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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo elucidar o dilema ético que envolve a Psicologia
e a Luta Antimanicomial no Brasil. Para tanto foi desenvolvido um estudo com base em
pesquisa bibliográfica. O levantamento bibliográfico permitiu a elucidação do dilema
investigado, através da pesquisa de alguns aspectos relevantes, referentes aos manicômios no
Brasil, à relação do enfermo contraventor com o sistema prisional brasileiro, à atenção
dispensada ao usuário de serviços de saúde mental, em alguns trechos da pesquisa referido
como enfermo por alguns autores citados, e à ética profissional do psicólogo frente ao dilema
apresentado.

Compreendendo-se que o psicólogo, como profissional da área de saúde mental, e que


tem como um dos fundamentos básicos da profissão, basear seu trabalho no respeito à dignidade
do indivíduo como pessoa humana, tem, por prima necessidade, que conhecer os desafios
imputados aos usuários de seus serviços, e os contextos em que estão inseridos estes usuários.

Não se objetivou chegar a conclusões a respeito do dilema, haja vista que tal tema
continua em aberto a discussões em âmbito não só da Psicologia, mas de diversas áreas
permeadas por ele. Portanto o que se fez foi considerar a relevância das informações obtidas
através da pesquisa, e suas interfaces entre a Psicologia e a Luta Antimanicomial.
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2. DESENVOLVIMENTO

A partir de levantamento bibliográfico, desenvolveu-se o corpo do trabalho, onde se


expôs alguns dos aspectos relevantes para se contextualizar e elucidar o dilema ético relativo à
Psicologia e à Luta Antimanicomial.

2.1 OS MANICÔMIOS E SEUS INTERNOS

O manicômio é uma instituição hospitalar voltada para o atendimento a portadores de


doenças mentais, os pacientes são internados para diagnóstico e tratamento da causa do mal-
estar. Os usuários deste serviço são pessoas cuja interação social é drasticamente afetada.
Historicamente as pessoas que não se enquadravam no modelo social vigente eram internadas
nessas instituições para suposta reabilitação e readequação social. Essas pessoas muitas vezes
eram dependentes químicos, homossexuais, prostituas, doentes mentais, entre outros, que, por
se tornarem um incômodo à sociedade, não seguindo um modelo de vida pré-estabelecido, eram
considerados loucos e assim, internados em manicômios para um tratamento adequado, de
acordo com os pressupostos da sociedade normativa (BASAGLIA et al, 1978, tradução livre).

2.2 HISTÓRIA DOS MANICÔMIOS NO BRASIL

No Brasil, as teorias psiquiátricas do alienismo (de Pinel e Turke), e a degenerescência


(calcada na concepção da determinação hereditária da loucura) juntam-se numa só experiência,
“em que a exclusão do “louco” deveria ser compartilhada com a prevenção “social” da loucura”
(ANTUNES, 2005, p. 27).

Para Antunes (2005):

O país encontrava-se ainda na mesma (e talvez pior) situação que no século [XIX], no que diz
respeito às precárias condições de saneamento e saúde do povo brasileiro. Intelectuais e políticos
reclamavam da Medicina intervenções concretas por meio de um projeto profilático, com a
finalidade de erradicar, ou pelo menos minimizar, as inúmeras doenças infecto-contagiosas que
assolavam o país. Esse movimento, no âmbito da Medicina Geral, estava intimamente
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relacionado à questão da Higiene que, nos anos iniciais do século XX, estava revestido de ampla
responsabilidade frente à realidade. É no bojo de tais fatos que tanto o pensamento psiquiátrico
quanto o psicológico encontraram fértil terreno para seus estudos e para a aplicação de seus
conhecimentos por meio da Higiene Mental, instância derivada da Higiene em sua expressão
geral. (ANTUNES, 2005, p. 26)

Resgatando um pouco da história dos manicômios no Brasil, se sobressaem na


pesquisa dois hospícios com distintas visões sobre o tratamento dos, na época, denominados
alienados mentais, o Hospício Pedro II e O Hospital Colônia de Barbacena.

