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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÍDIA E COTIDIANO

Mídia e Cidade: territórios sensíveis e linguagens fílmicas no cotidiano


Resumo

O presente trabalho se origina no desenvolvimento de pesquisa de campo (em fase exploratória)


sobre iniciativas de cinema na cidade. Na perspectiva de pensar a experiência sensível com o
cinema em sua capacidade de ocupar e ressignificar espaços coletivos do cotidiano, foi criado um
corpus que envolve o cinema em hospitais, praças, cineclubes como ação política, que tem a
intenção de refletir sobre a realidade e transformar em alguma medida os espaços do "comum".

Palavras-chave:Cinema.Cidade.Cotidiano.Territórios Sensíveis.Comunicação.
Introdução

A proposta desta pesquisa é analisar a relação entre a cidade e os espaços de cinema


conectando-os através da linguagem fílmica e tornando-os territórios sensíveis da cultura e da
comunicação, que possam gerar um fluxo de experiências e afetos. Entre os espaços permeados de
imaginários e territorialidades (cidades), os lócus de fruição estética e compartilhamento de
experiências constituem aquilo que Andréa França (2006) caracteriza como “territórios sensíveis”,
isto é: ambientes de compartilhamento simbólico, onde as experiências realizadas são da ordem do
imaginário e do afetivo, promovendo vinculações entre os sujeitos. Portanto, fazem parte de uma
pluralidade que se propõe a refletir sobre a potência de vinculação social de espaços cotidianos
quando reapropriados por exibição de filmes e debates sobre questões do cotidiano. Ou seja, tais
espaços se constituem como lugares de encontro, “de comunhão com o mundo”, nas palavras de
Milton Santos (2006, p. 313).
O corpus de observação é um novo percurso iniciado numa pesquisa que constituiu a
dissertação de mestrado intitulada: Cinema e Educação: entre o eu estético e o nós político. Em
função das instigantes descobertas obtidas nessa caminhada, o foco se concentrará em um novo
horizonte aqui abordado, que merece ser desdobrado em profundidade. Dessa forma serão
investigadas as práticas cinematográficas como lugares simbólicos, na medida em que possam gerar
vinculações sociais a partir do sentimento coletivo e da linguagem fílmica como experiência
transformadora do social. Em sintonia com estes aspectos, é preciso olhar para a arte sob o aspecto
relacional, partilhado. Utiliza-se dos pressupostos de Jacques Rancière (2005) na partilha do
sensível e de Nicolas Bourriard, sobre a arte como lugar de produção de sociabilidade e "esfera das
relações humanas” (BOURRIARD, 2009, p.19). A linguagem da arte então, "por ser da mesma
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matéria de que são feitos os contatos sociais, ocupa um lugar singular na produção coletiva”.
Corrobora a percepção de Bourriard, a ideia de partilha do sensível, como “a relação entre um
conjunto comum partilhado" (RANCIÈRE, 2005, p.7).
Para efeito do presente artigo, serão utilizados como objeto as vivências no Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ) na enfermaria geriátrica e nos coletivos de arte
Projetação e CicloCine. O corpus se constitui em sua diversidade (onde se sugere existir sua
potência investigativa) no percurso que se trilha na presente fase de pesquisa: expandir a ideia de
espaço público para espaço “em comum”, esteja ele internamente localizado, como no caso do
cineclube e sessões de cinema no hospital, ou como imagem que atravessa as ruas e praças da
cidade, caso das experiências dos coletivos de arte.
A questão central é: Como se estabelecem as sociabilidades entre os indivíduos e grupos nos
espaços atravessados pelas linguagens fílmicas? Tal questão nos remete a outra. A saber: quais
experiências e fluxos comunicacionais são produzidos através das linguagens e como tais processos
ocorrem? Seria a linguagem capaz de promover a reflexão e o debate sobre o cotidiano, em medida
de sensibilizar e mobilizar?
Como percurso metodológico optou-se pela trajetória cartográfica corroborada pelos
pressupostos de Martin-Barbero (2004) sobre a cartografia como mapa construído entre o
pesquisador e o pesquisado, onde as "mãos veem ao mesmo tempo em que tocam” (SARAMAGO
apud BARBERO, 2004, p.34) e que, sugere-se, dialogam com a ideia de territórios sensíveis
relacionados ao cinema. Não é por acaso que Andréa França observa ser a territorialidade um
recorte simbólico necessário para "inventar novas terras, novas nações, novas comunidades, onde
elas nem sequer existem. Essas terras não são geográficas, são territórios afetivos, sensíveis, novos
mapas de pertencimento” (MARTINS, 2006, p.399). Assim, mapear a potência de sociabilidade e
vinculações entre espaços e sujeitos é propor a redefinição de fronteiras simbólicas e fluxos
comunicacionais que podem atravessar a cidade, paisagem que se constitui no social.
A hipótese que norteia esta pesquisa é as experiências teriam a potência de engendrar
vinculações entre os sujeitos participantes. A vinculação aqui seria não somente uma relação, mas –
como pensa Muniz Sodré (2010) - uma condição originária do ser, que é na medida em que partilha
um lugar em comum, que não tem a limitação espacial, mas seria construído de afetos. Dessa
maneira, poderiam ser criadas pontes entre os sujeitos e as cidades e produzidas reflexões para além
das instituições sociais?São algumas questões que se busca responder.
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Cinema entre o sujeito e a cidade

