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Expediente

Expediente
Coordenadora editorial
Teresa de Souza Dias Gutierrez | Machado Nunes

CONSELHO EDITORIAL
Renato Nunes | Machado Nunes
Rafael Younis Marques | Machado Nunes

REDAÇÃO
Renata Soller
Marcio Martins

COLABORAÇÃO
Emílio Bartolomeu | Italtel
Guilherme Ferri | MF Marketing and Business Advisors
Lucas Macedo de Magalhães | Machado Nunes
Lucas Alves da Silva Bonafé | Machado Nunes
Luiz Felipe Costamilan | Cbexs
Ricardo Medina | MF Marketing and Business Advisors
Thanos Rammos | Taylor Wessing

DIREÇÃO DE PROJETO
Guilherme Ferri | MF Marketing and Business Advisors

PROJETO EDITORIAL
Mario Mucida

FOTOGRAFIA
Shutterstock

IMPRESSÃO
Formacerta - 1.200 unidades
Sumário
1 Introdução 4

2 O Sistema de Proteção de Dados no Brasil: Análise 10


legislativa e jurisprudencial da proteção de dados no
Brasil e estudo objetivo da Lei Geral de Proteção de
Dados

3 LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde 44

4 GDPR e Saúde: o que as empresas precisam saber na 64


União Europeia e em outras localidades

5 O Gestor de Saúde e a Mudança 72

6 Os impactos da LGPD na experiência do cliente 78

7 A importância da Cyber segurança sobre aspectos de 88


Privacidade de dados

A presente obra representa a opinião individual de cada um de seus autores e


seus pontos de vista expressos em cada um dos artigos. Eventuais omissões
e incorreções de fato ou informações nele contidos se devem exclusivamente
à opinião de seus autores. Ademais, o conteúdo desta obra não pode ser
interpretado como opinião legal ou orientações de negócio,
sob qualquer circunstância.
Introdução

A
Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, co-
nhecida como Lei Geral de Proteção de
Dados Pessoais (“LGPD”) foi aprovada no
Congresso Nacional de forma relativamente rápi-
da, após a entrada em vigor da legislação euro-
peia (maio/2018), a GDPR (General Data Protec-
tion Regulation).

O contexto abrangia o escândalo envolvendo


o Facebook, o Cambrige Analytica e o direciona-
mento e customização da campanha americana,
que elegeu o atual presidente dos Estados Uni-
dos, Donald Trump. No Brasil, também tramita-
ram diversas investigações envolvendo a venda
de dados por drogarias e farmácias à indústria.

A LGPD foi aprovada no Brasil nesse cenário


e os parlamentares brasileiros embasaram quase
todo o texto da lei na regulamentação europeia.

De um modo simplificado, podemos dizer que


as legislações europeia e brasileira exigem que o
controlador solicite consentimento do titular do
dado para poder tratá-lo, informando, inclusive,
a destinação que será dada. Os dados de saúde,
por sua vez, têm exigência ainda maior para o
consentimento: ele deve ser concedido para fi-
nalidades específicas e destacadas.

Há exceções à obrigatoriedade de requisição


de consentimento, que são tratadas de forma
bem detalhada nos dois primeiros capítulos que
integram esta obra.

8
Introdução

Independentemente das exceções à requisi- A LGPD veio consolidar muitas garantias e di-
ção de consentimento, há um evidente empode- reitos que eram anteriormente tratados de forma
ramento do titular dos dados, pois ele poderá, esparsa, o que muito positivo e certamente traz
por exemplo, requerer informações aos contro- segurança jurídica ao país.
ladores sobre seu uso, além de, em certas situa-
ções, solicitar a exclusão da base do controlador. Há dois paralelos que podemos traçar entre a
LGPD e o setor da saúde: a segurança da infor-
Ao colher o dado de usuários, todo e qualquer mação e o empoderamento do usuário.
estabelecimento deve ponderar se há a neces-
sidade de solicitação daquela informação para Para o setor da saúde, a privacidade de dados
viabilizar a oferta do produto ou serviços aos e o direito ao sigilo não são novidades. Há muitos
usuários. Não se pode, por exemplo, exigir que anos os atores dessa cadeia promovem (ou ao
uma pessoa informe sempre o seu CPF quando menos deveriam promover!) ações para garantir
for adquirir um medicamento em uma drogaria. a segurança das informações que coletam. Afi-
nal, o sigilo na saúde é um norte orientador de
Por sua vez, é extremamente razoável que um
todos os envolvidos.
hospital questione o paciente sobre o seu tipo
sanguíneo, pois a informação é extremamente O empoderamento do paciente e o reconheci-
relevante à adequada prestação dos serviços. mento de sua participação no processo da assis-
Antes mesmo da edição da LGPD, já tínha- tência à saúde também tem sido cada vez mais
mos dispositivos que garantiam a privacidade difundidos nos estabelecimentos de saúde do
de dados dos usuários. A título exemplificativo, país. Nos últimos anos, verificamos um aumento
citamos a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, significativo da utilização de Termos de Consen-
mais conhecida como “Marco Civil da Internet”, timento, por meio dos quais os pacientes ou seus
que dispõe sobre as garantias, direitos e deveres responsáveis formalizam sua concordância com
para o uso da internet no Brasil. o tratamento proposto e tomam conhecimento
dos riscos envolvidos.
O Marco Civil da Internet assegura ao usuário:
a inviolabilidade e sigilo de dados, além do aces- Assim como ocorre na LGPD, esse consenti-
so a informações claras e completas e o direito mento também pode ser revogado a qualquer
ao consentimento. momento.

