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Descrição arquelógica

O quarto capítulo da Arqueologia do Saber, A Descrição Arqueológica, começa com uma


pequena seção explicativa.
O objetivo de Foucault em Arqueologia e a História das Ideias é mostrar em quê,
exatamente, a arqueologia se separa da supracitada história das ideias.
Mas, talvez seja difícil perceber essa separação, afinal, o objetivo inicial de Foucault, em
delimitar grandes unidades discursivas que se diferenciassem dos livros, da obra, dos temas
ou do autor, o levou a criar conceitos, como o de positividade e formação discursiva, sem, no
entanto, o retirar explicitamente do campo da história das ideias.
Será, então, que sua investigação estacionou num campo já bastante conhecido e,
ironicamente, que tentava ser negado pelo filósofo? Para descobrir, Foucault delimitará a
disciplina da história das ideias. Se trata de um continente com fronteiras mal desenhadas,
um esforço de narrar o erro, o marginal, o secundário, não o primário, não a verdade. Diz o
autor,
[A história das ideias não conta] a história das ciências, mas a dos
conhecimentos imperfeitos, mal fundamentados, que jamais puderam atingir,
ao longo de uma vida obstinada, a forma da cientificidade (história da alquimia
e não da química, dos espíritos animais ou da frenologia e não da fisiologia,
história dos temas atomísticos e não da física)[1].

A história das ideias, sendo assim, analisa muito mais as opiniões do que o saber, muito mais
os erros do que a verdade, “não das formas do pensamento, mas dos tipos de mentalidade” [2].
Uma de suas qualidades é a possibilidade de mostrar em quais momentos noções filosóficas
se transformam em pauta para discussões científicas. É, para além de um certo tipo de análise
material, um estilo. Ela descreve

A passagem da não filosofia à filosofia, da não cientificidade à ciência, da não


literatura à própria obra. Ela é a análise dos nascimentos surdos, das
correspondências longínquas, das permanências que se obstinam sob
mudanças aparentes, das lentas formações que se beneficiam de um sem-
número de cumplicidades cegas, dessas cumplicidades que se ligam pouco a
pouco e, de repente, se condensam na agudeza da obra[3].

A história das ideias tem como grandes temas a gênese, a continuidade e a totalização. É
assim que hoje, segundo Foucault, ela se liga a maneira tradicional de fazer história. Através
de sua descrição, também fica difícil entender o porquê da necessidade de romper com este
estilo de pesquisa histórica, já hegemônica.

Segundo Foucault, é normal que qualquer um que se baseie nos métodos da análise histórica
tradicional ou na história das ideias, acuse a análise do discurso como traição à história. Mas
é necessário demarcar espaço, “ora, a descrição arqueológica é precisamente abandono da
história das ideias, recusa sistemática de seus postulados e de seus procedimentos, tentativa
de fazer uma história inteiramente diferente daquilo que os homens disseram[4]”, salienta o
autor.
Foucault enumera quatro diferenças marcantes entre as duas formas de fazer história:

1. A propósito da determinação de novidade;

2. A propósito da análise das contradições;

3. A propósito das descrições comparativas;

4. A propósito da demarcação das transformações.

1) “A arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os temas,


as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos, mas os próprios discursos,
enquanto práticas que obedecem a regras”[5]. Ela não trata o discurso como algo que deva ser
interpretado, como a história das ideias faz, porque no discurso não há nada oculto.
2) O objetivo da arqueologia não é encontrar uma continuação entre os discursos, não é traçar
uma linha do tempo de sucessão, mas sim de encontrar a especificidade de cada discurso. O
ponto em que ele é irredutível a qualquer outro. “Ela não vai, em progressão lenta, do campo
confuso da opinião à singularidade do sistema ou à estabilidade definitiva da ciência; não é
uma “doxologia”, mas uma análise diferencial das modalidades de discurso” [6].
3) “A arqueologia não é ordenada pela figura soberana da obra; não busca compreender o
momento em que esta se destacou do horizonte anônimo. Não quer reencontrar o ponto
enigmático em que o individual e o social se invertem um no outro” [7]. Não interessa, para a
arqueologia, a instância do criador. Não é disso que ela se preocupa, mas sim os tipos e regras
de práticas discursivas que atravessam essas obras.
4) Não é objetivo da arqueologia, também, tentar retratar o todo, aquilo que pôde ser pensado,
desejado, experimentado ou visado num ato de enunciação. Sua pretensão é mais modesta,
ela é como uma reescrita, é a reescrita de uma obra tendo como base suas regras de formação.
“É a descrição sistemática de um discurso-objeto”[8].
A história das ideias, continua Foucault em sua tarefa de se diferenciar da disciplina
tradicional, separa momentos em duas colunas: os originais de um lado e os regulares do
outro.
Ela classifica seus elementos como antigos ou novos, repetidos ou inéditos. São dois tipos de
formulações que se distingue na história das ideias,