Em sua obra Elogio à razão sensível, Michel Maffesoli (1998) propõe o diálogo entre a
razão instrumental, científica e a razão sensível, considerada pelo autor a experiência que representa
a contemporaneidade. Assim, estabelece a importância dos afetos e das emoções na observação dos
fenômenos sociais, não somente porque que são da ordem do sensível, mas, principalmente, porque
são potencializados no compartilhamento de experiências pelos sujeitos. Em cada esfera do
cotidiano, portanto, seria possível observar o predomínio da estética, em acordo com sua etimologia
de ser a ação ou o sujeito que tem a faculdade de sentir ou de compreender (MAFFESOLI,1998).
Em igual medida, também Bourriard (2009) observara, no cerne da obra de arte, que a
percepção será construída a partir do que o autor denomina estética relacional, pois é sempre no
olhar do outro e em sua vivência que se constitui o domínio do sensível enquanto forma e
experiência. Ora, não seria por acaso que o autor compreendera a cidade como o lócus da
proximidade, constituída menos no que tem de material quanto no que abriga de simbólico e, por
conseguinte, relacional. Logo, se os lugares são da ordem do sensível, nas experiências estéticas por
excelência, caso do cinema, observa-se a concepção de um território em comum, feito de narrativas
e afetos, passíveis de gerar reflexões do sujeito posto em relação consigo mesmo e com o outro,
durante uma experiência em um espaço e tempo compartilhados. Diante de tal pressuposto teórico,
compreende-se, em consonância com Andréa França (2006) que, dentre todas as linguagens, o
cinema, particularmente, pelo fato de convocar corpo e alma à imersão, pressupõe a emergência de
territórios sensíveis, que coube ao presente artigo investigar.
Inicialmente cabe investigar as imbricações resultantes entre espaço x tempo diante do
corpus observado, a saber, espaços de cinema supracitados. Dessa maneira, cada projeto observado
está igualmente atravessado pelo que Sodré (2010) compreendera como bios midiatizado, ou seja,
historicamente, o momento em que as mídias não mediam a realidade. Criam-na, tornando-se uma
ambiência. A tal ponto que se julga que as mídias não podem mais ser consideradas meramente
prescritivas de hábitos sociais, mas propositoras de imaginários e práticas que, a seu modo, também
fomentam o social. Sendo assim, do lugar de mensagens veiculadas com este ou aquele objetivo, as
mídias se transmutam, gerando vinculações do sujeito, que se reconhece nas mensagens
midiatizadas, posto que elas atravessam e configuram seu cotidiano reverberando, quase sempre,
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discursos pautados pela lógica dos mercados(SODRÉ,2010). E se o cenário social está tão
entremeado de imagens e experiências geradas pelas mídias na medida de conformarem um ethos,
como seria possível a ruptura no fluxo de mensagens de modo a constituírem o que Sodré (2010)
identificara como héxis, ou, em outras palavras, a experiência transformadora do ethos? Nossa
aposta recai para a experiência sensibilizadora do sujeito através do cinema, de tão modo intensa
que poderia modificar o olhar em relação ao outro e à cidade. Mas como compreender e identificar
cada uma dessas experiências?
Pela circunstância de serem tão diversos, como encontrar em cada projeto o mecanismo que
os faça assemelharem-se em alguma medida, de modo a organizarem-se como objetos de
observação? Sugere-se que tal elemento em comum estaria, para além da linguagem fílmica ou da
particularidade de cada experiência, na circunstância de cada atividade ocorrer mediante a
ressiginificação do espaço onde se localiza, seja ele interno às paredes de uma construção(caso do
Cinema no Hospital) ou diretamente nas praças de uma cidade( caso do Projetação). Na formação
de lugares de encontro por entre os espaços coletivos cotidianos, tal e qual observara Milton Santos
(2006), pensa-se estar a potência transformadora de cada projeto.
Em verdade, não somente pelo fato de serem cotidianos, posto que se observa um
componente singular na própria constituição do cinema como matriz de fenômenos sociais,
conforme apontara Ismail Xavier (1983). Ao analisar a vivência do sujeito em relação ao filme, o
lugar da câmera será o de cristalizar o olhar e a sensibilidade humana, que é construída
historicamente. Em diálogo com Baudry, pode-se compreender o cinema como “código dominante
da cultura ocidental” (BAUDRY in XAVIER, 1983, p.360). Individualizando o olhar, a experiência
fílmica para Xavier tornar-se-ia então o contrário do que Maffesoli pensa ser a experiência sensível,
isto é, coletiva. Também em diálogo com Xavier, Mauerhofer (XAVIER, 1983) pondera que no
cinema a falta de contato e a escuridão impedem que se formem vínculos. Entretanto, convém
ressaltar a distinção existente entre o ato de ver filmes segundo a lógica de Baudry e a proposta dos
projetos a serem observados, posto que o ato de fazer e fruir o cinema coletivamente potencializa o
participante como sujeito do social, vinculando seu olhar criativo ao exercício de ouvir a opinião do
outro, imprescindível tanto para a produção de filmes quanto para o cotidiano. E se o cinema pode
trazer ao sujeito a ilusão de que seu olhar é representativo de uma realidade, seja na escolha dos
filmes, ou mesmo nas atividades propostas, o olhar é associado diretamente à socialidade e esta é o
componente que poderá ter a potência de suscitar a héxis. Logo, observando a possibilidade de
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construção de vínculos comunais, em oposição ao que afirma Mauerforer, Balaz (também em


