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1RWDV VREUH D QRomR GH IURQWHLUD GH


%RDYHQWXUD GH 6RXVD 6DQWRV H D WULORJLD2V
ILOKRV GH 3UyVSHUR GH 5X\ 'XDUWH GH
&DUYDOKR

Anita Martins Rodrigues de Moraes*

RESUMO: Neste trabalho, investigo convergências e


divergências entre o projeto literário do escritor angolano Ruy
Duarte de Carvalho, com foco na trilogia Os filhos de Próspero ,
e o que podemos alcunhar de projeto utópico de Boaventura de
Sousa Santos. Na primeira parte do artigo, desenvolverei
considerações sobre a noção de “fronteira” como delineada por
Santos; na segunda parte, tratarei da produtividade de alguns
aspectos desta noção para abordagem da obra de Ruy Duarte de
Carvalho; já na terceira parte, apontarei a firme distância que a
obra do escritor angolano mantém com relação a qualquer
valorização do colonialismo português, gesto a que a noção de
“fronteira”, como traço da “identidade portuguesa”, pode
conduzir.
PALAVRAS-CHAVE: identidade de fronteira, colonialismo
português, ciência e literatura.

ABSTRACT: In this paper I will compare certain aspects of


what one may call Santos’s “utopian project” with the literary
work of Ruy Duarte de Carvalho, in particular the trilogy Os
filhos de Próspero [The Prospero’s Sons]. In the first part of the
article, I develop considerations on the notion of “fronteira ” as
outlined by Santos; in the second part, I deal with the
productivity of some aspects of this notion as an approach to the
work of Ruy Duarte de Carvalho; while in the third part, I
discuss the resolute distance that the Angolan writer’s maintains
with respect DWWULEXWLQJ WKH VOLJKWHVW YDOXH WR 3RUWXJXHVH
FRORQLDOLVPDJHVWXUHWRZKLFKWKHQRWLRQRI³IURQWHLUD´DVDWUDLW
RI³3RUWXJXHVHLGHQWLW\´DGYRFDWHGE\6DQWRVPD\OHDG
.(<:25'IURQWLHU LGHQWLW\ 3RUWXJXHVH FRORQLDOLVP VFLHQFH
DQGOLWHUDWXUH
BBBBBBBBBBBBBB
*Universidade
Federal Fluminense
8))
5 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.24, 2014

No ensaio “Modernidade, identidade e a cultura de


fronteira”, incluído em Pela mão de Alice (1994),
Boaventura de Sousa Santos sugere que Portugal teria
configurado uma forma cultural específica e bastante
positiva. A noção de “cultura de fronteira” surge como
aspecto decisivo da identidade portuguesa, sugerindo-se
que esta seria uma identidade fronteiriça. Boaventura de
Sousa Santos entende que o Estado português nunca teria
sido suficientemente forte para promover a supremacia do
espaço nacional em detrimento do local e do
transnacional (o que teria ocorrido nos países centrais da
Europa, como Inglaterra e França, ao longo do XIX).
Nessa indistinção com relação ao exterior, ganha destaque
a proximidade com o colonizado: Portugal nunca teria
sido suficientemente “semelhante às identificações
culturais positivas que eram as culturas européias, nem
suficientemente diferente de outras identificações
negativas que eram, desde o século XV, os outros, os não
europeus” (1994; p. 151). Boaventura de Sousa Santos fala
em “matriz intermédia, semiperiférica, da cultura
portuguesa” (1994; p. 151) associada ao fato de os
“Portugueses terem sido, a partir do século XVII (...) o
único povo europeu que, ao mesmo tempo que observava
e considerava os povos das suas colônias como primitivos
ou selvagens, era, ele próprio, observado e considerado,
por viajantes da Europa do Norte, como primitivo e
selvagem.” (1994; p. 152) Santos destaca, então, certas
características bastante positivas da “cultura de fronteira”:
a criatividade e subversão cultural (1994; p. 153), o
cosmopolitismo (1994; p. 153), a carnavalização dos
produtos culturais incorporados, “atitude mais lúdica que
profilática, mais feita de consciência da inconsequência do
que da consciência de superioridade” (1994; p. 154),
carnavalização esta associada ao suposto “elemento
barroco da cultura portuguesa” (1994; p. 153, nota 4). O
autor se encaminha para a conclusão de seu ensaio
sugerindo “que esta forma cultural tem igualmente
vigência, ainda que de modo muito diferenciado, no
Brasil, e de modo mais remoto, nos países africanos de
língua oficial portuguesa”. (p. 154) Apesar de ponderar
que é necessário lembrar a “assimetria matricial” entre o
SRUWXJXrV H RV FDVRV EUDVLOHLUR H DIULFDQR GDGD D 
LPSRVLomRYLROHQWDGRSULPHLUR´JDQKDGHVWDTXHD
Notas sobre a noção de "fronteira" de Boaventura de Sousa...5

positividade da identidade fronteiriça, dotada de “riqueza e


virtualidades”, riqueza que estaria “acima de tudo, na
disponibilidade multicultural da zona fronteiriça”.
(p.155).
 A noção de fronteira ressurge no ensaio “Não dispare
sobre o utopista”, capítulo final de Crítica da razão
indolente (2000). Neste ensaio, porém, a noção de
fronteira apresenta-se dissociada da identidade cultural
portuguesa. Trata-se de propor formas de subjetividade
emancipatórias, dispostas a lutar por um novo paradigma
civilizacional. Boaventura de Sousa Santos recorre, então,
ao discurso utópico, imaginando quais subjetividades,
pessoais e coletivas, estariam aptas a promover ou
consolidar a mudança paradigmática que seu trabalho
anuncia. Sua proposição central parece ser a de que
vivemos um momento de crise paradigmática, ou seja,
crise do paradigma da modernidade, havendo sinais de um
paradigma emergente, alternativo. O autor leva adiante
suas reflexões sobre a modernidade ocidental, retomando
em vários aspectos Pela mão de Alice (1994) e Um
Discurso sobre as ciências (1988). Acusa a hegemonia do
conhecimento científico sobre outras formas de
conhecimento, como também sua vinculação aos
interesses de mercado.
Tal movimento (hegemonia da ciência e submissão
desta ao mercado) teria produzido desequilíbrio entre
forças regulatórias e emancipatórias da modernidade,
produzindo-se um excesso de regulação em detrimento da
emancipação (especialmente a partir do século XVIII, com a
associação entre ciência e desenvolvimento tecnológico,
resultando no que chama de “automatismo da
tecnologia”). O desafio presente seria escavar na
modernidade potencialidades emancipatórias marginalizadas
ou apagadas, como também procurar contribuições
em outras tradições culturais, de maneira a se lutar por
um novo paradigma (em Pela mão de Alice, alcunhado
de “eco-socialista”), em que a emancipação não seja
tragada pela regulação. Quais as subjetividades
imaginadas pelo autor como capazes de lutar por tal SURMHWR"
$ VXEMHWLYLGDGH GH IURQWHLUD D VXEMHWLYLGDGH EDUURFD H D
VXEMHWLYLGDGH GR VXO 9HMDPRV FRPR R DXWRU GHILQH D
VXEMHWLYLGDGHEDUURFD
5 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.24, 2014

