidas por meio de gramaticalização. A terceira
diz respeito à relexif icação, quando a f orma f onológica de um dado morf ema
advindo de uma das línguas de input (geralmente, superstrato) tem a f unção
(ou signif icado) originária de uma m arca morf ológica semanticamente
relacionada com a(s) outra(s) língua(s) de input (substrato).

Há ainda exemplos de emprést imos de línguas dif erentes das línguas


de input (superstr ato e substrat os). No guineense há ocorrência de
empréstimos do f rancês em decorr ência do contato com o f rancês no
território guineense. Por exemplo, toka-toka, um meio de transporte coletivo
na Guiné e no Senegal, represent ando uma f orma emprestada do W olof.

Rougé (1885, p. 181) lembr a que os empréstimos como neologismos


na Guiné têm três f ontes mais f reqüentes: a af ricanização, que ocorre por
meio dos f alantes das línguas nat ivas, que adquiriram o crioulo; a
lusitanização, cujo grande dif usor é o ensino f ormal e o desenvolvimento
autônomo, utilizado pelos f alant es que t êm o crioulo como língua materna e
o utilizam no dia-a-dia.

Um exemplo claro de relexif icação da marca morf ológica pode ser


visto no crioulo português do Sr i-Lanka, o ceilonês. Nesse cr ioulo, a
86
preposição par a do português (Bakker, 2003 – apud Plag) apresenta uma
marca dativa e sua entrada se deu como –pa. Por ém, essa marca de f unção
dativa é usada no tamil, que é umas línguas de substrat o. Segundo os
crioulistas, o pr oblema da relexif icação é não ser possível prever o tipo de
processo de relexif icação que ocorre no contato, pois, segundo Lef ebvr e
(2003), dif erentes processos emergem em dif erentes combinações e
padrões nas morf ologias das línguas crioulas e pidgins. Há também crioulos
que preser vam e reconstit uem os morf emas presos das línguas de input, o
que ref uta a idéia de que esses af ixos são perdidos no processo de
crioulização, que é a idéia de Bickerton, 1990), McW horter (1998) e
Mühlhäusler (1997- apud Plag). Os dados do guineense sugerem que o
processo de f ormação do inventár io morfológico não f oi transposto de f orma
integral, tampouco com as mesmas utilizações ou as mesmas f ormas
f onéticas de uma língua a outra. A morf ologia guineense emergiu na
construção da gramática da língua, em um processo de gramaticalização.
Este assunto será retomado no capít ulo 5.

Essa discussão pode gerar um campo bastante aberto para pesquisas


acerca da morf ologia nos cr ioulos, discussões que apontam um caminho a
ser desvendado, o qual vem marcado por crenças e tabus ao longo da
histór ia da Cr ioulística.
87

3. METODOLOGIA

3.1 O CORPUS

3.1.1 As fontes

O guineense não tem um sistema ortogr áf ico of icializado. Em 1987, f oi


apresentada e adotada pela Direcção Geral de Cult ura a Proposta de
Unif icação da Escr ita do Crioulo, baseada na escrita f onética. Em 2002,
Luigi Scantambur lo, apresentou outra proposta que f oi rejeitada pelos
trâmites polít icos que, sempre se colocam como responsáveis em casos de
polít ica lingüíst ica ( cf . 1.3.5). Esses f atos são relevantes quando justif icam
que, devido à inexistência do sistema gráf ico of icial, as produções escr itas
não seguem rigorosamente o mesmo padrão. Outro f ato não menos
importante a ser considerado é que o guineense é uma língua
eminentemente oral, e as produções literár ias, embora existam, são
escassas.

Na Áf rica, de um m odo geral, os povos adotam a chamada “oratura”,


que nada mais é do que a literatura na f orma oral. Trata-se da tradição de
narrar histór ias que é atribuída aos contadores de histórias, ou “om i garandi”
(sábio) das comunidades. São eles os responsáveis pela manutenção da
tradição or al. A or atura, como prát ica cultural entre os povos af ricanos,
independe de etnias. As mesmas histór ias são contadas repetidas vezes e o
ato de cont ar, de ouvir e interagir com o narrador é o que mais importa
naquele momento, até mais do que o desf echo dos personagens. Segundo
Pint o Bull trata-se de um discurso int erlocutivo, geralmente com espaços
para introm issões e muita diversão. Trajano Filho, do Departamento de
Antropologia da UnB e especialista nas questões de crioulização na Guiné-
Bissau, acredita que os provér bios e storyas apresentam, em geral, a
tradição congelada e são utilizados como instâncias de controle social.
Importante ressalt ar que, nem sempre a moral e os valores impostos pelas
narrativas crioulas são as mesmas da tradição ocidental, mas são
expressões de sabedoria e projeções da realidade do povo guineense.

Desconsiderando as questões sociais, sabe-se que essas estór ias


88
têm um valor étnico integrador bastante signif icativa na sociedade
guineense. Essa inf ormação é de interesse nesta pesquisa quando a grande
maior ia dos text os e das gravações é composta dessas narrativas cr ioulas,
na f orma de narrat ivas orais – a or atura. A recolha dos dados, pelo Prof . Dr.
Hildo Honór io do Couto, aconteceu in loco nos anos de 1988, meses de
março – abril, e 1990, meses de setembro e out ubro, o que result ou em
cerca de 30 f itas gravadas. As gravações f oram recolhidas, principalment e
nas cidades de Baf atá, Cachéu e Bissau. Esses dados orais f oram
transcritos por f alantes nativos e posteriormente revisados e digitados antes
de serem transpost os para o banco de dados. Como o banco de dados é
gerenciado por um software, os dados f oram também f ormatados e
etiquetados de acordo com a exigência do programa.

O banco de dados do guineense, com narrativas, textos e entrevistas,


represent a uma f onte que vai além das questões lingüísticas. Ele estará à
disposição para f uturas pesquisas no campo da Lingüística, da Literat ura ou
mesmo da Sociologia.

Os textos ut ilizados são publicações cr ioulas das seguintes f ontes:

70 f á bu l as tr ans c r i tas e p ub l ic ad as n as s e gu i nt es f o n tes :


9 d e P er e ir a ( 1 9 98) ,
10 de Per e ir a ( 1 98 8) ,
21 de M o nt e ne gr o ( 1 9 79) ,
24 de M o nt e ne gr o / M or a is ( 19 9 5) ,
6 d e Mo n te n egr o / M or a is ( 19 9 4 – 1 9 96) ;
46 6 pr o v ér b i os d e A n d r e le tt i ( s / d) .

3.2 A LINGÜÍSTICA DE CORPUS

A Lingüística de Cor pus est á interessada em um conjunt o de dados de


língua, f alados e/ou escritos. Os dados t êm por f inalidade servir de pont o de
partida para uma int enção descr itiva e/ou a ver if icação de uma hipótese em
uma dada língua. Trata-se da metodologia “baseada em corpus ”,
dif erentemente da metodologia “restr ita a um corpus”, ou seja, as f ontes de
dados representar ão uma parcela da população lingüíst ica e não um
inf ormante da população.
89
A ut ilização da computação nas pesquisas lingüísticas permite a
análise de grande quantidade de dados com mais agilidade e precisão. Tanto
que a Lingüíst ica de Corpus f oi f ortalecida a partir dos anos 80 com a
explosão da utilização dos comput adores pessoais (PCs), com a
“popular ização de corpora e de f erramentas de processamento” (Sardinha,
2004, p. 5).

3.2.1 Definição e justificativas

Dentre as def inições para corpus, em Lingüística de Corpus, a


def inição a seguir, é considerada a que mais at ende aos propósitos deste
projeto:

"Um c o nj u nt o de d a dos l i ng ü ís t ic os ( p er t enc e nt es ao


us o oral ou es c r it o da lí n gu a, ou a am bos ) ,
s is t em at i za d os , s e g un d o de t er m in ad os c r i tér i os ,
s uf ic i en tem e nt e ex t en s os em am pli t ud e e p r of u nd i d ad e,
de m an e ir a q ue s ej a m r epr es e n ta t i vos da to ta l i da d e d o
us o l in g üís t ic o ou de a lg um de s e us âm bi to s , d is p os tos
de ta l m od o que pos s am s er pr oc es s a d os p or
c om put a dor , c om f in a li d ad e de pr op ic i ar r es u lt a dos
v ár ios e út e is à d es c r i ç ão e an á l is e ”

. (SARDI NHA, 2000)

A def inição acima contempla os seguintes critérios:

i. A or i gem d os d a dos d e f or m a a ut ê nt ic a;
i i. A f in a l id a d e de s er v ir c om o o bj et o d e es t u do l i n gü ís t ic o;
i i i. A c om pos iç ão , c om c r i tér i os n a es c ol h a d os c on t eú d os ;
i v. A f or m ataç ã o l eg í v el p ar a a ex ec uç ã o em s of tw ar es em m áqu in as ;
v. A r e pr es e nt a t i vi d ad e p ar a a lí n g ua a s er es t u da d a;
v i. A ex te ns ão , q ue de v e s er s uf ic i e nt em ent e r e pr es e nt at i v a .

3.2.2 Representatividade, extensão

No que tange à ext ensão de um corpus, esse conceito est á ligado à


noção de represent atividade e f inalidade da pesquisa. Um corpus é uma
90
amostra da realização de língua ou var iedade lingüíst ica cuj a dimensão não
se conhece, o que dif iculta o estabelecimento ideal de uma amostra que
represent e essa população (Sar dinha, 2004). Contudo, sabe-se que a noção
de representatividade para um banco de dados está vinculada ao conceito de
probabilidade. Se a linguagem apresenta caráter probabilístico, a
possibilidade de inferir sobre razões e probabilidades de ocorrências se
torna possível a part ir da representat ividade do corpus estabelecido.

O banco de dados do guineense somou 233.640 palavras. Isso


represent a, na visão de Auston (1997- apud Sardinha, 2004, p.25), um banco
médio. Por ém, os adeptos da Lingüística de Corpus acreditam que a
quantidade m ínima para a f ormatação de um corpus nunca f oi estimada. O
tamanho do corpus pode def inir o apar ecimento de palavras de dif erentes
f reqüências na língua, ou seja, é menos provável que palavras de baixa
f reqüência apareçam em um corpus reduzido.

Entretanto, há dif iculdades de se obter um corpus de língua escr ita


com grande quantidade de palavras para o guineense, uma vez que esse
crioulo manif esta-se em uma sociedade multilíngüe, é de tradição or al e as
produções escr itas são raras. O f ato de “até hoje não ter havido uma
regulamentação par a a escr ita nessa língua” (Augel, 2000), ocasiona
insegurança quanto à maneir a de graf á-lo e uma escassa pr odução literár ia.
Isso quer dizer que, para a metodologia, um corpus de 233.640 palavras,
ainda que consider ado de porte médio, é signif icativo para a pesquisa.
Seguem algumas informações a respeit o do banco de dados e do software
utilizado para a manipulação e gerenciamento dos dados.

3.3 O BANCO DE DADOS

3.3.1 Formatação e Contexto

O banco de dados foi mont ado e f ormatado de modo a com patibilizar-


se com o software Contexto. A primeira versão desse software f oi
desenvolvida em 2001 por Jehf erson W ohller z de Mello, durant e minha
pesquisa de mestrado na UFG, cuja m etodologia era t ambém baseada em
91
corpus. Nos anos seguintes, de 2002 e 2003, o software f oi reprogramado,
pelo autor do pr ograma, para adequar-se a pesquisas com base em corpus
que exigiam maior complexidade na manipulação de dados e um maior f luxo
de inf ormações. A página de apresentação do banco de dados do guineense
no Contexto ( Mello, 2003) pode ser observada na f igura abaixo.

Nessa versão, a montagem do programa teve a participação de


lingüistas que apont avam as necessidades impostas pelas pesquisas, o que
resultou nos dif erentes tipos de oper ações executadas pelo Cont exto,
incluindo a pesquisa que ora se desenvolve.

Portanto, o software Context o, como sistema de inf ormação, f oi


pensado e desenvolvido para ot imizar aos lingüist as a extr ação de corpor a
de uma grande quantidade de dados. Isso possibilita obter as inf ormações
necessárias à pesquisa que se desenvolve mediante análises e cr uzament o
de inf ormações. Ele f ornece o meio de armazenamento, gerenciamento e
endereçamento do f luxo dos dados, bem como a geração de relatór ios,
gráf icos, contagens, agrupamentos e etiquetação. Como qualquer outro
concordanciador, a extração de ocorrências é a sua operação principal.

Como f oi programado para armazenar, gerenciar e “operacionar”


dados de língua par a pesquisa na Lingüística de Corpus, o pr ograma executa
a operação chamada de “extração de uma ocorrência”. Com isso ele é
capacitado a extrair itens ou ocorrências armazenadas em seu banco de
dados, de acordo com a necessidade da pesquisa que se elabora. As telas
92
com uma extração de ocorrência e do corpus para os pr imeir os momentos de
análise, podem ser obser vadas abaixo.

Depois de extr aídos, classif icados e expurgados os dados não


relevantes, a metodologia prevê o agrupamento das ocorrências em grupos
das marcas f lexionais e as dif erentes r ealizações f onéticas. Todas essas
inf ormações podem ser armazenadas e o programa permite a geração de
relatór ios para conf erência ou para a análise dos dados a qualquer momento
da análise, bem com o a exportação das inf ormações para out ros aplicat ivos,
conf orme exposto na tela abaixo.
93

Mesmo não tendo a amplitude de programas concor danciadores como


W ordsmith, o software Contexto f oi pensado e programado de f orma a ser
operado (também) por pessoas não f amiliarizadas com a informática, o que
constit ui uma vantagem para pesquisadores. Importante r essaltar que a
segunda versão desse software estava vinculada ao proj eto de pesquisa
apresentado ao Departamento de Pós- Graduação em Lingüíst ica da UnB,
como parte integrant e da seleção par a o Doutorado em Lingüística/2003.

Outra inf ormação a respeit o do Contexto é que ele pode armazenar


vár ios bancos de dados ao mesmo tempo. Atualmente, além do banco do
guineense, ele está carregado com dados escr itos de todos os principais
jornais do Brasil. Trata-se de um banco de mais de um milhão de palavras,
divididas em cerca de 40.000 por estados brasileiros. A tela de seleção de
bancos para extr ação de corpora pode ser obser vada abaixo.
94

Os passos oper acionais desta pesquisa, apresentados acima, f oram


executados com a utilização do Cont ext o. Os critérios utilizados para a
classif icação e análise dos dados ser ão apresentados no capítulo 5, o
capít ulo ref erente à morf ologia do guineense.
95

4. FU N D AM E N TOS TE ÓR I C OS

4.1 A M ORFOLOGI A: UM PEQUENO HISTÓRICO

A preocupação com a f orma da palavra remonta à ant iga Grécia.


Plat ão, no Crát ilo, f oi o precursor, dos pensadores do mundo ocidental, a
enxergar na linguagem um caminho par a se buscar um melhor entendimento
da realidade. O cerne do discurso de Sócrates, retratado no Crát ilo, é a
busca da relação da língua com a r ealidade f ísica ou simplesment e a
arbitrar iedade lingüística. Em relação à morf ologia, o modelo grego estava
voltado para os par adigmas, como declinações e conjugações. Este padrão
f oi seguido pela gramática latina. Segundo W eedwood (2002, p. 33),

“ .. .em bor a t en h am s i d o os gr eg os os e l a bor ad or es


do s is t em a das p ar tes do d is c ur s o e de v ár i os c o nc e i tos
as s oc i a dos qu e a i n da des em pe nh am pap e l es s e nc i al na
l in g üís t ic a m od er na , o tr ab a l ho de l es n ã o s e tr ans m i ti u
ao O c i de nt e p or vi a dir et a, m as por in t er m éd io dos
r om an os ” .

Conceitos important es para os est udos morf ológicos atuais datam de


antigas épocas, como a partição entre f lexão e derivação, já notada pelo
gramático Marco Terêncio Varrão (116- 27 a.C.) em De lingua lat ina e os
Rerum rust icar um libri III, sendo esta a mais antiga gramática latina. Varrão
já vislumbrava um componente sintát ico dist into da morf ologia, quando
chamou a f lexão de derivatio naturalis em oposição à derivat io voluntaria da
derivação. Esta última está ligada (em partes) à vontade do f alante. A f lexão
é dada por questões de concordância, ou seja, por imposições sintát icas.

Embora se t enha pensado nas divisões de partes do discurso e nas


partições de classes de palavras, a morf ologia demorou a aparecer como um
componente digno de invest igação mais acurada. No per íodo medieval,
quando se buscava o entendiment o da forma da palavra, esse entendiment o
estava baseado em questões mais semânticas e menos morf ológicas. Na
Idade Média, o modelo do paradigma, herdado da tradição greco-romana,
trazia à luz quest ionamentos acerca da f orma da palavra. Vale lembrar que,
96
as regras de f ormação de palavras (doravante, RFP) não eram utilizadas
para análises nesse tempo, o que tornava a noção de paradigma um
instrumento bast ant e inter essante para dar conta das diversas f ormas da
palavra, para as declinações de conjugações.

Após um per íodo de adormecimento, no séc. XVII, os estudos


gramaticais ressurgem com a Grammaire Générale et Raisonnée – a
14
Gramática de Port-Royal - concebida nos ideais racionalistas de Descartes.
O pensament o de Lancelot e Arnauld, autores da Grammaire Génér ale et
Raisoinnée, estava voltado aos universais das línguas, ou seja, apontava
para o que é “générale” e par a o mentalismo e racionalismo.

“ Res ta - n os ex am in ar aq u i lo qu e e l a ( a p al a vr a ) t em d e
es p ir i tu a l, q ue a t or na um a das m ai or es va n ta g ens qu e o
hom em tem s obr e t o d os os o utr os a nim a is e q u e é um a
das gr a n des pr o v as da r a zã o : é o us o q ue d e l a ( da
pa l a vr a) f a zem os p ar a ex p r es s ar n os s os p ens am en tos .
( .. .) a gr a nd e d is ti nç ã o d aq u i lo qu e s e p as s a em nos s o
es p ír it o é d i zer q ue s e p od e c ons i d er á- l o o o bj e to de
nos s o p e ns am en t o, a f or m a ou a m ane i r a d e n os s o
pe ns am ent o , a pr inc i p a l do qu a l é o j u l gam e nt o ( .. .) ”
(Arnauld e Lancelot, pp.27 e 28)

Para a morf ologia, o pensamento ment alista da Gramática de Port


Royal r ef orça um dos seus conceit os básicos, que é o conceito da
produt ividade, que será tratado adiante.

O t er m o m o r f o l o g i a ve i o p a r a o s e s t u d o s d a f o r m a d a s p a l a vr a s
s o m e n t e n o s é c. X I X , à l u z d a T e o r ia d a E vo l u ç ã o d a s E s p é c i e s c o m
A u g u st S c h l e i c h e r . O s e st u d i o s o s d a é p o c a e n t e n d e r am q u e o e st u d o d a
e vo l u ç ã o das p a l a vr a s poderia lançar luz sobre o entendimento da
e vo l u ç ã o d a s l ín g u a s , d a m e sm a f o r m a q u e o e s t u d o d a s f o r m a s d e
organismos p o d e r ia e xp l i c a r a e vo l u ç ã o das e s p éc i e s na biologia
( K a t am b a , 2 0 0 4 ) . Er a a é p oc a em q u e a T e o r i a E vo l u c i o n i s t a d e D a r wi n
r e vo l u c i o n a o p e n s a m e n t o c i e n t íf i c o . N o s e s t u d o s d a l i n g u ag em n ã o f o i
d i f er e n t e.

14
Concebida em um mosteiro com o mesmo nome na França do séc. XVII. Seus autores foram Lancelot e
Arnaud (1660).
97

No histor icismo, no séc XIX, o f oco dos estudos na palavra centrava-se


“em exemplos crist alizados da língua” (Rocha, 1999), uma vez que se
buscava o entendimento histór ico com base no diacronismo. Os
neogramáticos estavam f ortemente entusiasmados com a teoria dar winiana
da evolução das espécies. Desta f orma, buscava- se, no histor icismo, a
reconstrução de f ormas lingüísticas que levassem a línguas ancestrais. Er a a
momento do Método Com parat ivo, cujo alvo de pesquisa era chegar às
chamadas protolínguas 15. Tendo como base o pensament o historicist a,
alguns lingüistas percebem que há regularidades nas mudanças f ônicas das
línguas e que, em uma af irmação mais f orte, essas mudanças acontecem
sem exceção. Porém, o olhar historicista dos neogramáticos estava voltado
somente par a as f ormas prontas e em uso, ou seja, as f ormas cristalizadas
ou mesmo as protof ormas. Ref letir acerca da produt ividade da língua não era
preocupação dos neogramáticos.

Ainda assim, Schleicher realizou trabalhos de reconstr ução das


palavras do pr oto-indo-eur opeu olhando para a f ormação das palavras e
chamou a ciência da f ormação das palavras de ‘morf olog ia’. Para Schleicher,
as línguas er am organismos com per íodos de desenvolvimento, maturação e
declínio (cf . 2.3.2). Diante de sua af inidade com a Teor ia Dar winiana da
Origem das Espécies, Schleicher utilizava termos da biologia dentro dos
estudos lingüísticos, como espécie, por exemplo. Foi ele também que trouxe
para os estudos comparativos o sistema de classif icação das f amílias
lingüíst icas representado pela ár vore genealógica. Para a morf ologia, é
interessante lembrar que o f oco dos estudos das línguas, no f inal do séc.
XIX, buscava inf ormações relevantes para estados anter iores das f ormas
lingüíst icas, não da língua em uso. O olhar diacrônico era de suma
importância na ling üíst ica compar ativa. O ponto de vist a da Lingüíst ica
Dar winiana deixou marcas prof undas no modelo de se pensar as línguas
crioulas (cf . DeGraff 2001b).

Foi t ambém nesse per íodo que Schleicher, com sua ótica dar winiana,
percebe que as “as línguas podem ser agrupadas de acor do com seu tipo
morf ológico, isto é , com a maneira como os principais traços gramaticais
são expr essos morf ologicamente” (Cr owley, 1977, p. 129) . A classif icação
tipológica de Schleicher f oi acurada e resultou na seguinte classif icação:
15
Já no séc. XVIII, William Jones postulara a existência do proto-indo-europeu.
98

T IPO C AR ACT ER Í ST IC AS M O RF O L Ó G IC AS E X EM PL O S
I S O L AN T E S Línguas com pouca morfologia, com multiplicidade chinês
em monomorfêmicos.

Línguas com muitas palavras polimorfêmicas, sendo


AG L U T I N AN T E S que cada morfema carrega um significado lexical ou húngaro
função gramatical

Línguas também com palavras polimorfêmicas, línguas


F L E X I O N AI S
porém, diferentemente das aglutinantes, há a românicas
OU
cumulação, ou seja, mais de um significado lexical
F U S I O N AI S
ou função gramatical em um único morfema.

* Línguas que oferecem morfologia frasal chukchee


POLISSINTÉ TIC A

*a classificação das línguas polissintéticas, posterior às três primeiras classicações (isolantes, aglutinantes e
fl exi onai s), foi proposta em 1921 por S api r.

E m b o r a a lg u n s m or f ó l og o s t e n h am um o l h a r b a s t a nt e c r ít i c o s o b r e a
d i v i s ã o p r o p o s t a p o r S c h l e i c h e r , ( cf . S p e n c e r , 1 9 9 1 , p . 3 7 - 3 9 ) , s u a
t i p o l o g i a m o r f o l ó g i ca é a i n d a b as t a nt e u t i l i za d a n a m o r f o l og i a at u a l .

No séc. XX, Bloomf ield e Sapir, apoiados nas idéias estrutur alistas de
Saussure e no cham ado Estruturalismo Norte-Amer icano, realizaram estudos
de descr ição das línguas indíg enas americanas. Neste per íodo, o
pensamento lingüíst ico estava voltado para os estudos da f onologia, com a
descoberta dos pr incípios f onêmicos e da noção de f onema. Esta noção de
f onema, como unidade m ínima de som de um sistema lingüíst ico f oi assim
estendido também para a noção de morf ema, como a unidade m ínima
dist int iva nos estudos da morf ologia e na composição das palavras. A
segmentação e classif icação dos morf emas f oi crucial na descrição das
línguas indígenas americanas, uma vez que, somente a noção de palavr a
não era suf iciente para dar conta dos processos de com paração entre as
línguas. Assim, os estruturalistas norte-americanos f oram além do
descr itivismo e chegaram ao conceit o de morf ema como a unidade m ínima de
signif icado e de som com o arcabouço estruturalista. Esta unidade m ínima de
signif icação é dada pela inter-relação com os outros membros do sistema. A
noção de morf ema tornou-se o cent ro dos estudos m orf ológicos da
lingüíst ica de Bloomf ield e Sapir. Neste per íodo, f oram f eitas as
classif icações e a segmentação dos m orf emas em f ormas livres e f ormas
presas 16.

16
Mattoso Câmara implementou a segmentação acrescentando a noção de forma dependente.
99
“ .. . F o i um m ode l o es s e nc i alm e nt e c o nc at e na t i vo , em
qu e a an á l is e se c ons t it u iu no es t ab e l ec im ent o de
un i d ad es ir r ed u tí v e is , or d e n ad as l in e ar m ent e, e na b us c a
dos pa dr ões qu e r e g ia m a s u a c om bi n aç ã o "
(Rosa, 2002, p.38)

Assim, durante o Estruturalismo Norte-Americano, os estudos


voltaram-se para a morf ologia, consider ada como a gramática interna das
palavras, em detr imento da sintaxe e da semânt ica. Foi um momento
bastante f ecundo para os estudos morf ológicos. Por ém, os modelos de
análise, essencialmente descrit ivos, causaram inquietação nos lingüistas,
que passaram a buscar algo mais que a descr ição. Faltava o porquê de a
língua ser da maneira como f oi descrita. Enf im, f altava ainda uma
explicação, algo mais aprof undado, alguma coisa que apontasse par a a
capacidade cr iadora ou criat iva do f alant e nativo.

Com a chegada do Gerativismo na lingüística, tendo como centro a


noção de competência e a busca dest a compet ência na mente do f alant e
nativo, tem-se uma nova f ase na morf ologia. Ainda assim , nos primeiros
tempos do Gerat ivismo, os olhares voltaram-se para a sintaxe e para a
f onologia. Para os gerativistas não havia um componente separado da
morf ologia e a f ormação da palavra poderia ser explicada pela sintaxe e
pela f onologia. Em 1968 o modelo do “ SPE” (The Sound Patt ern of English)
retoma a idéia de estrutura subjacente, equivalente aproximado da
morf of onêmica tradicional. Talvez, a morf ologia tenha f icado f ora do modelo
por já estar inser ida na morf of onêmica e disf arçada de estrut ura prof unda no
modelo do SPE. Seguindo a propost a da Gramática G erativa, a SPE
postulava que a ligação entre o nível da estrutura subjacente com a
estrutura de superf ície acontecia por m eio de regras e os estudos buscavam
a f ormalização de tais regras e suas generalizações. As investigações deste
nível subjacente e altament e abstrato eram a essência das pesquisas
gerativistas da época. Os traços distintivos e os segmentos f onológicos
tinham lugares pr ivilegiados nas discussões.

Com o advento de Remarks on Nom inali zation, a chamada Hipótese


Lexicalista, em 1970, Chomsk y resgata a morf ologia nos estudos
lingüíst icos, propondo uma abordag em lexical, tendo em vista as
nominalizações do inglês.
100

“ A m ai or im por t â nc ia des t e ar t ig o par a a m or f olo g ia f oi


ap o nt ar p ar a a nec es s i da d e d e um a t eor i a s ep ar ad a d e
m or f olo g ia d er i vac i on a l, d is t i nt a da te or ia de
tr a ns f or m aç õ es s i n tá t i c as ”
(Spencer, 1991, p. 69)

Pode-se pensar em Remarks como um divisor de águas para os


estudos da morf ologia. A part ir de sua publicação, a morf ologia f oi tirada do
esquecimento. Segundo Basílio (1980 p. 28) a hipótese transf ormacionista é
rejeitada para se dar conta das nominalizações dentro do léxico – “os
nominais derivados são inseridos em estruturas básicas ao invés de
constit uír em f ormas acidentais que aparecem em estrut uras derivadas”
(ibidem). Assim, a estrutura interna da palavra não seria mais um trabalho
da sintaxe, mas um trabalho da morf ologia. À sintaxe caberia a f ormação dos
constit uintes sintagmáticos. Nesse cont ext o, estar iam inser idos os pr ocessos
f lexionais.

“ A h ip ót es e lex ic a l is t a d ef e n de q ue a f or m aç ão de um a
pa l a vr a por m ei o da d er i vaç ã o oc or r e n o l é x ic o e n ã o na
s i nt ax e e af ir m a q ue u m item l ex ic a l c om o ‘ d es tr oy ’ en tr a
no l éx ic o in d if er e nt em ent e c om o ver b o ou nom e,
pos t er i or m en t e, r ec e b e o s uf ix o n om in a l i z ad or – i o n n a
f on ol o g ia e f or m a a n o m ina l i zaç ã o ‘ des tr uc t i on ’ .”
(Oliveira, 2004)

O léxico, que na morf ologia bloomf ieldiana er a o repertório das


irregular idades, na visão lexicalista passa por uma reestr uturação de sua
noção, f icando mais ampliado e com um estatuto mais f orte, contendo
também os processos mais regulares da língua. Dentro da propost a
lexicalista, f ormaram-se duas correntes teór icas. Uma delas, a Stron g
Lexicalist Hypothesis, que af irmava que todos os f enômenos morf ológicos
aconteciam f ora da sintaxe, pois os processos de f ormação de palavras e os
processos f lexionais ocorriam no léxico, em um momento pré-sintát ico. Esta
postura mais f orte do lexicalismo trouxe à tona a noção de Integridade
Lexical, pois, segundo est e critér io, é impossível em preender regras
sintát icas em elementos da estrutura morf ológica, uma vez que as palavras
são ref erencialment e opacas, não é possível “enxergar” dentro delas,
portanto, são ilhas anaf óricas. Por exemplo: não é aceitável uma retomada
101
anaf órica usando somente o vocábulo “chuva” do todo “guarda-chuva”. A
ver são mais f raca do lexicalismo, cham ada de W eak Lexicalist Hypothesis, é
mais moderada e admite que nem todos os f enômenos podem ser resolvidos
sem a interação ent re sintaxe e morf ologia. Uma posição mais moderada e
mais aceita entre os morf ólogos diz que “é aquela que diz q ue a morf ologia
derivacional nunca é tratada na sintaxe, embora o tratament o da morf ologia
f lexional o seja” (Aronof f , 1976, p. 9). Este modelo menos radical f az uma
dist inção mais clara entre morf ologia der ivacional, tratada no léxico, e
f lexional, tratada pela sintaxe.

A partir de Remarks surgiram, então, modelos teór icos de morf ologia


com os princípios m ais f ortes da gramática gerativa. Suas propostas variam
entre as versões m ais f orte e mais f raca do lexicalismos. Da mesma f orma
que algumas dessas teor ias são baseadas em palavr as e outras em
morf emas. A seguir, tem-se uma breve apresentação dos m odelos t eóricos
que mais se ref letiram nos estudos da morf ologia pós- Remar ks.
102
4.2 OS PRINCIP AIS M ODELOS TEÓRICOS PÓS-
LEXICALISMO

O precursor dos modelos pós-lexicalist a de morf ologia f oi Morris Halle.


Halle (1973) levant ou a questão de que se a gramática é considerada a
represent ação f ormal da competência do f alante nat ivo, então é possível
af irmar também a existência de um componente separado capaz de dar cont a
deste conhecimento lexical do f alante. O modelo teórico apresentado por
Halle f oi o pioneiro dos modelos que pr opuser am que a morf ologia operava
com as RFPs dentro do léxico. As noções de palavra possíve l e palavr a real
do modelo de Halle trouxer am um enf oque bastante r elevante para a
morf ologia, pr incipalmente para os estudos sobre produtividade, ao mesmo
tempo em que ref orçou a idéia de um componente morf ológico separado, “um
uma vez que “um conceito paralelo é totalmente dispensável na sintaxe,
pois não f az sentido dizer que uma sentença é “possível, porém não
existente” (Scalise e Guevara, 2005). O modelo de Halle será tratado mais
detalhadamente nas páginas seguint es.

No ano seguinte à proposta de Halle, em 1974 Dor othy Siegel, em


Topics in English Morphology, sua tese de PhD no MIT, apresentou um
modelo teór ico com ordenação em níveis. Sigel ut ilizou os termos ‘classe I ‘
e ‘classe II’ para se ref erir aos af ixos de f ronteiras de morf emas (+) e de
palavras (#), mostrando que estes têm estatutos dif erentes em razão de suas
propriedades f onológicas e morf ológicas. Assim, os af ixos de classe I, nas
f ronteiras dos morf emas, estão dir etam ente ligados à af ixação, são af ixos
que desencadeiam e sof rem processos f onológicos, como os suf ixos que
causam mudanças de acento nas bases às quais se juntam, desencadeando
processos não automáticos. Por exemplo: “-ity”, que provoca o deslocament o
do acento na base ( product  productivity) ou um exemplo do português, o
suf ixo “-metro ” (gás  gasômetro), q ue desloca o acent o par a a sílaba
imediatamente anter ior ao af ixo. Estes af ixos se posicionam mais perto da
raiz das palavras. Os af ixos de classe II, que são af ixos de f ronteiras de
palavras, são it ens da composição, não desencadeiam pr ocessos
f onológicos, ou seja, são f onologicamente inertes e o acent o das f ormas é
desencadeado automaticamente, ou seja, não depende da estrutur a
morf ológica. Por exemplo: “cachorro-quente”, embor a sejam mantidos os
acentos dos vocábulos int egrantes da composição, há um acento maior
103
ref erente à composição como um todo, no que Matoso Câmara cham ou de
vocábulo f onológico e vocábulo morf ológico. O modelo teórico de Sigel com
ordenação de níveis f oi retomado por Kiparsky em 1982 na Morf ologia
Lexical.

Em 1975, Jackendof f , em Morphological and Semantic Regulariet ies in


the Lexicon apresenta a Teoria da Entrada Plena, cujo f oco estava nas
regras de redundância, as RR(s). Segundo o pensamento de Jackendoff , as
entradas dos verbos e suas f ormas nominalizadas são separ adas no léxico,
ou seja, cada um t em uma entrada exclusiva, porém, a r elação entre as
regularidades semânticas, f onológicas e sintát icas entre elas é dada pelas
RR(s). O reconhecimento das regras de redundância é r esponsável pela
produt ividade de novos it ens lexicais, uma vez que torna possível a
aplicação deste conhecimento para a pr odução de outros itens na língua. A
idéia da redundância f oi também utilizada por Basílio (1980) com a noção
das Regras de Análise Estrutural (RAE).

No ano de 1976 Aronof f propõe um modelo teór ico baseado em


palavras. A Morf ologia de Palavra t em seu argumento mais f orte na
complexidade da noção de morf emas, visto que estes não têm um signif icado
f ixo, nem mesmo preciso. Esta idéia de impr ecisão é exemplif icada nos
chamados “cran mor phems”, já discut ida em Bloomf ield ( 1933). Segundo este
pensamento, um morf ema como “cran-“, de “cranberry”, não apresenta
signif icado, tampouco f unção gramatical, ainda que marque a dif erença entre
uma f orma e outra. Neste caso, temos o desvio de uma f orma que pede um
signif icado próprio, ou mesmo um desvio de correspondência entre f orma e
f unção. A morf ologia de palavras de Aronoff será mais bem descrita nas
páginas seguint es.

Kiparsky (1982) apresenta uma releit ura da ordenação de níveis


proposta em Sigel (1974). No modelo de Kiparsky, morf ologia e f onologi a
estão em relação no léxico. Enquanto as regras morf ológicas constroem as
palavras, as regras da f onologia se encarregam das f ormas f onológicas
destas palavr as. Tanto as regras morfológicas quanto as f onológicas se
encontram distr ibuídas de f orma hier árquica no léxico e o cr itério de
distr ibuição considera, principalmente, os processos f onológicos que são
desencadeados na aplicação das r egras. Na seção subseqüente será mais
bem detalhada a proposta da Morf ologia Lexical de Kiparsky ( 1982).
104

Já na década de 90, Rochelle Lieber (1992) traz uma proposta


considerada como um modelo sint ático de morf ologia. Logo no pref ácio do
Deconstructing Morphology, a autora chama a atenção para o f ato de que “é
uma tentativa para levar, de f orma séria, a noção que as regras de f ormação
de palavra são de f ato regras de sint axe” (Lieber, 1992). Lieber analisa
f enômenos considerados não explicáveis na chamada Strong Lexical
Hipothesis. Nas análises de Lieber, o constituinte de uma componente f rasal
composto não pode ser separ ado ou modif icado, pois eles são considerados
palavras. Trata-se da noção de ilhas anaf óricas, considerando, portanto, a
noção de integridade lexical proposta na versão mais f orte do lexicalismo.
Lieber utiliza as noções de head, subcat egorização e pr ojeção para explicar
processos morf ológicos. Par a ela, somente o componente sint ático
computacional é responsável pela criação das sentenças e das palavr as bem
f ormadas da língua. Outro f ator que chama a atenção no trabalho de
Rochelle Lieber é a utilização de corpora em sua base metodológica
juntamente com a Gramática Gerat iva como suporte de seu modelo teór ico.

A Morf ologia Distribuída (DM) , propost a por Halle & Marantz (1993)
também é um modelo com base na sint axe e f oi mais longe em sua negação
à proposta lexicalist a, pois no modelo da Morf ologia Distribuída, além de não
exist ir um componente morf ológico separado, o léxico mental também não
existe. A proposta de Halle & Marant z (1993) tem pontos comuns com a
proposta de Lieber (1992). Para a DM, as oper ações m orf ológicas estão
distr ibuídas entre os componentes da gramática sendo, principalment e a
sintaxe aquela que manipula os morf emas na construção da estrutura da
palavra. Há uma hierarquia entre os elementos, como uma estrutura de
constit uintes e a f ormação das palavr as resulta de combinações sintáticas. A
ordem das palavras nas orações é construída antes da pr esença dos itens
lexicais e estes são inseridos somente depois de completadas todas as
operações da sintaxe. Até que as operações sint áticas se encerrem, as
categorias são apenas traços morf ossint áticos, pois a f orma f onológica ter á
sua inserção tardia, ou seja, será inserida depois da sintaxe.

Kevin Russell (1997) apresenta a Optim ality Theory and Morphology,


apoiada nos princípios básicos da Teor ia da Otimidade. O modelo def ende
que há um componente morf ológico e este é o responsável pela f orma
utilizada na combinação dos morf emas para f ormar palavras. Sendo assim, a
105
estrutura da palavra é dada pela morf ologia. Russell descarta este processo
na sintaxe consider ando-a insuf icient e para determinar a combinação deste
ou daquele morf ema na estrut ura das palavras. A semânt ica, por sua vez, é
descartada por não ter capacidade de saber quais são os signif icados de
morf emas capazes de se combinar e f ormar um signif icado único após a
combinação dos mesmos na estrut ura da palavr a, ou seja, nem sempre a
soma de signif icado condiz com o signif icado f inal da f orma. Por f im, a
f onologia também é imprecisa na estruturação das palavr as, pois há
processos em que a cadeia sonora associada a certos signif icados nem
sempre é a mesma em dif erentes palavras. Isto quer dizer que somente a
morf ologia é capaz de dizer qual alomorf e é escolhido por um determinado
morf ema.

O modelo de Russell propõe que par a cada dado de input, o gerador


(GEN) produz um conjunto de inf initos candidat os potenciais para o output.
Estes candidatos apresentam semelhança entre si, porém, o EVAL (o
avaliador) selecionar á o candidato ót imo para o output. Os outros candidatos
produzidos pelo G EN, vão sendo descartados ao violarem as CO N
(restrições). Assim como no modelo de Halle (1973), há a produção de
inf initos candidatos potenciais que ser ão selecionados de acordo com as
restrições de cada língua. Na morf ologia de Halle, essa seleção de
candidat os é taref a do f iltro. O cr itério de importância de cada uma das
restrições é parte do conjunto universal de restrições e sua hierarquia é
dada de f orma part icular em cada língua. Por exemplo, no português é uma
violação f atal a qualquer candidat o a output se este começar a palavra
utilizando /‫ש‬/.
106
4.3 MORFOLOGI A B ASE ADA EM P ALAVR A E
MORFOLOGI A BASE AD A EM MORFEM AS

Para o modelo morf ológico baseado em palavras, o critér io semântico


é de suma importância. Os pressupostos de análise são os element os que
não são divisíveis e que também entram na constituição de unidades
maiores. Dentro dest e pensamento, as bases a serem ut ilizadas em uma RFP
são sempre palavr as existent es na língua e estas, por seu turno, pertencem
sempre às classes maiores – substantivo, ver bo, adjet ivo e advérbio. Ela ( a
palavra) é o elemento m ínimo de análise. Important e salientar que est e
modelo r econhece os morf emas nas palavras, mas não os considera com o
elemento signif icat ivo par a a f ormação da palavra, da mesma f orma que
também não os considera como elem entos m ínimos de signif icação, pois
estes, na Morf ologia de Palavras, são as palavras da língua. Para as RFPs,
as entradas (inputs) e as saídas (outputs) são sempre palavr as (bem
f ormadas) da língua.

