Introdução
22 USP/ Pós-Graduação.
23 USP
24 Fonte: http://www.isbn.bn.br/website/consulta/cadastro/filtrar consultado em 17 de outubro de
2017 às 15h 23 min.
Jefferson Donizete de Oliveira contabilizou o registro de pelo menos 115 edições/reimpressões de Noite
na taverna na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro , registradas em sua dissertação de mestrado
apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP “Um sussurro nas trevas –
uma revisão da recepção crítica e literária de Noite na Taverna de Álvares de Azevedo” (consultado em
19 de outubro de 2017 às 15h 50 min no endereço eletrônico
file:///C:/Users/Administrador.PGRPGRT7719H58/Downloads/2010_JeffersonDonizettideOliveir
a%20(2).pdf)
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de São Paulo; edições e livrarias que nos apareceram como resultado após uma busca
pelo nome da obra feita no Google e no texto mais acessado no sítio do Domínio Público,
oriundo da Biblioteca do Estudante Brasileiro, Escola do Futuro da Universidade de São
Paulo – USP (conforme a maioria das respostas dadas pelas mães na pesquisa).
Não foi objetivo do nosso trabalho a realização de uma edição crítica de a Noite;
mas o levantamento dos lugares-críticos existentes nas edições que seriam pedidas
atualmente em listas escolares e de vestibulares e que estariam disponíveis para
aquisição, a fim de os comparar com o que CAMBRAIA (2005) denomina de testemunho
de colação. Assim, como diz esse mesmo autor, “terminadas a localização e a coleta das
fontes, pode-se passar a uma subfase bastante árdua: a da colação, etapa em que se
comparam os diversos testemunhos de um texto para se localizarem lugares-críticos”
(id., p.135).
As edições colacionadas foram: i) Macário e noite na taverna – São Paulo: Saraiva,
1ª. Edição, 2010 (Clássicos Saraiva); ii) Noite na taverna – Porto Alegre: L & PM, 19ª.
Reimpressão, 2017 (Coleção L&PM POCKET); iii) Noite na taverna e poemas escolhidos
(de Lira dos vinte anos) – São Paulo: Moderna, 22ª. reimpressão da 2ª. Edição de 2004-
2017; iv) Noite na taverna, Macário – São Paulo: Martin Claret, 3ª. Edição, 2011 e uma
edição feita para os leitores digitais Kobo e Kindle, v) Noite na taverna, contos fantásticos –
Canadá: Zero Papel, edição digital, 2012, e, por fim, a o vi) texto oriundo da Biblioteca
do Estudante Brasileiro, Escola do Futuro da Universidade de São Paulo – USP. Foi
compulsada, igualmente, a 2ª. edição da obra, publicada pela Livraria B. L. de Garnier de
1862 constante do acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, a fim de se
analisar uma possível genealogia de alguns dos erros encontrados nas edições que
fizeram parte da pesquisa. Quando usada, foi devidamente referendada.
Analisar as variantes existentes desde a edição princeps mostrou-se de suma
importância para a correta leitura e consequente análise literária de Noite na taverna.
Descobriu-se, em sua transmissão, as mais variadas modificações e erros desde o seu
texto-base, apontado como tal por ter sido a primeira publicação (post mortem) da obra
de Álvares de Azevedo, um autor com nenhuma obra publicada em vida. Assim, a escolha
da primeira edição de a Noite deu-se, segundo as lições de SPAGGIARI & PERUGGI
(2004, p. 129):
Do ponto de vista meramente formal, a primeira edição é,
normalmente, a mais próxima do original, tendo sofrido o mínimo de
interferências por parte do copista ou do editor [...] Uma vez
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identificada a primeira edição, o crítico tem que testar a sua
integridade, bem como as diferenças entre as cópias existentes, em
termos de variantes, supressões, substituições, com vista a reintegrar
a textura original”
Sobre o Autor e Sua Obra
25Domingos Jaci Monteiro foi um erudito do século XIX: professor, poeta, crítico literário, médico,
advogado e governador da província do Amazonas.
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remontam a homicídios, a aventuras sexuais com mulheres casadas e jovens virginais e
à antropofagia.
Não analisamos a totalidade dos lugares-críticos encontrados nos capítulos
selecionados — das edições colacionadas — com a edição de 1855, por causa do formato
reduzido desse estudo, mas que já é por demais de significativo. Como referência,
contabilizamos o seguinte resultado em cada testemunho, levando-se em conta o total
de ocorrências de lugares-críticos por adição, substituição, omissão e alteração de ordem:
na edição da Saraiva, 274 lugares-críticos; na edição da L&PM, 101 lugares-críticos; na
edição da Moderna, 180 lugares-críticos; na edição da Martin Claret, 198 lugares-
críticos; na edição da Zero Papel, 60 lugares-críticos e, por fim, no texto da Biblioteca do
Estudante Brasileiro — Escola do Futuro da USP — foram encontrados 202 lugares-
críticos.