Tal como aconteceu com o conceito de fronteira, utilizo


o barroco enquanto metáfora cultural para designar o
tipode subjetividade e de sociabilidade capaz de explorar e
de querer explorar as potencialidades emancipatórias
da transição paradigmática. (…) Tanto o Brasil como os
outros países latino-americanos foram colonizados
por centros fracos, respectivamente Portugal e
Espanha. (…) A partir do século XVII, as colônias
ficaram mais ou menos entregues a si próprias, uma
marginalização que possibilitou uma criatividade
cultural e social específica, diversificadamente elaborada
em múltiplas combinações, ora altamente
codificada, ora caóticas, ora eruditas, ora populares,
ora oficiais, ora ilegais.(…) Interesso-me por esta forma de
barroco porque, enquanto manifestação de um exemplo
extremo da fraqueza do centro, constitui um campo
privilegiado para o desenvolvimento de uma imaginação
centrífuga, subversiva e blasfema. Por se formar nas margens
mais extremas, o barroco coaduna-se surpreendentemente
bem com a fronteira. Se o barroco europeu é o Sul do
Norte, é no Sul desse Sul que o barroco latino-americano
se desenvolve. (SANTOS, 357-358)

Pode-se notar, nesta passagem, o deslizamento entre o


uso do termo “barroco” enquanto uma metáfora e o uso
da categoria “barroco” como adequada para descrever uma
cultura específica – a produzida em Portugal, Espanha e
América Latina no século XVII. 1 O autor interpreta esta
produção cultural (aliás, bastante vasta) e seleciona traços
supostamente seus para delinear certa forma de
subjetividade que, contemporaneamente, estaria
empenhada em “explorar criativamente” um período de
transição paradigmática. Tal procedimento – partir de
certa experiência história concreta para delinear metáfora
___________ͺ
útil na elaboração de uma “subjetividade 1 3DUD XPD OHLWXUD
emancipatória” – resulta no deslizamento de traços da FUtWLFD GR XVR GR
subjetividade imaginada para a H[SHULrQFLD KLVWyULFD FRQFHLWRGH³EDUURFR´
SDUD GHVFULomR GDV
GHSDUWLGD R EDUURFR LEHURLFDQR  3HQVR TXH QR TXH SUiWLFDV OHWUDGDV
VHUHIHUH j QRomR GH IURQWHLUD´ 6DQWRV VH YDOH GR VHLVFHQWLVWDV QD
PHVPR SURFHGLPHQWR GH PDQHLUD TXH H[SHULrQFLDV (VSDQKD 3RUWXJDO H
%UDVLO OHU -RmR
KLVWyULFDV VmR LQYHVWLGDV GH SRVLWLYLGDGH TXH HP $GROIR +DQVHQ
SULQFtSLR VHULD SUySULD GD VXEMHWLYLGDGH HPDQFLSDWyULD  
LPDJLQDGDXWySLFD
Notas sobre a noção de "fronteira" de Boaventura de Sousa..5

Nota-se, ainda, que o trecho citado deixa clara a


imbricação entre as noções de Barroco, Fronteira e e
Sul no pensamento de Santos. Vemos também que
as periferias são particularmente caras ao autor, que vê
nas margens do poder (no Sul, nas fronteiras)
espaços propícios para o desenvolvimento de
modos de sociabilidade e de pensamento alternativos
aos do centro. Trata-se, afinal, de um convite à luta
contra os centros hegemônicos de poder e de saber:

Só o extremismo das formas permite que a subjetividade


barroca mantenha a turbulência e a excitação necessárias
para continuar a luta pelas causas emancipatórias, num
mundo onde a emancipação foi subjugada ou absorvida
pela regulação. Falar de extremismo é falar de escavação
arqueológica no magma regulatório a fim de recuperar a
chama emancipatória, por muito enfraquecida que ela
esteja. (SANTOS, p. 362)

Enfoco, neste estudo, o primeiro tipo de subjetividade


proposto pelo autor, a subjetividade de fronteira, contudo,
é importante destacar que o barroco é também, para
Santos, atributo da cultura portuguesa (como vimos em
Pela mão de Alice ), tanto quanto o caráter fronteiriço –
e também o Sul, pois Portugal parece ser o Sul no Norte,
ouR6XOQD(XURSD2VDWULEXWRVSRVLWLYRVGDFXOWXUDRX
LGHQWLGDGH SRUWXJXHVD VXJHULGRV HP 3HOD PmR GH $OLFH
VmR H[DWDPHQWH RV PHVPRV TXH FDUDFWHUL]DP DV
VXEMHWLYLGDGHV HPDQFLSDWyULDV GHOLQHDGDV SHOR DXWRU HP
&UtWLFDGDUD]mRLQGROHQWH DIURQWHLUDREDUURFRHR6XO 
3DUDHVERoDUXPDVXEMHWLYLGDGHIURQWHLULoD%RDYHQWXUD
GH 6RXVD 6DQWRV UHFRUUH D HVWXGRV VREUH FRPXQLGDGHV GH
IURQWHLUD HVSHFLDOPHQWH RFXSDGRV GD FXOWXUD GH IURQWHLUD
QRUWHDPHULFDQD LPSOLFDGD QD FRQTXLVWD GR RHVWH
6HJXQGR R DXWRU VXD DERUGDJHP QmR WHUi SUHRFXSDomR
FRPH[DWLGmRKLVWyULFD S SRLVRTXH EXVFDp
FRQVWUXLUXPWLSRLGHDOGDVRFLDELOLGDGHGHIURQWHLUDSDUD
HQWmRWUDoDUXPDGDVIRUPDVGHVXEMHWLYLGDGHGLVSRVWDVD
OXWDU SHOD FRQVROLGDomR GH XP SDUDGLJPD HPHUJHQWH e
SRUpPLPSRUWDQWHUHWHUTXHVHQRTXHWDQJHDRVHVWXGRV
VREUHDIURQWHLUDQRUWHDPHULFDQDQmRKiSUHRFXSDomRGR
DXWRUFRPH[DWLGmRKLVWyULFDTXDQGRGRVHVWXGRVGR
5 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.24, 2014