O Hospício Pedro II foi o primeiro hospício construído no Brasil, e na América Latina,


sua fundação coincidiu com a reunião dos membros da Comissão de Salubridade Geral da
Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro em 1830, onde foi questionado o tratamento aos
alienados mentais, e os protestos contra a livre circulação destes indivíduos nas ruas da capital
do Império do Brasil. Havia a ideia de que os doentes mentais deveriam ser tratados
separadamente dos demais pacientes, e que o contato dos chamados loucos com as pessoas
mentalmente equilibradas, era visto como prejudicial tanto à sociedade, devido a ameaça dos
ataques de fúria dos doentes mentais, quanto ao tratamento dos próprios alienados, já que estes
que ficavam expostos às ofensas da sociedade. Segundo o médico francês naturalizado
brasileiro Joseph François Xavier Sigaud “seria somente sob cuidados de médicos
especializados e submetidos ao isolamento terapêutico que os indivíduos acometidos pela
loucura poderiam voltar à razão” (apud GONÇALVES 2013, p. 61), esse tipo de afirmação
fortalecia a compreensão da necessidade de hospitais especializados no tratamento de alienados
mentais.

Sobre o tratamento neste hospício, vale destacar a visão de um dos médicos-diretores


do local, Manoel José Barbosa, que, ao perceber que o hospício não possuía um médico interno,
foi até a França em busca de um médico especializado. Ele constatou que, no Rio de Janeiro,
não haviam médicos especializados devido ao fato de a especialização em psiquiatria não ser
oferecida na faculdade de medicina local, e de os médicos preferirem trabalhar nas casas de
saúde particulares. Para Barbosa, o hospício deveria permitir a separação por sexo, idade e
classificação da doença. Devido a infraestrutura do Hospício Pedro II isto era impossível, o que
dificultava a real missão do hospício de proporcionar a reclusão dos pacientes para uma melhora
de sua doença (PERON, 2013).

Quanto ao diagnóstico dos doentes mentais em hospício, a grande maioria dos internos
sofria de mania, seguida por demência. A equipe de saúde se dedicava à análise clínica para
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concluir se tal moléstia tinha cura ou não. Barbosa acreditava em dois tipos de tratamentos, o
tratamento médico e o tratamento moral. O tratamento médico consista na ação direta sobre o
corpo afim de modificar o estado do cérebro. Este seria recomendável em casos de mania e
demência, quando fosse julgada possível a cura. Eram utilizados banhos mornos, duchas,
purgativos, substâncias farmacológicas entre outros. O tratamento moral focava na modificação
das reações afetivas e intelectuais, sendo este recomendável nos casos de pensamentos
obsessivos, com ou sem alucinações. Tal tratamento consistia em isolamento, passeios e
trabalhos corporais, observava-se que, este método trazia mais benefícios ao internos não
pensionistas que aceitavam trabalhar no hospício, como no jardim por exemplo, enquanto os
internos de segunda e primeira classe não se submetiam a tal função. É válido observar que o
isolamento era defendido nos dois casos, pois, tirados de suas famílias e respectivas regalias,
os internos tenderiam a obedecer a pessoas estranhas e mostrariam uma melhora (PERON,
2013).

Já no Hospital Colônia de Barbacena, localizado em Minas Gerais e construído em


1903, o tratamento aos internos era radicalmente distante do que hoje pode- se considerar como
adequado. Dentre as práticas inadequadas pode-se citar o uso de eletrochoques como terapia, e
da lobotomia. A infraestrutura consistia em prédios com janelas amplas e gradeadas, um terreno
de oito mil metros quadrados cercado por uma muralha, e dentro deste terreno formavam-se
dezesseis pavilhões. Não haviam leitos e sim capim, que era posto para secar durante o dia, e
em alguns prédios havia esgoto a céu aberto. A maioria dos internos não podia pagar pela
estadia, e cerca de 80% deles eram considerados indigentes, sendo rebatizados pelos guardas
logo na chegada à instituição. Muitos diagnósticos, que serviam como justificativa para a
internação, sendo esta internação involuntária, na esmagadora maioria dos casos, não tinham
fundamento médico plausível. Viu-se, por exemplo, tristeza como um dos sintomas comumente
encontrados nos registros, além de subversão à ordem e conduta imoral.

