Responsabilidade Civil
Responsabilidade Civil:
Estudaremos a RC como fonte de obrigações, sendo esta a última fonte a vir tratada no CC. A
obrigação que nasce verificados os pressupostos da RC é a obrigação de indemnizar, ou seja, a obrigação de
reparar um dano sofrido por outrem. Assim, ser civilmente responsável significa estar civilmente responsável
a reparar um dano ao lesado. O responsável será o devedor e o lesado será o credor (titular da esfera
jurídica onde o dano se verificou).
A Responsabilidade Civil constitui uma figura jurídica com manifesta relevância prática e teórica.
Ocorre, quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outrem. a lei faz surgir uma
obrigação em que o responsável devedor e o lesado credor. Trata-se, portanto, de uma
obrigação que nasce diretamente da lei e não da vontade das partes, ainda que o responsável
tenha querido causar o prejuízo.
Figuras Afins:
Em primeiro lugar, vamos diferenciar da RC alguns institutos que lhe são próximos, mas com os quais
não se confunde:
- Primeiro, cabe não confundir a Responsabilidade Civil (reparação patrimonial de um dano que é
privado) com a Responsabilidade Penal (esta pressupõe um ilícito penal e tem natureza pública; não se trata
de uma reparação patrimonial de um dano privado). As sanções, verificados os pressupostos da RP têm
carater publico, pessoal e indisponível, na medida em que se visa a regulação de interesses coletivos;
diferentemente ocorre perante um ilícito civil onde se visa a regulação de interesses privados. As sanções
civis são privadas e disponíveis, e têm carater patrimonial. Quanto à finalidade, se a Responsabilidade Penal
tem uma finalidade simultaneamente preventiva e punitiva, a Responsabilidade Civil de acordo com a
doutrina clássica tem como finalidade principal um fim de reparação ou compensação do dano causado. A
finalidade primária da RC é uma finalidade compensatória, visando-se remover o dano sofrido por
determinada pessoa, imputando-se este ao lesante. A par da função compensatória, mas a título meramente
subsidiário, aponta-se à RC uma finalidade preventiva e uma também punitiva, mas não como finalidade
primária. Na RC não se visa punir e prevenir posteriores comportamentos do lesante, mas sim compensar o
dano que foi causado em esfera jurídica alheia. Contudo, em determinadas situações pode-se pôr a questão
da RC promover finalidades punitivas e preventivas. E porque assim é, o argumento principal que leva a
doutrina a considerar que a finalidade primordial é compensatória leva a que o critério do cálculo da medida
da indemnização seja o valor do dano (art. 562º e art. 566º). O critério geral é o de que a medida de
obrigação de indemnizar é a medida do dano. Pode suceder que um facto que tenha sido praticado por culpa
leve, tenha por consequência um valor do dano muito excessivo, ou seja, uma indemnização num valor
muito elevado. O critério é o da medida do dano e não o da medida da culpa. É possível, contudo, a redução
equitativa em caso de mera culpa, podendo o juiz fixar um valor inferior ao que resultaria do dano (aqui o
juiz afasta-se do regime geral, permitindo-se ao juiz que fixe a indemnização em valor inferior à medida do
dano). O inverso já não é possível – o juiz não pode fixar uma indemnização superior ao valor do dano, em
razão da intensidade da sua culpa. O mesmo facto pode simultaneamente preencher os pressupostos da RC
e da RP – naturalmente aplicar-se-ão os dois regimes. Contudo, aqui, quando um facto preencha
simultaneamente os pressupostos de ambas, vigora de acordo com o CPP o princípio da adesão. Este
princípio consagra que em regra o pedido de indemnização civil deve ser formulado no processo penal
respetivo, sendo o mesmo juiz aquele que vai conhecer da RP e da RC. O regime nesta hipótese que o juiz vai
aplicar será o da RC no que concerne ao pedido de indemnização.
- Diferença entre o ESC e a RC: Ambos envolvem uma indemnização em sentido amplo ou
restituição, verificados os pressupostos de cada um dos institutos. Em todo o caso, os institutos têm
pressupostos diferentes e prosseguem funções distintas. Se no ESC a obrigação de restituição tem por
finalidade a restituição do enriquecimento indevidamente obtido, sendo pressuposto a verificação de um
enriquecimento; na RC, porque a finalidade é a da remoção de um dano e não a da restituição de um
enriquecimento, não é pressuposto que o obrigado a indemnizar tenha enriquecido com o facto ilícito que
praticou, é sim pressuposto que tenha causado um dano a outrem (diferente do que se passa no ESC).
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O CC consagra basicamente a conceção clássica de que a responsabilidade civil por atos ilícitos tem a função de
reparar os danos causados e não fins sancionatórios (art. 483º/1 e 562º e, de um modo geral, a disciplina da obrigação
de indemnização. Todavia, num ou noutro aspeto do regime da obrigação de indemnizar, pode ver-se aflorada a ideia
de que a referida responsabilidade civil visa também, embora acessoriamente, um escopo de repressão e prevenção
desses atos ilícitos.
responsabilidade civil, a remoção das eventuais vantagens conseguidas pelo lesante apenas se
opera de modo indireto, como reflexo da indemnização de um dano igual ou superior. Aliás,
existe a possibilidade de a mesma situação concreta preencher os pressupostos da
responsabilidade civil e do enriquecimento sem causa. É a hipótese da intervenção ou ingerência
ilícita em bens ou direitos alheios, com a obtenção de um lucro que exceda o dano produzido ao
respetivo titular2.
2
Apresentando-se o dano igual ou superior ao lucro, parece muito duvidoso que surja uma situação de facto em que,
no campo do art. 494º, a equidade imponha ou consinta uma indemnização abaixo do que o agente obteve e, portanto,
que possa ocorrer a invocação subsidiária, pelo lesado, do enriquecimento sem causa.
do dano seja desconhecido ou quando incumprindo a obrigação de não celebrar um seguro de RC, há um
fundo de natureza publica, que vai suportar pelo menos os danos pessoais e patrimoniais mais graves
suportados pelo lesado. Assim, quando falamos de coletivização falamos com fundamento ético, ou seja, de
solidariedade para com os nossos pares (uma ideia de Estado Social). Assim, se no liberalismo se olhava para
a situação jurídica do lesante, considerando que só seria fundamento justificado a culpa em razão da
proteção do mesmo; hoje em dia, desloca-se a visão da proteção do lesante para a proteção do lesado, em
todo o caso terá de haver um fundamento ou a culpa ou caberá nas hipóteses previstas na lei ao abrigo da
responsabilidade objetiva ou de intervenção por facto lícito.
A História Comparada mostra que todos os sistemas sofreram uma evolução idêntica. Nos
primórdios das instituições jurídicas da generalidade dos povos, o direito de vingança que a
consciência coletiva reconhecia à vítima constituía o modo por que se operavam, ao mesmo
tempo, a reparação do dano e a punição do seu autor. Tratava-se de uma reação quase
instintiva contra o malsofrido, mais baseada na causalidade material, entre a ação humana
violadora da ordem jurídica e o dano, do que na intenção do agente. E, nesses direitos
primitivos, a solidariedade familiar, dos vizinhos ou de entidades protetoras – tanto da parte da
vítima como da parte do agressor – desempenhava um papel de relevo. Era, em resumo, uma
responsabilidade predominantemente objetiva e coletiva, sobretudo de índole penal.
Cedo, porém, se admitiu que o autor do prejuízo pudesse escapar ao direito de revindicta do
ofendido, entregando-lhe uma soma em dinheiro. Esta continuava a ter o simultâneo alcance de
reparação e punição. Entretanto, verificar-se-ia a intervenção da autoridade pública, a fim de
evitar as desordens e lutas produzidas pela vingança privada. Tal intervenção operou-se de duas
formas: por um lado, os poderes públicos fixaram o montante das várias indemnizações
pecuniárias e obrigaram os ofendidos e obrigaram os ofendidos a aceitá-las; por outro lado,
passaram a punir certos factos que, em virtude de não afetarem diretamente os particulares,
ficavam desprovidos de sanção. Dando-se depois um passo em frente, os poderes públicos
passaram tambem a punir os autores de certos prejuízos que, não obstante, atingirem interesses
particulares, faziam especialmente perigar a ordem social.
o Apuramos assim que a responsabilidade civil e a responsabilidade penal, embora
confundidas no começo se foram a pouco e pouco separando. O que equivaleu a cindir-
se a reação contra o autor do facto ilícito: a vítima obtém dele uma reparação (ação
privada) e a autoridade pública pune-o (ação pública).
No direito romano, costuma-se apontar a Lei das XII Tábuas como o ponto de transição da fase
da composição facultativa para a fase da composição obrigatória, visto que em certos casos a
vítima se encontrava já obrigada a aceitar a composição e a renunciar à vingança privada. Mas,
segundo parece, foram os juristas bizantinos da época pós-clássica que, aprofundando a
vertente subjetiva, fizeram a análise psicológica da culpa e produziram a base doutrinal e
técnica da compilação justinianeia.
Pelo que toca à evolução do nosso direito, o problema ainda não está completamente
esclarecido. Sabe-se, no entanto, que o seu rumo foi paralelo ao dos outros direitos europeus.
Desde cedo, se começou a distinguir, mais ou menos nitidamente, a responsabilidade civil e a
responsabilidade penal. Ao mesmo tempo que, superando-se a conceção arcaica da
responsabilidade objetiva e coletiva, se caminhou para uma responsabilidade subjetiva e
individual.
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Entre nós, a Lei nº 104/2009, de 14 de setembro, com vigência a partir de 1 de janeiro de 2010 aprovou o regime de
concessão pelo Estado de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, revogando os regimes
anteriores, respetivamente, o Dec-Lei nº423/91 de 30 de outubro, e a lei nº 129/99, de 20 de agosto. Verificados certos
requisitos, têm direito à concessão de um adiantamento da indemnização pelo Estado as vítimas de danos graves à sua
saúde física ou mental que resultem, diretamente, de atos de violência praticados em território português ou a bordo
de navios ou aeronaves portuguesas (art. 2º) e as vítimas de violência doméstica (art. 5º).
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O escopo precípuo da responsabilidade civil é indemnizatória, quer dizer, a reparação de danos. Mas reconhece-se
que, acessória ou lateralmente, quando se funde na culpa, pode caber-lhe uma função preventiva e punitiva. O aspeto
punitivo ou retributivo afirma-se estranho à responsabilidade objetiva ou por intervenções ilícitas, dada a respetiva
natureza. Todavia, não o será, de algum modo, a ideia de prevenção com vista a evitarem-se situações de risco e a
estimular a vigilância das pessoas sobre os seus próprios comportamentos.
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Deverá atentar-se numa corrente de análise económica do direito, em especial, sedeada nos EUA, oposta à ideia da
vincada função indemnizatória da responsabilidade civil – pás. 532 (em nota de rodapé).
Assim, tendo presente estas diferenças depreende-se que a RCO é mais favorável ao lesado
do que o regime da RCEO. Senão vejamos: ao nível do ónus da prova da culpa, pois a culpa do
devedor é presumida na RCO (art. 799º/1); na RCO não será possível reduzir equitativamente o valor
da indemnização em caso de mera culpa; na responsabilidade por facto de outrem, o regime do art.
800º é mais favorável ao credor lesado do que o previsto no art. 500º; no regime da prescrição, na
RCO o regime ordinário é mais favorável ao credor lesado. Só há um aspeto em que o regime da
Posto isto, vamos ver as hipóteses de concurso de RCEO e RCO: pode suceder-se que o mesmo facto
danoso preencha ao mesmo tempo os pressupostos da RCEO e o da RCO. Estamos a falar de um concurso,
como refere Almeida Costa, meramente aparente, em que um mesmo ato danoso preenche ao mesmo
tempo os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito e culposo e os pressupostos da
responsabilidade civil obrigacional.
Exemplo: A celebra um contrato de transporte com B, em que se obriga a transportar
um objeto de B de Lisboa para o Porto e o objeto que se obrigou a transportar chega
ao seu destino partido, e vamos admitir que por culpa de A. Há responsabilidade civil
obrigacional? Há violação do contrato. Há responsabilidade civil extra-obrigacional
delitual? Há violação do direito absoluto de propriedade. O mesmo facto preenche
simultaneamente os pressupostos da responsabilidade civil obrigacional e extra-
obrigacional.
Exemplo: A celebra um contrato com B, cirurgião, em que B se obriga a operar A. B é
negligente grosseiramente e o A sofre graves lesões. Há responsabilidade civil
obrigacional? Há violação do contrato de prestação de um serviço médico. Há
responsabilidade civil extra-obrigacional delitual? Há violação do direito absoluto à
integridade física.
A pergunta que se coloca nestas hipóteses, em que há um concurso de normas potencialmente
aplicáveis a esta hipótese, é saber qual o regime ou regimes a aplicar. A questão tem relevância porque em
alguns aspetos o regime não é coincidente (ex.: ónus da prova da culpa, redução da indemnização, etc.). Há
controvérsia doutrinária em que há várias respostas a este problema:
1. Teorias do Cúmulo – teoria da ação híbrida, teoria da opção e teoria da duplicação de
ações:
o Teoria da AÇÃO HÍBRIDA: O lesado pode pedir uma indemnização e convocar as
normas que quiser de um ou outro regime da responsabilidade, consoante
entenda qual lhe é mais favorável. Pode prevalecer-se desta ação de quaisquer
normas que pretenda. O lesado pode pedir uma ação híbrida, ou seja, não sendo
esta restrita a qualquer das modalidades.