do colonialismo português a noção de fronteira surge


como chave explicativa de uma dinâmica cultural
desenvolvida ao longo de séculos de “contato” entre
“semicolonizadores”portugueses H ³VHPLFRORQL]DGRV´ GD
ÈIULFD GD $PpULFD H GD ÈVLD FRPR YLPRV HVWH p R
HPSHQKRGRDXWRUHP3HODPmRGH$OLFH 
$VRFLDELOLGDGHGHIURQWHLUDWHULDDOJXPDVFDUDFWHUtVWLFDV
HVSHFLDOPHQWHFDUDVD6DQWRV

(...) uso muito seletivo e instrumental das tradições


trazidas para a fronteira por pioneiros e emigrantes;
invenção de novas formas de sociabilidade; hierarquias
fracas; pluralidade de poderes e ordens jurídicas;
fluidez das relações sociais; promiscuidade entre
estranhos e íntimos; mistura de heranças e invenções.
(2000, p. 347)

O trânsito (ou oscilação) entre a recuperação de


aspectos de uma experiência histórica particular (as
comunidades de fronteira decorrentes da expansão
colonial inglesa) e a composição da fronteira como
metáfora de uma forma de subjetividade que o autor
considera positiva – trânsito este que caracteriza a
construção argumentativa de Boaventura de Sousa Santos
–, convida a múltiplas associações com o projeto
literário de Ruy Duarte de Carvalho.

Gostaria de sugerir, inicialmente, que a noção


de fronteira, como delineada por Santos, contribui para
que se iluminem certos aspectos do projeto literário de
Ruy Duarte de Carvalho. Por um lado, este
antropólogo-escritor dedicou parte relevante de sua
produção a uma região de fronteira específica, o deserto
do Namibe, no sul de Angola e norte da Namíbia; por
outro, navegou entre diferentes modalidades de
conhecimento, transitando entre antropologia e
literatura. A cabotagem (navegar nos OLPLWHV GR HVSDoR
FRQKHFLGR DPSOLDQGR HVVHV SUySULRV OLPLWHV  H D
KLEULGDomR TXH VXUJHP QR DUJXPHQWR GH %RDYHQWXUD
FRPR HVWUDWpJLDV SUySULDV GD IURQWHLUD 
S  SDUHFHPPH SURGXWLYDV SDUD SHQVDUPRV D
SURGXomR GH 5X\ 'XDUWH GH &DUYDOKR 1DYHJDQGR HQWUH
OLWHUDWXUDHDQWURSRORJLDHQWUHILFomR H FLrQFLD D WULORJLD
2V ILOKRV GH 3UyVSHUR DEDOD H UHGHILQH RV OLPLWHV HQWUH
WDLVGRPtQLRV&RQILJXUDDVVLPXPGLVFXUVRKtEULGRTXH
Notas sobre a noção de "fronteira" de Boaventura de Sousa... 5

não se inscreve completamente nos espaços da ficção,


da autobiografia, do ensaio ou da antropologia,
mesclando estas formas de conhecimento e representação.
De certa forma, podemos dizer que a fronteira é tema
da trilogia –como espaço geográfico e forma cultural –
e está implicada em sua estrutura mesma, de caráter
híbrido.
Segundo Boaventura de Sousa Santos, estar na
fronteira implicanuma distância com relação aos centros
de poder (a metrópole colonial) e de saber (o paradigma
dominante, no caso da modernidade ocidental, científico).
Ao sugerir que vivemos um tempo de transição
paradigmática,relaciona RSDUDGLJPDGRPLQDQWHDXPFHQWUR
RX PHWUySROH H R HPHUJHQWH D VXD PDUJHP RX SHULIHULD ±
WRUQDQGRVH D IURQWHLUD ILJXUD GH QRVVR WHPSR SUHVHQWH GRV
GHVDILRVHSLVWHPROyJLFRVFRPTXHQRVGHSDUDPRVQXPSHUtRGR
GH FULVH )D]VH SUHFLVR VDEHU QDYHJDU HQWUH HVVHV SDUDGLJPDV
KDELWDUDIURQWHLUD HFRQILJXUDUDOWHUQDWLYDV QRYDVIRUPDVGH
FRQKHFLPHQWRKtEULGDV 2DXWRUH[SORUDDVVLPDPHWiIRUDGD
IURQWHLUD UHIOHWLQGR WDQWR VREUH D SRVVLELOLGDGH RX
QHFHVVLGDGH  DWXDO GH VH H[SHULPHQWDUHP UHODo}HV VRFLDLV
DOWHUQDWLYDV FRPR QRYDV IRUPDV GH FRQKHFLPHQWR  S
 
  $ DVVRFLDomR GR SDUDGLJPD FLHQWtILFR GRPLQDQWH DRV
FHQWURV GH SRGHU UHS}H D FUtWLFD j FLrQFLD PRGHUQD OHYDGD D
FDER SHOR DXWRU HVSHFLDOPHQWH HP 8P 'LVFXUVR VREUH DV
FLrQFLDV  7UDWDVHGHDFXVDUQDGLFRWRPLDVXMHLWRREMHWR
HVWUXWXUDQWH GR SDUDGLJPD FLHQWtILFR XPD UHODomR GHVLJXDO GH
SRGHU 'H RXWUD PDQHLUD FRQKHFHU WHULD VH WRUQDGR QD
PRGHUQLGDGH RFLGHQWDO GRPLQDU FRQWURODU UHGX]LU R TXH VH
SUHWHQGHFRQKHFHUDREMHWRDFRLVDDVHUPDQLSXODGD QRTXH
%RDYHQWXUD GH 6RXVD 6DQWRV VHJXH GH SHUWR PHVPR TXH QmR
H[SOLFLWDPHQWH DV SURSRVLo}HV GH $GRUQR H +RUNKHLPHU
GHVHQYROYLGDVQD 'LDOpWLFDGRHVFODUHFLPHQWR $RSURSRUXPD
VXEMHWLYLGDGHGHIURQWHLUDFRPRDSWDDOXWDUSRUXPSDUDGLJPD
HPHUJHQWH %RDYHQWXUD GH 6RXVD 6DQWRV DSRVWD QXPD
H[SHULrQFLDGHLGHQWLGDGHTXHQmRVHGrSHODQHJDomRGRRXWUR
H[SHULrQFLD FRORQLDO  PDV TXH VH SHUPLWD WUDQVLWDU HQWUH R
SUySULR H R RXWUR 6H D FLrQFLD PRGHUQD DPSDUDVH QD
GLFRWRPLDHQWUHVXMHLWRHREMHWRDVXEMHWLYLGDGHIURQWHLULoDVH
HVPHUDULD HP ERUUiOD VH R FRORQLDOLVPR LQVWDXUD D GLVWLQomR
UDGLFDO HQWUH R ³PHVPR´ H R ³RXWUR´ HQWUH ³QyV´ H ³HOHV´ D
IURQWHLUDLQVWDXUDULDDDPELJLGDGHD³SURPLVFXLGDGHHQWUH
5 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.24, 2014