interlocução com Xavier) afirma sobre a experiência cinematográfica que esta se localiza como
“meio de comunicação visual sem a mediação de almas envoltas em carne” (BALAZ in XAVIER,
1983, p.79) e que o novo homem visível ainda não surgiu.
Como parte do percurso metodológico associado à cartografia, em Martin-Barbero (2004),
em consonância com Virginia Kastrup (2009) reside a ideia de desterritorialização do pesquisador,
um deslocamento de sua posição central, aproximando-o de uma forma de fusão ao objeto
pesquisado, de onde “[...] extraímos sentidos, atuamos em um plano expressivo que conota ao nosso
ato de pesquisar um pouco daquilo de que são dotados os artistas: abrir-se para o sensível”
(KASTRUP, 2009.p.9). Assim como Martin-Barbero e Kastrup, também se compreende a
cartografia como intervenção, método que se faz durante o percurso de pesquisa, mergulhando na
experiência que se vai observar.
Conjuntamente será utilizada a técnica da observação participante. Para aproximar-se dos
pressupostos da razão sensível, que não afasta o sujeito do objeto estudado, será fundamental então
colocar um tanto de si na pesquisa, fortalecendo a opção pela observação participante, na análise
dos projetos que será relatada em seguida.

Percorrendo os territórios sensíveis

Há experiências que determinam caminhos, tão intensamente e de modo tão devastador que
é impossível continuar sendo os mesmos após terem sido vivenciadas. Nesse viés encontram-se
definitivamente as práticas com as emoções e a arte. No percurso metodológico que se escolheu,
recorrendo à cartografia, essa seria exatamente a intenção.
Dessa maneira, logo no início da pesquisa que identificou os projetos a serem observados, a
primeira visita foi ao Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira e ao Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho, ambos na UFRJ. Em ambos os projetos 1 há a coordenação
da equipe do Cinema para Aprender e Desaprender, o CINEAD2. Trata-se de uma ação do
Laboratório de Educação, Cinema e Audiovisual da Faculdade de Educação da UFRJ, que promove
iniciativas que tenham como cerne a relação entre educação, saúde e cinema. Nos dois casos a ideia
1
Cinema e Hospital , realizado desde 2011 no Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira - IPPMG e
Cinema e Velhice , realizado desde 2013 nas enfermarias do Hospital Universitário do Rio de Janeiro.
2
www.cinead.org. Acesso em 03/08/2015 às 15h
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é promover projeções, produção de filmes e exercícios com a linguagem do cinema. O que


