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ADÉLIA SAMPAIO: UMA CINEASTA QUE OUSOU SER

Evelyn dos Santos Sacramento1

Resumo: Adélia Sampaio é a primeira cineasta negra brasileira, esse dado ficou durante muitos
anos escondido até que a pesquisadora de cinema negro Edileuza Penha de Souza trouxe essa
informação em sua tese intitulada Cinema na Panela de Barro: Mulheres Negras e suas narrativas de
amor, afeto e identidade, defendida em 2013, pelo Departamento de Educação da Universidade
Federal de Brasília. Adélia antes de tornar-se cineasta, atuou em várias frentes no cinema, como
produtora, produtora executiva, continuísta e maquiadora. Ela começa a produzir curtas metragens
na década de 70, abordando em sua maioria temas sociais e em 1984, ela dá um salto em sua
carreira e dirige o longa metragem Amor Maldito, filme que traz a história real de um casal de
mulheres, porém sua filmografia e seu pioneirismo foram totalmente esquecidos pelos maiores
pesquisadores do cinema brasileiro. O presente trabalho busca levantar questões e sobretudo
compreender como uma cineasta de grande importância para o cinema brasileiro teve sua
filmografia completamente apagada da história do cinema brasileiro, além disso, se isso se dá ao
fato de ela ser uma cineasta mulher que ousou “ser” e principalmente ousou nas temáticas que
trouxe para as telas, e também compreender como a invisibilidade de sua produção está diretamente
atrelado ao racismo e machismo.
Palavras-chave: Adélia Sampaio. Cinema. Invisibilização.

O cinema é branco, elitista e “macho”. Segundo o “Boletim Raça e Gênero no Cinema


Brasileiro”, realizado pelo GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ações Afirmativas)
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, existem intensas desigualdades de gênero e raça nas
áreas de direção, roteiro e atuação dos filmes superiores a 500 mil espectadores entre os anos 1970 -
2016. O boletim aponta que na direção, 2% dos filmes foram dirigidos por mulheres brancas,
seguido de 13% de homens sem identificação sobre raça e 85% da produção cinematográfica foi
dirigida por homens brancos, eles estão atrás das câmeras, são os roteiristas e protagonistas de suas
próprias histórias. O estudo revela uma verdade inconveniente, nas últimas quase cinco décadas as
mulheres negras não foram diretoras de nenhum longa-metragem de grande circulação, acumulando
longos anos de invisibilidade. Reiterando assim, a frase que abre este artigo.
O objetivo do boletim é revelar o progresso da diversidade do cinema dentro dos diferentes
governos que estiveram a frente do país, a partir do recorte de gênero e raça, entendendo que a
indústria cinematográfica nacional está diretamente ligada a incentivos públicos, como por

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Mestranda do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos (POSAFRO-UFBA)
Salvador, Bahia, Brasil.

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exemplo, a Lei Rouanet2. O estudo revela também que embora a década de 2000, tenha grandes
investimentos a área da cultura como o Plano Nacional de Cultura que prevê o “planejamento e
implementação de políticas públicas de longo prazo (até 2020) voltadas à proteção e promoção da
diversidade cultural brasileira” e, mais especificamente o Curta Afirmativo, edital direcionado
para cineastas negras e negros lançado pelo Ministério da Cultura, nos anos 2012 e 2014, esses
incentivos ainda foram insuficientes para alterar o quadro das representações, homens e
principalmente mulheres negras ainda estão a margem deste processo.
Deste modo, surge uma indagação, quem foi a primeira realizadora negra brasileira? Essa
pergunta nunca foi respondida pelos cursos de cinema e talvez sequer foi perguntada, mas ela
existe, Adélia Sampaio existe e ela ousou ser, ela fez história no cinema nacional. As mídias
audiovisuais, funcionam como espaços determinantes para a construção da identidade de uma
sociedade, mostram como esta sociedade quer ser vista, e no caso do Brasil em que a maioria da
população se autodeclara preta ou parda, esses dados se revelam como um colapso: homens e
principalmente mulheres negras continuam a serem marginalizados e seus feitos invisibilizados a
partir das mídias.
Essa invisibilização também se repete no contexto do cinema africano, a cineasta Safi Faye
teve um reconhecimento tardio como primeira realizadora africana, seu nome foi apagado da
história do cinema mundial, pouquíssimos são os registros da época que citam sua obra. Mais uma
vez no Brasil, a história se repete, Ruth de Souza foi a primeira atriz negra brasileira a atuar no
teatro, cinema e televisão, e apesar deste feito, não tem merecido reconhecimento pelo trabalho que
desenvolveu.
É notório que o pioneirismo destas mulheres foi apagado da história, estando diretamente
associado a questões de gênero dentro do contexto senegalês, como no caso de Safi Faye, ou a
somativa da raça e gênero como é o caso de Ruth de Souza e Adélia Sampaio.
Para além da invisibilização há uma presença marginalizada, e isso está diretamente atrelado
ao racismo, que reserva às mulheres negras características animalescas, incapazes, sexualizadas e
fetichizantes, essas características estão presentes no imaginário e se estende não apenas para
personagens carregados de estereótipos negativos, como também para a descrença de que essas
mulheres possam ser autoras de suas próprias narrativas fílmicas, não compreendendo suas as
humanidades, nem subjetividades enquanto indivíduos.

