1974/1982
1. Um Lugar Social
A pesquisa historiográfica se articula com o seu lugar de produção (socioeconômico,
político e cultural);
Meio de elaboração circunscrito por determinações próprias;
É em função do lugar que se instauram os métodos, que se delineiam os interesses
da pesquisa, que as fontes e as problemáticas se/são organiza(m)dos;
1. O não-dito.
Crítica do cientificismo (1920) a história não pode ser objetiva pois guarda uma
relação com o lugar do sujeito (dissolução do objeto filosofia da linguagem?);
A história não “reconstitui” a verdade do acontecido, como pretendia os
cientificistas;
2. A Instituição histórica.
Lugar deixado em branco (não-dito) instituição do saber (lugar social);
Instituições do saber: assembleia dos eruditos, redes de correspondência, círculo dos
sábios e as Academias;
Nascimento das disciplinas relacionados com a criação de grupos relação entre
instituição social e definição de um saber;
Retirada dos assuntos públicos e dos assuntos religiosos (na sociedade);
Constituição de um lugar científico (na sociedade);
Instauração de um saber indissociável de uma instituição social;
A instituição social (uma sociedade de estudos) permanece a condição de uma
linguagem científica (a revista ou o Boletim);
Cada "disciplina" mantém sua ambivalência de ser a lei de um grupo e a lei de uma
pesquisa científica.
Articulação entre um saber e um lugar “Em história, é abstrata toda "doutrina"
que recalca sua relação com a sociedade. Ela nega aquilo em função de que se
elabora.
Impossível analisar o discurso histórico independentemente da instituição (lugar
social) a qual ele se organiza silenciosamente (não-dito)
A renovação da disciplina (história) não se dará somente pela modificação de seus
conceitos, é necessário que se intervenha nos lugares de produção;
Repolitização das ciências humanas;
Necessário uma “teoria crítica” de sua situação na sociedade (filosofia linguística?)
O texto historiográfico assume sua relação com a instituição utilizando-se na criação
da sua narrativa/discurso o pronome pessoal na primeira pessoa do plural (nós);
O nós remete a uma convenção, encenação de um contrato social (entre os
historiadores);
Sujeito plural que sustenta o discurso (vários historiadores sustentam o discurso
apresentado na narrativa);
Uma obra historiográfica é definida como tal por outros historiadores;
O que importa ao historiador é a aprovação de seus pares;
A apreciação dos pares do historiador segue um critério científico;
Leis do meio: o historiador deve seguir regras de erudição para ser aceito por outros
historiadores;
Uma “agregação” de historiadores que classificam o "eu" do escritor no "nós" de um
trabalho coletivo, ou que habilita um locutor a falar o discurso historiográfico.
Pesquisas individuais inscrevem-se em uma rede de pesquisas, cujo os elementos
dependem uns dos outros (“um galo sozinho não tece o amanhã);
Obra de valor para a história aquela reconhecida como tal pelos pares;
Trabalho historiográfico é resultado e sintoma de um grupo (laboratório);
A produção historiográfica está mais ligada a um processo específico e coletivo, do
que de uma filosofia individual ou a uma ressurgência de uma realidade passada
(exemplo da produção de veículos).
3. Os historiadores na sociedade
Métodos (de uma disciplina) comportamento institucional e lei de um meio;
Ciências não são autônomas às determinações sociais;
Cada disciplina tem seus métodos, hierarquias, normas centralizadoras, etc.
A sociedade (em que o historiador vive) “determina” a maneira como se trabalha e
se produz o discurso historiográfico;
As perspectivas históricas mudam conforme a sociedade muda “Uma situação
social muda ao mesmo tempo o modo de trabalhar e o tipo de discurso”.
A pratica (a escrita, a pesquisa) histórica se relaciona diretamente com a estrutura
social em que o historiador vive;
Mudança na sociedade provoca mudanças nas análises históricas, afastamento com
relação ao que se torna o passado. não-dito: uma defesa ao lugar de fala/produção
da história, ao invés de ser o enunciado das causas da construção do discurso.
