RESUMO
Neste estudo foram analisados pH, Eh, condutividade elétrica, cloreto, sílica, fosfato, K, Na, Ca, Mg, Fe, F, Zn, Ni, Co, Mn, Pb,
Cu, Cr, Li e Cd nas águas de drenagens de pequeno porte no nordeste do Amazonas. As águas são pretas, predominantemente
ácidas e levemente redutoras e com baixo conteúdo de elementos dissolvidos. Contudo, a química indica que são heterogêneas
e refletem o ambiente geológico por onde percolam. SiO2, Na e K são os constituintes mais abundantes na fase dissolvida,
especialmente nas drenagens mais a norte pertencentes as bacias do Uatumã, Urubu e no igarapé Canoas que drenam as rochas
da Suíte Intrusiva Água Branca e Mapuera e as sedimentares do Grupo Iricoumé e as Formações Prosperança, Nhamundá,
Manacapuru, Pitinga Os igarapés menores, que drenam exclusivamente os sedimentos da Formação Alter do Chão, são os
mais diluídos. Os elementos-traços analisados estão em concentrações muito baixas.
Palavras chave: afluentes do Amazonas, estiagem; carga dissolvida
1
Universidade Federal do Amazonas - UFAM, ahorbe@ufam.edu.br
(P1) e Barreto (P2), localizados ao longo da BR-174, além de na primeira, obtiveram-se os escores de todas as variáveis;
um ponto 10 Km a jusante da hidroelétrica de Balbina (P3). posteriormente, foram selecionadas aquelas que tiveram
Ainda nos tratos norte da área estudada sob influência do variança maior que 0,7 em um dos dois primeiros fatores.
mesmo ambiente geológico, também foi amostrado o igarapé Com base nessas variáveis foram determinados os escores das
Canoas (P4), afluente do rio Cuieiras, que é tributário da amostras também nos dois primeiros fatores. Esses escores
margem esquerda do rio Negro. foram representados em gráfico para melhor visualização.
O rio Urubu, segunda drenagem em extensão na área,
tem suas cabeceiras na porção norte da região estudada (P5, RESULTADOS E DISCUSSÃO
P6 e P7 - Figura 1), sob influência de rochas sedimentares Os valores obtidos para pH variaram entre 4,44 e 6,21,
das Formações Prosperança, Nhamundá, Manacapuru e os mais baixos foram no rio Urubu (4,44) e nos igarapés
Pitinga, e drena a Formação Alter do Chão no seu amplo Urubuí (4,54) e Barreto (4,76) e o mais elevado (menos ácido)
segmento médio e jusante. Na porção sul-sudeste da região, no igarapé Canoas (6,21). O Eh (potencial de oxi-redução)
dentre as drenagens de menor porte, tem destaque o rio variou, em média, entre 206 mV à 272 mV e apresentou
Preto da Eva (P9 – denominado no local de amostragem relação inversa com o pH, ou seja, quanto menos ácida a água,
de igarapé Preto – e P10), o igarapé Tarumã-Açú (P11) e os mais oxidante ela é (Tabela 1, figura 2). A relação entre pH e
igarapés dos pontos 12 a 17 na porção sul-sudeste da área, Eh indica que o ambiente é redutor ácido e, apesar do igarapé
todos percolam exclusivamente os sedimentos da Formação Canoas ser o menos ácido, constata-se regionalmente uma
Alter do Chão e foram denominados neste trabalho de rios tendência de diminuição de acidez para sul-sudeste, à medida
menores (Figura 1). que as bacias de drenagens diminuem sua área de escoamento
e passam a serem influenciadas exclusivamente pela Formação
MATERIAIS E MÉTODOS Alter do Chão (Figura 2).
As amostras de água foram coletadas em novembro de Dentre os álcalis, K e Na predominam na maioria das
2002, no final do período da estiagem, sendo tomadas a uma drenagens, especialmente nos igarapés Canoas e Coruja, sendo
profundidade de 10 cm da lâmina de água. Após sucessivas os valores de K bem mais elevados que os de Na. Os demais
lavagens com água da drenagem a ser amostrada, foram igarapés têm variações menos acentuadas no conteúdo de
armazenadas em recipientes de polietileno com capacidade álcalis e os mais a sudeste são os mais diluídos, quimicamente
para 2000 mL. Estes foram previamente desmineralizados com mais homogêneos, com conteúdos muito similares de K, Na
solução de ácido nítrico a 25 %, lavadas com água deionizada e Ca (Tabela 1). Somente no rio Preto da Eva, o Mg ocorre
e secas. Ao todo foram coletadas 17 amostras ao longo das 50% mais concentrado que o Ca, enquanto no Urubu, mais a
rodovias BR-174, AM-010, AM-240 e AM-363 (Figura 1) jusante (P8) e no igarapé Preto, o conteúdo desses dois cátions
que correspondem a águas de cor preta. é similar, porém inferior ao K e Na.