aquelas valorizadas e relativamente pouco numerosas, que aparecem pela


primeira vez, que não têm antecedentes semelhantes, que vão eventualmente
servir de modelo às outras e que, nesse caso, merecem passar por criações; e
aquelas banais, cotidianas, maciças, que não são responsáveis por si mesmas
e que derivam, às vezes, para repeti-lo textualmente, do que já foi dito[1].

Para realizar este tipo de separação, a história das ideias precisa descrever dois tipos de
conformações: no primeiro caso, ela descreve uma sucessão de acontecimentos de
pensamento, e o analista, por sua vez, irá reconstituir a emergência das verdades ou das
formas; no segundo, descreve camadas ininterruptas de efeitos, local em que o arqueólogo
deve remeter o discurso a sua relatividade.
A maneira específica da história das ideias de estabelecer a oposição acima indicada apresenta
problemas para caracterizar a originalidade. São duas questões metodológicas de difícil
resolução: a da semelhança e a da sequência.

Afinal, como é possível indicar a sequência de autores até se chegar num autor específico? A
linha do tempo e a delimitação espacial seriam os determinantes, além do próprio discurso
expresso pelos autores? Foucault não considera que a precedência seja um dado irredutível e
primeiro,

Será na mesma série e segundo o mesmo modo de anterioridade que Saussure


é “precedido” por Pierce e sua semiótica, por Arnauld e Lancelot com a
análise clássica do signo, pelos estoicos e a teoria do significante? A
precedência não é um dado irredutível e primeiro: não pode desempenhar o
papel de medida absoluta que permitiria avaliar qualquer discurso e distinguir
o original do repetitivo[2].

Em relação à semelhança fica mais claro ainda a dificuldade de aplicá-la corretamente. Como
se pode dizer que algo é semelhante a outra coisa? Como se pode afirmar que um enunciado
é semelhante a outro? Qual é o critério que deve-se utilizar para afirmar que um enunciado já
foi dito?
Não há como falar que uma frase se parece com outra somente por atender às mesmas regras
gramaticais; ou que uma proposição é idêntica a outra por atender às mesmas regras lógicas.
No nível dos enunciados, não é simples demonstrar uma semelhança. A semelhança entre
dois autores, entre dois conceitos, não é evidente em si, mas sim uma analogia que nasce
como efeito do campo discursivo em que a delimitamos.

É por isso que indagar o valor de originalidade de um texto é mais ou menos irrelevante. Só
serve quando traçamos uma série muito bem delimitada, em campos discursivos
suficientemente homogêneos. Isso porque, a arqueologia não se importa com sucessões
cronológicas ou semelhanças aparentes, já que ela se dirige às práticas discursivas a que os
fatos que se sucedem, precisam se referir.

A Arqueologia não traça hierarquias de valor. Seu objetivo é estabelecer a regularidade dos
enunciados, “designa, para qualquer performance verbal (extraordinária ou banal, única em
seu gênero ou mil vezes repetida), o conjunto das condições nas quais se exerce a função
enunciativa que assegura e define sua existência”[3].
As invenções não são do interesse do arqueólogo, que se dedica não a encontrar uma lista
sucessiva de fundadores e marcos simbólicos de uma teoria, mas sim a identificar a
regularidade de uma prática discursiva que é exercida pelos sucessores (pequenos ou vistoso)
e até mesmo pelos predecessores dos autores analisados. Essa regularidade dá conta desde o
original até o repetido, sem perder nenhuma enunciado do discurso.

Foucault adianta os possíveis rumos de uma pesquisa das regularidades enunciativas, que
pode começar com:

1 – Apesar de uma regularidade discursiva descrever um conjunto de enunciados sem que se


possa necessariamente identificar os que sejam novos e aqueles que são velhos, os campos
discursivos descritos não são iguais. Em Darwin e Tournefort nós temos duas regularidades
discursivas pertencentes ao mesmo campo discursivo (que expõe uma mesma formação
discursiva, portanto).
A arqueologia, como já dito, não se interessa por nada além da homogeneidade enunciativa.
É preciso, afirma Foucault, diferenciá-la de qualquer tradutibilidade do texto, de qualquer
analogia linguística que o texto carrega com outros.
É a partir deste esforço que a originalidade se torna algo mais difícil de ser encontrada. Afinal,
a arqueologia desenha um número de desligamentos e articulações entre enunciados, sem dar
margem para aceitar que a formulação de um princípio ou a definição de um projeto inaugura
uma nova fase da história do discurso.