estranhos e íntimos” (2000; p. 347).


Na trilogia Os filhos de Próspero , tanto a ciência
moderna como a experiência colonial são colocadas em
perspectiva. Os três livros de Ruy Duarte de Carvalho se
armam de maneira a sugerir a condição instável e precária
das identidades e das formas de conhecimento. Sempre
limitado a perspectivas singulares, o conhecimento
possível não se assume imparcial, objetivo e
universalmente válido. Ao contrário, a antropologia, a
geografia, a geologia e a biologia surgem como disciplinas
historicamente devedoras da empresa colonial, ligadas a
interesses específicos. No primeiro romance da trilogia, Os
papéis do inglês (2000), esta associação é, no que tange à
antropologia, particularmente evidente.
    Interessa-me destacar que o recurso a duplicações e
contaminações da figura do narrador-personagem (que, nos
três livros, seria o próprio escritor) nos respectivos
protagonistas (Perkings, Severo e Trindade) sugere a
condição artefactual do “eu”, cuja existência parece
depender de estratégias de ficcionalização. O
narrador-personagem fala de outros para falar de si,
transfigura-se para se conhecer e reconhecer, existindo
para si e para os outros (e os outros para si) na medida
desse processo de ficcionalização. Processo este que não
se encerra, que se desdobra, duplica e ramifica de maneira
potencialmente infinita – a própria constituição da
trilogia encena esse movimento. O mesmo se pode
dizer quanto ao conhecimento do real, ou melhor, a
realidade surge implicada num processo de criação e
recriação infinita. O leitor é levado a duvidar de que haja
uma identidade estável, apta a apreender e revelar
realidades objetivas, fixas e apreensíveis pelo sujeito que vê
H IDOD ± WDQWR R VXMHLWR TXH FRQKHFH FRPR R PXQGR D
FRQKHFHUVHLQVFUHYHPQXPSURFHVVRGLQkPLFRGHLQYHQomR
(P $VSDLVDJHQVSURStFLDV  VHJXQGRURPDQFHGD
WULORJLD R QDUUDGRUHVFULWRU FRPHQWDQGR VXD GLVSRVLomR D
HVFUHYHU ³QXP GHVVHV IDPRVRV FDGHUQRV GH FDSD SUHWD´ S
 UHIOHWHVREUHDFRQGLomRGRVXMHLWRGDHVFULWDVXJHULQGR _____________
2 3DUDHVWXGRGH6HYHUR
D H[LVWrQFLD GH XP QDUUDGRU TXH QmR FRLQFLGLULD FRP HOH FRPR XP GXSOR GR
DXWRUQDUUDGRU
SUySULR S   (VWD GXSOLFDomR DQXQFLDGD GH LQtFLR VHUi FRQIHULU GLVVHUWDomR GH
UHSHWLGD QD UHODomR GR QDUUDGRUSHUVRQDJHP FRP R PHVWUDGR GH 6RQLD
0LFHOL SS 
SURWDJRQLVWD6HYHURTXHVHUiWDPEpPSRUYH]HVQDUUDGRU
$QXQFLDVHMiVREUHRTXHVHYDLFRQWDU
Notas sobre a noção de "fronteira" de Boaventura de Sousa...

(...) A estória verdadeira, neste caso a viagem, vivida


como ficção. Em viagem, portanto, o narrador...
Disponível para deixar-se repescar do caminho afundado e
solitário que sempre há-de ser da escrita, pelas escritas
que o mundo captado expressivo porque imprevisto e
“novo”, lhe convida a inscrever como ficção na ficção
da sua própria narrativa e na expectativa, sempre,
de que daí resulte, aí se dissimule, qualquer coisa
que exceda a intenção, o contexto e o labor da escrita,
alguma parte daquilo que o comum do dia-a-dia
impede de ver, a sobreposição lenta de camadas
finas e transparentes da própria ficção do mundo. (2005;
p. 13)

Este mundo em processo, sempre novo, é associado D


ficção e escrita. Escrever faz-se captar essa dinâmica, de
certa maneira imitá-la, revelando-a ao dela participar.
Em A terceira metade (2009), o narrador partilha com o
leitor sua conversa com Trindade em torno de
considerações de Severo sobre a poesia:

 DUHDOLGDGHQmRSRGLDVHUDQDWXUH]DFULDGDHIHLWD
GH XPD YH] SDUD VHPSUH D UHDOLGDGH p H DFRQWHFH QXP
GHYLU TXH D LQYHQWD DFUHVFHQWD H DR PHVPR WHPSR D
SHUVHJXH SRUTXH HOD VHPSUH WUDQVFRUUH FRP RX VHP D
SDUWLFLSDomR GH XP TXDOTXHU VXMHLWR D H[SHULrQFLD
SRpWLFDDVVXPLQGRDVVLPRSDSHOGHFRDXWRUGRPXQGR
DSDODYUDTXHIXQGDVHDSDODYUDpTXHIXQGDKiFRLVDVD
QRPHDUKiFRLVDVTXHDSDODYUDWHPDKDYHUHTXHYLUmRD
DXPHQWDU RX DOWHUDU D WRWDOLGDGH Mi LQFRPHQVXUiYHO GR
PXQGR R SRVVtYHO YRFr QmR R WHP SUHYLDPHQWH QmR R
WHP DQWHV GH WHU FULDGR FKHJD SHOR DFRQWHFLPHQWR H
QmR R LQYHUVR SHODV SDODYUDV TXH DWUDYpV GH HOHYDomR
YLROHQWD H LQHVSHUDGD UHYHODP D SURIXQGLGDGH H D
VLQJXODULGDGHGHXPDH[SHULrQFLD S 