Para Gonçalves (2013):

O público era variado, porém homogeneamente marginalizado: filhas de


fazendeiros que haviam perdido a virgindade, esposas trocadas por amantes,
prostitutas, funcionárias estupradas pelos patrões, “homossexuais, militantes
políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, negros, pobres, pessoas sem
documentos e todos os tipos de indesejados” (ARBEX, 2013, p.26), em um
exemplo extremo da prática eugenista. (GONÇALVES 2013, p. 263)
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Em 1960 o hospital abrigava cinco mil pacientes em um local projetado para atender
duzentos pacientes, onde as condições se tornavam progressivamente mais e mais precárias. O
Hospital Colônia Barbacena foi desativado, quase completamente em 1996, e teve parte de sua
estrutura transformada no Museu da Loucura. O Cemitério da Paz localizado ao lado do hospital
permanece abandonado, ali foram enterrados os sessenta mil corpos dos pacientes que
morreram no Colônia. Durante seu funcionamento originou-se das mortes dos internos um
grande tráfico de corpos para faculdades de medicina, onde as vendas ocorriam principalmente
no inverno, época em que o número de mortes aumentava devido especialmente às más
condições de vida dos internos (GONÇALVES, 2013).

O cenário do tratamento e atendimento aos doentes mentais, no país, tem mudado


desde o início da reforma psiquiátrica, iniciada na década de 70, que objetiva questionar os
saberes psiquiátricos e garantir ao doente mental cidadania e direitos, como a importância da
preservação da dignidade e individualidade humanas.

2.3 MANICÔMIOS E SISTEMA PRISIONAL PARA CRIMINOSOS INIMPUTÁVEIS


POR SAÚDE MENTAL

O principal fundamento da aplicação da pena jurídica é a culpabilidade, sendo essa


condicionada à responsabilidade moral do infrator (VÁSQUEZ, 2007). A medida de segurança
não se baseia na culpabilidade, esta funda-se tão-somente na periculosidade. Periculosidade é
um estado altamente subjetivo, mais ou menos duradouro, de anti-sociabilidade, tendo por base
a anomalia psíquica do agente contraventor e sendo sugerida atenção especial médica,
psicológica e psicopedagógica (AMORIM, 2005).

Para Amorim (2005):

O Código Penal Brasileiro (CPB), em sua Reforma Penal de 1984, adotou o


sistema vicariante, em que a imposição da pena é suprida pela aplicação da
medida de segurança, ou seja, preconiza a aplicação da pena reduzida ou a
substituição pela medida de internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico ou sujeição a tratamento ambulatorial. [...] É notório que muitos
presos se mantêm na prisão, mesmo que absolvidos, a espera indefinida de
vagas em estabelecimento adequado, ofendendo frontalmente o primado da
dignidade humana. Ante o caso, poucos magistrados, haja vista as reais
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impossibilidades de internamento por falta de vagas, dão solução mais sensata


de determinar que o cidadão enfermo aguarde em liberdade vigiada, por
aplicação analógica do artigo 178 da Lei 7210/84. (AMORIM, 2005).

De acordo com Basaglia (1978, p. 19, tradução livre) “o cárcere por si só é um lugar
de violência, que representa para o homem livre o temor pelo qual não deve cometer
delinquências”. Quando há no sujeito a incapacidade de responder por seus atos devido a
transtornos mentais, a consciência destes é afetada e esse temor deixa de existir. Consistindo
então em desrespeito aos direitos humanos o encarceramento de inimputáveis.

