DOI: 10.5433/1980-511X.2015v10n1p189
INTRODUÇÃO
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Termo firmado por Alexis de Tocqueville como significante da redução progressiva do distanciamento
existente entre nobres e plebeus: “Uma grande revolução democrática se realiza em nós; todos a
veem, mas nem todos a julgam da mesma maneira. Uns a consideram uma coisa nova e,
tomando-a por um acidente, esperam ainda poder detê-la; enquanto outros a julgam irresistível,
porque ela lhes parece o fato mais contínuo, mais antigo e mais permanente que se conhece na
história” (TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. São Paulo: Martins Fontes,
2001, p. 08).
2
Expressão cunhada por José Joaquim Gomes Canotilho (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito
Constitucional. 5 ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1992, p. 113 e seguintes).
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Já que, nos dizeres de Ana Lúcia P. Pereira: “Já antes do positivismo normativista se reconhecia o
exercício da atividade política pela jurisdição constitucional. A diferença é que, sob o direito pré-
moderno, a jurisprudência era fonte legítima de direito; sob o direito moderno, a fonte legítima
era apenas a lei posta, mas, a discricionariedade judicial era reconhecida como inevitável quan-
do insuficiente a disciplina legal; e, sob o direito contemporâneo, ao que antes de chamava
discricionariedade judicial, pode-se nomear atividade política, frente a qual se tem buscado
construir mecanismos direcionados à sua contençaõ”. (PEREIRA, Ana Lúcia Pretto. A atividade
política da jurisdição constitucional brasileira: algumas dimensões. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin
(Coord.). Constituição, democracia e justiça: aportes para um constitucionalismo igualitário.
Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 21).
1 CIDADANIA RADICAL
A escolha por tal modelo teórico não se deu por acaso. Parte-se das
noções fornecidas primeiramente por Chantal Mouffe6 e, após, também por
Ernesto Laclau7, que propugnam pela viabilização de um modelo de democracia
que sirva como superação dos modelos propostos pela democracia liberal e
comunitária, compreendendo o mesmo em sua dimensão utópica e, exatamente
por isso, incompleta. Ou seja, ao afirmar a diferença e o ideário do político
permeando todas as identidades do sujeito (cidadão, eleitor, pai de família, membro
de associação, entre outros), e negando-se um espaço político unificado, chega-
se a importância da cidadania radical enquanto vetor da participação como
emancipação e luta pacífica.
Para MOUFFE (2010b, p. 61):
Tudo isso implica que, no tocante à cidadania, haverá sempre uma oposição
entre o individualismo moral característico do liberalismo e a noção de
comunidade, implícita no pensamento democrático. A construção de um
conceito de cidadania, na ótica da democracia radical, implica uma noção
de cidadão que, superando os limites de ambas as tradições, agregue em si
a virtude de ambas. Na perspectiva da democracia liberal, é necessário
conjugar o pluralismo, caro ao liberalismo, com o resgate dos valores de
comunidade, virtude cívica e participação ativa na gestão das coisas da
polis.
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KOZIKI in FONSECA (2004, p. 327-328).
Não existe lei que possa ser fixada, cujos artigos não possam ser contestados,
cujas fundações não possam ser suscetíveis de serem trazidas ao
questionamento. Não existe representação de um centro e dos contornos da
sociedade: a unidade não pode agora apagar a divisão social. A democracia
inaugura a experiência do que não pode ser apreendido, uma incontrolável
sociedade na qual a vontade do povo será chamada de soberana, é claro,
mas suja identidade estará constantemente aberta ao questionamento, cuja
identidade permanecerá sempre latente.
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Contrariamente à ideia de antagonismo, em que o outro é inimigo e deve ser superado, comum à
acepção liberal da democracia (CHUEIRI, Vera Karam de. Nas trilhas de Carl Schimit (ou nas Teias
de Kafka): Soberania, Poder Constituinte e Democracia (Radical). In: FONSECA, Ricardo Marcelo.
Repensando a Teoria do Estado. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004. p. 372-373).
Sob este aspecto, DERRIDA (1997, pp. 10, 35-37, 42-43 e 62), analisando
o “vínculo mútuo” que estabeleceu um “nós”, apresentou a amizade como
uma relação remota (ou como uma não-relação) entre agentes completamente
diferenciados tanto um do outro como de si próprios, inaugurando uma
“comunidade de amigos solidários” ou uma “comunidade sem comunidade,
uma amizade sem a comunidade dos amigos de solidão” ou então, uma
“comunidade anacoreta”.
No ínterim da polarização entre moderno e pós-moderno10, desenvolveu-
se, por parte de Chantal Mouffe e Ernesto Laclau, projeto democrático que é,
ao mesmo tempo, ambos. Neste ínterim, verifica-se que será de suma
importância para o empreendimento científico a ser desenvolvido, a
investigação acerca da negação de um espaço público unificado, sendo
imperiosa a multiplicação de espaços políticos de participação e inclusão,
visando, a partir da legitimação do conflito, o desenvolvimento de práticas de
hegemonia democrática11.
2 ACESSO À JUSTIÇA
10
Polarização esta iniciada por Jean François Lyoartd e Jürgen Habermas na década de 1980 segundo
CRITINI (Jan-Jun/2007, p. 38-43).
11
Até porque “cabe ao jurista ampliar, a partir da prática jurídica cotidiana, os espaços democrá-
ticos, libertários e igualitários do direito, sustentando a emergência de um direito emancipatório
e protetor da dignidade do homem”. (CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática cons-
titucional emancipatória. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012, p. 67).