Para a morf ologia baseada em morf ema, as f ormações morf ológicas


são divididas em elementos m ínimos, os chamados morf emas, ou seja, as
palavras, ou as f ormas da língua são seqüências de morf emas que estão
concatenados e são considerados os elementos m ínimos de signif icação.
Este modo de pensar a morf ologia é bast ante antigo nos estudos das línguas
e está baseado no modelo chamado de Item e Arranjo, seg undo o qual, as
palavras são arranjos linear es de itens, no caso, de morf emas. O morf ema
tem um desempenho parecido com o da palavra na sintaxe, embora em uma
escala menor. Há a concatenação de morf emas que se juntam para produzir
as palavras da língua. Na aplicação da Morf ologia de Morf emas há o critério
de divisão do léxico da língua em dois grandes grupos: o grupo das palavr as
var iáveis e o das invar iáveis. Vale lembrar que a Gramát ica Tradicional não
é incisiva quanto aos critérios de morf ologia adotados em sua análise. Ela
acaba utilizando pr essupostos dos dois modelos acima, o que resulta em
impasses na análise de alguns f enômenos.

Por exemplo: Como a Gramática Tradicional analisa “contraparte” e


“contrapé”, consider ando que “contra” e “pé” são f ormas livres da língua?
Af inal, “contra” é um morf ema lexical ou uma palavr a? Freqüentemente
“contra” consta da lista de pref ixos lat inos nas gramáticas normativas.
107
Temos então duas palavras-bases que resultam em uma composição por
justaposição ou dois morf emas, sendo uma f orma presa (pref ixo) e uma
f orma livre (radical) , que resultam em uma derivação por pref ixação? É
comum utilizar-se do critério semânt ico para considerar a dif erença entr e
morf ema lexical, aquele que se r elaciona ao mundo (signif icação externa), e
gramatical, o que não se relaciona (signif icação inter na). Porém, no caso
acima, não se pode ter claro o ponto de dif erenciação, o que dif icult a a
análise de “contra”. A dif erença entre composição e derivação está no cer ne
da def inição entre o que é af ixo e o que é radical.

Sabemos que a produtividade tem um papel f undamental nest a


dist inção, pois a produt ividade dos af ixos é inf initamente superior à
produt ividade das bases. Compare-se, por exemplo, o suf ixo -mente com a
base feli z. Devido à natureza de signif icado gramatical dos af ixos,
obedecendo aos pr incípios da condição de produtividade de cada r egra, um
af ixo pode se articular com inf init as bases. Mas a recíproca não é
ver dadeir a, mesmo uma base recorrent e como “f eliz” nem de longe tem a
produt ividade de -m ente. Este cr itério seria categórico para acabar com o
impasse entre der ivação e composição, se não houvesse complicações. Elas
aparecem na medida em que temos composições com bases presas como:
africanólogo, sexólogo etc e bases que são produt ivas como: guar da,
guarda-comida, guarda-roupa, guarda-livro etc. Há ainda preposições que
estão em f ase de f lutuação como f orma presa e f orma dependente, como por
exemplo o pref ixo sem- no português, que produz sem-teto, sem-costume,
sem-graça etc. Temos ainda a ocorrência de af ixos como f orma livr e como
em: ele é da pós, o meu ex.... Nota-se q ue há uma relação com as questões
de núcleo e determ inante, uma vez que, ao passar para a condição de
núcleo, o af ixo deixa de ser um morf ema preso (ou dependente) e se torna
uma f orma livre. Quando isso ocorre, ele perde sua carga semântica
gramatical e adquire uma carga lexical e sua produtividade é imediatamente
reduzida. Importante ressaltar que nas construções em que há dúvida sobre
o status (af ixo ou base?) do 1º elem ento da estrutura morf ológica, esta
estrutura quase sempre parece ser uma pref ixação. Por exemplo: contra-
parte, não-lí ngua etc. Dadas as particular idades de cada afixo e/ou base, o
critério da produt ividade não é suf icient e na distinção entre af ixo e base, o
que gera a conf usão para os gramáticos, não só na classif icação de morf ema
ou palavr a, mas também no tipo de f ormação. O reconhecimento com o
palavra ou morf ema é f undamental para a Gramática Tradicional atr ibuir um
108
estatuto de composição ou der ivação para os exem plos acima, incluindo os
exemplos com “cont ra”. Se o critério f osse apenas semântico, elegendo a
morf ologia de palavr a como base de análise, ter íamos uma composição. Se
f osse apenas morf ológico, ter íamos de considerar a constit uição da estrutur a
da palavra, o que implica uma morf ologia de morf emas. Porém, com os
critérios semânticos e morf ológicos há a conf usão na hora de dar o estatut o
do item e conseqüentemente, um conf lito no reconhecimento do f enômeno.

A base teór ica dest a pesquisa está baseada nos modelos de Halle
(1973), Aronof f (1976) e Kiparsky ( 1982). A escolhas se justif ica pelo f ato
de se tratar de dois modelos com base de palavras, Aronoff e Kipasr sky,
sendo Aronof f o precursor dos modelos de morf ologia de palavr as e também
porque seu modelo é bastante voltado a questões ref erentes à produtividade.
Quanto à Kiparsky, a noção de níveis hier árquicos no léxico é interessant e
com vistas nos dados do guineense. Quanto ao modelo de Halle, a escolha
deveu-se, além f ato de sua teor ia ser a precursor a na utilização das RFP(s)
na morf ologia pós-r emarks, também porque seu modelo de “f iltro”, embora
postulado há mais de trinta anos, vem sendo resgatado nos modelos mais
recentes, como é o caso de Russell (1997). A despeito das propostas
apresentarem posicionamentos dif erentes quanto ao tipo de morf ologia - de
palavras e de morf emas - esta disparidade está ajustada aos objetivos desta
pesquisa, quando verif icaremos a aplicabilidade de ambas na morf ologia de
uma língua crioula.

4.4 A M ORFOLOGI A N A GR AM ÁTICA TR ADICIONAL

A abor dagem da Gramática Tradicional (GT) obedece à tradição grega


de f azer a divisão das classes de palavr as e classif icá-las. A classe das
var iáveis é descrita com as possíveis f lexões e as r espectivas exceções.
Aliás, não há explicações para elas, uma vez que o ponto de vist a é
prescrit ivo. A classe das palavras invariáveis é descrita pela ut ilização,
conceituação e listas. O que chama a at enção é a recorrência de tais listas:
listas de coletivos, listas de f emininos, listas de suf ixos e pref ixos, lista de
radicais, de preposições, de locuções e até lista de exceções e
irregular idades.
109
No tratamento da estrutura e f ormação da palavr a, a ênf ase está na
dissecação, reconhecimento das partes da palavra e no modelo de f ormação
– se é composição ou derivação e qual o tipo dessa composição ou dessa
derivação e também na ident if icação de cada um dos morf emas. Os
exemplos utilizados nas GTs, quando não são sempre os mesmos (na
aglutinação: pernalt a – planalt o e aguar dente; na parassíntese: engat inhar e
amanhecer; no hibridismo: televisão e abreugraf ia), são exemplos
dicionarizados e lexicalizados, às vezes, não mais em uso na língua
corrente, como: pneumático ou lactômetr o.

Questões ref erentes à produt ividade não são mencionadas, tampouco


são consideradas a gramaticalidade e aceitabilidade em língua, uma vez que
o f oco é sempre as f ormas prontas, em uso e, principalm ente,
dicionarizadas. A morf ologia da GT não “enxerga” as f ormas que estão em
produção na língua, ou, quando não é possível ignorá- las, limita-se a negar
a existência da nova palavra. Um exemplo é a f orma xeroqueiro que, para a
GT, não existe, pois “não está no dicionár io”. Estar em uso corrente, ser
gramaticalmente perf eita e f uncional não são crit érios de análise para a
morf ologia da GT. Isto implica a ênf ase na diacronia e na et imologia. Porém,
em construções com bases e com af ixos presos, que já per deram sua
produt ividade ou são consider adas ar caicas, não há análise possível, uma
vez que não há r egra para se aplicar e as f alta de análise na estrut ura
interna apagam as f ronteiras dos morf emas para os f alantes. Por exemplo:
plausível, preguiça ou cuecas.

Quanto às r egras de f ormação de palavras, f ocalizam-se o af ixo e as


produções já em uso com este af ixo. É o enf oque do paradigma. Embora as
separações das par tes da palavra f açam sempre as divisões do ponto de
vista dos morf emas, as r egras de produção de palavras e de análise
estrutural não são consider adas. Essa def iciência de critérios, tant o
morf ológicos quanto semânt icos leva a equívocos como: vaca feminino de
boi, sacola diminutivo de saco etc.

Questões como est as negam a lógica da competência do f alante e,


além de não dar conta da distinção ent re derivação e composição, levam a
discussão a um im passe entre o que é der ivação e o que é f lexão. O
problema está na f orma de se f azer morf ologia, uma vez que os crit érios não
são decisivos se olham mais para a estrutura interna da palavra, em uma
110
morf ologia de morf emas, ou se vai se embasar nas palavras da língua, tendo
a semântica como base nas decisões, na Morf ologia de Palavras.

4.5 A M ORFOLOGI A DE MORFEM AS DE HALLE

Morris Halle (1973) tem uma proposta teórica no âmbit o da teor ia


gerativa. No text o Prolegomena to a Theory of W ord For mation, de 1973,
Halle traz um modelo de morf ologia baseada em morf ema. A idéia preliminar
é de que o léxico consiste de uma lista de morf emas que estão concatenados
nas RFPs. Essas regras superproduzem, porém o r esultado dessa
superprodução nem sempre é bem sucedido, ou seja, nem t odos os grupos
concatenados de morf emas são palavr as reais, alguns grupos são palavr as
potenciais.

Halle propõe que cabe à morf ologia dar conta dos f atos já sabidos pelos
f alantes em relação às palavras de sua língua, como:

i. Rec o nh ec im ent os d as pa l a vr as s im pl es ;
i i. Rec o nh ec im ent o d e q ue há p ar tes qu e c om põ em as p a la vr as c om p lex as ;
i i i. Co n hec im en to dos f a l an t es d e um a or dem h ier ár qu ic a n os c om p on e nt es
das pa l a vr as .

O autor apóia sua proposta na compet ência lexical 17 do f alante. E est a


competência é capaz de dar conta de que:

i. Há s eq ü ênc i as q u e a po n tam par a as R P F s da lí ng u a c om um a or d em


f ix a da ;
i i. O s f al an t es c o n hec em a l is ta d e m or f em as de s u a l í ng u a e po d e m as s im
de t er m in ar qu a is s ã o as p a la vr as s im p les e q u ais s ã o as p ar t es qu e
c om põem as pa l a vr as c om pl ex as e c om o s e dá o ar r anj o d os m or f e m as ;
i i i. O s it ens c ar r e g am i nf o r m aç ões gr am at ic a is ;
Ex : V er bos f or tes , r aí ze s v er b ais etc ;

17
Halle não fala em comp etência lexical, porém sua prop osta nos leva a essa noção.
111
i v. A lis t a d e m or f em as é a b er t a, po is ga n ha m os e per dem os it en s c om o
pas s ar dos tem p os ; t a m bém apr e nd em os n o v os m or f em as e es qu ec em os
ou tr os ta nt os ;
v. A lém da l is t a, os f a la n tes t êm c on hec im en to de c om o as r e gr as g o v er n am
c ad a um d os i te ns l ex i c a is .

Para just if icar sua proposta, Halle apresenta três casos de


idiossicrassias a ser em analisados mediante seu modelo teórico:

1º ca so : - i d ios s i nc r a s i a s em ânt ic a, q u a nd o n em s em pr e o r es u lt a do f i n al da
s uf ix aç ã o c o n di z c om a s om a d os s ig n if ic ad os d a bas e + af ix o;
Ex : ma nc ha  d es ma n c ha
2º c as o : I d i os s i nc r as i a f on é tic a ou f o n o ló g i c a, qu a nd o di z q ue o s uf ix o – i ty
s e lec i on a b as es tr is s í l ab as ;
Ex - s er e n e  s er e ni t y ,
3º c aso : as c ham ad a s pa l a vr as pe r d i das : a r e gr a tem o tr aç o [- i ns er ç ão
l ex ic a l] . Es s as pa l a vr as f or am ger a das pe l as RF Ps , m as não es t ão s uj e i tas
( a in d a) à i ns er ç ã o l e x ic al , por t an to , nã o s ão a tes ta d as n a lí n g ua , em bor a
s ej am gr am at ic a is .
Ex – qu e br a- q u ei x o  q ue br a- qu e ix e ir o

Halle resolve o pr oblema postulando a existência de um f iltro especial,


pelo qual as palavras passam após serem geradas pelas RFPs. Eis o
modelo do f iltro proposto por Halle:

Lista de RFP Filtro Dicionário


Morfemas

Fonologia Sintaxe

i.A listas de morfemas juntamente com as RFPs definem as palavras potenciais da


língua;
ii.As RFPs produzem o conjunto maior das palavras potenciais. Este, por sua vez,
contém um subconjunto menor, cujo conteúdo é as palavras atuais da língua;
iii.O conjunto de palavras atuais determina o dicionário da língua;
iv.O dicionário é limitado pela lista de morfemas, as RFPs e o filtro;
v.As regras não estão restritas à derivação e atingem também a flexão
vi.Há dois tipos de RFP: as que são aplicáveis diretamente nas raízes e as que se
aplicam nas palavras.
112
O bs : A i n for m aç ã o e s pec i a l é d a da p e lo fi l tr o s o br e c a d a en tr ad a e
ad ic i on a da na r epr es e nt aç ão d a p a lav r a . A pr o p os t a é a s eg u in t e:

No 1º caso: m a nc h a  d es m anc h a: o f i l tr o s u pr e a i nf or m aç ã o s em ânt ic a


es p ec i al c om um a in d ic aç ã o s em ân t ic a a pr o pr ia d a à qu e la pa l a vr a.
No 2 º c a so : s er en e  s er e ni ty o f i l tr o s up r e o tr aç o [ +r ed uç ão tr is s i lá b ic a ]
c om o tr aç o d e r ed u ç ã o t ri ss il áb i ca .
No 3 º ca so : q ue br a- q ue ix o  q ue br a- q u e i x e ir o : p al a vr as p er d i d as : a r e gr a
tem o tr aç o [ - in se r çã o l ex i ca l] , o f i l tr o s upr e o tr aç o [ +i ns er ç ão lex ic al ].

A teoria prevê que as transf ormações da inserção lexical selecionam


itens do dicionário, os quais são alocados nos lugares apropriados nas
estruturas, f ormando assim os componentes de um a construção. Isto
acontece na representação subjacente de uma dada sentença. É nesta
represent ação subjacente que as transf ormações sintát icas se aplicam na
realização (tornar real) e na generalização na estrutur a de superf ície.

Há palavras que apr esentam mais de uma camada de af ixo. Para dar
conta destas palavr as, Halle post ula um “looping” ligando as RFPs com o
dicionário, par a que as RFPs possam acr escentar os af ixos a estas palavras,
pois, como há dois t ipos de regras, as que regras são acionadas a part ir das
bases que são r aízes e outras que são acionadas com palavras pront as da
língua.

4.6 A MORFOLOGI A DE P AL AVRAS DE ARO NOFF

O precursor da morfologia de palavr a f oi Mark Aronoff , em 1976, com a


publicação de W ord Formation in Generative Grammar. Para Aronof f cabe à
morf ologia dizer quais são as palavras reais e as palavras potenciais da
língua. No âmbito da morf ologia de Ar onoff , todos os processos regulares de
f ormação de palavr as são baseados em palavr as da líng ua na qual se
articula o pr ocesso de f ormação. Os processos de f ormação de palavra
acontecem com base no signif icado das palavras e entre as classes maiores,
quais sejam: subst antivo, adjet ivo, advér bio e verbo. Aliás, somente as
palavras têm signif icado na sua totalidade, pois, nem todos os morf emas o
possuem.
113
No exemplo abaixo, não é possível a depreensão do signif icado das
partes, ou seja, dos morf emas que compõem as palavras derivadas a part ir
da base presa –fer. Tampouco é possível a depreensão do signif icado da
palavra base, sendo assim, este signif icado é dado pelo todo, ou seja, é
sinsemânt ico. Aronoff ressalta, em seus argumentos, a complexidade
existente na noção de morf emas como elementos m ínimos de signif icado:

Ex: X + -fer
i. Qual o significado de “-fer”?
Ref e r ( r ef er ir )
ii. Por que “-fer” não é forma livre?
Def e r ( a d iar )
iii. Qual a relação semântica entre referir, preferir e adiar?
Pr ef e r ( p r e fe r ir )

Considerando a idéia da complexidade da noção de m orf ema e a


postulação de que os elementos m ínim os signif icativos são as palavras, a
proposta da morf ologia de Aronoff prevê:

I. A la r g ar a def in iç ã o d e m or f em a, po is a l é m de s er um a f or m a c ons ta nt e ,
ar b i tr ar i am en te li g ad a e c om s i g nif ic a d o c o ns t an t e, tam b ém i nc lu i um a
op er aç ão f o no l ó gic a . Des ta f or m a, um m or f em a é um a c ad e ia f o né t ic a qu e
po d e s er c o nec t ad a a en t id a des l i ng ü ís t ic as qu e es t ã o f or a d es s a c ad e i a. O
m ais im por ta n te n ão é o s i gn if ic a d o d o m or f em a, m as o r ec on h e c im ent o do
f al an t e das s uas a r b i tr ar ie d ad es , ou im pr e v i s i bi l i da d es ;

II. A ex is t ê nc ia d e e nt i d ad es m or f ol óg ic as q u e p ar ec em ter um tr a ç o s i nt át ic o
c om en tr a d a n o l éx ic o. Im por ta n te lem br a r q ue o m od e lo d e A r on of f t em
c om o bas e a c or r e nt e d a W eak Lex ic a l is t Hy p ot h es is , p or ta n to , e l e n ão
des c ar ta as i n ter aç õ es en tr e m or f ol o g ia e s in t ax e em a l gu ns f en ôm en os
m or f oló g ic os ;

III . Na r e laç ã o m or f em a e s ig n if ic a do , os m or f e m as não s ã o e l em ent os m ínim os


de s ig n if ic a do , v is t o q ue há um a c om pl ex i d ad e n es t a c o nc epç ã o de
m or f em a. Ar on of f c o n s i der a es te p e ns am e nt o um a c o ns eq ü ê nc i a de um a
v is ão s im pl if ic a d a e ntr e s om e s i gn if ic ad o he r d a do do es t r ut ur a lis m o
am er ic an o ;

IV . Q u e a b as e de um a t eor i a m or f ol óg ic a n ã o po de d e p en d er c r uc i a lm ent e d o
m or f em a c om o bas e d e s i gn if ic a do . N es t e pr o p os t a, Ar on of f b us c a j us t if ic ar
s eu m od e lo d e m or f ol o g ia d e p a la v r as .

Os processos ou regras de f ormação de palavras (RFP) são parte da


gramática da língua e estão separados da sintaxe. Cabe ao f alante acionar
114
uma regra e criar uma palavr a a qualquer momento, uma vez que léxico é
um sistema aberto. À morf ologia cabe dizer quais são essas palavras
potenciais da língua, as palavras possíveis de serem acionadas pelas RFPs.

Para a teoria de Aronoff , as palavr as gravitam em torno do signif icado.


Algumas são geradas a partir de sig nif icados f ora dos morf emas, um
exemplo par a o port uguês é ficante. Por questões pragmáticas e discursivas,
a base f icar apr esenta um signif icado dif erente de perm anecer em local
determinado, ou mesmo manter-se em determinada atitude. Na f orma atual
da língua, o uso aponta par a a acepção de alguém que permaneceu junt o de
outrem, em atitudes de namoro, mas sem o compromisso de estabilidade ou
mesmo de f idelidade amorosa. Dentr o desta mobilidade no signif icado
original de ficar, ou seja, o signif icado de f icar namorando alguém sem
compromisso f uturo, a RFP f oi acionada para a produção do substant ivo em–
nte, uma vez que a RFP com o X- n t e admite o acionament o com verbos da
língua, portanto, f icar  f icante.

Por outro lado, há também palavras que, depois de der ivadas, resultam
em signif icação dif erente do previsto pela regra, por exemplo: acabamento
(acabar  -mento), embora seja esta a f orma nominalizada do verbo acabar,
não se pode dizer que seu signif icado esteja reduzido somente ao ato de
acabar, mas também aos materiais que serão utilizados no procedimento
f inal de uma construção, como os azulejos, as torneir as etc. Em suma, o
signif icado f inal do processo não se reduz à junção das partes de signif icado
envolvidas no processo de f ormação.

Quanto à f ormalização das RFPs, a teor ia prevê as seguintes


especif icações:

I. O c onj u nt o d e pa l a vr a s c om as qu a is p o de s e o p er ar , c h am ad a d e “ b as e
da r egr a” ;
II. Um a m ar c a s i nt át ic a o u d e s ubc a te g or i zaç ã o c om a p a la v r a r es u l ta nt e;
III . Um a ú n ic a op er aç ã o f on o l óg ic a n a s u a bas e ;
IV . A c ar g a s em ânt ic a a p ar t ir d a s em ân t ic a da bas e d a r e gr a.

Se a morf ologia está interessada nas palavras possíveis da língua,


cumpre também ent ender por que existem restrições no acionament o de
algumas regras. Por exemplo, na RFP q ue se aciona na f ormação de f ormas
115
adjetivas em –vel, como, contar  contável ou amar  amável. No
acionament o da RFP em -vel, há restr ições sintát icas que selecionam os
ver bos de transitividade direta par a que seja produzida uma nova palavra.
Somente os verbos transit ivos diretos podem pr oduzir adjet ivos em–vel 18, a
regra X-vel vai atacar somente as bases que lhe são inter essantes para o
acionament o. Isso quer dizer que as RFPs têm acesso aos t raços sintát icos
das bases de regra. Da mesma f orma que as RFPs acessam os traços
sintát icos das bases, elas também alcançam os traços semânticos,
f onológicos, pragmáticos e morf ológicos. Um outro exemplo de restrição no
português é o acionamento da regra des-X, com a base nascer, cujo
acionament o produziria *desnascer. Neste caso a regr a considerou a
semântica da base para a restrição.

Há também traços r estritos aos morf emas e que são sensíveis às RFPs,
se a af ixação aconteceu adjacente ao morf ema. Um exemplo do português é
o -vel  -bil /___dade, por exemplo: amável  amabilidade.

Um conceito bastante inter essante par a a morf ologia de Ar onof f é o


bloqueio. Segunda esta restrição gramatical, o léxico est á arranjado de
acordo com as bases. Cada base tem uma f enda, ou um espaço semânt ico
próprio, ocupada por seu signif icado e não pode ser preenchido com mais de
um signif icado. Dest a f orma, quando há uma f orma pronta em uso na língua,
a morf ologia não per mite que haja o acionamento de uma regra que venha a
produzir uma outra f orma com aquela mesma base para um mesmo
signif icado. Um exemplo para o português é a palavra inovação que bloqueia
a emersão da f orma *inovamento. Outra contribuição nova à morf ologia dada
por Ar onof f são as once only rules ou, regras de uma única vez. Elas
apontam par a uma distinção entre as regras da morf ologia e da sintaxe. Par a
as once only rules, as RFPs da morf ologia são acionadas uma única vez e
acontecem de uma só vez. Assim, depois de acionada e produzida a palavra,
esta passa a ser um item do léxico do f alante. Depois de f ormada e
integrada ao léxico, a regra não mais ser á acionada quando o f alante ut ilizar
este item, ela se aciona apenas uma vez na f ormação da palavr a. Todavia,
as regras da sintaxe são constantemente acionadas a cada f rase enunciada,
ou seja, elas são sempre “montadas” à medida que vão sendo enunciadas
pelo f alante.

18
Cf. Salles e Mello, ( 2005)
116
4.7 KIP ARSKY E A M ORFOLOGI A LEXICAL

Kiparsky ( 1982) propõe uma teor ia morf ológica sugerindo uma


integração entre os componentes morf ológico e f onológico. Por essa razão
sua proposta é conhecida como Morf ologia Lexical ou Fonologia Lexical,
sendo, portant o, aplicável tanto à f onologia quanto à m orf ologia. Esta
relação entre morf ologia e f onologia, proposta por Kipar sky, se articula
mediante a construção da estrutura morf ológica das palavras que,
juntamente com as regras f onológicas, vai determinar a pr onúncia destas
palavras. Ou seja, f ormas morf ológica e f onológica acontecem de maneira
integrada. As RFPs, responsáveis por essa articulação, são parte do léxico
e, segundo a teor ia, estão organizadas em blocos ou estratos e dispostas de
f orma hierárquica no léxico do f alant e. Isto quer dizer que há níveis de
ordenação entre os estratos e suas r espectivas RFPs. Cada um dos níveis
of erece dif erentes processos e regras morf ológicas aos itens lexicais. A
ordem desses estratos ref lete o grau de complexidade do processo de
f ormação. Desta f orma, os processos de níveis mais altos, ou seja, os
processos que acontecem na morf ologia estrato 1 (S1) terão maior
complexidade e os estratos subseqüentes (S2, S3, Sn...) terão essa
complexidade reduzida gradativamente.

No modelo da Morfologia Lexical as línguas têm, pelo m enos, dois


estratos. Os af ixos, como parte integrante dos itens lexicais, estão também
condicionados em dif erentes estratos. Cada um dos estrat os traz as regras
morf ológicas de f ormação de palavras que, por sua vez, estão distribuídos
conf orme a complexidade do pr ocesso de f ormação e o grau de modif icação
acarretado da base da RFP. Em línguas que apr esentam somente dois
níveis em sua morf ologia, os processos e os af ixos do estrat o 1 são aqueles
que acarretam modif icações nas bases. Por esta razão, são os af ixos “não
neutros”. Estes af ixos estão mais perto da raiz da palavra e são
considerados como uma camada interna da palavr a, pois, depois de af ixados
e prontos, estes se const ituem como output do estrato onde ocorreu o
acionament o da regra. Mas, considerando a ciclicidade das regras, caso haj a
mais um af ixo a ser acondicionado, o output do estrat o 1 (como palavr a
pronta com base + af ixo) passa a input do estrato subseqüente onde se dar á
o novo processo. O desenho abaixo representa a or dem e as respectivas
camadas.
117

NÃO NEUTROS
(afetam a base) opose → oposite
ESTRATO
input output
1 • Base → raiz (input do S1) a ser afixada
• Mais perto da raiz da palavra (camada interna)
AFIXOS NEUTROS E COMPOSIÇÃO oposite→ opositeness
ESTRATO (não afetam a base) input output
2
• Base → raiz + afixo do S1 (input do S2 )

Um exemplo para o português de uma regra acionada do estrato 1 do


léxico é a X - e c e r . O grau de complexidade dest a regra envolve processos
parassintét icos e deslocamento do acento da base par a o af ixo, como em
“envelhecer”, “amadurecer” etc. Esta irregularidade e complexidade, na
morf ologia de nível 1, vai se ref letir na produt ividade da RFP. Por sua vez,
no estrato 2, encontr am-se os processos e os af ixos f onologicamente neutros
e, em línguas com dois níveis, pode-se dizer que estão em oposição aos
af ixos do estrato 1, uma vez que estes não causam alt erações drást icas nas
bases, são mais transparentes e r egular es. Estes atributos da transparência
e da regular idade têm grande importância para a produt ividade das RFPs na
língua.

Os inputs e outputs de cada estrato são sempre palavras da língua, o


que coloca a Morfologia Lexical no âmbito de morf ologia baseada em
palavra. As regras morf ológicas são parte das regras f onológicas e est as,
por sua vez, indicam como a estrutura f onológica ser á pronunciada. A f igura
abaixo é uma representação do léxico na Morf ologia Lexical.
118

Entrada de itens lexicais

Morfologia do estrato 1 Fonologia do estrato 1

Morfologia do estrato 2 Fonologia do estrato 2

Fonologia do estrato N
Morfologia do estrato N

Sintaxe Regras fonológicas pós-


lexicais

A f ormalização das regras lexicais é especif icada da seguint e f orma:

i. Com as c l as s es d as b as es a s er em af et ad as ;
i i. O af ix o a s er ut i l i za d o ;
i i i. O n de s e dar á o pr oc es s o d e af et aç ão ( pr ef ix o, s uf ix o ou inf ix o) ;
i v. A c l as s e da pa l a vr a q ue s er á o pr o d ut o d a RF P;
v. O es tr a t o do af ix o ( p r op r i e da d es ge r a is ) e o es t r a to a o q ua l e s tá
at a do .

As regras são cíclicas, ou seja, sua aplicabilidade pode ocorrer em


outros estratos da língua quando est es satisf azem as condições de estrutura
para que se acione a regra. Regras morf ológicas e f onológicas são
acopladas no mesm o estrato no léxico. As regras morf ológicas selecionam
os morf emas um a um para construir uma dada palavra. A palavra é então
submetida às regras do módulo f onológico do estrato que desencadeou a
regra morf ológica por exemplo: p r á t i k o  p r a t i s i d a d e . Portanto, as
regras f onológicas determinam a f orma fonológica da palavr a.

Representa um desaf io na morf ologia dar conta dos pr incípios que


determinam a seqüência dos morf emas na construção das palavr as. Para a
Morf ologia Lexical há seqüências que apontam para as RPFs da língua como
uma ordem f ixada. Dif erentemente da sintaxe, a morf ologia traz restr ições de
junção de alguns morf emas.

EX : -ecer → -ment o pobre  empobr ecer  empobrecim ento


119

Sendo -ecer um af ixo pertencente ao estrato 1, ele ser á acionado


primeiro par a a sua base “pobre”. Em um segundo momento, já como output
do estrato 1, a f orma produzida no neste estrato, empobrecer, entra com o
input do estrato 2, onde se encontra o af ixo –mento, e produ z
empobrecimento. Assim, a ordem dos morf emas obedece à hierarquia dos
af ixos e regras do léxico. Em suma, a Morf ologia Lexical sugere que quando
há uma derivação com af ixos do Estrat o 1 e Estrato 2, o afixo do Estrato 1
estará mais próximo da raiz que o af ixo do Estrat o 2. A ordem hierárquica do
estrato também determina a ordem do processo morf ológico, ou seja,
processo lexical do Estrato 1 precede o processo lexical do Estrato 2.

Quando as RFPs pertencem ao mesmo estrato, a regra f iltra a palavr a


inteira que será a base. Na suf ixação há a seleção da categoria gramatical a
ser tomada como base para o acionamento da regra. Assim, para adicionar
–less, por exemplo, a regra seleciona uma base [+ Nom inal], que, por sua
vez, r esulta do output da RFP com o –ness, conf orme pode ser obser vado
nos exem los abaixo:

-ness = A → N - ugly → uglyness


-less = N → A - care → careless
-full = N → A - power → powerful

Quanto à produtividade, o modelo prevê que quanto mais alto o estrato


do af ixo, maior a complexidade dos pr ocessos e menos tr anspar ência na
f orma produzida, o que vai ref let ir em menor produtividade. Por outro lado,
os it ens dos estratos mais baixos, têm maior simplif icação nos processos,
maior transparência nas f ormas e conseqüentemente, maior produt ividade
lexical. Porém há restrições para a produtividade e para o acionamento das
regras. São elas:

i. Co n d iç ão d e Cí r cu l o E st r it o - CC E
Com o es t ão c o nf i n ad a s a c a da c am ad a d e d er i vaç ã o ( no pr ó pr io e s tr a to ) , as
r eg r as n ã o p od em af e t ar es t r u tur as q u e s ã o c ons tr uí das f or a d e s e u es tr a to .
EX : ab l au t / i / → / æ / ( s i n g → s a ng) s ó af e ta it ens do S1
As r e gr as e os ef e it os c a us a d os p or e l a s f ic am c onf in a do s n os pr óp r i os
es tr at os .
120

ii. El s ew h e re C o n d it io n - E C
Ha v e nd o m ais d e um a r e gr a a s er a p lic a da , qu a l s er i a o c r it ér io a s er
ut i l i za d o na s e l eç ão e ntr e as s u as r egr as ? Com eç a- s e c om o pr o c es s o m ais
r es tr i to àq u el a r e gr a e o [ + g er a l ] s er á a pl i c ad o em “ e ls e wh er e” - a lh ur es .
Em ou tr as p a l a vr as , c as o n ã o haj a um a r e g r a m ais es p ec íf ic a , a m ais g er al
s er á ap l ic ad a .

iii . Blo q u e io - BL
Dif er e nt em en te da E C e d a CC E , o b l oq ue i o e n vo l v e r e gr as de es tr at os
d if er e n tes qu e s ã o [ + s em ânt ic a] e [- f on o l ó g ic a ]. N a d er i v aç ã o e na f l ex ão ,
qu a nt o m ais a l to o es tr a to , as id i os s i nc r as i as s ão m a ior es em r e l aç ã o aos
s i gn if ic a dos d os es tr a tos m a is b a ix os . S e há a p os s i b i l id a de d e s e ap l ic ar
af ix os d e S1 e S 2 à m esm a bas e h á t am bém di ve r g ê nc i as s em ân t ic as q ue
per m i tem a c ons tr uç ã o at r a v és d as RF Ps , ou s ej a , h á um tr aç o s em ânt ic o
qu e va i p er m it ir q u e s e ac io n em as d uas r e g r as .
Br o t h er s – S2 – ir mã o s
Br et h r en – S1 – ir mã o ( c o nf r ar i a)

iv . Co n d iç ão d e Ap a g am en t o d o s Co lc h et e s - C AC
A o f i na l d e c ad a es tr a to d e d er i v aç ão o s c o lc h e tes s ã o ap a ga d os . O
r es u l ta d o é um out p ut q ue é um a p a la vr a i n te ir a na e ntr a da d o no v o es tr at o.
Des ta f or m a, a r e gr a de ix a d e enx er g ar a e s tr u tu r a i n ter n a da pa l a vr a e el a
s er á tr at a da c om o u m todo n o i n p ut do n o vo es tr a to , j us t if ic a n do as s im o
es t at u to d e m or f ol og i a b as ea d a em pa l a vr a d a te or i a.

A CAC ref orça a CCE na medida em que só perm ite às regras


af etarem itens do pr óprio estrato.

4.8 AS M ORFOLOGI AS DE ARONOFF, HALLE E


KIP ARSKY: UMA COM P AR AÇÃO

Há dif erenças e semelhanças nos modelos morf ológicos de Halle,


Aronof f e Kiparsk y. O blocking, de Aronoff pode ser compar ado ao f iltro de
Halle, uma vez que este está equipado com “sensor es” de ordem pragmática
e podem rejeitar f ormas por quest ões de aceitabilidade e não somente
gramaticalidade. Para Kiparsky, as restrições gramaticais se apresentam nas
regras lexicais de preser vação de estr utura, quando o modelo impõe que
cada produto f ormado deve ser uma palavr a bem f ormada da língua. Por
121
outro lado, o bloqueio na proposta da Morf ologia Lexical se resolve na
estratif icação dos níveis dos af ixos, mas dentro de um critério semânt ico.
Halle e Kiparsky juntam f lexão e derivação em um mesmo pacote
morf ológico, que serão todos tratados no léxico. Aronoff trata apenas da
derivação. A f lexão e a clit icização, para ele, serão tratadas na sintaxe.
Aliás, essa posição, da corrente mais f raca da hipótese lexicalista, é uma
marca no trabalho de Aronoff , para quem os af ixos não são itens lexicais,
são parte das RFP, ou seja, são categorias f uncionais que se encontram f ora
do léxico. Dif erentemente da posição de Halle e Kiparsky, que consideram os
af ixos itens lexicais.

Para Aronof f , só vai para o dicionário o que não é produtivo, ou seja,


aquela palavra cujo sentido não é composicional. Por exemplo, no dicionár io
proposto por Aronoff, guarda-roupa não tem entrada no dicionár io, uma vez
que este possui sentido composicional, ao passo que cachorro-quente, por
não possuir sent ido composicional, tem entrada em seu dicionár io. Para
Halle, se as palavras que estão no dicionár io passar am pelo “f iltro” e não
sof reram restrições de ordem morf ológica, semântica ou fonológica, essa
palavra já é parte integrante do dicionár io.

Ambas teor ias est ão interessadas no conhecimento do f alante sobre o


léxico de sua língua, na maneira como este f alant e f az os julgamentos das
f ormas prontas e, principalmente, como ele produz novas f ormas que serão
integradas no léxico. Esta questão remete a um questionam ento mais geral
na morf ologia, que é a produt ividade na língua.

4.9 PRODUTIVIDADE M ORFOLÓGICA

O conceito de produtividade está ligado à capacidade cr iativa do f alante


nativo e relacionado intensamente às f ormas der ivadas. Pergunta-se então, o
que é a pr odut ividade e o que leva um item a ser mais produt ivo que os
outros elementos? Segundo Ar onof f (1976, p.35), “a produtividade ainda é
um de mistérios centrais da morf ologia derivacional. É a origem do estranho
e persistente f ato de que, embora muitas coisas sejam possíveis em
morf ologia, algumas são mais possíveis q ue outras”.
122
Um processo é produtivo na medida em que o f alant e pode g erar novos
exemplos do mesmo tipo, ou seja, quando o f alante o utiliza para gerar novas
palavras a partir de outro lexema. Assim, há também itens não-produtivos e
semiprodut ivos. A produtividade pode ser também reconhecida de acor do
com a maior generalidade de um dado processo, ou seja, quanto mais geral
um determinado art ifício de f ormação, mais produtivo será esse processo.

De acordo com Kat amba (1993 p. 72), a relação entre um a regra de


f ormação de palavr a produt iva e uma não-produtiva não é dicotôm ica. Os
elementos consider ados pr odut ivos est ão acom odados em uma linearidade
que f az com que as condições de dif erença entre eles sejam minimament e
percebidas, ou seja, estão em um continuum.

Outra questão relevante diz respeito à diacronia e à produtividade.


Pode haver relação entre produtividade e diacronia? Sabe- se que uma RFP
ou mesmo um item envolvido no processo de f ormação de palavra pode ser
recorrente em uma época da língua e t ornar-se impr odut ivo em outra época.
Neste caso, tem-se como exemplo, no português brasileiro, a produtividad e
do radical grego -dromo. Contrar iando a pref erência da lín gua de manter o
acento tônico na penúlt ima sílaba das palavr as terminadas em vogal, muito
se tem produzido com –dromo. Essas f ormas são sempre proparoxít onas.
Essa pref erência pela f orma esdr úxula deve-se ao f ato de o af ixo –drom o
trazer um traço f onológico que leva o acento à sílaba imediatamente anterior
a ele. Tem-se então: fumódromo, camelódromo, sambóbromo beijódromo etc.
Em situações emergenciais, a produt ividade se manif esta com as chamadas
f ormações esporádicas. Essas construções aparecem quando as condições
morf ossemânticas e discursivas se mostram f avoráveis à f ormação. Isto é,
havendo a presença de itens lexicais disponíveis e a sit uação discursiva
adequada, aliada à necessidade da palavra, a nova palavr a é imediatamente
gerada. Por exemplo, ficante para designar alguém com q ue se “f ica”, ou
ficódrom o lugar designado par a se “ f icar” com alguém. As f ormações
esporádicas não têm grandes possibilidades de permanência, elas tentem a
desaparecer. Por ém, algumas permanecem e são inst itucionalizadas pela
comunidade lingüística.

