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Exegese e hermenêutica

lntrod�ção aos desenvolvimentos da hermenêutica e ao


Como se deve ler a Bíblia para descobrir destino do significado textual em particular.
sua teologia? Uma vez que a tarefa da teologia A viabilidade da teologia bíblica como
bíblica consiste em descrever a teologia da disciplina depende da habilidade de interpretar
Bíblia, é fundamental para o teólogo bíblico textos bíblicos "com base neles mesmos". Foi
distinguir entre a teologia do texto e a teo­ isso que separou a teologia bíblica da teologia
logia dessa ou daquela leitura eclesial, entre dogmática, à medida que esta partia das
a mensagem do texto e a tradição de sua confissões da igreja, e não do cânon bíblico.
interpretação. O problema constante da her­ Contudo, ainda há de se observar como
a interpretação de teólogos bíblicos difere
menêutica consiste em saber se é possível ou
da interpretação do exegeta e do teólogo
não resgatar o sentido original do texto com
sistemático. A hermenêutica tanto complica
base no próprio texto. Por isso, questões sobre
como contribui para o projeto da teologia
significado textual e interpretação estão no
bíblica. A complicação surge por causa .da
centro do debate sobre a natureza e o método
distância histórica que separa o texto do leitor
da teologia bíblica. Tentar desenvolver
atual. Como os intérpretes poderão saber ·se
uma teologia bíblica fora da reflexão sobre
estão descobrindo a mensagem original, e
hermenêutica e exegese - a teoria e a prática não impondo suas próprias ideias e interesses
da interpretação, respectivamente - é arriscar ao texto? Contudo, a hermenêutica também
uma identificação potencialmente idólatra da contribui com o projeto da teologia bíblica
doutrina do intéprete com a do texto. ao indicar mais claramente como os textos
Teologia bíblica e hermenêutica alcançaram (graças em grande parte à sua forma literária),
posição de disciplinas acadêmicas independentes apesar de tudo, comunicam algo atravessando
aproximadamente na mesma época, no século distâncias, de modo complexo e, muitas vezes,
XVIII. A ligação entre as duas disciplinas, no sutil.
entanto, é muito mais que um mero acaso, pois A tarefa da hermenêutica bíblica, e con­
a interpretação bíblica sem a teologia bíblica é sequentemente a da teologia bíblica, consiste
(teologicamente) vazia, e a teologia bíblica sem em entender o testemunho bíblico segun­
a interpretação bíblica é (hermeneuticamente) do o que ele mesmo afirma. Apesar da sus­
ingênua. Portanto, não é exagero afirmar que peita pós-moderna contra toda alegação
os rumos da teologia bíblica na virada do novo de uma interpretação correta, uma série de
milênio estão inseparavelmente relacionados desenvolvimentos recentes na hermenêutica
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Exegese e hermenêutica

