Felizmente não sou Santo Agostinho, pois tal significaria já não estar aqui e agora a escrever
estas palavras. Claro que as palavras do Santo, algumas de que me lembro, são magníficas.
Umas, relativas ao tempo, são mesmo a inspiração para que escreva estas, minhas, agora. Ao
escrever remetendo-me de memória às palavras do Santo sobre o tempo, vou com certeza
desvirtuá-las, mas, neste momento o que me interessa é aquilo que eu próprio quero dizer.
Só existe o presente, e sou pouco original ao afirmá-lo. O passado foi um presente que já passou,
e para o qual o presente de hoje era talvez um futuro pensado e vagamente previsto, assim
como o futuro que hoje por vezes prevejo ou vislumbro, será sucessivamente um presente,
ainda que não meu e um passado mesmo que não recordado por mim. Lembro-me de algures,
na infância ou início da juventude, fazer as contas que no ano 2000 teria 37 anos. A minha avó
nesse tempo dizia que uns pozinhos depois do ano 2000 seria o fim do mundo. Afinal o fim do
mundo dela chegou mais cedo, treze anos antes do final do milénio. Hoje, situado
temporalmente treze anos depois do mesmo marco, dou comigo, num comboio, a refletir sobre
o tempo. Porquê? Agora que ponho a pergunta talvez tenha a ver com a lembrança de como já
vi explicada a teoria da relatividade de Einstein, em que o tempo "encurta ou dilata" em função
da velocidade da viagem. Nela os viajantes e os veículos mudam de cor, vermelho e azul, não sei
a respetiva ordem, em função do sentido da viagem e da sua velocidade.
Mas voltemos ao tempo presente, aquele que omnipotentemente domina a existência. Há dias
ouvi (involuntariamente escrevi "houvi" e achei graça ao corrigir) o Sérgio Ribeiro, acerca da
sabedoria daqueles que não vivem com pressa, qualidade, dizia ele, que era mais fácil ter em
velho do que na juventude, mas que alguns, segundo ele, a conseguiam ter nessas primeiras
idades. Realmente, saber fruir a existência presente e dar valor ainda que a coisas simples como
o ar que se respira, a calma que se tem, a conversa com alguém, um convívio simples, é algo que
revela uma sabedoria natural e que proporciona alguns prazeres simples mas acessíveis a todos.
Quem já sofreu ou sofre de algum tipo de dor sabe do que falo. A própria inexistência de dor é
um prazer em si. Sem erudição para aqui discorrer sobre tal, penso que alguns filósofos clássicos
gregos e romanos – suponho que os chamados estoicos - erigiram sistemas de
pensamento/ação, baseados nesse fluir da vida que se aceita tal como acontece, num
desprendimento em relação a valores e poderes terrenos.
Séneca, se não me engano, foi um exemplo disso, nas ideias que defendeu e culminando na
forma como morreu. Epicteto sintetizou em palavras sábias e simples essa filosofia de vida.
Henrique Santos
2013
P.S. Sempre que morre alguém que me é familiar ou amigo é-me inevitável entrar nestas
elucubrações. Algumas passo-as a escrito como o texto que escrevi em cima. Por vezes escrevo
até uma tentativa de poema. Mas sempre, sempre, tenho de deixar o meu pensamento correr
pelas lembranças da minha relação com o amigo ido. E sempre me é inevitável dar-lhe um
sentido presente e futuro como se a ausência de Deus que me é característica fosse um
imperativo de eternidade no pensamento e nas palavras que sustento.