Teoria segundo a qual o lesado pode propor uma ação de
responsabilidade e nessa ação convocar as normas que quiser de um ou
de outro regime de responsabilidade, consoante entenda as que sejam
mais favoráveis. Poderá prevalecer-se das normas que desejar. É uma
ação híbrida porque poderiam ser aplicadas normas de uma
responsabilidade civil ou de outra.
o Teoria da OPÇÃO: o lesado poderia optar por propor uma ação de RCEO ou de
RCO, não podendo misturar os dois regimes e beneficiar naquilo que lhe seria
mais favorável. Só pode propor uma ação.
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Esta última designação é a mais completa, embora também se apresente suscetível de críticas. Alega-se, desde logo, a
sua demasiada latitude ou equivocidade, pois abrange, tanto o dever de indemnizar, como o próprio dever de prestar,
relativo ao cumprimento da obrigação. Contra a expressão responsabilidade negocial, sem dúvida restritiva, acresce a
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Se a responsabilidade foi disciplinada por negócio jurídico apresenta-se como contratual, posto que, na falta dele,
existisse responsabilidade extracontratual.
Na raiz da responsabilidade por factos ilícitos está necessariamente uma conduta da pessoa
obrigada a indemnizar, ou seja, um facto voluntário. Tal qualificação da conduta do agente tem o
único sentido de excluir os factos naturais produtores de danos, ou seja, os que não dependem da
vontade humana e se apresentam por ela objetivamente incontroláveis, como sucede quando os
danos procedem de causas de força maior ou de circunstâncias fortuitas invencíveis (ex.: um
ciclone, inundações, uma faísca, etc.). Portanto, em contrapartida, não se exige que se trate de
factos humanos intencionais, quer dizer, de comportamentos cujos resultados se hajam de antemão
desejado ou apenas considerado possíveis. Assim como se não mostra necessário que o agente
possua capacidade de exercício de direitos e, em certos termos, se admite até a responsabilização
de pessoas sem capacidade natural de entendimento ou de vontade (art. 488º e 489º).
Via de regra, a conduta do agente constitui um facto positivo ou ação, que viola um dever jurídico
de não intromissão na esfera de outra pessoa, titular do correspondente direito absoluto (ex.:
injuria, ofensa corporal, apropriação, etc.). Mas também um facto negativo ou omissão pode
ocasionar danos. Aliás, na responsabilidade contratual é mesmo uma conduta negativa – a não
realização da prestação – que as mais das vezes fundamenta a obrigação de indemnizar. Quanto ao
ilícito civil extracontratual, todavia, o problema da responsabilidade por omissões ou abstenções
tem maiores melindres.
o A nossa lei toma posição no art. 486º. Nele se declara que “as simples omissões dão lugar à
obrigação de reparar os danos, quando, independentemente, dos outros requisitos legais,
havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido”.
o De facto, esta norma reclama importante atenção. Almeida Costa propende para uma
compreensão ampla da disciplina consagrada. Segundo a sua letra, demasiado restrita, as
omissões tão-só geram responsabilidade civil desde que – além dos restantes requisitos
legais – se verifique um pressuposto específico: que exista o dever jurídico da prática do ato
omitido. Entre aqueles requisitos legais, coloca-se o problema da causalidade, equacionado
em termos hipotéticos, isto é, exige-se que o ato omitido tivesse seguramente ou com a
maior probabilidade obstado ao dano (art. 563º).
O dever jurídico de agir pode resultar diretamente da lei ou de negócio jurídico.
Lembre-se o dever dos pais de cuidar dos filhos, dos agentes de polícia de impedir
agressões, do professor de natação de socorrer o discípulo em perigo, do guarda da
linha de fechar a cancela da passagem de nível. Não se oferecem duvidas quanto a
hipóteses deste tipo, em que existe um dever precetivo que de forma expressa
deriva da lei ou de negócio jurídico.
Pensam, todavia, o professor Almeida Costa, que se impõe uma interpretação da
doutrina do art. 486º que abranja outras situações.
No âmbito da autonomia privada, afigura-se razoável equiparar ao negócio
jurídico certos casos porventura qualificáveis como relações contratuais de
facto. Imagine-se que o negócio de que resultaria o dever jurídico de ação
era nulo, como, por exemplo, o contrato celebrado entre o professor de
natação e os pais da criança que sofre o acidente. Ora, desde que o aludido
professor ou a baby-sitter, com a celebração do contrato nulo, não só
excluíram o recurso a outro meio para obstar à produção do resultado
danoso – gerando uma relação de confiança -, mas também se encontravam
na posição de, sem riscos pessoais, serem os únicos em circunstâncias de
evitá-lo, parece igualmente de defender a sua responsabilização nos termos
do art. 486º.
Do mesmo modo, considera-se adequado um entendimento mais lato da referência
ao dever geral de praticar o ato omitido. Cabe admitir aqui uma alusão genérica à
ordem pública. Sempre que, por exemplo, na esfera do direito penal impenda sobre
o omitente o dever de agir – isto é, ele esteja investido na posição de garante pela
não verificação do resultado danoso -, sustenta-se que tambem no plano civilístico
se terá de afirmar a existência de idêntico conteúdo, que o responsabiliza caso o
dano efetivamente se produza. De resto, o próprio art. 486º permite esta
interpretação, enquanto se reporta a dever por força da lei e não apenas por força
da lei civil.
qualquer facto que viole o direito. O facto será ainda ilícito se preencher algumas
clausulas especiais de ilicitude que vêm previstas no CC: 484º, 485º ou 334º. Só nestas
hipóteses é que o facto se considera ilícito.
i. Um dever de auxílio e que explica porque é que a lei ou o NJ estabelecem um
dever de ação e que legitima ao mesmo tempo que se faça uma interpretação
extensiva do art. admitindo que existam deveres específicos de agir, mesmo que
no plano formal não se imponha este dever jurídico. Neste sentido, o prof. AC
convoca o próprio CP na interpretação que faz do termo de lei – esta deve ser
atendida em termos amplos, abrangendo as hipóteses em que o CP imponha um
dever de auxilio (desde logo, importa aqui atentar ao art. 200º)
1. Violação ilícita de um direito de outrem – esta expressão tem sido
entendida como violação de um direito absoluto, de acordo com a tese
clássica. Isto porque o art. 483º ter-se-ia inspirado no paragrafo 823 do
BGB (este parágrafo definiu a ilicitude em termos estritos, dizendo que o
facto é ilícito quando violar determinados bens jurídicos que identifica).
O legislador português teria avançado um pouco mais, não optando por
enumerar os bens jurídicos absolutos, como fez o art. 483º, mas utilizou
a expressão mais ampla para querer significar que a violação de um
direito absoluto gera obrigação de indemnizar. Assim, não estaria
abrangido pelo conceito o direito de crédito se violado por terceiro.
Direitos absolutos: direitos reais, direitos de personalidade, direitos de
propriedade intelectual (direitos de autor e direitos de propriedade
industrial), são estas as hipóteses mais relevantes. Se A furta a coisa de
B, viola o direito de propriedade.
2. Violação de disposições legais destinadas a proteger direitos alheios
(violação de normas de proteção) – ex.: violação da norma do Código da
Estrada; o condutor ignora o sinal vermelho e passa – aqui, o condutor
não viola um direito absoluto, pois o Código da Estrada não confere a
quem ande na estrada o direito de exigir de outrem o dever de parar. O
CE não atribui aos utentes rodoviários o direito subjetivo de exigirem
aos demais utentes que respeitem o sinal vermelho. Há aqui uma
proteção meramente indireta dos utentes rodoviários. Quando a norma
não atribua o direito subjetivo, não está preenchida a primeira
modalidade de ilicitude; no entanto, está preenchida a segunda
modalidade de ilicitude. A pessoa que foi vítima do acidente é
indiretamente protegida por esta norma do Código da Estrada. O que se
verifica aqui é um fenómeno de antecipação da tutela, pois se existirem
semáforos, evitam-se os acidentes e, consequentemente, os danos que
se reflitam num bem jurídico absoluto. Esta expressão é genérica. Esta
modalidade de ilicitude só estará preenchida se se verificarem
determinados pressupostos que a doutrina e a jurisprudência têm
descriminado:
a. À lesão dos interesses dos particulares corresponda a ofensa de
uma norma legal – por outras palavras, ter-se-á de verificar a
violação de uma norma legal que proteja interesses alheios.
Comportamento que viola uma norma legal que proibia este
comportamento.
b. Que se trate de interesses alheios legítimos e juridicamente
protegidos por essa norma, e não … - a disposição legal que é
violada tem de visar proteger interesses alheios, de uma pessoa
ou de um círculo de pessoas, não sendo suficiente que tenha por
b. O facto só é ilícito se preencher cada uma das modalidades de ilicitude. Se o facto for
contrário ao direito e não preencher nenhum destes requisitos, não há dever de
indemnizar. Cada ordenamento juridico define o pressuposto da ilicitude em termos
mais ou menos amplos. Há ordenamentos, como por exemplo, o francês que definem o
conceito de ilicitude em termos muito amplos – sendo difícil distinguir a ilicitude da
culpa (caberá aos tribunais a concretização do conceito de ilicitude em termos mais
estritos ou mais amplos). A ilicitude está definida através do termo falta, que define
simultaneamente a ilicitude e a culpa. Por exemplo, o CC alemão define em termos
muito estritos o conceito de ilicitude, definindo os bens jurídicos que a ser violados
geram ilicitude – aqui preserva-se em maior medida a liberdade do lesante. O CC italiano
faz referência a uma ilicitude injusta – o dano tem de ser causado injustamente. O nosso
legislador não foi ao ponto de definir em termos tao precisos o conceito de ilicitude, não
enumerando os bens que a serem violados determinam a ilicitude do facto, utilizando
uma clausula delitual geral, não o fazendo, contudo, de forma tao genérica como o fez o
CC francês e o CC alemão. O legislador tentou circunscrever o conceito de ilicitude.
c. Quid iuris quando à não indemnizabilidade de danos puramente patrimoniais:
i. Exemplos: cortes de cabos de alta tensão – A danifica um cabo de alta tensão e
reclama um direito de indemnização o proprietário do cabo, reclamando ainda
todos os utilizadores da energia elétrica daquela localidade alimentada por
aquela rede elétrica. Assim, reclama não apenas o proprietário uma
indemnização, como tambem todos os moradores do bairro que ficaram sem luz
num determinado período. Quanto ao proprietário do cabo: está preenchido o
requisito da ilicitude, pois foi violado o direito de propriedade sobre o carro.
Agora, quanto ao dano dos utilizadores da energia elétrica, serão estes titulares
de um direito subjetivo absoluta que os permita reclamar contra quem danificou
o local? Não. Nem há violação de uma disposição que vise protege-los. Isto
significa que os moradores têm dano, mas não têm direito a indemnização, pois
não está preenchido o requisito da ilicitude. Este exemplo ilustra como o
pressuposto da ilicitude não se define como mera contrariedade ao direito.
ii. No direito francês não era difícil indemnizar os moradores. No entanto, tal não
se verifica no nosso ordenamento. Ao não adotar (o nosso legislador) esta
solução, poder-se-ia estar a alargar o universo de forma desproporcional de
lesados com direito a indemnização.
iii. Violar ilicitamente um direito de outrem? Aqui o legislador utiliza esta expressão
porque se pode suceder que um facto que viole um direito de outrem não seja
ilícito por ter ocorrido uma causa que exclui a ilicitude. Ex.: ação direta, estado
de necessidade, legitima defesa – há causas justificativas de exclusão da
ilicitude.
1. Como causas genéricas de exclusão da ilicitude compreendem:
(1) Regular exercício de um direito – se alguém for autorizado a exercer
um direito causando dano a outrem, não está obrigado a
indemnizar. Há aqui que atender ao art. 334º e 335º
(2) O cumprimento de um dever jurídico – nesta hipótese, de conflito
de deveres, tem de preponderar o dever superior, sacrificando o
dever inferior, não sendo civilmente responsável. Quando se
verifique um dano que resulte do problema do conflito de deveres,
havendo optado por um dos deveres, não haverá responsabilidade.
(3) Causas especiais com previsão expressa na lei:
a. Ação Direta – 336º:
O facto voluntário que lesa interesses alheios só obriga a reparação havendo ilicitude – que
consiste na infração de um dever jurídico. Mas conduzirá a esse resultado a violação de todo e
qualquer dever jurídico?
Todavia, pode verificar-se que a inexistência de ilicitude, não obstante a prática de um facto que
normalmente a envolveria. Entra-se, então, no domínio das causas de exclusão da ilicitude ou
das causas justificativas do facto danoso.
O art. 483º/1 do CC fixa o princípio geral da matéria. Aí se indicam as duas formas essenciais de
ilicitude: 1) violação de um direito de outrem; 2) violação de preceito de lei tendente à proteção
de interesses alheios.
o Nesse primeiro dispositivo – violação de direitos subjetivos – incluem-se tipicamente as
ofensas de direitos absolutos, de que constituem exemplos os direitos reais (art. 1251º e
ss.), e os direitos de personalidade (art. 70º e ss.). Quanto aos direitos familiares
pessoais, cujos traços peculiares indicamos noutra altura, tem sido doutrina maioritária
que a sua infração não origina um dever de indemnizar, que, numa palavra, não se lhes
aplicam os princípios comuns da responsabilidade civil; mas esta regra, mesmo admitida,
comporta exceções (art. 1792º) e descaracteriza-se a respeito dos direitos familiares
patrimoniais (art. 1594º, 1681º, 1900º/2, 1940º/4 e 1945º).
o A matéria da violação dos direitos de crédito não se encontra aqui contemplada, pois,
como sabemos, o legislador ocupou-se dela em lugar à parte (art. 798º e ss.). Insiste-se,
porém, na proximidade dos regimes da responsabilidade contratual e da
extracontratual.
o A segunda vertente geral do nº1 do art. 483º é dirigida à violação de disposições legais
destinadas a proteger interesses alheios. Tem-se agora em conta a ofensa de deveres
impostos por lei que vise a defesa de interesses particulares, sem que confira,
correspectivamente, quaisquer direitos subjetivos. Por exemplo: infração de uma lei que
imponha determinadas providencias sanitárias ou proíba o estacionamento de veículos
normais para afastar a agressão; 3) o prejuízo causado pelo ato não ser
manifestamente superior ao que pode resultar da agressão 11.