mostra como a teologia bíblica pode cumprir Por que a teologia bíblica é uma disciplina
o papel de disciplina mediadora decisiva entre hermenêutica: significado e interpretação
os estudos bíblicos e a teologia sistemática. A tarefa da teologia bíblica, como tem sido
tradicionalmente entendida e como é definida
Teologia bíblica e interpretação: significado na presente obra, consiste em apresentar a
e método teologia da Bíblia - as partes e o todo - de
Se a teologia bíblica é uma forma de in­ um modo que permita aos textos, em toda a sua
terpretação bíblica, como ela se diferencia peculiaridade e particularidade, estabelecerem
de outras abordagens interpretativas? Mais as regras. Em resumo, a teologia bíblica é
especi�camente, o método interpretativo do uma tentativa de oferecer um relato holístico,
teólogo bíblico tem mais em comum com o porém histórico, do testemunho bíblico do
do acadêmico bíblico ou com o do teólogo Deus de Israel e de Jesus Cristo. Mas o que
sistemático? Deve o teólogo bíblico dar mais exatamente essa tentativa envolve? Como
iniciar a apresentação da teologia da Bíblia? Faz
atenção ao sentido original de passagens
diferença, por exemplo, se quem' a apresenta
específicas, à formação de estruturas maiores
é historiador ou cristão? Parafraseando a per­
que atravessam livros individuais·, ou à
gunta de Bultmann ao exegeta: é possível uma
mensagem geral da Bíblia? Por um lado, os
teologia bíblica sem pressuposições?
livros da Bíblia são documentos históricos; por
outro, são também Escrituras da igreja.
J P. Gabler
Com certeza, o próprio nome "teologia
bíblica" sugere a possibilidade (e realidade) de "A teologia cristã da Idade Média não
procurou discernir as ideias dos autores bíblicos
existirem teologias não bíblicas, e de estudos
como distintas de suas próprias" (H. BoERS,
da Bíblia menos teológicos. Portanto, onde se
What is NT Theology? [O que é teologia do
situa o teólogo bíblico em relação ao muro que
NT?], Philadelphia, 1979, p. 16). Em geral, os
separa o trabalho do exegeta acadêmico do
cristãos medievais não observaram a distância
trabalho do teólogo confessional? O desafio,
cultural e histórica entre a Bíblia e a vida de
e a esperança, em tratar da hermenêutica e da fé deles. O reconhecimento dos reformadores
teologia bíblica juntas é encontrar um modo de que texto e tradição cristã podiam ser sepa­
de leitura da Bíblia que não vá distorcer as rados resultou na distinção entre o pensamento
Escrituras, lendo-as simplesmente para confir­ dos autores bíblicos e o pensamento de teólogos
mar a teologia dogmática do leitor; nem esgotar posteriores. Nos estudos bíblicos modernos,
as Escrituras de seu sentido teológico, lendo-as essa distinção conceituai fez surgir o problema
.,
somente por um ângulo histórico-crítico. Na que tem dominado os interesses acadêmicos,
melhor das hipóteses, a teologia bíblica transpõe qual seja, como superar a distância cultural
a ruptura escancarada (na verdade, uma ferida e histórica que separa os leitores atuais da
aberta) entre, de um lado, uma crítica histórica situação original dos autores.
teologicamente empobrecida e, de outro, Contudo, geralmente se atribui ao discurso
uma leitura das Escrituras cristãs motivada de Gabler em 1787 sobre a distinção entre
eclesiasticamente. teologia dogmática e bíblica a separação das
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disciplinas teológicas e, assim, o nascimento hermenêutica entre "o que isso significou" e
da teologia bíblica propriamente dita. Gabler "o que isso significà' (K. Stendahl, in: IDB
procurou "livrar" a investigação bíblica das 1, p. 418-32). Ele defendia que a tarefa da
cadeias da tradição da igreja e, em especial, teologia bíblica era descrever "o que isso
das categorias da teologia dogmática. Ele via significou" para o autor e o público originais.
o objetivo da teologia bíblica como histórico A tarefa da teologia sistemática é dizer "o que
e descritivo, em distinção ao objetivo didático isso significa" em linguagan e conceituação
e normativo da teologia dogmática. Por isso, inteligíveis às pessoas hoje. Essa divisão de
defendeu uma abordagem indutiva que tarefas interpretativas representa uma divisão
prodttziria uma descrição histórica precisa da metodológica entre a teologia e a hermenêutica.
cosmovisão dos autores bíblicos. Ao mesmo Para a teologia, o efeito prático dessa divisão
tempo, desejava tornar a teologia bíblica de tarefas sugere que a exegese é um tanto
o fundamento da dogmática, descobrindo "neutra" e "objetiva" enquanto a dogmática é
os conceitos imutáveis e divinos da Bíblia. "tendenciosa" e "subjetivà'.
Assim, distinguiu a descrição objetiva dos Stendahl parece ter transposto, com resul­
dados históricos bíblicos (teologia bíblica tados fatais, a distinção de Kant entre fato
"verdadeira") da tentativa de peneirar o que público e valores particulares para a prática de
tinha valor permanente para a dogmática interpretação bíblica. O impacto na herme­
(teologia bíblica "purà'). nêutica não foi menos prejudicial. A partir do
Quanto a essa questão, Anthony Thiselton, momento em que se distingue "fatos passados"
recentemente, chamou a atenção para um de "valores atuais", como se poderá então
paralelo interessante entre a teologia bíblica relacioná-los? A distinção de Stendahl entre
e a hermenêutica. Assim como Gabler recusou­ "o que isso significou" e "o que isso significà'
se a submeter a competência da exegese às provoca um racha tanto na interpretação
categorias da teologia dogmática, H. G. bíblica como na teoria hermenêutica, pois
Gadamer também se recusa a submeter a não fica claro como se prossegue da descrição
competência do entendimento a um único do passado à aplicação presente e futura. Uma
método científico. Gadamer defende que coisa é afirmar o que o profeta Isaías pensava
a vida humana gera entendimento por si a respeito de Deus; outra, completamente
mesma, "não em termos de algum método diferente, o que cristãos da atualidade devem
prévio, já determinado antes de se lidar com pensar sobre Deus.
o material" (A. THISELTON, in: The Modern
Theologians [Os teólogos modernos], p. 533). Verdade e método na teologia bíblica:
Em outras palavras, ao insistir na primazia do "a tarefa descritivà'
texto, Gadamer propõe um fundamento mais A ideia da teologia bíblica como tarefa de
propriamente hermenêutico que teológico. oferecer descrições históricas do testemunho
bíblico faz surgir três importantes questiona­
Krister Stendahl mentos, os quais têm-se tornado problemáticos.
Cerca de duzentos anos após Gabler, O primeiro diz respeito a o que exatamente está
Krister Stendahl reforçou a distinção entre a sendo descrito. Qual é o contexto adequado
teologia bíblica e sistemática com a distinção no qual se localiza o significado do texto? Em
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segundo lugar, como passar das descrições conhecerem Deus. De fato, a tensão principal
históricas "do que isso significou" - a exegese nos estudos bíblicos modernos resulta do
- para as prescrições teológicas "do que isso atrito entre duas estruturas interpretativas, a
significa"? Finalmente, em terceiro lugar, é do historiador e a do cristão. É claro que o
possível, de fato, produzir uma descrição objetivo final da teologia bíblica não é impor
histórica objetiva? O intérprete não está sempre uma estrutura estranha às Escrituras, mas
atrapalhando? permitir tornar conhecida a estrutura teológica
da própria Bíblia.
O que estamos descrevendo? Alguns críticos bíblicos procuram fixar a
Não é suficiente definir a teologia bíblica em autoridade nas experiências religiosas histo­
termos de determinar "o que isso significou" ricamente reconstruídas expressas no texto.
por duas razões. Em primeiro lugar, é preciso Entretanto, essa abordagem provoca dois
problemas. Primeiro, situa a autoridade atrás
especificar o significado de significado, o que
do texto, isto é, em outro lugar além do próprio
não é uma parte pequena da tarefa herme­
texto. Em segundo lugar, não explicà por que
nêutica. T ão importante quanto, é especificar
as experiências e crenças religiosas do povo
o sentido de "isso". A expressão "isso" significa
antigo devam ser obrigatórias para o povo
uma palavra, frase, evento, texto, conjunto de
de hoje. É verdade que a Bíblia está repleta de
textos, um Testamento completo, ou todo o
grãos fascinantes para o moinho do historiador
cânon? O que exatamente a teologia bíblica
e antropólogo cultural, mas como os cristãos
descreve? Este artigo recapitulará várias
estão buscando a palavra de Deus para separar
opiniões do século XX e, em seguida, proporá
o joio do trigo?
um modelo integrativo.
Acadêmicos bíblicos modernos, portanto,
buscam uma alquimia hermenêutica que
Podemos passar de descrições históricas da
de alguma maneira transformará a escória
religião para normas de fé?
da religião historicamente condicionada em
É possível para os intérpretes combinar ouro da teologia pura. A "demitização" de
uma leitura histórico-descritiva da Bíblia com R. Bultmann, por exemplo, foi um processo
uma teológico-prescritiva? Há uma carência de hermenêutico que reformulou e recondicionou
soluções de como conciliar as leituras descritiva o querigma nos termos da filosofia existencial,
e prescritiva. De modo geral, os estudiosos abstraindo verdades atemporais da existência
da academia leem a Bíblia de uma maneira humana das histórias "primitivas" que formam
e membros de igreja leem de outra. Não está a maior parte do NT. Essa alquimia tem
..
nem um pouco claro se, e como, "o que isso
significou" para Moisés ou Ezequiel, ou mesmo
mais magia hermenêutica que ciência. A de­
mitização de Bultmann às vezes parece tão
João e Paulo, deva ser considerado obrigatório arbitrária quanto a alegorização cristã primitiva
para os cristãos de hoje. Mesmo que histo­ (também outra tentativa de extrair "o que
riadores fiquem contentes em descrever a isso significa" universalmente relevante do
experiência religiosa humana, os cristãos se particular historicamente condicionado "o que
aproximam das Escrituras com o objetivo de isso significou").

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Exegese e hermenêutica

É possível uma teologia bíblica sem existenciais. De fato, sua Teologia do Novo Tes­
pressuposições? tamento é essencialmente uma interpretação
Desde o Iluminismo, a exegese bíblica existencial dos escritos de João e Paulo. Para
tem, basicamente, trabalhado na suposição de Bultmann, então, teologia bíblica é um modo
que uma descrição neutra e objetiva de "o de interpretar a Bíblia com categorias derivadas
que significou" não é apenas desejável, como de fora do texto bíblico (e.g., existência,
também possível, pelo menos na academia. temporalidade, inautenticidade).
Examinada mais cuidadosamente, observa-se Karl Barth concorda com Bulcmann que
que essa suposição está atrelada a um funda­ uma exegese puramente " histórica", sem a
cionalismo epistemológico e à concomitante influência de pressuposições, é um desejo
noção de que o resultado da exegese é inalcançável. Entretanto, ele critica Bulcmann,
conhecimento objetivo. Qualquer acadêmico juntamente com outros críticos históricos,
bíblico competente, ao contemplar a evidência por não serem críticos suficientemente, no
histórica, deveria, em princípio, chegar à mesma sentido de que suas reconstruções históricas e
conclusão. Contudo, com o advento da nova aplicações existenciais, em última análise, não
hermenêutica, essas suposições epistemoló­ se envolvem com o assunto principal do texto.
gicas não declaradas foram desafiadas, se Entender a carta aos Romanos envolve muito
não completamente destruídas. Atualmente, mais que um conhecimento desinteressado de
a hermenêutica trata do problema geral da sua linguagem e composição. Envolve uma
compreensão humana, problema este que resposta pessoal ao objeto do testemunho do
inclui a historicidade do leitor, assim como a texto, a palavra de Deus. Barth, neste ponto,
do texto. As teorias de interpretação textual reflete a preocupação de Adolf Schlatter, para
agora tratam não apenas de questões de método quem a interpretação bíblica é historicamente
(e.g., como fazer exegese), mas também com inadequada quando deixa de reconhecer a fala
questões relacionadas ao · ntérprete. Filósofos da pessoal de Deus. Contrariamente a Gabler,
hermenêutica como Gadamer e P. Ricoeur, por sustenta ·que não é comum se aplicar primeiro
.exemplo, negam a objetividade e neutralidade à tarefa histórica e somente depois desta iniciar
da descrição histórica, preferindo, em vez disso, a tarefa da teologia. Pelo contrário, a exegese já
falar de "fusão de dois horizontes" (texto e está afetada pelas crenças dogmáticas do exegeta.
leitor). Depois de duzentos anos, os destinos da O relacionamento entre exegese e teologia é
teologia bíblica e da hermenêutica continuam mais parecido com uma conversa dialógica do
entrelaçados. que com um processo linear e unidirecional.
Foi o próprio Bulcmann quem sugeriu que A hermenêutica, ao chamar a atenção para
é impossível existir exegese sem pressuposições. as suposições trazidas ao texto pelos leitores,
Todo leitor da Bíblia tem suposições (pres­ lembra-nos que a teologia se faz presente na
suposições) sobre o que se diz e sobre a ma­ tarefa exegética desde o princípio.
neira correta de arguir o material com vistas Os assim chamados pensadores pós-moder­
à compreensão. Para Bulcmann, o verdadeiro nos (i.e., aqueles que não confiam mais na força
assunto da Bíblia é a existência humana, tanto da razão para estabelecer verdades universais
a pecaminosa quanto a piedosa. Portanto, ele ou um ponto de vista universal) intensificaram
lia a Bíblia procurando encontrar verdades essas dúvidas sobre a possibilidade de uma

