De acordo com Moraes (2002), essa mudança não é apenas uma alteração de
nomenclatura, mas sim uma nova maneira de se trabalhar esses temas. O professor deve
assumir uma nova postura frente ao trabalho com os mesmos, uma postura que envolva
o aluno em uma reflexão crítica da realidade social brasileira, propiciando condições
para que trabalhe em prol da construção de uma sociedade emancipadora para todos.
A preocupação com a formação para a cidadania refletiu na forma de avaliar e
selecionar os Livros Didáticos, que passaram a ser avaliados pelo MEC de forma mais
detalhada, com critérios de avaliação da construção da mesma.
Neste trabalho, a preocupação é investigar como os Livros Didáticos articulam
os conteúdos específicos com os conteúdos político-sociais, entendendo-se que essa
articulação não seja apenas uma contextualização com o dia-a-dia dos alunos e sim com
a formação do cidadão do hoje e do amanhã, possibilitando o entendimento dos
conteúdos específicos da Matemática na vida além da esfera cotidiana, atentando-se a
3
idéia equivocada de contexto, para que os alunos não sejam prejudicados com
conteúdos descartados por serem julgados como não parte de sua realidade.
Essa preocupação de vinculação dos conteúdos específicos aos conteúdos
Transversais/Político-Sociais orientou essa pesquisa na perspectiva da Pedagogia
Histórico-Crítica (PHC), por entender que essa teoria vai ao encontro ao que se pretende
com a abordagem dos Temas Político-Sociais.
A PHC concilia-se com a abordagem dos Temas Político-Sociais de interesse da
sociedade, pois tem como fundamental preocupação articular a escola com os interesses
das camadas populares, proporcionando assim uma formação em que os indivíduos
tomem posse do saber elaborado, socialmente e culturalmente acumulado, além de
possibilitar a eles a formação de uma consciência crítica.
Dentre os diversos conteúdos da Matemática, este trabalho destacou os
referentes ao bloco de Grandezas e Medidas por serem conteúdos que além de
guardarem conexões com as outras áreas do conhecimento, são conteúdos de forte
relevância social, desempenham um papel de grande importância nos currículos,
possibilitam uma maior aproximação dos conhecimentos matemáticos com a vida social
e estão presentes em quase todas as atividades realizadas na vida dos alunos.
Portanto, este trabalho traz a análise sobre os Livros Didáticos de Matemática
para a 5ª série do Ensino Fundamental 3° ciclo; se contemplam os conteúdos de
Grandezas e Medidas articulando os mesmos aos Temas Político-Sociais bem como à
metodologia utilizada para essa articulação.
As coleções analisadas foram escolhidas de acordo com a avaliação do MEC
sobre obras avaliadas e recomendadas e por serem utilizadas em sala de aula. A pesquisa
tem como amostra as escolas da Diretoria Regional de Ensino de Bauru.
“clássicos4 específico de cada disciplina”, conteúdos que tenha como finalidade a crítica
social.
Sendo assim, para esse autor, a tarefa da educação é a realização da troca do
senso comum pelo saber científico, devendo a escola ser a responsável e a mediadora
dessa troca.
Ai a importância do acesso ao saber escolar que deve ser possibilitado a todos os
indivíduos. Essa defesa é uma “bandeira de luta” por todos os educadores que se
identificam com a PHC, segundo Giardinetto (2006), que ressalta ainda que essa defesa
não é da escola que está ai, “o que se defende é a escola enquanto legado histórico que a
faz ser instituição formativa necessária e imprescindível a todo indivíduo”
(GIARDINETTO, 2006, p.88).
Na PHC, o contexto da aula deve partir da realidade social vista como prática
social. Esta deve ser o ponto de partida e de chegada no processo de ensino, porém
deve-se chegar a uma prática social renovada, pois o ensino deverá identificar,
equacionar e sugerir soluções para os problemas que são postos pela prática social
inicial. Portanto, os conteúdos que serão ensinados aos alunos deverão compreender
além de uma cultura erudita, a clássica, que possibilite a todos a aquisição da herança
histórica e cultural produzida pela humanidade, também, os temas de urgência da
sociedade.
Acreditamos que o trabalho com os Temas Transversais/Político-Sociais como
eixos norteadores do currículo torna possível a articulação dos conteúdos específicos da
Matemática com os conteúdos Político-Sociais de interesse da população.