2 – Identificar as hierarquias internas do discurso é também uma tarefa do arqueólogo, que


não deve aceitar a descrição de um discurso horizontal. E isso só pode ser encontrado a partir
da análise das relações entre os enunciados. Não é possível identificar como um discurso de
comporta a partir da redução de um enunciado específico até seu ponto mínimo, o enunciado
já é irredutível.
Por isso, “as regras jamais se apresentam nas formulação, atravessam-nas e constituem para
elas um espaço de coexistência”[4].
É possível, neste trabalho, descrever uma “árvore de derivação enunciativa”, colocando em
sua base, explica Foucault, “os enunciados que empregam as regras de formação em sua
extensão mais ampla; no alto, e depois de um certo número de ramificações, os enunciados
que empregam a mesma regularidade, porém mais sutilmente articulada, mais bem delimitada
e localizada em sua extensão”[5].
O objetivo do filósofo, com esta formulação, é descrever uma árvore de derivação, em que
fosse possível encontrar os enunciados que ele chama de “reitores”, que se referem às
estruturas observáveis do discurso, ao campo dos objetos mais próximos da superfície, que
conseguem fornecer mais possibilidades para a articulação de enunciados; enquanto nas
ramificações, encontraria os enunciados específicos, que não emergem em outros pontos do
discurso.

Mas as ramificações não são deduções axiológicas dos enunciados reitores, pelo contrário,
devem (e podem) ser descritos em sua autonomia e sem a referência à base da árvore de
derivação enunciativa. A análise daformação discursiva, assim, não pode ser rebaixada a uma
“periodização totalitária”, como se todos pensassem de um jeito determinado em um dado
momento.
Pelo contrário, ao lidar com a raridade dos enunciados, com as árvores de derivação
enunciativa, ela trata da diversidade que um discurso possibilita aos sujeitos que, através dele,
precisam se expressar. A prática discursiva, portanto, não é uma camisa de forças, mas sim o
exercício de um sistema regular que não toma o objeto para se mostrar, porém vive em seus
interstícios.
A história das ideias, diferente da arqueologia, tem na contradição uma certeza da coerência.

As contradições são encontradas, isoladas, separadas para que, no fim, seja possível encontrar
o núcleo de coerência. O papel da contradição, portanto, é o do caos. A contradição esconde,
atua num limiar entre o dito e o pensado e precisa ser superada para que a planície da
coerência seja encontrada.

A contradição não está, portanto, já no próprio desejo do homem, das influências que sofrem,
nas condições que vivem. É necessário sempre admitir que a própria comunicação tem como
objetivo desfazer uma contradição aparente.

É possível encontrar coerências a partir da análise diacrônica da vida de um indivíduo (sua


biografia) ou da prática de uma ciência (sua coerência de conceitos, de objetivos), mas sempre
se percebe que o objetivo da concatenação regular de ideias sobre um determinado tema serve
para mostrar que a contradição não é mais que o reflexo da superfície, diz Foucault[1].
No fim do trabalho de investigação de um historiador das ideias, é possível encontrar a
contradição fundamental do discurso analisado,
Tal contradição, longe de ser aparência ou acidente do discurso, longe de ser
aquilo de que é preciso libertá-lo para que ele libere, enfim, sua verdade
aberta, constitui a própria lei de sua existência: é a partir dela que ele emerge;
é ao mesmo tempo para traduzi-la e superá-la que ele se põe a falar; é para
fugir dela, enquanto ela renasce sem cessar através dele, que ele continua e
recomeça indefinidamente, é por ela estar sempre aquém dele e por ele jamais
poder contorná-la inteiramente que ele muda, se metamorfoseia, escapa de si
mesmo em sua própria continuidade. A contradição funciona, então, ao longo
do discurso, como o princípio de sua historicidade[2].