9
Introdução

Na saúde, o legislador houve por bem garan- O tratamento de dados na saúde tem um futuro
tir que os serviços de saúde figurem dentre as promissor, com gigantesco potencial de sucesso.
exceções para o consentimento. De fato, não há
sentido algum em se exigir a requisição de auto- No dia de fechamento desta edição, ainda
rização de um paciente para a coleta de um dado aguardamos a tramitação da Medida Provisória
nº 869/2018, que certamente consolidará mui-
que é essencial à própria prestação do serviço.
tas perspectivas, inclusive relacionadas à cons-
Independentemente disso, se o estabeleci- tituição da Autoridade Nacional de Proteção de
mento optar por utilizar o dado para outro fim Dados (“ANPD”), órgão de extrema importância
que não apenas o atendimento do paciente, es- que norteará a atuação das empresas.
tará sim obrigado a requerer seu consentimento,
Esperamos que a ANPD convoque os outros
que poderá ser revogado a qualquer tempo.
agentes reguladores do setor da saúde (Agência
O que o setor da saúde terá que fazer, nesse Nacional de Saúde Suplementar, Agência Nacio-
caso, é, além de empoderar o paciente na esco- nal de Vigilância Sanitária, Ministério da Saúde
lha do melhor tratamento de saúde, também ga- etc.) para tratar da utilização dos dados com um
rantir que ele tenha plena ciência e concorde, se enfoque principal: o próprio paciente.
e quando requerido, com a utilização dos dados. Esta obra foi redigida por muitas mãos: advo-
O uso e análise de dados em saúde certamen- gados, técnicos em informação e assessores de
te colaborarão para uma melhoria constante de negócios. Nos dois primeiros capítulos, elabora-
dos pelos advogados Lucas Magalhães e Lucas
protocolos clínicos e comparabilidade de casos.
Bonafé, respectivamente, são abordados os prin-
Assim, ainda que o tratamento de dados para
cipais aspectos da LGPD. No primeiro é feita uma
prestação da assistência à saúde propriamente
abordagem geral da LGPD, no segundo, o enfo-
dita não dependa do consentimento do paciente,
que é totalmente voltado ao setor da saúde. O
a longo prazo, vislumbramos uma utilização cada
terceiro capítulo, em inglês, é elaborado por ad-
vez maior de informações para inovação e revi-
vogado especialista em GDPR, Thanos Rammos,
são de procedimentos.
com análise bem prática da legislação europeia,
Há, ainda, a perspectiva de implementação de fonte da legislação brasileira.
um sistema de compartilhamento de dados de Os três últimos capítulos foram elaborados
saúde mínimo. Por esse sistema, um estabeleci- por profissionais que atuam no setor da saúde
mento terá acesso a um histórico básico do pa- há muitos anos. O artigo do Luiz Felipe Costa-
ciente e ao último atendimento realizado. A pers- milan, Diretor Executivo do Colégio Brasileiro de
pectiva é que o acesso a esses dados reduza os Executivos em Saúde, analisa a LGPD sob a visão
custos da assistência à saúde, mas também au- do gestor, reconhecendo que há um novo cená-
mente consideravelmente a importância de uma rio pela frente. Assim, tal como ocorre no setor
cultura de segurança da informação, pois mais da saúde, em que a assistência é praticamente
portas de comunicação estarão abertas. uma extensão do próprio paciente, os dados

10
Introdução

passarão a ser assim abordados: parte da pró-


pria personalidade do titular dos dados. Diante
dessa perspectiva, caberá ao gestor viabilizar as
ferramentas adequadas para o empenho de toda
a organização.

Coube a Emílio Bartolomeu Neto, especialista


em Cyber Security, tratar das questões relacio-
nadas às tecnologias da informação. Sob essa
perspectiva, ele indica as etapas a serem segui-
das para adequação das instituições à LGPD e Sobre A autorA
as principais questões técnicas que devem ser Teresa de Souza Dias Gutierrez: sócia do
avaliadas. Machado Nunes, formada em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de São
No último capítulo, Guilherme Ferri apresen- Paulo e em História pela Faculdade de
ta os impactos da LGPD na comunicação com o Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
consumidor. Para ele, a modificação de cultura Universidade de São Paulo, especialista
trazida pela LGPD pode ser muito positiva, se tive- em Direito Administrativo pela Pontifícia
rem o suporte dos gestores e bem implementada, Universidade Católica e em Assuntos
com diálogo aberto, treinamento e transparência. Regulatórios de Medicamentos na
O diálogo com o titular do dado será fundamental Faculdade Oswaldo Cruz. Atua na
em todo esse processo e a revisão de seus proce- estruturação de negócios no setor
dimentos de comunicação serão essenciais e po- da saúde, no acompanhamento das
modificações legislativas e regulatórias do
dem fomentar uma revolução no relacionamento
setor, nas esferas pública e privada, além
das organizações com consumidores.
da defesa de interesse de clientes perante
A intenção deste livro não é tratar do tema de Agências Reguladoras e Ministério de
Estado da Saúde na defesa dos interesses
forma exaustiva, pois ainda temos pela frente a
do setor.
aprovação da Medida Provisória nº 869/2018, a
regulamentação da LGPD pelo Poder Executivo,
a constituição da ANPD, a atuação do órgão e,
finalmente, o início de vigência da lei, em agosto
de 2020.