Quanto ao último requisito, assinala-se uma diferença em confronto
com a figura anterior: ao contrário do que acontece na ação direta, pode
haver na legitimidade defesa desproporção entre os prejuízos, desde
que não seja manifesta. Compreende-se, aliás, essa diferença pela
dificuldade normal de o agente avaliar com rigor, mercê das
circunstâncias em que atua, os prejuízos possíveis resultantes da
agressão.
Por outro lado, considera-se justificado o excesso de legitima defesa,
sempre que devido a perturbação ou medo não censurável do agente
(art. 337º/2). Ainda nesse caso se verifica isenção de responsabilidade
civil. A defesa excessiva pode resultar de os meios utilizados serem mais
graves do que os necessários para afastar a agressão ou de os interesses
do atacante se apresentarem manifestamente superiores aos do
defendente.
Também se prevê a hipótese de erro acerca da existência dos
pressupostos da legítima defesa (legítima defesa putativa). Aplica-se a
disciplina, já analisada, que paralelamente se estatui a respeito da ação
direta (art. 338º).
Estado de Necessidade:
Determina o art. 339º/1 que é “lícita a ação daquele que destruir ou
danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo atual de um dano
manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro”. Nisto
consiste o chamado Estado de Necessidade.
Atendendo à letra da lei e aos correspondentes trabalhos preparatórios,
parece que o referido preceito apenas admite o sacrifício de coisas ou
direitos patrimoniais alheios, inclusive através do ato menos prejudicial
do seu simples uso. Esta interpretação salienta a prudência com que o
legislador acolheu o instituto no âmbito civilístico.
Todavia, a ideia de ponderação de interesse subjacente ao estado de
necessidade torna-o suscetível de abranger situações em que se
verifique a violação de bens pessoais. Com efeito, se a razão de ser
dessa categoria dogmática radica no propósito de preservar bens
jurídicos manifestamente mais valiosos em detrimento de outros menos
valiosos, não se vê que os termos da equação tenham de alterar-se
quando o bem jurídico sacrificado possua natureza não patrimonial.
Dada a própria essência de tais bens, trata-se, porém, de situações de
verificação rara – uma vez que os bens da personalidade se apresentam,
via de regra, mais valiosos do que os patrimoniais. Até por esta
circunstância, os casos práticos em que se revele uma supremacia dos
bens patrimoniais sobre os pessoais serão de uma tão forte evidência
que se tornará difícil deixar de considerá-los abrangidos pelo espírito do
nº1 do art. 339º (ex.: A, para evitar a destruição de valiosíssima coleção
de arte, provoca num terceiro, C, ligeiros ferimentos). Mesmo assim, há
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O princípio proporcionalidade não integra o regime jurídico da legítima defesa no direito penal. Nesse âmbito, a
referida causa de exclusão da ilicitude pode ter lugar quando o bem jurídico salvaguardado possua menor valor do que
o bem jurídico ofendido com vista à sua preservação. As situações porventura chocantes a que um tal regime se mostra
suscetível de conduzir (ex.: o sacrifício do valor da vida para proteger um valor patrimonial de diminuta importância)
seriam remediadas pela intervenção do instituto do abuso do direito. Quer dizer, o direito de legitima defesa encontra-
se como qualquer outro direito submetido às limitações decorrentes da figura do abuso do direito (art. 334º).
que ter presente a natureza extrema de tais situações, que, se, por um
lado, justificam o teor restritivo da lei, por outro lado, só poderão
exatamente, apreciar-se em função de cada hipótese concreta.
Considerou-se a preservação de um bem patrimonial à custa de um bem
não patrimonial. Podem, no entanto, ocorrer situações de confronto
entre bens pessoais, que tambem se afiguram razoavelmente
subsumíveis à proteção do nº1 do art. 339º (ex.: A, para salvaguarda da
vida, atenta contra a integridade física de C, estranho à situação de
perigo). Nesse caso, a valoração dos bens torna-se mais fácil do que a
anterior.
Posto isto, alinhemos os requisitos que o estado de necessidade deve
reunir como causa justificativa do dano danoso. São os seguintes: 1)
exige-se a existência de um perigo atual; 2) esse perigo deve ameaçar
um direito ou bem jurídico relativo à pessoa ou ao património do agente
ou de terceiro; 3) a conduta do agente deve constituir meio necessário
para preservar o direito ou bem jurídico em causa; 4) os interesses
defendidos devem ser manifestamente superiores aos sacrificados 12.
O nº2 do art. 339º estabelece soluções diversas, consoante a situação de
necessidade seja ou não criada por culpa exclusiva do autor da
destruição ou dano. No primeiro caso, ele fica “obrigado a indemnizar o
lesado pelo prejuízo sofrido”; ao passo que, no segundo caso, pode o
tribunal “fixar uma indemnização equitativa e condenar nela não só o
agente, como aqueles que tiraram proveito do ato ou contribuíram para
o estado de necessidade”. Verdadeiramente, apenas nessa segunda
hipótese existe um estado de necessidade justificativo do facto danoso.
o Não se mostra difícil contradistinguir as três últimas figuras de que nos ocupámos – todas
elas formas de autotutela do direito.
A ação direta ou justiça privada, que em tempos primitivos teve tão
larga importância, consiste no recurso à força, sob a forma de ataque,
com o fim de realizar ou assegurar por autoridade própria a sanção de
um direito já violado do agente (A apodera-se à força de uma coisa
infungível, por ex., uma obra de arte que B lhe deve e se propõe
destruir). Ao passo que a legítima defesa e o estado de necessidade
apresentam o traço comum de a lesão do direito alheio em que se
traduzem ser para o efeito da conservação (defesa) de um interesse ou
bem ameaçado.
Na legítima defesa, todavia, apenas se reage contra uma agressão ilícita
(A atinge B em defesa da sua pessoa ou fazenda); enquanto, no estado
de necessidade, a situação de perigo de dano para o bem jurídico em
causa tanto pode resultar de uma agressão como de caso fortuito ou de
força maior (ex.: o capitão que lança o carregamento ao mar para
impedir o naufrágio do navio; os bombeiros que danificam uma seara
para que o incendio não se propague). O traço fundamental de distinção
assenta em que, na legitima defesa, se reage contra quem criou a
situação de perigo e, no estado de necessidade, se salvaguarda o bem
jurídico através da lesão de interesses de terceiro que nada contribuiu
para a situação de perigo. Daí que se imponha concluir que o estado de
necessidade seja subsidiário em relação à legitima defesa: compreende-
se que o agente só possa proteger o seu direito com sacrifício da esfera
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Quando o interesse a defender seja a vida, ele é sempre superior aos bens materiais, ma, tratando-se da simples
integridade física, pode o interesse em causa ser ou não superior àqueles.
3. Culpa – aquele com dolo ou mera culpa 483º/1- aqui o conceito de culpa abrange o dolo ou a
mera culpa. Não basta, assim, que se verifique uma violação ilícita de um interesse
juridicamente protegido de outrem. Uma coisa é, pois, a ilicitude e outra a culpa. O artigo 483º/2
acrescenta que só existirá responsabilidade independente de culpa quando a lei o especifique.
a. A culpa é talvez o conceito de direito civil mais difícil de definir e por isso, a definição
que damos é aproximada. Enquanto o facto viola valores defendidos pela ordem jurídica,
e por isso o juízo de culpa envolve já um juízo de censura sobre o agente e de tal modo
que se possa afirmar, que sendo o facto resultado do comportamento do agente, tal não
é suficiente. Só há culpa se o agente podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido
diversamente – a culpa é um juízo que se apura sobre a ação do agente. Se o facto que
foi ilicitamente provocado, o agente podia e devia ter agido diversamente.
A culpa em sentido amplo consiste na imputação do facto ao agente. Ela define um nexo
de ligação do facto ilícito a uma certa pessoa. A responsabilidade civil, em regra,
pressupõe a culpa, que se traduz numa determinada posição ou situação psicológica do
agente para com o facto. Só excecionalmente a lei se contenta com a existência entre o
facto e o agente, de um puro nexo material (artigo 483º/2). São os acasos de
responsabilidade objetiva.
Os conceitos de ilicitude e de culpa refletem aspetos distintos da conduta do agente,
posto que intimamente relacionados. Pode dizer-se que a ilicitude encara o
comportamento do autor do facto sob um ângulo objetivo, enquanto violação de valores
defendidos pela ordem jurídica (juízo de censura sobre o próprio facto); ao passo que a
culpa pondera o lado subjetivo desse comportamento, ou seja, as circunstâncias
individuais concretas que o envolveram (juízo de censura sobre o agente em concreto).
Ao declarar-se que a culpa envolve um juízo de censura dirigido ao agente, considera-se
apenas a responsabilidade resultante de factos ilícitos: quer dizer, só na medida em que
o próprio facto é ilícito e, por isso, censurável, também censurável terá de ser o agente
que o praticou – salvo nos casos de responsabilidade objetiva ou de ocorrência de
causas de exclusão da culpa. Algo de diverso se verifica quanto à responsabilidade
derivada de factos lícitos: neste âmbito, dado que não há uma conduta objetivamente
censurável (isto é, ilícita), a culpa não assume a natureza de um juízo de censura,
coincidindo, pois, com a mera imputação do facto ao agente. Daí que o regime jurídico
das causas de exclusão da ilicitude se apresente autónomo da disciplina de causas de
exclusão, atenuação ou agravamento da culpa.
A lei exige, em suma, que a violação ilícita dos direitos ou interesses de outrem esteja
ligada a uma certa pessoa, de maneira que possa afirmar-se, não só que foi obra sua,
mas também que ela podia e devia, nas circunstâncias, ter agido diversamente. A culpa
implica, assim, uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente.
A pergunta que se coloca é a seguinte: quando é que a conduta do lesante se poderá
considerar culposa?
i. O agente é imputável? Para que se possa concluir pela culpa, importa
determinar se o agente é imputável, sendo a imputabilidade um requisito da
culpa. Se o agente não for imputável não se poderá formar um juízo de culpa. Se
conhecesse ou devesse conhecer o desvalor do seu comportamento e pudesse
escolher a sua conduta. A lei considera inimputável, art. 488º, quem no
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Pode entender-se que o sono constitui causa de inimputabilidade, nos termos do 483º/1. Mas não deixa de
considerar-se que se coloca culposamente nesse estado, por exemplo, o condutor que, apercebendo-se do perigo de
adormecer durante a condução, não a suspende até se restabelecer.
A culpa pode ser excluída sempre que o agente se encontre numa determinada situação – por
exemplo, art. 338º ou art. 337º/2. E depois a desculpabilidade em termos gerais – ex.: um medico que em
estado de emergência é obrigado a trabalhar por cinco dias sem dormir.
A respeito da culpa, considera-se o caso de serem vários os autores, instigadores ou auxiliares do ato
ilícito. Quando tal se verifique, todos eles respondem pelos danos que hajam causado (artigo 490º). E a sua
responsabilidade é solidária (artigo 497º). Advirta-se que a lei não pressupõe, necessariamente, uma ação
concertada ou a cooperação desses diversos agentes. Existirá a sua responsabilidade mesmo que tenham
atuado isolados e sem plano de conjunto. Também se concebem hipóteses de meros encobridores poderem
ocasionar dano, resultando, por consequência, diretamente responsáveis.
b. Responsabilidade Objetiva – responsabilidade independente de culpa (remissão).
4. Dano:
a. O dano é pressuposto da obrigação de indemnizar, sem dano não nasce a obrigação de
indemnizar, ainda que tenha sido praticado um facto ilícito e culposo. Se se pratica um
facto ilícito e culposo sem que do mesmo facto surja um dano, não há obrigação de
indemnizar. Assim, é pressuposto de indemnizar. Aliás, é requisito da existência de
responsabilidade civil a verificação de um dano ou prejuízo a ressarcir. Apenas em
função do dano o instituto realiza a sua finalidade essencialmente reparadora ou
reintegrativa. Mesmo quando lhe caiba algum papel repressivo ou preventivo, sempre se
encontra submetido, como regra, aos limites da eliminação do dano. Este elemento
também se acha referido no nº1 do artigo 483º do C.C que proclama o responsável
‘’obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação’’. Exemplo: se A
salta o muro da casa de B, invadindo a propriedade de B, mas não causa dano a B,
verifica-se um facto ilícito (violação de um direito de propriedade) praticado com culpa
(até com dolo direto), mas deste facto não resulta qualquer dano, quer patrimonial, quer
não patrimonial. Aqui, não há obrigação de indemnizar. Quando os artigos relativos à
obrigação de indemnizar estabelecem como requisito o dano, isto significa que a função
primaria a RC é a finalidade reparatória, de eliminar o dano causado em esfera jurídica
alheia. Assim, se o fim fosse preventivo o sancionatório, o dano não seria pressuposto,
bastaria que tivesse sido praticado um dano ilícito e com culpa. No entanto, tal não se
verifica de acordo com os artigos 483º e ss e art. 562º e ss. Já adiantamos, aliás, que em
regra um montante da indemnização corresponde aos valores dos danos. Pode não
existir correlação entre a gravidade da culpa e a amplitude dos danos. A extensos
prejuízos pode corresponder uma culpa leve do agente, assim como, ao invés, podem
derivar prejuízos ligeiros de um facto em que se verifique dolo ou culpa grave.
i. O art. 494º do CC determina que em caso de mera culpa do lesante, ou seja,
quando não exista dolo, mas mera culpa, o juiz pode, de acordo com as
circunstancias do caso, reduzir equitativamente o montante da indemnização.