2. Uma Prática
“Fazer história” é uma prática;
Universidades estranhas às técnicas;
Técnicas são chamadas de “ciências auxiliares”;
A história entra em contato com a técnica a partir das ciências auxiliares;
O lugar que se dá à técnica coloca a história do lado da literatura ou da ciência;
Organização da história relativa a um lugar e a um tempo;
Técnicas de produção se relacionam com a sociedade e seu contexto atual;
Cada sociedade se pensa historicamente com seus próprios instrumentos;
História mediatizada pela técnica;
A pesquisa ocorre entre a fronteira do dado e do criado, entre a natureza e a cultura;
Renovação da natureza provocada pela intervenção do historiador/pesquisador;
Ligação entre a humanidade e a matéria, de maneira diferente entre as disciplinas;
Ordem social se inscreve como uma forma de ordem natural, por isso os historiadores
estão se voltando para outros aspectos da análise social (econômico, geográfico,
ambiental, etc.);
É preciso encarar como a História trata os elementos naturais para os transformar em
um ambiente cultural;
Como faz aceder às simbolizações literárias as transformações que se efetuam na
relação de uma sociedade com sua natureza;
A história artificializa a natureza;
Transforma a natureza em ambiente e assim modifica a natureza do homem;
As técnicas são necessárias para essa articulação entre o social e o natural, a
socialização da natureza e a naturalização das relações sociais.
1. Articulação natureza-cultura
O historiador transforma matérias-primas (informação primária) em produtos
standard (informação secundária);
Transporta as informações de uma região da cultura (curiosidades, arquivos,
coleções) para a outra (história/historiografia);
A obra histórica participa do movimento de mudança pelo qual uma sociedade
modificou sua relação com a natureza, transformando o natural utilitário (floresta em
exploração), ou estético (montanha em paisagem), ou fazendo uma instituição social
passar de um estado para outro;
O historiador pode transformar em cultura os elementos que extrai dos campos
naturais;
Deslocamento da articulação entre natureza/cultura;
Transforma o natural (pedras, sons, etc., que tornam-se elementos simbólicos na
escrita [fontes]) em objeto da cultura (livro – história);
O historiador modifica o meio ambiente através de uma série de transformações e
deslocamentos das fronteiras e da topografia interna da cultura;
Civiliza a natureza – coloniza;
Quando o historiador supõe que pode resgatar um passado dado, tal como foi, ele
recebe passivelmente os documentos, que vai utilizar como fontes, de seus
produtores do passado o historiador deixa de fazer a crítica ao texto do documento
e ao seu próprio trabalho;
A operação que transforma o “meio” é científica – ou que faz de uma organização
(social, literária, etc.) a condição e o lugar de uma transformação;
Relação do passado com o presente é um produto da historiografia a história é
uma representação do passado mas não é uma ficção, pois ela representa o “morto”
através de métodos científicos e através de “dados” ou fontes verificáveis;
2. O estabelecimento das fontes ou a redistribuição do espaço.
“Em história, tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em
"documentos" certos objetos distribuídos de outra maneira. Esta nova distribuição cultural é
o primeiro trabalho. Na realidade, ela consiste em produzir tais documentos, pelo simples
fato de recopiar, transcrever ou fotografar estes objetos mudando ao mesmo tempo o seu
lugar e o seu estatuto.” (73)
Devemos formar o nosso corpo documental, de acordo com o que pretendemos
explorar na pesquisa;
Podemos transformar objetos em documentos, distribuindo-os e reordenando, de
acordo com o interesse da pesquisa;
Nova distribuição cultural do corpo documental;
Produzimos as nossas fontes quando mudamos o seu lugar (de importância) e o seu
estatuto (de objeto para documento) uma fotografia em um álbum é apenas uma
fotografia, quando o historiador a desloca e utiliza domo documento ela se torna uma
fonte;
Instituímos coleções documentais, que nada mais eram que objetos
descontextualizados e passamos a instituí-los como documentos de um saber;
Constituímos os dados a partir da organização documental que fazemos;
Cada historiador constitui sua coleção própria;
Estabelecimento das fontes: gesto fundador pela combinação de um lugar (de onde
se tira as fontes e onde a colocamos), um aparelho (como reproduzimos ou
capturamos as fontes) e de técnicas (como analisamos as fontes);
Utilizar de outra maneira os recursos conhecidos / mudar o funcionamento dos
arquivos (de um uso para outro);
Transformar objetos que tinham um uso e um significado em portadores de novos
dignificados para a história (transformá-los em fonte);
Devemos operar uma redistribuição do espaço de pesquisa, transformar as
organizações documentais dos arquivos em outras organizações (particulares) que
chamaremos de fonte;
Os arquivos ainda são considerados pelo saber comum os principais centros de
documentação verdadeiras para o conhecimento histórico da realidade do passado,
porém, é necessária uma nova organização desses arquivos, pois as práticas de
pesquisa também mudaram os arquivos organizam seus documentos sem a
preocupação de uma problemática, o historiador se preocupa em reorganizar sua
coleção documental a partir de uma problemática;
A forma da pesquisa e a busca por problemas se alteraram de acordo com o
aparelho (arquivos, bibliotecas, computadores);
Os aparelhos de pesquisa mediam os métodos e a epistemologia;
Prática construir modelos que substituiriam o estudo dos fenômenos concretos
pelo estudo de um objeto constituído por sua definição, julgar o valor científico deste
objeto segundo o campo de questões a que permite responder e segundo as respostas
que fornece, finalmente, fixar os limites da significabilidade deste modelo.