Vamos torcer para que o setor da saúde esteja


bem representado na ANPD e que seja mantido
um diálogo constante entre setor regulado, ór-
gãos e agências reguladoras.

11
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

1. O cenário brasileiro de lidades que vão sendo criadas à medida que as


tecnologias se desenvolvem.
Proteção de Dados Pessoais
Nesse contexto, o controle sobre as informa-
Mesmo antes da publicação da Lei Federal nº ções que dizem respeito à pessoa atingiu o sta-
13.709, de 14 de agosto de 2018 (“Lei Geral de tus de direito protegido pela Constituição, que
Proteção de Dados” ou “LGPD”), nosso país já não apenas os prevê em seu texto, mas os insere
contava com um sistema composto de leis es- no rol de garantias que não poderão ser alteradas
parsas, atos normativos diversos e até mesmo nem mesmo pela mudança na própria Constitui-
decisões judiciais que previam e tutelavam ques- ção Federal, os chamados direitos fundamentais.
tões relacionadas à privacidade, aplicáveis aos É o caso do Direito à intimidade, a vida privada,
dados pessoais. à honra e imagem4, à inviolabilidade da corres-
pondência, dados e comunicações5, garantia de
Até pouco tempo atrás, o dado pessoal assim acesso à informação6, entre outros.
classificado pela LGPD1 ainda não havia sido con-
templado como um objeto de proteção legislati- Acompanhando tais modificações sociais tra-
va em si. Em verdade, sua tutela dar-se-ia como zidas especialmente pela tecnologia, tanto os
um meio, visando a finalidade de preservar direi- poderes legislativo e judiciário7 passaram a apre-
tos como a privacidade e intimidade. sentar indicativos de que alterações seriam indis-
pensáveis no cenário brasileiro, visando a con-
Isso porque, o próprio conceito de privacida- cretização dos direitos constitucionais.
de vem sofrendo alterações, que acompanham
o desenvolvimento tecnológico e social. Em sua A seguir, passaremos a discutir um panorama
concepção inicial, este era entendido por seu viés geral da proteção de dados, inicialmente como
negativo de “direito de ser deixado só”, por meio uma forma de preservação de direitos constitu-
do qual o indivíduo poderia exigir do Estado e dos cionais e, posteriormente, como uma ferramenta
demais particulares a abstenção de sua vida pri- de proteção ao direito autônomo sobre o Dado
vada. Entretanto, por força do avanço tecnológico Pessoal.
exponencial ocorrido no século XX, verificou-se a
mutação do ideal de privacidade, surgindo assim
um viés positivo de controle das informações pelo
próprio indivíduo titular destas2. 4 Constituição Federal do Brasil: “Art. 5º (...), inciso X - são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
Esta evolução prosseguiu para o que seria cha- das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
mado de “sociedade da informação”, fomentada material ou moral decorrente de sua violação;”
especialmente pelo advento da internet e massi- 5 Constituição Federal do Brasil: “Art. 5º (...), inciso XI - é
va produção de conteúdo decorrente de intera- inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
ções e transações realizadas entre os usuários do telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo,
ambiente virtual. Entidades privadas e governos no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma
cada vez mais buscam obter e constituir bancos que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou
de dados vastos sobre informações pessoais, instrução processual penal”;
com o fim de identificar padrões de comporta- 6 Constituição Federal do Brasil: “Art. 5º (...), inciso XIV - é
mento, monitoramento de cidadãos, análise de assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o
padrões de consumo3, entre outras diversas fina- sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”;

7 Sobre o tema, cumpre destacar o comentário do Minis-


1 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 5º Para os fins desta Lei, tro do STJ Ruy Rosado em seu voto proferido no Recurso
considera-se: I - dado pessoal: informação relacionada a pes- Especial 22.337-9/RS, ocorrido realizado em 13 de fevereiro
soa natural identificada ou identificável; ” de 1995: “A importância do tema cresce de ponto quando se
observa o número imenso de atos da vida humana pratica-
2 MENDES, Laura Schertel Ferreira: Privacidade, Proteção de
dos através da mídia eletrônica ou registrados nos disquetes
Dados e Defesa do Consumidor – Linhas Gerais de Um novo
de computador. Na Alemanha, por exemplo, a questão está
Direito Fundamental. São Paulo: Saraiva, 2014 – Série IDP: li-
posta nos nível das garantias fundamentais, como o direito
nha pesquisa acadêmica. Não paginado.
de autodeterminação informacional (o cidadão é quem tem
3 SAUAIA, Hugo Moreira Lima. A proteção dos dados pes- o direito de saber quem sabe o que sobre ele), além da insti-
soais no Brasil – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. Não pa- tuição de órgãos independentes (...), com poderes para fisca-
ginado. lizar o registro de dados informatizados (...)”