Assim, em vez de fixar uma indemnização correspondente ao montante do dano,
fixar uma indemnização inferior ao valor do dano, tendo em conta que o facto
ilícito e culposo foi praticado com mera culpa e porque as demais circunstâncias
do facto assim o justificam (ex.: o lesante com fracos recursos económicos, ao
invés do lesado que é abastado economicamente). A questão que se coloca é o
de perceber o fundamento da solução que permite ao juiz reduzir
equitativamente a indemnização. Grande parte da doutrina considera que tal
artigo reflete, embora a título acessório, uma função punitiva da RC, ou seja:
como há mera culpa e não dolo, justifica-se permitir ao juiz fixar uma
indemnização inferior ao valor do dano, graduando o valor da indemnização em
função do grau de culpa, o que significa que também haveria, acessoriamente,
uma função através da indemnização que passaria por uma função punitiva. Mas
atenção, tal doutrina sublinha que esta é meramente complementar, pois se o
art. permite reduzir, não permite condenar o lesante a valor superior ao valor do
dano com fundamento em dano, não resultando de tal artigo uma função de
punição em caso de dolo, condenando o lesante a uma indemnização de valor
superior. Em todo o caso, reconhece à RC uma função punitiva, mas apenas de
forma complementar. Há outra doutrina, Brandão Proença, que encontra outro
fundamento para a solução consagrada que explica tal artigo por razão diversa
de uma função punitiva. O que reflete é uma ponderação, um juízo de
proporcionalidade e não necessariamente uma perspetiva punitiva – temperar a
medida da indemnização com critérios de proporcionalidade, sendo que um dos
elementos que relevaria era a culpa.
b. Almeida Costa diz que dano é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos
pela ordem jurídica. O prof. MC diz que dano é a diminuição de uma situação jurídica
protegida pelo direito. Classificações de danos:
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Sustentam a vinculação exclusiva da referida classificação à responsabilidade contratual F.Pessoa Jorge e Antunes
Varela. Em contrário, bastará pensar no caso da responsabilidade pré-contratual pela rutura das negociações, que se
qualifica como extracontratual e em que se indemniza o dano negativo (A.C)
5. Nexo de causalidade entre o facto e o dano: o dano tem de resultar do facto, o facto tem que
constituir causa do dano – danos resultantes da violação. Não é todo e qualquer dano, mas
apenas aquele que resulta da violação.
i. Extrai-se um requisito segundo o qual tem de se verificar um nexo de causalidade entre o
facto ilícito e o dano. Diz o art. 483º que a obrigação de indemnização só existe se se
verificar um dano que tenha uma conexão com esse dano ilícito e portanto o nexo de
causalidade é pressuposto da obrigação de indemnizar, e releva ainda na fixação da
indemnização, porque na medida da obrigação de indemnizar não se contemplam
quaisquer danos, mas apenas aqueles que estejam abrangidos pelo pressuposto do nexo
de causalidade que vem delimitar se os danos que se seguem, aqueles que o direito
considera causados pelo facto. Só serão indemnizáveis os danos causados pelos danos e
não todos os danos que se seguem ao facto ilícito.
Não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão-só
os que ele tenha na realidade ocasionado, os que possam considerar-se pelo mesmo
produzidos (artigo 563º). O nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha,
consequentemente, a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida
da obrigação de indemnizar.
Ao longo da história, procurou-se identificar um critério jurídico que permita circunscrever
a limitação da obrigação de indemnizar, naqueles que o direito considera causados pelo
facto. Não são tidos tutelados pelo direito os danos que naturalisticamente são
sobrevindos ao facto (Está fora de cogitação uma pura causalidade em sentido
naturalístico. Não vincula, como tal, o conceito de causa típico das ciências naturais ou da
filosofia). É uma operação jurídica – cabe ao direito selecionar quais os que são causados
por esse facto. É o prof. AV que dá o seguinte exemplo: se um carro passa numa estrada e
parte um vidro de uma janela de uma casa; o vidro ter-se partido não significa que o vidro
tenha sido partido pelo carro. Haveria que demonstrar que o vidro foi partido porque uma
pedra foi projetada pelo carro.
Muitas vezes a determinação do nexo causal entre o facto e o dano mostra-se expedita, e
o dano apresenta-se como resultado direto e atual do facto ilícito. Todavia, não raro, ela se
analisa também numa operação mais ou menos complexas, interferindo causas indiretas
ou virtuais. Daí que se ponha a questão dos critérios a utilizar no aferimento da suficiente
ligação causal do dano ao facto, quer dizer, na definição dos prejuízos reparáveis. Graves
dificuldades surgem, sobretudo, quando entre o facto e os danos se interpõem outras
ações humanas ou simples acontecimentos naturais.
ii. Ao longo das épocas, foram ensaiadas pela doutrina, diversas doutrinas que vêm definir o
nexo de causalidade – qual a solução mais adequada?
1. Doutrina da Equivalência das Condições ou conditio sine qua non – parte-se do
conceito filosófico em causa, entendida como o conjunto das condições que
concretamente produzem o efeito, portanto, cada uma das condições sem a qual o
resultado não se teria verificado encontra-se no mesmo plano das restantes,
relativamente à produção desse resultado. Qualquer delas é sua condição “sine
quo non”. Transpostos estres princípios para o domínio da responsabilidade civil,
segundo esta doutrina, seria causa de um evento toda e qualquer condição que
tivesse concorrido para a sua produção. Em termos tais, que não se verificando a
sua concorrência o dano deixaria de se verificar. É causa do dano toda e qualquer
condição que se verificou e que a não se ter verificado implicaria que o dano não
se tivesse produzido. Esta doutrina é rejeitada porque conduz a situações injustas:
1) implica uma demasiada extensão da responsabilidade, alargando
desmesuradamente o universo dos danos indemnizáveis – ex.: o lavrador compra
ao comerciante de gado uma vaca doente, sem saber, a vaca contamina as demais
vacas do lavrador e todas morrem e, desgostoso, o lavrador suicida-se. Pode
contrário a estas doutrinas pode invocar-se, aliás, o preceituado nos artigos 564º/2
e 807º nº1 C.C.
4. Teoria da Causalidade Adequada: segundo esta teoria, a ideia geral será a de que
se considera causa de um prejuízo a condição que, em abstrato, se mostra
adequada a produzi-lo. Assim, em princípio, toda a condição sine qua non de um
evento danoso deve ser considerada como causa; contido, deverá deixar-se de
verificar essa correspondência sempre que, de acordo com a experiência comum e
dadas as circunstâncias do caso, não se possa afirmar que, em termos de
probabilidade, que o facto originaria normalmente o dano. Assim, para que exista
nexo de causalidade há dois requisitos que têm de estar preenchidos: 1) facto em
concreto tem de ser causa do dano; 2) exigir que em abstrato o facto seja
adequado a produzir aquele tipo do dano, segundo o critério que atende ao curso
normal das coisas.
Exemplo: Estudante que morre atropelado ao ir buscar o livro ao seu
amigo.
o Segundo esta teoria, poderá afirmar-se que a morte do estudante
é consequência do incumprimento do contrato. O atraso foi em
rigor uma condição que contribuiu para a ocorrência do dano. No
entanto, poder-se-á afirmar que em abstrato o atraso da entrega
do livro conduz à morte do estudante? Não. Assim, estaria em
falta o segundo requisito.
Exemplo: A dispara sobre B e mata B. O comportamento de A é causa do
dano de B segundo a tese da causalidade adequada? 1º requisito: aquele
facto foi a causa da morte em concreto? Sim, faz-se prova que B morreu
do tiro de A. 2º requisito: um tiro, em abstrato, causa a morte? Sim,
normalmente isso pode acontecer. Esta teoria considera que o conceito
de provavelmente leva à teoria da causalidade adequada.
No prognóstico a posteriori de adequação abstrata deve atender-se tanto às
circunstâncias cognoscíveis à data da produção do facto por uma pessoa normal,
como às na realidade conhecidas do agente.
Exemplo: C agride D com um pequeno encontrão que lhe causa a morte
devido a uma grave lesão craniana. A agressão de C a D não é, em
princípio, adequada a pôr em perigo a vida deste. Porém, se a condição de
D é conhecida por C ou este tinha a obrigação de a conhecer, já existirá um
nexo de causalidade adequada.
A Teoria admite várias formulações, mais ou menos exigentes – a professora quis
sublinhar uma formulação positiva e uma formulação negativa.
Formulação Positiva: considera-se consequência adequada do facto se o
dano que resulte segundo o juízo que atenda ao curso normal das coisas,
resulte desse mesmo facto. Haveria que demonstrar que o facto em
concreto foi causa do dano.
Formulação Negativa: para alguma doutrina é esta a formulação que se
deve admitir, se o facto em concreto for causa do dano, só deverá deixar de
se considerar como consequência adequada, se tiver sido produzido em
circunstâncias anómalas ou excecionais. É uma presunção de adequação –
permite-se que se demonstre, mas só mediante circunstancias anómalas ou
excecionais a conduzir ao nexo de causalidade entre o facto e o dano.
o Exemplo: Se A dispara sobre B a uma distância tal, que
normalmente deste disparo, B não seria atingido, entende Almeida
Costa que o A deverá ser responsabilizado. É um facto ilícito e só
Responsabilidade Objetiva:
Já vimos que, em regra, a ilicitude e a culpa são requisitos da responsabilidade civil extracontratual
(art. 483.º/2). Mas não se desconhecer, que, embora predomine o princípio da responsabilidade subjetiva ou
baseada na culpa, se sancionam situações excecionais de responsabilidade objetiva ou pelo risco, quer dizer,
independentes de dolo ou de simples culpa da pessoa obrigada à reparação. Dispensa-se, assim, a culpa do
agente ou responsável.
A Responsabilidade objetiva é uma responsabilidade que não depende de culpa. O nº 2 do art. 483º
diz que só existe obrigação de indemnização afastando a culpa, mediante situações previstas em lei. Importa
não confundir responsabilidade objetiva com as hipóteses de presunção de culpa. O lesante cuja culpa se
presume pode fazer prova em contrário.
Fundamento da RO: a epigrafe desta subsecção é a responsabilidade pelo risco, que é uma das
modalidades da RO. E isto significa o quê? No fundo é o fundamento da responsabilidade independente de
culpa. O fundamento é porque cria, mantém ou agrava o risco e beneficiando de tais vantagens, é justo que
seja ele a responder pelo dano, mesmo que não tenha culpa da produção do dano. A maior parte da RO
justifica-se pelo risco.
A responsabilidade pelo risco representa a mais importante e vasta categoria de hipóteses de
responsabilidade objetiva. Compreende-se que se alguém exerce uma atividade criadora de perigos
especiais possa responder pelos danos que ocasione a terceiros. Será como que uma contrapartida das
vantagens que aufere do exercício de tal atividade.
Nesse caso, o dever de indemnizar resulta de uma conduta perigosa do responsável. Existem, com
efeito, certas atividades humanas que envolvem o risco de causar prejuízos a terceiros, mas que a lei não
proíbe em virtude de serem socialmente úteis ou, quando menos, não reprovadas pelo consenso geral.
Apenas se responsabilizam as pessoas que as exercem perante os danos que eventualmente venham a
produzir, embora sem culpa.
É importante referir que, nestas hipóteses, a obrigação de indemnizar não depende de culpa. Mas
daqui não se infira que a averiguação da culpa do agente e da gravidade desta seja irrelevante. Ela pode ter
interesse, não só a respeito dos limites do quantitativo indemnizatório, que em certos casos se prevê (art.
508º e 510º), mas ainda existindo vários responsáveis (art. 500º/3, 501º e 507º/2) ou concorrência de culpa
do lesado na produção ou no agravamento do dano (art. 570º). Alias, o disposto no art. 494º, que faculta a
graduação equitativa da indemnização em hipóteses de mera culpa, aplica-se à responsabilidade pelo risco
(art. 499º).
Conclui-se que a responsabilidade objetiva não depende de ilicitude e de culpa. Não existe, portanto,
o problema da sua alegação e prova. Aspeto diverso é o do nexo de causalidade entre o facto e o dano que
resultou para o lesado. A sua demonstração torna-se necessária nesta forma de responsabilidade.
A hipótese paradigmática dos acidentes de trabalho – ex.: uma empresa que cria um risco para o
trabalhador responde pelos danos causados das máquinas ao trabalhador. Outro ex.: acidentes de viação.
Considera o legislador que quem cria o risco na circulação destes veículos, beneficiando da circulação do
mesmo, e beneficiando das vantagens correspondentes à sua utilização, considera justo que seja o
proprietário a responder pelos riscos próprios. Com a sociedade industrializada potenciou-se o risco e por
mais controlo que se tenha quando ao risco, há danos que não se conseguem evitar. Mais, a estrutura
revela-se tao complexa quanto aos sujeitos potencialmente responsáveis, nomeadamente numa fábrica.
Assim, desde o séc. XIX surgiu em determinados domínios, hipóteses de responsabilidade independente de
culpa.
Razões de certeza e de segurança jurídica levam o legislador a especificar as atividades perigosas que
constituem fontes de responsabilidade. Além destas, existem múltiplas situações previstas noutros
diplomas, por exemplo, a respeito dos acidentes de trabalho, dos danos ambientais, etc. Assim, as que estão
previstas no CC são:
O art. 500º define os pressupostos da RC do promitente por facto ou por omissão de outra pessoa
denominado de comissario:
1. Relação de comissão: Quando existe uma relação de comissão? Quando alguém designou outra
pessoa de uma comissão de uma tarefa, serviço ou função que é realizada no interesse e por
conta do comitente. Quem encarrega outrem designa-se por comitente. Exemplo: numa relação
laboral, o trabalhador será o comissário, a entidade patronal o comitente. Discute-se se para
que esteja perante uma relação de comissão é de exigir a liberdade de escolha do comissario
pelo comitente. A doutrina maioritária diz que não. No entanto, é entendido que é necessário
um nexo de subordinação, exige-se que o comitente dê ordens ao comissario (poder de
direção). Porque não existe esta relação de subordinação, não existe, p.e., entre um motorista
de táxi e o passageiro, entre o dono da obra e o empreiteiro. Quando afirmamos que a RC do
comitente é uma RC Objetiva, isto significa que o promitente responde pela tarefa feita pelo
comissario, independentemente de culpa, ou seja, mesmo que comitente não tenha culpa na
escolha, nas instruções que dá e na fiscalização do exercício dessa tarefa pelo comissario.