No tocante ao hospital de custódia e ao tratamento, na ausência de disponibilidade


de leitos de internação, pode a pena ser cumprida em outro estabelecimento adequado. Contudo,
de acordo com Amorim (2005) “apesar do uso de novas terminologias, na sociedade atual, em
nada mudaram as condições físicas e internas dos famigerados manicômios judiciários, haja
vista a “suposta” falta de recursos do Estado para construção de novos estabelecimentos”. É
notório que muitos presos inimputáveis brasileiros se mantêm na prisão convencional, mesmo
que absolvidos, à espera indefinida de vagas em estabelecimento adequado (AMORIM, 2005).

Para Amorim (2005):

O cidadão enfermo não deve ficar recolhido em prisão comum sem um mínimo
de assistência médica especial, pois o Estado só poderá exigir o cumprimento
da medida de segurança de internação se estiver aparelhado para tanto. A falta
de vaga, pala desorganização e omissão do Estado não justifica o desrespeito
ao direito individual, sacrificando os direitos subjetivos inalienáveis, pois a
finalidade do tratamento é aquele conveniente, em conformidade com as
expectativas, quiçá mínimas, de todo ser humano, visando as medidas
terapêuticas e pedagógicas com o fito de reabilitá-lo à vida social. (AMORIM,
2005).

Tal cenário explicita um descaso tanto do poder público quanto da sociedade,


sugerindo uma visão excludente da condição de humanidade do contraventor enfermo devido
a transtornos mentais.
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2.4 CONTRADIÇÕES ENTRE A ÉTICA NA PSICOLOGIA E AS PRÁTICAS


MANICOMIAIS

Segundo Basaglia (1978, p. 181, tradução livre), a quase totalidade dos enfermos
institucionalizados são pacientes involuntários, “os voluntários são as pessoas que vão à casa
de repouso, às clínicas privadas, onde podem ter o tipo de terapia que queiram”. Tal afirmação
entra em confronto com o artigo 3ºa do Código de Ética Profissional do Psicólogo, tal qual
citado por Romaro (2014, p.115) como responsabilidade para com o cliente: “dar ao cliente –
no caso de impedimento deste- a quem de direito, informações concernentes ao trabalho a ser
realizado, (...) a fim de que o cliente possa decidir-se pela aceitação ou recusa da assistência”.

A resolução CFP 005/2012 Art. 1º II, considera requisito para reconhecimento da


avaliação psicológica, como aspecto ético e de defesa dos direitos humanos, a essencialidade
de se “considerar a perspectiva da integralidade dos fenômenos sociais multifatoriais, culturais
e historicamente construídos” (ROMARO, 2014, p.72)

Para Basaglia (1978, tradução livre):

De que maneira puderam os psiquiatras fazerem um diagnóstico, construir uma


nosografia pela qual um é denominado esquizofrênico, outro é denominado
deprimido, e outro é denominado agitado? Eu, no momento em que ingressei
no manicômio, não pude distinguir entre essa gente: vi unicamente pessoas
oprimidas ou pessoas atadas, pessoas destruídas, pessoas que pediam para sair,
ir para sua casa, e às quais o médico respondia sempre com a mesma expressão
(...), amanhã. Esse amanhã não chega nunca, esse dia que o enfermo espera e
que nunca chegará. (BASAGLIA et al, 1978, p. 18, tradução livre):

Contrastando com a fala supracitada de Basaglia (1978), e de acordo com a Resolução


CFP 010/2000, Art 2º IV, durante o tratamento psicoterápico, o psicólogo deve “fornecer,
sempre que solicitado pela pessoa atendida ou seu responsável, informações sobre o
desenvolvimento da psicoterapia, conforme o Código de Ética Profissional do Psicólogo”
(ROMARO, 2014, p. 89).
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Para Wing (1979):