4 O clássico não se confunde com o tradicional e também não se opõe, necessariamente, ao moderno e
muito menos ao atual. O clássico é aquilo que se firmou como fundamental, como essencial. Pode, pois,
constituir-se num critério útil para a seleção dos conteúdos de trabalho pedagógico (SAVIANI, 2003, p.
13-14).
5
medida, portanto, os números naturais, até então únicos conhecidos por eles, não são
suficientes para representar os valores dessas medidas, o que possibilita a abordagem
dos números racionais em suas formas fracionárias e decimais, atrelados aos conteúdos
de Grandezas e Medidas.
Portanto, em sala de aula local que o Livro Didático tem uma participação quase
que integral no processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos e a educação escolar
visa à formação para a cidadania, cidadania essa defendida aqui como a formação do
cidadão crítico preocupado com uma sociedade emancipadora para todos. É importante
que os conteúdos referentes ao bloco de Grandezas e Medidas, que têm forte vinculação
com a vida social dos alunos devam ser articulados com eficácia aos conteúdos político-
sociais e sejam apresentados aos Livros Didáticos com essa articulação.
A análise
A primeira coleção5
A abordagem Transversal/Político-Social nos conteúdos de Grandezas e Medidas
do volume para a quinta série na primeira coleção
como seus submúltiplos e que percebam o quanto as medidas das diferentes grandezas
estão relacionadas aos números racionais, estudando os mesmos em sua escrita decimal.
A coleção também apresenta textos no final de cada capítulo sobre a História da
Matemática referente ao estudo do assunto que cada conteúdo abordou.
As atividades apresentadas na sua maioria não são inovadoras, entendendo-se
aqui por atividades inovadoras, aquelas que procuram levar os alunos a compreenderem
o conteúdo a partir de exercícios de resolução de problemas que trabalham o raciocínio
e não uma mera aplicação de fórmulas, exercícios envolvendo a História da Matemática
e a construção do caminho utilizado pelos povos antigos no decorrer dos tempos para a
evolução nos métodos de medidas. Na maioria das vezes, as atividades utilizam a
aplicação do conteúdo visto, não requerendo um raciocínio elaborado, salvo em alguns
problemas e exercícios, porém o encadeamento das mesmas possibilita aos alunos a
aprendizagem dos conteúdos.
O trabalho com os números racionais e as Grandezas e Medidas merecem
destaque em mais de um capítulo desse volume. Essa articulação fica muito clara tanto
na apresentação dos conteúdos e atividades, quanto na exposição de textos no final dos
capítulos.
Os autores da coleção ressaltam que surgem várias oportunidades para o trabalho
com os Temas Transversais. Como exemplo sugerem que uma leitura sobre a História
da Matemática possibilita o entendimento do Tema Pluralidade Cultural.
A avaliação feita pelo MEC sobre essa coleção ressalta que “a contextualização
dos conteúdos é bem realizada e a preocupação em atribuir significados socioculturais à
Matemática, manifesta-se em todos os volumes”. (GUIA DO LIVRO DIDÁTICO,
2005, p.152). Porém, essa contextualização com questões socioculturais é feita com
apresentação de problemas utilizando o conteúdo de Grandezas e Medidas na solução de
problemas da vida das pessoas, focando problemas do dia-a-dia, em exercícios
corriqueiros, isto é, exercícios comuns que aparecem geralmente nos livros que tratam
desse conteúdo. Como por exemplo, temos que, quando se está estudando grandeza de
comprimento, os exercícios são em sua maioria para o cálculo de distância de uma
cidade a outra, ou a altura da sala de aula.
como atividades simplistas, pois não discutem as questões sociais e políticas vinculadas
a esses problemas e conteúdos de Grandezas e Medidas. As atividades utilizam apenas o
caráter prático-utilitário desse conteúdo matemático.
A segunda coleção6
A abordagem Transversal/Político-Social nos conteúdos de Grandezas e Medidas
do volume para a quinta série na segunda coleção
A segunda coleção aborda os conteúdos de Grandezas e Medidas distribuídos em
capítulos próprios distinguidos pela cor vermelha no decorrer do livro e inicia a
apresentação dos conteúdos através de atividades e situações-problema. Não há nessa
coleção a apresentação do conteúdo de forma sistematizada no sentido de apresentar a
teoria no início de cada capítulo, porém os autores preocuparam-se em mostrar a
articulação dos conteúdos referentes ao bloco de Grandezas e Medidas com os demais
blocos e seus respectivos conteúdos no decorrer de todo o volume.