Quando afirmamos que a RC do Comitente é objetiva, significa que responde
independentemente de culpa. Onde poderia haver culpa? Culpa na escolha, culpa nas
instruções e culpa na fiscalização. O que resulta do art. 500º é que a RC do Comitente existe
mesmo que o comitente não tenha tido culpa. Assim, o primeiro pressuposto do comitente por
facto do comissario é a existência de uma relação de comissão. Ex.: A é motorista de B e ao
conduzir o automóvel de B para realizar uma tarefa instruída por B, o motorista conduz em
excesso de velocidade e despista-se. A questão é: B responde pelos danos causados por B? Ora,
há aqui uma relação de comissão, logo, o primeiro pressuposto está reunido.
Em primeiro lugar, impõe-se a existência de uma relação de comissão, traduzida num
vínculo de autoridade e subordinação correspetivas. Que isto dizer, que se exige que uma
pessoa tenha encarregado outra, gratuita ou onerosamente, de uma comissão ou serviço,
consistindo num ato isolado ou numa atividade duradoura. O que interessa é que o comissario
se encontre numa relação de subordinação ou de dependência quanto a este último, de
maneira que se possua o direito, não só de dar-lhe ordens ou instruções precisas sobre a
finalidade e os meios de execução da comissão, mas também de fiscalizar diretamente o seu
desempenho.
Concebe-se este requisito fora de um contexto negocial (ex: com base em relações
familiares). Todavia, ocorre as mais das vezes alicerçado num contrato de trabalho, que se
caracteriza precisamente pela subordinação de uma das partes à outra (art. 1152.º).
Exclui-se, em princípio, a relação de comissão quanto a certas profissões, como a dos
médicos e a dos advogados, pois não se admite uma subordinação para com os clientes nos
termos indicados. Afigura-se, contudo, de aceitar a possibilidade de uma relação de comissão,
por exemplo, de um médico ou advogado para com outro médico ou advogado.
o Rui de Alarcão distingue dois grupos de casos entre as situações de responsabilidade pelo risco
que o CC prevê: o fundamento de um deles encontra-se na “própria natureza da atividade em
causa”, ao passo que, quanto ao outro, “a responsabilidade só é objetiva em relação a um
determinado sujeito, mas o nascimento do dever de indemnizar pressupõe, em princípio, a
prática de um facto ilícito”. Neste segundo caso, inclui as hipóteses previstas nos artigos 500º e
501º, e entende que “a imputação de um risco não implica aqui a criação de um especial perigo
de causação de danos para terceiros, sendo antes (…) uma consequência da posição do
onerado em relação àquele que pratica o facto danoso”. A interpretação restritiva do art. 500º
ao caso de imputação aquiliana do dano ao comissario parece ser perfilhado por Antunes
Varela, pois, desde logo, coloca como epigrafe do segundo pressuposto da responsabilidade
objetiva do comitente a “prática do facto ilícito no exercício da função”. Sustentam essa
orientação Pedro Carvalho e Manuel da Frada. Mota Pinto, a propósito da responsabilidade
extracontratual das pessoas coletivas, adota a posição ampla para que Almeida Costa
propende. No mesmo sentido, Menezes Cordeiro, Pessoa Jorge, Sofia Sequeira e Graça Trigo.
Segundo Almeida Costa não se afigura que uma interpretação restrita do art. 500º/1,
possa proceder. Repare-se que, de acordo com este preceito, a responsabilidade
objetiva do comitente depende do facto recair sobre o comissário “a obrigação de
indemnizar”, ou seja, sem que a circunscreva à derivada de facto ilícito. Nem se afigura
que a proteção do lesado – em última analise, reconduzindo-se a uma garantia prestada
pelo comitente (art. 500.º/3) – mereça um tratamento diverso, conforme a obrigação de
indemnização do comissario resulte de facto ilícito ou de risco. Aliás, essa obrigação do
comissario pode igualmente fundar-se, como se salientou, numa intervenção licita.
A remissão do art. 165º para o regime da responsabilidade do comitente pelos atos
do comissário, portanto, para o artigo 500º, é decisiva a favor da interpretação ampla,
que Almeida Costa perfilha, deste preceito. Manifestamente, o legislador, no art. 165º,
quis, não só abranger a obrigação de indemnizar por factos ilícitos, mas ainda a que
resulta da responsabilidade objetiva ou de intervenção licitas dos representantes,
agentes ou mandatários da pessoa coletiva.
Nem AC pensa que a letra do nº 3 do art. 500 impeça a posição ampla, mais razoável.
Aí se utiliza, para excluir o direito de regresso do comitente, a expressão “exceto se
houver também culpa da sua parte” – o que pareceria pressupor que o comitente só
responde por facto ilícito (culposo) do comissário. Não repugna a seguinte explicação a
letra restrita do preceito referido: ao aludir-se à possibilidade de haver “também” culpa
do comitente, apenas se representaram, de imediato, as hipóteses de existência de
culpa do comissário, certamente pela sua maior relevância prática, embora o espírito da
lei seja mais amplo. Acresce que sempre se poderá considerar a utilização da palavra
“também” num sentido enfático ou pouco rigoroso, correspondendo a “além de”.
Aquela expressão do nº 3 do artigo 500º equivale a esta outra: “exceto se houve culpa
da sua parte, além da situação culposa ou não do comissário”.
2. Que recaia também sobre o comissário a obrigação de indemnizar: O segundo requisito de que
depende a RC do Comitente por danos causados pelo comissario é que sobre este recaia uma
obrigação de indemnizar. Assim, no nosso exemplo, o B só responde se o motorista for
responsável pelo acidente, ou seja, tem de haver responsabilidade do comissário. Se faltarem os
pressupostos da RC em relação ao comissário, então o comitente não responde. Estão
relativamente ao comissario verificados os pressupostos da RC no exemplo dado.
Relativamente a este requisito, torna-se, portanto, necessário que o comissário haja
praticado com culpa o facto ilícito causador do dano, salvo tratando-se, por sua vez, de uma das
situações excecionais em que se dispensa a culpa ou de um dos casos de responsabilidade
derivada de intervenções lícitas. Logo, a responsabilidade que apreciamos apenas se apresenta
objetiva a respeito do comitente; no que toca ao comissario, terá outro fundamento.
3. Facto danoso praticado no exercício da função que lhe foi confiada: Se causa dano, então, o
promitente não responde pelos danos causados pelo comissario. No nosso exemplo, o
motorista tem um acidente ao realizar um recado a pedido da entidade patronal e no caminho
que lhe foi indicado tem um acidente. Causa o dano no exercício da função que lhe foi confiada,
ainda que desrespeitando as instruções dada pelo comitente. Se o motorista foge com o carro e
decide dar um passeio, então aqui já o dano não foi causado no exercício das funções que lhe
foram causadas.
A lei abrange unicamente os atos ligados ao serviço, atividade ou cargo, embora exista
apenas um nexo instrumental, excluindo os praticados por ocasião da comissão com um fim ou
interesse que lhe seja estranho. E subsiste a responsabilidade do comitente, mesmo que o
comissário nesse quadro, tenha agido intencionalmente ou contra as suas instruções.
Nem sempre é fácil a concretização deste último requisito. Quando se pode afirmar que o facto
danoso foi praticado no exercício da atividade confiada pelo comitente ao comissário? O motorista atropela
alguém, o operário arranja o telhado de uma casa e deixa cair uma telha e essa cai em cima de uma pessoa,
o segurança de uma discoteca agride um cliente, o funcionário do banco guarda o dinheiro do cliente para si
– em todos estes exemplos o requisito cumpre-se. Aqui não basta um nexo instrumental ou temporal.
Existem depois várias teorias que visam estabelecer este nexo, o prof. Antunes Varela exige adequação,
aderindo a uma teoria que é semelhante à da teoria da causalidade adequada. A prof. Graça Trigo convoca a
tese da aparência.
Verificados os pressupostos, o comitente é responsável pelo dano ou danos causados pelo
comissario, ainda que ele comitente não tenha culpa, ou seja, tenha sido diligente na escolha, instrução e
fiscalização.
Assim, teremos duas pessoas responsáveis. Perante o lesado respondem duas pessoas e respondem
solidariamente (art. 497º). Se o lesado intentar a ação de RC contra o comitente, o regime do direito de
regresso de comitente sobre o comissario possibilita que este exija tudo o que indemnizou pelo comissario,
desde que não haja culpa, nº3 do art. 500º. Isto significa que a RC do Comitente exige que este fosse um
garante do pagamento pelo dano causado. Contudo, perante o lesado, como normalmente o comitente terá
melhor condições financeiras para suportar a indemnização considera-se nas relações externas responsável,
mas o comitente terá direito de regresso se não tiver tido culpa. Só se houver culpa é que o direito de
regresso se faz mediante as respetivas culpas. Assim, a função da RC do comitente visa uma finalidade
garantística e não baseada no risco. Esta solução poderá eventualmente ser questionada.
Será que sobre o comissário relativamente ao requisito que referimos – recair uma obrigação de
indemnizar – o mais comum é que o fundamento seja a prática pelo comissario de um facto ilícito e culposo.
Por isso é que o nº3 diz que o comitente só não pode exigir o reembolso total mediante culpa. A questão
que se coloca é saber se se pode considerar algum exemplo em que se verifique pelo comissário uma RC
Objetiva e por seu turno o comitente responderia também pela mesma modalidade.
O art. 500º disciplina os pressupostos de responsabilidade de alguém por facto de outrem. importa
recordar que nas hipóteses da RC por omissão, designadamente no art. 491º - responsabilidade do vigilante
pelo incapaz – aqui, o vigilante responde por facto próprio, que é a omissão do dever de vigilante.
A prof. Graça Trigo conclui que não está excluído que sobre o comissario se verifiquem as
modalidades de RC Objetiva. O que se passa é que muito difícil é que é muito difícil de encontrar os
pressupostos da RC Objetivo – ele está a desenvolver uma tarefa no interesse e por conta do comitente. Ex.:
segurança que trabalha para uma entidade patronal e exerce essas funções acompanhado do seu cão que o
auxilia no exercício dessa função, o proprietário do cão responde objetivamente pelos danos causados pelo
cão e que provenham dos riscos próprios do animal. Vamos supor que o cão morde em alguém.
Relativamente ao comissario existe a obrigação de indemnizar, segundo o art. 502º. Aqui, o comissário
responde mediante a modalidade de Responsabilidade Objetiva. Este exemplo pode evidenciar que quando
o art. 500º/1 exige que sobre o comissario exija uma obrigação de indemnizar, tanto pode ser porque
praticou um facto lícito e culposo, quer porque estão preenchidos os requisitos da RCO. Na prática é muito
difícil de se avançar um exemplo. Em teoria, se assim for, é evidente que o direito de regresso nos termos do
nº 3 terá de obedecer a critérios diferentes. A repartição das responsabilidades teria de ser feita segundo o
critério do risco – ambos beneficiaram da utilização do animal.
A exigência de que sobre o comissário recaia também a obrigação de indemnização constitui simples
pressuposto da responsabilidade objetiva do comitente. Já se dispensa, caso se apure uma conduta culposa
deste último, que responderá, então, por facto ilícito e culposo. A culpa do comitente pode referir-se À
escolha do comissário (“culpa in eligendo”), às instruções ou ordens que lhe deu (“culpa in instruendo”) ou à
fiscalização da respetiva atividade (“culpa in vigilando”). Afigura-se que, em matéria de culpa do comitente,
se deve aplicar o regime do art. 493.º/2, quando a comissão consiste numa atividade arriscada, a respeito da
qual exista, ex ante, forte probabilidade de a ação do comissario produzir danos.
A respeito da indemnização, estabelece o art. 500º/3, que o comitente que a satisfaça “ tem direito a
exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, exceto se houver também culpa da sua parte;
neste caso será aplicável o disposto no nº 2 do artigo 497.º”. Por consequência, atribui-se ao comitente,
quando sujeito a mera responsabilidade objetiva, tão-só a posição de garante da indemnização que o
comissário culposo deva satisfazer ao lesado. A lei transfere do terceiro para o comitente, como parece
razoável, os efeitos da eventual insuficiência do património do comissário.
O regime é, pois, o seguinte: se existe apenas culpa do comissário, o comitente que indemnize o
terceiro tem direito de exigir daquele tudo o que pagou; havendo só culpa do comitente, caber-lhe-á o
ressarcimento integral dos danos, nos termos da responsabilidade por factos ilícitos; caso se verifique culpa
do comissário e do comitente, ambos respondem solidariamente para com o lesado, mas no plano das
relações entre os dois, ou seja, quanto às relações internas, o encargo repartir-se-á em função “das
respetivas culpas e das consequências que delas advieram presumindo-se iguais as culpas das pessoas
responsáveis” (art. 500.º/3 e 497.º/2).
O Estado e outras pessoas coletivas públicas respondem sobre os pressupostos do artigo 500º.
Importa sublinhar que o regime do 501º se aplicará na atividade de gestão privada por parte do Estado.
Aqui, o artigo 501º terá uma aplicação residual.
A Constituição da República Portuguesa estabelece, no seu art. 22º, doutrina que não se afasta
substancialmente do disposto pelo art. 501º CC.