diferencia as iniciativas é que no IPPMG trabalha-se com crianças e, no Hospital Universitário, com
idosos. Assim, se com crianças privilegia-se as práticas lúdicas, com criação de brinquedos ópticos
e filmagem de planos, com os idosos as atividades giram quase sempre na projeção de filmes e
debates sobre as narrativas das histórias, linguagem fílmica e a própria história do cinema.
Em todas as visitas ao ambiente das crianças cada dia demanda uma escolha diferente de
estratégia, pois nem sempre se pode visitar a mesma enfermaria, devido a procedimentos
específicos e pacientes em situações particulares. Há também os pedidos da equipe de humanização
para que se visite esse ou aquele paciente. Da mesma forma, nem todas as práticas podem ser
repetidas, posto que as enfermarias são profundamente heterogêneas. Há por vezes adolescentes
junto com crianças de menos de três anos, enfermarias apenas com bebês e dias em que, apesar de
todos os leitos estarem ocupados, poucos estão dispostos a participar. Em um dos dias de visita a
experiência do cinema que conhecemos foi totalmente subvertida pelas crianças da enfermaria. Para
eles, a narrativa do filme chega a ser desimportante. A magia consiste então na luz, que os encanta.
Logo, assim que o filme começa, muitos vêm correndo, os olhos fixos no projetor, para
experimentá-lo, compreendê-lo. E já são muitas mãos tateando o equipamento até o momento
mágico em que descobrem que podem interagir com a projeção, alterando-a e até interrompendo-a
quando bloqueiam a luz com as pequenas mãos. São muitos risos, no encantamento da descoberta,
pois se dão conta de que podem assim contar sua própria história. Curiosos, tocam a superfície do
computador, seguem a direção dos fios e pronto! Descobrem as caixas de som. Lançam-se com o
destemor da primeira infância, postando-se de olhos bem abertos na frente do projetor,como se
quisessem mergulhar na luz, apreender os mecanismos de seu funcionamento. Riem muito quando
conseguem interromper o filme e fazem sombras, apontam uns para os outros, criando novas
histórias, provavelmente. O cinema, mais do que narrativa, torna-se um brinquedo tátil,
manipulável, um território onde não se consegue penetrar. Ficamos do lado de fora, observando as
apropriações, sendo às vezes convocados para que mostrem o que descobriram de diferente. Por
longos minutos esquecem-se do filme e recomeçam outra brincadeira onde somos inevitavelmente,
espectadores. A ideia de aprendizado, no entanto, persiste, porém quem mais aprende somos nós.
Pela mesma perspectiva, ao conhecer nosso pequeno cineasta, menino de seus 9 anos,
franzino, internado há meses na enfermaria infantil, persiste a ideia de que somos nós os aprendizes.
Do alto de sua infância, ele conhece, sem pestanejar e aparentemente sem nenhuma orientação
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prévia, quase toda a linguagem do cinema.Assim, nos fala de dublagens, desenho de som,
montagens, mise-en-scene de atores, etc. E sabe exatamente o que quer:filmes com efeitos visuais.
A cada encontro o menino nos surpreende, nos encanta com desmedida de imaginar histórias, todas
passíveis de se tornarem filmes. Em uma das vezes, por exemplo, ele explicou claramente o que
queria: dois dinossauros, que travaram uma luta de vida e morte. Levaram-no até a câmera.Ele
pediu uma cadeira ,das de diretor, com nome nas costas.Deram-lhe a cadeira. Então ele pediu a
claquete. Espanto geral.Mas como esse menino tão pequeno sabe o que é uma claquete? “- Sei sim,
disse. Serve para cortar os filmes em partes. Os adultos perto dele emudeceram de espanto. Mas
havia um filme a ser feito. O menino sentou-se, pediu que lhe ajustassem o tripé, colocou a câmera
no ângulo que lhe pareceu correto e recomendou ao ator a forma como ele devia entrar. Sim, havia
um elenco no filme, formado de um adulto que seria regiamente remunerado pelo cachê que o
concentrado diretor foi buscar à gaveta mais próxima: uma bala de café.Ajustados os aparelhos,
ensaiado o ator (o diretor deixou claro que não queria usar bonecos como personagens. Queria o uso
de sombras projetadas pela luz em um biombo de tecido). E assim foi. Quando tudo estava pronto
no set ele ergueu as mãos, bateu palmas e disse: ação! Em poucos minutos, fora gravada a primeira
cena. Então o diretor se levantou, postou-se atrás do biombo para representar o segundo
personagem e novamente comandou a claquete:”Ação!”Cena filmada, o diretor quis ver o resultado
e gostou do que viu. Então, categoricamente, perguntou:“ - onde meu filme vai passar?”Quando
disseram que poderia ser enviado para um festival que exibia filmes em praças, ele interrompeu
imediatamente:“ - Não, não quero praças, quero uma sala, de cinema. Grande, escura, cinema
mesmo sabe? ”E assim, coube a nós, sua equipe de “filmagem”, o benefício de sair do hospital,
novamente, muito mais aprendizes do que o próprio menino.