O que é eficaz em psicoterapia não é a ideologia do psicoterapeuta, mas algo


não-específico; a percepção pelo cliente de que o terapeuta é
incondicionalmente solidário, autêntico, concreto e não-arrogante. Seja qual
for a teoria, só terapeutas que tenham essas qualidades parecem ter bom êxito.
(WING, 1979, p. 56)

2.5 O MOVIMENTO ANTIMANICOMIAL NO BRASIL

Após muitos anos de maus tratos aos usuários dos manicômios, tais como ausência de
roupas, alimentação insuficiente e de má qualidade, pessoas em internação de longa
permanência e prática sistemática de eletrochoque (CRPSP, 2016), o Brasil está passando por
uma mudança positiva em relação à atenção aos usuários de serviços de saúde mental.

Para Gonçalves e Sena (2001):

Um novo modelo vem sendo edificado a partir da contribuição de vários


segmentos da sociedade e implica a desconstrução literal do modelo
hegemônico. A reforma psiquiátrica vem se desenvolvendo no Brasil há várias
décadas, mais precisamente a partir do final dos anos setenta. O movimento
aponta as inconveniências do modelo que fundamentou os paradigmas da
psiquiatria clássica e tornou o hospital psiquiátrico a única alternativa de
tratamento, facilitando a cronicidade e a exclusão dos doentes mentais em todo
o país. A reforma psiquiátrica, hoje defendida, é fruto de maior maturidade
teórica e política, alcançada ao longo das últimas décadas, com maior
conscientização da sociedade civil organizada. (GONÇALVES E SENA,
2001, p. 50)

Em 1987, na cidade de Bauru, houve um Encontro dos Trabalhadores de Saúde


Mental, com a finalidade de assegurar os direitos dos portadores de doença mental. Esse
Movimento se originou da reforma Sanitária Brasileira, que visava a mudança dos modelos de
atenção e gestão nas práticas da saúde, defesa da saúde coletiva, igualdade na oferta dos
serviços, e protagonismo dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde nos processos de
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gestão e produção de tecnologias de cuidado. Essa reforma teve como inspiração, a reforma
Sanitária Italiana liderada por Franco Basaglia (BASAGLIA et al, 1978).

No dia 18 de maio se comemora a Luta ou Movimento Antimanicomial no Brasil. A


luta antimanicomial é resultado da dificuldade em se debater a questão do modelo de tratamento
às pessoas com doença mental, que perdurou por mais de quatro décadas. Durante esse tempo,
marginalizou-se o sujeito com transtorno mental, generalizando tal transtorno como loucura e
remetendo-o à internação institucional.

A Luta Antimanicomial tem possibilitado o desenvolvimento de pontos extremamente


importantes para a desinstitucionalização da socialmente chamada loucura. Pode-se destacar o
surgimento de relevantes serviços de atendimentos extra-hospitalares oriundos da Reforma
Psiquiátrica como o Núcleo de Atenção Psico-Social (NAPS); o Centro de Atendimento Psico-
social (CAPs I, CAPs II, CAPs III, CAPsi, CAPsad); o Centro de Atenção Diária (CADs); os
Hospitais Dias (HDs) e os Centros de Convivência e Cultura (MESQUITA, NOVELLINO &
CAVALCANTI, 2010).

2.6 REINSERÇÃO SOCIAL DO USUÁRIO DE SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL


INSTITUCIONALIZADO

A partir de 1990, o Ministério da Saúde seguindo as novas diretrizes da Reforma


Psiquiátrica, firmou um compromisso assinado pelo Brasil, na Declaração de Caracas e
apresentado na II Conferência Nacional de Saúde Mental, apresentando as normas federais e
regulamentando a implantação de serviços de atenção diária, pelos CAPS, NAPS e Hospitais-
Dia, em conjunto com a fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos (BRASIL,
2005).