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What think you of it?
HAMLET. – Acto I.
(edição princeps de 1855)
As variações mais significativas dôres > cores e crenças > crianças induzem a
uma leitura totalmente distinta de ambos os trechos, quebrando metáforas autorais do
texto romântico, criando leituras pouco prováveis de serem feitas.
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aquele que a antiguidade chamou Baco” (AZEVEDO, 1855: 283), dá continuidade à ação
proposta pelos protagonistas:
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O último exemplo de erro por substituição nessa edição da Saraiva é bastante
curioso. A palavra ‘despido’ foi substituída por ‘depois’, o que modifica completamente o
sentido do trecho, assim:
oscilamos entre o passado visionario, e este amanhãa do
velho, gelado e ermo – despido como um cadáver que se
banha antes de dar á sepultura!
(edição princeps de 1855)
Alteração de pale and look tremble look pale, and look tremble
ordem
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(edição princeps de 1855)
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Para, na edição da L&PM,
Adição
Ø Ø
Alteração de Ø Ø
ordem
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JOB STERN.
________
(X)
UMA NOITE DO SÉCULO
(...)
-Silêncio, moços! Acabai com essas cantilenas horríveis!
Ainda sobre a variante de pontuação, que, como já dissemos, foi o erro mais
comum observado, tanto por omissão quanto por substituição, aqui um exemplo
contundente da mudança do tom na narrativa, quando Bertram encontra sua amada
Ângela após um longo período de separação entre os amantes, quando ela põe um ponto
final em seu casamento para ir embora com ele, matando o marido e o filho:
Senti-lhe a mão úmida... Era escura a escada que subimos; passei minha
mão, molhada pela dela, por meus lábios. (X) Tinha saibo de sangue.
-Sangue, Ângela! De quem é esse sangue?
A Espanhola sacudiu seus longos cabelos e riu-se.
(edição da Moderna de 2017)
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Outrossim, com relação ao erro por adição das vírgulas ocorrido na segunda linha
deste trecho, notamos uma alteração na textualidade que o autor pretendia dar à essa
passagem: não há pausas neste relato da personagem, já que o momento era de tensão,
de inquietação, ao contrário da impressão dada pela edição da Moderna ao colocar a
virgulação separando os atos, o que deu um aspecto mais calmo, mais devagar, menos
impactante. CANDIDO (1989: 10), nesse sentido, suscita uma questão sobre o estilo de
escrita do autor de Noite:
(...) se esse monte de prosa e verso é tão irregular porque não foi
devidamente selecionado e polido, ou porque o Autor queria que fosse
assim mesmo, para sugerir a inspiração desamarrada, em obediência a
uma estética atraída pelo espontâneo e o fragmentário? É difícil dizer,
mas as duas coisas deverão estar combinadas.
Neste caso, na substituição de “lua” por “luz”, perde-se toda a coesão do trecho, já que
Bertram estava em uma corveta, mar adentro, com o comandante e sua mulher, em um momento
em que ele apreciava o luar, as nuvens e a noite. Luz não tem relação alguma com o cenário e
com o estilo sentimental e melancólico do autor, no qual a lua e a noite traduziam esse espírito.
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Quadro de variantes III – Edição da Moderna de 2017
Adição passei a minha mão molhada pela della passei minha mão, molhada pela dela,
por meus labios. por meus lábios.
Alteração Ø Ø
de ordem
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Senti-lhe a mão úmida... Era escura a escada que subimos: passei a
minha mão, molhada pela dela, por meus lábios. (X) Tinha saibo de
sangue.
-Sangue, Ângela! De quem é esse sangue?
A espanhola sacudiu seus longos cabelos negros e riu-se.
(edição da Martin Claret de 2011)
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A última edição colacionada foi a encontrada em formato digital da editora Zero
Papel, feita no Canadá em 2012, para ser lida em e-readers como Kindle ou Kobo. Também
suprime, tal qual a edição da Moderna e da L&PM, o narrador inicial Job Stern.
Observamos, em sua maioria, variantes relacionadas a mudanças de parágrafos não
existentes na edição da Laemmert:
JOB STERN.
________
A Noite na Taverna
(X)
I.
Uma Noite do Século
(...)
(edição da Zero Papel de 2012)
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A seguir, mais uma variante que altera a textualidade, substituindo os dois pontos
por uma interrogação:
Por último, um erro por substituição de letra que muda a palavra da frase, dificultando
seu correto entendimento:
Como último objeto de análise das variantes, temos o texto mais acessado do sítio
www.dominiopublico.gov, cuja página aparece em primeiro lugar quando se pesquisa no
Google a obra Noite na taverna. Acessando essa página, observamos que o texto mais
buscado para download é oriundo da Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
(BIBVIRT), da Escola do Futuro da Universidade de São Paulo. Ele é também um dos
mais problemáticos, incidindo nos quatro tipos de erros classificados por BLECUA
(1983: 18-19) quase que na mesma proporção.
