Resumo
Introdução
não usufrui do pleno acesso à Justiça, o que é uma contradição dentro de uma
lógica de legislações e políticas protetivas voltadas para os “vulnerabilizados”.
Dentre tais grupos, destaca-se o das pessoas em estado de sofrimento mental.
Lidar com o tema da saúde mental implica a compreensão das sin-
gularidades das pessoas em estado de sofrimento mental na discussão sobre
o acesso a direitos fundamentais1, o que pode envolver grande dose de so-
frimento e opressão. Portanto, é necessária a elaboração de uma práxis que
permita uma ampla compreensão do problema e a adoção de uma postura
crítica ante a realidade.
Com a preocupação de realizar uma pesquisa pautada numa pers-
pectiva dialógica, concebendo todos os sujeitos como construtores de sua
própria formação, o projeto de extensão “Cidadania e direitos humanos: edu-
cação jurídica popular no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira” tem por
objetivo a construção de um espaço em que todos os participantes estejam
reunidos horizontalmente2, sejam eles usuários do referido complexo, seus
familiares, profissionais ali atuantes, estudantes ou professores.
A educação popular, teorizada por Paulo Freire (1979, 1989, 1987),
há muito utilizada por movimentos sociais em sua prática cotidiana como
meio de emancipação dos sujeitos, de libertação da cultura da dominação,
concebendo-os como seres políticos, desponta como proposta pedagógica e
metodológica adotada no desenvolvimento das atividades desse projeto.
Destaque-se que a educação jurídica popular visa promover maior
participação dos sujeitos na busca da satisfação de suas necessidades. Ao se
familiarizarem as pessoas com seus direitos, aumenta-se a eficácia social do
Direito, pois criam-se atalhos para a realização deles. O receio frente ao for-
malismo é desconstruído, e o cidadão passa a perceber o Direito “de igual
para igual” (SOUSA JÚNIOR, 2008; RIBAS, 2008). Trata-se de um processo
de conhecimento e intervenção que pressupõe a participação dos sujeitos
e enfatiza a comunicação intersubjetiva (DEMO, 1984). Nas atividades do
projeto, são utilizadas metodologias participativas, e todo saber é construído,
1
Direitos fundamentais são os direitos de qualquer pessoa, independentemente de raça, sexo, idade, religião,
opinião política, origem nacional ou social, como o direito à vida, à integridade física, à liberdade, à parti-
cipação política, à informação, à educação, à saúde, ao trabalho, à assistência social, à previdência social, ao
lazer, dentre outros.
2
A contribuição do princípio da horizontalidade na metodologia da Educação Popular, teorizada por Paulo
Freire, diz respeito à necessidade de que, na relação de construção coletiva do conhecimento, exista uma
relação não hierárquica e não opressora com intuito de valorizar a dialogicidade, bem como a participação
autônoma de cada indivíduo no processo educativo.
Acesso à Justiça
[...] é um direito cuja denegação acarretaria a de todos os demais. Uma vez destituído
de mecanismos que fizessem impor o seu respeito, os novos direitos sociais e econô-
micos passariam a meras declarações políticas, de conteúdo e função mistificadores.
aos direitos sociais, teve que conviver com a precariedade das poucas políticas
públicas realizadas à época, como era o caso do direito à saúde8.
A chamada década perdida é palco, portanto, para o II Congresso
Nacional do MTSM, que adotou o lema “Por uma sociedade sem manicômios”.
Ressalte-se que, nessa mesma ocasião, foi realizada a I Conferência Nacional
de Saúde Mental, dando início ao Movimento da Luta Antimanicomial bra-
sileira, o qual visava combater o isolamento como tratamento à pessoa em
sofrimento mental.
O advento da CF/88 e os debates por ela provocados em prol da
construção de um país democrático contribuíram para a edição de normas
direcionadas a uma nova política de saúde mental, visto que, desde 1934,
a assistência às pessoas em estado de sofrimento mental era regulada pelo
Decreto-lei 24.559, que trazia em seu conteúdo o modelo hospitalocêntrico,
no qual a internação era a regra; e os meios de tratamento extra-hospitalares,
exceções. O Movimento da Luta Antimanicomial buscava uma substituição
progressiva das instituições tradicionais por serviços abertos, territoriais, de
tratamento e formas de atenção dignas e diversificadas em função das dife-
rentes formas e momentos em que o sofrimento mental surge e se mani-
festa. Essa substituição resulta na implantação de uma vasta rede de atenção
à saúde mental que deve ser aberta e disposta para oferecer atendimento à
população, abrangendo todas as faixas etárias e promovendo apoio às famí-
lias, priorizando a autonomia dos usuários dos serviços de saúde mental e
a desinstitucionalização.