Foi iniciado então o processo de desinstitucionalização de pessoas longamente


internadas e a reintegração das pessoas com transtornos mentais graves e persistentes. Tal
processo contou com a criação do programa De Volta para Casa, a expansão de serviços como
os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e as Residências Terapêuticas, que atendem às
necessidades de moradia de pessoas portadoras de transtornos mentais graves. Verificou-se o
fechamento de vários hospitais psiquiátricos, assim como a redução dos leitos psiquiátricos em
todo país, tudo sob a responsabilidade do SUS (BRASIL, 2005).
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A reintegração na sociedade e seus direitos de morar e de circular nos espaços da


cidade e da comunidade, procurando oferecer a autonomia a cada indivíduo, tem como
compromisso de cada Residência Terapêutica ser considerada como única, devendo respeitar
as necessidades, gostos, hábitos e dinâmica de seus oito moradores (número máximo
permitido), com um cuidador para apoiar os moradores nas tarefas, dilemas e conflitos
cotidianos do morar, buscando a progressiva inclusão social do morador. Ainda segundo Brasil
(2005), cada residência deve estar referenciada a um Centro de Atenção Psicossocial e operar
junto à rede de atenção à saúde mental, dentro da lógica do território nacional. O documento
Brasil (2005) ressalta ser especialmente importante as residências nos municípios-sede de
hospitais psiquiátricos, onde o processo de desinstitucionalização de pessoas com transtornos
mentais está em curso, as residências são também dispositivos, que podem acolher pessoas que
em algum momento necessitam de outra solução de moradia. O trabalho terapêutico deve ser
constante e respeitar o ritmo de readaptação de cada pessoa à vida em sociedade.

Outra possibilidade de transição do institucionalizado para a reinserção à comunidade


seria o Programa de Volta para Casa cuja saída dos internos se daria através do pagamento
mensal de um auxílio-reabilitação, criado pela lei federal 10.708, encaminhada pelo presidente
Luís Inácio Lula da Silva ao Congresso, votada e sancionada em 2003, o Programa é a
concretização de uma reivindicação histórica do movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira,
tendo sido formulado como proposta já à época da II Conferência Nacional de Saúde Mental,
em 1992 (BRASIL, 2005).

Segundo Brasil (2005) para receber o auxílio-reabilitação do Programa De Volta para


Casa, a pessoa deve ser egressa de algum Hospital Psiquiátrico ou Hospital de Custódia em
Tratamento Psiquiátrico, e ter indicação para inclusão em programa municipal de reintegração
social e assim cada beneficiário do Programa recebe um cartão magnético (programa feito em
parceria com o banco Caixa), com o qual se pode sacar e movimentar mensalmente o benefício.
O município de residência do beneficiário deve, para habilitar-se ao Programa, ter assegurada
uma estratégia de acompanhamento dos beneficiários e uma rede de atenção à saúde mental
capaz de dar uma resposta efetiva às demandas de saúde mental. A cada ano o benefício pode
ser renovado, caso o beneficiário e a equipe de saúde que o acompanha entendam ser esta uma
estratégia ainda necessária para o processo de reabilitação. Há uma ressalva citada em Brasil
(2005) de considerar que, sendo a maioria dos potenciais beneficiários egressos de longas
internações em hospitais psiquiátricos, talvez não possuam a documentação pessoal mínima
para o cadastramento no Programa, como certidão de nascimento ou carteira de identidade.
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A transição do institucionalizado para a reinserção social também poderá se dar a


partir dos Centros de Convivência e Cultura, que oferecem às pessoas com transtornos mentais
espaços de sociabilidade, produção cultural e intervenção na cidade, buscando facilitar a
construção de laços sociais e a inclusão social.

A Lei 10.216/2001 (cf. anexo) afirma a cidadania plena dos pacientes e elenca nove
direitos básicos, entre os quais o da prioridade no tratamento comunitário. Restringindo a
internação como uma modalidade de tratamento, a ser utilizada apenas nos casos em que é
indispensável, no CAPS III podendo ficar até sete dias seguidos (BRASIL, 2005).