Se o af ixo –dromo se encontra em um momento pr odutivo no


português brasileiro, os derivados com –este e -esco , como em agreste e
pitoresco, não mais são atestados em novas derivações. Estes exemplo s
123
mostram a relação entre a diacr onia e a produt ividade morf ológica. Katamba
(1993, p. 70) declara que

“ ( …) no pr oc es s o de r ef i nar n os s a c om pr ee ns ão s o br e
pr o d ut i v i da d e, de v e m os c ons id er ar a d im ens ão de
tem po . V am os as s um ir qu e um pr oc es s o d e f or m aç ão d e
pa l a vr a é pr o du t i vo s e es t i ve r a t ua lm e nt e em us o.
Pr oc es s o c o n ge l ad o ou atr of i a d o ( …) p od e s er
c ons i d er a d o, p ar a p r o pós i tos pr á tic os , c om o v ir tu a lm ent e
im pr o du t i vo c on tem p or an e am ent e .”

No acionamento de uma RFP, os af ixos envolvidos selecionam


caracter ísticas categoriais que permitem que o processo possa ocorrer sem
entraves. Por exemplo, em português, para todo e qualquer adjetivo, pode-se
antever uma f orma adverbial f ormada com o suf ixo–mente. Tem-se então:
claro  clarament e, casual  casualmente, amável  amavelmente, incríve l
 incrivelmente etc. Estes exemplos apontam para as condições f avoráveis
de se operar em uma RFP com o suf ixo –mente, uma vez que a regra é
compat ível com todos os adjet ivos da lín gua, Com isto, assume-se que regra
X- m e n t e é de alt a produtividade em por tuguês. Há uma “ pref erência lexical
tendenciosa” em benef ício do X- m e n t e , pois, não sendo restrit ivo com as suas
bases, vai apresentar produtividade quantitat ivamente superior em relação
aos af ixos mais restritivos. Contudo, considerações exclusivamente quant o
ao númer o de output s possíveis de uma dada RFP não f azem justiça quanto à
maior pr odut ividade dessa r egra em relação a outra regra. Há outros f atores
envolvidos na condição de produt ividade. Aronoff (1976,p. 36) sugere uma
f orma de se chegar a um índice “ingênuo” de proporção de produt ividade de
uma RFP:

“ Co nt e o núm er o d e pa l a vr as q u e po d e m os im agi n ar
c om o ou tp u t d e um a da d a RF P . C on te o núm er o d e
pa l a vr as q ue es t ão r ea lm en t e oc o r r e n do f or m ad as p or
es t a r egr a , t om e a p r op or ç ã o d as du as e c om par e as
du as c om a m es m a p r op or ç ã o a go r a c om o utr a RFP.
Re a lm ent e , por m ei o des te m ét od o, po d e m os c heg ar a
um índ ic e in g ên u o d a pr o d ut i v id a de d e c ad a RF P: a
pr o p or ç ão p os s í v e l par a se a t ua l i za r d as p a l a vr as
l is t a das ”
124
Deve-se consider ar a relação entre produtividade e pr obabilidade. Uma
regra pode até produzir muito, mas a pr obabilidade nem sempre condiz com a
produt ividade. Um exem plo do inglês são os suf ixos –ness e –ity, ambos
f ormadores de adjet ivos a partir de nomes, por exemplo: felicity e happyness.
À primeira vista, ambos têm a mesma produtividade, mas a ocorrência de –
ness é cinco vezes maior em relação às ocorrências em –it y 19. As restrições
impostas pelas bases determ inam a dif erença de ocorrência, pois a RFP
solicita bases latinas para a f ormação em –ity. Aronoff (1976, p.51) declar a
que

“ T odas as p a la vr as c om o m or f em a –i ty , por ex em pl o,
s ão l at i nas . Is s o a p o nt a p ar a o f a to d e q ue to d as as
pa l a vr as c om a f orm aç ão X - i c i t y ( l u br ic it y, f e lic i t y) s of r em
‘ v el ar s of te n i ng ’ , q ue , c onf or m e o bs er v ad o, s om ent e s e
ap l ic a às f or m as l a ti n a s ”

Embora o número de ocorrência de palavr as seja super ior com X - n e s s ,


isso não implica a super ioridade produtiva de X - i t y . A com paração entre as
duas regras nos f ornece apenas a inf ormação do número de ocorrências e
não do que está sendo produzido. Um dado importante par a a discussão é a
impossibilidade de determinar as palavras possíveis de serem geradas por
uma dada r egra, ou mesmo as palavr as pot enciais de nossa morf ologia
particular, pois elas são geradas na medida em que necessitamos de uma
nova palavra. Isso implica dizer que a noção de lista de palavras é um a
construção purament e mental e abstrata.

Há também uma relação entre produtividade e transparência


semântica. Entre um item mais e outro menos transparente, o f alante vai
optar pelo mais transparente. Kiparsky (1982) estrat if icou a relação entr e
transparência e produtividade considerando os processos de nível 1 ( S1) (os
não-neutros) como processos menos tr anspar entes e menos regulares e
conseqüentemente menos pr odut ivos. Já os processos do estrato de nível 2
(S2) são mais regulares, mais transparentes e, portant o, mais produt ivos. A
f igura abaixo resume a relação entre estratif icação e transpar ência.

19
Fonte : WALTER, 1936 – apud ARONOFF (1976:36)
125
S1 [- transparentes]  - ous (significado vago) - herbivorous, glamourous
S2 [+transparentes]  -less (significado evidente) - homeless, shameless

Isso aponta para o fato de que o f alante tem sempre a certeza do que
está sendo gerado no acionamento da regra. Este dispositivo impossibilit a
um resultado semântico vago e vai ao encontro da morf ologia de palavr as
que diz que as regras oper am a part ir do signif icado das palavr as. Pode-se
af irmar que, para o f alante, a transparência semântica tem uma grande
represent atividade no reconhecimento do léxico, uma vez que um processo
produt ivo não result a em um item semanticamente vago. Conseqüentemente,
a coerência semântica é um traço de extrema importância para a
produt ividade.

Para ref orçar a idéia da relação semântica com a produt ividade há a


noção do bloqueio, que também opera com traços semânticos, e não permite
que uma palavra sinônima seja gerada por uma dada reg ra utilizando a
mesma base. Essa idéia leva à noção da inexist ência dos sinônimos
perf eitos na língua. Por exemplo: encantamento e * encant ação, viajant e e
*viajador (no português brasileiro). Quando o bloq ueio permite o
acionament o da regra é porque está reconhecendo traços semânticos
dif erentes no produto f inal da regra. Por exemplo: motoqueiro e motoboy
cantor e cantante, recepção e recebimento.
126

5. A MORFOLOGIA DO GUINEENSE

A morf ologia “lida com palavras potenciais: para dar conta de regras
produt ivas” (Rosa, 2002, p. 89), o que vai apontar para a pr odutividade das
RFPs (regra de f ormação de palavr as). Por sua vez, f alar em produtividade
remete ao escopo maior da criatividade humana, quando é possível que
dados limitados possam, por meio da competência do f alant e, gerar inf initas
possibilidades de realização. Essa propriedade inscrit a nos sistemas
lingüíst icos não poderia deixar de se m anif estar também em sistemas que
resultar am de uma situação inusitada de contato lingüístico, que é o caso
das línguas crioulas.

Contudo, a morf ologia não tem sido objeto de est udo muito f reqüente
na Crioulística, pois muitos estudiosos a consideram escassa nos crioulos
(cf . 2.3.3). Entretanto, alguns pesquisadores já tiveram o cuidado de olhar
para o guineense de f orma a perceber que as produções morf ológicas não
estão circunscritas às f ormas portuguesas (cf . Peck 1989; Couto 1994, 1996,
1999b, 2000, 2002c; Kihm 1994; Scant amburlo 1999 e 2002). Embor a os
trabalhos de Peck e Kihm estejam voltados para a sintaxe da língua, há
pontos de ref erência à morf ologia do guineense, especialmente o trabalho de
Kihm, que descreve a estrut ura de alguns compostos e algumas der ivações
guineenses (Kihm, pp. 125 – 140). Scantambur lo publicou dois volumes
int itulados “Dicionário do Guineense”, sendo o pr imeiro deles um apanhado
de notas gramaticais sobre o crioulo. O capít ulo dedicado à morf ologia ocupa
58 das 218 páginas da obra. Trata-se de notas descrit ivas que justif icam
seus estudos técnicos que resultaram no segundo volum e da obr a, um
dicionário bilíngüe de proporções inéditas no crioulo da Guiné-Bissau
(cf .1.3). Couto (1994) f az uma descrição detalhada dos processos
morf ológicos do guineense mostrando o inventár io dos af ixos e suas
manif estações nas produções guineenses. O autor também descreve os
processos composicionais que se manif estam dentro de um padrão cultural
bastante int eressante. Há ainda outros trabalhos, do mesmo autor,
dedicados à morf ologia como de 1999, 2000, 2002 e 2003. Enf im, esses
precursor es dos estudos da morf ologia do guineense demonstram que essa
língua vem produzindo novas palavr as com recursos morf ológicos resultados
do processo de gramaticalização do guineense.
127
5.1 COMPOSIÇÃO

5.1.1 Conceituação

A composição é o processo de f ormação de palavra que ut iliza, pelo


menos, duas bases lexicais, ou duas f ormas livres na f ormação de um a nova
palavra. À primeir a vista, podem-se caracterizar morfologicamente as
composições pela r igidez na ordem de seus const ituintes e a impossibilidade
de int ercalação de outros const ituintes entre seus componentes.

português
- gu ar d a- r o u pa e g u ar d a m u it a r o u pa

guineense
- o mi gar a nd i e om i mu i tu g ar a nd i
'sábio' ‘homem’ ‘muito’ ‘grande’

No exemplo acima, obser va- se que, quando adicionado um item entre


os constit uintes de um composto, im ediatamente este perde sua carga
semântica e passa a ser uma seqüência f rasal com conteúdo composicional.

Do ponto de vista da f ormação sintagmática, há composições que são


f ormadas com palavras da mesma categ oria gramatical, em uma relação de
coordenação entre elas. Esses compostos são chamados de copulat ivos ou
coordenativos.

português
- m e i a- c a lç a ou c a lç a- m e ia
guineense
- minjer-omi
' h o m o s s e xu a l f e m i n i n o '
'mulher' 'homem' (literal)

Nos exemplos acima, o resultado semântico da composição é obtido pela


soma dos signif icados dos componentes lexicais. Essa som a resulta em um
signif icado plenamente transparente, ou seja, uma semântica composicional.
De acordo com Aronoff (1976), a caracter ística da composicionalidade f az
com que tais compostos não sejam listados no dicionário.

Há também compost os com tendência à opacidade, o que ref lete em


sua produt ividade m orf ológica menor em relação aos transparentes. Nesse
tipo de f ormativo, a relação sintagmática entre os componentes é de núcleo
128
e especif icador. São os compostos subor dinativos ou exocêntricos.

português
- tr e m- b al a
Guineense
- f i ju - f e m ia 'filha mulher'
'filho' 'fêmea' (literal)

- k au d i s in ta ' l u g a r d e s e s e n t a r ' ' a s s e n t o '


'lugar' 'sentar' (literal)

Nos exemplos acima, a semânt ica dessas f ormações é da não


composicionalidade, o que leva a f ormações opacas e à menor
produt ividade. A opacidade desses itens lexicais f az com que sejam listados
como uma única entrada de dicionár io.

5.1.2 Grupo sintático e composição

Há compostos que apresentam uma estrutura no âmbito da f raseologia


da língua, são as chamadas de lexias complexas ( Pottier, 1970). A estrutur a
interna desses compostos, principalmente aquelas com estruturas de
orações relativas, como gi z de cera, copo de leite, barco de pesca etc,
apresenta uma conf iguração sintática quase sempre construída com base no
núcleo, com exceção dos compostos coordenativos, conf orme podem ser
obser vados abaixo:

Pasa ku mon ‘abusar’ Susu korson ‘mau caráter’


V
A

AP
V PP
pasa
A NP
Prep NP
ku susu N
N
mon
korson
129

Kusa di minjer ‘vagina’ Beija- for


N N

NP VP

N PP V SN
kusa beija
Prep NP
di flor
N
minjer

A sintaxe, por sua vez, gera as f rases da língua. Esse


compartilhamento de traços estrutur ais dos grupos sintáticos e dos
compostos result a em conf usão de ident if icação entre eles, ou seja, entre o
que é um grupo sintático e o que é um item lexical, uma vez que, quando
descontextualizados, apresentam a mesma estruturação sintagmática.
Porém, em uma situação de f ala, não apresentam dúvidas de signif icado ou
percepção de estrut ura para o f alante. Por exemplo:

português
- c op o d e l e it e ( f l or ) e c o p o d e l ei t e ( c o po c om le i te)
(Colher copo-de- leite) e ( B e b e r u m c o p o d e l e i t e 20)

guineense
- do n ak as a ' p r i m e i r a m u l h e r d o p o l í g a m o ’ e d on a k as a ‘ p r o p r i e t á r i a ’
(kuma ku bu donak asa comadu?) e (Kuma ku dona kasa comadu?)
‘Como se chama sua primeira mulher?’ ‘Com o se cham a a dona da casa?’

Nos exemplos acima, o f alante deduz os valores semânticos e morf ológicos


da composição com o um item lexical e conf igura o processamento dos itens
na estrutura da sent ença, conf orme seu valor discursivo.

Segundo Roth (s.d., p.75) “a avaliação de dif erentes cr itérios – f onéticos,


morf ossintáticos e semânticos – f az com que o conceito de composição sej a
discutido”. No âmbito da f ormação das palavras a inter penetração dos
componentes gramaticais é bastante aparente e nem sempre é possível uma
dist inção r ígida entr e os campos de cada um dos component es. Ainda assim,
alguns cr itér ios podem ser utilizados para distinguir lexias complexas das
composições. As lexias complexas, nos dom ínios da f raseologia, são
f ormações sintagmáticas eventuais, enquanto as composições são f ormações

20
O exemplo se refere à fala, quando o hífen não marca a diferença.
130
f ixas que se estabeleceram na língua como signo, o que as caracteriza como
lexemas. Sandmann (1977, p. 33 e 34) ar gumenta a f avor da semântica como
o melhor dos cr itérios de identif icação na dist inção dessas construções. Par a
ele, as composições “são ent idades est abelecidas em nossa cultura, como
que esteriot ipadas, com nomes permanentes” (Sandmann, 1997, p. 33). As
lexias complexas, que ele chama de “grupo sintát ico paralelo” “são
sintagmas da f rase produzidos ad hoc” e que outros lexemas podem ocupar a
posição dos componentes do grupo a qualquer o momento, o que vai gerar
outros grupos com a mesma estrutura sintát ica e uma relação semânt ica
entre o grupo novo e o antigo. Talvez f osse melhor f alar em distribuição
paradigmática dessas lexias. Obser ve-se os exemplos abaixo.

português
- tê n is d e m es a
- tê n is d e c a m po
- tê n is d e d u p la

guineense
fis o n fr ad i ‘ t i p o d e f e i j ã o ’
fis o n k o n go ‘ t i p o d e f e i j ã o ’
fis o n m a nk a ñ a ‘ t i p o d e f e i j ã o ’

Nota-se que a distr ibuição obedece uma relação paradigmática e há uma


relação semântica entre eles, uma vez q ue o núcleo semântico e sintático é
sempre o mesmo, porém o especif icador altera a semântica da lexia
complexa. Há uma tendência à relação de composicionalidade entre os
constit uintes, embor a não seja uma car acter íst ica constant e, como se pode
notar abaixo.

português
- Cas a d e c h á
- Cas a d a s o gr a
- Cas a d a m ãe jo a na

guineense
- Kau di s i nt a ‘ a s s e n t o ’
‘local’ ‘sentar’ (literal)
- kau di l a ma ‘ l a m a ç a l ’
‘local’ ‘lama’ (literal)
- kau di c ur ‘lugar de prestar condolências, velório’
‘local’ ‘chorar’ (literal)

Sint aticamente, com postos e grupos sintáticos ocupam os mesmos


espaços f uncionais na estrutura f rasal.

Câmara (1970, p. 71) considera “como uma classe única de ‘locuções’,


131
isto é, dois ou mais vocábulos f ormais associados int imamente na sentença”
e que seriam dist int os pelo f ato de a justaposição não poder ser suprimida
de nenhum dos componentes, enquant o essa supr essão é permitida nas
locuções.

Para Monteiro (2002, p. 184 e 185) o critério de Câmara não é válido


pelo f ato de muitas locuções apresentarem uma ordem f ixada na língua. Para
esse autor, o problema está em se interpr etar a composição com o
mecanismo da morf ologia, pois, para ele, “na maior ia das sit uações, tem-se
um processo de natureza sintático-semântica”. Monteir o se ref ere à
estruturação e ao comportamento sintático dos componentes, como o uso de
substant ivo e adjetivo que requer a concordância nom inal. Monteir o, porém ,
considera o aspecto semânt ico determinante na distinção entre eles, pois
quando traduz um conceito único, uma só unidade semântica pode ser
considerada como um sintagma f ixo.

Diante da discussão acerca dos grupos sintát icos ( Sandmann, 1997),


locuções (Câmar a, 1970) e lexias complexas (Pottier, 1970) , a questão que
emerge é a distinção de composição no âmbito da morf ologia, a partir da
qual f oram selecionados os dados de análise do guineense.

Duas caract er íst icas básicas dos compostos surgem dos ar gumentos
discutidos acima: i) semelhança com os processos sintáticos; ii) estrutura de
constit uintes, cuja construção f rasal det ermina a realização do compost o.

Embora a inter-relação entre sintaxe, semântica e morf ologia sej a


bastante marcada nos compostos, quando se obser va os traços morf ológicos
nas composições do guineense, assim como nas línguas em geral, é
possível apontar mais alguns traços caracter ísticos que os colocam nos
dom ínios da morf ologia. A saber:

i. Lex ic a l i zaç ã o – há c om pos t os ( e gr up os s i nt át ic os ) qu e s e e n c on tr am


l ex ic a l i za d os n a lí n gu a e s uj e i tos a m ov im e nt os s em ân tic os q ue p od em l e var
à n ão c om p os ic i o na l i d ad e , c om o em
- s us u bar i g a ‘m a u - c a r á t e r ’
‘sujo’ ‘barriga’ (literal)

ii. Nã o r ef er enc i a l id a de do e l em ent o q ue s e c ons t it u i c om o n ão- n úc le o na


es tr ut ur a c om pos t a – os e lem en t os q ue nã o t êm f unç ã o d e núc l e o d o
132
c ons t it u in t e se a pr e s en t am s em pr e c om a f unç ã o a tr ib u ti v a e s em
r ef er enc i a l id a de es p ec íf ic a :

a) [ [ J ú n i o r ] [ a r r u m o u u m a m i g o c a c h o r r o ] ]
b) [[Júnior] [arrumou um [amigo cachorro]]]

No ex em pl o ( a) , c ac h or r o se r ef er e a um a e nt i da d e es pec íf ic a,
d if er e n tem en t e de ( b) , q u e n ão t em r e f er ê nc i a es p ec íf ic a .

i i i. In te gr i da d e lex ic a l, qu e n ão p er m it e pr oc es s os s i nt át ic os n os
c ons t it u in t es , m as na ín te gr a d o c om pos to , um a ve z qu e s e u c om por t am ent o
s i nt át ic o n ão d if e r e d o c om por t am ent o d e u m a pa l a vr a da lí n gu a .

A distinção com base no signif icado dos grupos sintát icos em relação
às composições pode obscurecer o estatuto lexicológico das f ormações. No
Dicionár io do Guineense ( Scant amburlo, 2002, p. 311 e 312) muitas entradas
são, claramente, grupos sintáticos:

- k ob a d i g u ja ‘ b u r a c o d e a g u l h a ’
‘buraco’ ‘agulha’ (litreral)

- K ob a d i n ar is ‘f os s a n as a l ’
‘buraco’ ‘nariz’ (literal)

Embora o autor destaque essas entradas com marca gramatical de


‘lexia complexa’, a inclusão dessas lexias como entrada não é justif icada,
dada a caracter íst ica semântica de sua composicionalidade.

Katamba (1993, p.297) f az uma hier arquização da composionalidade


começando pelos itens mais baixos da hierarquia lingüíst ica at é os
constit uintes mais altos da hier arquia est rutural, a saber: morf ema > palavra
> compostos > f rase > sentença. Par a ele, quanto mais alt o na distribuição
hier árquica, maior a carga composicional dos constituint es. Os compostos,
considerados com um item lexical, e os grupos sint áticos est ão posicionados
em uma situação intermediária, entre o morf ema e a sentença. Esse
posicionamento aponta para a condição, por vezes, distr ibuída em ambos os
campos, composicional e não composicional, dada a linha do continuum
entre eles. Tanto que, gramaticalmente, isto é, dos pontos de vista sintát ico,
f onológico e morf ológico a dist inção de composto e grupo sintát ico é
obscurecida.
133

Embora ambos (compostos e grupo sintát ico) tenham a mesma


estrutura sintática, não f oram gerados no mesmo componente, o grupo
sintát ico f oi gerado na sintaxe e o composto, no component e lexical. Porém,
em uma análise descontextualizada, a semelhança estrutur al encobre uma
dist inção mais aparente entre eles.

Considerando que a sintaxe gerou o grupo sintát ico, ela somente va i


ter acesso à estrutura interna dest e grupo, sendo “cega” à estrutura interna
do composto. Este f ato aponta para a noção de hierarquização de
composicionalidade de Kat amba nos componentes da gramática (1993,
p.297), pois, quanto mais baixo na escala, maior a r igidez componencial. Da
mesma f orma, é possível obser var que quanto mais alto na escala
gramatical, mais f lexível para os processos sintát icos. Essa dist inção pode,
inclusive, det erminar uma separação no componente sint ático e morf ológico,
estando o componente morf ossintático posicionado em um campo f ronteiriço
entre eles. Quando um f enômeno lingüístico est á interagindo no componente
morf ossintático, as caracter ísticas de ambos estão aparentes, o que gera
problemas de análise e conceituação.

Se o tratamento sintático dado a cada um deles é dif erent e, como é


articulada tal dif erença na sintaxe? Como isso acontece? Mesmo depois de
gerada no componente sintático, a sintaxe terá acesso à estr utura interna da
estrutura f rasal. Já o lexema, uma vez acionada uma r egra do componente
lexical, o output da r egra é inacessível a movimentos sintáticos nas bases de
sua estrut ura, somente no âmbit o da f rase. Isso quer dizer que, ao assum ir a
f unção de const ituintes em sentenças, o composto estará protegido
estruturalmente por sua int egridade léxica. Seu tratamento pela sintaxe será
o mesmo de qualquer palavra da língua, independent ement e da const ituição
morf ológica de sua estrutura. É a chamada integridade lexical, cujo
comportamento gramatical prediz que f ormações compostas, simples ou
derivadas são tratadas como indivisíveis pela regras da sintaxe. Nesse
conjunto incluem-se também as expressões idiomát icas, pois as “ palavras
tendem a ser ref erencialmente opacas, com isso, é impossível enxergar
dentro delas ou f azer ref erência às suas partes” (Spencer , 1993, p. 42).
Essa propriedade das palavras f az com que sejam chamadas de 'ilhas
anaf óricas (anaphor ic island)', cujo m ecanismo não per mite que regras
sintát icas se apliquem a partes separadas das palavras, ou seja, não se
134
pode ref erir, em um a retomada anaf órica, a parte de uma palavr a composta,
mas ao seu todo, como se pode notar nos exemplos abaixo.
- [[Kau di sinta]i i puku, ii lunju]
‘Assentos são poucos, eles estão longe’

- [Kaui di jugu i lunju, ii ten koba di iran segu]


21’
‘Local do jogo é longe, ele tem buraco de iran segu

As noções de integridade lexical e de ilha anaf órica trazem uma leitur a


mais gramatical, com base em uma restrição marcada nos princípios das
línguas para dif erenciar grupo sintático de composição. Est e é o ponto que
marca a dist inção entre grupo sint ático e composição neste trabalho e o
critério para a seleção dos dados analisados. Assim, inclui-se no âmbito das
composições guineeses as f rases relativas com as car acter íst icas das
composições cit adas acima, sobretudo pela integridade lexical desses dados.
A predileção por esse critér io não invalida a importância dos cr itérios
semântico e morf ológico na delimitação dos vocábulos.

Há autores que estabelecem subclassif icações com base na


possibilidade de f lexão dos elementos constituintes dos compostos. Monteiro
(1986) considera como verdadeiros compostos portugueses aqueles que
admitem a marca do plur al somente no últ imo elemento da composição. Lee
(1997) distingue compostos lexicais e pós-lexicais, em um padr ão t eórico
estabelecido na Mor f ologia Lexical. Para Lee, os pós-lexicais, f ormados no
componente pós- lexical, têm a caracter íst ica de serem sintat icamente
transparentes por permitirem processos de f lexão, der ivação e concor dância.
Por outro lado, os lexicais, f ormados no componente lexical, são
sintat icamente opacos, isto é, não admitem f lexão, derivação ou
concordância em seus const ituintes. Lee teve como base o trabalho de D i
Sciullo & W illiams (1987), que dist inguiram os compostos em objetos
morf ológicos e palavr as sintát icas. Os objetos morf ológicos têm
comportamento sint ático de palavr a, m as são sintat icamente opacos. Já as
palavras sintát icas apresentam transparência sint ática entre os const ituintes.
Essa transpar ência não interf ere na f uncionalidade como um constituint e na
construção sent encial.

A Gramática Tradicional, por sua vez, utiliza critér ios f onológicos e

21
Cobra grande que equivale a sucuri brasileira, porém maior.
135
divide a composição em aglutinação e justaposição. Na aglutinação há
supressão de f onemas de um dos elementos, ao passo que, na justaposição,
os elementos constituintes se mantêm intactos na f ormação composta.
Talvez o cr itério utilizado na descr ição f onológica dos compostos esteja mais
ligado à diacronia, pois, sabe-se que as palavras sof rem desgastes f onéticos
ao longo de sua histór ia na língua. A própr ia GT costuma usar com
f reqüência o exemplo de filho de algo, que passou, com o tempo e o uso, a
ser fidalgo e aguar dente, que f oi água ardente, em tempos remotos da
língua. Cabe questionar se, sincronicamente, essas composições ( ainda)
existem na mente do f alante, ou se ele as interpreta como uma f orma
simples. Essa discussão será retomada em 5.1.4. Outra questão a ser
levantada no trat amento da GT é a ut ilização de processos que acontecem
na f onologia para a caracter ização morf ológica dos compost os, que é o caso
da aglut inação e da justaposição.

As subclassif icações de Mont eiro (2002) Lee ( 1997) e Di Sciullo &


W illiams (1987) não são aplicáveis aos dados do guineense, pois a f lexão
não é um processo produt ivo, tampouco regular no crioulo. Quanto à divisão
entre aglutinação e justaposição da GT, não é relevant e par a este trabalho,
pois, a descr ição tradicional se baseia nos contextos de líng ua escr ita, o que
também não é parte da realidade lingüíst ica do crioulo da Guiné-Bissau.

Basílio ( 1987) declara que a composição apresenta f unção semântica


de designação “que utiliza a estrutura sintática para f ins de criação lexical”
(Basílio, 1987, p.34) realizada por meio da combinação do signif icado de
duas palavr as “(...) onde se revela nit idamente a importância metaf órica na
engrenagem da criação lexical” (id.). Assim, a base para classif icação das
composições do g uineense part iu da obser vação das f ormações que
claramente apresent am a f unção denominat iva, f ormada por duas ou mais
entradas f undidas em uma única entr ada lexical par a o f alante e com
comportamento de uma palavra na constr ução das sentenças guineenses.

5.1.3 Os compostos no guineense

De acordo com Cout o (1994, p. 83) “talvez a composição sej a o único


processo morf ológico que se encontra em todos os crioulos e até mesmo nos
136
pidgins”, o que aponta para a produtividade dos compostos nos crioulos. Na
distr ibuição dos dados, os números ref orçaram as palavras de Couto, pois as
f ormações compost as que não apresentam nenhum cor respondente no
português represent aram 88%, ou seja, 247 do total dos 281 dados. Alguns
exemplos podem ser obser vados abaixo.

COMPOSTO SIGNIFICADO ESTRUTURA


biku di mama 'mamilo' P
N N
po di fidalgu 'parasitas vegetais' P
N N
duensa di pe moli 'paralisia' P
N NA
kau di sinta 'assento' P
N V
paja di kema pitu 'tabaco' P
N VN
korson findi 'pessoa com mau presságio ou NV
muito emocionada'
sol kamba 'ocidente' NV
sol mansi 'amanhecer' NV
bariga korta 'sentir cócegas' NV
mutur kansa 'motor avariado' NV
bagera mestra 'abelha rainha' NA
bias kuti 'viagem iminente' NExc
jon biku 'pessoa de umbigo grande' NN
mandita-fidalgu 'furúnculo pequeno' NN
pasa ku sonu 'adormecer' P
V N
fala ku sintidu meditar P
V N
fala fikadu 'discussão' VV

As 281 composições f oram extraídas do banco de dados do guineense


e de verbetes do Dicionário do Guineense (Scantamburlo, 2002). Foi adotada
a classif icação de Couto (1994), com uma divisão na semântica entre
compostos com transparência tot al, com transparência parcial e compostos
opacos. De acordo com a crença da transparência total nos crioulos, se não
todos os dados, pelo menos a maioria deveria apresentar transparência
semântica. Não f oi o que se revelou na análise, pois a tendência à
opacidade é nítida na análise das composições guineenses, e elas se
revelam mais recorr entes que as transparentes conf orme pode ser obser vado
no gráf ico abaixo.
137

As f ormações opacas representaram 64% do total dos dados, ou seja,


181 das 281 com posições guineenses. Por sua vez, as transparentes
somaram 100 f ormações, o que representou 36% dos dados, como se pode
ver alguns exemplos abaixo.

COMPOSTO SIGNIFICADO LITERAL


N'uñi bunda 'apontar o traseiro para alguém, como sinal de ‘inclinar’ ‘bunda’
desprezo'
padi di lifanti 'chuva com sol' ‘parto’ ‘elefante’
panga-bariga 'disenteria' ‘bater, amolecer’ ‘barriga’
paña cai 'apanhar em adultério' ‘apanhar’ ‘cair’
papia risu 'levantar a voz' ‘fala’ ‘dura’
pasa ku mon ‘abusar’ ‘pasa’ ‘com’ ‘mão’
pega biku 'pedir em casamento a criança recém-nascida ‘pegar’ ‘bico’
pega boka 'levar a mão à boca em sinal de espanto' ‘pegar’ ‘boca’
peteli-bunda 'abrir o traseiro na direção de alguém como desprezo ou ‘abrir’ ‘bunda’
mau-agouro'
pui mon 'responsabilizar-se por uma coisa' ‘por’ ‘mão’
raca-tara 'namorar' ‘rachar’ ‘ráfia’
riba-ku-tras 'recuar' ‘acima’ ‘com’ ‘atrás’
risu korson 'pessoa insensível' ‘duro’ ‘coração’
susu kabesa 'mal caráter' ‘sujo’ ‘cabeça’
susu korson 'pessoa má' ‘sujo’ ‘coração’
susu bariga 'pessoa má índole' ‘sujo’ ‘barriga’

São bastante recorr entes nos dados f ormações que apr esentam uma
carga cultural lexicalizada na signif icação do composto, o que aumenta sua
condição de opacidade, como se pode ver na tabela abaixo.

COMPOSTO SIGNIFICADO LITERAL


Alma biafada ‘pássaro’ ‘alma’ ‘beafada - etnia’
kacur di jemiu 'nascido após parto de gêmeos' ‘cachorro’ de ‘gêmeo’
iran di fanadu 'espírito protetor dos fanadus' ‘demônio’ de ‘cerimônia do
fanado”
jon biku 'pessoa de umbigo grande' ‘joão’ ‘bico’
padi di lifanti 'chuva com sol' ‘parto’ de ‘elefante’
laba lua 'menstruar' ‘lavar’ ‘lua’
manda kabas 'ritual de mandarcabaça com presentes para ‘mandar’ ‘cabaça’
os pais da pretendente'
138
npina kabesa 'gesto ritual que significa reconhecer o ‘empinar’ ‘cabeça’
próprio erro'
peteli-bunda 'abrir o traseiro na direção de alguém como ‘abrir’ ‘traseiro’
desprezo ou mau-agouro'
mara panu 'deflorar' ‘amarrar’ ‘pano’
paja di kima pitu ‘tabaco’ ‘palha’ ‘queimar’ ‘peito’
Alma biafada ‘pássaro’ ‘alma’ ‘etnia africana’

Nos exemplos de acima, a signif icação cultural vem marcada em uma


posição de reentrada lexical, como uma camada sobr eposta à camada
morf ológica. Par a a Teoria Lexical, houve uma r eentrada no léxico, em um
movimento cíclico. Sua condição idiossincrát ica é ref orçada, pois est a se
encontra posicionada no extremo da idiomatização, ou seja, quando o signo
só se completa com signif icante e significado dentro de um recorte social e
territorial delimitado, desde que os usuários compartilhem o dado cultural
relevante à signif icação. Morf ologicam ente esses compost os são gerados
pelas mesmas regras dos outros compostos, porém, com uma camada a mais
de signif icado, como se pode ver na f ormalização abaixo.

- alma beafada
[ [ [ a l m a ] N [ b e a f a d a ] N ]SIGNIFICADO CULTURAL] N

De acor do com Aranha & Martins (2003) , quando se diz que o contato do
mundo com o ser humano é intermediado pelo símbolo, a cultura é o
conjunto de símbolos elaborado por um povo. Na aquisição de língua, a
criança é imersa em dados e valores culturais já estabelecidos em sua
comunidade e a apreensão dos sím bolos vem marcada com os valores
sociolingüíst icos sociais e culturais. A carga cultural, no exemplo acima,
veicula a crença de que o pássaro alma beafada é portador da alma dos
antepassados da et nia beaf ada. Quando da morte de um ‘omi-garandi ’, com
uma conduta respeitável entre os membros da comunidade, a alma do
f alecido passa a viver no corpo do pássaro. Há também gestos com
signif icados culturais costumeiros que são realizados lexicalmente, como a
doação de uma cabaça com presentes à f amília da pr etendente no moment o
do pedido de casamento. Essa prática social gerou a carga cultural em
manda kabas ‘mandar cabaça’. Outro exemplo é a crença de que, quando
nasce um elef ante, mesmo que haja chuva, o sol aparece. O componente
cultural se manif esta na carga semânt ica de padi di lif anti, que literalmente é
‘parto de elef ante’, mas como entrada de dicionár io signif ica ‘chuva com sol’.
139
Quanto à pref erência estrutural das f ormações compostas guineenses,
a distr ibuição dos dados se deu da seguinte f orma:

Preferência Estrutural

2
12
140

VN
120

100

80

15
õ es
46
60


NA

39
N

o rm
NP

ai s F
40

17

14

14

De m
NN

NA

VA
5

4
N

5
20

xc
VP

NV

Ve
0
VN 122 NA 46 TOTAL NPN 39
NN 17 NA 14 VA 14
NV 5 VPN 5 Vexc 4
Demais Formações 15
22
Legenda

As composições preposicionais são menos produt ivas no guineense. Dos


281 dados, soment e 17%, ou seja, 49 deles apresentam preposições em
suas estruturas. A distr ibuição quantitativa entre elas pode ser notada no
gráf ico abaixo.

Sem
Preposição
232
83%

Com
Preposição
49
17%

22
Legenda: N – Nome; V – Verbo; P – Preposição; A – Adjetivo; Num – Numeral; Exc – Partícula Exclusiva
140

Das 49 f ormações compostas com preposição, 39, ou seja, 90% das


composições preposicionadas, têm a est rutura N P N – Nome+ P r e p o s i ç ã o + Nome,
com a seguinte estrutura morf ológica:

- [[dur]N [[di]P[kutuvelu]]N]N

Depois das f ormações N P N, a mais recorrente f oi a V P N, como


Verbo+ P r e p o s i ç ã o +Nome, com apenas 5 f ormações, o que representa 10,2% do
total das composições preposicionadas. São elas:

COMPOSTO SIGNIFICADO
'embebedar-se a ponto de revelar seus
bibi di jikindur segredos'
pasa ku mon ‘abusar’
tira na mama 'desmamar'
pasa ku sonu 'adormecer'
fala ku sintidu 'pensar'

A f ormalização das estruturas dos dados acima não é dif erente das
estruturas portuguesas também pr eposicionadas. Esse tipo de combinações
sintagmáticas, de cunho descr itivo, é recorrente no português. Tanto para
composto como para grupos sintát icos paralelos, principalmente aqueles que
podem par ecer f rases relat ivas, como folha de papel, que equivale à folha
que é de papel. No português são f reqüentes denom inações com este s
grupos sintát icos, no qual o segundo elemento é especif icador do pr imeir o,
em uma relação de núcleo e especif icador.

As preposições “têm apenas uma grande propr iedade: regem um


sintagma nominal que as segue. Formando com ele uma unidade sintát ica
maior” (Trask, 2004, p.234). Esse t ipo de estrutur a preposicionada não é
recursiva no guineense, principalmente na variedade mais basiletal, o que
leva à hipót ese de que essas f ormações são t ípicas da var iedade acrolet al
do crioulo, ou seja, são f ormações que parecem ter entrada mais recent e no
crioulo, conf orme exemplif icadas abaixo.
141

COMPOSTO SIGNIFICADO

bicu di po 'cupim de madeira'


bicu di pe 'barriga da perna'
jidiu di kaneta 'poeta, jornalista'
falta di sibi 'desconhecimento'
lus di mon 'lanterna'
basia di kama 'urinol'
duensa di pitu 'tuberculose'
guarda di kurpu 'talismã'
iagu na uju 'lágruima'
iagu di po 'seiva'
kau di baju 'salão de festa'
kau di cur ‘local de velório’
lanpada di mon 'lanterna'
roda di mar 'litoral'
saida di sol 'oriente'
arku di pua 'broca'
anju di guarda 'anjo da guarda'
dita di kosta 'negar'
duensa di pedra 'amigdalite'
duensa di sancu 'tétano'
faka di atorna 'vingança'
kuku di obu 'testículos
kriadu di Deus 'louva-deus'
mama di bunda 'nádegas'
omi di jinti 'pessoa respeitável'
dur di kutuvelu 'inveja'
kusa di minjer 'menstruação' ‘vagina’
biku di bariga 'umbigo'

Na aquisição de L1 e L2, as f ormas lexicais são adquir idas


previamente em relação às gramaticais, como pode ser observado na f ala de
criança em f ase de aquisição de língua. Sapir (1971, p.70), af irma que “o
método mais simples, pelo menos mais econôm ico, de indicar qualquer
espécie de noção gramatical é justapor dois ou mais vocábulos numa ordem
def inida”. Essa é a f orma menos marcada para o processo de composição.
Esse f enômeno também é obser vado na gramaticalização das línguas
crioulas com a ut ilização da justaposição de elementos lexicais como
articulação recursiva. Nos dados do guineense a estrutura classe lexical +
classe lexical é a m ais produt iva e recorrente, em uma pr oporção de 5 para
1 23 em relação às f ormas preposicionadas. Na tabela abaixo há exemplos
dessas f ormações.

COMPOSTO SIGNIFICADO

bicu kabelu 'bicho cabeludo'


dona-kunbosa 'sogra com comportamento desrespeitoso com o genro'
iagu-ceru 'colônia'

23
232 formas sem preposição e 49 com preposição
142
karta-lica 'lixa'
omi minjer 'homossexual'
aju-poru 'alho poró'
amaña-parmaña 'a manhã do dia seguinte'
radiu-ovinti 'ouvinte de rádio'
sol noti 'anoitecer'
falta rispitu 'insultar'

Nessa perspectiva, as f ormações preposicionadas no guineense


surgiram somente quando a gramática f oi criando cor po recursivo e se
consolidando. Assim , posteriormente às estruturas que utilizavam soment e
elementos lexicais, as preposicionadas f oram emergindo no léxico e ali se
instalar am como entr adas.

Ressalta-se que o português, o crioulo e as línguas étnicas convivem


em um mesmo cenário sociolingüístico na Guiné- Bissau, com o português
com estatuto de língua of icial e do ensino f ormal. O prest ígio tem um papel
f undamental nas atualizações léxicas. Porém, das 49 f ormações
preposicionadas, apenas 4 têm equivalentes compostos em português, são
elas:

COMPOSTO SIGNIFICADO

dur di kutuvelu 'inveja'


arku di pua ‘broca'
anju di guarda 'anjo da guarda'
arku di beja 'arco-íris'

Comparat ivamente, nos dados sem preposição, a ocorrência de f ormas com


equivalent es compostos no português f oi de 15 itens. Alguns exemplos
podem ser obser vados na tabela abaixo.