Repare-se que se trata de responsabilidade em relação aos atos dos órgãos, agentes ou
representantes de tais entidades, no âmbito da sua gestão privada. Ora, de harmonia com o critério comum,
a atividade diz-se de gestão pública ou de gestão privada, conforme decorre sob a égide do direito público
ou do direito privado, respetivamente. A distinção releva para determinar, quer as normas substantivas
aplicáveis, quer, em princípio, a jurisdição competente, isto é, se o conhecimento do pedido pertence aos
tribunais administrativos ou aos tribunais judiciais.
Constituem atos de gestão pública, entre outros, a detenção de uma pessoa pela polícia, a sentença
de um juiz ou o registo de um imóvel feito pelo conservador do registo predial, enquanto se qualificam como
atos de gestão privada, por exemplo, a compra, livremente convencionada, de mobiliário destinado a uma
escola ou o arrendamento de um edifício para instalação de serviços camarários.
Diz este artigo que quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos
causados, desde que estes resultem do perigo especial, independentemente de culpa. É uma
responsabilidade objetiva. Entende-se por perigo especial o que é característico ou típico dos animais
utilizados, variando com a natureza destes. Segundo Vaz Serra, este termo “tem por finalidade esclarecer
que o risco há-de variar conforma a espécie dos animais utilizados, e não que, desprezando o risco geral do
seu aproveitamento, os utentes deles só respondam por riscos específicos, criados por circunstâncias
anormais.
Exige-se, portanto, que o dano se encontre numa adequada correlação com o perigo específico do
animal.
Vamos ver as diferenças do artigo 493º e a do artigo 502º:
Em qualquer um destes regimes se define os pressupostos por danos causados por animais. Mas, no
art. 493º o fundamento da RC é a pratica de um facto ilícito e culposo, e por isso quem está obrigado a
indemnizar é quem estivesse encarregue da vigilância do animal e omitisse esse dever de vigilância e em
consequência o animal causou dano a terceiro – só o vigilante responde e responde apenas pela omissão
culposo do dever de vigilância e responde com fundamento na culpa (se tiver sido cuidadoso ao vigiar o
animal, não vai responder; é certo que se presume a culpa, mas esta pode ser afastada pelo vigilante). Já o
art. 502º determina que a responsável quem no seu próprio interesse utilizar o animal. Aqui o fundamento é
uma responsabilidade objetiva, independentemente de culpa – não está aqui em causa um juízo censurável.
Quem tem um animal e beneficia desta fonte perigo responde pelos danos causados – ideia do risco
Quando tal pedido se funde em Responsabilidade Civil nos termos do art. 493º e ss., tem-se por base
um juízo de censura quanto ao comportamento do condutor. Diversamente, na RCO não está em causa
qualquer juízo de valor negativo, de censurabilidade da conduta do agente, estando, apenas em causa
atender à posição em que o responsável se encontra investido e quem tenha criado proveito próprio a
situação de risco que é a situação de risco de circulação automóvel é objetivamente responsável pelos danos
que resultem pela utilização deste veículo. Aqui, não se reside o juízo numa censura, mas sim na criação de
uma situação de risco, entendendo-se que quem tira proveito desta situação de risco deve ser civilmente
responsável pelos danos que venham a resultar desse mesmo veículo. Assim, se na primeira quem é
responsável é o condutor, na RCO é quem tira proveito da situação do risco é o proprietário do veículo
(“quem tenha a direção efetiva do veículo” – art. 503º). Quem tem direção efetiva não significa que o sujeito
responsável é aquele que conduz, uma vez que quem tem direção efetiva é quem tem um controlo de facto
sobre o veículo, que decide se este está parado ou não, se ele vai ou não à revisão. Assim, poderá dar-se o
caso de quem seja responsável não seja o condutor.
Responsabilidade por facto ilícito e culposo – coloca-se a questão de saber qual o regime do ónus da
prova. Isto foi discutido quer na jurisprudência, quer na doutrina. Será que a presunção do nº2 do art. 493º
aplica-se perante acidentes de viação, ou seja, será que se presume a culpa do condutor por ser uma
conduta perigosa? Sim ou não? Ora, depois de divergência na jurisprudência, o STJ pelo Assento 1/80 veio
estabelecer que o disposto não tem aplicação em matéria de situação de acidentes de viação terrestre, não
se presumindo a culpa do condutor, pelo que o lesado deverá ter de fazer prova, com uma exceção relativo a
nº3 do art. 503º (não é a localização sistemática mais feliz). Quanto ao regime do ónus da prova e segundo o
regime do art. 483º e ss., o lesado terá de fazer prova, salvo se o condutor for um condutor por contra de
outrem, hipótese em que é presumida a culpa do condutor. Esta solução – não se presume a culpa por
contra própria – esta solução é criticada por alguma doutrina, nomeadamente pela prof. Graça Trigo, pelo
prof. Sousa Ribeiro e Pinto Oliveira. A doutrina entende que não se encontra fundamento razoável para
presumir a culpa do condutor por conta de outrem, e não presumir a culpa nos restantes casos, estando aqui
uma solução inconstitucional por violação do princípio da igualdade. A doutrina entende que se deveria
presumir a culpa nos restantes casos. Já a jurisprudência considera que o art. não se aplica porque existe o
regime especial da RC Objetiva.
Art. 503º/3 – discutiu-se também na jurisprudência e na doutrina o âmbito da presunção de culpa do
condutor comissario, ou por conta de outrem, e a razão de ser tem precisamente haver com uma
preocupação de atenuar esta desigualdade de tratamento. Alguma doutrina, veio com tal objetivo, limitar o
âmbito da aplicação do art., circunscrevendo esta presunção ás relações internas. Contudo, a jurisprudência,
através de vários assentos – 1/83, 7/94, 3/94 – veio a rejeitar esta tese, defendendo que a presunção de
culpa vale nas relações externas, ou seja, nas relações entre o lesado e o comissario, valendo plenamente,
quer se trate de atropelamento, quer se trate de colisão de veículos. O prof. Antunes Varela sufraga esta
decisão dos Assentos.
O assento 3/94 determina que a responsabilidade por culpa presumida do comissário, estabelecida
no art. 503º/3, 1ª parte, é aplicável no caso de colisão de veículos prevista no art 506º/1.
O assento de 7/94 declara que a responsabilidade por culpa presumida do comissário, nos termos do
art. 503º/3, não tem os limites fixados no nº1 do art. 508º. É manifesto que se exclui todo o art. 508º
e não apenas o seu nº 1.
o Artigo 503º/1:
(1) Quem é objetivamente responsável? Aquele que tiver a direção efetiva do veículo e utilizar
no seu próprio interesse ainda que por intermedio do comissário. Exemplo: A é proprietário
do veículo conduzido pelo seu motorista – condutor comissario – quem responde
objetivamente é o proprietário, ainda que não esteja a conduzir. Quem tem a direção
efetiva, neste caso, é o proprietário.
Tem a direção efetiva, o sujeito que de facto goza ou usufrui das vantagens do veículo.
Quem tem, em regra, a direção do veículo é o proprietário do mesmo. A regra é a de quem
está juridicamente legitimado a um controlo de facto sobre o veículo é quem beneficia do
interesse dessa utilização (ex.: proprietário, usufrutuário, comodatário, locatário, adquirente
sob reserva de propriedade). Esta é a solução-regra. Contudo, esta regra comporta desvios:
se o titular juridicamente legitimado não exercer essa direção de forma efetiva, porque o
veículo foi furtado e o ladrão tem um acidente, aqui quem tem a direção efetiva do veículo
será o ladrão pois é ele que exerce o controlo de facto sobre o mesmo. Quem tem a direção
efetiva quem exerça o controlo de facto embora não esteja juridicamente legitimado para
tal.
A quem tenha o poder de facto sobre o veículo, acompanhado ou não e legitimação jurídica e o
utilize em proveito próprio, mesmo através de comissario, ajusta-se a designação de detentor.
Visto isto, deverão cumular-se dois requisitos: a direção efetiva do veículo e o interesse próprio na
utilização deste. Com tais elementos pretende a lei a definição da pessoa ou pessoas que criam o risco
especial da utilização do veículo, que fundamenta a responsabilidade objetiva.
O interesse da pessoa que utiliza o veículo tanto pode revestir natureza patrimonial como não
patrimonial. Mas terá de tratar-se de um interesse próprio, embora, porventura, não exclusivo.
As mais das vezes, o detentor será o proprietário do veículo, ou, inclusive, um usufrutuário ou
adquirente com reserva de propriedade. Todavia, pela conjugação dos referidos elementos, a
responsabilidade objetiva também pode caber a um locatário ou comodatário, ou a outrem que o haja
furtado ou apenas utilizados abusivamente. Em contrapartida, o critério legal, como se afigura razoável,
permite excluir a responsabilidade, por exemplo, do aluno da escola de condução, durante a aprendizagem
(mas já não quando efetua o exame), do passageiro de táxi ou do comissário.
Na hipótese de locação ou comodato, a responsabilidade objetiva recai apenas sobre o locatário ou
comodatário, ou solidariamente sobre o locador e locatário ou comodante e comodatário, ou,
ainda, apenas sobre o locador ou comodante? A solução do problema depende de saber quem cria
a risco e aproveita dele, isto é, relativamente a quem se verificam os dois elementos referidos no
art. 503º/1: a direção efetiva do veículo e o interesse próprio na sua utilização. Deverá, portanto,
atender-se ao que resulte da análise das circunstâncias do caso concreto.
A orientação seguida por Almeida Costa sustenta que, no caso de condução de um veículo por um
locatário ou às suas ordens, os requisitos da direção efetiva e do interesse próprio se verificam em
relação a este e ao locador, pelo que a responsabilidade objetiva os atinge a ambos; e que, havendo
comodato, do mesmo modo o comodante é solidariamente responsável (o interesse próprio pode
reconduzir-se ao puro gosto de ser agradável ou atencioso para com um amigo), salvo quando o
empréstimo tenha sido feito em termos de se transferir ao comodatário o encargo da conservação
e bom funcionamento do veículo.
Para Vaz Serra, nas situações de locação ou comodato, a responsabilidade objetiva impende sobre o
locatário ou comodatário, e não, em princípio, sobre o locador e comodante. Adverte, por exemplo,
a respeito do comodato, que o interesse próprio do comodante não pode ter uma extensão tão
larga que abranja o simples desejo de ser agradável a outrem, mas não e exclui a cedência do
veículo a um parente, amigo ou vizinho como meio de obter alguma vantagem pessoal.
Numa hipótese em que o veículo é conduzido no interesse e por conta de outrem, resulta do
nº1 e nº2 do art. 503º que quem tem a direção efetiva do veículo é o comitente e não o
comissario – quem responde pelos danos causados numa hipótese em que o condutor
comissario conduza o veículo nas suas funções de comissario, é o comitente. O comissario
responde se tiver culpa, mas nunca responde objetivamente, ou seja, independentemente
de culpa. Se o motorista sem culpa causa acidente, quem responde objetivamente é o
comitente. Se o comissário tiver culpa, o comissário responde segundo o regime do art. 483º
(causou o acidente culposamente) e 503º/3, presumindo-se a sua culpa. O comitente
responderá por duas vias, que será solidariamente responsável pelo art. 500º e com
fundamento no art. 503º/1. Se o comissario afasta a presunção de culpa, então o comissario
não responde, porque ele não responde objetivamente – apenas responde só e apenas o
comitente.
Três situações distintas perante acidente de comissario:
i. Comissário que conduzia no exercício das suas funções não consegue afastar a
presunção de culpa do art. 503º/3: responde o comissário segundo o regime dos
arts. 483º e seguintes, presumindo-se a culpa (503º/3); assim como o comitente
segundo o regime do art. 500º o que significa que a medida da responsabilidade
do comitente é a medida da responsabilidade do comissário, que neste caso será
o dos arts. 483º, sendo uma responsabilidade solidária; não está excluído que
responda o proprietário do veículo segundo os artigos 503º e 508º.
ii. Comissário que conduzia no exercício das suas funções afasta a presunção de
culpa: o comissário não responde porque não praticou nenhum facto ilícito e
culposo e sobre ele não recai responsabilidade objetiva; quem responde será
quem tenha a direção efetiva do veículo (art. 503º/1 e apenas segundo este
artigo e não segundo o art. 500º porque o comissário não responde).
iii. Comissário conduz fora do exercício das suas funções: aqui o condutor
comissário não vai responder como se fosse um condutor por conta de outrem,
não se aplica a presunção de culpa do art. 503º/3, vai responder segundo os
artigos 483º e seguintes, não se presumindo a sua culpa; e quem responde
objetivamente é também o condutor uma vez que é ele que tem o controlo
efetivo do veículo (parte final do art. 503º/3).
(3) Danos abrangidos: danos provenientes dos riscos próprios do veículo, independentemente
de este estar ou não em circulação. Os danos não abrangidos são aqueles que não resultem
do risco próprio do veículo – art. 503º/1 (ex.: entala a mão do veículo; alguém tropeça no
carro e magoa-se; são hipóteses residuais).
É indispensável que os danos traduzam a indicada especificidade dos riscos. Desde que ela se
verifique, tanto se abrangem os danos provocados pelos veículos em circulação, na via
pública ou num recinto privado, ou mesmo fora de qualquer via, como devidos a veículos
estacionados. Os danos que não correspondam a esta especificidade, isto é, os danos
relacionados com riscos estranhos ao veículo, ficam fora da responsabilidade objetiva. Mas
poderão, eventualmente, ser indemnizados no âmbito da responsabilidade por factos
ilícitos, caso se reúnem os respetivos pressupostos.