Os conteúdos e atividades propostos nesse volume possibilitam que os alunos
calculem área de superfícies através de malhas quadrangulares e retangulares,
compreendam o que é perímetro e calculem o mesmo utilizando a idéia de rodapé.
Utilizem os números racionais como números que expressam as medidas de
comprimento, bem como são apresentados a instrumentos utilizados para medir
comprimentos. Compreendam as medidas através de situações que são postas no dia-a-
dia e as unidades adequadas para as diferentes grandezas. Calculem área de quadrados e
retângulos através da multiplicação de seus lados, e áreas de figuras através da
composição e decomposição em figuras de área conhecida. Reconheçam o metro
quadrado como unidade principal de área e compreendam que um metro quadrado
representa um quadrado de um metro de lado, bem como reconheçam o centímetro
quadrado como uma unidade para medir áreas menores. Compreendam que qualquer
6 TOSATTO, C. M. Idéias e Relações. Curitiba: Positivo, 2005. vol.1 5ªsérie (Coleção Idéias e
Relações).
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polígono, se decomposto, pode ser transformado em outro com mesma área e que
polígonos de mesma área pode ter perímetros diferentes e polígonos diferentes podem
ter áreas iguais. Compreendam que o volume de um prisma quadrangular pode ser
calculado contando-se o número de cubos menores utilizados para formar o prisma, bem
como compreendam também que se pode calcular o volume de qualquer prisma
quadrangular multiplicando a quantidade de cubos utilizada no comprimento, na altura e
na largura do cubo maior.
A maioria das atividades propostas no decorrer do livro em relação aos
conteúdos de Grandezas e Medidas são atividades que não necessitam de uma
elaboração maior de raciocínio; são, na maioria das vezes, repetitivas com o intuito de
os alunos apenas exercitarem a teoria vista anteriormente. Não há preocupação por parte
dos autores em apresentar fórmulas que aparecem no decorrer desse livro,
principalmente no cálculo de áreas e volumes. A preocupação maior para os autores
consiste em propiciar aos alunos o entendimento dos diferentes procedimentos para o
cálculo dessas grandezas.
As unidades não convencionais são utilizadas no decorrer de todo o conteúdo de
Grandezas e Medidas para que os alunos percebam a necessidade das unidades
padronizadas. Há ainda a apresentação do sistema métrico decimal.
Nessa coleção, embora os autores defendam que há uma preocupação com os
Temas Transversais, o que se encontra são contextualizações simplistas do cotidiano.
Diversas atividades apresentadas nesse volume propiciam a abordagem dos Temas
Político-Sociais, mas essa abordagem não ocorre e o estudo das Grandezas e Medidas
fica com um fim em si mesmo, sem que haja uma articulação com a vida social e
política dos alunos.
A avaliação dessa coleção feita pelo MEC, descrita no Guia do Livro Didático
(2005), ressalta que “a inclusão de temas que são relevantes às inter-relações da
Matemática com outras atividades humanas atuais contribui de forma significativa para
a construção da cidadania”. Porém, o modo de como esse volume busca contextualizar
os conteúdos de Grandezas e Medidas visando às inter-relações da Matemática com
outras atividades humanas é utilizando-se contextualizações simplistas e práticas-
utilitaria do conteúdo matemático com a vida cidadã, não possibilitando a formação de
uma consciência crítica que proporcione aos indivíduos preocuparem-se com a
sociedade ao qual estão inseridos.
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A terceira coleção 7
A abordagem Transversal/Político-Social nos conteúdos de Grandezas e Medidas
do volume para a quinta série na Terceira coleção
A terceira coleção está dividida em unidades, sendo que cada unidade apresenta
tópicos para abordar de forma mais detalhada os conteúdos. A apresentação dos
conteúdos nessa coleção é realizada a partir da História da Matemática e em atividades
de forma alternada.
Nessa coleção, os conteúdos de Grandezas e Medidas são abordados com maior
ênfase nas últimas unidades, durante o estudo dos números decimais e o estudo de áreas,
porém também aparecem na unidade números naturais no subtópico que discute a
grandeza tempo.
Os conteúdos e atividades propostos nesse volume trazem as diferentes maneiras
de marcar o tempo por povos antigos, bem como a notação dessa grandeza nos
diferentes relógios hoje conhecidos e utilizam o cálculo mental para calcular horas e
minutos. Possibilitam que os alunos compreendam a padronização das medidas,
principalmente as medidas de comprimento. Reconheçam o termômetro como um
instrumento utilizado para marcar temperaturas, associando à leitura de diferentes
temperaturas aos números decimais, reconheçam também a leitura de medidas de outras
7 FRANÇA, E., et.al. Matemática na vida e na escola. São Paulo: Editora do Brasil, 1999.vol.1 5ª série.
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irão consultar para responder questões do tipo: “escreva um valor da escala que
corresponda a um terremoto que não foi percebido”.
