Olga Hack
&
AGRADECIMENTO
Ao Lúcio Packter que nos apresentou a Filosofia Clínica
Às árvores que se transformaram neste livro
Filosofia Clíínica e Cinema
SUMÁRIO
CONCLUSÃO
Filosofia Clíínica e Cinema
PREFÁCIO
Nossa cultura, marcada por uma visão racionalista, é a referência para a relação do
homem consigo mesmo, com os outros e com o mundo em que este está inserido, no seu
Ethos, ou seja, a morada do homem no mundo. Assim, a nossa maneira de entender a
vida é centrada nos dois grandes eixos apresentados no livro República, escrito por
Platão. Há dois mundos: o sensível, que vê o homem através de seus sentidos, das coisas
empíricas, do corpo, que, portanto, são terrenas, passageiras, frágeis e imperfeitas. O
inteligível, que entende o homem a partir de sua razão, logo, o mundo do bem, da
dialética, da alma, do belo, da perfeição. Tais entendimentos podem ser observados no
texto da Alegoria da Caverna, presente no capítulo sétimo da República, em que o
mundo sensível é representado pelas sombras, pela escuridão e impedido de uma visão
clara da realidade. O mundo inteligível é representado pela luz, pela claridade das ideias
e da alma, ou seja, a razão tem as condições necessárias para que o homem conheça a
realidade e se realize no mundo em que está vivendo, é o chamado mundo do Bem.
Esses dois mundos, constituem duas linguagens, dois modos de compreensão que
priorizam o sensível e o racional. Um é verdadeiro, outro ilusório. Um é filosofia, outro
é poesia. O sensível ficou próprio para as artes, o racional para a filosofia e mesmo para
a ciência. E no decorrer de muitos séculos o mundo racional era tido como o único
capaz de entender o mundo com o seu mistério e a lógica racional a única linguagem
própria para se falar dos conceitos-ideias. A arte, embora presente e sempre apreciada
era vista como entretenimento, como uma expressão menor, sem razão e sem valor para
a compreensão da vida.
- Que doutrina?
As ideias de Platão foram sendo divulgadas por vários séculos, aceitas por uns e
combatidas por outros mas foram a base da construção do pensamento ocidental. Em
muitas das atividades de nossa época, é possível perceber a presença do pensamento de
Platão principalmente quando se trata da relação ou separação do mundo sensível e do
mundo inteligível. Tanto no campo da ciência, da filosofia e da religião, estamos sempre
lidando com essa dupla face, dos dois mundos.
Desde a sua invenção, o cinema tem sido o lugar privilegiado para as pessoas
encontrarem no lazer cultura e conhecimento. Devido à sua linguagem muito específica
que combina fotografia, movimento, ação teatral, dinâmicas de movimentos, textos
narrativos, descritivos, dissertativos expressos em ações, imagens, diálogos,
interpretações o cinema é uma arte auto-referente, cita a si própria o tempo todo.
Diretores, atores, produtores, compositores, redatores, criadores e toda a equipe que
compõe uma obra de cinema contribuem para que o cinema seja espaço para que fatos
cotidianos sejam representados de maneira que transcendam a racionalização e favoreça
que sentimentos, desejos, e toda inquietação humana frente a sua existência sejam
representadas fazendo entre o real e o imaginário um ponto de encontro em que é
Filosofia Clíínica e Cinema
Filmes de autor ou obras de maior profundidade revelam, via de regra, temas que
inquietam o ser humano desde sua origem e que são revisitados em cada época sob
novos ângulos mediantes desafios novos. O pensamento racionalista de Platão que viveu
no século V a.C. construiu um modelo de sociedade e de pensamento fundados numa
determinada visão de vida, de homem, de sociedade, de virtude, de filosofia. Essa visão
de que a realização de tudo se dá por meio da razão é a base sob a qual se construiu todo
o pensamento ocidental. O cinema, consegue, com nova linguagem, trazer o racional
para o campo do lazer, da arte de representação e se torna canal de educação para todos
os que dele usufruem como meio e linguagem. O cinema torna a filosofia algo inovador
e lança questões existenciais a um público numeroso que em busca de diversão encontra
também conhecimento. Mesmo os filmes mais discutíveis pelo seu valor artístico e
cultural contém como fundo uma questão, uma exposição, um grito de alerta, uma
pergunta que questiona sobre a vida e seu sentido e sobre modelos impostos ou que se
procura para que o homem entenda algo mais de sua própria existência.