Ou seja, a prática não seria estudar o fenômeno concreto do passado, até porque é
impossível, mas estudar os objetos do passado que nos permitem apreender sobre os
acontecimentos desse passado, assim poderemos estudar o fenômeno a partir dos
objetos que “sobreviveram” ao tempo.
Contudo, é importante pensar que o próprio recorte da documentação está sujeito às
ações do lugar social onde o indivíduo está inserido;
5. Crítica e história.
“O breve exame da sua prática parece permitir uma particularização de três aspectos
conexos da história:
I a mutação do "sentido" ou do "real na produção de desvios significativos;
II a posição do particular como limite do pensável;
III a composição de um lugar que instaura no presente a figuração ambivalente do passado
e do futuro.” (85)
1. O primeiro aspecto supõe uma mudança completa do conhecimento histórico desde há um
século.
A história representava uma sociedade a maneira de uma compilação de todo o
seu devir;
Conhecimento histórico restabelecia o Mesmo pela sua relação com uma
evolução (sentido teleológico da história);
Atualmente o conhecimento histórico é julgado mais por sua capacidade de
medir exatamente os desvios com relação às construções formais presentes;
O resultado da pesquisa é focado nas diferenças entre um modelo e a
realidade/representação do real (ou entre o passado e o presente);
O conhecimento histórico fez surgir, não um sentido, mas as exceções que a
aplicação de modelos econômicos, demográficos ou sociológicos faz aparecer
em diversas regiões da documentação;
O foco da história não é mais um sentido (de progresso) e sim as exceções;
A história é especializada em fabricar diferenças pertinentes.
2. Próximo deste primeiro aspecto, o segundo refere-se ao elemento ou qual se fez, com
razão, a especialidade da história: o particular (que G. R. Elton distingue, com justeza, do
"individual").
Se é verdade que o particular especifica ao mesmo tempo a atenção e a pesquisa
históricas; isto não ocorre enquanto seja um objeto pensado, mas pelo contrário, por
estar no limite do pensável. Não é pensado senão universal. O historiador se instala
na fronteira onde a lei de uma inteligibilidade encontra seu limite como aquilo que
deve incessantemente ultrapassar, deslocando-se, e aquilo que não deixa de encontrar
sob outras formas.
Mas seria ilusório acreditar que a simples menção "é um fato" ou que o "aconteceu"
equivale a uma compreensão. (...). Na verdade, a particularidade tem por atribuição
desempenhar sobre o fundo de uma formalização explícita; por função, introduzir ali
uma interrogação; por significação remeter aos atos, pessoas e a tudo que permanece
ainda exterior ao saber assim como ao discurso.
O historiador busca objetos que estão no limite do pensável (pelos modelos) pois
estes ainda não foram pensados na historiografia, nesse sentido, ele busca o particular
(que encontra nos modelos de sociedades estruturadas por análises históricas
anteriores);
3. O lugar que a história criou, combinando o modelo com os seus desvios, ou agindo na
fronteira da regularidade, representa um terceiro aspecto de sua definição.
Mais importante que a referência ao passado é a sua introdução sob a forma uma
distância tomada. (...) o passado é, inicialmente, o meio de representar uma
diferença. A operação histórica consiste em recortar o dado segundo uma lei
presente, que se distingue do seu "outro" (passado), distanciando-se com relação
a uma situação adquirida e marcando, assim, por um discurso, a mudança efetiva
que permitiu este distanciamento.
Assim, a operação histórica tem um efeito duplo.
Por um lado, historiciza o atual. Falando mais propriamente, ela presentifica uma
situação vivida. Obriga a explicitar a relação da razão reinante com um lugar próprio
que, por oposição a um "passado" se toma o presente.
Mas por outro lado, a imagem do passado mantém o seu valor primeiro de representar
aquilo que falta. Com um material que, para ser objetivo, está necessariamente aí,
mas é conotativo de um passado na medida em que, inicialmente, remete a uma
ausência e introduz também a falta de um futuro.