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A Lei Rouanet estabelece as normativas de como o Governo Federal deve disponibilizar recursos para a realização de
projetos artístico-culturais.

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Adélia Sampaio – pioneirismo e invisibilidade

Adélia Sampaio é considerada a primeira mulher negra a realizar um longa-metragem, é


também, pioneira dentre as cineastas brasileiras e realizadora do primeiro filme que aborada o
lesbianismo no cinema brasileiro. Seu primeiro longa foi realizado nos anos 80, década de crise
para o cinema nacional, antes do Cinema da Retomada período considerado de grande efervescência
no surgimento de mulheres cineastas, porém, há uma lacuna, seu nome foi esquecido pela história.
A trajetória de Adélia segue o mesmo caminho de outros negros e pobres do território
brasileiro. Nasceu em Minas Gerais em 1944, filha de empregada doméstica e pai desconhecido,
aos 12 anos de idade mudou-se com sua mãe e a irmã Eliana Cobbet, para o Rio de Janeiro, onde se
casou e teve dois filhos.
Sua carreira no cinema iniciou em 1969, quando é levada por sua irmã para a Difilm,
empresa brasileira distribuidora de filmes, criada por cineastas ligados ao Cinema Novo, exercendo
a função de telefonista e na programação de um cineclube. Ela conta em entrevista os motivos que a
levaram a ingressar na distribuidora,

Fui ser telefonista da Difilm porque eu, um dia, queria dirigir um filme. Fui para a Difilm
porque achei que ali poderia estar próxima de alguma coisa que eu queria muito, na medida
em que tinha absoluta certeza que jamais eu conseguiria ingressar numa faculdade, por uma
questão econômica. Depois, porque eu teria que fazer o 2º grau para fazer um vestibular e
jamais teria condição de pagar uma faculdade. Então, eu achei que ali eu poderia, pelo
menos, descobrir, pegar e sentir o que era uma película. Sempre fui fascinada por cinema,
assistia as Chanchadas, tudo quanto era tipo de filme e colecionava coisas de cinema.
(Filme Cultura, 1988)

Aqui podemos perceber sobre a consciência de seu lugar de mulher, negra e pobre, e os
desafios que essa condição impõe, sobre a falta de oportunidade e a necessidade de se esforçar
triplamente para alcançar um mínimo status, entendendo que as oportunidades não se dão da mesma
forma e intensidade, comparado a homens e mulheres brancas.
Em 1971, após sair da Difilm ela passa a trabalhar principalmente como diretora de
produção de grandes filmes, sendo eles, O segredo da rosa (1974), dirigido por Vanja Orico; A
Cartomante (1974), de Marcos Farias; O Monstro de Santa Teresa (1975), de William Cobbet; O
Seminarista (1976), de Geraldo Santos Pereira; Ele, ela quem? (1977), de Lulu de Barros; O
coronel e o Lobisomen (1978) de Alcino Diniz; Parceiros da Aventura (1979), de Jose Medeiros; e
o Grande Palhaço 1980, de William Cobbet.