Para Almeida Costa, o legislador fixou como exclusivo pressuposto a exigência de que o facto do lesado
constitua a causa única do acidente. No sentido em que o acidente só é imputável ao lesado quando o “o
carro foi um instrumento amorfo, no processo danoso, nele intervindo sem o concurso daquela sua típica
aptidão para a criação do risco e que está na base da responsabilidade prevista no art. 503º/1”. Assim, se
esse facto apenas concorrer para o sinistro, verificando-se culpa do condutor, caberá ao tribunal, de
harmonia com o art. 570º, decidir sobre o montante ou até a exclusão da indemnização.
Segundo Almeida Costa, quando o acidente se dever a facto de terceiro, trata-se de um problema simples de
ligação causal dos danos verificados ao facto de terceiro, ou seja, dever-se o acidente tão-só a este. Se existir
concorrência de culpas entre o condutor e o terceiro, reparte-se correspondentemente a responsabilidade
(art. 497º). Assim como, havendo culpa do lesado e do terceiro, se aplica o disposto no art. 570º.
(3) Acidente que resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo:
Aqui o objetivo é excluir a RC Objetiva que não resulte dos riscos próprios do veículo.
Exemplo: uma inundação de tal modo que faz transportar os veículos que,
consequentemente, embatem em pessoas. São estas hipóteses que são excecionais que
preenchem esta causa de exclusão. Não confundir força maior com caso fortuito. Não é
excluída a responsabilidade nos seguintes casos: acidente causado por avaria do motor,
acidente causado por quebra dos travões, da embraiagem, da direção, pois este risco
provem do funcionamento do veículo. Como o veículo não funciona sem condutor, os
eventos fortuitos relativos ao condutor estão ainda ligados ao funcionamento do
condutor. Assim, se o condutor adormece sem culpa ou tem uma síndrome cardíaca e
tem um acidente, aqui mantém-se também a RC Objetiva.
Caso fortuito consiste em qualquer risco inerente ao funcionamento das coisas ou maquinismos que
o agente utiliza; força maior entende-se como uma força da natureza estranha a essas coisas ou
maquinismos. Nos termos do artigo 505º apenas se afasta a responsabilidade com esta última
fundamentação.
Tenha-se presente que o preceito analisado visa a exclusão da responsabilidade objetiva. Havendo
culpa do detentor ou condutor do veículo, o caso de força maior que com ela porventura concorra não evita
a responsabilidade. Constitui, todavia, uma circunstância atendível para efeitos de limitação equitativa da
indemnização em hipóteses de mera culpa (artigo 494º).
Quem beneficia da Responsabilidade? Diz o nº 1 do artigo 504.º que a RC por danos causados por
veículos aproveita tanto a terceiros como a pessoas transportadas, tal significa que o conceito abrange
desde logo as pessoa que se encontrem fora do veiculo (ex.: o peão, quem se encontre em outro
automóvel), as pessoas ocupadas no comando do veículo há depois um regime especial quanto à
responsabilidade, ou melhor, à titularidade do direito de indemnização pelas pessoas transportadas no
veiculo relativamente ao qual o seu detentor é responsável.
Hipótese: A é proprietário de um veículo e transporta um passageiro; A despista-se, sem culpa, e o
passageiro que era transportado sofre uma lesão à sua integridade física. A pergunta que se coloca é a de
saber se quem tenha a direção efetiva deste veículo (aqui o condutor responde objetivamente porque é o
proprietário) é responsabilizado por terceiros transportados. Aqui, há um regime especial: o do nº2 e o nº 3.
Distingue-se consoante a pessoa transportada seja transportada mediante celebração de contrato,
tratando-se de transporte oneroso (nº 2 do art. 504º) ou mediante transporte gratuito (nº 3). Do nº 2
resulta que no caso de transporte por virtude de contrato abrange só os danos que atingem a própria pessoa
transportada (danos pessoais), e quanto a danos materiais, apenas quanto àquilo que por elas for
transportada – há aqui uma restrição quanto aos danos indemnizáveis: quem tenha a direção efetiva do
veiculo não é responsável por todo e qualquer dano, mas apenas por danos pessoais (lesão à integridade
física, sofrimento com as dores, rendimentos que não se auferem por não se conseguir trabalhar) e coisas
transportadas pela pessoa (ex.: se a pessoa transportar um computador, tem direito a que seja
indemnizado). Estão excluídos aqui os danos reflexos, ou seja, danos de sujeitos de pessoas não
transportadas. Aqui, os familiares não terão direito a indemnização, porque se trata de danos que não
atingem a pessoa transportada. O mesmo se diga relativamente ao art. 495º quando reconhece o direito a
indemnização a terceiros. Há, pois, aqui, uma limitação restrita quanto aos familiares da pessoa
transportada e no que concerne às pessoas enunciadas no art. 495º. No referente ao nº 3 do art. 504º, diz
este artigo que a responsabilidade abrange, apenas, os danos pessoais da pessoa transportada. Esta solução
é mais limitada, pois não abrange os danos causados a coisas por ela transportadas e também os danos a
terceiros.
Poderá perguntar-se qual o fundamento que levou a esta solução? Desde logo, a razão de ser da
solução do nº 2 era seguinte: uma primeira duvida que se colocou foi – se é celebrado um contrato de
transporte será razoável que se permita à pessoa transportada convocar ou fundamentar o regime com base
na responsabilidade objetiva, na medida em que a pessoa transportada já beneficiava da RC Obrigacional
por incumprimento do contrato. Ainda assim, o legislador entendeu que poderia, pois, a RC Obrigacional
depende de culpa, havendo uma tutela mais efetiva. Entendeu-se, ao mesmo tempo, contudo, que não seria
de equiparar a pessoa transportada e terceiros, porque de alguma forma se admitia que a pessoa
transportada aceita, de algum modo, o risco que comporta a circulação do veículo (já não a culpa), daí, não
se excluir totalmente o regime da RC Objetiva. Mais, o nº 3, que não tem a sua redação originaria (nesta a
pessoa transportada gratuitamente só tinha direito a indemnização se houvesse culpa do condutor, estando
aqui uma solução mesmo rigorosa), já reconhece direito de indemnização à pessoa transportada, segundo o
RC Obrigacional. Significa isto que há uma diferença de regime relevante quanto aos danos que decorram de
um acidente em que é transportado um acidente, quer a título oneroso, quer a título gratuito, e o passageiro
morre. Se ele morre e apenas é possível invocar a RC Objetiva, então aí, os danos de terceiros não são
indemnizáveis, só o dano da perda da vida, mas não os do art. 495º/3 (isto significa que filhos não teriam
direito à indemnização por obrigação de alimentos). Diversamente, se o acidente for devido a culpa do
condutor, então, os familiares da pessoa transportada que morreu terão direito a indemnização quer no que
concerne a danos pessoais, quer relativos a danos patrimoniais.
De acordo com a professor e alguma doutrina, esta solução deverá ser reponderada – parece haver
aqui um tratamento discriminatório. Particularmente relevante, é a obrigação de alimentos, não se negando
esta a alimentos a que estaria obrigado o lesante (a seguradora que responde por ele) porque a vítima era
transportada.
O artigo 506º regula a hipótese em que se verifica colisão de veículos. Não é muito feliz porque
disciplina todas as hipóteses em que se verifique colisão de veículos, existindo culpa ou não existindo culpa.
Agora, traçaremos o regime por danos resultantes de um acidente, acidente esse que resulta de uma colisão
de veículos. Na primeira parte do nº 1 retira-se que se da colisão entre dois veículos ou mais e caso resultem
danos em relação a um dos veículos e não houver culpa, a Responsabilidade é repartida. Há uma colisão de
veículos, não se apura a culpa dos condutores envolvidos e, então, quem tenha a direção efetiva será
objetivamente responsável. A lei determina ainda que a medida da responsabilidade é repartida na
proporção dos riscos em que cada veículo contribuiu para o acidente (ex.: A é proprietário de um automóvel
ligeiro e B é proprietário de um camião, aqui, apura-se que a proporção com que o camião contribuiu para o
acidente é de 2/3 e que a do automóvel ligeiro é de 1/3). Os critérios são: o peso, o cumprimento, a carga, a
velocidade, entre outros. Se os danos forem, contudo, causados por apenas um dos veículos, só a pessoa por
eles responsável é obrigada a indemnizar (ex.: um automóvel está parado e é embatido por um automóvel
que se despista).
Pode suceder que se verifique culpa, quer presumida, quer demonstrada, de um dos condutores na
colisão de veículos. Ora, se assim for, a solução que decorre a contrário do art. 506º é a de que é
responsável pelo valor integral dos danos dos veículos quem tenha tido culpa do acidente – o condutor do
veículo que contribuiu para o acidente. Se se apurar a culpa de ambos os condutores, diz o nº 2, que ambos
respondem pela respetiva culpa. Em caso de dúvida quanto ao risco, considera-se igual a medida de
contribuição do risco.
Relativamente a Colisão de um condutor por conta de outrem (comissario) com um condutor por
conta própria: aqui, o comitente responde pelos danos, ao abrigo do art. 506º, não se presumindo a culpa do
condutor por conta própria. A jurisprudência tem considerado que esta solução é de considerar.
O art. 506º na sua letra refere-se aos danos dos veículos, pelo que estes critérios de repartição da
responsabilidade, segundo a letra do art. 506º referem-se à responsabilidade pelos danos nos veículos. Será
que o mesmo critério deve valer quanto á repartição da responsabilidade quanto a outros danos, que não os
danos nos veículos (ex.: danos que sofram as pessoas transportadas; danos que sofra um peão). Será que o
critério do art. 506º é aplicado à repartição da responsabilidade perante outros danos? Esta questão não
está muito trabalhada. A professora considera que o regime da Responsabilidade Solidaria, onde havendo
pluralidade todos respondem perante o lesado pelos danos na sua integralidade, deverá aplicar-se. Assim, o
critério 506º não pode ser convocado pelos responsáveis pelo acidente para diminuir a sua responsabilidade
para se dizer que só se responde pelos danos na medida da repartição do risco. ex.: da colisão resulta lesão
para um peão na rua e que é atingido pela colisão entre o carro e o camião, o peão terá direito a ser
indemnizado por cada um dos responsáveis do acidente pelo dano integral que tenha sofrido. O proprietário
do automóvel ligeiro não pode defender-se que só contribuindo pelo risco na proporção de 1/3, o lesado
terá de ir pedir ao camionista 2/3 continua a valer aqui, o regime da responsabilidade solidária (art. 507º). O
art. 506º só valerá entre os danos relativos aos veículos e no âmbito das relações internas. Quanto aos
demais danos, prevalece a regra do regime da solidariedade e no âmbito das relações internas é que poderá
ser invocado o critério da medida do risco (art. 506º). Ex.: A e B colidem entre si, A transporta um passageiro
e nenhum dos condutores teve culpa, ambos os veículos eram conduzidos pelos respetivos proprietários –
aqui, o critério da medida da responsabilidade far-se-á mediante o critério do art. 506º. No que concerne à
pessoa transportada, esta pode prevalecer-se, ao abrigo do 507º, quanto ao outro veículo.
A letra do art. 506º/1 reporta-se apenas a danos relativos aos veículos. Mas, segundo Almeida
Costa, parece manifesto que a mesma solução deva abranger todos os prejuízos resultantes da
colisão e indemnizáveis de acordo com os preceitos anteriores, designadamente também os
danos pessoais causados aos responsáveis pelos riscos dos veículos, às pessoas ou coisas neles
transportadas e ainda a terceiro ou no património destes.
Afigura-se também quanto aos danos causados a terceiros pela colisão de veículos se justifica a
aplicação do art. 506º. De resto, o problema apenas se levanta no âmbito das relações internas
entre os detentores dos veículos, pois, em face dos terceiros, qualquer deles responde
solidariamente (art. 497º e 507º);
Vaz Serra manifesta-se, porém, no sentido de que o art. 506º só compreende os danos
causados nos veículos e nas pessoas dos responsáveis por esses riscos. Ente Vaz Serra que,
relativamente aos danos causados a terceiros, vigora o princípio da responsabilidade solidária
dos vários representantes pelo dano (art. 507º). Conclui, na verdade, que, “perante os
terceiros lesados, qualquer dos veículos foi causa da totalidade dos danos (que se não teriam
verificado sem o concurso de qualquer dos veículos) e, por isso, o respetivo responsável pelo
risco é obrigado à indemnização integral deles”.
Problema conexo e não menos discutido era o da reparação dos danos provocados pela referida
colisão de veículos às pessoas transportadas gratuitamente. Dado que o transportador só respondia
em relação ao passageiro quanto aos danos produzidos com culpa (art.504º/2), que na hipótese se
não verifica, poderia tal passageiro reclamar do responsável pelo risco do outro veículo a inteira
indemnização do prejuízo ou apenas a indemnização correspondente à proporção em que o risco
desse veículo concorreu para o dano? Pelo que toca aos danos pessoais a questão encontra-se
resolvida. E relativamente aos danos não pessoais? A resposta oferece dúvidas. Vaz Serra fala de
uma responsabilidade parcial; Já Antunes Varela entende que, quanto aos danos pessoais dos
passageiros em regime de transporte gratuito, ambos os condutores respondem objetivamente,
embora, quanto aos danos nas coisas por aqueles transportadas, não haja, faltando culpa,
responsabilidade de qualquer destes últimos.
O artigo 507º vem também consagrar a responsabilidade solidária – a solução que resulta é: sempre
que se verifica um acidente de viação e haja vários responsáveis, todos respondem solidariamente. Ainda
que um responda pela culpa, outro pelo risco, ambos respondem solidariamente – todavia, nesta hipótese, o
responsável pelo risco é titular de um direito de regresso ao abrigo do nº 2 do art. 507º.
caso de dúvida, deve considerar-se igual o interesse dos vários responsáveis, como resulta analogicamente,
do art. 506º/2; (2) se apenas algum dos responsáveis teve culpa, isto é, produzindo-se concorrência entre a
culpa e o risco, somente aquele responde, cabendo ao responsável pelo risco que satisfaça a indemnização o
direito de regresso por inteiro contra ele, mas não inversamente (artigos 507º/2, 2ª parte e 497º/2).