COMPOSTO SIGNIFICADO

arku-iris 'arco-íris'
aju-poru 'alho poró'
apara-lapis 'apontador'
arami-farpadu 'arame com farpas'
bas-sinadu 'abaixo-assinado'
batata-dos 'batata doce'
ben-aventuradu 'muito feliz'
ben-idukadu 'cortês'
143
jardin infantil 'escola de crianças'
kala boka 'silenciar'
kiri mal 'detestar'
para lápis 'apontador'
ama-seku 'pessoa que cuida de criança'
astru-rei 'sol'
beja-flur 'beija-flor'

Há também itens que, embora não tendo um equivalente como


composto, são grupos sintát icos bastante recorrentes no português. Essas
f ormas f oram tomadas em sua realização f onética no todo sintagmático,
tendo a construção sintát ica como input. Contudo, o signif icado nem sempr e
condiz com a relação composicional em pregada no português, ou seja, trata-
se de um signif icado lexical como uma única entrada de dicionár io própria do
crioulo com grupos sintát icos que f oram “tomados” do português. Como se
pode abaixo.

COMPOSTO SIGNIFICADO

abri-lata 'abridor de latas'

bida sukuru 'escurecer'

donakasa 'primeira mulher de um marido polígamo'

dosa kara 'disfarçar os sentimentos'

kusa di minjer 'menstruação'

Os dados em que a estrutura apresenta um núcleo com um atributivo


adjetival somaram 62 itens. Exemplos desses dados podem ser obser vados
na tabela abaixo.

COMPOSTO SIGNIFICADO ESTRUTURA

linpu kabesa 'pessoa honesta' AN


linpu konson 'pessoa sincera e de bom caráter' AN
risu korson 'pessoa insensível' AN
susu kabesa 'mal caráter' AN
susu korson 'pessoa má' AN
susu bariga 'pessoa má índole' AN
taja preña 'evitar gravidez' AN
macu minjer ' homossexual feminino' AN
kinti-sangi 'fogoso' AN
lebi boka 'pessoa leviana com as palavras' AN
risu boka 'pessoa teimosa' AN
sabi jubi 'ser bonito de se ver' AV
iran-segu 'jibóia' NA
figa kañota 'figa com mão esquerda para esconjurar o NA
144
mau presságio'
bagera-brabu 'vespa' NA
bariga-gros 'barrigudo, parturiente' NA
jinti-garandi 'anciãos' NA
ermon garandi 'irmão mais velho' NA
baka-bajuda 'novilha' NA
baka-brutu 'gado selvagem' NA
baka-femia 'vaca' NA
baka-kapadu 'boi' NA
baka macu 'touro' NA
dedu-garandi 'polegar' NA

As estruturas dest es exemplos podem apresentar duas análises


estruturais. Uma delas é a estrutur a apr esentada acima, segundo a qual há
uma relação núcleo e modif icador. Na segunda análise, ainda na relação
constit uinte de núcleo e modif icador, a estrutura pode ser analisada como
NN, ou seja, Nome + Nome.

Dois traços f ormais dividem as classes lexicais, que são: [±N] e [±V].
Enquanto a preposição é negativa par a os dois traços, o que a coloca no
escopo das classes f uncionais, e não das lexicais, o adjetivo é positivo para os
dois traços, ou seja, é [+V] e [+N]. Tant o que “a separação entre substant ivos
e adjetivos é tão pouco marcada que há razões para duvidar da existência de
duas classes dist int as” (Per ini, 2003, p. 321). A existência dos traços que não
são coincidentes entre as duas classes aponta para uma redistribuição
categorial e a existência de subclasses de adjetivos e substant ivos. Essas
subclasses são divididas, f uncionalmente, dentro de alg uns cr itérios, em
especial, ao crit ério de padrão de f uncionalidade. No guineense muitas
palavras podem se posicionar como núcleo de sintagma nominal [+NSN], que é
a caracter ística maior dos nomes, mas também podem ocupar a posição de
modif icadores [+ Mod]24.

No caso dos compostos guineenses, a questão não se lim ita a uma


transposição de cat egorias - de nome para adjet ivo - mas de uma condição
lexical que permite que essas palavras apresentem tanto o traço [+NSN],
quanto o [+Mod], o que possibilita sua transição f uncional em ambas as
direções.

24
No português também há essa marcação nos nomes e adjetivos, embora no guineense seja mais comum.
145
Há outros traços sig nif icat ivos que caracterizam cada uma das categorias
lexicais em uma distr ibuição dif erente. Cabe invest igar a int erpretação
categorial dada pelo f alante guineense em cada uma das classes lexicais,
especialmente nos nomes e nos adjetivos, o que vai indicar os traços que
marcam suas posições lexicais e f uncionais no léxico guineense. Quanto aos
compostos, alguns dados são bastant e categóricos e indicadores da f ragilidade
f ronteiriça entre os adjetivos e os nomes, como os dados na t abela abaixo.

COMPOSTO SIGNIFICADO

risu boka 'pessoa teimosa'


risu kabesa 'teimoso'
risu mon 'avarento'
risu korson 'pessoa insensível'
papia risu 'levantar a voz'
brinka sabi 'divertir-se muito'
cera sabi 'cheirar bem'
sabi jubi 'ser bonito de se ver'
sabi kunpu 'fácil de fazer'

Nos dados acima, vê-se que a posição em relação à estrutura não é indicadora
das f unções de modif icadores e núcleo. Quant itativament e, a estrutura NA
parece ser a pref erida do guineense, pois se apr esent ou 3, 2 vezes maior que
os dados de estrut uração adjet ivo+nome – NA. Essa estrutura é também a
menos marcada no português, que, além de ser a língua lexif icadora, tem o
prest ígio e o ensino escolar como ref orçadores de seus traços.

5.1.4 Composição ou Derivação?

No estruturalismo, quando o morf ema era considerado como element o


m ínimo de som e signif icado, composição e der ivação se dist inguiam,
principalmente, na estrutura interna da palavra. A composição se estrutur a
na base de duas palavras da língua que, juntas, f ormam uma terceira
palavra, com um signif icado f inal dif erente de suas bases. Essa
caracter ística a dif ere da derivação, que usa, no acionamento da regra, uma
f orma livr e, supostamente uma palavr a da língua, e uma f orma presa ou seja,
uma base lexical e um af ixo gramatical. Os af ixos são elementos gramaticais
que têm, geralmente, uma lista f ixa e f echada para novos af ixos na língua, o
que não acontece com as bases lexicais, que, além de estarem em
146
constant es alterações, são numerosas. Do ponto de vista semântico, os
af ixos contêm idéias mais gerais, em oposição às bases, que têm idéias
mais particulares. Isso quer dizer que na derivação, com a utilização de base
mais um af ixo, acontece a junção de uma idéia particular e um a
generalização dada pelo af ixo. Na composição há uma junção de duas
idéias particular es que se unem para gerar uma terceir a idéia, também
particularizada. A essa nova idéia recém-f ormada, pode ser af ixada uma
generalização mediante um processo de af ixação. Por exemplo,

ka + bali  kabali
'partícula negativa' 'vale' 'sem valor'

kabali + -ndadi  kabalindadi


'sem valor' 'suf. N[+abstratos]' 'atitude sem valor moral'

No exemplo acima, tem-se uma f ormação aut óctone, composta de ka


'part ícula negativa' e bali ' vale', cujos componentes são duas f ormas livres
da língua. A estrutura interna da f orma derivada kabalindadi é kabali ‘sem
valor’ mais o suf ixo f ormador de substantivos abstratos -ndadi, que atribuiu
ao signif icado mais particular de kabali, a idéia que o coloca como mais
geral, com o processo da af ixação com –ndadi. Além da idéia geral, a regra
de f ormação veicula inf ormações gramaticais que indicam a posição de
kabalindadi na estrut ura sint ática, no caso, núcleo de SN.

A composição precede o pr ocesso da derivação da perspectiva da


aquisição dos processos morf ológicos. Do ponto de vista sem ântico, a junção
das noções de par ticular idade é anter ior às noções mais gerais. Esse
f enômeno f az um corte bastant e incisivo entre os processos de derivação e
composição para o modelo teórico da Morf ologia Lexical. Considerando que
o modelo propõe que os processos de der ivação e composição são
acondicionados em dif erentes estratos, a ordenação desses pr ocessos
acontece em momentos dif erentes, dadas as caracter íst icas gramaticais de
cada processo. A composição é fonologicam ente mais neutra, mais
transparente e, embora acontecendo diretamente nas bases, não result a em
processos f onológicos, mantendo o padrão acentual de suas bases. Tanto
que Câmara (1970) considera os f ormativos compostos como dois vocábulos
f onológicos e somente um vocábulo f ormal. Na der ivação, o
desencadeamento de processos f onológicos é mais recorrent e e a opacidade
tende a ser mais aparente. Quando a Morf ologia Lexical dist ribui der ivação e
147
composição em estratos dif erentes na hier arquia do léxico, tem-se então
uma separação que, segundo o modelo, é estabelecida na conf iguração do
léxico do f alant e. Tanto que, de ka+ bali até kabalindadi, os processos
acontecem, não somente em momentos dif erentes no léxico, mas com inputs
e outputs não coincidentes, possibilitado pela ciclicidade das regras de
f ormação, a saber:

i. tem - s e d uas e n tr a d as de in p ut : k a e b a l i;

(ka)neg (bali)V  [(ka) neg + (bali)V]N  kabali


i i. tem - s e o o ut p ut d o m o de l o c om o k ab a l i;

i i i. k ab a l i é um a no v a en tr ad a l ex ic al , p o is a c o n d iç ã o d e a pa gam en t o d e
c o lc h et es ( C A C) é ac i on a da , o qu e r es u l ta em um out p ut q u e é u m a pal a vr a
i nt e ir a . D es t a f or m a, a r egr a d e ix a d e e nx er g ar a es tr ut ur a i nt er na da
pa l a vr a e es t a, p or s e u t ur n o , s e c om por t a c om o um a no v a en tr ad a, um no vo
i np ut par a o es tr at o o nd e s er á ac i on a da a r egr a d e d er i vaç ã o c om - n d ad i ;

(kabali)N  [(kabali) N + -ndadi] N [+abstrato]  k a b a li n da d i


i v. O o u tp ut ag or a é k a ba l in d ad i .

A CAC (condição de apagamento dos colchetes), no caso acima,


ref orça a idéia de uma nova entrada lexical dentro do escopo maior da
morf ologia de palavras, tanto que as condições semânt icas e gramaticais
dadas pelo af ixo se ref erem ao todo, não às partes que com põem a palavra.
Nessa separação, a integridade lexical é garant ida, o que ref orça o
argumento da palavra f onológica, ao mesmo tempo em que distribui
derivação e composição em dif erentes condições lexicais. Ainda que a
regularidade da der ivação com o -ndadi dispusesse a RFP no mesmo estrato
da composição, no modelo lexical do guineense, os momentos de
acionament o de ambas não são coincidentes, tampouco os inputs e outputs.

Essa separação da composição e da derivação em processamento de


níveis já f oi proposta em Sigel (1979) (cf . Spencer, 1991, p. 79), com a
noção de f ronteira de morf emas (+) e de palavras (#).

Contudo, nem sempre a dist inção entre derivação e composição é


clara, t ampouco a separação entre af ixo e radical é resolvida no âmbit o das
f ormas presas e livr es, proposta por Bloomf ield (1933) (cf . 4.3). O exemplo
clássico para a discussão é conhecido na literatura como cran morphemes.
148
Nas f ormações blueberry e blackberry, temos dois adjetivos que entraram
nas f ormações, blue e black, que, além de f ormas livre na língua, são
especif icadores de berry, que é um nome e o núcleo da composição. A
questão é: qual o conteúdo f uncional, semântico e gramatical de berry?
Pode-se ainda acrescentar à discussão palavras como cranberry,
huckleberry, strawberry, gooseberry, raspberry, cujo posicionamento de
berry agora é de determinante, precedido por um modif icador que é um
nome. A questão está no f ato de que nem sempre esses nomes, utilizados
nas f ormações com berry, são f ormas livres na língua. Cran e huckle, além
de não ser em palavras do inglês, só aparecem nessas f ormações. Straw,
goose e rasp, como f ormas livres signif icam respect ivament e: canudinho de
ref rigerante, ganso e lima. “Embora tenham a mesma f orma, não há razão
para assum ir que esses elementos sejam semant icamente relacionados”
(Katamba, 1993, p. 323). Mas o que é evidente é que não apresentam
signif icado, tampouco f unção gramatical, ainda que marquem a dif erença
entre uma palavra e outra. Uma f orma de análise é considerar as cranberry
words como um t ipo de composição em que um dos componentes é uma base
presa. Esse tratamento implica pensar em cada uma das cranberry words
como uma entrada única no léxico, com o signif icado dado somente pelo
todo, e não pelas partes, que é a solução de Anderson (1990 – apud
katamba 1993).

Outro problema que se coloca na f ronteira entre derivação e


composição diz respeito aos compostos neoclássicos com o pluviômetro e
falocracia, pois a análise como composição vai depender do conheciment o
f ilológico do f alante, caso contrário, será analisado como um todo, da mesm a
f orma que cranberry. Outra possibilidade de análise pelo f alante é dada pelo
conhecimento de palavr as como democracia, ar istocr acia e burocr acia,
termômetro, barôm etro e mesmo baf ômetro. A recorrência de palavras
terminadas em -cracia e -ômetro, que ocupam o mesmo espaço estrutura l
dos suf ixos nas palavr as, mais o f ato do f alante não reconhecer tais
morf emas como f ormas livres. Pronto. Com esses traços o f alante julga estar
diante de um processo de suf ixação. Da mesma f orma que ocorre o
julgamento como suf ixação, se a recorr ência f or do pr imeir o elemento da
estrutura morf ológica, pode ser julgado como pref ixação pelo f alante.
Todavia, tem-se um problema com essa análise. Se o f alante julgar todos os
elementos constituintes como af ixos, tem-se então uma f ormação com dois
elementos gramaticais e nenhum lexical, o que é agramatical. Esse f ato
149
descarta essa possibilidade de análise lingüística mais ref inada.

Palavras como “sem -teto” e “marceneiro” têm, respect ivamente, af ixo


que pode atuar com o f orma livre e uma base que não pode ser f orma livre.
Como conseqüência, a condição de ser f orma presa a uma base lexical dos
af ixos, e de comport ar-se lexicalmente livre das bases f icam instáveis, dadas
as condições de análise intuitiva do f alante para os casos especif icados
acima. Esse assunto f oi abordado em 4.3.

5.2 REDUPLICAÇÃO

A reduplicação consiste na cópia do material f onético da base de uma


palavra e a adjunção dessa f orma copiada junto à base lexical. Esse
processo é acionado para f ins gramaticais e tem a tendência de copiar
constit uintes da base, porém, “o material reduplicado pode ser uma palavra
inteira, um morf ema inteir o, uma sílaba ou uma seqüência de sílabas”
(Spencer, 1995, p. 150). Como qualquer outro pr ocesso morf ológico, a
reduplicação leva a mudanças na base. Essas mudanças proporcionam a
acomodação do signif icado da base ao contexto sintático ou discursivo do
f alante por meio da recursividade da língua, o que implica f ormas
reduplicadas semântica e gramaticalmente distintas das bases que a
geraram.

O estatuto gramatical da reduplicação não é consensual entre os


lingüistas. Há aqueles que a consider am como processo de af ixação, outros
como composição ou mesmo como um processo de f ormação, juntamente
com a af ixação, e a composição, que é o caso de Sapir (1971). Para aqueles
que consideram a reduplicação no âmbito da composição, a base
argumentativa está na gênese dos processos morf ológicos e das línguas em
geral. Já aqueles que consideram a reduplicação como processo de
af ixação, tem uma olhar voltado para as questões gramaticais nos moldes
sincr ônicos, sem considerar o processo de gramaticalização, bastante
relevante para os cr ioulos. Enf im, trata-se da ant iga disput a entre os pontos
de vista sincrônico e diacrônico: para os crioulistas, a diacronia é bast ant e
revelador a das articulações cognit ivas de uma língua crioula, consider ando
que os f atores históricos e sociolingüísticos do crioulo ref letem na
150
construção de sua g ramática e, consequentemente, nos processos recursivos
que se apresentam no plano sincrônico.

Para o guineense os dados de reduplicações parecem obscurecidos


para uma separação somente no context o gramatical, ist o é, sem considerar
o percurso de gram aticalização e marcação dos parâmetros que apontam
para caract er íst icas dos crioulos de modo mais generalizadas.

Rosa (2002, p. 53-55) não se posiciona de f orma declarada sobre o


estatuto gramatical das reduplicações em sua descr ição, sua posição é
revelada quando considera o morf ema reduplicado como um af ixo, o que
implica não considerar a reduplicação como processo com posicional. Par a
ela, a f orma reduplicada é “uma modif icação de r aiz, q ue consiste na
repetição de toda ela ou parte dela”.

Para Katamba (1993, p.180), a reduplicação consist e em “um processo


em que um af ixo é r ealizado com mater ial f onológico emprestado da base”.
Trata-se de um processo peculiar, pois introduz um af ixo subespecif icado
f onologicamente que apreende sua r epresentação f onológica copiando a
seqüência sonora da base. Este mat erial tem o propósito de ser vir à
derivação e f lexão. Porém, o conjunt o de f unções não t em muita amplitude,
nos verbos pode indicar marcas aspectuais, modais e temporais. Nos nomes,
a reduplicação marca pluralidade, intensif icação, diminuição e aumento do
signif icado, o que aponta para uma motivação icônica.

Spencer (1991, p. 13) considera com o uma f orma de af ixação dif erent e
do padr ão de pref ixação e suf ixação, pois a parte que é repetida pode s e
posicionar à direita, à esquerda ou mesmo no interior da base.

A morf of onologia tem grande inter esse no processo reduplicativo, pois


ele apresenta aspectos morf ológicos e f onológicos. Sob est e ponto de vista,
a f orma duplicada apresenta caracter ísticas de uma f orma presa af ixada a
uma base léxica. I sso quer dizer que, do mesmo modo que outras f ormas
de af ixação, a r eduplicação envolve a adição de mater ial, porém com
identidade f onológica e semântica da base. Algumas car acter íst icas do
processo apontam para a af ixação:

i. O m ater i a l d u p l ic a d o nã o tem ex is tê nc ia f or a da b as e qu e o g er o u, o u s ej a ,
151
nã o t em ex is t ênc i a f on o ló g ic a a nã o s er af ix ad o à s u a b as e;

i i. E le f oi g er ad o a p ar t ir do m at er ia l f o n o ló g ic o d a b as e, à “ s ua i m agem e
s em el ha nç a” e, n o c a s o do g u i ne e ns e , a m a ior i a dos r ed u pl ic a do s é a f or m a
f on ét ic a c om pl et a d a b as e , o u s ej a , o c o ns t i t u in te da p a l a vr a ;

i i i. O es t at ut o m or f of on o l óg ic o d o r e d up l ic ad o nã o t em c onf i gur aç ão f ono l óg ic a


ou m or f o ló g ic a d e um a p a la vr a p l e na . S o zi n ho e le nã o p o de s er u m m or f em a
l ex ic a l, o qu e o c o l oc a n o t im e d os m or f em as gr am at ic ais . C om i s s o, po d e-
s e p e ns a r em um pr oc es s o qu e en v o l v e u m a bas e l ex ic al ( a b as e) e um
af ix o gr am at ic a l ( o r ed u p lic a do ) , n ão em d uas b as es lex ic a is c om o n as
c om pos iç õ es ;

i v. A r egr a da r e d up l ic aç ão im pl ic a a a d iç ão d e m ater i a l m or f of on o ló g ic o p ar a a
ad iç ã o de s ig n if ic a dos à b as e;

v. O r e d up l ic ad o é p ar te m ater i a l qu e p er m it e o pr oc es s am en to f o no l óg ic o q ue
aj us tar á s in tá t ic a e d i s c ur s i vam en t e a b as e da r egr a ;

v i. Há tr aç os d et er m in a d os a p ar ti r d o ac io n a m ento da r eg r a : n os v er b os , a
noç ã o d e “ i t er a t i v id a de no tem po e n o es p aç o” ( Ki hm , 94 , p. 25) ; n os
adj et i v os a n oç ão s em ân t ic a d e in te ns if ic aç ã o, o q u e n ã o d es c ar t a a p or ç ão
it er at i v a n a c ar g a s e m ântic a d o r e du p l ic a do c om n oç ão d e i nt ens if ic aç ã o.
Es s a du p l a c ar ga s em ân t ic a en v o l v id a n a g er aç ã o d e f or m as p e l o pr oc es s o
r ed u p l ic a t i vo , l e vo u K i hm ( 19 9 4) a c h am ar a noç ã o s em ânt ic a d o r e du p l ic a d o
gu i n ee ns e d e “ i nc r e m entaç ã o” ( inc r e m en t at i on) . P ar a e l e, it er at i v i da d e e
i nt ens if ic aç ã o s ã o d o is l ad os d e um m es m o c onc e it o e “ c om o el e é ,
ob v i am en te , ( as s im c om o ic o nic am en te ) r el ac io n ad o à h ab i l i da d e c og n it i v a
de a d ic io n ar m ais um it em a um a s ér ie o u m ais um de gr a u a u m a es c a la ”
( i dem p .2 5) .

Sapir (1971, p. 69) considera o processo de reduplicação como part e


integrante dos processos gramaticais, nos quais também se inclui a
af ixação, a composição, a ordem vocabular etc. Contudo, para ele o
“processo é geralmente empregado com transparente si mbolismo, para
indicar certos conceitos” (Sapir, 1971, p.82 – negritos nossos) , ou seja,
trata-se de um processo mot ivado pela iconicidade, um pr incípio sem iótico
que aponta para a r elação entre signif icante/signif icado. Essa noção vai de
encontro à idéia saussur iana de arbitrar iedade do signo lingüíst ico.
152
Quando a reduplicação marca pluralidade ou iterações, com “mais da
mesma f orma  mais do conteúdo”, como em buska- buska ‘cont inuar
procurando’ e buska ‘procurar ’, o signo lingüístico, neste caso, nada tem de
arbitrár io, uma vez que o aumento da forma implicou, gramaticalmente, a
continuidade do pr ocesso verbal.

A reduplicação no guineense tem sido estudada como um processo


composicional (cf . Couto, 1994, 1996 e 1999, Kihm, 1994, Scant amburlo,
1999). Couto (1994 e 1999) obser va que esse f enômeno é “um caso
particular de um processo expr essivo mais amplo”, pois, par a o autor, trata-
se de um procedim ento que segue o curso das f ormas mais iniciais do
desenvolvimento da morf ologia. Esse pensamento tem como pressuposto as
necessidades comunicativas da ecologia das interações lingüísticas (cf .
2.1.1). As sit uações de contato de línguas que f avorecem a emergência de
um crioulo e o modo como acontecem as interações comunicativas deste
contato f alam a f avor do papel preponderant e da repetição no contexto
interat ivo. Há aut ores que descartam a relevância desse momento de
estruturação da gramática e seus resíduos nas atualizações sincrônicas dos
crioulos. Bakker & Parkvall (2002) argumentam que, com pouquíssimas
exceções, a reduplicação é um processo raro nos pidgins e universal nos
crioulos e que sua entrada nos crioulos ocorre por inf luência das línguas de
adstrato. Essa idéia despreza totalment e processo de desenvolvimento das
interações lingüíst icas em situações pidginizantes.

Qualquer processo morf ológico que venha a pr oduzir novas f ormas que
se adéqüem ao contexto sintát ico ou comunicacional envolve art iculações
gramaticais recursivas disponíveis e parametrizadas na língua em que
ocorre. Isso implica a existência de uma gramática def inida na mente de
sujeito f alante. No caso dos crioulos, que se desenvolver am a partir de
pidgins despr ovidos de gramática, há processos que podem apontar para
articulações pr imár ias, ou seja, mais originais, no sent ido de serem mais
próximas da or igem. No caso da reduplicação, no guineense e nos cr ioulos
em geral, a produt ividade e a r ecorrência “representa a sobrevivência de
processos evolutivamente iniciais” (Couto, 1999, p. 47). No contexto de
iniciação das bases recursivas da morfologia do cr ioulo, nada mais normal
que a utilização dos processos mais simples e mais econôm icos para
represent ar noções gramaticais (Sapir, 1971). A evolução no processo de
gramaticalização, no sentido de const rução da gramática, na morf ologia
153
partiu da repetição, passou pela reduplicação e composição, em seguida
pela derivação, considerada como uma inovação gramatical e, f inalmente
chegou à f lexão, “um luxo tardio que muitas línguas dispensam” (Couto,
1999, 46).

Outro dado que ref orça a autoridade da tese dos cr ioulistas di z


respeito à noção de palavra mínima, nos termos da morf ologia prosódica, ou
da palavra ót ima de Roman Jackobson. Esta idéia, já mencionada em Couto
(1999), sugere que a repet ição é a cont inuação da repet ição da estrutur ação
silábica CV ou CVCV. Os dados guineenses são f avoráveis a essa hipótese,
pois 36 dos 79 dados têm a estruturação CVCV- CVCV. Alguns
exemplif icados abaixo.

REDUPLICAÇÃO SIGNIFICADO SIGINIFADO DA


BASE
lupi-lupi 'andar desorientado' lupi=?
mopi-mopi 'ter muita mossa e machucar' mopi=amassar
koti-koti 'agarrar' ‘prender-se’ kot=aderir
kuri-kuri correr sem parar kuri=correr
kuti-kuti 'tentar fazer algo apesar das dificuldades' kut=?
lati-lati 'perder os sentidos de fraqueza' lati- estar sem força
poti-poti 'muito mole ou ferida infectada' poti=?
roti-roti 'mutio roto' roti=roto
gosi-gosi 'agora mesmo' gosi=agora

A questão que emerge diante dos dois pontos de vista é o estatuto a


ser dado à f orma reduplicada: palavra ou af ixo. Talvez essa questão aponte
para quest ionament os ainda mais amplos na morf ologia que são as noções
de palavra, de f orma livre e de f orma presa. Essas noções, por um lado,
levam a discussão para a questão da derivação ou composição (cf . 5.1.2) e
por outro lado, ao antigo debate da diacronia e da sincronia, que se coloca
desde o advento do estruturalismo.

Considerando que ambas as f ormas de análise estão fortemente


argumentadas, é im portante salientar que uma não invalida a outra. Apenas
se atêm a obser var dif erentes pontos salientes de um mesmo f enômeno e
sobre o arcabouço particular de suas ár eas estritamente especif icadas. Isso
não quer dizer que apresentam leit uras dif erentes da reduplicação, mas sim
154
que se detêm em pontos de análise dist intos. Uma delas obser va a
constit uição cognit iva do sistema de r egras e restrições do guineense que se
expressam sincronicamente nos dados expostos. Esses dados podem revelar
as estruturas e a f orma de articulação do conteúdo morf of onológico do
guineense. Tais obser vações possibilit am um esboço da estrutura inter na
que gera as reduplicações na mente do f alante guineense e a maneira que é
interpr etada e pr ocessada pelo f alante. É f ato que criança exposta a um
pidgin recr ia-o e estrutura gramaticalm ente este pidgim como uma língua
crioula. Do ponto de vist a da crioulística, o conhecimento que se expr essa
sincr onicament e nos dados que se observa f oi construído a partir de um
percurso sociolingüístico que possibilitou a construção de uma gramática.
Esse percurso de gr amaticalização nas línguas crioulas muit o tem a of erecer
no campo das construções e do estabelecimento de sistemas gramaticais
estruturados. Bem como no estudo e na f ormalização de seus atuais
recursos pr odut ivos. Mesmo consider ando as semelhanças gramaticais entre
os crioulos, sabe-se que há dif erenças substanciais entre eles e entre as
línguas, de um modo geral. Isso quer dizer que as particular idades
gramaticais acont ecem independent emente do parentesco lexical com outros
crioulos. As questões que se colocam são: Quais são essas dif erenças e em
que per íodo da estr uturação da gramática elas se consolidaram. E ainda,
quais os f atores univer sais relevantes na delim itação dessa estrutura atual?
Nesse ponto do questionamento as duas visões apresentadas à reduplicação
se cruzam e se completam.

No caso do guineense, pode-se argumentar que a produtividade e


recorrência dos dados de reduplicação apontam para um processo que se
encontra em uma f ase transitór ia entre a der ivação e a composição, como
resultado da const rução da gramática. Desta f orma, a morf ologia vai
tomando sua f orma e marcando suas pr ef erências e restrições par amétricas
que vão emergir nos processos derivacionais pr opriamente ditos.
Sincronicamente, as marcações dos recursos derivacionais no guineense j á
estão delineadas e em produtividade. Contudo, muitos dados reduplicados
são it ens lexicais em plena atividade discursiva, o que invalida a pr odução
de equivalentes der ivacionais pela existência do bloqueio (Aronof f , 1976).
Há também dados de reduplicações momentâneas, já mencionadas em Couto
(1994), o que argumenta a f avor de um processo pr odut ivo na morf ologia do
guineense. Contudo, no crioulo aportuguesado (CA) que é a variedade
acroletal do guieneese, as composições são mais raras, ou seja, quanto mais
155
próximo do português, mais “a composição (e a reduplicação) cede lugar
para a der ivação e a f lexão”. (Couto, 1994, p.84).

Essa transitor iedade da reduplicação no contexto da gramaticalização


do guineense pode ser obser vada nos dados, visto que, dos 79 dados, 78
têm a f orma do reduplicado copiada na íntegra, ou seja, a palavr a inteira é
copiada. O que repr esenta um argument o bast ante incisivo na alocação do
processo entre a derivação e a composição, pois, f oneticam ente, tem-se a
realização do todo da base e não soment e parte constituinte de sua estrutura
f onológica. Mesmo não obtendo os atributos lexicais de uma palavra plena
no guineense, o reduplicado tende a realizar todo o material f onético da sua
base. Conf orme se pode obser var em alguns exemplos abaixo.

REDUPLICAÇÃO SIGNIFICADO SIGINIFADO DA BASE

roti-roti 'mutio roto' roti=roto


gosi-gosi 'agora mesmo' gosi=agora
kinti-kinti 'rápido' kinti=quente
muitu-muitu 'muitu intensificado' muitu=muito
muku-muku 'em segredo' mukur=?
puku-puku 'pouco a pouco' puku=pouco
amaña-amaña 'futuro próximo' amanã=amanhã
baga-baga 'cupim' baga=um povo
cupa-cupa 'chupeta' cupa=chupar
dia-dia 'cotidiano' dia=dia
fenti-fenti 'gesto de arrogância' fenti=?
jugu-jugu cupinzeiro com muitas colônias jugu = jogo
buji-buji 'tornar-se muito gordo' buji=balançar
buli-buli 'agitar-se' buli=mexer
buska-buska 'continuar a procurar' buska=procurar
cin-cin ‘pilar com mais de duas pessoas’ cin=?
fala-fala 'falar sem sentido' fala=falar
febri-febri 'estar com muita febre' febri=febre
fidi-fidi 'ferir muito' fidi=ferir
fura-fura 'ir de um lado para o outro' fura=furar
ianda-ianda 'andar por todos os lados' ianda=anda
iari-iari 'andar sem destino. desafiar' iari=?
ieri-ieri 'chuviscar' ieri=espalhar grão para galinhas
iurni-iurni 'juntar aos poucos' iurni=reunir
janti-janti 'avançar' jandi=adiante
jubi-jubi olhar com muita atenção' jubi=olhar
juja-juja 'por junto juja=juntar
juna-juna 'adivinhar juna=antecipar
junda junda 'discutir com animosidade junda= esticar
junta-junta 'ir juntando junta=juntar
juri-juri 'despentear' júri=?

Nos exemplos acima, três dados vêm acrescido do morf ema –du, que,
no dicionário de Scantambur lo (2004, p. 180) é “suf ixo acrescentado nos
ver bos transit ivos ou causativos na f orma de passivo”. Porém, no caso dos
156
reduplicados, ele é acrescentado para uma regra de f ormação de adjet ivo,
pois todos os dados com -du são adjet ivos der ivados com o acréscimo do
suf ixo. Isso aponta para a lexicalização da f orma reduplicada que, inclusive,
já produz novas f ormas tendo o reduplicado como base de regra, como se
pode ver abaixo.

REDUPLICAÇÃO SIGNIFICADO SIGINIFADO DA BASE

lati-latidu 'muito enfraquecido ou muito mole' lati=estar sem forças


pindra-pindradu 'suspenso' pindra=pendurar
kebra-kebradu 'arrasado' kebra=quebrar

Dos dados com o suf ixo –du, apenas o pindra-pindradu não t em a


semântica da intensif icação. A regra V i  A C O P i (de um verbo f orma-se um
adjetivo a partir da adição da cópia do material f onológico do verbo) é mais
categorial que subcategorial, pois ela produz um adjetivo a partir de um
ver bo. Basílio (2004,p.56) af irma que tanto o verbo quant o o adjet ivo são
predicadores. Enquanto o ver bo denota eventos no tempo, o adjetivo denot a
qualidades e propriedades que são est áveis. No mecanismo de se f azer um
ver bo a partir de um adjetivo, a noção ver bal do evento ou o seu ef eito é
atribuída como propr iedade do substant ivo especif icado pelo adjetivo que se
f ormou. Basílio ressalta que se trata de um predicado representando no
tempo, um dado evento verbal que af etou o subst antivo. A regra pode ser
represent ada da seguinte f orma:

[[[pindrai]V-COPi]-du]A

Há a ocorrência de dois casos de var iantes em que ocorre o


apagamento da vogal átona f inal da base, cujos reduplicados mantêm essa
vogal, conf orme se pode not ar na tabela abaixo.

REDUPLICAÇÃO SIGNIFICADO SIGINIFADO DA BASE

ier-ieri 'chuviscar' ieri=espalhar grãos para as galinhas


kur-kuri correr sem parar kuri=correr

Considerando que a pref erência reduplicada do cr ioulo é a pref erência


da cópia da f orma fonética na íntegra, os dados acima podem ref letir um
157
desgaste f onético que se realiza apenas no nível da f ala. Essa é a
pref erência na realidade f onológica do f alante, tanto que esse apagamento
não acontece em variantes. No dado jur-jur i, na tabela abaixo, ocorre o
mesmo processo f onológico. Contudo, a base do reduplicado é uma base
presa no cr ioulo, mas que também está submetida à mesma r egra dos dados.

REDUPLICAÇÃO SIGNIFICADO SIGINIFADO DA BASE

jur-juri 'despentear' juri=?

O caso de jur- jur i, que muda a f orma da raiz pode ser explicado por
ser uma f ormação onomatopaica, cuja motivação icônica está na sonor idade
do signo. O que produz a alternância vocálica da base e do reduplicado. Da
mesma f orma ocorre com kokin-kokiu, cuja sonoridade determina sua f orma
f onética.

REDUPLICAÇÃO SIGNIFICADO SIGINIFADO DA BASE

kokin-kokiu ‘revidar tapas’ Koki= bater na cabeça com nó dos dedos’

A distribuição da pref erência das reduplicações entre as classes


maiores no guineense f oi a seguinte: 55 ver bos, 13 nomes substant ivos, 6
adjetivos e 5 advérbios. O gráf ico abaixo demonstra essa distr ibuição:
158

Categorias das Reduplicações

Advérbios 6%
Adjetivos 8%

Nom es 16%

Verbos 70%

A pref erência das reduplicações são os ver bos, nos quais o morf ema
reduplicat ivo veicula noções aspectuais e intensif icadora, ou seja,
incrementador a (Kihm, 1989).

Nos ver bos, à exceção de febri-febr i ‘est ar com muita f ebre’, todos os
ver bos resultados de reduplicações, a partir de base livr e, têm as bases
também ver bais. Em todos esses dados, o reduplicado veicula a idéia de
intensif icação e de iteratividade. Essas noções, por sua vez, são acrescidas
na semântica da ação ou do processo representado na base de regra,
conf orme pode ser notado nos dados abaixo.

REDUPLICAÇÃO SIGNIFICADO SIGINIFADO DA BASE

fidi-fidi 'ferir muito' fidi=ferir


fura-fura 'ir de um lado para o outro' fura=furar
ieri-ieri 'chuviscar' ieri=espalhar grão para galinhas
iurni-iurni 'juntar aos poucos' iurni=reunir
janti-janti 'avançar' jandi=adiante
padasa-padasa estraçalhar continuamente até reduzir a pedacinhos padasa=cortar em pedaços
pinca-pinca 'empurrar continuamente' ‘pinca=empurrar
pinga-pinga ‘pingar continuamente’ pinga=pingar
pinta-pinta 'colorir de várias cores' pinta=pintar

Dos 79 dados, 24 não t êm a base com estatuto de f orma livr e no


guineense, somente na f orma da reduplicação, ou seja, apenas a f ormação
de base+reduplicado constitui uma palavr a plena da língua. Esses dados
argumentam a f avor da pref erência dos crioulos da repetição e da palavr a
159
ótima (Couto,1999), uma vez que, mesmo com a base não disponível no
léxico, as relações f onológicas da estrut uração CVCV- CVCV e CVC-CVC se
realizam nas reduplicações sem base livre. No caso da carga gramatical
veiculada pelo reduplicado, pode ser obser vada a incrementação, no caso
dos verbos e a intensif icação sem ântica, no caso dos advérbios e adjetivos,
conf orme os exemplos da tabela abaixo.

REDUPLICAÇÃO SIGNIFICADO SIGINIFADO DA BASE CATEGORIA

kefi-kefi 'coisa leve' ‘inchado’ kef=? A


poti-poti 'muito mole ou ferida infectada' poti=? A
muku-muku 'em segredo absoluto' muku=? Adv
cin-cin ‘pilar com mais de duas pessoas’ cin=? V
juri-juri 'despentear' júri=? V
piti-piti 'tornar-se muito gordo' piti=? V
poci-poci 'agitar a água' poci=? V
n'ai n'ai 'andar sem destino' n’ai=? V
n'añi-n'añi 'criar desordem' n’añi= ser abandonada, mal-tratado V
tafal-tafal 'enganar' tafal=? V

Das 24 ocorrências de base presa, algumas podem ser explicadas pela


origem onomatopaica como se pode not ar abaixo.

REDUPLICAÇÃO SIGNIFICADO SIGINIFADO DA BASE

poci-poci 'agitar a água' poci=?


pati-pati 'chafurdar' pati=?
koi-koi 'cair duro' koi=?
lufa-lufa 'rosto inchado' lufa=?
cin-cin ‘pilar com mais de duas pessoas’ cin=?

Todos os 5 advérbios têm o reduplicado como incrementador da base


e, seguindo uma t endência da RFP de advérbios em português 25, todos
derivam de adjet ivos. Nesse percurso transf ormacional, a propriedade ou
qualidade veiculada pelo adjetivo e especif icada no substant ivo é
intensif icada, passando a ser especif icadora ou modif icador a de um event o.
Com isso, a propriedade é atr ibuída ao evento denotado pela ação verbal
(Basílio, 2004).

25
Os advérbios derivados no português tem como base de regras os adjetivos.
160

REDUPLICAÇÃO SIGNIFICADO SIGINIFADO DA BASE

gosi-gosi 'agora mesmo' gosi=agora


kinti-kinti 'rápido' kinti=quente
muitu-muitu 'muitu intensificado' muitu=muito
muku-muku 'em segredo' mukur=?
puku-puku 'pouco a pouco' puku=pouco

Nos dados acima, é possível obser var que todos os advérbios têm o traço
[+increment ador] e nenhum deles é de origem onomatopaica. Apenas um,
muku-muku 26, tem a base presa.