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Além destes filmes trabalhou em cerca de 70 produções atuando como produtora, produtora
executiva, continuísta, maquiadora, câmera e montadora, até chegar a direção, quando ela abre uma
pequena produtora para fazer seu primeiro curta-metragem chamado Denúncia Vazia (1979), depois
filmou, Agora um Deus dança em mim! (1981), Adulto não brinca (1979) e, Na poeira das ruas
(1982). Em entrevista concedida a Renata Martins e Juliana Vasconcelos (2016), ela conta a história
destes filmes,
O primeiro foi “Denúncia Vazia”, baseado num fato verídico sobre um casal de velhinhos
que sem condições de pagar o aluguel, fazem um pacto e cometem suicídio. Não foi para
nenhum festival, os tempos eram outros, e protestar com imagem era difícil. O segundo
curta foi “Agora um Deus dança em mim! ”, e conta a história de uma jovem que estuda
balé clássico e descobre que não existe mercado de dança no Brasil. Ele participou de um
festival e ganhou o prêmio. O terceiro, “Adulto não brinca” mostra a intolerância do adulto
para com a criança. Rodei os três com a mesma equipe, com a ajuda de Eduardo Leon,
professor da USP na montagem. Todos foram rodados da periferia de Duque de Caxias, no
Rio de Janeiro. Por último, filmei “Na Poeira das Ruas”, sobre pessoas que moram na rua,
no centro da cidade, seus trajes, sua alegria, sua comida e móveis em baixo do viaduto.

Infelizmente são poucas e insuficientes as informações sobre esses filmes na internet. Nessa
mesma entrevista, ao ser indagada sobre a necessidade e a demanda das representações da produção
de homens e mulheres negras no cinema, ela conta, mais uma vez, sobre a dificuldade de ser negra e
cineasta e revela não saber o paradeiro destes filmes, “como preta e pobre é assim. Como o fato de
não ter os negativos dos curtas que foram armazenados no MAM (Museu de Arte Moderna) e
sumiram” (Gonçalves e Martins 2016), isso revela sobre o descaso direcionado a obra e a história
desta cineasta.
Entendendo as precariedades encontradas no campo da conservação de obras no cinema
nacional, onde não há editais destinados a restauração com periodicidade, e quando há, respeita-se
uma hierarquia que contempla primordialmente os grandes nomes do cinema nacional formada
neste caso, por homens e brancos, a fala de Adélia revela que, o trabalho da primeira cineasta negra
brasileira não é visto da mesma importancia.
Em 1984, ela dá um salto em sua carreira e realiza entre dificuldades e da colaboração de
amigos e parceiros, o “polêmico” longa metragem Amor Maldito, um roteiro de José Loureiro. O
filme é baseado em uma crônica jornalística real que ocorreu no bairro Jacarepaguá, no Rio de
Janeiro, foi estrelado pelas atrizes Monique Lafond (1954), interpretando a executiva Fernanda
Maia e por Wilma Dias (1954-1991), interpretando a ex-miss Suely Oliveira.
Amor maldito, gira em torno do julgamento de Fernanda acusada injustamente pelo
assassinato de sua companheira Suely, que na verdade, cometeu suicídio ao descobrir que estava
grávida de um homem mulherengo e casado. O filme se passa no tribunal, intercalando com cenas

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do relacionamento das mulheres, festas e da liberdade e amor vivido pelas duas, momentos
carregados de poesia, como se fossem lembranças vividas por Fernanda. O que pesa durante todo
julgamento são os valores machistas e lesbofóbicos, em todo momento Fernanda é acusada de fazer
orgias e desvirtuar Sueli dos caminhos morais trilhados por seu pai um evangélico moralista e
fanático. O filme termina com uma cena emblemática, Fernanda anda pelo cemitério, levando
flores, enquanto ela caminha ouvimos ao fundo em voz off3, a sentença absolvendo-a da acusação de
assassinato, por fim, ela escreve sob a lápide onde Suely está enterrada a frase, “só eu te amei”.
Adélia inova em sua narrativa ao trazer para as telas um romance lésbico, ela traz o olhar
feminino sobre a lesbianidade, suas subjetividades e nuances, principalmente por ser um período em
que questões como estas, eram pouco ou nada abordadas pela mídia e principlamente, pela
perspectiva feminina, através de uma narrativa que não fosse erotizante ou animalesca, isso,
levando em consideração que ainda hoje é um grande tabu para a mídia.