São, portanto, dois tipos de contradições aí possíveis:

1. O primeiro tipo mostra uma coesão profunda que denuncia a superficialidade das
contradições. O discurso é, portanto, uma figura ideal que deve ser separada dos
objetos acidentais que lhe comprometem;

2. O segundo tipo mostra dois pontos de contradição, o superficial, que precisa ser
quebrado para que se encontra aquilo que fundamenta o discurso – e o que o
fundamenta é a contradição que aprece no fim da análise, que serve ao discurso como
princípio.
A arqueologia, por sua vez, não brinca com contradições. Não são nem aparências nem
princípios fundamentais. “São objetos a ser descritos por si mesmos, sem que se procure saber
de que ponto de vista se podem dissipar ou em que nível se radicalizam e se transformam de
efeitos em causas”[3].
Sendo assim, não importa para a arqueologia resolver as contradições ou reduzi-las ao seu
mínimo: ela as descreve conforme suas funções e variações. Em vez de buscar coerências e
temáticas comuns, a arqueologia descreve espaços de dissensão.
Esses espaços são descritos após a identificação das diferentes contradições, que se separam
em:

1. Contradições que se localizam no plano das proposições. Como “no século XVIII, a
tese do caráter animal dos fósseis opõe-se à tese mais tradicional de sua natureza
mineral”[4]. Essas contradições nascem da mesma formação discursiva, segundo as
mesmas funções enunciativas: sãoarqueologicamente derivadas.
2. O segundo tipo Foucault chama de contradições extrínsecas. São aquelas
pertencentes às formações discursivas diferentes, como o fixismo de Lineu e o
evolucionismo de Darwin, que se encontram nos limites da história natural do
primeiro com a biologia propriamente dita do segundo.
3. O terceiro tipo é denominado de contradições intrínsecas. Estão no meio termo das
duas descritas acima. Se desenrolam na mesma formação discursiva e seu nascimento
gera subsistemas dentro dos sistemas de formações. O exemplo de Foucault são as
análises “metódicas” e “sistemáticas” na história natural, já que esta contradição não
é terminal, não trata do mesmo objeto, não coloca diretamente em oposição final os
termos que se contradizem; na verdade, são duas maneiras diferentes de se formar
enunciados, com objetos que podem ser diferentes, conceitos, posições de
subjetividade, escolhas estratégicas, enfim, tudo aquilo que é importante na análise
arqueológica.
As contradições arqueologicamente intrínsecas também são descritas pelo seu nível e a
contradição da história natural acima exemplificada pode ajudar a entender essas nivelações.
Este é o tipo de contradição que permanece na formação discursiva e abre novas
possibilidades com subsistemas, podendo surgir de:

 Uma inadequação de objetos (como a descrição do aspecto geral da planta contra a


descrição de algumas de suas características); divergência de modalidades
enunciativas (como na linguagem rigorosa da análise sistêmica e a linguagem livre
da análise metódica);

 Incompatibilidade de conceitos (como o conceito de gênero, que é mais ou menos


arbitrário na análise sistêmica, enquanto na análise metódica, precisa explicar o
gênero real de cada espécie);

 Ou na pura exclusão de alguma opção teórica (afinal, é a taxonomia sistemática que


torna o fixismo possível e exclui qualquer possibilidade de transformação, descrita
pela análise metódica).

A formação discursiva, Foucault afirma, não é um texto ideal, não é uma folha de
contradições que pede por ajuda para encontrar a coerência que lhe é de direito, nem mesmo
um poço profundo que pede a descoberta da contradição fundamental que lhe dá possibilidade
de ser o que é.

Se trata, antes disso, de um espaço de dissensões múltiplas, em que as oposições de diferentes


níveis devem, antes de tudo, ser descritas.

Como a arqueologia trata as mudanças? Michel Foucault não teme ao afirmar que, para a
arqueologia, o tempo cronológico não importa, não é assim que se observa o conjunto de
enunciados que, mais tarde, podem se agrupados como um discurso.
Da mesma forma, apesar dos enunciados sempre carregarem aformação discursiva, eles não
mudam com a frequência de sua repetição. É possível observar conceitos iguais em 100 anos,
como no caso da história natural, que manteve suas regras de formação por mais de um século,
até a ruptura em Darwin e a biologia.
Sendo assim, a arqueologia não se preocupa em enumerar acontecimentos em linha
sucessória, obedecendo a cronologia de suas emergências, mas trabalha com séries de
enunciados, que podem se cruzar ou não. Esta série de enunciados não retém uma cronologia,
ela é feita a partir da análise do campo discursivo. É esta análise, aliás, que encontra as regras
da formação do discurso.