Em igual medida, se a experiência com crianças em enfermarias pode ser algo


transformador, igualmente surpreendente é a proposta de exibição de filmes em enfermarias com
idosos. Logo, se com as crianças o apelo ao lúdico é um componente básico de acesso, para os
idosos, pesar a mão nas brincadeiras pode ter efeito contrário, afastando e emudecendo os pacientes.
Mais do que nunca, é necessário encontrar uma linguagem que possa atravessar os muros de
silenciamento, cansaço e tristeza e falar aos afetos dos pacientes. Desde a primeira visita, a
percepção foi a de que a melhor linguagem a ser escolhida seria definitivamente a música. A
enfermaria escolhida contava com quatro senhoras internadas: Lucia, Elair, Severina e
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Teresinha( todas com mais de 65 anos). Notou-se, talvez devido à idade, uma grande lacuna nas
narrativas dos idosos, em contrapartida às interações com as crianças. Alguns reclamam de dores,
outros têm o olhar perdido, sem responder às perguntas da equipe do CINEAD. Entre os
profissionais de saúde, contudo, a expectativa é grande e muitas moças se acumulam na parede da
enfermaria, movendo leitos e retirando cadeiras do caminho para que o projetor possa ser montado.
E após uma breve explicação sobre a história do cinema e a exibição dos primeiros filmes dos
irmãos Lumiére, a escolha do dia, feita pela coordenadora do Cinema no IPPMG: A música
segundo Tom Jobim (Nelson Pereira dos Santos, 2012). Foram necessários apenas os primeiros
acordes de bossa nova para que os semblantes como mágica, se suavizassem. E enquanto Severina
acompanhava atenta as músicas que iam se desenrolando na parede, Elair, que dormia quando
chegávamos e chegara a resmungar quando começou-se a falar sobre cinema, abriu levemente os
olhos e se pôs a escutar. As imagens de um Rio de Janeiro mais poético e infinitamente mais belo
dialogavam com os sons de Tom e Vinicius, encantando a todos e era quase como se a música
irrompesse pelos corredores do hospital, sempre tão cheio de dores e espera, convocando os olhares
de todos que passavam por aquela enfermaria. E um silêncio profundo fez-se, quase como se a
música, como linguagem universal, criasse um imaginário de memória coletiva, sensível, tocando-
nos a todos, sem diferença de idade ou estado de saúde, estabelecendo um caminho preciso entre
nós e os pacientes, criando um território de possíveis.
Após meses de acompanhamento dos projetos no hospital, uma série de questões surgiu:
como seria a experiência com o cinema se não estivesse interno ao espaço entre paredes de um
hospital, de uma escola ou de um cineclube? Seria o espaço algo físico, delimitador das práticas ou
seriam os territórios sensíveis algo para além do material, constituído apenas por afetos e emoções?