Quanto às reduplicações como nomes substant ivos, os quais somaram


13 dados, todos podem ser def inidos a partir da semânt ica de nomeação de
seres, de eventos ou de entidades. Mas essa nomeação vem carregada, em
12 dos 13 casos, do traço [+incrementador]. O único dado que nã o
apresentou a semânt ica de intensif icador é baga- baga ‘cupim’, cuja base tem
o mesmo nome de um povo af ricano. Vê-se que, além de plenamente opaco,
não é possível determinar a incrementação da reduplicação, visto que,
quando instigados a reconhecer o signif icado da base como o ‘povo baga’ no
reduplicado, os inf ormantes questionados não o reconhecem como tal. Isso
quer dizer que se t rata de mais uma r eduplicação sem base livre e sem
[+increment ação], que se apresenta como uma exceção no conjunto dos
substant ivos, conf orme dispostos abaixo:

REDUPLICAÇÃO SIGNIFICADO SIGINIFADO DA BASE

amaña-amaña 'futuro próximo' amanã=amanhã


baga-baga 'cupim' baga=um povo
cupa-cupa 'chupeta' cupa=chupar
dia-dia 'cotidiano' dia=dia
fenti-fenti 'gesto de arrogância' fenti=?
jugu-jugu cupinzeiro com muitas colônias jugu = jogo
lenga-lenga 'andar do bêbado ou discurso enfadonho lenga=?
lufa-lufa 'rosto inchado' lufa=?
ñemer-ñemer 'discurso enfadonho' ñemer=?
paka-paka ‘comportamento boêmio e em busca de parceiros sexuais' paka=buscar parceiro sexual
somna-somna 'muito barulho' somna=barulho
toka-toka 'transporte coletivo' toka=tokar?

O guineense, assim como crioulos, apresenta traços pr óprios que


revelam suas or igens crioulas. Os processos composicionais e reduplicat ivos
se revelam dentro de um padrão própr io do guineense, porém, expondo a
construção desses it ens lexicais que se estruturaram mediante o mecanismo

26
Variante mukur-mukur
161
gramatical deste cr ioulo. Esse mecanismo morf ológico, constituído mediante
um processo de est ruturação lingüíst ica sui gener is, em relação às línguas
não cr ioulas, não se revela menos r ecur sivo em decorrência da crioulização.
Apenas tem, na sua histór ia sociolingüística, marcas aspectuais
caracter ísticas de sua condição crioulizada.

São aspectos como a transitoriedade nos processos de com posição e


de derivação, no âm bito da gênese da construção gramatical, em r elação à
alocação das reduplicações. Embora essa permeabilidade também ocorra em
línguas não crioulas, no guineense as marcas se m ostram bastante
aparent es, o que af irma o interesse dos lingüistas nos estudos crioulos para
desvendar inf ormações sobre a gênese dos sistemas lingüísticos.

Nas composições guineenses, a produtividade do processo aponta um a


conf iguração própr ia dos cr ioulos. Assim como as reduplicações, esses
aspectos podem ser notados na origem da estruturação gramatical como
f orma de expressar categorias lingüíst icas, ambos, dentro de um padrão de
gramaticalização. Ressalta-se que, tanto na composição, quanto na
reduplicação, os recursos da capacidade gerativa pr esent es nos parâmetros
da linguagem humana são plenos e at ivos, de f orma a revelar recursividade
e criatividade ling üíst icas. Como qualquer outra língua. São padrões
obser váveis nas ocorrências de compostos com carga semântica
compartilhada na cultura do guineense ou ainda, nas f ormas como kabali, em
que a lexicalização permite sua reent rada no component e lexical para
receber uma carga [+abstrata] na f orma derivada como kabalindadi. A carga
cultural, nas f ormas compostas citadas acima, também se aciona mediante a
reentrada no léxico, ou looping ( Halle, 1973).

Enf im, esses processos se or iginaram na base de uma gramática que


se desenvolve e se articula nos disposit ivos das línguas nat urais, o que, no
caso dos recursos padrões da linguagem humana (def ault), independem da
condição crioula da língua, do povo e do território onde ela é articulada.
162

5.3 DERIV AÇÃO

A noção mais geral de der ivação diz que se trata de um processo de


f ormação de palavra que ut iliza um a base e um af ixo. Seguindo o
descr itivismo estrtur alista, Câmara af irma que a derivação é a

“ Es tr u tu r aç ã o d e um v oc áb u lo , na b as e de o utr o p or
m eio de um m or f em a que não c or r es po n de a um
v oc á b u lo e in tr od u z n o s em an t em a um a i dé i a ac es s ór ia
qu e n ã o m ud a a s i g n if i c aç ã o f un d am ent a l”
( M at tos o C âm ar a, 1 9 9 8, p . 9 2)

A descrição de Mattoso não menciona a noção de ordem sintática na


estruturação desse vocábulo. Essa estruturação no componente sintát ico
represent a uma motivação relevante para grande parte das derivações.
Relativamente à def inição pr imeira de der ivação, quando se def ine o
processo em bases estruturais, cabe indagar a def inição dos elementos que
compõem essa estrutura, que são: af ixo e base.

Nos estudos de f ormação de palavras em uma língua, raiz e/ou radical


são chamados e tratados como base, uma vez que se constituem como as
bases de processos morf ológicos. Por sua vez, r aiz e r adical se dif erem
pelo f ato da raiz não apresentar estrutura interna, isto quer dizer que as
raízes são “morf ologicamente inanalisáveis” (Rocha, 2002, p.46), ao passo
que o radical pode se constit uir de estruturas complexas, adicionadas de
morf emas presos que podem ser derivacionais ou f lexionais.

As bases detêm a essência de uma estrut ura morf ológica “sobre a qual
um processo atua para a f ormação da palavra” (Basílio, 2002, p. 90). Os
af ixos estão sempr e juntos às bases morf ológicas, independentemente de
suas condições f lexionais ou derivacionais.

Os af ixos são morf emas que ocorrem somente atados a outro morf ema
o que, por def inição, os classif ica como morf emas presos. Esses morf emas
presos, na condição de af ixos, dividem-se em duas grandes classes: os
af ixos derivacionais e f lexionais. A distinção entre eles está na produção o u
não de novos lexem as. Enquanto os der ivacionais criam novas palavras, os
163
f lexionais apenas modif icam a f orma de uma palavra por questões de
acomodação sintática de sua base. É bastante f reqüente a troca de classe
de palavra por meio da adjunção de af ixos der ivacionais, o que não é
possível com os suf ixos f lexionais. Contudo, nem sempre esse critér io é
válido par a a dist inção entre os af ixos, dado que há pr ocessos der ivacionais
no âmbito da subcat egorização. Portanto, o processo da adjunção de af ixos
derivacionais produz:

I. Mu d anç a no s i gn if ic a do d a b as e s em qu e haj a a m ud a nç a na c at e gor i a


gr am at ic a l:
ex : m a m e  m am es i ñ u
‘mãe’ ‘madrasta’

II. Mu d anç a n o s i g n if ic ad o d a bas e , m ais a tr oc a d e c at e gor i a gr am at i c a l:


ex : m a nd uk u  m u nd u k i a
‘pau’ ‘bater com o pau’

III . Mu d anç a s u bc at e gor i a l s em a m u da nç a c at e gor i a l:


ex : k u ñ ad u  k u ñ an d a d i
‘cunhado’ ‘relação de parentesco’

Considerando que os af ixos têm f unções sintát icas e semânticas de


caráter mais geral e mais comum, esta condição f uncional vai ref let ir o grau
de produt ividade dos suf ixos, uma vez que def inem padrões como a
designação, a negação, o grau etc. (Basílio, 2002, p. 28).

5.3.1 Derivação no guineense

O guineense apresenta um invent ário de 15 af ixos der ivacionais,


sendo 14 suf ixos e somente 1 pref ixo, o dis-. Est a listagem de af ixos já f oi
descr ita por Rougé (1988, p.15-18), Couto (1994, p.84-87), Kihm (1994,
p.129-131) e Scantamburlo (1999, 140-143 e 164-166). Há alguma
divergência na interpretação dos autores quanto ao estatuto de alguns
af ixos. Enquanto Rougé e Scantambur lo r econhecem o suf ixo –on como
aumentat ivo, vindo do –ão português, Couto não o classif ica como tal, com o
pode ser obser vado abaixo.

- garafa  garafon
‘garrafa’ ‘botija’
164
- porta  porton
‘porta’ ‘portão’

- kalma  kalmon
‘cabaça’ ‘cabaça usada como colher’

Nos exemplos acima há um traço especif icador que vai além da noção
semântica de aumentativo, como uma espécie que contém a semântica da
base da regra, mas com uma especif icação dif erente. Esse traço
especif icador da r egra também está presente no exemplo em –ão do
português – garraf ão - que é algo além de simplesmente uma garraf a grande,
mas uma espécie de recipiente no campo semânt ico das garraf as que vai
além de ser uma garraf a aumentada. Nos exemplos guineenses acontece o
mesmo e são exemplos com dados vindos do português. Por ém, no exem lo
de kalmon, f ormado pela morf ologia guineense, a regra se aplicou com essa
nuance de traço que vai além do aument ativo para o dado guineense.

Couto (1994) e Roug é (1988) reconhecem apenas o pref ixo –dis ( vindo
do des- português). Scantamburlo lista mais 4 pref ixos, que são: anti-, ba-,
gan- e ka-. No caso de anti-, não houve nenhuma ocorrência no banco de
dados do guineense. Para as part ículas ba- e gan-, embora Rougé, no Pet it
Dict ionnaire Etymologique du Kr iol, os classif ique como pref ixos, sendo o
gan- (p.67) f ormador de topônimos e o ba- (p.29) como um pref ixo de classe
marcador da noção de coletividade, eles não aparecem no invent ário dos
af ixos do mesmo autor (p. 15-18). Quanto à part ícula ka-, marcadora de
negativo, trata-se de uma f orma dependente (no sentido de Câmara, 1970), o
que invalida a análise da mesma como af ixo.

5.3.2 Derivação ou Flexão?

De acordo com Matt oso Câmara, o processo de f lexão, ou de f lectir,


signif ica “f azer variar um vocábulo par a nele expr essar dadas categorias
gramaticais” ( Câmar a, 1986, p. 117). Para Cr ystal (1985, p.111), a f lexão é
considerada como “ uma das principais categorias ou pr ocesso de f ormação
de palavras; o outro processo é o de derivação”. Nas def inições acima, é
possível obser var que nem sempr e o pr ocesso de f lexão é considerado como
um processo f ormador palavras. Par a Câmara, as f ormas f lexionadas
consistem em f ormas dif erentes de uma mesma palavra que f lectiu ou
165
dobrou-se para expressar dif erentes categorias gramaticais. Por sua vez,
Cr ystal, no tratamento da f lexão como um processo de f ormação de palavr as,
juntamente com a derivação, está considerando f ormas f lexionadas com o
palavras dif erentes, e não como dif erentes f ormas de uma m esma palavra. O
autor dif erencia os processos de der ivação e f lexão indicando os af ixos
f lexionais como marcadores de relações gramaticais, por exemplo, o tempo
ver bal, o plural, o f eminino etc, e a constituição de par adigma nas palavras
f lexionadas. Cr istal aponta também par a o f ato de estes não alter arem a
classe gramatical. Os dois últimos argumentos ( da const ituição de paradigma
e da mudança da classe gramatical) estabelecem uma incisão entre os
processos de derivação e de f lexão, ao mesmo tempo em que marcam um
ponto onde as alegações de Câmara e Crystal se encontram.

A distinção entre f lexão e der ivação dat a de tempos remot os, Varrão
(116-27 a.C.) (cf . 4.1) decompôs o problema da separação em termos
cognitivos, com a derivação sujeita à vontade do f alante, que ele chamou de
derivatio volunt aria e a f lexão imposta pelos padrões sintáticos, chamada de
derivatio naturalis. Dessa f orma, a derivação depende da vontade do f alante
e a f lexão está marcada na dist inção gramatical, independentement e da
vontade do f alante. Ela é acionada pelas articulações gramaticais da língua.
Teoricamente essa dist inção traz a vantagem da generalização e impõe
lim ites f ronteiriços bastante rijos entre os processos. Na pr ática, porém, nem
sempre resiste à análise com base em dados. No caso do português, podem-
se esquematizar as dif erenças da seguinte f orma:

Flexão Derivação
- De riva tio N a tu ra l i s - De riva tio V o lu n ta ria
- E mp r e ga a me s ma p a la v r a - Fo r ma u ma no va p al a vr a
- P ar ad i g ma co e so , r e g ul a r id ad e - Não te m p a r ad i g ma, ir r e g ul ar id ad e

A regular idade do pr ocesso supõe que t odos os itens lexicais sujeitos


à f lexão tem sua f orma f lexionada, de maneir a regular e sistemát ica. Por
exemplo, para cada substant ivo masculino, a r egular idade prevê a f orma
f lexionada f eminina. Seguindo o mesmo princípio, cada f orma verbal tem a
sua f orma f lexionada em número, pessoa, tempo e modo. No caso dos
substant ivos e adjetivos, a regular idade prevê que suas f ormas f lexionadas
sejam f ormas dif erentes de uma mesma palavr a e que todos apresentem as
f ormas em número, gênero e grau. Porém, há a existência de lacunas, o que
166
f ere a noção de par adigma. Rocha (1999, p. 196) declara que no português
“apenas uma parte insignif icante dos substant ivos podem r eceber a marca
morf ológica distintiva de gêner o”, 95% dos substant ivos são seres não-
sexuados e apenas 4,5% são sexuados e ainda assim, nem todos recebem a
marca do f eminino, como: jacaré, homem, selvagem (exem plos em Rocha).
Essa discussão do gênero na morf ologia tem a ver com a dist inção maior
entre gênero e sexo. Enquanto o sexo é uma caracter íst ica dos seres do
mundo, o gênero é uma propriedade f ormal dos nomes na língua. Embor a
essas propriedades coexistam no portug uês, nem sempre são coincidentes,
por exemplo, nos chamados “sobrecomuns” como em a testemunha, que
pode ser alguém do sexo masculino, ainda nos epicenos, como o gavião,
que pode ser um espécime f eminino.

Para o estruturalismo, a idéia da oposição f ormal entre a marca de


gênero [a] marcada no gênero f eminino em oposição ao masculino não-
marcado, reprepr esenta uma oposição relevante à noção de sistema. É o
jogo de relações, quando um elemento t em seu valor no sist ema pelo jogo de
oposições: um é tudo aquilo que o outro não é. Porém, essa oposição não se
aplica sistemat icam ente no português e inexiste no guineense. Tampouco
pode ser usado esse argumento para dist inguir f lexão e der ivação, dado que
a sistemat icidade e a oposição não se conf irmam.

Há autores como Bechara (1999), Azeredo, (2000) e Sandm ann (1997)


que consider am a marca do f eminino [a] como suf ixo derivacional nos
substant ivos, porém nos adjet ivos, essa marca continua um suf ixo f lexional.
Para esses autor es, se galo e gala são duas palavr as dif erentes na língua,
não podem ser consideradas como f ormas dif erentes de uma mesma palavra.
Nessa generalização, estão incluídas t ambém gat o e gata, galo e galinha
etc. Mas o argument o principal reside no f ato da f lexão nos substant ivos não
ser um processo r egular, e a regular idade é uma marca da f lexão em
oposição à der ivação. A iregularidade pode ser notada nos exemplos abaixo.

lixo # lixa
p o lít ico # p o lít ica
b o lso # b o lsa
ma to # ma ta
b a r ra co # b a r ra ca
167
Ainda em relação à regular idade, sabe- se da existência das lacunas
ver bais, nos verbos chamados def ectivos, o que representa contra-exemplos
na regular idade f lexional dos verbos.

No caso do grau, a regularidade prevê o seguinte: dado um


substant ivo ou adjetivo é possível prever o dim inut ivo e o aumentativo.
Porém, a carga discursiva do emprego de ambos nos substant ivos é
relevante para af irmação de que se trat a de der ivat io natur alis, pois, pode
ocorrer uma sobreposição semânt ica da noção de diminutivo ou aumentat ivo,
como se pode not ar em filho  filhinho, pé  pezão, grande  grandinho,
abóbora  abobrinha, exemplif icados abaixo.

Meu filhinho passou no vestibular.


Tira esse pezão do sofá!
Você está ficando grandinho para usar fraldas.
Uma abobrinha grande, grande, grande.

Nos exemplos acima, a noção de intensidade ou tam anho está


subordinada a uma relação de cooperatividade mútua entre o f alante e seu
inter locutor. Isso im plica um signif icado que vai além da noção de tamanho
nos suf ixos aumentativo e dim inut ivo. Essa cooper atividade, que permite que
inter locutor e ouvinte inter pretem a conteúdo semântico além da carga
lit eral, está no âmbit o da pragmática. Essa noção não pode ser considerada
como marcada nos padrões sintát icos, como derivat io naturalis, mas sim
como der ivat io voluntaria, uma vez que a inter atividade e intencionalidade do
f alante estão presentes na articulação da regra. Assim, se acionada de
f orma volunt ária, resultando uma outra f orma da palavr a com uma semântica
dif erente da pr imeir a, porém, com traços semânt icos aparentados, então é
possível af irmar que se trata de um processo de derivação.

5.3.3 A flexão no guineense

Essa discussão, de interesse na morf ologia do português, pode não


ser tão marcada no guineense. Uma das caracter íst icas das línguas cr ioulas
é a escassez de mor f ologia f lexional, pois a perda dos morf emas f lexionais é
uma conseqüência do processo de crioulização. Consider ando a idéia de
Couto da f lexão como um “luxo tardio” e dispensável em muitas línguas (cf .
5.1.4), a cr ioulização, seguindo o curso da gênese dos processos
168
morf ológicos 27, privilegia os processos mais necessár ios para a expressão de
categorias gramaticais e a f lexão não est á entre os essenciais, mas entre os
processos considerados dispensáveis.

Por outro lado, Holm (2005), em um texto sobre a f lexão dos crioulos,
propõe “uma mudança de paradigma da lingüíst ica cr ioula” (Holm, 2005)
negando a idéia até então dif undida de que o processo de cr ioulização leva à
perda de morf emas f lexionais. De acordo com a proposta de Holm (2005), a
crença na f alta de morf ologia f lexional é resultado de estudos sobre os
crioulos (os mais estudados) que têm línguas lexif icador as parcialmente
f lexionais e substratos largamente não f lexionais. Nessa junção t ipológica
entre substrato e superstrato e sob as condições de crioulização “é
realmente improvável que se produzam crioulos que retêm quaisquer
f lexões” (Holm, 2005). Isso que dizer que, para Holm, a perda de morf ologia
f lexional tem a ver com caracter ísticas da tipologia morf ológica das línguas
que entraram na f ormação do crioulo. Com isso, torna- se discut ível a
questão de ser ou não ser, a ausência da f lexão, uma herança do processo
de crioulização.

O processo f lexional no guineense em erge como uma exceção nos


crioulos de f orma geral. Isso quer dizer que há pr ocessos f lexionais que se
articulam mediant e parâmetros próprios do guineense. Porém, essa f lexão é
reduzida e não marcada de f orma igualit ária em todos os let os do guineense.
Quanto mais acr oletal, mais se manif esta a marca do plural nos subst antivos
e adjet ivos guineenses. Porém, no crioulo mais basiletal, chamado de crioulo
f undo, a marca e as regras do plur al são raras, embora não totalment e
ausent es. Segundo Incanha Intumbo (comunicação pessoal), um f alante
guineense e cr ioulista, a marcação do plural acontece, não com f reqüência,
no crioulo tradicional.

No português br asileiro (PB), assim como no crioulo, no dialeto rur al,


as marcas da f lexão de plur al só acont ecem no SN quando indispensáveis à
comunicação, como: os menino vai embora; as louça quebrou tudo. Resende
(2006), com base em Gärtner (2002) e (Guy) (1981) af irma que a marca do
plur al r eduzida ao pr imeir o element o no dialeto rural do PB é explicável pelo
contato de línguas. Segundo a aut ora, nas línguas bantas, a língua de

27
repetiçãoreduplicaçãocomposiçãoderivaçãoflexão (Couto, 1999)
169
muitos escr avos af ricanos trazidos ao Brasil, o númer o é marcado por
pref ixos nos substantivos e adjet ivos e a atenção voltada nos pref ixos levou
os aloglotas a negligenciarem “os morf emas gramaticais dos nomes
portugueses, por se encontrarem no fim das palavras” (Resende, 2006,
p.100). Par a Luchesi (2000), a situação de contato f oi r esponsável pela
redução das marcas de número nas var iedades não padrão. O que é
interessante à discussão é o f ato de que, tanto no português quanto nos
crioulos, o contato é relevante na questão acerca da redução dos processos
de f lexão de número.

No guineense, a m arca do plural dos substantivos só é marcada


quando não estiver implicada por um número ou pelo quantif icador e quando
a inf ormação da plur alidade f or relevante ao discurso. Essa descrição já f oi
detalhada em Couto (1994) e Kihm (1994). Embora sob traços particulares,
o f ato de apresent ar morf emas f lexionais e parâmetros de uso próprios,
aponta para uma complexif icação na morf ologia guineense. Essa idéia
encontra argumento f avorável na escala da gênese dos pr ocessos
morf ológicos e nas divisões da t ipologia morf ológica. Schleicher acreditava
que as línguas f lexionais apresentavam um grau de complexidade mais
elevado em relação às isolantes, pois os traços f lexionais indicavam o grau
de progresso que se apresent a na complexidade das línguas. Embora esta
seja uma af irmação bast ante combat ida e eurocentrist a, considerada
ultrapassada, quando se pensa em ter mos de processos morf ológicos, a
f lexão se encontra no extremo da complexidade. Essa caracter ística não
determina a maior ou menor complexidade da língua, pois os processos
morf ológicos são apenas parte de um complexo sistema gramatical. Há
também o f ato de que a ausência de processos morfológicos produz
compensações gramaticais que def inem categorias diversas na f onologia, na
sintaxe, na semântica e na pragmática. Tudo isso dentro de padrões mais,
ou menos, complexos. No caso dos crioulos, pode-se dizer da seguinte
f orma: mais ou menos paralelos aos padrões de expressões de categorias
gramaticais da lexif icadora, pois esta é sempre o parâmetro de comparação.

No português a r egular idade do processo de f lexão do plural t raduz-se


em um processo altamente pr odut ivo e com extrem a regular idade,
principalmente com os modif icadores. A f lexão do plural, no português, é um
processo dos níveis mais baixos da escala do léxico proposta pela
Morf ologia Lexical (Kiparsky, 1982). Dif erentemente do português, no
170
guineense esse pr ocesso se posiciona nos níveis mais altos, dada a
irregular idade e a complexidade processual. Nesse contexto, ele divide
espaço lexical com os processos derivacionais da língua, pelas
caracter ísticas de alguns desses processos apresentarem níveis de
regularidade e complexidade iguais ao da f lexão do cr ioulo. Essa af irmação
encontra argumento nas palavras de Kihm (2002 – apud Holm, 2005) que
declara que a dist inção entre derivação e f lexão é uma questão de
graduação.

Doneux & Rougé (1988) acham que há três vozes no guineense,


ativa, neutro passiva e causativa. A prim eira não ter ia mar ca morf ológica, as
outras marcas são os morf emas -du e ndV / ntV. Couto, Scantamburlo e
Kihm apresentam uma análise dif erente e consideram esses morf emas como
derivacionais. Esta também é a posição de análise deste trabalho, que
considera os af ixos acima como der ivacionais.

A indef inição dos processos da f lexão e da der ivação mar cadas no


português e no g uineense leva a uma imprecisão nos par âmetros
f ronteiriços entre eles. Uma f orma de análise é postular os processos
f lexionais do guineense como pr ocessos derivacionais, o que implicar ia a
negação da existência de f lexão no guineense. Porém os dados apontam
para traços f lexionais def inidos com a noção de pluralização das f ormas. E
essa f orma vem com uma marca determinando o cr itério de plur alidade. São
caracter ísticas como essas que indicam um processo com traços
[+f lexional]. Quanto à regularidade e ao posicionamento nos estratos do
léxico, os traços são [± der ivacional] e [± f lexional]. Quando há a
sobreposição do tr aço [+f lexional] e a subposição do [+derivacional] a
análise aponta par a o tratamento dentro dos padrões f lexionais.

A concordância, geralmente, não ocorre entre os substantivos,


adjetivos e modif icadores, porém, nas variedades mais acroletais ela tende
a acontecer. Segundo Intumbo (comunicação pessoal), “a marcação do
plur al dos nomes, embora f acultativa e com recurso ao mor f ema -s, está a
tornar-se muito sistemática no mesolecto e no acrolecto, no basilecto o uso
do numeral dispensa a marcação”

O processo f lexional segundo Kihm (1999, p.131) “ao mesmo tempo em


171
que é muito simples em sua f orma é bastante complexo em seu uso”. A
marca morf ológica é herança do português com o –s, assim como a relação
de oposição implicada a ausência e presença do morf ema. As regras de uso
são as seguintes:

i. Us ar n or m a lm ent e o /- s / qu a nd o a p a l a vr a t e r m inar em vo g al , c om o em
- l i m ar ia  l im ar i a s
‘animal’ ‘animais’

- d if un t u  d if u nt u s
‘defunto’ ‘defuntos’
- t ab a nk a  ta b ank as
‘vilarejo’ ‘vilarejos’

ii. Usar o /-is/ se a palavr a terminar em consoant e;


- m i nj er  mi n j er is
‘mulher’ ‘mulheres’

iii. Pode ocorrer a supressão da consoante nas var iedades mais


acroletais, clar ament e como emprést imos do português.
- a n im a l  a n i ma i s
‘animal’ ‘animais’
- ma t er ia l  m a ter i a is
‘material’ ‘materiais ’

Kihm ( 1994) estabeleceu dois pr incípios para a utilização da marca do plural


no guineense. São eles:

- Princípio i: usar a marca do plural em substantivos quando


mais de um elemento da ent idade que ela denota é
relat ivamente presente no mundo compartilhado dos
participantes. Essa condição tem como conseqüência que
apenas nomes denotando humanos ou animais humanizados
são regularmente marcados com plural. Dif erentemente do
português, não há previsão de concor dância, exceto se este
f or núcleo de SN e sua realização acontecer nas var iedades
mais descrioulizantes.
172
- Princípio ii: usar a marca em um nome sempre que a entidade
f or relevantemente compartilhada pelos inter locutores, exceto
se a entidade não estiver especif icada e/ou expr essa com
números cardinais. Isso quer dizer que, quando marcado
lexicalment e no SN, o plural não é relevante. Segundo Kihm, a
ausência de individualização aponta par a o principal motivo da
não-marcação de plural, mais relevant e que a mer a mar ca
redundante (p.134).

Scantamburlo (1999, p.136) af irma que o guineense geralmente não


usa a marca dist int iva do plur al e de gênero, somente em casos esporádicos
e que a marca do –s acontece na f ala de locutores mais instruídos.
Contudo, essa marca é considerada como uma marca redundante.

No guineense há algumas marcações de gênero que se f azem com


f ormas lexicalizadas na língua, como os exemplos abaixo.

- omi / m i n jer
‘homem’ ‘mulher’
- r a p as / b aj u da
‘rapaz’ ‘moça’
- ga l u / ga l i ña
‘galo’ ‘galinha’

A questão que se coloca nos dados acima, mais uma vez, é até que
ponto podem ser considerados como dados de f lexão. Ou seja, como dados
de uma mesma palavra que f lectiu, por um pr ocesso de af ixação de
morf emas gramaticais, modif icando a f orma e acrescentando conteúdo. No
caso da f lexão dos substant ivos, o que se vê em rapas/bajuda e omi/minjer
são f ormas dif erent es de palavras que representam o espécime do sexo
masculino ou f eminino. Em galu/galiña, ocorre um processo lexicalizado,
donde o morf ema –ña não é, no crioulo ou mesmo no portug uês, a marca do
gênero f eminino. T em-se ent ão, uma distinção de sexo marcada com
entradas própr ias no léxico e não uma m arcação gramatical de gênero.

O guineense ut iliza a f orma composicionada das palavr as macu e


femia para a dist inção dos sexos (não de gênero). Essa distinção, marcada
nos moldes da composicionalidade, combinada com duas formas livres no
guineense, aponta para um processo transparente, donde os traços
173
[+humano] ou [+animado], e no caso de personif icação nas f ábulas
guineenses, são determinantes para o acionament o da r egra, conf orme se
pode notar nos dados abaixo.

- Fiju macu kurpu kinti.


‘filho macho corpo quente’
- na porta di kasamentu si i padi macu o padi femea.
‘na porta do casamento se ela pariu macho ou pariu femea’
- Maria ten ba un ermon macu i montiadur
‘Maria tem um irmão que é caçador’
-. Kal dia ku bu oja baka femia padi? Son baka macu.
‘Qual dia você viu uma vaca macho (boi) parir?’
- I ten ba un bias, na tera di mandingas un omi ku si minjer ku si dus fijus femia
‘era uma vez, na terra dos mandingas, um homem, sua mulher e suas duas filhas’

5.3.4 Sufixação

A suf ixação é o processo morf ológico no qual o af ixo se prende à parte


f inal da palavra. Esse af ixo pode ser de ordem desinencial e derivacional.
Nos processos f lexionais o grau, o tem po, o modo e o aspecto, pessoa e
gênero são marcados pelo suf ixo desinencial 28. No guineense essa mar ca
f lexional não é um atributo da morf ologia. As marcas T MA (tempo, modo e
aspecto) acont ecem no âmbito da sintaxe. Já as marcas de grau, de gênero
e pessoa se dão no nível lexical. O que é relevante para a suf ixação
guineense são os suf ixos lexicais ou derivacionais, pois a derivação é um
processo produtivo no guineense, conf orme vem sendo discutido ao longo
deste trabalho.

No quadro abaixo pode-se obser var o inventár io dos af ixos


29
guineenses .

28
Há uma discussão quanto ao estatuto morfológico do gênero dos substantivos em português que avalia sua
condição como derivação ou flexão (cf. Câmara Jr, 1970; Sandmann, 1993, Rocha, 1999)
29
Há a presença de palavras portuguesas derivadas com outros afixos portugueses, porém, são dados de
empréstimos e que não é possível afirmar sobre a análise estrutural desses dados por parte do falante guineense.
De acordo com a metodologia empregada neste trabalho, são dados indecomponíveis e totalmente opacos
morfologicamente para o falante guineese. Diante disso, não figuram no inventário dos afixos guineenses.
174

SUFIXO EXEMPLO
-ada kunsa ‘cansar’ kunsadu ‘cansado
VN kabanta ‘acabar’ kabantada ‘acabado’
-asku pretu ‘preto’  pretasku ‘qualidade do que é preto’
A N bunitu ‘bonito’bunitasku ‘qualidade do que é bonito’
-dur
montia ‘caçar’ montiadur ‘caçador’
V
tarbaja ‘tarbalhar’tarbajadur ‘trabalhador’
N(profissão)
-eru
feru ’ferro’  fereru ‘ferreiro’
N N
kalabus ‘cadeia’ kalabuseru ‘presidiário’
(profissão.)
-esa faima ’fome’ faimadesa ‘estado de faminto’
A/N N-abst bajuda ‘moça’  bajudesa ‘estado de juventude feminina’
-ia pinti ‘pente’ pintia ‘pentear’
N V munduku ‘pau’mundukia ‘bater com o pau’
-menti lebsi ‘afrontar’’lebsimenti ’afrontamento’
V N kasa ‘casar’  kasamenti ‘casamento’
-ndadi amigu ‘amigo’  amigundadi ‘amizade’
A/N N-abst macu ‘macho’  macuandadi’macheza e pênis’’
-dia kodardi ‘covarde’  kobardia ‘covardia’
A N kamarada ‘camarada’ kamaradia ‘camaradagem’
ciga ‘chegar’ ciganta ‘aproximar’
-ndV / -ntV
sinta ‘sentar’’sintanda ‘fazer sentar’
causativo
firbi ‘fever’  firbinti ‘fazer fever’
inci ‘encher’  inchinti ‘fazer encher’
-siñu mame ‘mãe’ mamesiñu ‘madrasta’
NN bentu ‘vento’  bentusiñu ‘brisa’
-si pretu ‘preto’ pretusi ‘pretear’
A/NV beju ‘velho’  bejusi ‘envelhecer’
-uda fartu ‘farto’ fartuda ‘fartura’
A N-abst forti ‘forte’  fortuda ‘força’
-nsa fian’confiar’ fiansa ‘confiança’
V N-abst kanba ‘atravessar’ kanbansa ‘travessia’
-on porta ‘porta’  porton ‘portão’
NN kalma ‘cabaça’  kalmon ‘colherzinha de cabaça’
PREFIXO EXEMPLO
papia ‘conversar’  dispapia ‘‘mentir’
dis- mara ‘amarrar’  dismara ‘desamarrar’

Em 1980, Basílio reconheceu nas regras de redundância (Jackendof f,


1975) a condição de regras “que expr essam relações paradigmáticas entre
palavras e conjuntos de palavras no léxico” (Basílio, 1980 p. 21) e a chamou
de Regra de Análise Estrutural (RAE). A dif erença básica entre uma RAE e
uma Regra de For mação de Palavra ( RFP) é que soment e esta última é
produt iva, ou seja, a pr imeira permite ao f alant e a análise estrutural das
f ormas complexas e somente a contraparte produtiva da RAE, a RFP (cf .
5.2), é capaz de ut ilizar esse conhecimento na f ormação de novos itens
lexicais.

Deste modo, com o desmembramento morf ológico reconhecido pelo


f alante, por meio da RAE, mediante a recorrência dos dados de input, um
dado af ixo passa a integrar o repertór io produt ivo do léxico do f alante. Esse
morf ema tem, a partir de então, a liber dade para se “reproduzir”, ou seja,
gerar novas f ormas que lhe serão aparent adas dos pontos de vista
175
semântico, f onológico e f uncional.

Basílio (1980, p.21) af irma também que a dualidade constituída da


RAE e sua contraparte RFP “permite uma melhor descrição dos casos em
que regras de f ormação de palavras são restrit as em sua produt ividade a
classes lim itadas de bases, enquant o suas contrapartes de análise estrutural
se aplicam a classes de bases consideravelmente mais abrangentes”. Isso
signif ica que nem sempre a análise morf ológica dos dados pelo f alante se
mantém no percurso produt ivo de uma dada RFP, ou seja, podem ocorrer
deslizamentos que levam a uma reinter pretação nos traços de seleção e
restrição da regra 30.

Sabe-se que produtividade não pode ser medida apenas pela maior ou
menor ocorrência de um dado it em lexical ou af ixo, mas pelas palavras que
este é capaz de produzir ou mesmo que já está produzindo na língua.
Portanto, ao estudo da morf ologia cabe a taref a de reconhecer as novas
f ormas morf ológicas que emergem ou são passíveis de em ergir mediant e a
competência lexical do f alante.

No que diz respeito à morf ologia das línguas crioulas, e tendo em vista
que estas der ivam seu vocabulário da língua de superstrato, Lef èbvre (2003)
indica critér ios que identif icam se um dado af ixo, que é nativo da língua de
superstrato, pode ou não ter status similar na língua crioula. Entre esses
critérios, há aquele que propõe que um af ixo seja potencialmente nativo na
língua crioula se:

i) Af ix a do a um a b as e es tr a n ha à lí n gu a d e s u p er s tr a to ;
i i) Us a d o c om um a b as e de r i v a da d a lí n gu a l ex if ic ad or a o n d e, po r ém ,
nã o c om b in a c om o af i x o em qu es tã o ;
i i i) As pr opr i e da d es s em ân t ic as e s i nt á tic as da p a la v r a d er i va d a s ão
d if er e n tes das p a l a vr a c or r es po n de n te n a le x if ic a dor a .

30
Um exemplo para o Português são formações como “incrível” com a RFP em X-vel: no Português atual “a aplicação
da regra mencionada privilegia verbos transitivos, preferencialmente transitivos diretos que admitem apassivação. A
regra V  A + -vel pode ser comparada ao processo de apassivação, em que há transposição de argumentos: o
argumento interno passa a externo, e o argumento externo pode ser omitido”(Salles e Mello, 2006). Existem duas
formas de se pensar o assunto: uma forma é considerar que nem sempre esse parâmetro foi marcado na RFP, houve
épocas em que ele não restringia a transitividade da base, o que gerou formas como “incrível”. A outra é uma
possível reanálise da transitividade da base sincronicamente. De qualquer forma admite-se que os parâmetros
marcados no léxico são passíveis de reanálise pelo falante.
176
Contudo, esses critérios não são suf icientes para atestar a
produt ividade de um af ixo. A disponibilidade para os f alantes f ormarem
novas palavr as depende de cr itérios que indicam a pr evisibilidade das
f ormações com o af ixo em questão. Nesse caso, exemplos de uma dada
f orma devem:

i) Com par t i lh ar tr aç os s i nt át ic os e s i g n if ic ad o;
i i) C om par t i l ha r um c onj un t o c oer e nt e d e pr o p r i ed a des de s e l eç ão ;
i i i) O r es u lt a do d a c onc at e naç ã o d e um a d a da f or m a c om um a b as e
par t ic u l ar d e v e s er pr e v is í v e l.

Como conseqüência, os dados para a análise, contendo em suas


f ormações af ixos derivacionais, f oram extraídos do banco de dados do
guineense com as f erramentas do software Contexto (cf . Cap.3) e
organizados de f orma a manter a classif icação em três níveis. Nível 3 (N3),
Nível 2 ( N2) e Nível 1 (N1). Estes níveis distribuem os dados quanto à
identif icação de origem em relação à língua lexif icadora e quanto à
produt ividade das RFPs. São eles:

i) Nív e l 3 ( N 3)
- F or m aç õ es der i v a das c om o c or r es po n de n te p or t u gu ês , c om a
m esm a b as e , m es m o af ix o e a m es m a c ar g a s em ân t ic a ;
- f e lis i d ad i
‘felicidade’

ii) Nív e l 2 ( N 2)
- F or m aç õ es g u i ne e ns e s qu e nã o apr es en t am um c or r es po n de nt e
por t ug u ês d er i v a d o c o m o s uf ix o em q u es t ão ;
- d is eñ a du r < d is e ñ u + - d ur
‘desenhista’ ‘desenho’
- F or m aç õ es q ue ap r es e n tam es p ec if ic aç õ es s em ân tic as ou
s i nt át ic as d if er en tes d aq u e las da RF P c om o s uf ix o
c or r es p o nd e nt e n o p or tu g uês ;
- c al er a < c a +- e r a
‘recipiente para água’ ‘chá’

iii ) Nív e l 1 ( N 1)
- F or m aç õ es c om pa l a vr as - b as es nã o p or t u gu es as ,
pos s i v e lm ent e c om o l ín g uas d e s ubs tr at o ou f or m ad as n o
pr ó pr i o g ui n e ens e.
- m uf u nes a < m uf u na + - es a
‘má-sorte’ ‘desgraça’
177

5 . 3 .4 . 1 (X ) N  [(X ) N + nda di ] N [ + a b s t r a t o ]

O primeir o suf ixo a ser discutido é o suf ixo –ndadi, f ormador de


substant ivos abstrat os com bases adjetivais e substantivas, que se articula
mediante a RFP (X)N  [(X)N + ndadi]N-abst. . De ocorrência bast ante signif icat iva,
esse suf ixo adaptou-se às condições gramaticais com uma mudança em sua
f orma f onológica em relação ao português. A Regra de f ormação em –ndadi
(o suf ixo –ndadi) representa um dos mais produtivos no guineense, uma vez
que a ocorrência de dados produzidos por ele é repr esent ativamente maior
que os outros suf ixos menos produtivos e menos adapt ados. Ao mesmo
tempo em que os critér ios morf ológicos, semânticos e f onológicos,
estabelecidos para a análise dos dados, se apresent am de f orma clara à
obser vação, o que justif ica que seja ele o primeir o a ser analisado.

Na extração de ocor rências no banco de dados (233. 639 palavr as, cf .


cap. 3) com o Contexto f oram obtidas 267 ocorrências relevantes à
31,
pesquisa . Após o agrupamento em níveis – N1, N2 e N3 - conf orme
especif icado acima - o resultado geral pode ser obser vado tabela e n o
gráf ico abaixo.

Nível Formações Ocorrências


(types) (tokens)
N1 6 69
N2 11 44
N3 32 130
Total 49 243
Ocorrências de -ndadi Form ações de -ndadi
(tokens) (types)
6
69
12%
28%
11
130 22%
54% 32
44 66%
18%

N1 N2 N3 N1 N2 N3

31
Foram descartadas ocorrências em que o -dadi era parte integrante da raiz da palavra, considerados como
dados indecomponíveis, como sidadi, koldadi, kudadi, idadi etc.
178
Os dados N3, embora em maior númer o, não atestam a produt ividade do
suf ixo. Conf orme critério de Lef èbvre ( 2003), um af ixo nativo da língua de
superstrato não tem necessar iamente o mesmo status no crioulo. Assim, os
dados classif icados como N3 não são f ormas produzidas no guineense, são
f ormas prontas, vindas do português, como as que podem ser obser vadas na
tabela abaixo 32 com dados do suf ixo –ndadi.