Há uma situação de pluralidade de responsáveis que merece especial referência: a que inúmeras
vezes resulta de um mesmo facto danoso revestir a simultânea qualidade de acidente de viação e acidente
de trabalho. Existirá, neste caso, mais do que um responsável, sempre que o detentor do veículo e a
entidade empregadora não sejam uma única pessoa. Exemplo: um empregador da empresa X, ao dirigir-se à
residência de certo cliente para efetuar uma cobrança, é atropelado pela viatura de terceiro. A disciplina
jurídica apresenta-se clara do ponto de vistas das relações entre sinistrado e os responsáveis. Entende-se
que aquele pode exigir a indemnização ao responsável pelo veículo ou à entidade empregadora. E também
está fora de questão que indemnizações não se cumulam, mas apenas se completam até ao inteiro
ressarcimento do dano. Somente se excetua a hipótese de o quantitativo de uma das indemnizações exceder
a outra, aqui, a vitima poderá exigir a diferença.
O artigo 508º tem como referência o capital mínimo do seguro obrigatório da responsabilidade civil
automóvel.
Não se transpôs na integra a referida diretiva. Faltou precisamente a parte respeitante aos limites
individuais de indemnização. O legislador português, ao transpô-la, não foi além da fixação dos montantes
globais de indemnização por acidente, nada determinando para a hipótese da repartição desses montantes
quando exista pluralidade de lesados.
Havendo mais que um lesado, impõe-se a presença de todos os autores da ação de indemnização.
Trata-se de um caso de legitimidade plural na vertente de coligação necessária. Se nem todos os lesados
propuserem a ação de responsabilidade civil baseada no risco, ocorre uma situação de ilegitimidade ativa. É
sanável por intermédio do incidente de intervenção principal provocada.
Discute-se se vigorará, no âmbito da responsabilidade por acidentes de circulação terrestre, a norma
de graduação equitativa da indemnização que o art. 494º consigna. AC opta pela afirmativa, refere que, o
art. 499º declara extensivos, em princípio, à responsabilidade pelo risco, na parte aplicável, os preceitos
reguladores da responsabilidade por factos ilícitos. E faz perfeitamente sentido atuar com a doutrina do art.
494º, quando se verifique mera culpa do condutor ou no caso de responsabilidade pelo risco. Cabe, pois,
atender à situação económica do lesado e do responsável, bem como às demais circunstâncias do caso. É
evidente que, na hipótese de responsabilidade sem culpa, sempre a indemnização encontra os parâmetros
máximos do art. 508º.
Posto isto, se se verifica um acidente de viação, o lesado que pede uma indemnização por danos
fundados no acidente, tem de fundar o seu regime. Aqui, pode fazer prova dos requisitos da RC por facto
ilícito e culposo ou da RC Objetiva. E pode convocar os dois fundamentos. Qual a diferença? O responsável
não será necessariamente o mesmo. Na primeira, será o condutor que não tenha sido diligente; na RC
Objetiva será quem tenha a direção efetiva do veículo, por regra, o seu veículo. Aqui, poderá haver
diferenças se quem tem a direção efetiva não é o proprietário. Quanto ao fundamento, é evidente que se a
RC por facto ilícito e culposo que pressupõe a culpa que, em regra (condutor por conta de outrem), não se
presume, pelo que o lesado tem, por isso, este ónus. Haverá aqui vantagens para o lesado? Pode sim – o
universo dos danos indemnizáveis não é exatamente o mesmo. Na RC Objetiva há alguns limites, desde logo
o art. 508º, o que pode ter relevo se o acidente envolver muitos lesados, o art. 504º/2 e 3 também
estabelece alguns limites no que concerne ao direito à indemnização dos familiares que lhes é vedado;
finalmente, o regime da culpa do lesado – se o acidente for imputável a culpa do condutor e se verifique
simultaneamente culpa do lesão aplica-se o art. 570º, pelo que o juiz pode ainda assim manter ou reduzir,
não tendo necessariamente de a excluir. Já na perspetiva tradicional, se houver RC Objetiva mais culpa do
lesado, ter-se-ia de aplicar o regime do art. 505º, o que significaria que o lesado viria excluída a
indemnização. Estes são os três aspetos mais importantes: 1) fundamento em culpa; 2) universo dos danos
indemnizáveis; 3) art. 505º e art. 570º.
O primeiro é mais rigoroso, porque depende de culpa, mas uma vez demonstrado esses
pressupostos, há mais vantagens. O regime da RC Objetiva beneficia o lesado na medida em que facilita o
regime da prova, mas depois há limitação quanto ao universo dos danos indemnizáveis e quanto ao regime
do art. 505º.
Seguro Obrigatório:
Desde 1979, foram instituídos o seguro e o fundo de garantia automóvel. A lei obriga o seguro
perante veículos terrestres a motor (não abrangendo bicicletas), sem o qual o veículo não pode circular.
Características principais: (1) seguro pessoal e não real (seguro cobre a Responsabilidade Civil da pessoa que
possa ser obrigada a indemnizar por veículos causados a terceiros – não é objeto o dano, mas a obrigação de
indemnizar); (2) sujeitos garantidos pelo contrato de seguro: o tomador do seguro, ou seja, o proprietário, o
comodatário, o usufrutuário, todos os legítimos detentores do veiculo e os ladroes; 3) este é independente
do fundamento da Responsabilidade Civil; (3) o evento cobrado/segurado é a obrigação de indemnização
(ex.: A que conduz o sue automóvel, despista-se e morre – aqui a seguradora cobre a obrigação de
indemnizar não o dano); (4) âmbito material da obrigação da seguradora: corresponde à obrigação de
indemnizar compreendida na lei civil, segundo os limites mínimos do DL referido – o valor da obrigação da
seguradora coincide com a medida de obrigação de indemnizar que o responsável esteja obrigado (há
algumas exclusões- art. 14º do DL 291/2007, aqui a seguradora não cobre danos corporais e materiais
sofridos pelo condutor); (5) terá direito a seguradora ao direito de regresso? Ou seja, ela responde perante o
lesado. Terá direito de regresso perante o responsável. Em princípio não, a seguradora suporta
definitivamente. Há exceções que vêm definidas no art. 27º: causador doloso do acidente (aqui não entra a
mera culpa); autores e cúmplices dos autores de furto do veículo; se o condutor conduzir com uma taxa de
alcoolémia superior à legalmente permitida e sob estupefacientes – função preventiva; não cumpra, o
proprietário do veiculo, a inspeção exigida; se o condutor abandona o sinistrado – mecanismo de prevenção;
Contra quem é proposta a Responsabilidade Civil? Só contra a seguradora, em regra. Não perante o
civilmente responsável, só se verifica tal situação quando se ultrapassa o limite. Se não houver seguro
obrigatório, o lesado não ficará sem indemnização, respondendo, aqui, o Fundo de Garantia Automóvel.
O artigo 496º/4º - para se fixar uma indemnização por danos não patrimoniais, o CC faz referência à
equidade. Contudo, num processo dirigido às seguradoras, elaborou-se uma Portaria, que estabelece o valor
razoável mediante a verificação de determinados lesados, que procurou estabelecer um procedimento que
visa acelerar o processo de indemnização e evitar os litígios em tribunal. Se arbitrarem uma indemnização
inferior, serão condenadas pelo tribunal no dobro da taxa sobre a diferença entre a proposta apresentada e
a que fixada na decisão judicial.
Danos causados por instalações de energia elétrica ou gás (artigo 509.º e 510.º):
Este caso de responsabilidade pelo risco é contemplado nos artigos 509º e 510º do C.C.
Nos termos do artigo 509º, ‘’ 1. Aquele que tiver a direção efetiva de instalação destinada à
condução ou entrega da energia elétrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde
tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da eletricidade ou do gás, como pelos danos
resultantes da própria instalação, exceto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras
técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.’’.
Abrangem-se, pois, os danos provocados por transporte ou distribuição de energia elétrica e de gás,
bem como, mercê de flagrante identidade, argumento não pacifico, os que decorram da sua produção ou
armazenagem. Ponto fulcral a salientar é que, à semelhança do preceituado a respeito dos acidentes de
viação (artigo 503/1), a responsabilidade que emerge de tais danos cabe a quem tenha a direção efetiva
dessas fontes de energia e as utilize no interesse próprio, quer dizer, às empresas que as explorem como
proprietárias, concessionárias ou a outro título.
A responsabilidade das empresas existe, não só pelos danos que provenham de culpa dos seus
órgãos, agentes, representantes ou comissários, mas também pelos ligados a deficiências do sistema em si.
Contudo, nesta segunda alternativa, exclui-se responsabilidade se ao tempo do acidente a instalação
correspondia às normas técnicas vigentes e se encontrava em perfeito estado de conservação (artigo
509º/1). Ressalva inexistente no âmbito dos acidentes ocasionados por veículos de circulação terrestre
(artº.503/1).
Do mesmo modo, não obrigam a reparação os danos atribuídos a força maior, que se considera
‘’toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa’’ – por exemplo, a queda de um
poste de alta tensão em consequência de ciclone (artº 509º/2). Outro tanto sucede com os danos devidos a
facto do próprio lesado ou de terceiro, que, dado não oferecerem dúvidas, o legislador entendeu
desnecessário mencionar expressamente.
Além disto, afastam-se do regime desta responsabilidade objetiva os danos motivados por utensílios
de uso da energia (artº509º/3). Será a hipótese dos fogões, frigoríficos, aparelhos de televisão, instalações
de ar condicionado, etc.
Ao circunscrever a amplitude da indemnização, o artigo 510º acentua que a sua disciplina só vigora
‘’quando não haja culpa do responsável’’ e fixa, ‘’para cada acidente, como limite máximo o estabelecido no
nº1 do artigo 508º, salvo se, havendo seguro obrigatário, diploma especial estabelecer um capital mínimo de
seguro, caso em que a indemnização tem como limite máximo esse capital’’.
Indicou-se a disciplina vigente no nº1 do artigo 508º. O legislador repete a remissão da versão
precedente do artigo 510º. Todavia, o montante assim determinado é substituído pelo capital mínimo do
seguro obrigatório exigido nas situações consideradas. Repare-se, ainda, que os quantitativos mencionados
se reportam a cada lesado, sem que se assinalem igualmente limites em função do número deles.
Os artigos 509.º e 510.º definem a disciplina geral sobre danos resultantes de instalações de energia
elétrica e de gás. Contudo, são naturalmente suscetíveis de extensão ou adaptação a casos especiais. Tal
sucede, por exemplo, com o disposto para prevenir as condições de segurança das unidades de alojamento e
de quaisquer das suas partes integrantes, ainda que não afetas à exploração turística nem locadas.
Prescrição
A lei ocupa-se da prescrição da obrigação de indemnização no art. 498º/1. Esta norma consagra dois
prazos prescricionais:
1. Três anos a contar da data em que o lesado tenha conhecimento do seu direito, embora mesmo
que com o desconhecimento da pessoa do responsável e de extensão integral dos danos.
2. Vinte anos (art. 309º) a contar do facto danoso.
Prescreve igualmente no prazo de três anos, a partir do cumprimento, o direito de regresso entre
responsáveis (art. 498º/2).
Se o facto ilícito constituir um crime para que a lei penal consagre um prazo mais logo, será este o
aplicável (art. 498º/3). De referir que atropelar outrem causando-lhe morte terá o prazo prescricional de
cinco anos.
Ainda assim, a prescrição do direito de indemnização não importa a prescrição das ações de
reivindicação ou de restituição resultante do enriquecimento sem causa que, porventura, tenham lugar (art.
498º/4).
Obrigação de indemnização
A obrigação de indemnização é uma das obrigações consagradas no CC. A constituição desta
obrigação teve como propósito reunir num único instituto os princípios relativos aos efeitos da
responsabilidade civil, que são comuns a todas as suas modalidades.
A obrigação de indemnizar, reparar ou compensar um dano pode ter várias fontes. Resultará do não
cumprimento definitivo (art. 798º), da mora (art. 804º/1) ou cumprimento defeituoso de uma obrigação em
sentido técnico (ex.: arts. 913º e ss. e 1218º e ss.), ou impossibilidade da prestação por causa imputável ao
devedor (art. 801º/1). Ao lado de ilícito contratual, há também ilícitos extracontratuais ou extra
obrigacionais, que deriva da prática de um facto culposo, ou seja, que ofenda um direito subjetivo alheio ou
um interesse de outrem juridicamente protegido (art. 483º). Poderá também resultar de situações de
responsabilidade objetiva ou pelo risco, ou seja, que não dependem de culpa (arts. 500º e ss.) ou mesmo de
comportamentos lícitos danosos (ex.: arts. 339º/2, 1322º/1, 1347º/3, 1552º e 1561º/1). Refere-se ainda
como fonte de obrigação de indemnizar a responsabilidade pré-contratual e a responsabilidade pós-
contratual.
Todavia, é necessário recordar que, ao conceito de indemnização em sentido rigoroso jurídico-
técnico, ligar-se-á tão-só a uma ideia reparatória estrita, ficando de foram a realização coativa do próprio
direito.
A questão dos sujeitos da obrigação de indemnizar já foi referida anteriormente. Contudo é
importante relembrar que o sujeito passivo é a pessoa a quem se imputa o facto constitutivo de
responsabilidade; e o sujeito ativo será o titular do direito ou interesse violado, embora se admitam algumas
exceções, no caso de morte ou lesão corporal da vítima (art. 495º e 496º).
Vamos agora ocuparmo-nos dos danos compreendidos na indemnização e das fórmulas de cálculo
desta, que serão as questões levantadas pelo art. 562º.