E foi então que iniciou-se o acompanhamento nos coletivos de arte Projetação3 e CicloCine4.
Ambos os coletivos se originam na ideia da experiência do cinema além do espaço restrito
da sala escura, criando narrativas nos espaços urbanos da cidade. No caso do projetação, as
iniciativas tiveram início quando das manifestações de 2013 e tornaram-se um marco das chamadas
jornadas de junho.Quanto ao Ciclocine, associa a projeção de filmes em praças a encontros de
ciclistas e iniciativas cujo mote seja a mobilidade urbana.Em ambos os casos, a narrativa fílmica é
atravessada pela experiência urbana, reinventando modos de habitar a cidade.

3
http://www.projetacao.org/.Acesso em 14/04/2016
4
https://www.facebook.com/CiclocineRJ/info/?tab=page_info.Acesso em 14/04/2016
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O acompanhamento do Projetação ocorreu na exibição do documentário feito na ocupação


de escolas em São Paulo. O filme foi projetado no viaduto de Laranjeiras, entre as movimentadas
ruas Pinheiro machado e Laranjeiras, para onde aflui diariamente o tráfego pesado de carros e
gente. Isso significa primeiro que o áudio do filme vai ser atravessado pelas mais diversas
sonoridades; desde o movimento de pessoas voltando para casa, o tráfego na rua de carros,
bicicletas, cachorros e carrinhos de pipoca, principalmente estes últimos. Além disso, o evento
reúne apresentação de bandas de música, criação/mostra de textos, pintura e muitas outras
atividades acontecendo em conjunto com o filme, até mesmo o próprio filme, pois, além do filme,
há projeção de imagens e textos criados na hora na parede do viaduto. Formam-se novas narrativas
urbanas, circulando do concreto do viaduto ao chão da praça, passando pelo asfalto e pelos carros e
ônibus.
Já no caso do Ciclocine a narrativa fílmica seria menos importante do que a ocupação do
espaço. Afinal, o Ciclo Cine tem uma causa, que é convidar a refletir sobre mobilidade urbana e
ocupação do espaço público. Assim, projetam filmes sobre movimentos de ciclistas ao redor do país
e na América Latina. O engajamento extrapola a tela, pois os participantes vêm à praça em suas
bicicletas, combinam encontros e buscam convidar outras pessoas para participar dos passeios e
mobilizações. No passeio da praça muita gente passa e interrompe seu percurso para observar o
filme, ou mesmo para interferir na tela, seja projetando sua sombra ou tentando chamar atenção
pelo barulho de bicicletas e carrinhos. É muito interessante perceber o quanto aquele espaço se
torna um microcosmos da própria narrativa dos filmes. Ocorrem também conflitos, pela interrupção
do áudio do filme, pelo atravessamento da tela por corpos, carros e bicicletas. O espaço público
torna-se espaço narrativo, polifônico, onde corpos e veículos negociam seus lugares, intervêm na
mobilidade de cada um, constroem modos de vida e olhares para a cidade.