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Exegese e hermenêutica

descrição objetiva, tanto que muitos negam não impossível, acreditar em uma palavra vinda
completamente a validade da crítica histórica. da parte de Deus.
Para os pós-modernos, a maneira de ler e A suspeita pós-moderna da hermenêutica
o significado que se encontra em um texto leva, inexoravelmente, à suspeita da teologia
refletem mais os interesses, objetivos e contexto bíblica. A crise contemporânea da interpretação
do leitor do que os do autor. Algumas estu­ é simplesmente o último estágio da história na
diosas bíblicas feministas, por exemplo, usam qual estudos bíblicos e teologia cristã seguiram
a experiência das mulheres ou a norma da caminhos distintos. A brecha que divide os
igualdade das mulheres como critério para estudos bíblicos da teologia será superada
avaliar o texto bíblico. Elas expõem e depreciam somente se desenvolvermos uma hermenêutica
a ideologia patriarcal encontrada por trás de teológica- uma teoria de interpretação instruída
muitas leis explícitas e suposições implícitas pela doutrina cristã - e se reconstruirmos,
nas Escrituras. Essas exegetas ouvem a voz simultaneamente, as contribuições caracte­
e teologia do texto ou ouvem somente suas rísticas da teologia bíblica ao projeto da

próprias vozes e ideologias? A assim chamada interpretação bíblica.
hermenêutica de suspeita da moder_nidade É útil ver as várias disciplinas teológicas
(i.e., o questionamento crítico da interpretação em relação à sua tarefa interpretativa comum.
tradicional) agora se solidificou na suspeita "Teologia bíblica'' é o nome de uma abordagem
pós-moderna contra a própria hermenêutica. interpretativa à Bíbfü�que supõe que a palavra
Consequentemente, toda tentativa de inter­ de Deus é mediada textualmente pela lin­
pretar - declarar "o que isso significou" - é guagem literária variada, e historicamente
vista como imposição intencional sobre o texto condicionada, dos seres humanos. É, portanto,
e os leitores. A exegese pós-moderna tem se um empreendimento intrinsecamente her­
tornado uma ocupação totalmente pluralista menêutico, relacionado à interpretação da
e política na qual ninguém é capaz de afirmar variedade de testemunhos bíblicos que comu­
por que a leitura de determinada comunidade nicam a palavra de Deus. Se a teologia, de fato,
interpretativa deva ser mais confiável do que é principalmente uma questão de interpretação
a de outra. bíblica, qual é o lugar da teologia bíblica entre
as disciplinas teológicas? Onde situaremos a
O que está em jogo: a integridade das teologia bíblica no "arco hermenêutico" que vai
disciplinas teológicas desde a explicação até a compreensão? Como
O desafio pós-moderno pode ser definido poderemos superar a dicotomia estéril entre
simplesmente como: toda tentativa de descrever exegese histórica e interpretação teológica?
"o que significou" é, na verdade, apenas uma Um caminho seria introduzir a noção de
afirmação d�o que significa para mim, ou, pior diferentes tipos e níveis de descrição textual.
ainda, o que queremos que signifique. Nesses Há uma importante via media entre, de um
termos, a verdadeira questão vem à tona: a lado, a fragmentação crítica da Bíblia em uma
questão da autoridade e do local da palavra miscelânea de diversidade cultural e teológica
de Deus. Se todas palavras são historicamente e, por outro, a sistematização simplista da
condicionadas e se todas as leituras são Bíblia em um único esquema conceitua!. É
ideologicamente condicionadas, é difícil, se importante não afirmar que apenas alguns

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Exegese e hermenêutica

leitores devam ler a Bíblia com mteresse de descrição, que oferece a chave decisiva para
teológico. Dizer isso seria tornar os teólogos seu contínuo sentido.
bíblicos simplesmente mais um grupo de
pressão interpretativo. A teologia bíblica precisa Descrição de palavras bíblicas: teologia por
ser mais que "interpretação teologicamente meio do diciondrio
motivadà'. Um argumento mais contundente Em seu nível mais básico, a exegese consiste
seria defender que qualquer descrição que na explanação do sentido linguístico em seu
não atinja uma exposição da teologia do contexto histórico próprio. O objetivo do
texto peqp.anece incompleta. Essa afirmação exegeta é, em primeiro momento, filológico e
em sentido mais positivo: a teologia bíblica histórico: resgatar o que as palavras significaram
corresponde aos interesses do próprio texto em seu contexto original.
(W. JEANROND, Text and Interpretation [Texto Se o objetivo da teologia bíblica é derivar a
e interpretação]). teologia da Bíblia com base na própria Bíblia,
Novos desenvolvimentos na hermenêutica qual melhor maneira há de realizar essa tarefa
(e.g., ação comunicativa, crítica dos gêneros, que extrair a teologia das próprias expressões
estudos narrativos) prepararam o caminho - isto é, das palavras - da Bíblia? Certa­
para a "segunda vindà' da teologia bíblica no mente, nesse nível, alguém pensará que o
século XXI, possibilitando-nos dar atenção a teólogo bíblico pode atingir a "descrição purà'.
um nível de significado textual ao qual a crítica O assim chamado movimento da teologia
histórica tradicional ignorou em grande parte: bíblica, popular na América do Norte nas
o literário. A teologia bíblica, revigorada pela décadas de 1940 e 1950, preocupou-se com
nova avaliação do que significa interpretar um a ideia de que o estudo de palavras e as eti­
texto, oferece o elo perdido que permite ao leão mologias davam acesso à mentalidade e
teológico deitar-se com o cordeiro exegético. teologia particulares dos autores bíblicos.
A promessa da teol�gia bíblica reside em sua Defendia-se que a língua hebraica era evidência
habilidade de reconciliar "à' sistemática com da maneira peculiar hebraica (bíblica) de
"as muitas" exegéticas. pensar sobre Deus. Membros do movimento
da teologia bíblica defendiam, baseados no
Níveis de descrição bíblico-teológicas estudo de palavras, que a noções bíblicas de
Embora teólogos bíblicos sejam categóricos tempo, história e ação divina eram dinâmicas
em distinguir seu próprio trabalho das inter­ e concretas, em contraste com os conceitos
pretações mais exteriores da teologia dogmá­ estáticos e abstratos dos gregos. Os membros
tica e sistemática, muitos acreditam que uma do movimento da teologia bíblica tinham a
descrição da fé bíblica deveria ser também tendência de ver a teologia como filologia.
normativa para a comunidade de fé atual. A obra de James Barr The Semantics of
Contudo, como temos visto, a dificuldade está Biblical Language [A semântica da linguagem
em explicar a passagem gradual da descrição de bíblica] (London e New York, 1961) é uma
"o que isso significou" para "o que isso significà' crítica formidável das pressuposições linguís­
para a Igreja hoje. Entretanto, é o próprio ticas e hermenêuticas que estão por trás de
texto, considerado em certos níveis superiores vários artigos dos volumes ini�iais do TDNT de
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Exegese e hermenêutica