14
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

1.1. O panorama Legislativo tro e dados pessoais de consumo sempre que


Brasileiro de proteção de Dados este não o solicitar11;
Pessoais anterior à LGPD.  Direito de imediata correção em caso de ine-
xatidão nos dados e cadastros12;

Antes do advento da LGPD, a legislação infra-  Equiparação dos cadastros de consumidores


constitucional brasileira já tratou de conceder a bancos de dados públicos13.
tutela às garantias fundamentais relacionadas à
privacidade por meio de instrumentos capazes Em 1997, foi publicada a Lei do Habeas Data
de atribuir ferramentas aos titulares de dados (Lei nº 9.507/1997), que regula o acesso por ti-
pessoais. tulares a informações armazenadas em bancos
de dados de entidades do governo ou mesmo
Nota-se que mesmo antes da Constituição bancos de dados públicos.
Federal de 1988 a legislação brasileira já impu-
nha a proteção de dados pessoais. Ao estabe- Com o advento do atual Código Civil (Lei nº
lecer a Política Nacional de Informática, a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), a tutela de di-
7.323/1984 instituiu como um dos princípios o reitos da personalidade foi operacionalizada, ca-
“estabelecimento de mecanismos e instrumentos racterizando tal direito expressamente como in-
legais e técnicos para a proteção do sigilo dos transmissível e irrenunciável14. Como ferramenta
dados armazenados, processados e veiculados, de proteção aos dados pessoais, esta lei passou
do interesse da privacidade e de segurança das a prever expressamente a proibição da utilização
pessoas físicas e jurídicas, privadas e públicas” e da imagem da pessoa15, além impor ao poder ju-
“estabelecimento de mecanismos e instrumentos diciário a tomada de providências que impeçam
para assegurar a todo cidadão o direito ao aces- atos violadores da vida privada16.
so e à retificação de informações sobre ele exis-
tentes em bases de dados públicas ou privadas”8.
11 Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1980: “Art. 43 (...) § 2°
Posteriormente, o Código de Defesa do Con- A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de
sumidor (Lei nº 8.078/1990) também impôs uma consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor,
quando não solicitada por ele”
série de direitos e garantais aos titulares voltados
especificamente a dados pessoais, sendo consi- 12 Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1980: “Art. 43(...) §
derada a primeira lei a trazer uma tutela efetiva 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus
neste cenário9. Dentre eles, os mais relevantes dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, de-
são: vendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar
a alteração aos eventuais destinatários das informações in-
 Acesso à informação em bancos de dados e corretas.
cadastro de consumidores10; 13 Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1980: “Art. 43 § 4° Os
bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os
 Necessidade de comunicação ao consumidor serviços de proteção ao crédito e congêneres são considera-
quando da abertura do cadastro, ficha regis- dos entidades de caráter público.

14 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002: “Art. 11. Com ex-


8 Lei Nº 7.232, de 29 de outubro de 1984. Art. 2º, incisos VIII ceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalida-
e IX. de são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu
exercício sofrer limitação voluntária.”
9 MENDES, Laura Schertel Ferreira: Privacidade, Proteção de
Dados e Defesa do Consumidor – Linhas Gerais de Um novo 15 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002: “Artigo 20: Salvo
Direito Fundamental. São Paulo: Saraiva, 2014 – Série IDP: li- se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça
nha pesquisa acadêmica. Não paginado. ou à manutenção da ordem pública, a publicação, a exposi-
ção ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser
10 Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1980: “Art. 43. O consu-
proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização
midor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às in-
que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respei-
formações existentes em cadastros, fichas, registros e dados
tabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”
pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como so-
bre as suas respectivas fontes. § 1° Os cadastros e dados de 16 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002: “Artigo 21: A vida
consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimen-
linguagem de fácil compreensão, não podendo conter infor- to do interessado, adotará as providências necessárias para
mações negativas referentes a período superior a cinco anos” impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