NÍVEL 3 palavras terminadas em -ndadi


NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS OCOR. BASE OCOR. COGNATOS

3 atividadi atividade 1 6 ativu


3 bondadi bondade 2 4 bon 125
3 difikuldadi dificuldade 2 2 difisil 21
3 diversidadi diversidade diverso
3 ermondadi irmandade 2 2 ermon 69
3 falsidadi falsidade 1 2 falsu 2
3 fekundidadi fecundidade 1 1
3 felisidadi felicidade 3 4 felis
3 finalidadi finalidade 2 2 final 2 afinal
3 gravidadi gravidade 1 1 gravi
3 identidadi identidade 1 1 identifikadur
3 infilisidadi infelicidadi 1 2
falta de gentileza;
3 jintiuandadi gentilidade
2 2 jintiu

3 klaridadi claridade 2 6 klaru 15 klarisia


3 komunidadi comunidade 4 9 komun
3 kuantidadi quantidade 3 5 kuantia 2 kuantu
3 liberdadi liberdade 1 14 libri 10 libertason
3 musidadi mocidade 1 2 mosu (subst.)
3 nesesidadi necessidade 1 3 nesesariu 2
3 nubdadi novidade 2 14 nobu 40
3 oportunidadi oportunidade 2 4
hospitalidade;
3 osprindadi hospedagem
1 6 ospri 39

3 partikularidadi particularidade 1 1 partikular 1


3 pusibilidadi possibilidade 2 2 pusivel 2
realizason;
3 rialidadi realidade 1 1 rial
rialmenti; rializa
3 rivalidadi rivalidade 1 1
3 seriedadi seriedade 2 4 seriu 2
3 sosiedadi sociedade 2 5 sosial 3
3 susidadi sujidade 4 11 susu 38
3 unidadi unidade 1 9
3 utilidadi utilidade 1 4 util (adj)
Total de 31 formação em –ndadi N3 totalizando 130 ocorrências

32
Guia de leitura da tabela: NÍVEL – estratificação dos dados quanto à produtividade e a proximidade do
português; DADO – dado recolhido do banco de dados (BD) e/ou Scantamburlo; TIPO: variantes do dado no
BD; OCOR.: quantidade de ocorrência desse dado no banco de dados; BASE: palavra-base da qual se originou o
dado; OCOR: ocorrência da base no BD; COGNATOS: existência de outros derivados a partir da mesma base.
179
Os dados N3 (Nível 3) ser vem à análise no que diz respeito à
interpr etação dada pelo f alante às unidades que se incorporaram ao léxico.
Considerando os per íodos analít ico e sintético de Sandmann (1991) 33, pode-
se consider ar que, no caso do suf ixo -dade e -ndadi, a f orma -dade,
originária do portug uês, f oi a f orma de entrada de -ndadi, suf ixo guineense.
Nesse sent ido, as f ormas terminadas em -dadi, recorrent es nos dados N3, e
respect ivas bases, conf iguram o per íodo em que há possivelmente
34
percepção por parte do f alante da estrutura interna da palavra .

Para Rougé (1988) , entre os emprést imos do Português, somente


bondade e cristandade poder iam par ecer clar amente par a o f alante do
crioulo como contendo der ivação. Assim, postula a hipótese de que o suf ixo -
ndadi vem desses dois termos que teriam sido int erpretados como: bom +
ndade e cristão+ ndade 35. Ainda que par a o autor a reanálise morf ológica
tenha se dado mediante esses dois dados, ver if ica-se a existência de outros
dados t ambém nasalizados, como ermondadi, de irmandade; lebiandadi, de
leviandade, vir jindadi, de vingindade; mortundadi ou mortandadi, de
mortandade. Em todos esses dados, a nasal antes da oclusiva é parte
integrante da base portuguesa.

Ocorrem ainda palavras em que se nota que, apesar de inexistente em


Português, a pré-nasalização manif esta-se nas f ormações do guineenses 36:
jintiuandadi 37, osprindadi e, skolarindadi, correspondentes respectivamente a
gentilidade, hospitalidade e escolar idade em português.

Os dados N3 apresentam-se preservados quanto às f ormas


morf ológica, f onológ ica e f onética do português, assim como seu conteúdo

33
Sandmann (1991) distingue dois períodos distintos relacionados à interpretação do falante às unidades da
língua: i. Período analítico - quando ocorre a análise e percepção do falante a respeito da estrutura interna da
palavra; ii. Período sintético - desencadeado pelo primeiro e caracterizado pela produtividade do item lexical
com a utilização do conhecimento morfológico adquirido no período analítico.
34
Em termos de regras, tais formas acionariam a emergência da RAE, Regra de Análise Estrutural, (Basílio,
1980), que, por sua vez, desencadearia o mecanismo morfológico para a RFP, Regra de Formação de Palavras.
35
“Parmi ces emprunts au Portugais, deux seulement peuvent aparaître clairement pour créolophone comme dês
dérivations: bondade et cristandade. On peut donc poser comme hypothèse que le suffixe –ndadi vient de ces
deux termes qui auraient été intérprétés come: bom + ndade et cristan + ndade.” (Rougé,1988: 16).
36
A palavra maldadi é também atestada com a forma maundadi, na qual ocorre a pré-nasalização, inexistente na
correspondente maldade em Português.
37
Jintiuandadi (guineense) ‘falta de gentileza’; gentilidade (português) ‘paganismo’.
180
semântico e f uncional 38. Considerando-se a ocorrência m ínim a de palavr as
em N3 com a term inação –ndadi, derivadas de palavras do português sem a
nasalização, cabe postular a mudança da f orma f onológica de –dadi para –
ndadi. Supõe-se, assim que a f orma –dadi precede a entr ada de -ndadi no
guineense. Após a percepção do suf ixo pelo usuár io, ocorr e uma mudança
morf of onológica com a pré-nasalização. Como se verá nos dados abaixo, a
f orma –ndadi é recorrente, mesmo com a existência de poucos dados
nasalizados do português.

Os dados de N2 (Nível 2) se caracterizam, principalmente, por


apresentarem o suf ixo guineense af ixado a uma base portuguesa, embora no
português, a base não combine com este af ixo. Abaixo pode-se obser var
dados N2 com o suf ixo –ndadi.

NÍVEL 2 (X)N  [(X)N + ndadi]N[+abstrato]


NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS OCOR BASE OCOR COGNATOS

2 amigundadi estado de ser amigo 1 2 amigu 68 amizadi


2 fidalgundadi fidalguia; nobreza fidalgu
vida ou atividade de
2 futsindadi feitiçaria
1 1 futseru; futis 21 futsaria
kunhandadia;ku
2 kuñandadi relações de parentesco 1 1 kuñadu
nhadaria
virilidade; valentia;
2 macuandadi genitais masculinos
3 13 macu 31

2 mamendadi maternidade 1 1 mame 224 mamesiñu

2
mansebunda maneira de ser
2 3 mansebu
di mulherengo

2
muntrundad ato de mentiroso,
1 2 muntrus 5
i intriga
costume de mouro;
2 murundadi arte da medicina muru
muçulmana
maneira de agir do
2 regulundadi régulo
1 2 regulu 42

Total de 10 formação em –ndadi N2 totalizando 25 ocorrências

Como caracter íst ia de dados N2, as palavr as têm bases por tuguesas,
porém, com derivações não atestadas no português. Nos dados com –ndadi,
tal como amigundadi f ormado a partir de amigu, der ivam de bases que têm
correspondentes em português (amigo), embora não exista em português
amigo + dade.

38
Não foram considerada como objeto de observação as questões referentes aos empréstimos portugueses
alimentados pelo fluxo de informações da televisão ou mesmo pela rede mundial de computadores. Certamente
este fato tem muito a dizer sobre questões de empréstimos, prestígio e descrioulização na Guiné.
181

Há, nos dados com –ndadi, e outros suf ixos classif icados como N2,
f ormações bloqueadas (Aronof f , 1976) no português por outras f ormas. O
que ref orça a idéia de que não f azem parte do inventário lexical da língua
lexif icadora. A f orma amigo+dade, por exemplo, é bloqueada por am i zade.
Da mesma f orma, futsindadi, cujo correspondente em português é feit içar ia,
bloqueia a emergência de feit iço+dade. Outras f ormas, como ministrundadi,
constant e como entr ada de dicionár io em Scantambur lo (2002), por exemplo,
não têm, ainda, equivalente em português, no entanto, estando em inércia
morf ológica, podem receber o traço de [+inserção lexical] (Halle, 1973) a
qualquer momento.

Embora o suf ixo -ndadi produza substantivos abstratos, há ocorrência


de f ormas não-abstr atas. Apesar de tom arem bases lexicais vindas da língua
lexif icadora, alguns dados de N2, no -ndadi apresentam uma especif icação a
mais em relação aos outros dados de seu estrato: minjerindadi ‘genital
f eminina, vagina’, macundadi ‘genital m asculino, pênis’, femiandadi ‘genital
f eminina, vagina’. Além de não apresentarem correspondent e der ivado com –
idade no português (respectivamente, *mulher idade, *machoandade e
*f emiandade), os três exemplos apresentam deslizamento semântico, tendo
adquir ido o traço [+concreto] para uma regra que pressupõe a
subcategor ização de substant ivos abst ratos. Pode-se considerar que ao
marcar um traço de concretude, a regra pode levar a f ormações f uturas que,
à primeira vista, não seriam pr evista pela RFP, mas que a inserção do traço
pode tornar possível.

A traço mais marcado por caracter íst icas notadamente cr ioula nos
dados N2 e N1, com o suf ixo –ndadi é a pr é-nasalização. Todos os dados
apresentam a f orma f onética do af ixo em –ndadi, ou seja, já com a f orma
nasalizada do af ixo. Isso ref orça a hipót ese da apr eensão do –dade como –
ndadi e a inscr ição desse traço dir etamente na RFP, pois todas as
produções consideradas genuinamente cr ioulas apresentam a f orma -ndadi.

Esse f enômeno é bastante comum nas línguas af ricanas que entraram


na f ormação do crioulo, pois “nas línguas af ricanas de substrato e at é
mesmo de adstrato, há toda uma sér ie de pré-nasalizadas que representam
f onemas independentes” (Couto, 1994, p. 71). Esses f onemas f oram
reinter pretados no crioulo e passaram por uma ref onologização: o que nas
182
línguas de substrato e até de adstrato er a n g passou a ֊+g, da mesma f orma,

o que era n d passou a ֊+d (Couto, 1994; Rougé, 1988). Outra hipótese é de
que a pré-nasalização seja um traço restrito da RFP, gerado como resíduo
morf of onêmico das línguas de substrato. Conf orme Ar onof f 39 (1976) a RF P
especif ica uma base, assim como alguma oper ação na base que resulta em
uma nova palavra, que geralmente terá algum ref lexo f onológico. Assim a
RFP especif ica a f orma f onológica do af ixo e o seu lugar em relação à base.
Pode-se ainda conjecturar, embora com certo cuidado, pois ainda não f oi
investigado com af inco, que o compart ilhamento de traço [+coronal] do “ i”
do –idadi e do “n” de –ndadi, pode ter acarretado um processo assimilat ório
na direção da nasal. Com isso, ocorreu uma convergência, o “i” perdeu seus
traços vocálicos e assumiu uma posição articulatór ia mais posterior izada, em
direção à velar ização. Porém, o movimento de assimilação entraria como um
f ator condicionante, não det erminante, para a nasalização do –ndadi.

Em N1 estão agrupados dados cujas bases não são encontradas no


português. Nos dados com o suf ixo –ndadi estão amontandadi de amonton
‘alguém que é preguiçoso’; jilandadi de jila ‘mascate’; manjuandadi de
manjua ‘companheir o da mesma f aixa et ária’ e kabalindadi, de kabali 40 ‘sem
valor’ 41. Estes dados são f ormações do tipo X - n d a d i , cuja regra selecion a
bases semelhantes àquelas mencionadas em N2 (nomes que designam
seres) e resultam em substant ivos que denotam qualidade, conf orme pode
ser obser vado na tabela abaixo.

39
“(…) a WFR specifies a base, as well as some operation on the base which results in a new word. This
operation will usually have some phonological reflex, some morpheme which is added to the base. We will call
this operation the phonological operation of the WFR.
The operation is generally quite simple, and consists of the addition of some affix to the base. The WFR
specifies the phonological form of the affix and its place in relation to the base.” (ARONOFF, 1976, p. 63).
40
Ou kabalidu (SCANTAMBURLO: 1999)
41
Poder-se-ia incluir nesse grupo kadjabrandadi ‘comportamento de alguém que busca sempre novos parceiros
sexuais’ cuja base não foi identificada.
183

NÍVEL 1 (X)N  [(X)N + ndadi]N[+abstrato]


NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS OCOR BASE OCOR COGNATOS

1 amontandadi atitude do preguiçoso 2 3 amonton 12


maneira de fazer
comércio ambulante,
1 jilandadi contrabando, 1 1 jila 14
enganação; vida de
jila; mercadoria jila
1 kabalindadi inutilidade 1 3 kabalidu ?

comportamento de fasi
alguém que busca kajabrandrad
1 kadjabrandadi sempre novos i = cometer
parceiros sexuais; má adultério,
vida. Sin. paka-paka
enganar, 210
agrupamento de
1 manjuandadi pessoas da mesma 4 59 manjua 1
faixa etária
Total de 5 formação em –ndadi N1 totalizando 66 ocorrências

A maior ia das f ormas em –dadi ou –ndadi f oram transpostas do


português como um bloco monomorf êmico. O que signif ica que essas f ormas
não apr esent avam estrutura int erna no momento do processo de
crioulização. A apreensão dessas f ormações f oi tomada e processada de
maneir a separada no léxico do f alante, ou seja, cada f orma com sua entrada
particular. Porém, a relação entre as regularidades semânt icas, f onológicas
e sintát icas entre elas permit iu o reconhecimento das partes que compunham
as palavras e a hier arquia entre elas.

O (re)conheciment o das partes que f ormavam as palavras com -dadi,


tornou possível a pr odução de outros it ens lexicais der ivando novas f ormas
que não exist iam na língua de input. À medida que as entradas, ant es
indecomponíveis, f oram dissecadas em unidades menores e m ínimas, f oram
também assumindo f unção de constituint e de signif icado. Isso quer dizer que
essas unidades cat egorizaram-se em morf emas separados, uma vez que
marcam a dif erença entre uma f orma e outra quando af ixados a dif erentes
bases lexicais, embora mant ivessem um regularidade f uncional entre elas.
Ao assumir status gr amatical, o suf ixo apresenta uma nova f orma f onológica.
Esse processo ter ia sido desencadeado pelo pr ocesso da gramaticalização,
tanto no sentido de f ormação de uma gramática recursiva para as
articulações morf ológicas, como no sentido de transmudar de um estado
lexical para o gramatical.

Assim, o suf ixo –dadi, or iundo das f ormações portuguesas torna-se


produt ivo, sob a f orma –ndadi. Assume-se, então, que há recorrência de
184
dois suf ixos dif erentes, um deles empréstimo do português, e outro, que
emergiu no guineense e, por suas prerr ogativas autóctones, vem produzindo
novas f ormas na língua. Nesse percurso, delim itou sua f orma f onológica de
acordo com as pref erências e tendências da língua e adquir iu, inclusive,
mais o traço de concretude.

5 . 3 .4 . 2 (X ) N  [(X ) N + e s a ] N [ + a b s t r a t o ]

Em relação de concorrência suf ixal com o suf ixo –ndadi, o suf ixo –esa,
42
também deriva subst antivos abstrat os a partir de nomes/ adjet ivos . De acordo
com Scantambur lo (2002, p.202 e 424) –esa é “suf . nom.; suf ixo que entra na
f ormação de substantivos, expr imindo a idéia de qualidade ou estado”. Da mesma
f orma que o suf ixo –ndadi, que “entra na f ormação dos substantivos, expr imindo a
idéia de estado, qualidade”.

Na condição de suf ixo concorrente do –ndadi, o –esa também deriva


substant ivos abstrat os a part ir de adjetivos e outros subst antivos, como bajuda
‘moça’ → bajudesa ‘mocidade’, sob as condições impostas pela morf ologia da
língua. A noção de bloqueio (Aronof f, 1976) prevê que quando um a base é
acionada par a uma das regras, a outra está automat icamente bloqueada para a
mesma base, estabelecendo uma relação excludente entre elas. Por exemplo, a
f orma bajudesa bloqueia o acionamento da base “ bajuda” com a regra de -ndadi,
conf orme especif icadas abaixo.

X adj  [ ( X a d j ) - e sa] N ou b a ju d a adj  [ ( b aj u d a a d j ) - e s a] bajudesa

- O ac i o nam en t o d a RF P a ba ix o es t á b l oq u ea d o p el a r e gr a ac im a

*
X adj  [ ( X a d j ) - n d a d i] N ou b aj u d a adj  [ ( b a ju d a a d j ) - n d ad i] bajudandadi

42
No guineense, os substantivos abstratos têm 4 terminações diferentes: -ndadi, -esa, uda e –nsa.
185
Foram extraídas 110 ocorrências com o suf ixo –esa no banco de dados. Foram
empregados os mesmos critérios de delimitação especif icados para os dados. O
corpus contou com 20 f ormas f onéticas de der ivados a partir -esa. Os dados de
input, dispostos abaixo, são os dados de N3 que totalizar am 8. Assim como os
dados de N3 do –ndadi, são dados vindos da língua lexif icadora, ou seja, são
palavras f ormadas no português, portanto, não relevantes à análise da
produt ividade do guineense.

NÍVEL 3 - palavras terminadas em -esa


NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS OCOR BASE OCOR COGNATOS

3 belesa beleza 1 4 belu 3


3 frakesa fraqueza 1 1 fraku 4 frakisi
3 naturesa natureza 1 1 natura sobrenatural
3 rikesa riqueza 4 59 riku 19
3 sertesa certeza 1 6 sertu 55 insertu
3 garandesa grandeza 2 4 740 740
3 malbadesa malvadeza 2 4 mal 110
3 nobresa nobreza 2 6 nobri
Total de 8 formações em –esa N3 totalizando 85 ocorrências

O suf ixo –esa se mostrou menos recorrente e com menos dados extr aídos
em relação ao –ndadi. Depois de analisados, as f ormações der ivadas dispost as
nos níveis N1 e N2 – os níveis produtivos - totalizaram 10 f ormações, enquant o
os derivados dos mesmos níveis de –ndadi somaram 17. Quanto às ocorr ências
de N1 e N2, o –ndadi apresentou 113 dados, contra 74 do –esa. Por ém, 67% do
total das f ormações em –esa, const ante nos dados, f oram produzidas no
guineense. A mesma relação percentual entre total de ocorrências e f ormas
produzidas na língua para o –ndadi f oi de 47%. Eis os dados N2 e N1 com o
suf ixo –esa.
186

NÍVEL 2 (X)N  [(X)N + esa]N[+abstrato]


NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS OCOR BASE OCOR COGNATOS

2 danadesa estado de ser danado 1 1 danadu 4


2 dudesa estado de doido 1 1 dudu 7 dudisi
2 koitadesa estado de coitado 1 9 koitadi 44
malkriadesa modo de ser do
2 malcriado
1 4 malkriadu malkriadu

2 mininesa estado de ser jovem 1 2 mininu 7


2 faimadesa estado de fome 2 2 faimi 86 (fomi)
ingratesa modo de agir com
2 ingratidão
1 1 ingratu

Total de 7 formações em –esa N2, totalizando 20 ocorrências

NÍVEL 1 (X)N  [(X)N + esa]N[+abstrato]


NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS OCOR BASE OCOR COGNATOS

1 bajudesa juventude 3 8 bajuda


253 bajudasiñu
1 jiresa esperteza 1 13 jiru 62
1 mufunesa desgosto – má sorte 2 32 mufuna 4 mufunadu
Total de 4 formações em –esa N1 totalizando 53 ocorrências

Considerando a condição de concorrentes dos af ixos, -ndadi e –esa, pois


ambos têm a mesma f unção, selecionam a mesmas bases e são ambos produtivos
na língua. Pergunta- se então: o que leva o f alante a escolher uma dentre as duas
regras de f ormação de substant ivo abstrato a partir de adjetivos no guineense?
Quais são os parâmetros marcados na regra do –ndadi que o pr ivilegia ou o
restringe diante de seu concorrente?

De acordo com a Morf ologia Lexical (Kiparsky, 1982), na hierarquia


estabelecida pelo m odelo teór ico, os afixos mais produt ivos, nos estratos mais
baixos da hierarquização, são af ixos que no acionamento da RFP, não causam
grandes modif icações nas bases 43. Por sua vez, os af ixos do estrato 1, os mais
altos na estratif icação, são af ixos f onologicamente não-neutros. Isto é, disparam
algum tipo de processo f onológico ou morf ológico na base. Esses af ixos são
também menos produtivos.

43
A proximidade do afixo em relação à base e a transparência semântica, previstas pela teoria, não foram
observados nos dados.
187
Seu principal concor rente, o suf ixo –ndadi está estrat if icado nos níveis
mais baixos da hierarquia no modelo teór ico da Morf ologia Lexical. Isso se deve
ao f ato de ser f onologicamente neutro no acionamento da regra, não causando,
qualquer tipo de alt eração f onológica signif icat iva em sua base de regra - o que
responde por sua condição produt iva. Por sua vez, o suf ixo–esa dispara, no
momento do acionamento da regra, processos f onológicos de elisão e epêntese.
Essa condição o coloca em uma posição hier árquica mais alt a, em relação à
regra do –ndadi, no modelo de kiparsk y (1982), o que ref lete nas condições de
produt ividade do af ixo, pois, quanto mais alto na escala hier árquica, menos
produt iva a regra (ou o af ixo).

Faima  faimadesa
‘fome’ ‘estado de faminto’ epêntese

Bajuda  bajudesa -
‘moça’ ‘estado juventude’
Malkriadu   malkriadesa
‘malcriado’ ‘estado de malcriado elisão
dudu  dudesa
‘doido’ ‘loucura’
koitadu  koitadesa
‘coitado’’ ‘estado de malcriado’

Ambas regras, do –esa e do –ndadi, são acionadas a par tir de bases


adjetivais e/ou substantivas. Essa car acter ística leva à discussão da dist inção
entre adjet ivo e substantivo.

Basílio ( 2004, p.80) af irma que, mesmo ocorrendo com substant ivo ou
adjetivo, trata-se de duas classes e duas palavras dist intas. A autora
exemplif ica com a palavra doce que, quando substant ivo, não permite a
intensif icação como o “doce” adjetivo. Semant icament e, há restrições de uso
para o adjetivo doce em produtos comest íveis (nem tudo pode ser predicável
como doce) e, nem todo produto predicável como o adjetivo doce pode ser
designado como “doce”.

Segundo Per ini (2003, p. 321) “a separação entre substantivos e


adjetivos é tão pouco marcada que há razões para duvidar da existência de
duas classes distintas”. O autor argumenta com traços demonstrando a
distr ibuição categorial e a existência de subclasses de adjetivos e substant ivos.
Essas divisões dizem respeito, principalmente, ao padrão de f uncionalidade. Há
palavras que podem se posicionar como núcleo de sintagma nominal [+ NSN],
188
próprio do substantivo, e podem também atuar como modif icadores. Como no
exemplos abaixo:

- j o vem e n di n he ir a do
- f o g o a mi g o

Há também palavras que podem ser [+ Mod] (modif icador), mas não
podem f uncionar como [+NSN]. Esses são classif icados tradicionalmente como
adjetivos. Abaixo temos exemplos dessas palavras.

- c o nt a ex at a
- c ar g o g er e nc i al

Existem ainda palavras que só atuam como [+NSN] e não têm o traço de
[+Mod], conf orme os exemplos:

- E l a c he g ou bem
- J oa n a é f r anc es a

Perini af irma que nenhuma dessas f unções é “mais básica” que a outra.
Também que não se trata simplesmente de uma transposição cat egorial,
quando um substant ivo passa para a classe adjetiva, mas sim de uma palavra
que apresenta tanto o traço [+NSN], quanto o [+Mod]. 44 Outro traço
signif icat ivo utilizado na descr ição de Perini diz respeito à condição de poder
atuar como complementador de predicado, preenchido, geralmente com SNs.
Enf im, o autor conclui que os substantivos apr esentam o traço de
complementadores de predicados sem poder at uar como modif icadores ou
predicat ivos. Já os adjetivos podem ser complementos de predicado,
modif icadores e também predicativos. Portanto, o ponto de int erpenetração
f uncional entre adj etivo e substantivo ocorre como com plementador es de
predicados.

As bases lexicais das RFPs do guineense que utilizam subst antivos e/ou
adjetivos como base regra, parecem articular-se indist intamente par a os

44
O autor expõe ainda mais 4 traços de natureza sintática, e um morfológico. São eles:
Ocorrer como pré-núcleo – [+PN]; Ocorrer como complemento de predicado [+CP]; Ocorrer junto com outro
termo no SN [+T,SN]; Desempenhar função de predicativo [+Pv]; Coocorrer com o sufixo superlativo –íssimo e
suas variantes (morfológica) –rimo e –imo.
189
adjetivos e/ ou subst antivos. Assim, as bases lexicais dos dados em N1 e N2
apresentam os três traços acima, ou seja, todas são [+NSN], [+ Mod] e [+CP].

A conf luência de traços das bases lexicais apontam par a o f ato que a
seleção da regra não enxerga, ou não é sensível às nuances categoriais das
bases pelo f ato de que a língua não estabelece essa distinção categorial, como
se pode obser var na tabela a seguir.

DADO BASE +NSN +Mod +CP


amigundadi amigu x x x
brankundadi branku x x x
femiandadi femia x x x
fidalgundadi fidalgu x x x
futisndadi futiseru x x x
-NDADI kabrondadi kabron x x x
kolegundadi kolega x x x
kamadrundadi kumadri x x x
kuñandadi kuñadu x x x
ladrondadi ladron x x x
macundadi macu x x x
mamendadi mame x x x
mansebundadi mansebu x x x
minjerindadi minjer x x x
ministrundadi ministru x x x
muntrundadi muntrus x x x
murunddi muru x x x
danadesa danadu x x x
dudesa dudu x x x
-ESA koitadesa koitadi x x x
malkriadesa malkriadu x x x
mininesa mininu x x x
faimadesa faimadu x x x
ingratesa ingratu x x x
bajudesa bajuda x x x
jiresa jiru x x x
mufunesa mufunadu x x x

Algumas bases acionáveis com a regra do –ndadi, quando analisadas


semânticamente, apresentam uma especif icidade subst antival mais de
designação ou denominação, apontando para uma utilização adjet ival mais
relacional que propriamente qualif itativa. Conf orme se pode ver nos dados
abaixo:
- futiseru
‘feiticeiro’

- Kabron
‘pessoa de má índole’

- Kolega
‘colega’

- Kumadri
‘comadre’
- Kuñadu
‘cunhado’

- Mame
‘mãe’
- Ministru
‘ministro’
190
Considerando que essas bases pertencem ao conjunt o de bases do –
ndadi. Em uma relação comparat iva com as bases do –esa, cujo conjunto de
bases adjetivais tem caracter íst icas qualitat ivas, pode-se conjecturar que a
RFP em –esa tem uma restrição de acionamento com adjet ivos com maior grau
de qualif icador. Essa restr ição é sensível somente nas especif icações
semânticas da base lexical. As especif icações sintát icas não são signif icativas
para as regras em relação às escolhas adjetivais. Mesmo porque os traços
sintát icos se apresentam indist intamente para todos os dados de ambas as
regras.

Essas r estrições e pref erências mantidas pela RFP vão se ref letir na
produt ividade da regra. Dentro do quadro teórico, aponta-se então que, além de
comportar-se como um af ixo não neutro no processo de af ixação,
desencadeando modif icações nas bases com elisão e epênt ese, a suf ixação
com –esa também é mais selet iva, o que restringe suas possibilidades de
acionament o com os adjetivos do guineense. Por sua vez, o –ndadi , comporta-
se mais produt ivo quando não r estringe suas bases e t ambém não dispara
nenhum tipo de processo f onológico na estrutura da base, conf orme previsto
pela Morf olog ia Lexical de Kiparsk y.

5 . 3 .4 . 3 (X ) N  [(X ) N + e r u ] N / A

Segundo Scant amburlo, o suf ixo -eru é o “suf ixo que entra na f ormação
de substantivos, expr imindo a idéia de prof issão, ocupação ou noção
coletiva” (Scantamburlo, 2002, p. 202). Corresponde ao suf ixo português –
eiro que, de acordo com Rocha (1999, p. 140), tem como car acter ística
produt iva no português um traço pejor ativo, como em noveleiro, biscateir o,
muambeir o, cambalacheiro etc, com isso, “criações novas (com o suf ixo –
eiro) não f arão parte de discursos neut ros, técnicos ou cient íf icos (Rocha,
1999, p. 140). Porém, a despeito desse traço que se inseriu na r egra, há
muita recorrência de f ormas em uso na língua sem a caracter ística da
pejoratividade. Em uma tomada de busca no Houaiss ( 2001), pode-se
constatar 2599 f ormas dicionar izadas. Em sua maioria, são f ormas que
apresentam o mesm o context o de uso dos dados que se apr esentaram no N3
no guineense. Couto (1994) r essalta que a produtividade de –eru é reduzida
em relação à pr odutividade do –dur, que também é f ormador de
substant ivos/adjet ivos com idéia de pr ofissão. Embor a as regras apresent em
191
uma ident idade no produto de r egra em relação à semântica da palavra,
estes suf ixos não são concorrentes pelo f ato de selecionarem classes
dif erentes de bases para se art icularem: a do –eru é (X)N  [(X)N + eru]N/A,
enquanto a do –dur é (X)V  [(X)V + dur]N/A., ou seja, esta seleciona os nomes
e/ou adjet ivos, enquanto a regra do –dur pref ere os verbos, conf orme poderá
ser notado nas páginas seguint es.

Porém, a regra apresenta uma f orma f onológica que se realiza como –


era, em f ormações como em simentera, katandera, labadera etc. Embora
menos recorrente em relação ao –eru, nos dados de N3 o resultado f oi de
1.7 maior para as f ormações em –eru. Essas f ormações em –eru e –era em
N3 seguem o padr ão da f ormação portuguesa, ou sej a, são sempre entradas
lexicais que se inseriram como blocos indecomponíveis. Como pode ser
obser vado nos quadr os abaixo.
192

NÍVEL 3 - palavras terminadas em -eru


OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS BASE COGNATOS
RÊNCIA RÊNCIA

3 brasileru brasileiro 2 4 Brasil

3 enfermeru enfermeiro 1 1

3 erderus herdeiros 1 2

3 fereru ferreiro 1 24 feru 23


fugareru fugon
3 fogareiro 1 3 fugu 197
fugiadur
3 futseru feiticeiro 7 30 futsis 1 futsundadi

3 njeñeru engenheiro 1 2

3 kabaleru cavaleiro 1 2 kabalu 204

3 kajueru cajueiro 1 1 kaju 27

3 karpinteru carpinteiro 2 7

3 konziliaeru conselheiro 1 1 konseju 1

3 kusiñeru cozinheiro 1 1 Kusiña 64

3 mariñeru marinheiro 1 2 mar 109

3 paraderu paradeiro 1 1 para 144

3 pasajeru passageiro 2 3 -

3 pedreru pedreiro 1 1 pedra 56

3 solteru solteiro 1 5

3 tarpaseru trapaça 1 2 tarpasa 2

3 kunpañeru companheiro 2 5
Total de 19 formações em –eru N3 totalizando 97 ocorrências

NÍVEL 3 - palavras terminadas em -era


OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS BASE COGNATOS
RÊNCIA RÊNCIA

3 simentera ato de semear 2 8 simenti 2


fraskera lugar para armazenar
3 vinho ou bebidas
1 6 -

3 labadera lavadeira 2 5 laba 109 labanta

3 tajadera escudo, proteção 1 1 taja 39

3 bananera bananeira 1 1 banana 25

3 lamasera lamaceira 1 1 lama 29 -

3 kusñera cozinheira 1 1 kusiña 64 kusiñeru

Total de 7 formações em –era totalizando 28 ocorrências


193
As f ormações com –era não se reduzem a f ormas vindas do português,
existem dados de N1 e N2 com –eru e –era. Alguns desses dados requerem
uma análise mais particularizada. Há ocorrência das f ormações como bider u
e bidera, ou seja, com ambas as f ormas do suf ixo. Uma f orma de análise é
considerar que a entrada da f ormas f lexionadas do português (videiro e
videira) f oram reestruturadas semanticamente para o léxico guineense. Da
mesma f orma como kusñer a e kusñer u, que se apresent am no N3 por
manterem a semânt ica do português no guineense. Em bider u e bider a,
segundo Scantamburlo ( 2002) e inf ormantes, não há dif erença semânt ica
entre as duas f ormações, excet o como marca f lexional do f eminino em bider a
(comunicação pessoal do inf ormante) na var iedade acrolet al, contudo, nas
outras var iedades não há dist inção. No caso da não dist inção, pode-se
analisar como f ormações de emprést imo tomadas em sua int egridade léxica,
ou seja, sem estrut ura inter na par a os f alantes. Elas vier am de videir a e
videiro do português europeu, que signif ica pessoa que ganha a vida à cust a
de seu trabalho, ou em português brasileir o, uma pessoa batalhadora. No
guineense, ele assumiu uma semânt ica mais especif icada, de pessoas que
ganham a vida vendendo mercador ias, o vendedor e/ou vendedora.

As f ormações de -er u em N2 e N1 (as f ormações pr odut ivas) f oram 7,


sendo 5 delas de N1, enquanto a de –era f oi de apenas 4, com apenas 1
f ormação em N1, o que aponta para um a maior produt ividade do –eru em
relação ao –era. A única f ormação em N1 com –era t em uma marca
semântica de f eminino, que é katander a, que signif ica a j ovem guardiã do
baloba, um santuário dedicado à divindade conhecida na Guiné como Iran. A
katandera é sempre mulher, geralmente virgem. Sua f unção é estar à
disposição do baloberu, que é o sacer dote, inclusive para “kata iagu ”, ou
catar água, o que justif ica a f ormação kata+era. Essa condição de katandera
como mulher (e virg em) aponta para uma f orma de –era de marcação de
gênero e sexo. Por outro lado, a f ormação baloberu signif ica os sacerdotes
do baloba, independentemente de sua condição f eminina ou masculina.

Todos os dados de N1 e N2 podem ser obser vados a seguir:


194

NÍVEL 2 (X)N  [(X)N + eru]A


OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS BASE COGNATOS
RÊNCIA RÊNCIA

2 arteru Astuto, manhoso 1 2 arti 6 artista

2 bideru Vendedor 3 25 bida 252 bidera

Total de 2 formações em –eru N2 totalizando 27 ocorrências

NÍVEL 2 (X)N  [(X)N + era]A


OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS BASE COGNATOS
RÊNCIA RÊNCIA

2 calera Recipiente para água 1 1 -

2 bidera vendedor 1 5 bida 252 biderus


kabasera Fruto com forma de
2 cabaça
1 60 kabas 66

Total de 3 formações em –era N2 totalizando 66 ocorrências

NÍVEL 1 (X)N  [(X)N + era]A


OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS BASE COGNATOS
RÊNCIA RÊNCIA

1 baloberu sacerdote 3 4 baloba 8

1 kañeñeru Que escreve cartas,


1 1 Kañeñu SC
escriba
1 konboseiru Ciumento, invejoso 1 1 kunbosa 9

1 pauteru paranormal 2 13 pauta 2

1 saklateru Saklatadur
Criador de confusão 1 1 saklata 1
saklatadu
Total de 5 formações em –eru N1 totalizando 21 ocorrências

NÍVEL 1 (X)N  [(X)N + era]A


OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS BASE COGNATOS
RÊNCIA RÊNCIA

katandera Jovem guardiã do


1 baloba
2 5 -

Total de 1 formaçãoem –era N1 totalizando 5 ocorrências


195

Se se considerar o –era como um alom orf e do –eru, pergunta-se ent ão:


quais são as condições context uais que marcam essa alomor f ia?

Como se pode notar nos dados acima, os dados N1 e N2 do suf ixo –er a
apontam para f ormações dentro de uma componente mais particularizado nas
condições de f ormação e sob um contexto menos específ ico que as
condições morf of onológicas. Caleira, por exemplo, que é um dado N2 do –
era, vem de chaleira do português ( Scantamburlo, p. 550) e f oi reestruturado
semanticamente, apresentando agor a uma semânt ica apropriada às
condições de uso dos guineenses, ou sej a, trata-se apenas de um recipiente
de água, não específ ico para se f erver essa água, como no português.
Bidera já f oi discutido nos parágraf os anteriores. Por f im, kabasera, que
represent a o dado mais recorrente (60 ocorrências) é o nome do f ruto do
baobá (uma ár vore) . O nome “der iva do nome caracter íst ico de seu f ruto,
semelhante à cabaça ou abóbor a pequena” (Scantanburlo, p. 276). Assim, é
mais prudente pensar em f ormações idiossincrát icas altamente inf luenciadas
pelo português a se af irmar a existência de um processo de alomorf ia.

5 . 3 .4 . 4 (X ) V  [(X) v + dur ] N / A

Assim como o suf ixo –dor, do português, o suf ixo –dur indica a
prof issão ou agente e sua RFP se aciona a part ir de ver bos. No português,
segundo Basílio ( 2004, p. 46), o –dor, j untamente como –nt e, é o pr incipal
f ormador de agente e instrumentais a partir de verbos. No g uineese, o - dur
também tem esse papel na morf ologia. T rata-se de um suf ixo categorial, que
muda a classe gramatical da palavra a qual é af ixado. O processo de
f ormação de nominalizador ser ve par a “caracterizar um indivíduo (agente) ou
objeto ( instrument o) pelo exercício da ação ou f unção expr essa pelo verbo
que serve de base à f ormação “ (Basílio, 2002, p. 71). Trata-se de um
processo que utiliza a noção expr essa pela ação verbal para denotar seres
(Basílio, 2004, p. 44), com uma motivação não soment e nos padrões
sintát icos (a mudança categor ial), mas também semânt ico, uma vez que
nominaliza a partir da ação do verbo.

Na extração de ocorrência no banco de dados do guineense com


palavras terminadas em –dur, f oram obtidos 478 de ocorrências. Depois de
196
agrupados nos níveis 1,2 e 3 ( N1, N2 e N3), as f ormações em –dur se
distr ibuíram da seguinte f orma:

Nível Formações Ocorrências


(types) (tokens)
N1 6 8
N2 25 149
N3 28 233
Total 59 390
Form ações em -dur Ocorrências em -dur
(types) (tokens)
6
8
10%
2%
28 149
48% 38%
25 233
42% 60%

N1 N2 N3 N1 N2 N3

Os dados de N3, seguindo a linha dos outros suf ixos guineenses,


totalizaram a maior ia das ocorrências. Uma inf ormação int eressant e para a
discussão da produtividade diz respeito ao númer o das f ormações de N1 e
N2, que, somadas as duas, tem-se um número maior que as f ormações de
N3, ou seja, 6 dados de N1 + 25 dados de N2 = 31 f ormações produzidas
pela art iculação da RFP (X)V  [(X)v + dur]N/A no guineense. Contra 25 palavr as
vindas do português. Isso quer dizer que as f ormações aut óctones, com o
suf ixo –dur, superam as f ormações que entraram como dados de input, os
quais podem ser observados na tabela abaixo.
197

Nível 3 - palavras terminadas em -dur


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO
DADO DADO RÊNCIA
BASE
RÊNCIA
COGNATOS

3 montiadur caçador 4 68 montia 49


3 furadur furador 2 57 fura 43 furanta
3 piskadur pescador 2 16 piska 33
3 tarbajadur trabalhador 4 10 tarbaja 135
3 labradur lavrador 2 8 labra 56
3 tokadur tocador 2 7 toka 151
3 fasidur fazedor 1 6 fasi 747
3 jugadur jogador 1 6 juga 25
3 kobadur cavador 1 6 koba 125
3 iandadur andador 3 7 ianda 187
3 kumedur comedor 2 6 kume 648
3 camidur chamador 2 4 cama 35
3 trenadur treinador 2 4 trena SC
3 ojadur olhador 1 3 oja 1028
3 sufridur sofredor 1 3 sufri 45 sufrimenti
3 tiradur recolhedor 1 3 tira 220
3 kolonizadur colonizador 1 2 koloniza 1
3 kolaboradur colaborador 1 2 kolabora SC
3 kuridur corredor 1 2 kuri 375
3 matadur matador 1 2 mata 319 matadu, matansa
3 organisadur organizador 1 2 organisa 9
3 regadur regador 1 2 regs 3
3 kontadur contador 2 2 konta 15
3 animadur animador 1 1 anima 1
furtadur furtador 1 furta
3 1 38
3 kantadur cantador 1 1 kanta 227 kantadera
3 kunpridur cunpridor 1 1 kunpri 10
3 nogosiadur negociador 1 1 negosiu 1
Total de 28 formaçãoem –dur N3 totalizando 233 ocorrências

A condição do suf ixo –dur de ser bastante produt ivo, já notada em


Couto ( 1994), pode ser obser vada nas bases dos dados de N2 e N1. Nota-se
que a regra não é r estritiva com os ver bos de suas bases. Além disso, -dur
tem o estatuto de ser o principal f ormador de nomes a par tir de verbos na
língua. A f ormação de palavr as em uma língua se deve, basicamente, à
necessidade de uso do f alant e de um determinado conceit o dentro de um
contexto sintático dif erente. Portanto, a motivação sintática (Basílio, 2002,
2004), incr ementa a produt ividade do suf ixo –dur no guineense, pois é o
único que transf orma verbos em nomes com o traço da agentividade ou
indicativo de prof issão. Com isso, não há um outro suf ixo, ou melhor, não há
uma outra RFP que concorra nas mesmas condições semânticas, sintát icas e
198
morf ológicas com o suf ixo –dur. Essas especif icidades já são representativas
para sua condição pr odutiva, além disso, o acionamento da r egra (X)V  [(X)v +
dur]N/A, não dispar a qualquer tipo de processo f onológico, o que também
inf luencia na produt ividade da regra.