G. Kittel, obra que, assim como o movimento em uma teoria inadequada do significado. Uma
da teologia bíblica, procurou nas palavras o coisa é estudar a etimologia da palavra e outra
local principal da teologia da Bíblia. Primeiro, é estudar o que um autor quis dizer quando
Barr atacou a suposição de que as palavras têm a utilizou em uma ocasião particular. "O que
certos sentidos em sua raiz que permanecem significou" tem menos que ver com as origens
constantes, mesmo atravessando séculos de ou história de uma palavra do que com as
uso. Simplesmente não é verdade que o sentido circunstâncias de seu uso efetivo.
"básico" de uma palavra está presente em cada A lição que se tira da breve existência do
uso individual dela. Muitos dos verbetes do movimento da teologia bíblica é que, nas
TDNT também eram culpados daquilo que palavras de Barr, "é a frase (e, obviamente, o
Barr chamou de "transferência ilegítima de contexto literário maior...) que é o portador
totalidade". Isso se refere ao erro de extrair linguístico da afirmação teológica geral, e não
todos os sentidos possíveis de um termo em a palavra (a unidade léxica)" (Semantics of
particular de uma única ocorrência da palavra. Biblical Language [Semântica da linguagem
Ainda que algumas palavras tenham vários bíblica], p. 263). Em resumo, a menor unidade
sentidos (e.g., na frase "ele está quente", a de comunicação linguística não é a palavra
palavra "quente" pode se referir a temperatura isolada, mas as palavras usadas na realização
ou aproximação de algo que está sendo de "atos de fala" (v. K. VANHOOZER, Hd um
procurado), é errado pensar que as muitas sign, ificado neste texto?, p. 228-56.
possibilidades estão sempre contidas em uma
única ocorrência. Descrição de eventos bíblicos: revelação e
O segundo erro está intimamente relacionado interpretação histórica
a esse primeiro: a falácia etimológica. O Uma segunda possibilidade é que a teologia
significado de uma palavra não pode ser bíblica descreve eventos revelatórios ou
deduzido de sua etimologia ou origem. Em experiências religiosas. Críticos bíblicos
vez disso, o significado de uma palavra deve modernos, tendo descartado a suposição da
ser determinado pelo contexto concreto de seu inspiração sobrenatural, passaram a enxergar a
uso. A obra de Barr demonstrou ser falacioso Bíblia como coleção de documentos humanos
ir muito rápido da palavra ao conceito (e.g., falíveis. A nova pressuposição teológica (nem
das palavras bíblicas às doutrinas teológicas). sempre reconhecida) era que o conhecimento
A moral é dara: não se pode ir do estudo de de Deus é mediado pela experiência religiosa
palavras (e.g., "salvaçao
� ", "salvar ") para a teo1o- que a Bíblia testemunha. Como Hans frei
gia bíblica (e.g., soteriologia). demonstrou brilhantemente, o resultado
Barr observa corretamente que o significado inevitável foi que o sentido teológico passou
se expressa no nível.çle uma frase (i.e., no uso para trás do texto (v. H. FREI, Eclipse ofBiblical
particular das palavras pelo autor), e não no Narrative [Eclipse da narrativa bíblica]).
nível dos signos (i.e., nas palavras individuais De acordo com vários críticos bíblicos, o
consideradas fora do contexto de seu uso). que se encontra na Bíblia é uma interpreta­
Podemos concluir que o movimento da teo­ ção da história da salvação na perspectiva da
logia bíblica, em última instância, tropeçou comunidade da fé. Entretanto, as interpretações
em uma percepção enganosa da linguagem e que colocam uma descrição dos eventos atrds

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Exegese e hermenêutica

do texto no lugar de uma descrição do que Talvez nada seja tão típico do método histórico­
os textos estão, de fato, dizendo, geralmente -crítico do que sua tendência a fragmentar o
ensinam somente religi.ão, e não teologia. Seja texto. Em comparação, os desenvolvimentos
como for, críácos bíblicos modernos estão mais mais fascinantes da teologia bíblica são aqueles
interessados no que se pode encontrar atrás que abordam os textos com uma percepção
do texto e na explicação dos processos de de sua integridade literária, percepção esta
composição do texto do que na descrição proveniente de uma hermenêutica pó -crítica
do que está no texto e seus processos de aberta a ser moldada por perspectivas cristãs
comunicação. O resultado: interpretações (cf. VANHOOZER, Hd um significado neste texto?,
críticas que supostamente reconstroem "o Parte Dois).
que de e
"
rato aconteceu , mas somente a' custa 1) O que é um texto? Um texto é a extensão
da perda das perspectivas dos próprios de um discurso - algo dito por alguém
testemunhos bíblicos. para outro sobre alguma coisa - em forma
escrita. Textos literários são, portanto, melhor
Descrição dos livros bíblicos: gêneros literdrios compreendidos como ações comunicativas
e ''conceitos de palavra" representadas em uma variedade de níveis para
a reflexão do leitor. Para entender um texto,
O movimento da teologia bíblica fracassou
é necessário fazer mais do que simplesmente
em sua tentativa de extrair afirmação teológica
analisar gramaticalmente cada verbo. É preciso
de palavras. De igual modo, a crítica bíblica
que se saiba o que o autor está fazendo, pois os
moderna fracassou na tentativa de extrair
textos têm tanto matéria (uma mensagem, um
afirmação teológica de eventos ou experiências tópico) quanto energia (o uso que um autor
extrabíblicos. Em cada caso, o erro foi tanto faz de sua mensagem).
hermenêutico quanto teológico. A rigor, J. Barr e P. Ricoeur concordam; a unidade
acadêmicos bíblicos pertencentes à tradição de básica do significado não é o signo ou palavra
Stendahl deixaram de responder a duas ques­ individual, mas a frase. Pois as palavras são
tões vitais: 1) O que é o "isso" que está sendo ambíguas até que sejam usadas em exemplos
descrito? 2) Qual o significado de "significou"? concretos de discurso. Se a teologia bíblica
Qualquer teologia bíblica adequada precisa envolve descrição, então cabe ao teólogo bíblico
se dedicar à hermenêutica pelo menos tempo aplicar as categorias corretas para descrever as
suficiente para responder às questões "o que é maneiras nas quais os autores comunicam
um texto?" e "como se determina o significado suas teologias. Os teólogos bíblicos precisam,
textual?", pois a forma de abordar um objeto de primeiro, de categorias para descrever a
estudo depende em grande medida da natureza ação comunicativa e, em segundo lugar, de
do objeto investigado. categorias para descrever diferentes tipos
A crítica bíblica moderna, embora declare de ação comunicativa.
investigar o texto cientificamente, na verdade Para interpretar o discurso bíblico correta­
aborda o texto com pressuposições antiteo­ mente é preciso que se desenvolva uma
lógicas da razão secular e, consequentemente, consciência do que os autores estão fazendo
com tendência contra a unidade do texto, e em seus textos, aquilo que os filósofos J. L.
possui ainda uma hermenêutica antinarrativa. Austin e John Searle chamam de "atos de
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Exegese e hermenêutica