15
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

Já em 2011, foi publicada a Lei do Cadastro Po- regulatório sobre a internet no Brasil. Esta foi a lei
sitivo (Lei nº 12.414/2011), que tutela a formação que efetivamente inaugurou a tutela de “Dados
e consulta de bancos de dados com informações Pessoais”21, ainda que limitada ao ambiente web.
para formação de histórico de crédito de pes-
soas físicas e jurídicas. Dentre os principais pontos do Marco Civil da
Internet estão o estabelecimento da proteção à
Além dos direitos já contemplados pelo Código privacidade e proteção de dados pessoais como
de Defesa do Consumidor, a inovação no que com- princípio da disciplina da internet no Brasil22. Des-
pete a tutela de dados pessoais decorre da concei- sa forma, a Lei passa a tutelar, dentro do amplo
tuação de “informações sensíveis”, definidas como espectro da privacidade, os direitos e deveres
“aquelas pertinentes à origem social e étnica, à havidos sobre dados pessoais que estão armaze-
saúde, à informação genética, à orientação sexual nados e/ou trafegam pela internet.
e às convicções políticas, religiosas e filosóficas”17,
juntamente com a proibição às anotações de in- Dentre as principais inovações desta lei, veri-
formações excessivas, o que posteriormente seria ficam-se diversos direitos que posteriormente
consagrado no princípio da necessidade previsto seriam reiterados na LGPD. Destacam-se os se-
da LGPD. Este último, por seu turno, limita o trata- guintes pontos:
mento de dados ao mínimo necessário para atingir
uma finalidade específica18.  O fornecimento de dados pessoais a terceiros
sem prévio consentimento do titular constitui
Ainda naquele ano (2011), foi sancionada a Lei violação direito a direito do cidadão23;
de Acesso à informação, cuja entrada em vigor
se deu no ano seguinte. Seu objetivo é a adequa-  O titular dos dados pessoais passou a ter ex-
ção ao contexto internacional de maior trans- presso direito a informações claras e comple-
parência da administração pública19. Esta norma tas referentes a coleta, uso e tratamento de
passa a apresentar uma indubitável aproximação seus dados24;
da proteção de dados pessoais, ao tratar de “in-
formações pessoais”20.  Limitação da coleta e tratamento de dados a
finalidades específicas25;
Seguindo-se, em 2014, após intensas discussões
legislativas, sobreveio o Marco Civil da Internet (Lei  Necessidade de consentimento expresso para
nº 12.965 de 23 de abril de 2014), principal marco
21 JESUS, Damásio de. MILAGRE, José Antônio: Marco Civil
da Internet: comentários à Lei nº 12.965, de 23 de abril de
17 Lei nº 12.414, de 9 de junho de 2011: Art. 3º, §3º, inciso
2014 – São Paulo: Saraiva, 2014.
II. Posteriormente, a LGPD viria a classificar o “dado pessoal
sensível” no Art. 5º, inciso II, como “dado pessoal sobre ori- 22 Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014: “Art. 3º A disciplina
gem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: II -
filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, fi- proteção da privacidade; III - proteção dos dados pessoais,
losófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, na forma da lei;”
dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pes-
23 Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014: “Art. 7º O acesso à in-
soa natural”
ternet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são
18 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 6º As atividades de tra- assegurados os seguintes direitos: (...) VII - não fornecimento
tamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de co-
seguintes princípios: (...)III - necessidade: limitação do tra- nexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante
tamento ao mínimo necessário para a realização de suas consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses
finalidades, com abrangência dos dados pertinentes, pro- previstas em lei;”
porcionais e não excessivos em relação às finalidades do tra-
24 Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014: “Art. 7º (...)VIII - infor-
tamento de dados;”
mações claras e completas sobre coleta, uso, armazenamen-
19 MENDES, Laura Schertel Ferreira: Privacidade, Proteção to, tratamento e proteção de seus dados pessoais (...)”
de Dados e Defesa do Consumidor – Linhas Gerais de Um
25 Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014: “Art. 7º (...) tratamen-
novo Direito Fundamental. São Paulo: Saraiva, 2014 – Série
to e proteção de seus dados pessoais, que somente poderão
IDP: linha pesquisa acadêmica. Não paginado.
ser utilizados para finalidades que: a) justifiquem sua coleta;
20 Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011: “Art. 4º Para os efei- b) não sejam vedadas pela legislação; e c) estejam especifi-
tos desta Lei, considera-se: (...) IV - informação pessoal: aquela cadas nos contratos de prestação de serviços ou em termos
relacionada à pessoa natural identificada ou identificável; ” de uso de aplicações de internet;

16
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

coleta, uso, armazenamento e tratamento de


dados pessoais26;

 Possibilidade de exclusão dos dados pessoais


objeto de tratamento fornecidos a provedo-
res de aplicação27.

Existem ainda relevantes inovações, especí-


ficas para o ambiente de internet, que buscam
assegurar a proteção de dados pessoais, tais
quais o fornecimento judicial de registros de co-
nexão28, a responsabilidade subsidiária do prove-
dor de aplicações em caso de divulgação por ter-
ceiros de conteúdo íntimo sexual29 e a suspensão
temporária ou proibição de atividades em caso
de tratamento de dados indevido30.

Finalmente, no ano de 2016, o Poder Execu-


tivo da União expediu o Decreto nº 8.771, de 11
de maio de 2016, cujo objeto é a regulamentação
de diversos aspectos do Marco Civil da Internet.
Dentre eles está a conceituação de Dado Pes-

26 Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014: “Art. 7º (...) IX - con-


soal, como “dado relacionado à pessoa natural
sentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e identificada ou identificável, inclusive números
tratamento de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma identificativos, dados locacionais ou identifica-
destacada das demais cláusulas contratuais;” dores eletrônicos, quando estes estiverem rela-
cionados a uma pessoa”31.
27 Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014: “Art. 7º (...) IX - con-
sentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e Verifica-se assim que o legislador brasileiro
tratamento de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma
evoluiu o pensamento protetivo da privacidade,
destacada das demais cláusulas contratuais;”
ao nível da autodeterminação informacional, sen-
28 Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014: “Art. 22. A parte inte- do este o direito de todo cidadão de ter controle
ressada poderá, com o propósito de formar conjunto proba- sobre suas informações, de forma que este possa
tório em processo judicial cível ou penal, em caráter inciden- ter a prerrogativa de escolha no que compete à
tal ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável divulgação e utilização de seus dados pessoais32
pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de
registros de acesso a aplicações de internet.” O Poder Judiciário, por seu turno, tem como
29 Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014: “Art. 21. O provedor certa a recepção de tal direito fundamental no
de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gera- corpo jurídico brasileiro, ao entende-lo como um
do por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela espectro do direito fundamental à privacidade33.
violação da intimidade decorrente da divulgação, sem auto-
rização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de
outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais
31 Decreto nº 8.771, de 11 de maio de 2016: art. 14, inciso I.
de caráter privado quando, após o recebimento de notifica-
ção pelo participante ou seu representante legal, deixar de 32 MENKE, Fabiano. “A proteção dedados e o novo direito
promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técni- fundamental À garantia da confidencialidade e da integrida-
cos do seu serviço, a disponibilização desse conteúdo.” de dos sistemas técnico-informacionais no direito alemão” in
MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; COELHO,
30 Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014: “Art. 12. Sem prejuí-
Alexandre Zavaglia (coord.). Direito, Inovação e Tecnologia -
zo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas,
Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2017. Paginação irregular.
as infrações às normas previstas nos arts. 10 e 11 ficam su-
jeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas de 33 Sobre o tema, cabe destacar o Julgamento dos Embargos
forma isolada ou cumulativa: (...) III - suspensão temporária de Declaração no Recurso Especial nº 1.630.889/DF, realiza-
das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11; ou do em 27/11/2018, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi:
IV - proibição de exercício das atividades que envolvam os “Os direitos à intimidade e à proteção da vida privada, direta-
atos previstos no art. 11.” mente relacionados à utilização de dados pessoais por ban-

17
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

É justamente neste contexto que desponta a


LGPD.