2 FDUiWHU DUWHIDFWXDO GR PXQGR HP SURFHVVR GH


LQYHQomR H UHLQYHQomR SHUPDQHQWH  GH TXH D SRHVLD
SDUWLFLSDULD DPSOLDQGRRHDOWHUDQGRR SDUHFHFRUUHVSRQGHU
DR FDUiWHU DUWHIDFWXDO GR ³HX´ TXH WDPEpP H[LVWH FRPR
GHYLUHLQYHQomRVHPSUHLQDFDEDGRHPSURFHVVR3HUNLQJV
6HYHUR H 7ULQGDGH VmR SHUVRQDJHQV TXH DOpP GH
VH FRQWDPLQDU GH WUDoRV GR QDUUDGRU  H[SHULPHQWDP
GHVORFDPHQWRV TXH LPSOLFDP HP DXWRLQYHQomR 2 FDVR
GH6HYHURpH[WUHPRSUHFLVDVHGLVIDUoDUGHDMXGDQWHPXGR
6 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.24, 2014

GR kimbanda para sobreviver no deserto, e de fato


acaba por se tornar adivinho (ou por se passar
por adivinho...). Trindade, mucuísso das pedras,
desprezado tanto por brancos como por bantos, deve se
inventar e reinventar constantemente, lidando com a
necessidade de ocidentalização e bantuização.
A reinvenção permanente de si é traço destacado
por Boaventura de Sousa Santos como
constitutivo da subjetividade fronteiriça e marca os
sujeitos representados na trilogia Os filhos de
Próspero .3 Tal traço implica em novas apostas
epistemológicas e formas de representação, comR
ambos autores podem sugerir.

Se há convergências possíveis entre o projeto literário


do antropólogo e escritor angolano e o projeto utópico
do pensador português, há divergências que
merecem atenção. Retomando a associação entre
identidade de fronteira e identidade portuguesa já
proposta em Pela mão de Alice , Boaventura de
Sousa Santos escreve um ensaio que teria bastante
fortuna: “Entre Próspero e Caliban” (2002). Neste
ensaio, a experiência colonial portuguesa é lida
na FKDYH GD LQWHULGHQWLGDGH UHFXSHUDQGRVH
H GHVHQYROYHQGRVH D LGpLD GH TXH D IUDTXH]D
GR FRORQLDOLVPR SRUWXJXrV WHULD SURGX]LGR XPD
H[SHULrQFLD FXOWXUDO H LGHQWLWiULD HVSHFtILFD GLVWLQWD GR
FRORQLDOLVPR SOHQR TXH VHULD R FRORQLDOLVPR LQJOrV  2
SRUWXJXrV WHULDVLGR D XP Vy WHPSR FRORQL]DGRU
H FRORQL]DGR FRQVWLWXLQGR XPD LGHQWLGDGH IURQWHLULoD
&RPR YLPRV Mi HP 3HOD PmR GH $OLFH 3RUWXJDO VHULD
SDUD 6DQWRV XPDHVSpFLH GH 6XO GR 1RUWH QR 1RUWH _________________
6H OHPEUDUPRV GDV DVVRFLDo}HV SURGX]LGDV QR HQVDLR 3
Não me parece à toa que
³1mR GLVSDUH VREUH R XWRSLVWD´ GH &UtWLFD GD UD]mR tanto o narrador-personagem
LQGROHQWH  HP WRUQR GDPHWiIRUD GR 6XO YHUHPRV TXH como os protagonistas estão
permanentemente em viagem.
D DJUHVVmR FRORQLDO p XPWUDoRGR1RUWH Sobre a questão, ler “A
desmedida de Ruy Duarte de
Carvalho: a viagem como
síntese e invenção”, de Rita
Chaves (2012).
Notas sobre a noção de "fronteira" de Boaventura de Sousa... 6