fala''a. SEARLE, Speech Acts: An Essay in the número de abordagens exegéticas necessárias
Philosophy ofLanguage [Atos de fala: um ensaio para realizar a tarefa da compreensão do texto
sobre a filosofia da linguagem], New York e como um todo. Contudo, o que os intérpretes
Cambridge, 1969). Principalmente, é preciso estão procurando determinar, em última
prestar atenção não apenas às palavras em si, análise, é o que um autor está fazendo no
mas também ao que os autores estão fazendo texto: fazendo uma promessa, dando uma
com suas palavras (as "ilocuções"). É preciso advertência, descrevendo como as coisas são,
que se avalie a maneira em que os atos de fala expressando uma preferência pessoal, contando
podem ser compostos para formarem "atos de uma história, ou seja o que for. O resultado é
texto" mais sofisticados (e.g., narrativas, salmos, que a teologia bíblica não deve tratar as pala­
epístolas). A disciplina de teologia bíblica, vras bíblicas fora de seu contexto literário;
portanto, envolve não apenas competência antes, deve descrever como elas são usadas
linguística e histórica, mas também literdria. no contexto do conjunto literário ao qual
Nas palavras de N. T. Wright: "Se é para pertencem. Também resulta que nosso úni­
sermos historiadores e teólogos, precisamos ser co acesso aos eventos dos quais a Bíblia• tes­
também críticos literários" ( The New Testament temunha é em e por meio da forma literária,
and the People of God [O Novo Testamento e não fora desta. Se a forma literária da Bíblia
o povo de Deus], p. 25). é essencial para seu conteúdo histórico e
A teologia bíblica objetiva oferecer inter­ teológico, então a teologia bíblica se prejudica
pretações teológicas da Bíblia com base na quando ignora a diversidade de gêneros
própria Bíblia. É precisamente esse objetivo literários da Bíblia.
que liga o destino da teologia bíblica ao da Hans Frei argumenta que o significado das
hermenêutica. Longe de serem inimigos da formas literárias da Bíblia se perdeu à medida
teologia bíblica, trabalhos recentes sobre que os estudiosos bíblicos, em sua precipitada
hermenêutica podem oferecer as condições busca pela verdade (e.g., "o que, de fato,
para seu renascimento contemporâneo. O aconteceu" ou uma proposição teológica),
que é preciso é uma teologia bíblica que dê usaram o texto como evidência para outra
atenção, precisamente, ao nível do texto coisa. A Bíblia, aos poucos, passou a ser lida à
como um ato comunicativo complexo, como luz de evidências extrabíblicas, desembocando
ato literário estruturado com certo tipo de no que Frei define como "a grande inversão" da
totalidade. O "isso" na frase de Stendahl "o que hermenêutica bíblica, em que a forma literária
isso significou", em outras palavras, é o texto, do texto foi eclipsada em favor do resgate
tomado em toda a sua integridade literária de seu conteúdo histórico ou doutrinário.
como comunicação escrita complexa. Essa interpretação bíblica, argumenta Frei,
2) Gênero literd�o e as formas de discurso fracassa de modo espantoso em estudar a Bíblia
bíblico. Enfatizar o nível textual superior de segundo suas características literárias. Em
ação comunicativa é destacar a importância comparação, uma abordagem hermenêutica
da forma literária. Somente depois de dar que dá atenção à forma literária do texto bíblico
atenção à forma ou gênero literário de um texto inverte "a grande inversão" da hermenêutica
é que se pode aprender que tipo de coisa, ou bíblica e restaura a possibilidade da inter­
ato comunicativo, ele é. Observe que há um pretação teológica. O objetivo tradicional da

81
Exegese e hermenêutica

teologia bíblica pode ser mais bem alcançado (e.g., apocalíptica, narrativa, hino de louvor, lei,
pela atenção dada aos diversos gêneros literários epístola etc.). Nessa descrição dos "conceitos
da Bíblia - pela descrição dos "atos de fala" de palavrà' da Bíblia, a teologia bíblica serve
das Escrituras. Cada texto é um tipo de coisa, de ferramenta indispensável para auxiliar os
um tipo particular de ato comunicativo, e o leitores a se apoderarem das palavras, e dos
gênero do texto é, em geral, a melhor indicação universos, da Bíblia. Calvino esiava certo ao
do tipo de coisa que o autor está querendo chamar as Escrituras de "óculos da fé", embora
dizer. precisemos acrescentar que esses óculos são
O conGeito de gênero literário envolve formados por uma pluralidade de lentes.
muito mais do que apenas um mecanismo Talvez nenhum outro gênero ilustre
para classificar os tipos de textos. Cada gênero melhor a importância da forma literária como
literário representa um modo de experimentar a narrativa. A narrativa é um instrumento
e representar algum aspecto da realidade. Cada cognitivo ímpar especialmente útil para ver
gênero é uma estratégia de comunicação que como um grupo heterogêneo de pessoas e
emprega linguagem para envolver seus leitores eventos revela certa unidade. De fato, com a
e representar a realidade de maneiras diferentes. narrativa talvez deveríamos dizer que o meio (de
Gêneros literários são jogos de linguagem, cada comunicação) é a mensagem. Simplesmente,
um com suas próprias regras de formação de não há como identificar o significado (o
sentido. Por exemplo, as regras para a história referente) da narrativa sem a forma narrativa.
diferem daquelas da ficção, apocalíptica, Os leitores, por exemplo, podem ver a história
provérbio e mito. De fato, os gêneros são de Israel, ou de Jesus, como a narração da
estratégias tanto cognitivas quanto comuni­ providência divina somente graças à ótica
cativas, que "mapeiam" a realidade de diversas narrativa de certos livros bíblicos. As narrativas
maneiras. A teologia da Bíblia é mediada por comunicam os modos de ver e pensar sobre
um texto e, junto com o arco-íris das formas o envolvimento de Deus com o mundo que
literárias, ,contém a luz resplandecente da não podem ser reduzidos a um conjunto de
verdade. A teologia bíblica, portanto, trata conceitos.
não apenas de palavras e conceitos, ou atos O que exatamente uma teologia bíblica que
narrativos e testemunho de eventos, mas dá atenção à importância da forma literária
também de "poética" das Escrituras - o "tra­ descreve ao tratar da teologia, por exemplo, da
balho sistemático ou estudo da literatura narrativa bíblica? A contribuição particular do
como tal" (MEIR STERNBERG, Poetics ofBíblica gênero narrativo é que autores que o utilizam
Narrative [Poética da narrativa bíblica], apresentam mundos. Uma narrativa exibe uma
Blomington, 1985). visão de mundo, um mundo interpretado.
A tarefa urgente da teologia bíblica consiste Além de relacionar uma série de eventos, os
em ocupar-se com uma poética bíblica na qual autores assumem postura em relação a eles. O
a teologia da Bíblia seria descrita não por meio que o autor comunica é uma perspectiva sobre
primordialmente da etimologia ou história, o mundo demonstrada no texto. Os eventos
mas, antes, pela interpretação da mensagem exibidos podem ser acompanhados por um
bíblica em termos de sua integridade comu­ número de ponto de vistas de avaliação (e.g.
nicativa como tipo particular de literatura louvor, escárnio, condenação). A questão é que