Considerações provisórias

Quando se faz a escolha da pesquisa de campo por meio da cartografia, a cada visita saímos
e entramos de formas diferentes dos lugares pesquisados e há sempre formas distintas de adentrar o
espaço e travar contato com aqueles que ali estão. Há sempre o impulso de não romper o silêncio e
o descanso de quem dorme ou de não interferir na organização já existente, seja nos espaços
públicos da cidade, seja no silêncio de uma enfermaria, mas se assim fosse, como oferecer-lhes a
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experiência do cinema? É necessário então encontrar a forma certa para poder avançar,
conquistando a cada passo mais um pouco de território simbólico.
E deixando de lado qualquer ideia ou formato pré-estabelecido. Por esse motivo, durante o
mapeamento, fase onde se encontra a presente pesquisa, não se pode nem sequer sonhar em ter
considerações definitivas, posto que ambos, campo e pesquisador, se transformam a cada dia e o
próprio corpus ainda encontra-se em construção. E é justamente na transformação e na diversidade
que se supõe estar a potência de investigação. Ao comparar projetos em ambientes tão distintos
como as enfermarias e as praças da cidade, até o momento pode-se perceber duas coisas em
comum: a intensidade da experiência vivenciada pelos participantes e a força da narrativa
cinematográfica como modo de intervenção em um lugar, que será (externo ou interno)
predominantemente simbólico, construído de afetos, cotidiano e disputas, seja de espaço seja de
significado.
No compartilhamento das experiências e na ressiginificação de espaços visualiza-se um
caminho a partir do qual se investiga a possibilidade do cinema constituir-se como espaço "entre",
ponte que se pode criar para a vivência do ser "em comum", vinculado ao outro e à sua realidade,
seja qual for o espaço ou experiência cotidiana onde estiver inserido.

Bibliografia:
BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins Fontes,2009
KASTRUP, Virgínia. Pistas do método da cartografia: pesquisa- intervenção e produção de subjetividade.
Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 32-51.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofício de Cartógrafo – Travessias latino-americanas da comunicação
na cultura. Tradução: Fidelina Gonzáles. Coleção Comunicação contemporânea 3, São Paulo:
Edições Loyola, [2014] 2004.
MARTINS, Andrea F. Cinema de Terras e Fronteiras.In:MASCARELLO, et al.História do Cinema
Mundial. 1. ed. São Paulo: Papirus, 2006

MÚSICA segundo Tom Jobim. Direção: Nelson Pereira dos Santos. Brasil, 2012. 1 DVD (90 min),
son., color.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Tradução: Mônica Costa Netto. São
Paulo: EXO Experimental / Editora 34, 2005.
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2006
SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho – uma teoria da comunicação linear e em Rede.
Petrópolis: Vozes, 2010
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XAVIER, Ismail. A Experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilmes, 1983:79-
82

Dados do Autor:

Nome:Tatiane Mendes Pinto


Títulação máxima:Mestrado em Mídia e Cotidiano no Programa de Pós graduação em Mídia e
Cotidiano-UFF.
Instituição de Origem:UFF
E-mail de contato: tatunha@gmail.com
GT1 - Mídia e Democracia: Linguagens

Breve biografia:

Doutoranda em Comunicação Social pelo PPGCOM-UERJ. Mestrado em Mídia e Cotidiano pela


Universidade Federal Fluminense, onde desenvolveu pesquisa sobre Cinema e Educação.
Atualmente é coordenadora do Cineclube PPGMC e Pesquisadora do Laccops

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