________________________
4
(P(FRVGR$WOkQWLFR6XO 2PDU Devido à sua dificuldade, a crítica da relação imperial deve
Ribeiro Thomaz investiga proceder por fases. Em primeiro lugar, é preciso
detidamente os discursos
coloniais portugueses produzidos compreendê-la como imperial, o que nos países centrais
no período da ditadura de significa reconhecer que se é agressor (aprender que existe
Salazar. Esta cuidadosa
investigação das representações um Sul). Depois, é preciso identificá-la como
produzidas pelos portugueses profundamente injusta, e como tendo efeito
a respeito de si e do outro
(o colonizado) permite-nos acusar
desumanizante, quer na vítima, quer no agressor, o que
a parcialidade da estratégia significa que deixar de ser o agressor é colocar-se do lado
de Santos, TXH SULYLOHJLD DV da vítima (aprender a ir para o Sul). (SANTOS, 2000; p.
UHSUHVHQWDo}HV SURGX]LGDV VREUH RV
SRUWXJXHVHV H QmR SHORV PHVPRV 269)
FRQIHULU GR WUDEDOKR GH 7KRPD]
HVSHFLDOPHQWH R FDStWXOR ³2 VDEHU
FRORQLDO
Se Portugal era já o Sul no Norte, não seria suavizada
 2 WUDEDOKR Mi PHQFLRQDGR GH sua posição de agressor? Além disso: não seria,
7KRPD] HYLGHQFLD TXH D rQIDVH
GDGD j SREUH]D PDWHULDO GR FRORQR sua experiência histórica de Sul no Norte, útil para o
SRUWXJXrV H HP FRQVHTXrQFLD VXD caminho a ser trilhado em direção ao Sul pelo Norte?
PDLRU GLVSRQLELOLGDGH j ³PLVWXUD´
WHP DQWHFHGHQWHV ³1mR p HVWUDQKR Afinal, este “caminho” teria sido já trilhado pelos
SRLV TXH QHVWH PRPHQWR GH
DILUPDomR GR UHJLPH >GH 6DOD]DU@
portugueses, forjando-se, como vimos, uma identidade
$JRVWLQKR GH &DPSRV UHILUDVH j ou cultura de fronteira (SANTOS, 1994). A tese de
WUDGLomR FRORQLDO SRUWXJXHVD FRPR
SURIXQGDPHQWH FULVWm 8P Santos defendida em “Entre Próspero e Caliban” é
FULVWLDQLVPR GLIHUHQWH SDUWLFXODU justamente a de que os portugueses foram
FXMD PDUFD VHULD VREUHWXGR D
FDSDFLGDGH GH YHU QR ³RXWUR´ R colonizadores e colonizados ao mesmo tempo,
H[yWLFR XP VHU KXPDQR XP
FULVWLDQLVPR VHJXQGR &DPSRV
constituindo uma inter-identidade (2002; p. 54). A
PDLV WUDQTXLOL]DGRU SDUD R IXWXUR principal estratégia escolhida pelo autor para defender
GD UDoD EUDQFD SRLV QmR
HQJHQGUDULD yGLRV RX UDQFRUHV  
seu argumento consiste em investigar representações a
&RPR YHPRV ³WROHUkQFLD´ H respeito dos portugueses produzidas por outros
³VLPSDWLD´ ID]LDP GRV SRUWXJXHVHV
YHUGDGHLURV DQWURSyIDJRV QR europeus. Reunindo um conjunto vasto de
SURFHVVR GH DWUDomR H DVVLPLODomR exemplos, Santos defende que os portugueses foram
GDV SRSXODo}HV QDWLYDV $
SODVWLFLGDGHOXVDHPPHLRjJHQWHV vistos, especialmente por ingleses e franceses, como
WURSLFDLV±DVVRFLDGDjDQWURSRIDJLD não-europeus ou não-brancos, não tendo reconhecida
± IRUWDOHFLD D LGHLD GH TXH VHP DV
SRSXODo}HV H[yWLFDV D QDomR QmR sua condição de Próspero (ou seja, imperial).4 Como
SRGHULD UHDOL]DUVH SOHQDPHQWH  
2 PHVPR DXWRU UHWUDWD R FRORQR
consequência, os portugueses não puderam se
SRUWXJXrV QD VXD GXUD PLVVmR GH identificar plenamente com os papéis do FRORQL]DGRUHGR
H[SDQGLU D 3iWULD H D Ip 6XD
VLWXDomR GH SREUH]D QmR OKH FRORQL]DGRH[LVWLQGR³HQWUH´3UyVSHURH&DOLEDQ
SHUPLWLULD UHFKDoDU R WUDEDOKR (PPLQKDRSLQLmRDSRVLWLYLGDGHGDVXEMHWLYLGDGHGH
iUGXR H DR FRQWUiULR GRV FRORQRV
GH RXWURV SDtVHV HXURSHXV R IURQWHLUD FRPR GHOLQHDGD HP &UtWLFD GD UD]mR LQGROHQWH
SRUWXJXrV WUDEDOKDULD ODGR D ODGR FRQWDPLQDDLQWHUSUHWDomRGDKLVWyULDFRORQLDOSRUWXJXHVD
FRPRQDWLYRUHSURGX]LQGRDVVLP
R HVStULWR GD 3iWULD HP RXWUDV QHVWH HQVDLR SRVWHULRU &RPR YLPRV Mi WDPEpP HP
ODWLWXGHV R TXH R DSUR[LPDULD
ILVLFDPHQWH GH SRSXODo}HV HP
³0RGHUQLGDGH LGHQWLGDGH H FXOWXUD GH IURQWHLUD´  
HVWiJLRV DQWHULRUHV GH 6DQWRV DILUPDYD TXH RV SRUWXJXHVHV DWUDYpV GH VXD
GHVHQYROYLPHQWR IDFLOLWDQGR
SRUWDQWR VXD DVVLPLODomR $
H[SHULrQFLD FRORQLDO WHULDP GHVHQYROYLGR XPD SRVLWLYD
FRQWUDSDUWLGD GD SREUH]D PDWHULDO LGHQWLGDGH IURQWHLULoD 6DQWRV FHOHEUDYD HQWmR WDO
GRFRORQR±HFRPRFRQVHTXrQFLD
GH 3RUWXJDO ± VHULD D ULTXH]D GH LGHQWLGDGH GHVWDFDQGR VXD ³ULTXH]D H YLUWXDOLGDGHV´ H
HVStULWR´ 7+20$=S  ³GLVSRQLELOLGDGH PXOWLFXOWXUDO´  S   $VVLP
SRGHPRV LQIHULU TXH D H[SHULrQFLD LGHQWLWiULD SRUWXJXHVD
HVWDULDQDYDQJXDUGDGDFRQVWUXomRGHXPD³VXEMHWLYLGDGH
6 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.24, 2014