82
Exegese e hermenêutica

a narrativa não apenas informa o leitor sobre atenção ao nível do gênero nos permite buscar
eventos históricos, mas também o auxilia na temas longitudinais através das Escrituras e,
formação de sua atitude para com os eventos. assim, correr menos risco de analisá-los fora
As narrativas são instrumentos poderosos para de seu contexto (literário).
moldar a maneira de ver, imaginar e pensar
sobre o mundo. Sem as narrativas bíblicas, por Descrição da Bíblia inteira: os dois
exemplo, talvez não poderíamos enxergar o Testamentos, um testemunho?
mundo em sua organização criativa e pactua!. A tarefa da teologia bíblica - entender a
E assim como aprendemos como ser pessoas teologia do texto com base no próprio texto
virtuosas ao ler relatos de heróis e vilões, - nos leva a dar atenção à natureza dos textos
também aprendemos como ser seguidores bíblicos como unidades literárias. Contudo, há
genuínos de Jesus por meio das narrativas dos outros níveis de unidade de maior importância
Evangelhos. para o teólogo: o nível dos Testamentos (i.e.,
O ponto principal aqui é que a Bíblia é teologia do AT, teologia do NT ), e além
formada por uma variedade de textos que deste, ainda maior e mais abrangente, o nfvel
precisam ser descritos não somente em nível do cânon (i.e., teologia bíblica propriamente
linguístico, mas também em nível literário. dita). Nesse nível, o "isso" da expressão "o que
Cada um dos principais gêneros encontrados isso significou" refere-se às Escrituras cristãs
nas Escrituras - narrativa, profecia, apoca­ consideradas em sua unidade total. Quanto
líptica, didático, hino - contribui no seu à interpretação da Bíblia como Escrituras,
próprio modo para o projeto mais amplo talvez a questão mais importante em relação ao
de testemunhar do Deus de Israel e de Jesus contexto literário seja: um ou dois conjuntos?
Cristo. O reconhecimento de que a diversidade Sendo mais preciso, quais suposições teológicas
de formas literárias é essencial ao conteúdo da legitimam a leitura dos dois Testamentos como
Bíblia não deve impedir que o teólogo bíblico uma Escritura? Ler os Testamentos juntos
estude temas teológicos particulares. Ricoeur, envolve assumir posturas hermenêuticas e
por exemplo, explora como as diversas formas teológicas. Mais importante, significa decidir
literárias das Escrituras tratam o tópico do que o Deus que ressuscitou Jesus da morte é o
tempo, um tema bem conhecido da teologia mesmo Deus que tirou Israel do Egito. Ler a
bíblica. O contraste entre os conceitos grego e Bíblia tipológica e intertextualmente é permitir
hebraico de tempo foi o esteio do movimento da à teologia cristã transformar as pressuposições
teologia bíblica. Entretanto, o mais admirável trazidas ao texto pelo leitor.
sobre o estudo de Ricoeur é que ele está menos Quais novos problemas ou possibilidades
interessado nas palavras bíblicas para designar o conceito de cânon levanta para a exegese e
"tempo" do que em CQmO os principais gêneros hermenêutica da Bíblia? O que acontece quando
bíblicos representam o tempo (P. RicoEUR, se tenta descrever os temas-chave ou a mensa­
Figuring the Sacred [Imaginando o sagrado], TI, gem da Bíblia quando esta é considerada em
Minneapolis, 1995, p. 167-80). Cada gênero sua unidade total? O problema pode ser pron­
configura ou interpreta tempo em um modo tamente expresso: diversidade. De acordo com
distinto: tempo imemorial; tempo histórico; Walter Brueggemann, o cânon representa uma
tempo "oportuno" ou "escatológico". Dar coleção de ideias tão diversificadas que toda

83
Exegese e hermenêutica

tentativa de encontrar uma mensagem teoló­ canônico, Childs se refere tanto à forma final
gica coerente resulta em violência interpreta­ de cada livro bíblico em particular quanto à
tiva e reducionismo ( Theology of the Old posição de um em relação ao outro. Observe
Testament: Testimony, Dispute, Advocacy [Teo­ que na opinião de Childs "o que significou"
logia do Antigo Testamento: testemunho, (e.g., os cânticos do Servo em Isaías) trans­
disputa e defesa], Minneapolis, 1997). Por forma-se gradativamente em "o que significa"
um lado, a diversidade linguística, histórica (e.g., Jesus Cristo como o Servo cto Senhor),
e cultural intensifica o que parece ser uma precisamente porque a forma final com sua
descontinuldade teológica: aliança antiga intenção canônica funciona como regra de fé
versus nova. A hermenêutica cristã aqui é levada - como Escritura - para os membros da
ao limite; é realmente possível ler os dois igreja do passado, presente e futuro. Essa é
Testamentosjuntos? Por outro lado, o processo a versão canônica do círculo hermenêutico:
hermenêutico que une os dois Testamentos já leitura intertextual, o antigo à luz do novo e o
era o assunto de reflexões explícitas dos autores novo à luz do antigo. Childs seguiu seu próprio
do NT. A pergunta hermenêutica que deve ser conselho hermenêutico em seu comentário de
feita é a seguinte: qual é a importância para a Êxodo (The Book ofExodus [O livro de Êxodo],
teologia bíblica de uma exegese teológica das OTL, Philadelphia e London, 1974, 1979), no
Escrituras que leve a sério o contexto canônico? qual ele trata do "contexto do NT " da história
1) A abordagem canônica de Bre vard de Moisés.
Childs. Para Childs, a canonização se refere A crítica mais frequente contra Childs é
ao processo por meio do qual as tradições de que ele exagera a importância da forma final.
Israel e da igreja primitiva foram moldadas Alguns exegetas se recusam a levar a descrição
para permitir que elas fossem consideradas até esse nível. Os críticos bíblicos se perguntam
autorizadas para gerações futuras, como por que deveríamos descrever as palavras
uma regula fidei (regra de fé). O que Childs e textos do AT em seu contexto canônico
se propõe a descrever, portanto, é como os em vez de histórico? J. Barr e H. Raisanen,
· textos forain moldados com a finalidade por exemplo, acreditam que seja arbitrário
de terem uma fi,1.nção autorizada na vida da limitar a tarefa do erudito a uma descrição
comunidade de fé. intracanônica; eles preferem marchar em volta
As Escrituras cristãs, em sua forma final, do muro canônico em busca de informação e
incluem os dois Testamentos, e cada um deles paralelos extrabíblicos que posam trazer luz ao
deve ser lido à luz do outro. Para Childs, o texto. Childs, por sua vez, está tentando mediar
resultado é que o AT não deve ser descrito entre a abordagem crítica da erudição e a
separado de sua ligação com o NT . É pre­ abordagem confessional da igreja. Ele apresenta
cisamente essa interdependência da inter­ sua abordagem canônica como uma herme­
pretação do AT e do NT que constitui a única nêutica comum a santos e a acadêmicos. Con­
tarefa da teologia bíblica de acordo com Childs. tudo, ele não oferece argumento adequado
Interpretar o AT como se fosse um texto para sustentar sua tese de que só a forma final
autônomo é interpretd-lo mal; no mínimo, é é teologicamente autorizada.
interpretá-lo fora de seu contexto adequado Recentemente, Childs complementou
(i.e., canônico). Ao mencionar um contexto seu argumento literário sobre a estrutura do

84
Exegese e hermenêutica

cânon com um argumento mais propriamente é muito significativa para a hermenêutica e a