Conforme será abordado adiante, como uma


forma de adequação ao cenário social atual e
panorama tecnológico internacional, o próximo
passo indispensável ao Brasil foi a consolidação
de uma lei especialmente voltada a à tutela de
dados pessoais, não somente limitada ao âmbito
da internet, mas em qualquer ambiente.

2. A Lei Geral de Proteção de


Dados

2.1. Por que precisamos de uma Lei


Geral de Proteção de Dados?

Com a consolidação da teoria da autodetermi-


nação informacional, a comunidade mundial pas- Em síntese, a GDPR é uma norma com força
sou a buscar instrumentos capazes de proteger de lei que tutela o tratamento de dados pessoais
direitos fundamentais de indivíduos na sociedade realizado por estabelecimentos na União Euro-
da informação, especialmente em âmbito digital. peia36 ou mesmo fora desta, no caso estabeleci-
mentos que realizem tratamento de dados para
Com o intuito restabelecer o compromisso do oferecimento de produtos e serviços a titulares
Estado com os indivíduos no que compete à pro- localizados nesta região37.
teção de direitos fundamentais, a União Europeia
passou a liderar este debate34, sendo que desde A consequência internacional desta legislação
a década de 1970 países desse bloco passaram a é que, para ter autorizado o livre tráfego de da-
tutelar o tema, visando especialmente o controle dos pessoais entre o nosso país e os membros
do processamento de dados pelo poder público da União Europeia, passou a ser necessário que
e grandes empresas35. Após diversos debates e os países que não façam parte deste grupo apre-
disposições regulamentares de menor eficácia, a sentem um nível de proteção semelhante ao da
União Europeia aprovou a o Regulamento Geral GDPR38.
de Proteção de Dados Pessoais nº 679, em 27 de Já no Brasil, diante da condição esparsa dos
abril de 2016 (“GDPR”), cuja aplicação iniciou-se temas referentes à proteção de dados e da limi-
dois anos depois, em 27 de abril de 2018. tação de cada legislação a seu âmbito de aplica-
ção, os mais diversos temas careciam de objeti-
vidade no que se refere às condições adequadas
cos de dados de proteção ao crédito, consagram o direito à
autodeterminação informativa e encontram guarida consti-
tucional no art. 5º, X, da Carta Magna, que deve ser aplicado 36 LIMA, Caio César Carvalho. “Objeto, Aplicação material
nas relações entre particulares por força de sua eficácia ho- e Aplicação territorial” in MALDONADO, Viviane Nóbrega,
rizontal e privilegiado por imposição do princípio da máxima BLUM, Renato Ópice (coord.). “Comentários ao GDPR: Re-
efetividade dos direitos fundamentais”. gulamento Geral de Proteção de Dados da União Européia”
– São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. Pág. 29
34 PINHEIRO, Patrícia Peck. Proteção de dados pessoais: co-
mentários à Lei n. 13.709/2018 (LGPD) / Patrícia Peck Pinhei- 37 Idem. Pág. 31
ro. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. Paginação irregular.
38 GUTIERREZ, Andrei. “Transferência internacional de
35 VAINZOF, Rony. “Dados pessoais, tratamento e princí- dados & estratégias de desenvolvimento nacional” in MAL-
pios” in Coord. MALDONADO, Viviane Nóbrega, BLUM, Re- DONADO, Viviane Nóbrega, BLUM, Renato Ópice (coord.).
nato Ópice. “Comentários ao GDPR: Regulamento Geral de “Comentários ao GDPR: Regulamento Geral de Proteção de
Proteção de Dados da União Européia” – São Paulo: Thomson Dados da União Européia” – São Paulo: Thomson Reuters
Reuters Brasil, 2018. Pág. 38. Brasil, 2018. Pág. 219

18
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

Para o fim de interpretação, sempre que for


mencionada “Lei”, esta deve ser entendido como
a LGPD nos termos acima referidos.

É possível que, em momento posterior, o texto


consolidado da LGPD sofra alterações. Por essa
razão, é recomendável que o interessado busque
sempre uma assessoria jurídica especializada
caso tenha interesse em saber qual é a versão
mais atualizada da norma e a melhor forma de
sua interpretação.