3. Uma Escrita
Representação histórica deve estar ligada/articulada com um lugar social da
operação científica e deve ser institucional quando ligada a uma prática do desvio,
com relação aos modelos culturais teóricos contemporâneos.
Não existe relato histórico que não esteja ligado com um corpo social e com uma
instituição de saber;
Resta encarar a operação que faz passar da pratica investigadora à escrita.
1. A inversão escriturária
O ato de escrever é uma passagem da prática de pesquisa ao texto;
Nesse processo acontece distorções com relação aos procedimentos de análise;
A exposição segue uma ordem cronológica (inversão da ordem em que se
pesquisa e da ordem em que se escreve);
Pesquisa interminável;
O texto deve ter um fim;
Representação escriturária é plena, preenche lacunas, que constituem o
próprio princípio da pesquisa;
“Por estes poucos traços – a inversão da ordem, o encerramento do texto, a substituição
de um trabalho de lacuna por uma presença de sentido – pode-se medir a "servidão" que
o discurso impõe à pesquisa.” (89)
A escrita historiográfica permanece controlada pelas práticas das quais resulta
(praticas próprias);
A escrita também é uma prática social (ligada a um lugar);
A escrita histórica é didática – ela ensina;
Mas também funciona como imagem invertida, que dá lugar a falta e a esconde;
A escrita cria relatos do passado que são uma presença da morte (presença do
passado);
O discurso (a escrita) se situa fora da experiência (a pesquisa) que lhe confere crédito;
O texto produzido se separa do tempo de sua produção, se distancia da experiência
da pesquisa;
A escrita “esquece” a prática presente para se situar como escrita do passado;
2. A cronologia, ou uma lei mascarada.
Os resultados da pesquisa são expostos por uma ordem cronológica;
A rigidez dessa ordem está mais flexível nos dias atuais;
Tempo das coisas (real) como contraponto e condição de um tempo discursivo
(tempo referencial);
O saber histórico é produzido num tempo discursivo situado à distância do tempo
real;
Características do texto historiográfico:
I – Tornar compatíveis os contrários: passado e presente. É possível no mesmo
texto narrativo quando se apontam as diferenças das qualidades entre um e outro
(o passado era bom, o presente não é);
O que autoriza a historiografia a se constituir como síntese dos contrários
e a não ser um rigor racional a historiografia é um relato que funciona
na realidade como discurso organizado pelo lugar dos “interlocutores” e
fundamentado no lugar que se dá o “autor” com relação aos seus leitores.
O lugar da produção que autoriza o texto;
II – “A cronologia indica um segundo aspecto do serviço que o tempo presta à
história. Ela é a condição de possibilidade de recorte em períodos. Mas (no
sentido geométrico) rebate, sobre o texto, a imagem invertida do tempo que, na
pesquisa, vai do presente para o passado. (...). Somente esta inversão parece
tomar possível a articulação da prática com a escrita. Ao indicar uma
ambivalência do tempo, coloca se inicialmente o problema de um re-começo:
onde começa a escrita?” (93)
Cronologia – condição de possibilidade de recortes em períodos;
Articulação entre a prática (pesquisa) e a escrita (texto) se dá com a
inversão cronológica enquanto na pesquisa se vai do presente para o
passado, na escrita se vai do passado para o presente;
A historiografia trabalha para encontrar um presente, que é o término de
um percurso na trajetória cronológica;
O presente que produz o texto historiográfico se transforma em um lugar (presente –
lugar presentificado) produzido pelo texto.
Ao mesmo tempo em que se escreve no presente, o presente também é escrito no
texto.
A cronologia da obra de história é um segmento limitado (tem um começo, que não
é o início dos tempos, segue uma sequência até chegar ao fim, que não é o fim dos
tempos);
A cronologia visa o momento presente através de uma distância;
A cronologia supõe uma série finita cujos termos permanecem incertos; postula em
última instância o recurso ao conceito vazio e necessário de um ponto zero, origem
(do tempo) indispensável a uma orientação;
Permite a atualidade existir no tempo e situar-se a si mesma relação necessária
entre um começo, que não é o nada, ou não tem outro papel a não ser o de ser um
limite;
O zero inicial esboça o retorno a um passado estranho;
Para que o relato "desça" até o presente, é preciso que ele se apoie, anteriormente,
em um nada;
Banido do saber, um fantasma se insinua na historiografia e determinando-lhe a
organização: é aquilo que não se sabe, aquilo que não tem nome próprio. Sob a forma
de um passado que não tem lugar designável, mas que não pode ser eliminado, é a
lei do outro;
A cronologia da narrativa favorece o temo presente – o presente é bom;
Quando o relato é histórico, entretanto, resiste à sedução do começo; não cede ao
Eros da origem;