HPDQFLSDWyULD´ HVWD GHOLQHDGD HP &UtWLFD GD UD]mR


LQGROHQWH  2 FRORQLDOLVPR SRUWXJXrV WHULD HQWmR
SURGX]LGRXPDH[SHULrQFLDFXOWXUDOGDVPDLVSUHFLRVDVTXH
VHJXDUGDWDPEpPQDVH[FRO{QLDV S  0LQKD
SHUJXQWDpHVWDWHVHQmRVHULDPDLVXPDPHVPRTXHPXLWR
VRILVWLFDGDYHUVmRGR³ERPFRORQRSRUWXJXrV´GDLGHLDGH
TXH HP FRQWUDSRVLomR DRV RXWURV FRORQL]DGRUHV R SREUH
SRUWXJXrV OHYDULD FRQVLJR D GLVSRVLomR SDUD VH LQWHJUDU H
FRQVWUXLU XPD JUDQGH QDomR PXOWLFXOWXUDO"  3RGHPRV
LQFOXVLYH SHQVDU VHJXLQGR R UDFLRFtQLR GH 6DQWRV VHU D
H[SHULrQFLD LGHQWLWiULD SRUWXJXHVD UHFXUVR SDUD D
FRQVWUXomR QD FRQWHPSRUDQHLGDGH GH ³VXEMHWLYLGDGHV´
HPSHQKDGDV HP OXWDU FRQWUD D JOREDOL]DomR KHJHP{QLFD
HVWD SRU VXD YH] HQWHQGLGD FRPR XP OHJDGR GR
FRORQLDOLVPREULWkQLFR 
   $TXL D REUD GH 5X\ 'XDUWH GH &DUYDOKR FDPLQKD
SDUHFHPHQRXWUDGLUHomR2FRORQLDOLVPRSRUWXJXrVVXUJH
FRPR UHVSRQViYHO SHOD LPSOHPHQWDomR GH PHFDQLVPRV GH
RSUHVVmR H H[SORUDomR GH WDO EUXWDOLGDGH TXH QmR KDYHULD
OXJDU SDUD D VXSRVLomR GH GLiORJR IOXLGH] H GLVSRVLomR
PXOWLFXOWXUDO $ IURQWHLUD HVWi j PDUJHP GR FRORQLDOLVPR
SRUWXJXrVpVXDPDUJHPPDVQmRRFDUDFWHUL]D DSREUH]D
UHODWLYD GR FRORQL]DGRU QmR SDUHFH LPSOLFDU HP PDLRU
GLVSRQLELOLGDGH RX LGHQWLILFDomR FRP R FRORQL]DGR DR
FRQWUiULR  $OLiV D UHSUHVHQWDomR GR FRORQLDOLVPR
SRUWXJXrV QD WULORJLD HQIDWL]D VHX FDUiWHU SUHGDWyULR H R
HPSHQKR HP PDUFDU GLVWkQFLDV ± UDFLDLV VRFLDLV H
HFRQ{PLFDV 1HVVH VHQWLGR p GH VH GHVWDFDU D UHFRUUHQWH
PHQomR DR PDVVDFUH GRV PXFXEDLV NXYDOH  OHYDGR D FDER
BBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBB
SHORV FRORQL]DGRUHV SRUWXJXHVHV (P $ WHUFHLUD PHWDGH R 6
3DUD FRQKHFHU SHUVSHFWLYDV
GLVWLQWDV GD GH 6DQWRV FRQIHULU
QDUUDGRUQRVFRQWD DOpPGR Mi PHQFLRQDGR (FRV GR
$WOkQWLFR 6XO  GH 2PDU
VLP 3DXOLQR HVVHV SRYRV WRGRV j YROWD Mi HUDP SRYRV 5LEHLUR 7KRPD] RV VHJXLQWHV
HQVDLRV GH $UOLQGR
VXEPHWLGRVjOHLGRLPSRVWRPDVRVPXFXEDLVHUDPXPD %DUEHLWRV ³8QH
JHQWHFRPPXLWRVERLVHERLVPHOKRUHVTXHRVGRVSRYRVGH SHUVSHFWLYH DQJRODLVH VXU OH
OXVRWURSLFDOLVPH´ ,Q
FLPD GD VHUUD H VREUHWXGR TXH QmR WLQKD QHP TXHULD WHU /XVRWRSLH  3DULV
DJULFXOWXUD QHQKXPD H RUJDQL]DYD D YLGD FRQIRUPHDV .DUWKDOD  ³2OLYHLUD
QHFHVVLGDGHV GR JDGR H QmR DV GR PLOKR D DQGDYDP 0DUWLQV (oD GH 4XHLUR] D
UDoD H RKRPHP QHJUR´ ,Q
SRUWDQWR VHPSUH HP PRYLPHQWR H QmR REHGHFLDP QHP D $FWDV GD ,,, 5HXQLmR
UHLV QHP D VREDV TXH RV EUDQFRV GRPLQDVVHP H SXGHVVHP ,QWHUQDFLRQDO GH +LVWyULD GH
ÈIULFD $ ÈIULFD H D ,QVWDODomR
XVDU FRPR DJHQWHV SDUD FRQWURODUOKHV H SRUWDQWR GR 6LVWHPD &RORQLDO F F
FRQVHJXLDPHVFDSDUGHSDJDULPSRVWRHGHIRUQHFHUKRPHQV   &HQWUR GH (VWXGRV GH
+LVWyULD H &DUWRJUDILD $QWLJD
SDUDRVLVWHPDGHWUDEDOKRTXHRVEUDQFRVWLQKDPPRQWDGR GR ,QVWLWXWR GH
QDVPLQDVQDVSHVFDULDVQDVID]HQGDVGHVLVDOGHFDIpGH ,QYHVWLJDomR &LHQWtILFD
7URSLFDO/LVERD
Notas sobre a noção de "fronteira" de Boaventura de Sousa... 6

FDQD DV DXWRULGDGHV QmR VDELDP QXQFD RQGH p TXH


HOHVSDUDYDPSDUDSRGHUOKHVFRQWURODU 
(QDFDEHoDGHPXLWRVIRLPHGUDQGRHQWmRWDPEpPFRPR
FRUUHUGRVDQRVHDVHGLPHQWDomRGRSRGHUGRVEUDQFRVHGD
VXEPLVVmR GRV QHJURV TXH D ~QLFD IRUPD GH DFDEDU GH YH]
FRPDDEHUUDomRGHXPDWDOUHVLVWrQFLDHDRPHVPRWHPSRD
PDQHLUD GH GHLWDU PmR D WDQWR JDGR VHULD PHVPR
DFDEDUFRPHOHV   &$59$/+2S 