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“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (artigo 5º,
inciso XXXV, Constituição da República Federativa do Brasil).
como pode se dar a atuação dos movimentos sociais , pautados pela radicalização
da democracia, como forma de participação popular na jurisdição constitucional.
Aliás, é extremamente relevante para o tema que se propõe acerca do
redimensionamento do espaço político no que tange à jurisdição constitucional.
Se repensar e multiplicar as esferas passíveis de democratização do discurso e
inclusão se consubstancia em elemento legitimador da própria jurisdição
constitucional e da atividade política não raras vezes por ela desempenhada,
logo, efetivar o acesso do cidadão mobilizado é garantir a aplicação da reserva
de justiça propugnada pelo Constituinte, enquanto direito fundamental esperado
de um Estado que almeja ser democrático.
Para MOUFFE e LACLAU (1985, p. 34):
A transição para esta nova forma de política implica numa mudança decisiva:
a transformação do papel do imaginário político. Assim denominamos o
conjunto de significados que, no âmbito de um determinado complexo
ideológico discursivo, operem como um horizonte, ou seja, como o momento
de totalização equivalente de várias confrontações e lutas parciais. Este
horizonte está sempre presente, mas seu papel na constituição dos
significados políticos pode variar consideravelmente. Podemos indicar duas
situações extremas. Na primeira, há uma desproporção radical entre a situação
efetiva de denominação e a possibilidade de combater a força dominante e, a
este respeito, travar uma batalha eficaz de posição contra a mesma. Neste
caso, o conflito é exclusivamente concebido e vivenciado num nível
imaginário; a função do horizonte não é permitir a totalização de uma massa
de confrontações parciais mas, ao contrário, constituir o significado primário
das mesmas. Mas pela própria razão desse horizonte possuir essa função
constitutiva primária, o social somente pode ser vivenciado e concebido
como uma totalidade. No segundo caso, em contraste, cada luta parcial atinge
o objetivo de se constituir como uma batalha de posições e, assim sendo,
retira de si mesma, de seu caráter único e diferencial, o mundo de significados
que permitem a constituição de uma identidade social ou política: O momento
de totalização é então puramente um horizonte e seu relacionamento com os
antagonismos concretos torna-se instável e assume uma certa exterioridade.
Com efeito, por um lado, as classes dominantes não podem dominar as classes
exploradas, por meio do Estado, através do simples emprego da violência,
por força física. Esta violência deve sempre se apresentar como legítima, por
uma atuação, por meio do Estado, da ideologia dominante capa de provocar
um certo consenso da parte de algumas classes e frações dominadas. Por
outro lado, o próprio Estado tem, com relação ao bloco no poder, um papel de
organização, unificando-o e instaurando seu interesse político geral face às
lutas das classes dominadas: o papel de unificação-representação do Estado
com relação às próprias classes dominantes, que apela diretamente para a
ideologia dominante.
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Como salienta ELSER, os pré compromissos constitucionais são estratégias de auto capacitação,
extraídas dos pré compromissos individuais (como uma pessoa com dificuldade em acordar que
posicional seu despertador longe de si), por meio dos quais um indivíduo ou um povo, em um
momento de lucidez (constitucional), afasta a possibilidade de adotar decisões míopes a que estaria
tendencialmente sujeito em momentos de debilidade, logrando, dessa forma, afastar tentações ou
fraquezas e atingir os seus verdadeiros interesses. (ELSER, Jon. Ulisses and the Sirens: studies in
rationality and irracionality. Great Britain: Cambridge University Press, 1979).
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Até porque, a soberania popular, que deve permear a atuação de todas as parcelas do poder estatal
(incluindo a judiciária) é o que legitima a própria atuação da jurisdição constitucional, conforme
leciona Sérgio Fernando Moro: “A Constituição é deve ser considerada pelos juízes como a lei
fundamental; e, como a interpretação das leis é a função especial dos tribunais judiciários, a eles
pertence determinar o sentido da Constituição, assim como de todos os outros atos do corpo
legislativo. Se entre estas leis se encontrarem algumas contraditórias, deve-se preferir aquela cuja
observância é um dever mais sagrado; que ´o mesmo que dizer que a Constituição deve ser
preferida a um simples estatuto; ou a intenção do povo à dos seus agentes. Mas não se segue daqui
que o Poder Judiciário seja superior ao Legislativo: segue-se, sim, que o poder do povo é superior
a ambos e que, quando a vontade do corpo legislativo, declarada nos seus estatutos, está em
oposição com a do povo, declarada na Constituição, é a esta última que os juízes devem obede-
cer; por outras palavras, que as suas decisões devem conformar-se antes com as leis fundamentais
do que com aquelas que não o são”. (MORO, Sérgio Fernando. Jurisdição constitucional
como democracia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 128-129).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mouffe, por exemplo, num ponto de vista que se liga ao trabalho anterior de
Lefort, escreve que para ela ‘o político’ se relaciona com a dimensão
antagonista que é inerente a toda sociedade humana – um antagonismo que
pode assumir diferentes formas a ser localizado em diversas relações sociais.
Em contraste, a ‘política’ pode ser tomada como se referindo ao conjunto de
práticas, discursos e instituições que buscam estabelecer uma certa ordem e
organizar a vida social em condições que estão sempre potencialmente
sujeitas ao conflito precisamente porque são afetadas pela dimensão ‘do
político’.
REFERÊNCIAS
Como citar: PAIVA, Ana Paula de Oliveira Mazoni Vanzela. FACHIN, Melina
Giradi. Democracia radical e acesso à justiça: repensando o espaço do
político na jurisdição constitucional. Revista do Direito Público. Londrina,
v.10, n.1, p.189-210, jan./abr.2015. DOI: 10.5433/1980-511X.2015v10n1p189.