Os dados N2 do suf ixo -dur têm bases lexicais vindas do português,


porém com f ormações não atestadas no português, ou, quando atestadas,
apresentam condições semânt icas dif erentes da f ormação guineense. Como
pekadur, por exemplo, que é usado como um hiperônimo para seres humanos
na Guiné, como em:

- A nt on , n unk a b u o j a p ek a d ur p ad i g a tu ?
‘Então você nunca viu uma pessoa dar luz a um gato?’
- A nt on nu nk a b u o ja p e k ad ur p a d i k ac ur ?
‘Então você nunca viu uma pessoa dar luz a um cachorro?’
- Mi n i n u b in k ir s i , m a i k a p ud i p a pi a s u m a p ek ad ur
‘Menino cresceu, ‘mas ele não pode falar como uma pessoa’

Pekadur, assim como outros dados de outros suf ixos que f oram
reestruturados semanticamente, passou por um processo de idiomatização
após sua entrada na língua. Assim, o que signif icava apenas uma pessoa
que comete pecados, passou a ter uma semântica mais generalizada com o
signif icado de ‘seres humanos em geral’, ocasionada por f atores
metoním icos (são seres que cometem erros, que têm def eitos). Esse
percurso da reestruturação semânt ica t eve início na entrada de pekadur
como N3, tendo como conteúdo signif icativo sua semântica portuguesa
original. Como t odos os outros dados da categor ia N3, além de não ser
considerado como f ruto de produt ividade, nesse est ágio, pekadur é também
monomorf êmico (para o f alante guineense). Em um segundo momento, f oi
reanalisado morf ologicamente e r econhecido no paradigma do suf ixo –dur,
com o traço de agente do verbo pecar. O conteúdo semântico reestrutur ado
f oi adquirido de f orma sobreposta ao pr imeiro e tem com ele uma relação de
contigüidade metonímica. Cabe analisar as relações culturais que se
manif estam nessa reestruturação.

O s dados de N3, tomados como input s, tinham como car acter íst ica
morf ológica, para o f alante guineense, a condição de ser uma entrada que
não apresentava est rutura interna na int erpretação. Com a análise estrutural
dos dados recorrent es com o suf ixo –dor do português (ou –dur), o que era
uma parte do todo lexical, desmembrou-se como um morf ema gramatical.
199
Nesse percurso da gramaticalização do –dur, a interpretação f onética do
f alante dos dados de input era de que a vogal núcleo da sílaba recorrente
era a alta post erior . Consider ando o enf raquecimento e o alçamento das
átonas f inais condições f onéticas t ípicas do português, a per cepção auditiva
se f ez como –dur em lugar de –dor. Com isso, houve uma reestruturação
f onológica do suf ixo e, no estado atual da morf ologia guineense, a
produt ividade da reg ra se f az dentro desse padrão reestrutur ado. Com isso,
é possível af irmar que, como dado de N3 (sua f orma de entrada), o –dur
tinha um estatuto f onético, enquanto par a os dados em N1 e N2, já passa a
ter um estatuto f onológico.

Os dados classif icados como de N2 podem ser obser vados abaixo.

Nível 2 (X)v  [(X)v + dur]N/A


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO
DADO DADO RÊNCIA
BASE
RÊNCIA
COGNATOS

2 pekadur ser humano 4 79 peka SC pekadu


2 nteradur aquele que enterra 1 1 ntera 18 disintera
2 sinaladur sinalizador 1 1 sinala 2
2 tisidur tecelão 1 1 tisi 213
2 remendadur imitador 1 1 remenda 1
2 padiduris parideiras 1 1 padi 182 padidu, padida
2 papiadur conversador 1 1 papia 214
foladur tirador de pele de 1 1 fola
2 animais
23

diseñadur animal que cava a 1 1 deseña


2 terra
1

2 botadur dirigente de cerimônia 1 1 bota 97 botadu


2 bisiaduris aquele que vigia 1 1 bisia 23
bibidur aquele que bebe e não 2 8
2 respeita o alcorão
bibi 162 bibida, bibiron

banbudur aquele que carrega 1 1


2 criança nas costas
banbu 21

2 mandadur quem dá as ordens 1 1 manda 307 mandansa


2 lebaduris transportadores 1 1 leba 211
jikindur rato ladrão *jokin 2 8
2 dudu
2 kunpañadur acompanhante 1 1 kunpaña 23
2 kunsidur sábio 1 1 kunsi 145
2 kontinuaduris seguidor 1 1 kontinua 39 kontinuason
2 judadur ajudante 1 1 juda 34 judanti
2 jantidur guarda-costa 1 7 janti 40
2 bulidur bulidor 1 23 buli 114
2 fugiadur atirador 1 3 fugia 16
2 bisiadur vigia 1 2 bisia 23
2 grajadur engraxate 1 2 graja SC
Total de 25 formação em –dur N2 totalizando 149 ocorrências
200
Nos dados de N1, pr oduzidos com palavr as não vindas do português, a
gramaticalização do –dur f oi integralizada e este se incorpor a na morf ologia
guineense como um suf ixo altament e produtivo. Desta f orma, o suf ixo
guineense -dur delimitou sua f orma f onológica ao longo de sua
gramaticalização e manif esta-se em seu espaço produt ivo garantido pela não
oorrência de suf ixos concorrentes. Eis os dados de N1 do suf ixo –dur.

Nível 1 (X)v  [(X)v + dur]N/A


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO
DADO DADO RÊNCIA
BASE
RÊNCIA
COGNATOS

njuntidur aquele que despreza 1 1 njunti


1 ‘desprezar’
SC

garbatadur animal que cava a 1 3 garbata


1 terra ‘escavar’
1

foidur mentiroso de fuy 1 1 fuy


1 mentira ‘mentira’
SC

ferferidur que colher frutas no 1 1 ferferi


1 campo de fèefèe ‘colher’
3

mandjiadur maldizente que usa a 1 1 mandji


1 feitiçaria ‘maldizer’
SC

1 kanbantadur 1 1 kabanta 23 kabantada


Total de 6 formaçãoem –dur N1 totalizando 8 ocorrências

5 . 3 .4 . 5 (X ) N  [(X ) V + a da ] N e (X ) V  [(X ) V + a da ] N

O suf ixo –ada no guineense é um suf ixo que também produ z


substant ivos a partir de ver bos, porém , não têm os mesmos traços dos
produtos de r egra com o suf ixo –dur, o que descarta a hipótese de
concorrência entre eles.

No português, o suf ixo –ada se encontra em um período bastante


produt ivo, especialmente nas construções sintát icas como os chamados
ver bos leves, aqueles verbos que são “semanticamente vazios, que, em
geral se associam a um elemento nominal, responsável pelo signif icado
principal da sentença” (Gomes, 2004) , como em “dar uma remada, um a
namorada etc”. Mas essa produtividade se divide, no portug uês, em 4 RFPs,
sendo apenas uma delas categorial e as outras subcategoriais. São elas:

i) (X)V  [(X)v + ada]N/A Ex :m is t ur a d a, es t i c ad a , nam or ad a


ii) (X)N  [(X)N + ada]N/A Ex : a b ac a t ad a, l ar a nj ad a , bo l a da
i i i) (X)N  [(X)N + ada]N/A[+pejorativo] Ex : g auc h a da , b ic har a da
iv) (X)N  [(X)N + ada]N/A [+taxonomia biológica] Ex : c or on a d a, c il i of l a ge l a da
201

Embora o par entesco semântico seja bastante aparente nas f ormações


com -ada, a divisão em regras dif erentes se f az mediante a noção de que
cada RFP traz especif icações semânticas e sintáticas particulares, tant o
para as suas bases, como no pr oduto de suas regras. Isso quer dizer que as
particularidades sem ânticas do input e output são r elevant es para o f alante
no momento do acionamento da regra. Assim, ele vai selecionar aquela RFP
com as especif icações necessár ias ao momento discursivo, tanto do pont o
de vist a sintático quanto semânt ico.

Conf orme pode ser notado na tabela de dados N3, com exceção da
regra com o traço pejorativo (iii), todas as outras f ormações com –ada se
manif estaram nos dados N3.
202

NÍVEL 3 - palavras terminadas em -ada


OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS BASE COGNATOS
RÊNCIA RÊNCIA

3 bajada bailado, baile 1 1 baja 57

3 bofotada bofetada 1 1 bofete -

3 comada chamada 2 2 coma 106

3 determinada determinada 2 2 determina 21

3 entrada entrada 1 1 ientra 63

3 gargajada gargalhada 1 1 gargalha SC

3 kamiñada caminhada 4 4 kaninu 268

kasada kasamenti
3 casada 1 1 kasa 367
kasadur
3 kesada mandíbula 1 1 keso 24

3 kudada cuidada 1 2 kuda 50

3 kunsada cansada 2 11 kunsa 187

3 libertada liberta 1 1 liberta 7

3 mostrada mostrado 1 1 mostra 188

3 nboskada emboscada 1 1 - -

3 ojadas olhada 1 1 oja 845 ojadur

3 pañadas apanhada 1 1 paña 315

3 pontada apontada 1 4 ponta 72

3 preñada grávida 2 9 preña 37 preñadur

3 rabada cauda 1 44 rabu 58

3 rapada raspada 1 3 rapa 1

3 riada arriada 1 1 ria 55

3 saltada omitida 1 1 salta 29

3 stada estada 1 1 sta 729

Total de 23 formaçãoem –ada N3 totalizando 95 ocorrências

Porém, o suf ixo –ada no guineense se f ez produtivo em duas regras


dif erentes, uma delas categorial ((X)V [(X)V + ada]N) e outra subcategorial ((X)N
 [(X)N + ada]N). Como originário do suf ixo português, as noções semânticas
impostas no produt o da regra não são dif erentes do port uguês, como se
pode ver abaixo.
203

NÍVEL 2 (X)N  [(X)V + ada]N subcategorial


OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS BASE COGNATOS
RÊNCIA RÊNCIA

2 kanpada campo, planície 1 9 kanpu (N) 8 kanpinason

2 lunada luar 2 4 Luna (N) 5

2 turbada tempestade 2 8 2 turbaseru

2 tapada batida 1 5 tapa (N) 5

Total de 4 formaçãoem –ada N2 como subcategorial totalizando 26 ocorrências

NÍVEL 2 (X)V  [(X)V + ada]N categorial


OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS BASE COGNATOS
RÊNCIA RÊNCIA

2 kontrada encontro 1 11 kontra (V) 220

pasada história,
2 acontecimento
2 36 pasa (V) 203

2 tapada quintal cerrado 1 9 tapa (V) 16 distapa

Total de 3 formaçãoem –ada N2 subcategorial totalizando 56 ocorrências

NÍVEL 1 (X)N  [(X)N + ada]N subcategorial


OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS BASE COGNATOS
RÊNCIA RÊNCIA

1 mantanpada chibatada 2 4 mantapa (N) SC

1 pajigada confusão 1 1 pajiga( N) 5

Total de 2 formação em –ada N1 subcategorial totalizando 5 ocorrências

NÍVEL 1 (X)V  [(X)V + ada]N categorial


OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS BASE COGNATOS
RÊNCIA RÊNCIA

1 kabantada conclusão, final 1 3 kabanta (V) 15

Total de 1 formação em –ada N1 categorial totalizando 3 ocorrências

No caso dos nom es/adjetivos produzidos a partir dos nomes, a


semântica dos dados dá uma noção intensif icada do conteúdo nom inal
especif icado pela base. Por exemplo, manpata ‘chicote’  manpatada
‘chicot ada’ ou kabanta ‘acabar ’ kabantada ‘acabada’ Essa caracter íst ica
intensif icadora é um traço que se manif esta no produt o de ambas as r egras,
porém, as bases verbais são verbos de movimento. Essa restr ição na
204
semântica dos ver bos pode ser interpretada como uma restrição no
acionament o da reg ra, o que inf luencia na produtividade da mesma. Tanto
que as f ormações a partir de nomes aconteceram em maior quantidade nos
dados N1 e N2 (6 f ormações com a partir de nomes e 4 ver bais). O que
chama atenção para a produtividade e estatuto de RFP do suf ixo -ada do
guineense é a existência de dados de nível 2 e nível 1, ou seja, dados não
existentes na língua lexif icadora . Isso quer dizer que o acionamento da
regra para a f ormação da palavra não aconteceu na morf ologia do português,
mas na morf ologia guineense.

5 . 3 .4 . 6 (X ) N  [(X ) N + i a ] V [ + a ç ã o ]

O suf ixo –ia, ou melhor, a regra (X)N  [(X)N + ia]V[+ação] é a f ormadora de


ver bos a partir de substant ivos. No acionamento da regra, aproveita-se “ a
noção expressa pelo substantivo para designar a ação ou processo a ser
expresso pelo verbo” (Basílio, 2004, p.33). Com isso, tem-se uma ação
ver bal expr essa diretamente do conteúdo semânt ico do substantivo que é a
base de regra. Por exemplo: manduku ‘pau’  mandukia ‘bater com o pau’ -
a ação verbal representa a parte at iva e processual do substantivo “pau”.
Trata-se de “processos ver bais f undamentalmente relacionados aos
substant ivos de que derivam” (Basílio, 2004, p.33).

No banco de dados, as ocorrências com o suf ixo –ia somaram 354,


enquanto as f ormações com a regra em -ia f oram de 43 palavr as. A
distr ibuição das ocorrências e das f ormações em com a regra (X)N  [(X)N +
ia]V[+ação] podem ser obser vadas nos gráf icos e na tabela abaixo.
205
Nível Formações Ocorrências
(types) (tokens)
N1 4 32
N2 18 97
N3 21 225
Total 43 354
Form ações em -ia Ocorrências de -ia
(types) (tokens)
4
32
9%
9%
21 97
49% 27%
18
42% 225
64%

N1 N2 N3 N1 N2 N3

Embora a grande m aior ia dos verbos guineenses tenha sido herdada


do português, que é uma língua f lexional, as f ormas do ver bo não têm
estrutura inter na, são f ormações lexicalmente simples e sintaticamente
complexas. Isto quer dizer que os ver bos guineenses não têm uma
morf ologia int erna para expressar noções ver bais, isto é, tempo, modo e
aspecto acontecem na sintaxe.

Dif erentemente dos outros suf ixos até agora analisados, o –ia f oi o
suf ixo em que os dados de f ormações N2 tiveram uma dif erença
quantitativa r elativamente pequena em relação aos dados de N3 (18
f ormações de N2 e 21 de N3). A dif erença entre eles f oi de apenas 3
palavras. Porém, somando-se N2 e N1, tem-se 22 f ormações, o que supera
as palavras vindas de emprést imo da língua lexif icadora, que são as de N3.
Eis os dados classif icados em N3:
206

Nível 3 - palavras terminadas em -ia


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO
DADO DADO RÊNCIA
BASE
RÊNCIA
COGNATOS

3 montia caçar 50
3 geria guerrear 46 gera 65
3 bisia vigiar 2 25
3 purfia discutir 21
3 pintia pentear 17 pinti 8
diskonfia Konfiadu.fiansa
3 desconfiar 14
konfiadu
3 sumia semear 10 simeadur
3 rodia rodear 6 roda 31
konfia konfiansa,
fiansadu,
3 confiar 2 7 fia 78
konfiadu,
diskonfia
3 nogosia negociar 4 negosiu 1
3 nfastia enfastiar 1 fastiu 1
3 numia nomear 1 nomi 273
3 tarpasia trapacear 1 tarpasa 2
3 bria brilhar 1

3 falsia falsear 1 falsu 2


3 apresia apreciar 1

3 kanpian proocurar 1
3 malkiria Fazerr malcriadez 1

pasia andar a pé para


2 distrair
2 4

2 lumia iluminar 12 lumi


2 sibia assobiar 1

Total de 21 palavras em –ia N3 totalizando 225 ocorrências

Um aspecto aparent e par a os dados em –ia, que ref orça a idéia dos
dados N3 como dados de input sem estrutura inter na, é a ausência das
bases em 52% dos dados. Essas bases também não têm entrada no
dicionário do guineense ( Scantamburlo, 2002). Isso quer dizer que a suposta
base de regra não se revelou no banco de dados de Luigi Scantamburlo,
tampouco no banco que se utiliza para a extração de dados neste trabalho, o
que apont a para a noção indecomponível desses dados. Outro aspecto di z
respeito à terminação dos verbos no português. Todos os dados que
aparecem com –ia, nos dados N3, são ver bos t erminados em –ar no
português. Mesmo considerando a pref erência ver bal da líng ua, sendo mais
recorrente em relação aos terminados em –er e -ir, pode-se questionar se a
vogal ‘a’, do suf ixo –ia, não é uma manif estação da vogal temática do
português que se neutralizou na percepção do guineense e que,
posteriormente, veio a se gramaticalizar como um suf ixo f ormador de verbos
a partir de substantivos. As f ormas derivadas em –ia de N2 podem ser
obser vadas abaixo.
207

Nível 2 (X)N  [(X)N + ia]V


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO
DADO DADO RÊNCIA
BASE
RÊNCIA
COGNATOS

2 fugia pôr fogo 3 19 fugu 197 fugun


2 torkia trocar 2 24 troka 8
2 bakia cuidar de vaca 12 baka 300
2 plisia fazer pregas 5 plisa SC
2 falia errar 5
2 feria ferrear 4 feru 23 fereru
2 boltia girar 4 bolta 18
2 pruntia aprontar 4 6 prontu 13
klarisia clarear 3 klaridadi,
2 klaru 16
klarensa
2 sunbria fazer sombra 2 5 sonbra 23
2 fakia esfaquear 2 faka 66
2 dubria dobrar 2 dobra dobradu
2 sangria sangrar 1 ssngi 43
2 burdia andar pelas bordas 1 urdu 8
2 dispapia falar à toa 1

2 bentia ventar 1 bentu 87


2 barankia sacudir violentamente 1

2 balansia balansar 1 balansa 10


Total de 18 palavras em –ia N2 totalizando 97 ocorrências

O que se destaca nos dados com o suf ixo –ia é a f ato de esses ver bos
serem de ação e com tendência à iteratividade. Essas caracter ísticas
também se impõem nos dados de N1, como pode ser obser vado abaixo. Essa
caracter ística f oi inserida como um traço na RFP e herdada da percepção do
f alante dos traços do af ixo no momento de análise estrutural. Considerando
o caráter das relações inser idas nos produtos da regra determinado pela
inserção do traço da it eratividade, que se transpôs de uma para a outra
regra, é justif icada a interpretação de cunho gramatical que se atr ibuía ao
af ixo que se desprendia do todo lexical. Eis os dados N1 da regra (X)N  [(X)N
+ ia]V.
208

Nível 1 (X)N  [(X)N + ia]V


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO
DADO DADO RÊNCIA
BASE
RÊNCIA
COGNATOS

1 jusia discutir 20 jus ‘discussão’ 9


kanbia kanbansa,
1 transvasar 10 kanba ‘mudar’ 81
kanbantadur
1 mandukia bater com pau 1 manduku ‘pau’ 23
1 papia falar 1

Total de 4 palavras em –ia N1totalizando 32 ocorrências

Enf im, a regra (X)N  [(X)N + ia]V pode ser considerada como uma regra
que se manif esta produtivamente no guineense. Consider ando ser est a a
única regra que f orma verbos a part ir de substant ivos (ou nomes) na língua,
tem sua produt ividade garantida, pois não há regra que se posicione como
sua concorrente. Soma-se a isso o f ato de que, embora apresent e
particularidades nos traços de seus produtos de regra, o suf ixo –ia não é
seletivo com as bases, podendo se articular com substant ivos
indist intament e, o que contribui sensivelmente para a sua condição
produt iva.

5 . 3 .4 . 7 (X ) V  [(X ) V + ns a ] N

Outro suf ixo nom inalizador do guineense é -nsa. Seguindo o mesm o


curso histór ico dos outros suf ixos guineenses, -nsa tam bém veio como
herança da língua lexif icadora. Porém, no português sua produtividade atual
se restringe pela pref erência dos ver bos da 1ª conjugação, os verbos
terminados em –ar. Embora esses ver bos se manif estem como os verbos
pref erenciais para o português, não deixa de ser uma r estrição imposta pela
regra que se revela em nuances de impr odutividade

Nos dados classif icados como N3, pode- se notar que, à exceção de doer
e desavir-se, todos as outras bases são terminadas em –ar. Importante
ressaltar que o verbo desavir-se, além de pronominal, é bastante irregular.
Já o ver bo doer, embora dentro de um paradigma de regularidade, é um
ver bo def ectivo, tendo manif estações somente nas terceiras pessoas do
singular e plural. Portanto, considerando que a imprevisibilidade da r egra
tenha um hist órico que vem desde as idiossincrasias das bases, não é
estranha que esta tenha se manif estado também nos produtos da regra.
209
Contudo, o que inter essa para a análise são as f ormas que entraram como
dados de input para o guineense, independentemente do percurso histórico
dessas f ormações no português. O que é interessante é a f orma f onética
apresentada para o guineense, assim como a análise e percepção dessa
f orma como dado de input. Assim, a f orma reestrururada m orf ologicament e
tinha como f orma recorrente as terminações em –nsa, independentemente
das restr ições impostas no português. Essa f oi a f orma de entrada analisada
estruturalmente par a o f alante. Eis os dados extraídos do banco de dados
em N3.

NIVEL 3 - palavras terminadas em -nsa


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO BASE COGNATOS
DADO DADO RÊNCIA RÊNCIA

3 fiansa Fiar, confiar 2 61 fia 78


3 speransa esperança 2 30
3 kriansa criança 10 kria 33 kriason
3 difirensa diferença 9
3 duensa doença 5 dur 51
3 vingansa vingança 3 vinga
3 visiñansa vizinhança 2
3 kunfiansa confiança 7 kunfia 6
3 matansa matança 2 mata 319
3 disavensa desavença 2
3 ngunoransa ignorância 1
3 rekonpensa reconpensa 1
3 diskunfiansa desconfiança 1 diskonfia 14
3 lenbransa lembrança 1 lenbra 70 lenbranta
Total de 14 palavras em –menti N3 totalizando 135 ocorrências

As palavras que se f ormaram com o part ícula gramaticalizada na f orma


-nsa, trouxeram a caracter ística semânt ica de quantidade que se manif esta
no signif icado ver bal da base, por ém, sem caracter izar-se como processo e
“f ora da situação de predicação” (Basílio, 2002, p.40). Este é um dos
aspectos f uncionais das nom inalizações.

Uma regular idade q ue pode ser notada nos dados diz respeito a uma
imposição f onológica das f ormações que são tr issilábicas e com o acento
acontecendo na sílaba imediat amente anterior ao suf ixo, ou seja, o
210
acionament o da regra leva ao deslocamento do acento para a sílaba anter ior
ao suf ixo. Por exem plo:

- ’m o r a  mo’ransa
‘morar’ ‘conjunto de casas’
- ’r e i n a  rei’nansa
‘reinar’ ‘ato de reinar’

Essa imposição f onológica desencadeada pelo processo de af ixação


represent a um problema a ser resolvido pela teoria. De acor do com Kyparski
(1982) e Aronof f (1976), as restr ições e o desencadeamento de processos
f onológicos no acionamento da regra geram obstáculos à produt ividade da
regra. Porém, tendo em vista que os dados em N2 se revelar am de f orma
signif icat iva, não é possível af irmar a improdutividade da regra (X)V  [(X)V + -
nsa]N . Contudo, um argumento a f avor da produt ividade está no f ato de que
sua única suposta concorrent e, a regra (X)V  [(X)V + ada]N não tem o traço [+
abstrato] que se im põe na r egra do –nsa. Com isso, não se trata de uma
relação de escolha para o f alante, mas de uma relação de ser a única regra
disponível para f ormar substant ivos abstratos a partir de verbos no
guineense. Eis os dados classif icados como de N2:

NIVEL 2 (X)V  [(X)V + -nsa]N[+abstrato]


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO BASE COGNATOS
DADO DADO RÊNCIA RÊNCIA

2 moransa conjunto de casas 5 mora 60 moradia


2 kerensa amor 15 kere 2
2 paransa ato de parar 10 para 114
2 nbaransa prender, amarrar 5
2 reinansa ato de reinar 9 reino 9
2 kemansa keimada 1 kema 71
2 klarensa claridade 1 klaru (A) 16
2 mandansa ato de mandar 1 manda 307
2 kanbansa travessia 43 kanba 81 kanbanta
Total de 9 palavras em –nsa N2 totalizando 90 ocorrências

Moransa não se conf igura como um dado não contável, tampouco


nomeia alguma ação ou processo como nos outros dados. Contudo, segundo
um inf ormante, o uso se f az também no sentido de lar, mas o mais usual é
211
como “conjunto habitacional”. Assim , pode-se conject urar que no
acionament o da regra que gerou “moransa”, o traço [+abstrato] estava
presente, porém, houve uma ext ensão de sent ido, em um moviment o
polissêmico. No per curso de polissemia aconteceu a inserção de um traço
que não era previsto pela regra, mas que hoje se conf igura como o principal
uso da palavr a. Da mesma f orma que kanbansa, ‘travessia’, cujo signif icado
é de uma ação de atravessar o rio, em uma semântica [+abstrata], adquiriu
essa semânt ica ocasionada pelo uso pr agmático. Por exem plo: B u b a f a s i
d u s k a n b a n s a a o s ‘ Voc ê f ar á d u as tr a ves s i as h oj e ’. Assim, o uso contáve l
invalida o traço [+ abstrato] par a esses dados, o que aponta par a uma
imprevisibilidade da regra.

5 . 3 .4 . 8 (X ) N  [(X) N + s i ñu ] N

Dif erentemente do suf ixo –inho/ zinho português, o –siñu como suf ixo
guineense tem uma trajetória bastante particular izada. No português, o uso
de um ou outro suf ixo obedece a im posições dialetais, como painho e
pai zinho, ou mesmo idioletais, como devagar zinho e divagar inho. Entretanto,
restrições impostas pela f onologia são f avoráveis à utilização de – zinho:
quando a palavr a base é oxítona, terminada em consoante ou ditongo, como
em:

- c af é  c a fe zi n h o e *c a f ei n h o
- pa r  pa r zi n ho e * p ar in h o
- c ão  c ão zi n h o e *c ão i n ho

Como se pode not ar, há alt ernância mórf ica do -inho e –zinho no
português. Morf of onologicamente, esses morf es parecem estar em relação
de distr ibuição complementar, por ém, em termos sociolingüísticos, eles
estão em relação de concorrência e co- ocorrência. No ambiente de contat o
lingüíst ico, na f ormação do guineense, esses contrastes f oram
neutralizados e somente o -siñu se manteve. Mesmo em f ormações
portuguesas, nas quais o conteúdo sem ântico f oi conser vado do português
ao crioulo, o -inho f oi subst ituído pelo –siñu.

Outra particular idade do –inho/ zinho no português diz respeito às


nuances no uso desse suf ixo. Às vezes ele marca o grau menor em relação
ao tamanho considerado padr ão, com o em: árvor e e arvore zinha. Outras
vezes, ele marca uma outra palavra que pode até pertencer à mesma grade
212
semântica em uma relação hiper oním ica, mas a f orma derivada apresent a
traços que o def inem com outro conteúdo semânt ico. Por exem plo, salgado e
salgadinho, pássaro e passar inho. Há ainda as realizações no campo da
pragmática, como em: cerveja  cervejinha (que tal uma cervejinha?), café
 cafe zinho (é hora do cafe zinho).

Essa discussão é r elevante na medida em que essas nuances se


mostraram nos dados de N3. Como se pode notar na tabela abaixo, mesiñu,
que signif ica medicamento, remédio, se insere no mesmo campo de uso que
cafe zinho. Ermonsiñu, além de t er uma relação com o tamanho ( irmão
menor), tem também uma carga de af etividade. Já sosiñu e mansiñu, ambos
derivados de adjetivos, têm um traço de intensidade mais relevante que o de
diminuição de tamanho: mansiñu é mais manso que somente manso e sosiñu
é estar ainda mais solitário que só.

NIVEL 3 - palavras terminadas em -siñu


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO BASE COGNATOS
DADO DADO RÊNCIA RÊNCIA

3 mesiñu qualquer remédio 2 32


3 ermonsiñu irmãozinho 9 ermon 266
3 sosiñu sozinho 1 so 316
3 mansiñu mansinho 1 mansu 5
Total de 4 palavras em –-siñu N2 totalizando 43 ocorrências

Nos dados de N2, embora muitos deles vindos do português, não se


trata da mesma f ormação. Por exemplo, o dado kusasiñu, não f osse a
interpr etação dos elementos morf ológicos que compunham a palavr a por
parte do f alante, ele teria sido realizado com *kusiñu (terminada em -iñu,
não -siñu). Nos outros dados em que a r ealização se f az como no português,
há uma reestruturação na semânt ica que dif ere do equivalente português,
como em rapasiñu ‘criança do sexo masculino’, mamesiñu ‘madrast a’,
papesiñu ‘padrasto’ e bajudasiñu ‘cr iança do sexo f eminino ’ - o único dado
N1. Esses dados são importantes também como contra- exem plos par a a tese
da transparência semântica dos cr ioulos, segundo a qual, essa transparência
semântica é uma relidade const ante nos processos morf ológicos dos
crioulos. Nesses dados a soma das partes não condiz com signif icado do
213
todo da palavra, resultando em uma construção semanticamente opaca e
idissincrát ica. Os dados N1 e N2 podem ser obser vados abaixo.

NIVEL 2 (X)N [(X)N + siñu]N


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO BASE COGNATOS
DADO DADO RÊNCIA RÊNCIA

rapasiñu criança do sexo


2 masculino
20 rapas 211

2 kusasiñu coisa pequena 6 kusa 580


2 mamesiñu madrasta 5 mame mamendadi
2 bodisiñu cabrito 2 bodi 25
2 bokasiñu boka pequena 2 boka 189
2 cifrisiñu chifre pequeno 2 cifri 19
2 storiasiñu estória pequena 1 storia 253
2 panelasiñu panela pequena 1 panela 16
2 kusasiñus coisinhas 1 kusa 651
2 mininusiñu criança pequena,bebê 1 mininu 472
2 kordasiñu pequeno cordão 1 korda 118
2 kasasiñu casinha 1 kasa 813 kasamenti
Total de 12 palavras em –siñu N2 totalizando 43 ocorrências

NIVEL 3 (X)N [(X)N + siñu]N


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO BASE COGNATOS
DADO DADO RÊNCIA RÊNCIA

bajudasiñu criança do sexo


1 feminino, bebê
1 bajuda 253 bajudesa

Total de 1 palavras em –siñu N1 totalizando 1 ocorrência

Esses dados em -siñu, marcados pela opacidade, têm entrada como


ver bete no dicionário de Scantambur lo ( 2002), o que sugere que a
interpr etação do aut or, em relação à opacidade e ao estatuto der ivacional
dessas f ormas, não dif ere da interpretação dada neste trabalho.

O que se mostra bastante r elevante nesses dados carregados de


opacidade, é o f ato de as bases serem sempre [+humano], o que indica que
a regra (X)N [(X)N + siñu]N está adquirindo sua conf iguração produt iva e
especif icando suas pref erências par a as bases com as quais se art iculará,
no caso, com o traço [+humano]. Trata-se portando, de uma regra semi-
214
produt iva no guineense, mas que pode, algum dia, ter seu per íodo de
produt ividade na língua.

5 . 3 .4 . 9 (X ) V  [(X) V + ntV / ndV ] V [ + c a u s a t i v i d a d e ]

Considerado como o mais guineenses dos suf ixos por Couto (1994), o
suf ixo -ntV/ndV transf orma a ação de verbos em ações causativas. Trata-se,
portanto, de um af ixo que marca a dist inção entre o uso do verbo como
causat ivo, denotanto uma ação em que uma causa pr oduz um determinado
resultado, como se pode not ar nos exemplos abaixo.

- c i ga  c i ga nt a
‘ chegar’ ‘fazer chegar’
- fir b i  f ir b in t i
‘ferver’ ‘fazer ferver’

Para Rougé (1988, p.17), esse suf ixo r esulta da junção ent re o suf ixo
português –antar e o suf ixo mandinga –ndi. Realmente a terminação -antar
aparece em verbos da 1ª conjugação no português com a caracter ística de
serem sempre verbos regulares. Por ém, não se considera ‘antar ’ um suf ixo,
uma vez que a ter minação desses ver bos é –ar, com o “a” como vogal
temática da 1ª conjugação e o “r” como marca de inf init ivo. O “ant ” de
a n t a r é parte integrante da base. Além do quê, não há regularidade no
processo, ou seja, embora esses verbos terminados em antar sejam todos
regulares, a recípr oca não é verdadeira. Nem todos os verbos regulares em
–ar terminam em –antar, por exemplo, os verbos velejar, mamar e falar, são
regulares e da 1ª conjugação e não terminados em –antar.

Conf orme se obser va nos exemplos ciga  cigant a e firbi  firbint i,


o acionamento da regra dispara pr ocessos f onológicos, que são:

i) Har m on i a v oc á l ic a - a v og a l d o s uf ix o s e ar t i c u la n o m es m o po nt o qu e
a úl t im a v o ga l d a bas e, o u s ej a , vo g a l m éd i a ba ix a na b as e, a v og a l
do s uf ix o s e r e al i za c om o – a ( ciga  ciganta ) ; vo g al al t a e a nt er ior
na b as e , d is par a o a c i on am en to de – i n a vo g a l d o s uf ix o ( f ir bi 
firbinti ) ;
i i) Dis s im i laç ã o – s e a c ons o an t e d o ac l i v e d a ú l tim a s í l a ba da b a s e é
um a p a l at a l v o ze a da , a c o ns oa n te im ed ia t a à n as a l d o s uf ix o s er á
des v o ze a d a ( f irbi  firbinti ) ; .
215
Contrar iament e à idéia da simplicidade e da pref erência pelas f ormas
lexicais na estrutura sint ática, o processo de f ormação desses verbos utiliza
um morf ema gramatical em uma f ormação em que o correspondente
português utiliza uma locução com 2 f ormas lexicais, como fa zer chegar
(ciganta no guineense), pôr na cama ( ditanda no guineense) etc. Há ainda
poucas f ormas que apresentam correspodente português com f ormações
derivadas, como: mamanta ‘amament ar’ ou ainda fir binti ‘af erventar’. Porém,
essa correspondência não é semanticamente exata. Isso quer dizer que,
embora tenham uma equivalência bastante aproximada, a distribuição de uso
pelo f alante não é a mesma. Amament ar não é somente a ação de f azer o
bebê m amar, em um a ação perf ectiva, como no crioulo. Mas o processo pelo
qual uma criança se alimenta, dentro de um determinado per íodo, no seio da
mãe, portant o, mais habitual. Para uma correspondência mais f iel em uma
tradução do cr ioulo para o português, para esses ver bos causat ivos com -
ntV/ndV, ser ia necessár io a ut ilização de locuções verbais, como, fa zer
+Verbo. Isto porque a morf ologia do português não dispõe de marcas de
processos para a marcação de verbos causativos. Eis os dados com a regra
(X)V [(X)V + ntV/ndV]V[+causatividade] extraídos do banco de dados:
216

NIVEL 2 - (X)V [(X)V + ntV/ndV]V[+causatividade]

SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-


NÍVEL DADO BASE COGNATOS
DADO DADO RÊNCIA RÊNCIA

2 bibinti dar de beber 4 bibi 162 bibidur, bibiron


bidanta fazer tornar,
2 transformar
1 bida 252 bidadur -SC

2 ciganta fazer chegar 2 ciga 1185


2 ditanta deitar algo ou alguém 20 dita 169
2 fianta fazer crer 1 fia 78 fiansa
fikanda pôr algo em algum
2 lugar
2 9 fika 618

2 firbinti fazer fever 12 firbi 8


2 firmanta fixar 10 firma 130
2 frianta esfriar 11 fria 5
2 furanta fazer furo 5 fura 43 furadur
2 justanda igualar 2 justa 36 justamenti
2 kabanta fazer acabar 23 kaba 508
kanbanta kanbansa.
2 atravessar 12 kanba 81
kanbantadur
2 kontranda reunir 1 kontra 289
2 lantanda fazer levantar 13 lanta 278
2 lenbranta fazer lembrar 2 lenbra 70 lenbransa
2 longanta alongar algo 2 longa 10
2 mamanta amamentar 21 mama 128
2 mudanta deslocar 2 3 muda 16 mudansa
2 paranta fazer parar 10 para 144 paransa
2 pasanta fazer passar 2 pasa 331 pasada
2 peganda acender fogo 12 pega 337
2 pirdinti causar a perda 5 pirdi 108
2 rianta arriar 16 ria 95 riada
2 sibinti fazer subir 2 sirbi 26
2 sintanda fazer sentar 12 sinta 427
Total de 26 palavras em –ntV/ndV , todas N2 totalizando 213 ocorrências

Todos os dados podem ser classif icados como dados de N2, isto é,
produzidos no guineense, mas com bases portuguesas. São, portando,
resultados de um est ado produtivo da RFP (X)V [(X)V + ntV/ndV]V[+causatividade].

Embora haja complexidade no acionamento da regra com ativação de 2


tipos de processos f onológicos, estando esta estrat if icada em níveis mais
altos no léxico, não se pode af irmar sua total impr odut ividade. Os dados
extraídos do bando de dados do guineense somaram 213 ocorrências em 26
palavras dif erentes, o que aponta para números signif icativos no total de
realizações der ivadas extraídas do banco de dados. Soma-se a isso o f ato
217
de não haver, na língua lexif icador a, um processo de causatividade que se
realize morf ologicamente.

Todos os dados derivados com -ntV/ ndV extraídos têm bases que são
palavras r ecorrent es no guineense. A m enos r ecorrente delas se r ealizou 5
vezes no bando de dados, que é o caso de fria ‘esf riar’ e ciga ‘chegar’. A
mais recorrente das bases no banco somou 1185 ocorrências. Isso aponta
para o reconhecimento e a análise da estrutura da palavr a com o suf ixo -
ntV/ndV pelo f alante guineense.

5 . 3 .4 . 10 (X ) N  [(X ) V + m e nti ] N

O suf ixo -menti guineense equivale ao suf ixo português - mento 45. No
português, -mento é um nominalizador bastante produtivo, ao lado de seu
principal concorrent e, o suf ixo –ção, cuj o correspondente no guineense é o -
son. Tanto -son quanto -menti não se f izeram nominalizadores produtivos no
guineense, pelo menos por enquanto. Os dados com -son, que somaram 164
ocorrências em 47 palavr as dif erentes, são todos dados de empréstimo
classif icados em N3, o que não just if ica sua inclusão como af ixo do
guineense.