A guerra de extermínio dos mucubais (kuvale),


conduzida em 1940, delata o caráter predatório e brutal
GR FRORQLDOLVPR SRUWXJXrV $ UHVLVWrQFLD NXYDOH j
RFLGHQWDOL]DomR D VH WRUQDU SHoD QD HQJUHQDJHP FRORQLDO
FRQGX] DV DXWRULGDGHV SRUWXJXHVDV D VH HQJDMDU HP VHX
H[WHUPtQLR (QWHQGHVH TXH D VXSRVWD GLVSRVLomR j
UHLQYHQomR GH VL QD UHODomR FRP D DOWHULGDGH TXH VHULD
H[SHULPHQWDGD QRV HVSDoRV GR FRORQLDOLVPR SRUWXJXrV
SRGH QmR SDVVDU GH HVWUDWpJLD GH GRPLQDomR GH
LQFRUSRUDomR GR RXWUR DR SUySULR QD FRQGLomR GH
VXEDOWHUQL]DGR4XDQGRKiUHVLVWrQFLDj³PLVWXUD´GiVHR
H[WHUPtQLR GR RXWUR UHYHODQGRVH D LQFRQVLVWrQFLD GD
VXSRVWD ³GLVSRQLELOLGDGH PXOWLFXOWXUDO´ GD ³LQWHU
LGHQWLGDGH SRUWXJXHVD´ /HQGR D WULORJLD 2V ILOKRV GH
3UyVSHURSHUJXQWRPHRTXHRVNXYDOHWHULDPDGL]HUVREUH
HVWD GLVSRVLomR PXOWLFXOWXUDO GD VRFLHGDGH SRUWXJXHVD H
PHVPR GD DQJRODQD  DQXQFLDGD SRU %RDYHQWXUD GH 6RXVD
6DQWRV
(QWHQGRTXHDREUDGH5X\'XDUWHGH&DUYDOKRQmR
SHUPLWH SRU VXD YH] SRVLWLYDomR GD H[SHULrQFLD FRORQLDO
SRUWXJXHVDDRFRQWUiULR7RUQDVHQHFHVViULRSHORH[SRVWR
GLVFHUQLU GHQWUR GD QRomR DJUHJDGRUD GH ³IURQWHLUD´
GHOLQHDGD QD REUD GH %RDYHQWXUD 6RXVD 6DQWRV VHXV
GLIHUHQWHV PRPHQWRV 3RU H[HPSOR DWULEXLU XPD YRFDomR
HVSHFLDO SDUWLFXODU H SRVLWLYD  j H[SHULrQFLD FRORQLDO
SRUWXJXHVD QmR p R PHVPR TXH HQWHQGHU D KHJHPRQLD GR
VDEHU FLHQWtILFR RFLGHQWDO  FRPR LPSOLFDGD QR JHVWR
FRORQLDO HP JHUDO TXH SURGX]LULD PDUJHQV SRGHQGR VHU
GHVHVWDELOL]DGD SRU HVWDV PHVPDV PDUJHQV  1D FRQVWUXomR
DUJXPHQWDWLYD GH %RDYHQWXUD GH 6RXVD 6DQWRV DR ORQJR
GRV WUrV HQVDLRV DTXL LQYHVWLJDGRV HVWHV DVSHFWRV HVWmR
FRQWXGR IRUWHPHQWH HQWUHODoDGRV GH PDQHLUD TXH
FRUUHPRV R ULVFR GH DGHULQGR D XPD IDFHWD GH VHX
DUJXPHQWRWRPDUFRPRDFHUWDGRRFRQMXQWRGHVXDV
6 Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.24, 2014

SURSRVLo}HV 3DUHFHPH SRUWDQWR VHU QHFHVViULD D UHYLVmR


FUtWLFD GD QRomR DJUHJDGRUD GH ³IURQWHLUD´ RX VHMD VXD
DQiOLVH H GHVFRQVWUXomR $TXL SURFXUHL SURGX]LU HVWD
DQiOLVH FUtWLFD WUDoDQGR FRQYHUJrQFLDV H GLYHUJrQFLDV HQWUH
R SURMHWR XWySLFR GH %RDYHQWXUD GH 6RXVD 6DQWRV H R
SURMHWR OLWHUiULR GH 5X\ 'XDUWH GH &DUYDOKR 1R TXH VH
UHIHUHjFDERWDJHPHQWUHPRGDOLGDGHVGLVFXUVLYDVHIRUPDV
GHFRQKHFLPHQWRFRPRjQHFHVVLGDGHGHGHVORFDPHQWRGR
FHQWURGRVDEHUSRGHUSURSRVWDVSRU6DQWRVHQFRQWUDPRV
IRUWHVLQWRQLDFRPHVWUDWpJLDVGLVFXUVLYDVGHVHQYROYLGDVSRU
5X\ 'XDUWH GH &DUYDOKR &RQWXGR D DVVRFLDomR TXH
6DQWRVSURS}HHQWUHLGHQWLGDGHGHIURQWHLUDHDH[SHULrQFLD
FRORQLDO SRUWXJXHVD PH SDUHFH PXLWR GLVWDQWH GD
UHSUHVHQWDomR GR FRORQLDOLVPR SRUWXJXrV RIHUHFLGD SHOR
HVFULWRU DQJRODQR 7RUQDVH DVVLP LPSRUWDQWH HYLWDU D
VLPSOHVDGHVmRHDSOLFDomRGRSHQVDPHQWRGH6DQWRVSDUDD
OHLWXUD GH REUDV OLWHUiULDV DIULFDQDV (VWDV REUDV RIHUHFHP
UHVLVWrQFLD FRQYLGDP j UHYLVmR FUtWLFD H j UHDYDOLDomR GH
DOJXPDVGDVSURSRVLo}HVGRSHQVDGRUSRUWXJXrV

Referências

ADORNO, Theodor; Horkheimer, Max. A dialética do


esclarecimento . Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
%$5%(,726$UOLQGR2OLYHLUD0DUWLQV(oDGH4XHLUR]D
UDoD H R KRPHP QHJUR ,Q $FWDV GD ,,, 5HXQLmR
,QWHUQDFLRQDOGH+LVWyULDGHÈIULFD$ÈIULFDHD,QVWDODomR
GR 6LVWHPD &RORQLDO F F  
&HQWUR GH (VWXGRV GH +LVWyULD H &DUWRJUDILD $QWLJD GR
,QVWLWXWR GH ,QYHVWLJDomR &LHQWtILFD 7URSLFDO /LVERD
&$59$/+2 5X\ 'XDUWH GH 2V SDSpLV GR LQJOrV  6mR
3DXOR &RPSDQKLD GDV /HWUDV 
BBBBBBBBB $VSDLVDJHQVSURStFLDV/LVERD&RWRYLD
BBBBBBBBB $ WHUFHLUD PHWDGH  /LVERD &RWRYLD 
&+$9(65LWD$GHVPHGLGDGH5X\'XDUWHGH&DUYDOKR
D YLDJHP FRPR VtQWHVH H LQYHQomR ,Q 2:(1 +LODU\
&+$9(6 5LWD $3$ /LYLD /(,7( $QD 0DIDOGD 2UJ 
1DomR H QDUUDWLYD SyVFRORQLDO ,  /LVERD &ROLEUL 
+$16(1 -RmR $GROIR 3yVPRGHUQR H %DUURFR ,Q
52&+$ -RmR &p]DU GH &DVWUR 2UJ  &DGHUQRV GH
PHVWUDGR 'HSDUWDPHQWR GH /HWUDV ± 8(5- ± 5LR GH
-DQHLURS
Notas sobre a noção de "fronteira" de Boaventura de Sousa... 6

_________. A sátira e o engenho: Gregório de Matos e a


Bahia do século XVII. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
MICELI, Sonia. Contar para vivê-lo, viver para cumpri-lo:
autocolocação e construção do livro na trilogia ficcional de
Ruy Duarte de Carvalho. Dissertação de mestrado:
Universidade de Lisboa, 2011.
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THOMAZ, Omar Ribeiro. Ecos do Atlântico Sul:
representações sobre o terceiro império português. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ/Fapesp, 2002.

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