Não interessa, portanto, para a arqueologia, dizer porque um dado enunciado foi dito, explicar
um fenômeno político ou relacionar um acontecimento histórico com o desenvolvimento de
uma ciência. O que ela quer é explicar como é possível a escolha de determinados objetivos
para se analisar ou determinados métodos para análise.

[A arqueologia] não afirma que a cólera de 1832 não tenha sido um


acontecimento para a medicina: mostra como o discurso clínico empregava
regras tais que todo um domínio de objetos médicos pôde ser, então,
reorganizado, que se pôde usar todo um conjunto de métodos de registro e de
notação[1].

A arqueologia não explica a relação entre um evento e o discurso, mas sim expõe quais
sãos as condições para haver tal relação específica.
É necessário dizer também que as regras de formação que a arqueologia observa em uma
dada formação discursiva não são do mesmo tipo. Umas podem ser mais específicas ou mais
gerais que outras e é uma hierarquia que as classifica assim. Os discursos se relacionam,
portanto, horizontalmente, mas também verticalmente.

Eles podem, aliás, variar ao longo do tempo, mas dentro de uma temporalidade própria do
discurso. Foucault admite que o discurso não é uma figura sincrônica, encontrada após o
isolamento de várias amostras diacrônicas, como no estruturalismo. Na verdade, o discurso
não precisa, como já dito, da cronologia que o estruturalismo pede em suas análises ao longo
do tempo.

É preciso , portanto, para constituir uma história arqueológica do discurso,


livrarmo-nos de dois modelos que, por muito tempo sem dúvida, impuseram
sua imagem: o modelo linear do ato de fala (e pelo menos uma parte da escrita)
em que todos os acontecimentos se sucedem, com exceção do efeito de
coincidência e de superposição. e o modelo do fluxo de consciência cujo
presente escapa sempre a si mesmo na abertura do futuro e na retenção do
passado[2].

As diferenças são o objeto a ser encontrado na arqueologia. Elas não podem ser ignoradas e
nem ser colocadas como erro, como a mentira, como o caos. Pelo contrário, é a diferença que
vai delimitar o discurso, que vai mostrar a serialidade específica de um conjunto de
enunciados.

Mas essas mudanças, por sua vez, não são “criativas”. Elas não criam novos objetos, novos
conceitos ou novas estratégias forçosamente. Elas colocam esses objetos, conceitos,
estratégias e modos de enunciação sob regimento de novas regras, sendo assim, um discurso
que acaba substituindo outro tem como fardo os resquícios do anterior.

A descontinuidade, para a arqueologia, nunca é tempo perdido, nunca é um caos que atinge a
ordem do discurso. Pelo contrário, a descontinuidade acontece devido a um certo número de
transformações que podem ser especificadas, analisadas, observadas e organizadas.

A ruptura, vai dizer Foucault, não é um ponto de limite da análise arqueológica, mas sim parte
da análise, uma das partes principais. Um dos pontos mais sublimes para conseguir entender
o discurso.

Primeiramente, é interessante entender que Foucault não concebe o conhecimento como algo
dado: não há conhecimento natural, não faz parte da natureza humana conhecer as coisas e,
no limite, não há objetos de conhecimento. Tudo isso, que é considerado como algo dado, é
afastado da arqueologia foucaultiana. Aqui, faremos uma pequena resenha sobre a relação do
saber, da ciência e da ideologia proposta pelo autor francês na Arqueologia do Saber.
Veja também: Foucault e a cultura do eu
Mas como ele concebe o conhecimento? Ou melhor, o que pode ser “relativo” ao
conhecimento? Talvez o “saber”. E o que é saber em Foucault? Como o próprio diz na
Arqueologia, “ao invés de percorrer o eixo consciência-conhecimento-ciência (que não pode
ser liberado do index da subjetividade), a arqueologia percorre o eixo prática discursiva-
saber-ciência”. O que isso significa? basicamente que o que interessa na arqueologia é um
conhecimento como dominação, como prática discursiva e como pano de fundo para um
discurso científico, não para uma verdade científica.

O que é o saber em Foucault?