teológico sobre a substância do cânon. Childs teologia bíblica.
fala da "função hermenêutica" da teologia 2) Descrição densa: As Escrituras interpretam
bíblica, a saber, compreender os "dois coros" as Escrituras. Se o "isso" na expressão "o que
de vozes dentro da Bíblia cristã "em relação à isso significou" se refere a toda a Bíblia cristã,
realidade divina Uesus Cristo], para a qual eles o Antigo e Novo Testamentos, então não
apontam de formas tão diferentes" (Biblical podemos alegar ter descrito o texto adequa­
Theology of the Old and New Testaments damente se ignoramos o nível canônico.
[Teologia bíblica do Antigo e Novo Testa­ Interpretar passagens isoladas do AT como
mentos], p. 85). Contudo, Childs nem sempre evidência da história religiosa e cultural de
deixa claro se a leitura da Bíblia em busca Israel é oferecer somente descrições "ralas".
do testemunho de Cristo é uma questão da De igual modo, o uso de textos do NT para
forma literária do texto ou dos interesses inter­ reconstruir o Jesus histórico oferece apenas
pretativos da comunidade. O "cânon" é um descrições diluídas. Childs, juntamente com_
fato a respeito do texto ou da comunidade seu mentor Karl Barth, está absolutamente
interpretativa que busca nele orientação? certo ao insistir nesse ponto.
Stephen Fowl fala pelos críticos atuais favo­ Ler a Bíblia canonicamente é ler a Bíblia
ráveis à "leitura orientada pelo leitor" quando como ato comunicativo unificado, isto é, como
sugere que deveríamos eliminar o conceito o ato de fala complexo de múltiplos níveis de
de "significado" e, em vez disso, admitir que um único autor divino. Resulta que a teologia
lemos a Bíblia com certos objetivos e interesses bíblica - não apenas a teologia do AT ou do
(Engaging Scripture [Lendo as Escrituras], NT, mas a teologia da Bíblia como um todo
Oxford, 1998, p. vii). A questão é se a leitura - é uma tentativa de ler as Escrituras como
canônica é exigida pelo próprio texto ou palavra de Deus. Ler a Bíblia canonicamente
arbitrariamente escolhida por comunidade pode ser lê-la de acordo com a sua mais fiel e
interpretativa. mais plena intenção divina. Esse é um ponto
Paul Noble acredita que a preferência de muito importante; a abordagem canônica
Childs pela forma final do texto bíblico deve é uma questão não de como a igreja lerá a
estar fundamentada, em última instância, em Bíblia, mas do que é a Bíblia. Ler a Bíblia
uma doutrina da inspiração. O que Childs como Escrituras unificadas rtão é apenas
chama de "teologia bíblica canônica do um interesse interpretativo dentre outros,
Antigo e Novo Testamentos" deve ser mais mas a estratégia interpretativa --que melhor
corretamente compreendido em termos corresponde à natureza do próprio texto, dada
de autoria divina. A alegação de Childs a sua inspiração divina.
de que o significado do texto só pode ser É possível descrever textos, como ações,
encontrado no contexto do cânon como em vários níveis de complexidade. Pode-se
um todo "é formalmente equivalente a crer falar do impulso nervoso, dos movimentos
que a Bíblia é inspirada de tal modo que é, do dedo indicador, do aperto do gatilho, do
em última instância, a obra de um único assassinato do presidente - todos podem ser
Autor" (P. NOBLE, The Canonical Approach descrições do mesmo ato, embora ajam em
[A abordagem canônica], p. 340). Essa ideia diferentes níveis de explicação. Contudo, a
85
Exegese e hermenêutica

primeira descrição é "ralà' quando comparada em Cristo. Quando descrito nesse nível su­
com a última. Descrições superficiais ("ralas") perior, o cânon serve de meio para o tema
são o resultado do uso de um contexto muito que unifica as Escrituras e surge de, mas não
estreito para interpretar uma ação intencional. pode ser reduzido a, atos de fala menores e
Uma descrição falha em produzir compreensão menos complexos que compreendem os dois
se algo essencial é deixado de fora da narrativa. Testamentos (e.g., contando uma história,
Uma coisa é descrever o mecanismo biológico profetizando, prometendo etc.,. Graças ao
do canal lacrimal, e outra, completamente di­ seu contexto canônico abrangente, os atos
ferente, é descrever o porquê de alguém chorar. comunicativos menores são tomados e
Do mesm� modo, não é suficiente descrever reorientados para o propósito maior de "tornar
palavras, eventos ou mesmo livros bíblicos sábio para a salvação".
isoladamente. O que a teologia bíblica deveria descrever é
Descrições superficiais do texto sofrem de o discurso divino/humano de múltiplos níveis
pobreza de significado. Enquanto cada nível da Bíblia - textos canônicos como atos comu­
oferece descrições úteis, não podemos alegar nicativos complexos (cf. C. BARTHOLOMEW,
compreender o verdadeiro significado da ação Reading Ecclesiastes [Lendo Eclesiastes] esp.
- o que um autor (humano ou divino) está cap. 7). Quando se descreve "o que isso signi­
fazendo - até que a contemplemos em sua ficou/significà', talvez seja melhor pensar em
forma final, como ato completo. Permanecer uma série de estruturas interpretativas em
expansão. Primeiro, há o campo semântico
no nível de palavras e conceitos, ou mesmo de
do que as palavras poderiam, porventura, ter
gêneros literários, não oferece uma descrição
significado em suas situações históricas; em
suficientemente "densa" da mensagem das
seguida, está o contexto histórico do que os
Escrituras. Somente a forma final do texto
autores poderiam ter pretendido dizer em
exibe o ato comunicativo divino em sua
determinado ponto na história da redenção;
inteireza; consequentemente, a forma final é
depois, o contexto literário do que as palavras
a melhor evidência para determinar o que os
poderiam significar como parte de um tipo
autores, humano ou divino, em última análise,
específico de literatura; e, finalmente, o que
estão fazendo. as palavras em certo tempo e em um tipo es­
O cânon, como uma coleção de textos pecífico de texto significam hoje, lidas como
divinamente inspirados, descreve um ato parte do cânon unificado que, considerado
comunicativo unificado de Deus à medida como um todo, aponta para Jesus Cristo.
que assume e coordena os diversos atos Em última análise, a melhor maneira de
comunicativos humanos apresentados nos descrever "o que isso significou" é interpretar
níveis comparativamente inferiores das frases uma passagem das Escrituras em seu contexto
e livros. O cânon é um grande ambiente linguístico-histórico, literário e canônico. Há
de testemunhas no qual todas as diferentes de se observar que, no nível mais alto, a Bíblia
vozes testemunham a respeito do Senhor em si mesma constitui o seu próprio e mais
Jesus Cristo. Além das leis e promessas, adequado contexto. Portanto, o princípio
advertências e mandamentos, narrativas e reformado para interpretação bíblica se aplica
cânticos, há um ato todo-abrangente, aquele à teologia bíblica também: as Escrituras
que testemunha do que Deus fez e está fazendo interpretam as Escrituras.

86
Exegese e hermenêutica

Teologia bíblica e hermenêutica teológica Diante dessa diversidade, a atitude pós-mo­


Uma das ênfases mais notáveis da herme­ derna é tolerar todos eles; cada exegeta tem
nêutica contemporânea trata do lugar do a sua própria hermenêutica. Em face dessa
leitor na interpretação. Praticamente ninguém pluralidade de interpretações, é importante
no campo da hermenêutica hoje acredita na assegurar que o interesse interpretativo de
possibilidade de uma interpretação isenta. alguém corresponda à intenção comunicativa
A teologia bíblica, contudo, embora tenha do texto. Do contrário, os intérpretes descre­
alcançado a posição de disciplina acadêmica verão não a teologia do texto, mas apenas suas
independente ao mesmo tempo que a herme­ próprias ideologias e interesses.
nêutica, por boa parte de sua história fez de Os próprios textos bíblicos têm um interesse
seu objetivo apresentar uma descrição pura das teológico, um interesse de mediar o conhe­
informações linguísticas e históricas. Portanto, cimento de Deus. Ocupar-se com uma exegese
a teologia bíblica poderá sobreviver em uma teológica não é questão de optar arbitraria­
era hermenêutica? mente por uma leitura teológica em vez de
histórica; pelo contrário, significa' especificar
A inevitabilidade da hermenêutica e respeitar o contexto adequado para uma
Suscitar a questão sobre hermenêutica é descrição "densà'. Desenvolver uma teologia
uscitar a questão sobre quem se incumbe da bíblica envolve adotar abordagem integrativa
tarefa de interpretação e por quê. Certamente, de múltiplos níveis para com o texto como ato
comunidades interpretativas abordam a Bíblia comunicativo complexo contendo palavras,
com base em diferentes interesses ideológicos. eventos, textos e Testamentos.
É possível, contudo, abordar o texto com o A hermenêutica é inevitável não porque
interesse de entendê-lo? O propósito funda­ o texto bíblico não seja claro, mas porque os
mental da teologia bíblica e da interpretação objetivos e interesses do intérprete geralmente
em geral é: receber o texto com base no que não estão claros. As leituras que se fazem,
de é, não em termos de algum método ou mesmo as descrições históricas objetivas
quema previamente determinado. Se há esse explícitas, são sempre orientadas por certas
interesse- de entender o texto bíblico com suposições: sobre o tipo de texto que se lê,
,ase no que ele é-, ele seria principalmente o alcance da coerência e unidade do texto, o
,istórico ou teológico? A sugestão deste artigo relacionamento com outros textos, se é apenas
que ter um interesse teológico, longe de ser palavra humana ou também palavra de Deus.
bicrário, é, aliás, necessário caso se pretenda Se não é possível desenvolver Ullla exegese
fazer justiça à natureza da própria Bíblia, consi­ nem uma descrição histórica pura sem
erada não apenas uma coleção de atos de fala pressuposições, então é importante abordar
umanos, ma,s também como um ato canônico o texto bíblico com suposições preliminares
ino unificado. corretas. É importante desenvolver uma
É comum ser intimado a escolher entre hermenêutica propriamente teológica.
ceresses interpretativos rivais: "eu sou de
º'ds", "eu sou de Eichrodt", "eu sou de Ladd". Teologia bíblica como interpretação teológica
u então: "eu sou do feminismo", "eu sou Christopher Seitz e Francis Watson,
o liberalismo", "eu sou do evangelicalismo". respectivamente teólogos do AT e do NT,