No local de amostragem foram medidos pH, Eh e
condutividade elétrica por potenciometria e, em seguida, as
amostras foram preservadas sob refrigeração (4ºC) para evitar
alteração das suas propriedades originais. No Laboratório
de Geoquímica da UFAM, as amostras foram filtradas à
vácuo com filtro de fibra de vidro GF/C (Whatman), para a
determinação de cloreto, fosfato, sílica, flúor e metais (K, Na,
Ca, Mg, Fe, Zn, Ni, Co, Mn, Pb, Cu, Cr, Li, Cd, Sr e Mo).
O cloreto foi determinado por titulação; fosfato e sílica por
espectrofotometria ótica; flúor, por íon específico; os metais
por espectrometria de absorção atômica com chama, segundo
as especificações do Standard Method (1998).
Os resultados foram submetidos à análise estatística
multivariada por componentes principais (Statística 5.1),
com o objetivo de reduzir os parâmetros analisados (variáveis)
e as amostras a um conjunto mais significativo. Esta técnica,
que possibilita avaliar a inter-relação existente entre as
variáveis (parâmetros) e as amostras, gera fatores e escores que Figura 2 - Correlação entre os parâmetros de Eh e pH das águas estudadas
representam a variância dos dados, ou seja, o grau de correlação com base no diagrama de Krauskopf (1972).
ou significância. A análise multivariada abrangeu duas etapas:
Tabela 1 - Características químicas das água estudadas (Eh em mV, condutividade (cond.) em μS.cm-1 e os íons em mg.L-1).
Amostra pH Eh Cond K Na Mg Ca Cl SiO2 F PO4 Fe Ni Zn
1- Coruja 5,64 242 12,20 4,40 1,39 0,40 1,31 6,54 4,67 0,05 0,001 1,10 0,06 1,50
2- Barreto 4,76 331 18,20 1,55 0,34 0,41 0,60 2,18 1,65 0,01 0,007 1,40 0,08 <0,20
3- Uatumã 5,30 243 12,40 0,77 0,68 0,38 2,07 2,18 2,79 0,02 <0,001 0,70 0,13 0,60
4- Canoas 6,21 219 10,90 4,47 1,25 0,50 1,16 2,18 9,62 0,04 0,001 2,40 0,12 <0,20
5- Sta.Cruz 5,13 299 15,70 1,08 0,41 0,12 0,28 4,36 2,41 <0,01 0,002 0,60 <0,05 <0,20
6- Urubuí 4,54 331 19,80 0,63 0,47 0,19 0,33 2,18 2,04 0,01 <0,001 1,30 0,12 <0,20
7- Urubu 4,44 333 20,80 0,26 0,47 <0,01 0,13 2,06 1,92 0,02 0,005 0,70 0,12 <0,20
8- Urubu 5,50 162 6,80 0,90 0,47 0,06 0,04 1,82 1,16 0,05 <0,001 0,20 0,15 <0,20
9- Preto 5,17 231 8,70 0,25 0,57 0,06 0,04 2,06 0,04 0,02 0,001 0,80 0,10 <0,20
10- Preto da Eva 5,48 177 8,20 1,51 0,62 0,24 0,13 <0,05 1,70 0,04 0,002 2,10 0,15 1,30
11- Tarumã Açu 5,00 241 10,10 0,15 na na 0,25 2,06 0,02 <0,01 0,006 na 0,12 <0,20
12- Caru 5,36 169 8,80 0,19 0,24 0,03 0,07 <0,05 1,14 0,05 0,002 0,20 0,12 <0,20
13- Anebá 5,45 199 7,90 0,25 0,20 0,04 0,33 <0,05 1,16 0,02 0,004 0,20 0,06 <0,20
14- Treze 5,49 188 8,00 0,16 0,20 0,01 0,22 <0,05 1,58 0,02 0,005 0,10 0,12 <0,20
15- Sanabani 5,06 206 8,60 0,23 0,23 0,04 0,04 <0,05 1,58 0,01 0,004 0,20 0,10 <0,20
16- Itabani 5,30 222 7,80 0,31 0,25 0,01 0,22 1,87 1,62 0,03 0,002 0,10 0,08 <0,20
17- Itapiranga 5,80 235 9,40 0,36 0,32 0,04 0,22 3,63 1,04 0,02 0,002 0,10 0,20 <0,20
Média - 237 11,43 1,03 0,51 0,17 0,44 2,76 2,13 0,03 0,002 0,76 0,11 1,13
Água preta1 4-6,3 0,1-2,2 0,1-2,9 0,01-0,7 0,01-4,5 0,4-3,5 4,2-6,9 0,8-2,8
CONAMA 0,30 0,25 0,18
1 a 3 – Bacia do Uatumã; 5 a 8 – Bacia do Urubu; 9 a 17 – rios menores. Média calculada só com os valores acima do limite de detecção, na – não analisado, 1- média obtida
dos dados de Sioli (1957), Santos et al. (1984), Santos e Ribeiro (1988), Konhauser et al. (1994) e Gaillardet et al. (1997).