O saber é fruto de lutas, de guerra e do desejo. Não do desejo que se demonstra através
do discurso, mas pelo desejo ao próprio discurso. O saber é a luta contra um mundo que não
tem regras, que não tem linearidade, que é descontínuo e frágil. Por isso que engendra
relações de poder: o saber forma configurações de poder que ao mesmo tempo o dão força
enquanto ele próprio justifica discursivamente esse poder.
Mas isso é olhar o saber em sua ontologia. Em que é constituído esse saber? O próprio
Foucault nos ajuda nesta questão:

[Os elementos do saber] são a base a partir do qual se constroem proposições coerentes (ou
não), se desenvolvem descrições mais ou menos exatas, se efetuam verificações, se
desdobram teorias. formam o antecedente do que se revelará e funcionará como um
conhecimento ou uma ilusão, uma verdade admitida ou um erro denunciado, uma aquisição
definitiva ou um obstáculo superado […] Um saber é aquilo que podemos falar em uma
prática discursiva que se encontra assim especificada: o domínio constituído pelos diferentes
objetos que irão adquirir ou não um status científico [Foucault, Arqueologia do Saber].

O saber também é o espaço em que o sujeito pode tomar posição para agir dentro do discurso.
Ou seja, é um conjunto de funções que articulam um dado discurso – segundo o mestre, “neste
sentido, o saber da medicina clínica é o conjunto das funções de observação, interrogação,
decifração, registro, decisão, que podem ser exercidas pelo sujeito no discurso médico”. Além
disso, o saber é “o campo de coordenação e subordinação dos enunciados em que os conceitos
se definem, se aplicam e se transformam [e o saber] se define por possibilidades de utilização
e de apropriação oferecidas pelo discurso.

O saber só nasce com uma prática discursiva definida e toda prática discursiva pode se definir
pelo saber que está formado sob ela.

O saber, então, muito menos estrito que os discursos, é um conjunto ordenado e sistêmico de
enunciados que podem ou não fazer parte dos discursos que emergem do saber e que podem
ou não fazer parte da ciência. O saber também, indo além dos enunciados, são as técnicas
utilizadas para conseguir as enunciações necessárias – como no exemplo do autor sobre a
medicina psiquiátrica, exposto acima).

Saber e ideologia
Quando a ciência emerge num dado saber, ou seja, quando ela se localiza dentro de um campo
de saber e quando ganha um papel definido (que é variável em cada diferente formação
discursiva), aparece a ideologia.
A influência da ideologia sobre o discurso científico e o funcionamento ideológico das
ciências não se articulam no nível de sua estrutura ideal (mesmo que nele possam traduzir-se
de uma forma mais ou menos visível), nem no nível de sua utilização técnica em uma
sociedade (se bem que esta possa aí entrar em vigor), nem no nível da consciência dos sujeitos
que a constroem; articulam-se onde a ciência se destaca sobre o saber. Se a questão da
ideologia pode ser proposta à ciência, é na medida em que esta, sem se identificar com o
saber, mas sem apagá-lo ou excluí-lo, nele se localiza, estrutura alguns de seus objetos,
sistematiza algumas de suas enunciações, formaliza alguns de seus conceitos e de suas
estratégias [ibidem].

A ideologia, portanto, deve ser analisada como prática discursiva, não como algo que pode
ser utilizado ou que é consciente para os sujeitos. Para se analisar a ideologia é necessário
passar pela formação discursiva que possibilitou sua existência, além dos conceitos, objetos,
formas de enunciação e escolhas teóricas que estão presentes na formação analisada.

Foucault ainda termina com um número de quatro proposições sobre a ideologia que resume
sua discussão:

1. A ideologia não exclui a cientificidade. Poucos discursos deram tanto lugar à


ideologia quanto o discurso clínico ou o da economia política: não é uma razão
suficiente para apontar erro, contradição, ausência de objetividade no conjunto de
seus enunciados.

2. As contradições, as lacunas, as falhas teóricas podem assinalar o funcionamento


ideológico de uma ciência (ou de um discurso com pretensão científica); podem
permitir determinar em que ponto do edifício esse funcionamento se dá. Mas a análise
de tal funcionamento deve ser feita no nível da positividade e das relações entre as
regras da formação e as estruturas da cientificidade.

3. Corrigindo-se, retificando seus erros, condensando suas formalizações, um discurso


não anula forçosamente sua relação com a ideologia. O papel da ideologia não
diminui à medida que cresce o rigor e que se dissipa a falsidade.

4. Estudar o funcionamento ideológico de uma ciência para fazê-lo aparecer e para


modificá-lo não é revelar os pressupostos filosóficos que podem habitá-lo; não é
retornar aos fundamentos que a tornaram possíveis e que a legitimam: é colocá-la
novamente em questão como formação discursiva; é estudar não as contradições
formais de suas proposições, mas o sistema de formação de seus objetos, tipos de
enunciação, conceitos e escolhas teóricas. É retomá-la como prática entre outras
práticas [Ibidem].

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