Possivelmente os filmes, em sua grande maioria, exceto alguns autores e diretores que
intencionalmente se propõe a fazer de sua obra um discurso filosófico, não sejam
filosóficos “em si mesmos”, mas propiciam uma leitura conceitual, filosófica deles
mesmos.
Na história da comunicação podemos distinguir quatro fases. Cada uma delas provocou
descobertas, rupturas e desafios para que ideias e sentimentos pudessem continuar sendo
expressos e apresentados dentro da grande proposta da existência humana. Numa
primeira fase a oralidade com sua complexa expressão incluindo linguagens não verbais
marcou a cultura da humanidade. Depois a invenção da escrita provocou uma
reviravolta na forma de conhecer e expressar conhecimentos. A invenção da imprensa
favoreceu a divulgação massiva do conhecimento e condicionou ao mesmo tempo a
cultura ao conhecimento massivo por um lado e centrado sobre a linguagem escrita por
outro. E finalmente o surgimento dos meios elétricos e eletrônicos assumiu tudo o que a
humanidade acumulou de conhecimento e de linguagem em nova linguagem e com
novos meios. É nesse contexto que surgiu o cinema e a filosofia também se viu
provocada a atualizar meios e linguagens para falar ao mundo contemporâneo.
É nesse contexto que esta obra dá um novo contributo. Da Filosofia entendida como
razão ela propõe, a partir de uma nova visão da Filosofia Clínica faz despertar novos
aspectos da questão. Cinema é também “instrumento e meio clínico” para fazer uma
visita aos exames categoriais em que se destacam o assunto – do filme e da vida em
relação; as circunstâncias em que acontece a narrativa com sua complexidade assim
como a vida na sua realidade; o lugar como espaço e como situação existencial das
personagens assim como da nossa própria condição no mundo; o tempo como referência
à existência vivida no passado, no presente, no futuro ou mesmo na experiência
atemporal em que se manifestam as ações da narrativa no cinema e na vida real e as
relações – o jeito como cada qual vê o mundo, como se vê e se relaciona consigo
mesmo, com os outros, com a vida, com o tempo, com o espaço, com os princípios,
valores e elementos que constituem a estrutura de pensamento, base da razão, da
emoção, da relação de todo ser humano na sua vida real do dia a dia ou na sua
representação simbólica nas personagens do cinema e de outras expressões da arte de
representar.
Os professores Márcio José e Olga Hack dão um grande contributo à Filosofia Clínica
quanto ao Cinema ao apresentarem essa obra com o objetivo já proposto por eles:
“A divulgação destes nossos conhecimentos então, surgiram nestas condições de
possíveis correlações de poderem ser feitas entre os filmes e o princípio teórico
que nos formou, dando uma maior claridade à terapêutica em sua linguagem
constitutiva, abarcando tanto nossa face existencial entre a filosofia mater, que
nos trouxe os a priori de nossos conhecimentos, aliando-os e adaptado-os aos
moldes e conceitos da Filosofia Clínica (...) introduzir a Filosofia Clínica como
uma abordagem terapêutica existencial; conjecturar os conceitos da Filosofia
Clínica a uma prática representada pelas imagens, onde as pessoas inseridas em
seu cotidiano demonstraram suas vivências e sua atuação frente ao mundo e aos
problemas circunstanciados por este”.
José Alem
Filosofia Clíínica e Cinema
APRESENTAÇÃO
A proposta inicial que nos uniu há algum tempo, teve como objetivo primeiro elaborar
mecanismos para a divulgação da terapia que acreditamos seja trocas partilhadas
de bons princípios que partem de suas quebras epistemológicas geridas sob os
atos de comungarem vidas. Não haverá mais um saber único, mas algo que se dá
no ato da reflexão entre seres que buscam um bem comum. A transposição de
ideias e ideais entre as partes traz uma nova dimensão para o olhar em plena
abertura, para as formas de vida geradas nas condições criadas no momento de
uma historicidade narrada em primeira pessoa; a alegoria a ser considerada está
no singular e num movimento plástico de tal abrangência que se faz necessário o
partilhar com o outro para alcançar a dimensão de tal pensamento que se constrói
para ser mostrado.