Do total de 12 f ormações com -menti, apenas 2 delas são f ormadas no


guineense como dados N1 e N2, o que depõe contra um argumento de suf ixo
produt ivo no guineense, conf orme pode ser obser vado nas tabelas abaixo:

45
Há também a existência de palavras terminadas –menti equivalente ao –mente do português, ou seja, são
advérbios que se originaram de adjetivos. Porém, todos os dados com essa terminação e com uso adjetival no
banco de dados são dados N3 – empréstimos do português. Portanto, esses dados não são relevantes à
discussão acerca da produtividade no guineense, uma vez que não se pode inferir acerca do reconhecimento
gramatical do –menti como formador de advérbios para o guineense.
218

NIVEL 3 - palavras terminadas em -menti


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO BASE COGNATOS
DADO DADO RÊNCIA RÊNCIA

3 kasamenti casamento 2 69 kasa 813


3 kontentamenti contentamento 8 kontenti 61
3 dokumenti documento 4
3 ripindimenti arrependimento 1 ripindi 3
3 sintimenti sentimento 1 sinti 85
3 sufrimenti sofrimento 1 sufri sufridur
3 finjimenti fingimento 1 finji 30
3 gardisimenti agradecimento 2 2 gardisi 5
3 pensamenti pensamento 1 pensa 134
3 intendimenti entendimento 2 disintendimentu
Total de 10 palavras em –menti N3 totalizando 90 ocorrências

NIVEL 2 (X)N  [(X)V + menti]N


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO BASE COGNATOS
DADO DADO RÊNCIA RÊNCIA

fomenti sujeito com a barriga 85


fomi
2 funda causada pela 2 7
fome
Apenas 1 palavras em –menti N2 totalizando 7 ocorrências

NIVEL 1 (X)N  [(X)V + menti]N


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO BASE COGNATOS
DADO DADO RÊNCIA RÊNCIA

lebsimenti Lebsi ‘falar 4


1 desprezo 2 7
com desprezo’
lebsidu

Apenas 1 palavras em –menti N1 totalizando 7 ocorrências

Os dados que N1 e N2 representam muito pouco para af erir a


produt ividade da reg ra (X)N  [(X)V + menti]N .

5 . 3 .4 . 11 (X ) N  [(X ) N + di a ] N [ +abstrato]

Outro suf ixo não produt ivo no guineense é o suf ixo –dia, cuja
f ormalização da RFP é (X)N  [(X)N + dia]N[+abstrato]. Formador de substant ivos
abstratos a partir de outro adjet ivo/substantivo, o suf ixo -dia tem como
concorrentes os suf ixos pr odut ivos -esa e -ndadi. Embora pouco recorrente,
219
com apenas 5 f ormações dif erentes nos dados, o –dia tem estatuto de suf ixo
próprio do guineense, pois 3 dos 5 dados não ocorrem no português, e estão
classif icados como dados N2. Porém, não se pode atestar a produt ividade da
regra (X)N  [(X)N + dia]N[+abstrato] por dois motivos. Pr imeiramente, os dados
sugerem que a regra impõe restr ições semânticas e f onológicas às suas
bases, o que vai interf erir na produção de novos itens a part ir da regra. Além
disso, a pouca ocorrência de f ormações com o suf ixo -dia conf irma a
escassa produtividade causada pelas r estrições. Em bora poucos os dados
produt ivos, todos os três dados f oram produzidos dentro de um padrão
próprio da RFP guineense. Esses dados N2 tem como base de regra palavr as
iniciadas com oclusiva palatal surda sempre com a presença de uma vogal
nasal (kunbosa) ou nasalizada (kamar ada e kuñada) no núcleo da sílaba
inicial. Há também o f ator semânt ico a ser obser vado como restrição. Todas
as bases designam seres com o traço [+humano]. São dados obser váveis
que, embora poucos para o total do banco de dados do guineense,
represent am a t otalidade para as f ormações produzidas pela regra (X)N 
[(X)N + dia]N[+abstrato], conf orme pode ser observado na tabela abaixo.

NÍVEIS 2 e 3 [(X)N [(X)N + dia]N [+abstrato]


OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS BASE COGNATOS
RÊNCIA RÊNCIA

2 kamaradia kamaradagem 2 6 kamarada 89

kuñadadia kuñadaria
2 ato de parentesco 2 2 kuñadu 21
kuñadundadi
kunbosadia relação de ciúme
2 entre co-esposas
2 5 kunbosa 9 kunboseria

3 moradia casa 3 3 morada SC moransa

3 kobardia covardia SC SC kobardi

Total de 5 formações em –dia totalizando 16 ocorrências

Um dado que chama a atenção para o estatuto suf ixal de –dia é


kuñadadia. Por que a f ormação não usou os mesmos cr itér ios na adj unção
como em kamarada  kamarada+dia  kamaradia, quando houve a
supressão da sílaba f inal em f avor da permanência do suf ixo como marca
morf ológica? Uma f orma de análise é considerar com o originár io de
camaradagem, palavra portuguesa, com o af irma Scantambur lo (2002, p.85).
Porém, quais os f atores que levar iam o f alante guineense a apagar um suf ixo
de uma palavra portuguesa e subst ituí-lo por outro que tem a mesma f unção
220
gramatical? Outra hipótese ser ia de que na junção kamar ada+dia a posição
átona da vogal f inal da base tenha ocasionado um apagamento da mesma, e
na articulação dupla da oclusiva palatal da base e do af ixo uma tenha
apagado a outra. Para Rougé (1988, p. 79), a f ormação não acontece com
suf ixo –dia, mas com o suf ixo –ia, como kamarad+iya. O suf ixo –ia (cf .
5.3.4.6) é um outro suf ixo que, além de selecionar bases dif erentes, produz
também categorias dif erentes, ou seja, enquanto a r egra (X)N  [(X)N +dia]N
tem como produto substant ivos, a regra [(X)N +ia]v produz verbos a part ir de
nomes, os quais não têm as mesmas especif icações f onológicas e
semânticas da regra em –ia. Isso invalida a hipótese de que kamaradia tem o
–ia como suf ixo.

5 . 3 .4 . 12 (X ) A  [( X ) A + uda ] N [ + a b s t r a t o ]

A regra de f ormação com –uda também se aciona a partir de bases


adjetivais para a f ormação de subst antivos. Sua pouca produt ividade na
língua não permite que ele seja considerado como um suf ixo concorrent e
para o -ndadi, -esa, -asku e - nsa. Sua ocorrência nos dados se r estringiu a
fortuda ‘acidez’, que tem como palavra base forti ‘azedo’ ‘ácido’. No
Dicionár io do Guineense de Scantambur lo (2002, p. 635) há a ocorrência de
bekuda ‘barracuda’, fartuda ‘estado de f artura’ e larguda ‘largura’, como
exemplo no verbete do suf ixo –uda, embora essas mesmas palavras não
constem como entrada no mesmo dicionário. Contudo, essas f ormações são
recorrentes na f ala de inf ormantes e larguda conta como verbete no
Vokabular i Kr iol-Purtugîs de Biasutti (1987), o que aponta par a a
lexicalização da f ormação. A distribuição dos dados pode ser obser vada no
quadro abaixo.

NÍVEIS 2 e 3 (X)A  [(X)A + uda]N[+abstrato]


OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS BASE COGNATOS
RÊNCIA RÊNCIA

2 fortuda acidez 1 4 forti 27 fortisi

3 bekuda barrakuda SC SC 15

2 fartuda estado de fartura SC SC fartu 3

2 larguda largu BIA* INFO* largu 9

Total de 4 formações em –uda totalizando 4 ocorrências no corpus


*BIA - BIASUTI, P.A. Vokabulari kriol-Purtugîs. 2 ed. Missão Católica de Bubaque, Guiné-Bissau, 1987
221
*INFO - Informante

Semânt ica e morf ologicamente, o suf ixo guineense –uda apresenta ainda
traços sim ilares com -udo português. A noção semânt ica de exagero é um
traço semânt ico relevante para os 4 dados, pois -udo é suf ixo com a idéia de
abundância, excesso, caracter ística aumentada. No momento produtivo
atual, a RFP do –udo em português carrega um traço de pejoratividade,
como em narigudo, cabeçudo, cadeirudo etc. Esse traço não é percebido na
regra (X)A  [(X)A + uda]N guineense, porém, o que chama atenção é o f ato de
no português a noção de abundância ser uma traço do adjet ivo f ormado pela
regra, com element os semânt icos vindos do subst antivo que f oi a base da
RFP. No guineense acontece de f orma oposta, pois o substantivo que é
produto da RFP vem carregado com traços qualitativos dados de f orma
abundante pelo qualitativo (ou adjetivo) que ser viu de base.

p o rt u g u ês
- n ar i z  n ar ig u da
(a noção de abundância está no adjetivo nariguda, com elementos do substantivo nariz)
g u i n e en s e
- f or t i - for t ud a
'forte' 'acidez' (literal)
(a noção de abundância se mantém da base ao produto da regra)

Outra caracter ística é que a percepção do af ixo, por parte do f alante,


parece ter ocorrido com a f orma do f eminino marcado no adjetivo, ou seja,
com a terminação em –uda, pois essa é a f orma f onética encontrada nos
dados guineenses. Talvez barrakuda, o único dado de N3 (de input)
encontrado em Scantamburlo seja a f orma de entrada desse suf ixo, o que
explica a f orma f onética em –uda, não em -udo. Pode-se conjecturar que, se
a percepção f onét ica de barrakuda é bekuda, no processo de análise
estrutural e poster ior desmembramento morf êmico, o guineense interpret ou
como biku+uda, sendo a parte gramatical da palavra o -uda.

Do pont o de visita da restrição morf of onológica, os três dados de N2,


fortuda, fartuda e larguda, par ecem selecionar palavras bases dissílabas,
cuja estrutura da sílaba acentuada, no caso a pr imeir a delas, se f az
mediante o peso silábico, como se pode obser var na est rutura arbórea
abaixo.
222

σ σ

A R A R

Núcleo Coda Núcleo

f a r t u
f o r t i
l a r g u

Por sua vez, o núcleo da sílaba a qual será atado o suf ixo é sempre
uma vogal alta tendo como ataque também uma oclusiva.

Essa restrição da estrutura f onológica das bases apont a fatores de


não-produtividade da regra, uma vez que esta r estringe suas possibilidades
de acionamento a algumas poucas palavras da língua com essa construção
f onológica específ ica.

Importante ressaltar que no banco de dados há 9 ocorrências para


fartura e nenhuma de fartuda, o que aponta a pref erência da f ormação mais
dentro dos padrões do crioulo apor tuguesado, em uma situação de
descr ioulização. Por outro lado, pode-se também questionar que, dada a
existência das duas f ormas na língua, o que está impedindo o acionamento
do bloqueio? Uma f orma de análise é de que a f orma lexicalizada f artuda
esteja restr ita a níveis de f ala tradicional, e que esta f ormação está sendo
substit uída pela f orma portuguesa fartura. Outra f orma de se analisar di z
respeito nuances de traços na interpretação do f alant e. Talvez o context o de
uso tenha uma distr ibuição semântica dif erente para as duas f ormações e
que não é percebido pelos inf ormantes f alantes do cr ioulo aportuguesado,
ou, de variedades mais acrolet ais. Mas o que é relevante par a um estudo da
produt ividade é que o suf ixo -ura português parece estar substituindo –uda.

5 . 3 .4 . 13 (X ) N  [(X ) N + on ] N

Outro suf ixo não pr odutivo no guineese é o suf ixo -on, originário do
aumentat ivo -ão port uguês. Dif erentemente da semânt ica quantitativa que se
impõe na regra de -ão no português, as f ormas que se apresentaram são
f ormas em que há ir regularidade da regra no português. Essa irregularidade
diz respeito ao signif icado da palavra derivada, pois esta não se limita à
223
noção intensif icador a do suf ixo, e comporta uma semânt ica que vai além do
aumentat ivo, como se pode notar nos dados N3 abaixo.

NIVEL 3 - palavras terminadas em -on


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO BASE COGNATOS
DADO DADO RÊNCIA RÊNCIA

3 fugon fogão 27 Fugu 197


3 garafon garrafão 10 garafa 31
3 karton kartão 8 Karta 24
3 salon salão 2 8 Sala 12
3 bidon vidão 3 bida 252
3 kordon cordão 2 korda 118
3 porton portão 2 porta 161
3 skribon esvrivão 1 skribi 6 skribidur
3 caixon caixão 1 kaixa 12
Total de 9 palavras em –on N3 totalizando 62 ocorrências

Embora com uma produt ividade dim inuta em relação aos suf ixos
produt ivos, os 3 dados N2 e N1, gerados a part ir da regra (X)N  [(X)N + -on]N,
não herdaram a semântica aument ativa da regra portuguesa, como se pode
obser var nas tabelas abaixo.

NIVEL 2 (X)N  [(X)N + -on]N


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO BASE COGNATOS
DADO DADO RÊNCIA RÊNCIA

2 pinton pinto de galinha 5 pintu 6


Apenas 1 palavra em –on N2 com apenas 5 ocorrências

No único dado de N2, a semânt ica do aumentat ivo é t otalment e


neutralizada, uma vez que de pint u  pinton ‘pint inho ’, o que se esperar ia é
que a regra acionada f osse a (X)N [(X)N + -siñu]N. Mas não f oi o que
aconteceu. Essa imprevisibilidade nas formas produzidas no cr ioulo não s e
lim ita a pintu  pinton ‘pintinho ’ de N2, pois kalma ‘cabaça’  kalmon
‘colher zinha f eita de kabaça’, que é um dado N1, é também um exemplo,
como se pode obser var abaixo.
224

NIVEL 1 (X)N  [(X)N + -on]N


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO BASE COGNATOS
DADO DADO RÊNCIA RÊNCIA

1 amonton preguiçoso 12 amontandadi


kalmon colherzinha feita de kalma
1 cabaça
3
‘cabaça’
Total de 2 palavras em –on N1 totalizando 15 ocorrências

Esses dados, pinton ‘pint inho de galinha’ e kalmon ‘colher zinha f eita
de cabaça’, cuja f orma do ref erente levar ia a ut ilização do dim inutivo no
português, f oram f ormados a part ir de um suf ixo de or igem do aumentat ivo
português. Essas f ormações atest am a percepção do f alant e da semântica
dos dados de input, de N3, cuja noção aumentativa f oi neutr alizada.

5 . 3 .4 . 14 (X ) A 
[(X ) A + a s k u ] N [ + a b s t r a t o ]

Outro f ormador de substant ivos com o tr aço [+abstrato] no guineense é o


suf ixo –asku. Assim como -esa, trata-se de um suf ixo concorrente do –ndadi,
uma vez que é acionado a partir de adjetivos e f ormador de substant ivos
abstratos. Sua condição concorrente tem representat ividade na produtividade
da língua, pois sua ocorrência nos dados f oi de 25 dados. Porém, todos os
dados estratif icados no nível 2 – N2. Isso quer dizer que todos os dados com
–asku são f ormados no cr ioulo, com bases vindas do português, porém, com
f ormações não atestadas na língua lexif icadora. A RFP (X)A 
[(X)A +
asku]N[+abstrato], embora não tenha apresentado nenhum dado de N1, se
posiciona dentro dos critérios estabelecidos para o estat uto de RFP própr ias
do guineense, pois todas as ocorr ências são de N2 - nível que atest a a
produt ividade do af ixo (ou da regra). Como pode ser observado na tabela
abaixo, houve 28 ocorrência em 10 f ormações dif erentes.
225

NÍVEL 2 (X)A  [(X)A + asku]N[+abstrato]


OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO SIGNIFICADO TIPOS BASE COGNATOS
RÊNCIA RÊNCIA

2 balentasku Valentia, vigor 1 1 balenti 3

2 bandidasku bandidistismo 1 3 bandidu 13 bandidagen

2 brutasku Estupidez, selvageria 1 1 brutu 54

2 bunitasku beleza 2 14 bunitu 103

2 burmejasku avermelhado 1 2 burmeju 47

2 diritasku retidão 1 1 dititu 141

korentasku Fluxo de água muito


2 forte
1 1 korenti 2

2 katiberasku cativeiro 1 2 katibu 20

2 pusturasku elegância 1 1

rapasku rapasiñu
2 juventude 1 2 rapas 211
rapasisi
Total de 10 formações em –asku de N2 totalizando 28 ocorrências

Com exceção de pusturasku ‘elegância’, todas as 9 f ormações t iver am


ocorrência nos dados das palavr as-base como f orma livre, o que atest a o
estatuto de f orma derivada das f ormações em –asku. Outro argumento a
f avor do est atuto gramatical de –asku é a ocorrência de cognatos nos dados
para bandidasku ‘banditismo’ e rapasku ‘juventude’, como bandidagem e
rapasiñu.

No português, o suf ixo –asco tem como alomorf es -isco, -esco, como
em chuvisco e parentesco. Essa alomorf ia, segundo Houaiss ( 2001), é
motivada por f atores f onéticos, em um movimento de harm onia vocálica. O
f ato é que a interpr etação dada pelo f alante para suf ixos não produt ivos na
língua é sempre contestával. Ou seja, seria mesmo uma f orma complexa
para o f alante? Esse é o caso do suf ixo –asco no portug uês. Um dado
importante é que, mesmo sendo um suf ixo não produtivo atualmente, a
datação sugere uma produtividade nos séculos XV e XIV 46, época de grande
importância a f ormação do cr ioulo guineense, o que pode ter impulsionado o
reconhecim ento do f alante cr ioulo da est rutura interna das f ormas em –asco
nas palavr as do port uguês. A ocorrência nos dados guineenses sempr e em
N2 at esta que o estatuto gramatical do –asku no guineense é parte d o
conhecimento do f alante. A percepção f onética do suf ixo teve como

46
Basco, séc. XIV; casco, séc. XIV; penhasco, séc. XV; carrasco, séc. XVI
226
ref erência o alçamento da vogal átona f inal, de asco  asku, que assum iu
uma identidade f onética própria no guineense com a regra (X)A  [(X)A + asku]N.

As bases utilizadas nos dados guineense são sempre mais adjetivais e


qualif icadoras. Chama a atenção o dado pusturasku ‘elegância’. Além de não
ter a base como f orma livre nos dados, também não consta no Dicionário do
Guineense (Scantamburlo, 2002). Nem como a base, pustura, ou mesm o
como a f orma derivada, pustur asku. Isto sugere que essas f ormações
também não aparecem nos banco de dados do dicionar ista. Uma f orma de
análise deste dado ref ere-se à f ormação esporádica (nonce-formation),
quando “uma palavr a complexa nova é criada pelo f alant e/escritor, sob o
impulso do momento, para sat isf azer alguma necessidade im ediata” ( Rocha,
1999, p. 81). Nesse caso, a palavra que é base de regra - postura - é uma
palavra que se encontra no léxico do f alante como um empréstimo do
português. Assum indo que esta é parte integrante do léxico do f alante, nada
impede que uma r egra que está em produtividade na língua, que é o caso do
–asku, produza f ormações novas e gramaticais. Ou seja, tendo ela condições
de produt ividade e de produção (Basílio, 1989) na morf ologia do guineense,
a regra será acionada.

5.3.5 Prefixação com (X)V/N  [dis- + V/N]V/N

Embora Scantambur lo reconheça 5 pref ixos no guineense (anti-, ba- ,


dis-, gan- e ka), somente dis- é considerado aqui como um morf ema
gramatical que se af ixa a bases lexicais. No processo de pref ixação, não
ocorre mudança categorial, mas um acr éscimo de inf ormações na semântic a
da base. Talvez essa def inição mais tradicional tenha inspirado o
reconhecim ento de Scantamburlo das f ormas cit adas acima como pref ixos.
Entretanto, Couto (1994) e Rougé (1988) reconhecem apenas dis- como
pref ixo no guineense. Couto (2002c), que pesquisou sobr e a pref ixação no
guineense, af irma que o pr ef ixo nas líng uas românicas “tende a acrescent ar
ao radical a idéia de movimento”, que pode ser o af astamento, a
aproximação, a neg ação, a intensif icação etc. Essa noção de movimento se
deve ao f ato de não se dist inguirem das preposições, que, por sua vez,
assumem essa f unção na língua.
227
O anti-, embora descrito como pref ixo por Scantambur lo, não ocorreu
como tal no banco de dados do guineense. Todas as 28 ocorrências de anti
f oram de preposição, como nos exemplos abaixo.

- I bai, ibai, i bai anti di sol mansi


‘Ele vai, vai, vai antes do dia amanhecer’
- Un minjer padi aos anti di sol mansi
‘Uma mulher deu à luz hoje antes do dia amanhecer’

Quanto às part ículas ba e gan, para Kihm (1994) são


reconhecidament e pref ixos. Ba, que quando se posiciona ao lado de um
substant ivo própr io, designa os f amiliar es desse substant ivo, teria origem na
marca de plural ba de línguas de substrato (Kihm, 1994, p. 129). A part ícula
gan, que designa a terra ref erente ao substant ivo própr io que está ao lado
dessa part ícula “equivale aproximadamente ao con ‘terra’. Por exemplo:

- D en b as iñ u i k a d i s a Ba F o d e k a b a nt a k un b er s a.. ..
‘Denbasiñu não deixa os familiares de Fode dar um fim à conversa’
- I t en b a u n m o nt i ad ur n a G a n F o d e b a , mo n ti a d or s u ma i k a t en .. .
‘Havia um caçador na terra do Fodeba, um caçador como não havia outro igual’

Kihm (1994, p. 129) também af irma que gan está lexicalizado e sua
ocorrência aparece nessas f ormas lexicalizadas, não sendo, portanto
produt ivo na língua. Diante da lexicalização, a condição de morf ema
gramatical não é mais válida para a argumentação acerca de seu estatuto de
af ixo. Quanto ao ba e ao gan, o conteúdo semântico os insere mais no
campo dos morf emas lexicais, porém seu comportamento m orf ológico é de
f orma livr e. Cont udo, esse comportamento parece apontar mais para uma
f orma dependente que para uma f orma presa, visto que não se pr endem
f onologicamente às suas bases. Outro argumento é de que não
desempenham apenas uma f unção gramatical, mas há aí uma conjunção de
signif icados lexicais, o que aponta par a um processo mais no campo da
composição que da der ivação pr opr iamente dita. Talvez essa condição
lexical de ba e gan estar ia se neutralizando, em f avor de um a
gramaticalização como pref ixo e essa discussão se deve ao f ato desses
processos se encont rarem em um estado de transição no continuum entre a
composição e a der ivação.

A outra part ícula r econhecida como pr ef ixo por Scantambur lo, mas não
por Kihm (1994) e Couto (1994, 2002) é a negativa ka. Segundo Kihm (1994,
228
p. 47) o ka or iginou-se da f orma reduzida de nunca do português. Essa
f orma teria apagado a primeira sílaba, que era a sílaba tônica, (nun) e
mantido a segunda sílaba átona na f ormação (ka). Essa part ícula tem
estatudo de f orma livr e no guineense. Sua ocorrência como um pref ixo
aparent e se dá em kabali ‘sem valor ’ e seus respect ivos derivados, como:
kabalindadi e kabalidu. Trata-se de uma f orma lexicalizada, na qual se pode
questionar a análise dessa f orma como complexa, isto é, até que ponto o
f alante reconhece o processo de composição na estrutur a dessa palavra?

Seguindo a interpretação de Rougé (1988) e Cout o (1994 e 2002c),


considera- se apenas a regra (X)V/N  [dis- + V/N]V/N como a única regra de
pref ixação no guineense. No trabalho de Couto (2002c) há uma ref erência às
questões ligadas à codif icação de ações desempenhadas no mundo, as quais
se realizam morf ologicamente, em uma visão ecolingüística. Essas ações
estão incorporadas ao ato de construir  destruir  reconstruir as coisas do
mundo no qual se usa a língua. Dessa f orma, o aut or af irma que pref ixo dis-
é o mais usado no ambiente guineense, idéia esta que é corroborada pela
ocorrência de dados que se extr airam para a presente análise (103 palavr as
f oram extraídas na 1ª rodada de dados). Contudo, dif erentemente do
trabalho de Couto, esta análise não considera as questões ecolingüíst icas,
tendo apenas um olhar sobre a morf ologia, para uma obser vação acerca da
produt ividade do pr ef ixo dis-.

Antes do trabalho de expurgo das f ormas não relevantes à discussão,


os dados somavam 103 palavras começadas com dis- no guineense.
Contudo, muito desses dados são f ormas com um grau de opacidade
bastante alto até para o f alante português, como dispidi ‘despedir’ (que não
é desf azer o pedido), por exemplo. Enf im, f oram selecionados os dados em
que a noção de “desf azimento” cont ida no pref ixo dis- f osse mais clara, o
que resultou em dados com um grau de tranparência mais elevado. Depois
de selecionados, os dados somaram 38 palavras para a análise, e depois de
classif icadas em N1, N2 e N3, distr ibuíram-se da seguint e f orma:
229

Nível Formações Ocorrências


(types) (tokens)
N1 2 43
N2 1 50
N3 35 307
Total 38 400
Formações em dis- Ocorrências em dis-
(types) (tokens)

2 43
5% 1 11% 50
3% 13%

35 307
92% 76%

N1 N2 N3 N1 N2 N3

As f ormações em N3, isto é, de empr éstimos do português somaram


92% do total dos dados. Doze delas não têm a ocorrência das bases como
f orma livre no guineense, o que dif iculta a af irmação de que são f ormas
analisáveis em par tes pelos f alantes. Contudo, a noção semânt ica de
“desf azimento”, ou des-ação, para usar a def inição de Couto (2002c), é
bastante per cept ível para o guineense, conf orme pode ser obser vado na
tabela abaixo.
230

NIVEL 3 - palavras começadas em dis-

SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-


NÍVEL DADO BASE COGNATOS
DADO DADO RÊNCIA RÊNCIA

3 disabidu desavisado 4
3 disalmadu desalmado 1 alma? 79
3 disanima desanimar 2 anima 1 disanimadur
3 disaparsi desaparecer 5 parsi 72
3 disasosegu desassossego 1
3 disavensa desavença 2 3
3 diskontrola descontrolar 2 kontrola 3
3 disenpeña desempenar 1
3 disenvolvi desenvolve 4 involvi SC
3 disgustu desgosto 2 18
3 disarma desarmar 1 arms 22
3 disinganal desenganar 1 ngana 32
3 disingata desengatar 1 ngata 11
3 disinkamiñadu desencaminhado 2
3 disinpeña desempena 1
3 disintendimentu desentendimento 2 intendimentu 4
3 disintera desenterrar 2 ntera 27
3 disintindi desentender 1 ntindi 63
3 diskansa descansar 4 55 kansa 157
3 diskarga descarregar 3 10 karga 107 karganta
3 diskarna descarnar 1
diskasa Kasmaenti,
3 descasar 1 Kasa 813
kasada
3 diskaska descascar 1 kaska 27
3 diskorado descorar 1
3 diskuda descuidar 33 kuda 101
3 diskulpa desculpar 19 kulpa 8
3 diskunfia desconfiar 3 18 kunfia 1 diskunfiansa
3 diskunusidu desconhecido 2 Kuñusidur SC
3 disligadu desligado 1 ligadu 1
3 dismanca desmancha 7 53
3 dismara desamarrar 3 19 mara 118
3 dismeresi desmerecer 1 meresi 2 meresimentu
3 disparsi desaparecer 2 4 parsi 72
3 dispindra despendurar 4 7 prinda 11
3 distapa destampar 2 4 tapa 19
Total de 35 palavras em dis- N3 totalizando 307 ocorrências

Considerando que esses dados são os dados de input,


morf ologicamente compactos, ou seja, são palavras que têm entrada como
indecomponíveis no léxico. Porém, a recorrência da noção gramatical contida
em dis- é obser vável pelo f alante e ref orçado pelos dados em que as bases
têm ocorrência na língua. Há alguns dados que são mais problemát icos.
231
Desalmadu é um desses dados. Assim como no português, somente a raiz é
f orma livre e a f ormação não tem existência separ ada do pref ixo, pois se
trata de uma f ormação parassintética. Contudo, a raiz é recorrente nos
dados (79 realizações), o que proporciona o acionamento da RAE (regra de
análise estrutural) por parte do f alante.

Não obstante a existência de inputs, a regra em dis- não pode ser


considerada de grande produtividade no guineense, pois as f ormações em
N1 e N2 r epresent am apenas 8% do total de dados. Talvez f osse mais
prudent e f alarmos em semi-produt ividade, uma vez que os dados produzidos
na língua, embor a poucos, existem e apontam para um grau de
gramaticalização para o dis no guineense. Os dados N1 e N2 podem ser
obser vados nas tabelas abaixo.

NIVEL 2- (X)V/N [dis- + X]V/N


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO BASE COGNATOS
DADO DADO RÊNCIA RÊNCIA

2 diskisi esquecer 50
Apenas 1 palavra em dis- N1 com 50 ocorrências

No único dado classif icado como N2 pode-se obser var uma noção clara
da semânt ica do dis-. Embora tenha um a base de regra que não acont ece
com palavra no guineense, tampouco no português, mas f oneticamente é a
mesma base pr esa que o correspondente português esquecer . Como explicar
que esse dado não é um dado N3 que veio emprestado do português? Kihm
(1994, p. 271) considera como or iginár io de esquecer do por tuguês que teve
a primeira sílaba “ remotivada”. Pode-se entender essa remotivação como
uma reestrururação f onética, cont udo, não se pode negar que ela “remot ivou-
se” no sentido de m arcar a semânt ica de “desf azimento” com a pref ixação do
dis-. Essa análise é relevante na medida em que aponta para o
reconhecim ento da noção gramatical e da f ormulação da regra para o
f alante. Tanto que pode gerar também os dados de N1, expostos abaixo.
232

NIVEL 1 - (X)V/N [dis- +X]V/N


SIGNIFICADO TIPOS OCOR- OCOR-
NÍVEL DADO BASE COGNATOS
DADO DADO RÊNCIA RÊNCIA

disdangu desdenhar, não


1 responder
5

1 dispapia falar à toa, mentir 1 papia 214 papiadur


Total de 2 palavras em dis- N2 totalizando 6 ocorrências

Assim, mesmo não classif icado como dos mais produtivos no


guineense, o dis - tem o reconhecimento do f alante como morf ema
gramatical dentro de seu conteúdo semântico e morf ológico. A transparência
das f ormações e a neutralidade f onológica no acionamento da regra, quando
não aciona os mecanismos da f onologia no acionamento, contribuem par a
um possível f uturo produtivo da regra (X)V/N [dis- + X]V/N . Talvez a existência
de uma quant idade bastante signif icat iva de dados N3, já em uso na língua,
possa interf erir no acionament o de novas f ormações que sejam produzidas
no guineense, já que estas bloqueiam (Ar onof f, 1976) a em ergência de novas
f ormas para um espaço semânt ico que se vê ocupado na líng ua.

5.3.6 Produtividade dos afixos guineenses

Dos 16 af ixos analisados, 11 são considerados produtivos no


guineense. São eles: -ndadi, -esa, -eru, -dur, -ada (categorial ), -ada
(subcat egorial ), -ia, -nsa, -siñu, -ntV/ndV e –asku. Alg uns são mais
produt ivos que outros. Essa distribuição de pr odut ividade acontece em parte
por f atores gramaticais e em parte pragmáticos. Sabe-se que a f onologia e a
semântica têm grande inf luência na det erminação da produt ividade de cada
um. A tabela abaixo mostra esses af ixos e suas regras.
233

AFIXOS GUINEENSES

AFIXO REGRA PRODUTIVIDADE OBSERVAÇÃO

-ndadi (X)N  [(X)N + ndadi]N[+abstrato] muito produtivo

-esa (X)N  [(X)N + esa]N[+abstrato] produtivo

(X)N  [(X)N + ia]V[+ação] único formador de


-ia muito produtivo
verbos
–era em condições
-eru (X)N  [(X)N + eru]N/A produtivo semânticas
especiais

-dur (X)V  [(X)v + dur]N/A muito produtivo nominalizador

-ada (X)N  [(X)V + ada]N produtivo subcategorial

-ada (X)V  [(X)V + ada]N produtivo nominalizador

-nsa (X)V  [(X)V + -nsa]N produtivo nominalizador

mais derivacional
-siñu (X)N [(X)N + -siñu]N produtivo
que flexional
único que não veio
-ntV/ndV (X)V [(X)V + -ntV/ndV]V[+causatividade] produtivo
do português

-menti (X)N  [(X)V + menti]N não produtivo

-dia (X)N  [(X)N + dia]N [ +abstrato] não produtivo

-uda (X)A  [(X)A + uda]N[+abstrato] não produtivo

sem semântica de
-on (X)N  [(X)N + -on]N não produtivo
aumentativo

-asku (X)A  [(X)A + asku]N[+abstrato] produtivo todos os dados N2

único prefixo
dis- (X)V/N  [dis- +(x) V/N]V/N não produtivo

Ao assum irem um a condição gramatical de pr odut ividade no


guineense, esses suf ixos passaram a interagir por meio das regras da
gramática da língua. O percurso das f ormas produtivas teve início na
transposição de um a f orma lexicalment e compacta, f orma de entrada no
léxico demonstrada pelos dados de N3. Em seguida, passaram por um
per íodo de desmem bramento morf êmico com o reconhecim ento do f alante.
Por f im, aconteceu a gramaticalização do elemento desmembrado do todo
lexical: o que era parte lexical em N3, passa a ser gramatical em N2 e N1.
Esse elemento gramaticalizado é o f ormador de novas palavras a partir de
outras bases lexicais.

Esse percurso atest a os mecanismos da linguagem humana. O f alante


234
guineense m anif esta sua capacidade mor f ológica e criativa por meio das três
prerrogativas básicas da morf ologia, reconhecidas por Halle (1973).

i) Rec o nh ec im ent o d as p a la vr as s im p les ;


i i) Rec o nh ec im ent o d e q ue há p ar tes qu e c om põ em as p a la vr as c om p lex as ;
iii) Co n hec im en to dos f a l an t es d e um a or dem hi er ár q u ic a n os c om po n en t es
das pa l a vr as .

Ao adapt arem-se como f ormas gramaticais no guineense, os suf ixos


f oram reinterpretados morf of onologicamente. Nessa etapa, embora com o
estatuto de f orma pr esa (morf ologicamente), do pont o de vista produtivo os
suf ixos se adaptar am às tendências f onológicas do crioulo, assum iram
papéis semântico-f uncional e adquir iram a capacidade produtiva de suas
respect ivas RFPs.

Uma vez acionadas e inseridas como mecanismo possível no léxico do


f alante do cr ioulo, as RFPs puderam assumir sua produt ividade e art icular
processos morf ológ icos da mesma f orma que ocorre com os suf ixos
correspondentes no português. Nesse sentido, é possível af irmar que,
embora apr esent em restrições dif erentes em cada uma das suas respectivas
RFPs, os suf ixos produtivos adquiriram produtividade e suas articulações
morf ológicas apresentam comportament o recursivo e cr iativo independente
da condição cr ioula do guineense.
235

CONCLUSÃO

A noção de sist ema, como um conjunto de possibilidades e de regras


subjacentes à capacidade humana da linguagem, pode ser obser vada por
meio de análise de dados lingüíst icos. As línguas ( o sistem a lingüíst ico) são
compostas de subsistemas articulados em dif erentes conf igurações e
relações entre eles. Essas relações obedecem ao sist ema de regras. Nesse
sentido, é possível f alar em subsistema dos it ens lexicais, e do sist ema de
regras que regem as articulações dos pr ocessos morf ológicos do guineense.
Sempre que o f alant e guineense f az uso de uma r egra e de um item lexical,
ele o f az mediante escolhas de uso. Ele sabe que conf igurações dif erentes e
itens dif erentes pr oduzem f ormas diver sas, com nuances gramaticais
próprias de cada conf iguração. É nesse ponto que a morf ologia se
apresenta como um dos sistemas pr incipais do sist ema maior da língua.

Nesse sentido, não basta tomar conhecimento da existência de


morf ologia no guineense, mas assumir que essa morf ologia t em um conjunto
de itens e um sistem a de regras estrutur adas em uso na líng ua. O inventár io
dos suf ixos, ainda que reduzido, se com parado ao português, tem sua f unção
nas articulações recursivas do guineense. Com exceção de -ntV/-ndV, todos
os outros 10 suf ixos produt ivos f oram herdados do português, mas f oram
assumindo novas f ormas f onológicas, semânticas e f uncionais de acordo com
as necessidades do crioulo.

Em um primeiro estágio, os dados disponíveis eram os dados N3, que


f oram sendo dissecados em partes menores e estruturados hierarquicamente
pelo f alante até assumirem um estatuto gramatical, em N2 e N1 - em um
processo de gramaticalização que seguia um curso que ia do lexical ao
gramatical. Nesse processo de construção da gramática, as regras f oram
delimit ando seu espaço de atuação na estrutura do guineense e passar am a
produzir as novas palavras da língua. Esse processo acompanhou o
movimento de adaptação às f ases pelas quais passava o cr ioulo, uma ve z
que este se f irmava como a língua daquela sociedade crioulizada.

O guineense apresenta traços pr óprios que revelam suas origens


crioulas. Os processos composicionais e reduplicativos, por exemplo, se
revelam dentro de um padrão própr io do guineense. Os mecanismos
236
morf ológicos desses processos não são menos recursivos em decorrência da
crioulização. Apenas apresent am marcas aspectuais car act er íst icas de sua
condição crioulizada. São aspectos como a transitor iedade nos processos
de composição e de derivação em relação ao estat uto morf ológico das
reduplicações. Essa permeabilidade também ocorre em línguas não crioulas,
contudo, no guineense as marcas são m ais aparentes. Importante ressaltar
que tanto na composição, quando na reduplicação, os recursos da
capacidade gerativa presentes na linguagem humana são plenos e ativos, de
f orma a revelar recursividade e cr iatividade lingüísticas.

Os questionamentos deste trabalho de pesquisa f oram se revelando à


medida que os dados iam sendo analisados. Consider ando os modelos
morf ológicos que serviram de base para a análise, as respostas às questões
f oram se mostrando nada surpreendent es. Era o que se esperava desde as
primeiras análises mais superf iciais dos dados. Contudo, outros
questionamentos f oram surgindo e sendo abandonados à espera de f uturas
pesquisas. Por exemplo, a origem do suf ixo - ntV/-ndV que aponta para uma
complexidade sintát ica no processo de causat ividade, implicando f atores de
ordem aspectual e de grade temática. Outra área a ser investigada está na
f ormação dos compostos, que apontam para uma relação de ordem sócio-
cultural que se manif esta nas composições, como crenças e valores de uma
sociedade crioula. Há também a questão da gênese e evolução dos
processos morf ológicos que podem ser analisados na perspect iva da
crioulíst ica, com base nos dados guineenses.

As propostas acima têm a intenção de apontar para uma área de


investigação esquecida nos estudos cr ioulos, que é a morf ologia. Talvez se
trate de uma proposta egoísta de trabalho, daquelas para as quais o sujeit o
aponta, com intuito de se antecipar aos outros part icipant es. Contudo, os
dados estão disponíveis e à espera de outros pesquisadores com percepções
e objet ivos diversif icados. Esses pesquisadores f arão leituras e julgamentos
dif erentes. Com isso, tenta-se uma relação de contato com dif erentes áreas
de invest igação com o arcabouço da Crioulíst ica. Áreas que são, à pr imeira
vista, inintelig íveis entre elas, mas que podem desenvolver uma af inidade
nesse contato e render f uturas pesquisas. No âmbito da Crioulíst ica, o
contato é f undament al, dado que os resultados são sempre interessantes aos
pesquisadores.
237
A capacidade criativa se manif esta na estrutura gramatical das
línguas humanas. È sabido que as r egras têm as propr iedades f ormais
porque a mente humana possibilit a a existência dessas regras. A
produt ividade, com princípios complexos e heterogêneos regidos por r egras,
permitiu que o f alante guineense agisse de f orma criativa. Isto quer dizer
que o f ato de ter tido um est ágio ant erior de pidginização não pr ivou o
f alante guineense das propr iedades univer sais da cr iat ividade humana. Elas
existem indiscr iminadamente em todo sujeito f alante. No guineense, essas
propriedades são obser váveis e estão disponíveis, na f orma de dados, a
novos trabalhos de pesquisa.
238

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E st u d o so cio lin g ü í st i co e m Co n ce i ção d e I b it i p o c a – M G . T es e d e
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ht tp :/ / ler . le tr as . u p. pt /u p lo a ds /f ic h e ir os / ar t i go 58 9 1. p df Em 2 3 /0 8/ 2 00 6

RO UG É , J e an- L ou is . P et it D ic t io n n a i re et ymo lo g iq u e d u k r io l d e G u in é e-
Bi ss au e t Ca s am an ce . B is s a u : IN E P – I ns t i t ut o n ac io n al de Es t u d os e
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