De acordo com Rosa e Vilhena (2012) se faz necessário devolver ao sujeito a


responsabilidade, na medida do possível para cada caso, sobre os principais aspectos de sua
vida, como a residência, um grupo social e familiar, o trabalho, procurando criar condições para
uma volta progressiva deste sujeito à sociedade como agente do processo, ou “protagonista”.

Os CAPS promovem o cuidado terapêutico ao paciente com transtorno mental que seja
atendido em uma das unidades de pronto atendimento da rede pública de saúde. O procedimento
usual adotado é o seguinte: quando um paciente entra em crise (psicótica, de agitação ou
agressiva) ele é encaminhado ao Pronto Socorro Psiquiátrico ou Hospital Geral, onde é
medicado e acolhido (ROSA; VILHENA, 2012).

Segundo Rosa e Vilhena (2012) os CAPS se diferenciam pelo porte, capacidade de


atendimento, perfil de usuário atendido e são distribuídos de acordo com o perfil populacional
dos municípios brasileiros. Desse modo, estes serviços se diferenciam em CAPS I, CAPS II,
CAPS III, CAPSi e CAPSad, ainda de acordo com os autores:

Os CAPS I são os Centros de Atenção Psicossocial de menor porte, capazes de


atender aos municípios com população entre 20.000 e 50.000 habitantes, têm
equipe mínima de nove profissionais, de níveis médio e superior, e têm como
usuários adultos com transtornos mentais severos e persistentes e transtornos
decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Assim como todos os demais
CAPS à exceção do CAPS III, funcionam durante os dias úteis da semana,
normalmente em horário comercial, e têm capacidade para cerca 240 pessoas
por mês. Os CAPS II são serviços de médio porte, e dão cobertura a municípios
com mais de 50.000 habitantes. Atendem também a adultos com transtornos
mentais severos e persistentes. Os CAPS II têm equipe mínima de 12
profissionais, e capacidade para o acompanhamento de cerca de 360 pessoas
por mês (MS, 2005). Os CAPS III são os serviços de maior porte da rede
CAPS. Os CAPSi, especializados no atendimento de crianças e adolescentes
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com transtornos mentais, são geralmente necessários em municípios com mais


de 200.000 habitantes e têm capacidade para realizar o acompanhamento de
cerca de 180 crianças e adolescentes por mês. A equipe mínima para estes
serviços é de 11 profissionais. Os CAPSad, especializados no atendimento de
pessoas que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas, são previstos para
cidades com mais de 200.000 habitantes, ou cidades que, por sua localização
geográfica (municípios de fronteira, ou parte de rota de tráfico de drogas),
necessitem deste serviço para dar resposta efetiva às demandas de saúde
mental. A equipe mínima é composta por 13 profissionais (MS, 2005).

Rosa e Vilhena (2012) citam no artigo que, o Ministério da Saúde (2011) determina
como função dos CAPS o atendimento clínico em regime de atenção diária, o acolhimento dos
portadores de transtorno mental com vistas a preservar seus laços sociais e reforçar os laços
familiares, a inserção social através de ações intersetoriais e o acesso ao trabalho, ao lazer e aos
direitos civis.

2.7 A PSICOLOGIA E A REINSERÇÃO SOCIAL DO INSTITUCIONALIZADO

Os autores Rosa e Vilhena (2012) descrevem como seria o processo de reinserção


social do institucionalizado usuário de serviço de saúde mental. Assim que o paciente chega à
instituição procurando por atendimento (CAPS), ele é identificado, protocolado, ficando
registrado em seu prontuário o início e a evolução do seu tratamento. O CAPS II, por exemplo,
é como uma casa, com amplas áreas abertas, cozinha, espaços comuns para repouso ou outras
atividades, salas de trabalho (atendimento), uma farmácia e um espaço separado para a equipe
técnica (equipe Multiprofissional), tudo supervisionado por essa equipe de profissionais, e
consistem em oficinas laborais, terapêuticas, atividades físicas e atendimentos psicoterápicos.
Sendo que, boa parte das atividades são feitas em grupos. Os pacientes passam os dias úteis da
semana na instituição e retornam para suas casas à noite, e à medida que vão se recuperando
passam a frequentar o CAPS menos vezes por semana.