Apesar de Adélia ter recebido 3 financiamentos para produzir longas-metragens pela


Embrafilme, após o sucesso de seus curtas (lançou curtas exibidos na época com filmes
como “E.T.” de Steven Spielberg, “Nosferatu” de Werner Herzog, pois a lei do curta-
metragem era embasada pelo percentual do filme estrangeiro que seria exibido junto com o
curta), a Embrafilme reduziu o orçamento até chegar ao ponto de vetar por completo o
filme alegando que jamais poderia produzir panfletagem à homossexualidade. Foi alegado
que pessoas estariam “pregando esta doença” (referindo-se ao relacionamento entre pessoas
do mesmo sexo). (BRASIL, SAMANTHA. 2016)

Com o veto da Embrafilme que classificou o filme como “imoral”, o longa-metragem foi
produzido em esquema corporativo, através do apoio da equipe de filmagem e atores que
concordaram trabalhar em troca de ajuda de custo, Adélia conta em entrevista, como fez para fazer
o filme circular e conseguir o retorno desejado, “terminamos o filme e na hora da exibição nenhum
dono de cinema queria o filme. Até que o dono do Cine Paulista me propõe transvestir a
divulgação da porta como se fosse um filme pornô. Pensei, discuti com a galera e topamos. Deu
certo!” (Gonçalves e Martins 2016).
Ainda na década de 80, Adélia Sampaio dirige o documentário Fugindo do passado: um
drink para tetéia e história banal (1987), e em 2004, co-dirige, com Paulo Markum o filme AI-5 –
O Dia que não existiu, que foi produzido para a televisão, ambos tendo como tema a ditadura
militar brasileira.
É importante destacar que a visibilização de Adélia foi possível a partir, do trabalho de
outras mulheres negras, primeiro através da pesquisadora de cinema negro Edileuza Penha de Souza

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Voz exterior a cena, que comenta ou narra os acontecimentos.

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que trouxe em sua tese intitulada Cinema na Panela de Barro: Mulheres Negras e suas narrativas
de amor, afeto e identidade, defendida em 2013, pelo Departamento de Educação da Universidade
Federal de Brasília, a informação de que Adélia é a primeira cineasta negra brasileira.
E mais recentemente, através do artigo publicado no site Blogueiras Negras “O racismo
apaga a gente reescreve: Conheça a diretora negra que fez história no cinema nacional”, escrito
por Renata Martins e Juliana Gonçalves, a trajetória de Adélia Sampaio alcançou repercussão
nacional. A partir disso, várias homenagens seguiram, como a I Mostra Competitiva de Cinema
Negro Adélia Sampaio, exibição do filme Amor Maldito (1984) em diversos festivais, como VII
Cachoeira Doc, 16º Goiânia Mostra Curtas, Mostra Diretoras Negras do Cinema Brasileiro, entre
outras entrevistas e participação em eventos em várias cidades do país.
Deste modo, pode-se perceber que o trabalho da pesquisadora Edileuza Penha de Souza foi
fundamental para o tardio reconhecimento do pioneirismo de Adélia Sampaio. É importante apontar
que a visibilização partiu dos esforços de uma pesquisadora negras, e de outras mulheres também
negras que se seguiram, partindo do princípio que as pesquisas que abordam o trabalho das
mulheres brancas e principalmente dos homens brancos são amplamente divulgadas, pesquisadas e
referenciadas.
Fazendo uma breve pesquisa em sites relevantes sobre o cinema brasileiro, tanto aqueles
direcionados a pesquisa como a Revista Rebeca, ou aqueles voltados à cinéfila, como os sites Filme
B e Críticos, não existem artigos que abordam o trabalho da cineasta Adélia Sampaio, e poucos são
os textos sobre cineastas negras nacionais e internacionais, num artigo intitulado “mulheres que
fazem o cinema brasileiro acontecer”, não há em sua lista a presença de cineastas ou atrizes negras,
considerando que “mulher” refere-se a totalidade de mulheres só que brancas, Bell Hooks
observando sobre as conexões entre racismo e feminismo avalia sobre essa questão,

A força que permite as autoras feministas brancas não fazerem nenhuma referência racial
nos seus livros sobre “mulheres” que são na realidade sobre mulheres brancas é a mesma
força que irá forçar qualquer autor que escreva sobre mulheres negras referir-se
explicitamente à sua identidade racial. Essa força é o racismo. Numa nação racialmente
imperialista como a nossa, é a raça dominante que reserva para si mesmo o luxo de destituir
a identidade racial, enquanto a raça oprimida é diariamente ciente da sua identidade racial.
É a raça dominante que consegue fazer parecer que a sua existência é a representativa.
(HOOKS, 1981)