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Encontramos, além de outras tantas variantes por erro de substituição, as
mesmas ocorridas na edição da Saraiva (crenças por crianças) e na edição da L&PM
(amarelecemos por amanhecemos). Outrossim, inúmeras alterações de pontuação,
notadamente pela supressão travessões e pontilhados.
Apenas a título de demonstração, já que o segundo capítulo do personagem
Solfieri não foi objeto de nossa análise, uma alteração bastante significativa logo em sua
epígrafe:
II.
Solfieri.
... Yet one kiss on your pale clay
And those lipsonce so warm – my heart! My heart!
Byron – Cain.
(edição princeps de 1855)
II
Solfieri
Yet one kiss on your pale clay
And those lips once so warm beart!
my bears! my bears!
Byron – Cain
(edição da BIBVIRT - Escola do Futuro da USP)
Entre aquelle homem brutal e valente, rei bravio no alto mar, esposado,
como os Doges de Veneza ao Adriatico, a sua garrida corveta – entre
aquele homem pois e aquela mandona havia um amor de homem
(edição da BIBVIRT - Escola do Futuro da USP)
E, ainda, uma substituição menos absurda, mas que denota um sentido oposto à
frase, ‘apartavão’ por ‘apertavam’, e ‘para’ por ‘pare’:
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do pântano de lava se apertavam: a morte era pare os filhos de Deus –
não pare o bastardo do mal!
(edição da BIBVIRT - Escola do Futuro da USP)
Por fim, como derradeiro exemplo de variante de erro por omissão, já observado
na edição da Martin Claret, cuja supressão marca um diferente entendimento da frase,
temos:
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Conclusões
60
50
40
30
20
10
0
Adição Omissão Substituição Alteração de ordem
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Em todas as edições cotejadas, constatou-se, na transmissão de Noite na taverna,
a predominância de variantes por erro de substituição, mormente da pontuação, seguida
do léxico, desde a sua primeira publicação. Assim, em termos gerais, da maior para a
menor ocorrência, temos a seguinte disposição nas variantes de pontuação: substituição
(grande maioria, principalmente dos dois pontos e travessões para vírgulas ou
reticências), omissão (travessões, pontos finais e dois pontos), adição (reticências,
vírgulas e pontos de interrogação/exclamação) e ordem (vírgulas). No tocante ao léxico:
substituição, seguida de omissão, adição e por fim, de alteração da ordem.
Portanto, com tais resultados, comprova-se que a transmissão da obra Noite na
taverna sofreu inúmeras modificações, que alteraram, e muito, o sentido, a textualidade e
o ritmo da obra. Dessa forma, o resultado revelado pela pesquisa feita com o grupo de
mães indica a premência e a necessidade de um estudo aprofundado dessas variantes, no
intuito de tentar restituir à obra a sua forma genuína, constituindo, como ensina SPINA
(1977: 76), na função substantiva da filologia, para não comprometer o estudo e o
entendimento do aluno ou do estudante quando de sua análise, posto que o Noite faz
parte de listas de material escolar e da lista obrigatória de alguns exames vestibulares.
A filologia de textos literários modernos mostra-se ainda muito incipiente em
termos de Brasil. Poucos são os resultados ainda comparáveis a empreendimentos lusos
atuais como a Equipa “Fernando Pessoa”, liderada pelo filólogo Ivo Castro, e a Equipa
“Eça de Queirós”, pelo filólogo Luís Fagundes Duarte, nas quais todas as obras desses
dois escritores portugueses estão sendo revistas e corretamente reeditadas, à luz de
modernas instruções da crítica textual. Trabalhos como o nosso apontam, ainda que
modestamente, para a necessidade de se fazerem boas edições de obras literárias
brasileiras, seja para o estudo linguístico seja para o literário, haja vista a enorme
quantidade de gralhas, as mais variadas possíveis, que assolam nossos textos. Em suma,
esse texto debateu algumas das dificuldades encontradas e resoluções tomadas para o
projeto de uma edição crítica de a Noite na taverna.
Referências
AZEVEDO, Manoel Antônio Álvares de. Obras de Manoel Antônio Álvares de
Azevedo – Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1855.
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_________________________. A Noite na taverna. Contos phantásticos,
acompanhado de biographia do auctor por J. M. de Macedo – Rio de Janeiro: Maia e
Ramos, 1878.
CANDIDO, Antonio. A educação pela noite & outros ensaios – São Paulo: Editora
Ática, 1989.
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