3. A construção desdobrada.
Relato encarado como discursividade problemas sobre a construção da historiografia;
A história é um relato que funciona como discurso organizado pelo lugar dos
“interlocutores” e fundamentado no lugar que se dá o “autor” com relação aos
seus leitores. (92)
O discurso histórico pretende dar um conteúdo verdadeiro sob a forma de narração (o
discurso histórico está situado entre os discursos literários [narração] e os discursos lógicos
[científicos]);
Tipologia dos discursos classificará a historiografia como mista;
A plausibilidade dos discursos (lógico e narrativo) está sempre se sobrepondo e
substituindo e dificultando a sua verificabilidade. Isso exige a necessidade de um
acréscimo de credibilidade ao texto histórico;
O discurso histórico necessita de uma autoridade para se sustentar
(estratificação do discurso) devido ao seu caráter misto (narrativa, discurso lógico e
discurso histórico);
Necessidade de validação do discurso histórico por meio das citações;
Assim, a linguagem citada tem por função comprovar o discurso: como
referencial, introduz nele um efeito de real; e por seu esgotamento remete,
discretamente, a um lugar de autoridade. (97)
A citação introduz no texto um extratexto necessário. Reciprocamente a citação
é o meio de articular o texto com a sua exterioridade semântica, de permitir-lhe
fazer de conta que assume uma parte da cultura e de lhe assegurar, assim, uma
credibilidade referencial;
Cria uma “ilusão realista”;
“Citando, o discurso transforma o citado em fonte de credibilidade e léxico de
um saber. (...). Dito de outra maneira, o discurso produz um contrato enunciativo
entre o remetente e o destinatário.” (99)
Os artifícios da historiografia consistem em criar um discurso performativo
falsificado, no qual o constativo aparente não é senão o significante do ato de
palavra como ato de autoridade. (99)
Sobre a utilização das fontes como citações: trata-se antes de uma interpretação
do que de uma explicação;
“Um terceiro aspecto do desdobramento não se refere mais, nem ao caráter misto,
nem à estruturação do discurso, mas à problemática de sua manifestação, a saber,
entre o acontecimento e o fato.” (99)
“... o acontecimento é aquele que recorta, para que haja inteligibilidade;
o fato histórico é aquele que preenche para que haja enunciados de
sentido. O primeiro condiciona a organização do discurso; o segundo
fornece os significativos.” (99)
Acontecimento: “... ele é o meio pelo qual se passa da desordem à ordem.
Ele não explica, permite uma inteligibilidade.” (99)
Fatos: “Uma semantização plena e saturante é, então, possível: os ‘fatos’
a enunciam, fornecendo-lhe uma linguagem referencial; o acontecimento
lhe oculta as falhas através de uma palavra própria, que se acrescenta ao
relato contínua e lhe mascara os recortes.” (100)
“A escrita consistiria em "elaborar um fim". (...). Ela impõe regras que,
evidentemente, não são iguais às da prática, mas diferentes e
complementares, as regras de um texto que organiza lugares em vista de
uma produção” (101)
O texto como construtor de uma ordem: “Em termos aproximativos,
poder-se-ia dizer que o texto é o lugar onde se efetua um trabalho do
‘conteúdo’ sobre a ‘forma’. Para retomar a palavra mais exata de Roussel,
ele ‘produz destruindo’.” (101)
Construção e erosão das unidades: É necessário propor uma arquitetura econômica ou
demográfica para que apareçam as dependências que a enfraquecem, deslocam e finalmente
remetem a um outro conjunto (social ou cultural). É necessário recortar uma unidade
geográfica (regional ou nacional) para que se manifeste aquilo que, de todo lado, lhe escapa.
A constituição de "corpos" conceituais por um recorte é ao mesmo tempo a causa e o meio
de uma lenta hemorragia. (...). Assim se encontra simbolizada a relação do discurso com
aquilo que ele designa perdendo, quer dizer, com o passado que ele não é, mas que não seria
pensável sem a escrita que articula "composições de lugar" com uma erosão destes lugares.
(102)
Ao mesmo tempo em que se constrói corpos conceituais para a análise
historiográfica, esses mesmo corpos vão perdendo seu sentido pois deixam de
abarcar particularidades (desvios), acabando por causar seu próprio
desmoronamento;
A combinação de recortes (temporais) e de conceitos usuais (corpos conceituais)
são abstrações que servem apenas para a estrutura do discursos a realidade
não é um quadro estático;