Fruto dessa luta, após doze anos de tramitação no Congresso Nacional,
nasce a Lei nº 10.216/2001, intitulada Lei da Reforma Psiquiátrica, que, além
de regulamentar os direitos das pessoas em sofrimento mental e garantir a
extinção progressiva dos manicômios, é considerada como o marco legal de
um processo social e político que reorientou a atenção à saúde mental no país,
reafirmando a cidadania das pessoas em sofrimento mental (DELGADO,
2010).
Destaque-se que, de acordo com essa lei, a internação, em rigor, é
excepcionalmente admitida para os momentos de grave crise, quando os re-
cursos extra-hospitalares se revelarem insuficientes, funcionando, portanto,
8
No período referido, o direito à saúde não era garantido a todas as pessoas, ou seja, de forma universal, e,
no campo da saúde mental, o que predominava era uma assistência médica centrada no hospital psiquiátrico,
com o tratamento baseado apenas em longas internações, o que ensejou a chamada “indústria da loucura”.
2011, p. 38-39). As variáveis que compõem este último indicador são: livre
acesso às áreas comuns; acesso ao uso de telefone; permissão para visita di-
ária, acesso a espelho, a calendário e a relógio; utilização de doses individua-
lizadas de medicamentos e educação permanente dirigida aos profissionais
de saúde. Portanto, observa-se que tais variáveis não contemplam o acesso a
diversos direitos elencados em instrumentos jurídicos como a Constituição
Federal, a Lei nº 8.080/1990 e a Lei nº 10.216/2001.
Tendo em vista que o CPJM se configura como uma instituição asilar,
com pouco contato com o mundo exterior, e como um local ainda regido
pela lógica da instituição total (GOFFMAN, 2003), as violações de direitos
que são ali cometidas contra as pessoas internadas não têm repercussão social
ou jurídica, ficando limitadas aos muros do hospital. Esse quadro se agrava
quando não se identificam mecanismos internos para resolução dos casos de
violações ou quando as instituições que já existem com essa finalidade não se
comunicam com o CPJM ou não se propicia o contato das pessoas ali inter-
nadas com tais órgãos.
Portanto, observou-se que o acesso à Justiça no Complexo Psiquiátrico
Juliano Moreira é bastante limitado, tendo em vista que ele apenas ocorre
pelo mínimo conhecimento das pessoas sobre seus direitos, porém, sem o
devido acesso aos mecanismos de garantia de direitos.
Considerações finais
Abstract: The access to justice becomes a human right that is not limited
only in its strictest sense that is the mere access to the Courts. The effectua-
tion of this right presupposes, therefore, the knowledge of others rights and
the mechanisms that will ensure them. The Reference Center for Human
Rights at the Universidade Federal of Paraiba has been developing an ex-
tension project: “Citizenship and human rights: popular legal education in
Juliano Moreira Psychiatric Complex”. This project has realized an action
research, involving the hospitalized people in the psychiatric complex and
the complex’s professionals, with the aim of searching the right of access to
justice observing whether (and how) this human right is accomplished in the
reality of the people who are hospitalized. Anyhow, we can conclude that ac-
cess to justice in the Psychiatric Complex is really limited, considering that it
just occurs through the minimal knowledge of the people about their rights,
nevertheless, without the guarantee access to mechanisms for ensuring rights
that exist outside of the Institution, as well as the absence of internal mecha-
nisms of the hospital.
Keywords: Human rights. Access to Justice. Action research. People with
mental illness. Juliano Moreira Psychiatric Complex.
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde mental em dados - 10, a. VII, n. 10, mar.
2012. Informativo eletrônico de dados sobre a política nacional de saúde. Brasília, 2012.
FOUCAULT, M. A casa dos loucos. In: –––––. Microfísica do poder. 19. ed. São
Paulo: Graal, 2004.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 19. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1989.
FREIRE, P. Educação e mudança. 12. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1979.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
Recebido em 22/10/2012
Aprovado em 22/01/2013