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Exegese e hermenêutica

concordam que a verdadeira questão por trás não teológicas ou baseadas em revisões radicais
da decisão de ler a Bíblia canonicamente é uma da ortodoxia cristã. Contudo, graças às análises
questão teológica. Para Seitz, é uma questão críticas pós-modernas do objetivismo, os
de quão confiantes os críticos bíblicos liberais cristãos não precisam mais temer o discurso
modernos estão de que as Escrituras do AT e acadêmico que alega que apenas as suas
NT "têm o poder de testemunhar em favor suposições são racionais.
da realidade divinà' (C. SEITZ, Word without Conforme apresentada aqJi, a teologia
End [Palavra sem fim], p. 108). Para Watson, é bíblica é aquela abordagem que descreve
questão da convicção cristã de que Jesus Cristo "conceitos de palavrà' e formas literárias da
é mediado textualmente por meio dos dois Bíblia, e principalmente aquela descrição
Testamentos, "conforme as Escrituras". Não há "densa" do cânon como ato comunicativo
outra justificativa adequada para a leitura do divino. A teologia bíblica é uma descrição dos
AT e NT juntos senão a convicção teológica textos bíblicos em níveis que demonstram sua
de que estes textos são mediadores da verdade importância teológica. Assim sendo, a teologia
sobre o único Deus. bíblica nada mais é do que uma hermenêutica
Como temos visto, as tentativas de oferecer teológica: uma abordagem interpretativa da
uma descrição histórica pura dos textos Bíblia instruída pela doutrina cristã. O teólogo
bíblicos, na verdade, produzem descrições bíblico busca a mensagem teológica comunicada
apenas superficiais com respeito à teologia. Se pelos textos considerados individualmente e
o "isso" de "o que isso significou" for explicado como uma coleção.
muito restritamente, não se vai além de uma "A teologia bíblica é uma disciplina
exegese não teológica. Limitar a teologia bíblica teológica, hermenêutica e exegética, e sua
à descrição histórica significa abandonar a dimensão hermenêutica e teológica é colocada
tentativa de ler a Bíblia como norma teológica à disposição de seu interesse teológico que a
para a igreja e rejeitar a noção de inspiração e tudo superà' (WATSON, TextandTruth [Texto
autoria divinas, e, consequentemente, recusar e verdade], p. vii). A teologia dos textos é
a leitura da Bíblia como palavra de Deus. É mediada por vários tipos e níveis de ação
impossível ler as Escrituras hebraicas do AT comunicativa, os quais precisam ser todos
sem assumir uma posição com respeito ao reconhecidos e descritos. A exegese teológica
relacionamento entre os dois Testamentos, objetiva resgatar uma intencionalidade que é
posição que em última análise corresponde à histórica, incorporada em formas literárias, e
visão que se tenha a respeito de Deus e Jesus cujo propósito último (i.e., no nível canônico)
Cristo: "Onde os interesses teológicos são é testemunhar de Jesus Cristo.
marginalizados, os dois Testamentos se separam Em vez de optar exclusivamente entre o
quase que automaticamente" (WATSON, Text exegeta e o teólogo sistemático, o teólogo
andTruth [Texto e verdade], p. 5). Em resumo, bíblico procura criar uma abordagem inter­
nem a exegese nem a teologia bíblica podem disciplinar à interpretação bíblica que visa
ser desenvolvidas sem pressuposições teológicas à verdade teológica mediada pelo texto.
explícitas, suposições com respeito à natureza A teologia bíblica nada mais é que uma
e identidade de Deus. A erudição também hermenêutica teológica, uma regula legei (regra
tem suas suposições, mas são muitas vezes de leitura). Como tal, a teologia bíblica não é

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Exegese e hermenêutica

meramente recondicionamento do conteúdo R. LUNDIN, e. WALHOUT, A. e. THISELTON,


conceitua! das Escrituras, mas uma maneira The Promise of Hermeneutics (Grand Rapids;
de preparar em mesmo grau o coração, mente 1999); R. MoRGAN & J. BARETON, Biblical
e imaginação do leitor no modo de perceber e Interpretation (Oxford, 1988); P. NoBLE, The
experimentar o mundo de acordo com as várias Canonical Approach: A Criticai Reconstruction
formas literárias e o único cânon que, juntos, of the Hermeneutics of Brevard S. Childs
constituem a palavra escrita de Deus. (Leiden, 1995); C. SEITZ, Word without
End: The OT as Abiding Theological Witness
Veja também: TEOLOGIA BfBLICA; UNIDADE (Grand Rapids, 1998); K. STENDAHL, "Biblical
E DIVERSIDADE DAS ESCRITURAS; 0 RELA­ theolog)f, contemporary", IDB 1, p. 418-
CIONAMENTO ENTRE o ANTIGO E o Novo 32; A. TmsELTON, "Biblical theology and
TESTAMENTOS. hermeneutics", in: D. FoRD (Ed.), The Modern
Theologi,ans (Oxford e Cambridge, MA, 21997),
Bibliografia p. 520-37; W. VANGEMEREN (Ed.),A Cuide.to
J. BARR, "Biblical Theology", IDBSup, p. OTTheology andFxegesis (Grand.Rapids, 1999);
104-11; C. BARTHOLOMEW, Reading Ecclesiastes: K. VANHOOZER, "From canon to concept: the
OT Exegesis and Hermeneutical Theory (Roma, 'sarne', the 'other' and the relation between
1998); B. Cmrns, Biblical Theology of the Old biblical and systematic theology", SBET 12,
andNew Testaments (London, 1992); H. FREI, 1994, p. 96-124; idem, Is There a Meaning in
The Eclipse of Biblical Narrative: A Study in this Text? The Bib/e, The Reader and the Morality
Eighteenth and Nineteenth-Century Hermeneutics ofLiterary Knowledge (Grand Rapids e Leicester,
(New Haven, 1974); W. JEANROND, Text 1998) [Há um sign. ifi.cado neste texto?, São
and Interpretation as Categories of Theological Paulo, Vida, 2005]); F. WATSON, Text and
Thinking(NewYork, 1988);A. LACocQUE, P. Truth: Redefining Biblica!Theology (Edinburgh,
RicoEUR, Thinking Biblically: Exegetical and 1997); N. T. WruGHT, The NT and the People
Hermeneutical Studies (Chicago, 1998); R. ofGod (London, 1992).
LINTS, The Fabric ofTheology: A Prolegomenon
to Evangelical Theology (Grand Rapids, 1993); K. ]. VANHOOZER

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