Sabe-se que a informação contribui para a formação da cidadania. É importante
que os alunos tenham acesso a textos que carreguem em si um gama de informações,
porém essas informações devem ser discutidas e interpretadas não somente
apresentadas. Ao se vincular uma informação a um determinado conteúdo, é importante
que esse conteúdo, bem como a informação, tenha significação para os alunos.
Os exercícios e atividades relativos aos conteúdos de Grandezas e Medidas,
sempre que possível, necessitam mostrar sua função social, além da vida cotidiana dos
alunos. É importante que eles percebam que esses conteúdos estão presentes nos mais
variados conteúdos da vida social, como por exemplo, na distribuição de rendas, no
cálculo do desmatamento e não apenas na medição ou ladrilhamento de uma sala.
Essa coleção como as demais, não retrata os conteúdos Transversais/Político-
Sociais de acordo com a teoria sobre os mesmos defendidos por Moraes (2002), não
possibilitando a formação do cidadão que almeja uma sociedade emancipadora para
todos.
Considerações Finais
O Livro Didático é um material considerado de muita importância no processo
de ensino-aprendizagem, dentro e fora da sala de aula. Embora críticas feitas sobre esse
material e a preocupação de que não seja o único referencial a ser utilizado no preparo e
condução das aulas, sua participação dentro e fora da sala de aula sempre foi e continua
sendo de grandes proporções.
A preocupação com a formação para a cidadania requer que seja feito em sala de
aula com os alunos estudos com questões que vão além dos conteúdos específicos que
cada disciplina de base nacional comum requer, desde os primeiros anos de
escolarização.
Portanto o Livro Didático de Matemática necessita que em seu corpo seja
apresentado além dos conteúdos matemáticos, conteúdos que discutam questões sociais
e políticas, visando a contribuir na formação para a cidadania dos alunos.
Entendendo-se que um cidadão é aquele que trabalha para a construção de uma
sociedade igualitária e justa para todos, tivemos a preocupação de verificar o quanto e
como os Livros Didáticos abordam questões Político-Sociais com a finalidade da
construção dessa cidadania, utilizando para essa análise os conteúdos de Grandezas e
13
Apresentar uma situação-problema com um dado real da vida dos alunos, sem
partir da prática social e conseqüentemente ao final do processo de ensino dos
conteúdos matemáticos atrelados a essa realidade, não chegar à prática social renovada,
em uma formação para a cidadania, é uma contextualização artificial e simplista do
conteúdo específico.
Essas contextualizações artificiais e simplistas não possibilitam aos alunos
perceberem a utilização dos conteúdos clássicos específicos de Matemática na vida
além da escola, pois apenas retratam a utilização prática-utilitária dos conteúdos, o que
14
muito pouco contribui para a formação plena da cidadania, cidadania essa empenhada
na busca por uma sociedade emancipadora e justa para todos. O vínculo com as
questões sociais nem sempre será possível em determinados conteúdos e não há como
contextualizar sempre com discussões de caráter social e político, porém quando
possível é necessário que as articulações avancem além da esfera cotidiana dos alunos.
A aquisição do saber dos conteúdos clássicos específicos de Matemática deve
ser tratado em sala de aula aliada aos conteúdos da vida dos alunos e sua comunidade,
porém não deve ser feita apenas uma ênfase aos conteúdos cotidianos momentâneos. Os
indivíduos necessitam da escola para a sua formação humanizadora, o que não pode ser
feito apenas com vista no saber cotidiano. É necessário que os indivíduos tenham o
acesso aos bens socialmente e culturalmente acumulados através dos conteúdos
científicos, sociais e políticos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CEB 04/98
de 29 de janeiro de 1998. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental. 1998. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PCB04_1998.pdf. Acesso em: 20 jul.2005
FRANÇA, E., et.al. Matemática na vida e na escola. São Paulo: Editora do Brasil,
1999.vol.1 5ª série. (Coleção Matemática na vida e na escola).
IMENNES, L.M.; LELLIS, M. Matemática para Todos. São Paulo: Scipione, 2002.
vol.15ª série. (Coleção Matemática para Todos).