3.1. Conceitos

Antes de se aprofundar na LGPD, é indispen-


sável compreender os conceitos trazidos nela.
Neste Artigo, todos os conceitos adotados se-
rão os mesmos indicados pela LGPD, sempre que
não for indicado de forma diversa.
para aferir se foi atribuída a segurança condizen- I. Dado pessoal: informação relacionada a pessoa
te ao manuseio, guarda e descarte de dados39. natural identificada ou identificável;
Por esta razão, tornou-se indispensável a cria- II. Dado pessoal sensível: dado pessoal sobre ori-
ção de uma norma que consolidasse padrões gem racial ou étnica, convicção religiosa, opi-
que seriam considerados adequados à proteção nião política, filiação a sindicato ou a organiza-
de dados pessoais em qualquer âmbito, além, é ção de caráter religioso, filosófico ou político,
claro, das penalidades aplicáveis, possibilitando dado referente à saúde ou à vida sexual, dado
ao Brasil atingir a devida compatibilidade em genético ou biométrico, quando vinculado a
proteção de dados com a GDPR40. Isso possibi- uma pessoa natural;
litou que projetos de lei já apresentados no con-
gresso nacional pudessem ser priorizados, o que, III. Dado anonimizado: dado relativo a titular que
por sua vez, levou à aprovação da LGPD. não possa ser identificado, considerando a
utilização de meios técnicos razoáveis e dis-
poníveis na ocasião de seu tratamento;
3. Principais aspectos da
IV. Banco de dados: conjunto estruturado de da-
LGPD dos pessoais, estabelecido em um ou em vá-
rios locais, em suporte eletrônico ou físico;
Neste capítulo, abordaremos de forma práti-
ca e objetiva os principais pontos de atenção à V. Titular: pessoa natural a quem se referem os
LGPD, em sua versão atualizada até o momento dados pessoais que são objeto de tratamento.
de edição deste Livro, ou seja, será analisada a
VI. Controlador: pessoa natural ou jurídica, de di-
Lei nº 13.708, de 14 de agosto de 2018, alterada
reito público ou privado, a quem competem
pela Medida Provisória nº 869 de 27 de dezem-
as decisões referentes ao tratamento de da-
bro de 2018, cuja entrada em vigor das principais
dos pessoais;
disposições dar-se-á em 16 de agosto de 2020.
VII. Operador: pessoa natural ou jurídica, de di-
reito público ou privado, que realiza o trata-
mento de dados pessoais em nome do con-
39 PINHEIRO, Patricia Peck. Proteção de dados pessoais :
comentários à Lei n. 13.709/2018 (LGPD) / Patricia Peck Pi-
trolador;
nheiro. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. Paginação irre-
VIII. Encarregado: pessoa indicada pelo contro-
gular.
lador para atuar como canal de comunicação
40 Idem.

19
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

entre o controlador, os titulares dos dados e XVIII. Órgão de pesquisa: órgão ou entidade
a Autoridade Nacional de Proteção de Dados; da administração pública direta ou indireta
ou pessoa jurídica de direito privado sem
IX. Agentes de tratamento: o controlador e o fins lucrativos legalmente constituída sob as
operador; leis brasileiras, com sede e foro no País, que
inclua em sua missão institucional ou em seu
X. Tratamento: toda operação realizada com da-
objetivo social ou estatutário a pesquisa básica
dos pessoais, como as que se referem a coleta,
produção, recepção, classificação, utilização, ou aplicada de caráter histórico, científico,
acesso, reprodução, transmissão, distribuição, tecnológico ou estatístico;
processamento, arquivamento, armazena- XIX. Autoridade Nacional (“ANDP”): órgão da ad-
mento, eliminação, avaliação ou controle da ministração pública responsável por zelar, im-
informação, modificação, comunicação, trans- plementar e fiscalizar o cumprimento desta Lei.
ferência, difusão ou extração;
XX. Pseudonimização: tratamento por meio do
XI. Anonimização: utilização de meios técnicos qual um dado perde a possibilidade de asso-
razoáveis e disponíveis no momento do trata-
ciação, direta ou indireta, a um indivíduo, se-
mento, por meio dos quais um dado perde a
não pelo uso de informação adicional mantida
possibilidade de associação, direta ou indire-
separadamente pelo controlador em ambien-
ta, a um indivíduo;
te controlado e seguro41.
XII. Consentimento: manifestação livre, informa-
da e inequívoca pela qual o titular concorda 3.2. Objeto, escopo de aplicação e
com o tratamento de seus dados pessoais
para uma finalidade determinada; fundamentos
XIII. Bloqueio: suspensão temporária de qualquer
operação de tratamento, mediante guarda do A LGPD tutela o tratamento de dados pes-
dado pessoal ou do banco de dados; soais, inclusive em meios digitais, realizados por
qualquer pessoa42. Ou seja, esta Lei tutela dados
XIV. Eliminação: exclusão de dado ou de conjun- tanto em meios físicos como eletrônicos, dentro
to de dados armazenados em banco de da- ou fora da internet, e se aplica tanto aos entes
dos, independentemente do procedimento públicos quanto particulares, sejam eles pessoas
empregado; jurídicas ou físicas, que realizem tratamento de
dados.
XV. Transferência internacional de dados: trans-
ferência de dados pessoais para país estran- Para tanto, é indispensável que seja atendida
geiro ou organismo internacional do qual o uma das seguintes condições43:
país seja membro;