O Psicólogo integra a equipe Multiprofissional do CAPS, que conta com os


conhecimentos de psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, enfermeiras, farmacêuticos, arte-
terapeutas, terapeutas ocupacionais, educadores entre outros (ROSA; VILHENA, 2012).
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Segundo Rosa e Vilhena (2012) no momento em que a Reforma Psiquiátrica conseguiu


iniciar a extinção dos manicômios e a implantação dos chamados serviços substitutivos em
saúde mental, verificou-se que houve uma grande diluição das especialidades em prol da
proposta de interdisciplinaridade que vigorava antes da reforma e “os psicólogos, psicanalistas
e todos os demais “técnicos” foram trabalhar com os ‘usuários’ do sistema público, em uma
perspectiva social e privilegiando as abordagens coletivas”.
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho averiguou-se que há um dilema ético entre a ética profissional da


Psicologia e a lógica dos Manicômios, tal averiguação foi fundamentada pela pesquisa
bibliográfica. Tal pesquisa se mostrou profícua ao permitir uma aproximação e correlação de
informações oriundas de diferentes fontes e contextos. O desenvolvimento deste trabalho
também mostrou que, tal dilema foi fruto de uma construção sócio-histórico-cultural.

A lógica manicomial e sua metodologia de atenção encarceradora, punitiva,


homogeneizante e desumana, marcou de maneira extremamente negativa, a história das
instituições psiquiátricas no Brasil. O pouco diálogo em sociedade sobre esse ignóbil tema,
pode remeter à visão de que, o destoante da normativa social não tem o direito de existir, haja
vista o constrangimento social vivido pelos usuários de serviços de saúde mental, tendo estes
passado ou não por institucionalização. Tal lógica é destoante dos princípios fundamentais do
Código de Ética Profissional do Psicólogo.

Referente às interfaces entre a Psicologia e a Luta Antimanicomial, é perceptível uma


sintonia com os princípios fundamentais do Código de Ética Profissional do Psicólogo, e com
os Direitos Humanos. A Luta Antimanicomial surgiu para promover os direitos das pessoas
com sofrimento mental. Sendo este um movimento social e político, que culminou na Reforma
Psiquiátrica, que, por sua vez, levou às mudanças na legislação brasileira e à implantação de
políticas públicas que vão além dos serviços de saúde, esta rede de atenção se articulou a
serviços das áreas de ação social, cidadania, cultura, educação, trabalho e renda, além de incluir
as ações e recursos diversos da sociedade.

Sobre o desafio da compreensão dos dilemas éticos na psicologia, vale- se a constante


reflexão pautada nos princípios fundamentais do Código de Ética Profissional do Psicólogo, e
sua aplicabilidade às mais adversas situações de trabalho. A elaboração de tal reflexão
impulsiona tanto as práticas dignas e nobres no cuidado dos usuários de saúde mental, quanto
rechaça as práticas que estejam em desacordo com o mesmo.
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REFERÊNCIAS

AMORIM, T. M. L. Sistema penitenciário: saúde mental e direitos humanos. In: Âmbito


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ANTUNES, M. A psicologia no Brasil: leitura histórica sobre sua constituição. São Paulo:
Ed. Unimarco EDUC, 2005.

BASAGLIA, F.; CARUSO, I.; LANGER, M.; SUÁREZ, A.; SZASZ, T.; VERÓN, E. Razón,
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ANEXO

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