Dentre os ânions analisados o Cl foi o mais abundante, direta entre a composição química da drenagem principal e
exceto no Uatumã, Canoas, Preto da Eva, Caru, Anebá, os afluentes.
Treze e Sanabani, onde o silício predomina. O conteúdo Dentre os elementos-traço analisados (Fe, Zn, Ni, Co,
mais elevado de Cl nas bacias do Uatumã e Urubu pode ser Mn, Pb, Cu, Cr, Li, Cd, Sr e Mo), somente Fe, Zn e Ni
conseqüência de estar associado, além da água da chuva, como apresentaram teores acima do limite de detecção (Tab. 1).
normalmente ocorre nas águas da Amazônia (Gaillardet et al., O ferro é predominante sobre os demais (Tabela 1) e atinge
1997), também a minerais das rochas do Supergrupo Uatumã valor máximo de 2,10 mg/L no rio Preto da Eva e 2,40
como apatita (Ca5(PO4)3(F,Cl,OH)) que por ser instável no mg/L no igarapé Canoas. Os teores menos expressivos estão
ambiente superficial (Oliveria e Imbernon, 1988) pode liberar nos rios menores, onde varia entre 0,1 mg/L e 0,2 mg/L.
Cl que é altamente móvel. Contudo, não se pode descartar um O Ni tem pequena variação entre as drenagens, de <0,05
incipiente aporte antrôpico. O F e P têm teores bem menores mg/L a 0,20 mg/L (Fig.11), enquanto o Zn está abaixo do
que os demais ânions e não há diferenças significativas entre limite de detecção (<0,2 mg/L) na maior parte delas, exceto
as bacias (Tabela1). nos igarapés Coruja e Uatumã e no rio Preto da Eva, onde
Considerando-se os rios maiores, Uatumã e Urubu, alcança, respectivamente, 1,5 mg/L, 0,6 mg/L e 1,3 mg/L
com dois (P1 e 2) e três (P5, 6 e 9) afluentes estudados, (Tabela 1).
respectivamente, nota-se que para o primeiro há decréscimo de A condutividade elétrica (CE) é mais elevada nas drenagens
K e aumento de Ca no canal principal, enquanto no segundo do Uatumã e Urubu, com destaque para o Barreto, Urubuí e
K e Mg diminuem dos afluentes para o ponto mais a montante Urubu (P7), entre 18,2µS/cm e 20,8µS/cm (Tabela 1). Esses
do Urubu (P7), enquanto Na e Ca têm variação irregular. O valores, que são a medida indireta da quantidade de íons
Ca, Cl e SiO2 diminuem e Na se mantém constante do P7 dissolvidos presentes na água, indicam aporte de soluções
para jusante do Urubu (P8). O Preto tem menor conteúdo mais concentradas em elementos solúveis, possivelmente em
de material dissolvido que Preto da Eva no qual deságua, conseqüência das rochas ígneas por onde percolam (Fig.1).
exceto Cl (Tabela 1). Observa-se, portanto que não há relação Como SiO2, K e Na são os íons com os teores mais elevados,
Tabela 2 - Matriz de correlação entre os parâmetros analisados (F, PO43, Zn e Ni apresentaram correlação ≤ 0,5).
pH Eh CE Cl - SiO2 Na K Mg Ca Fe
pH 1,00 -0,46 1,00 -0,62 0,81 0,82 0,80 0,81 0,72 0,71
Eh 1,00 -0,47 -0,57 -0,46 -0,41 -0,45 -0,49 -0,42 -0,43
CE 1,00 0,48 0,97 0,99 0,98 0,96 0,89 0,89
Cl 1,00 -0,42 -0,46 -0,42 -0,57 -0,34 -0,30
SiO2 1,00 0,96 1,00 0,93 0,96 0,92
Na 1,00 0,97 0,95 0,88 0,88
K 1,00 0,94 0,94 0,91
Mg 1,00 0,89 0,87
Ca 1,00 0,94
Fe 1,00
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