Os motivos que fundamentam essa invisibilização estão pautados no racismo, a história da


mulher negra é atravessada pela associação do racismo e sexismo, elas são vitimizadas por essas
duas estruturas supra dominantes que além de promover o silenciamento, a marginaliza e categoriza

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em estereótipos negativos. Como pontua Edileuza Penha de Souza, “compreender a invisibilidade
acerca das mulheres negras no cinema, sem que para isso essa representação esteja condicionada
aos estereótipos, consiste antes de tudo pensar as múltiplas funções do imaginário na vida social”.
O trabalho de recontar e levar a diante essas histórias é fundamental para propor
transformações no quadro das representações das mulheres na história do cinema nacional, isso
revela dois aspectos, o primeiro tem a ver sobre a necessidade propor pesquisas que façam a
intersecção entre raça e gênero, e o segundo diz respeito ao posicionamento político, que busca na
pesquisa acadêmica a necessidade de valorização de uma história que precisa ser amplamente
contada.

Mulheres Negras – invisibilização e reconquista

Para compreender esse processo de invisibilização das mulheres negras, é necessário se ater
ao fato que existe uma abordagem anterior, sobre como desde o passado escravocrata as mulheres
negras são associadas a características negativas, um campo aberto para as práticas racistas e
sexistas, como observa Bell Hooks, “as atitudes negativas em relação às mulheres negras foram
resultado da prevalência de estereótipos racistas-sexistas que retratavam as mulheres negras como
moralmente impuras” (1981).
E voluntariamente essas atitudes negativas foram levadas para o campo artístico, se
intensificando nas mídias audiovisuais, como telenovela, cinema e propagandas publicitárias, que
exercem a função não apenas de repositório dessas práticas como também propagador, criando
deste modo, um processo cíclico de representação negativa.
No cinema, as mulheres negras estão fadadas a viverem personagens estereotipados e
marginalizados, como se suas subjetividades e humanidades não existissem, em contraponto a isso,
a representação das mulheres brancas está relacionada a ingenuidade, delicadeza, com famílias
constituídas, empregos imponentes, entre outros privilégios, a pesquisadora Conceição Ferreira
(2016), aborda em sua tese que,
Portanto, pode-se considerar que o regime escravista, colonial e patriarcal que ainda
estrutura o imaginário cultural brasileiro incide não apenas nos sistemas de representação,
mas também nos nossos modos de ver, como pôde ser constatado tanto na não percepção de
outras configurações de sentidos exploradas no filme quanto na dificuldade de vislumbrar,
de imaginar as mulheres negras além dos estereótipos, em suas contradições,
subjetividades, formas de re(existência) e, principalmente, em sua capacidade de
cotidianamente reconstruir sua humanidade, negada pela violência do racismo, do sexismo,
da pobreza e da invisibilidade).

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O padrão branco é o padrão de referência no audiovisual brasileiro, isso vem da construção
da identidade racial brasileira que privilegiou a estética branca, a miscigenação racial é uma
tentativa da elite brasileira “por fim” nessa diferença racial entre brancos e negros, o que
obviamente não ocorreu. Sendo o Brasil um país com 50% da população se declara preta ou parda,
e a maioria formada por mulheres negras, isso se configura como uma incongruência.
Deste modo, a “europeização” funciona como um desejo da elite branca que se repete ao
longo dos anos, e a manutenção dos privilégios se torna uma meta, como pontua a pesquisadora
Maria Aparecida Silva Bento (2002),

No entanto, no contexto das relações raciais eles revelam uma faceta mais complexa porque
visam justificar, legitimar a ideia de superioridade de um grupo sobre o outro e,
consequentemente, as desigualdades, a apropriação indébita de bens concretos e simbólicos,
e a manutenção de privilégios.

Dessa forma, o cinema enquanto espaço de reprodução da sociedade, sempre esteve a


serviço do racismo e contribuiu para uma representação subalternizada das mulheres negras,

(...) os estereótipos presentes em nosso cotidiano em relação ao negro, são justamente a


materialização da forma discriminatória e racista que identificamos o Outro, isto é, são
reflexos de nossa rejeição da alteridade. Os estereótipos negam a relevância que a
diferença, a heterogeneidade e a alteridade possuem no processo de construção da
identidade, pois subjacente a esse conceito, está a pressuposição de sujeitos constituídos por
identidades puras, limitado a um conjunto irredutível de características (MUNIZ,
KASSANDRA. 2010).

E isso se estende também a exclusão dos cargos de comando do audiovisual. Adélia ao olhar
para as dificuldades encontradas em sua trajetória observa que o, “cinema é, sem dúvida, uma arte
elitista, aí chega uma preta, filha de empregada doméstica e diz que vai chegar à direção, claro
que foi difícil! ” (Gonçalves e Martins 2016). Adélia Sampaio perturba a ordem dominante ao ousar
ser cineasta, perturba mais ainda quando tornar-se pioneira.
Considerando que o cinema é um instrumento de dominação, ocupar esses espaços é uma
importante ferramenta, é uma possibilidade de desconstruir o olhar que sempre esteve ligado a
esferas dominantes de representação, é construir novos olhares sobre o mundo, se autorrepresentar e
inscrever-se em suas narrativas, propondo inovações estéticas subjetivas e possibilitando revelar
humanidades, deste modo, ocupar estes espaços de dominação é uma resposta ambivalente a todo o
histórico racista, e uma esperança de superação.

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Referências

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Maria Aparecida Silva Bento (Organizadoras) Petrópolis, RJ:Vozes, 2002, p. (25-58)
Boletim GEMAA 1: Perfil do Cinema Brasileiro. (1995-2016).
<http://gemaa.iesp.uerj.br/boletins/boletim-gemaa-perfil-do-cinema-brasileiro-1995 2016/>. Acesso
em: 10 de Maio de 2017.
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<http://gemaa.iesp.uerj.br/boletins/boletim-gemaa-2-raca-e-genero-no-cinema-brasileiro-1970-
2016/>. Acesso em: 28 jun. 2017.
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https://www.buzzfeed.com/irangiusti/20-mulheres-que-fazem-o-cinema-brasileiro
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HOOKS. Bell. Não sou eu uma mulher. Mulheres negras e feminismo. 1ª edição. 1981
Trad.Plataforma Gueto 2014 pag. 94

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http://revistatrip.uol.com.br/tpm/adelia-sampaio-a-primeira-mulher-negra-a-dirigir-um-longa-
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<https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/06/27/Um-retrato-da-diversidade-no-cinema-
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MINHA Escola foi a Difilm: Entrevista com Adélia Sampaio. In: Revista Filme Cultura. 1 ed.
Brasília: CTAv/SAv/MinC, 2010. p. 89-93. Autor desconhecido.
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e Negritude. IN: FREITAS, Alice Cunha (Org.). Linguagem e Exclusão. Uberlândia: EDUFU,
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<http://revistageni.org/08/amor-maldito/>. Acesso em: 10 Mai 2017.

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e identidade. 2013. 204 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade
de Brasília, Brasília, DF, 2013.

AdéliaSampaio: A Filmmaker who dared to be

Astract: AdéliaSampaio is a first black Brazilian filmmaker, this fact was hidden for many years
until the black film researcher Edileuza Penha de Souza brought this information in her thesis titled
Cinema in Panela de Barro: Black Women and their narratives of love, affection and identity,
Defended in 2013, by the Department of Education of the Federal University of Brasília. Adélia
before becoming a filmmaker, worked on several fronts without cinema, as a producer, executive
producer, continuous, makeup artist, she began producing short films in the 1970s, addressing
mostly social issues and in 1984, she takes a leap In his career and in the direction of his mission,
Maldito, a film that brings a true story of a couple of women, his own filmography and his
pioneering spirit were totally forgotten by the greatest researchers of Brazilian cinema. The present
work seeks to raise issues and above all how a filmmaker of great importance for Brazilian cinema
had her filmography completely erased from the history of Brazilian cinema, moreover, if it gives
the fact that she is a female filmmaker who dared to be "E" Mainly the things that are like screens,
and also as an invisibility of its production is directed to racism and machismo.
Keywords: AdéliaSampaio. Movie theater. Invisibilization.

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