XVI. Uso compartilhado de dados: comunicação, 41 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 13. (...)§ 4º Para os efeitos
difusão, transferência internacional, interco- deste artigo, a pseudonimização é o tratamento por meio do
nexão de dados pessoais ou tratamento com- qual um dado perde a possibilidade de associação, direta ou
partilhado de bancos de dados pessoais por indireta, a um indivíduo, senão pelo uso de informação adi-
órgãos e entidades públicos no cumprimento cional mantida separadamente pelo controlador em ambien-
te controlado e seguro.”
de suas competências legais, ou entre esses e
entes privados, reciprocamente, com autori- 42 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 1º Esta Lei dispõe sobre
zação específica, para uma ou mais modalida- o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais,
des de tratamento permitidas por esses entes por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público
públicos, ou entre entes privados; ou privado, com o objetivo de proteger os direitos funda-
mentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvi-
XVII. Relatório de impacto à proteção de dados mento da personalidade da pessoa natural.”
pessoais: documentação do controlador que 43 Lei Federal nº 13.709/2018, “Art. 3º Esta Lei aplica-se a
contém a descrição dos processos de trata- qualquer operação de tratamento realizada por pessoa na-
mento de dados pessoais que podem gerar tural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, in-
riscos às liberdades civis e aos direitos funda- dependentemente do meio, do país de sua sede ou do país
mentais, bem como medidas, salvaguardas e onde estejam localizados os dados, desde que: I - a operação
mecanismos de mitigação de risco; de tratamento seja realizada no território nacional; II - a ati-

20
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

 A operação de tratamento ocorra em territó-  Tratamento de dados anonimizados, salvo em


rio brasileiro; caso de reversão da anonimização45.

 O tratamento de dados tenha como objetivo A norma apresenta ainda fundamentos que
o fornecimento de bens e serviços a titulares precisam ser levados em consideração em sua
de dados pessoais localizados no Brasil; interpretação, tais como o respeito à privacida-
de, autodeterminação informativa, o desenvolvi-
 Os dados pessoais submetidos ao tratamento mento econômico e a livre iniciativa46. Tais dis-
tenham sido coletados no Brasil. posições constituem o norte de aplicação da Lei,
Destas considerações, é possível verificar que que deve preservar direitos individuais sem frear
dados de pessoas jurídicas não estão protegidos o avanço tecnológico e econômico47.
pela LGPD e que, a aplicação da Lei independe
da nacionalidade do titular. 3.3. Princípios
Existem ainda exceções à aplicação da LGPD.
São elas: Além dos fundamentos, a lei estabelece ainda
 Tratamento realizado por pessoa natural com os princípios que legitimam o tratamento de da-
fins particulares e não econômicos; dos adequado. Conforme será verificado mais a
frente, todos os direitos do titular e obrigações
 Tratamento com fins (i) jornalísticos, (ii) artís-
ticos, (iii) acadêmicos;
veniência proporcione grau de proteção de dados pessoais
 Tratamento com o fim de (i) segurança públi- adequado ao previsto nesta Lei.§ 1º O tratamento de da-
ca; (ii) defesa nacional; (iii) segurança de Esta- dos pessoais previsto no inciso III será regido por legislação
do; ou (iv) investigação ou repressão de infra- específica, que deverá prever medidas proporcionais e es-
ções penais, mediante legislação específica; tritamente necessárias ao atendimento do interesse público,
observados o devido processo legal, os princípios gerais de
 Tratamento de dados pessoais originados de proteção e os direitos do titular previstos nesta Lei.
fora do Brasil e que (i) não sejam comparti- 45 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art Art. 12. Os dados anoni-
lhados ou enviados a agentes de tratamento mizados não serão considerados dados pessoais para os fins
brasileiros, ou (ii) sejam transferidos para ou- desta Lei, salvo quando o processo de anonimização ao qual
tro país que apresente o mesmo grau de pro- foram submetidos for revertido, utilizando exclusivamente
teção da LGPD44; meios próprios, ou quando, com esforços razoáveis, puder
ser revertido.”

46 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 2º A disciplina da prote-


vidade de tratamento tenha por objetivo a oferta ou o for- ção de dados pessoais tem como fundamentos:
necimento de bens ou serviços ou o tratamento de dados I - o respeito à privacidade; II - a autodeterminação informa-
de indivíduos localizados no território nacional; III - os dados tiva; (...) V - o desenvolvimento econômico e tecnológico e a
pessoais objeto do tratamento tenham sido coletados no inovação; VI - a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa
território nacional. § 1ºConsideram-se coletados no território do consumidor; e
nacional os dados pessoais cujo titular nele se encontre no
47 Neste sentido versa a justificativa do Projeto de Lei
momento da coleta. § 2º Excetua-se do disposto no inciso I
4060/2012, cujo texto originou a LGPD: “O tratamento de
deste artigo o tratamento de dados previsto no inciso IV do
dados é hoje uma realidade cada vez mais presente em nosso
caput do art. 4º desta Lei. ”.
cotidiano, especialmente quando experimentamos o avanço
44 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 4º Esta Lei não se aplica da tecnologia da informação, em especial a internet e suas
ao tratamento de dados pessoais: I - realizado por pessoa na- aplicações nas mais diversas áreas de nossa vida em socieda-
tural para fins exclusivamente particulares e não econômicos; de. Até pouco tempo era inimaginável pensar nas aplicações
II - realizado para fins exclusivamente: a) jornalístico e artís- e a interação que a internet teria em nosso dia-a-dia, ao mes-
ticos; ou b) acadêmicos; III - realizado para fins exclusivos mo tempo em que podemos imaginar que isso continuará em
de: a) segurança pública; b) defesa nacional; c) segurança ritmo acelerado e de incremento, tendo em vista a velocidade
do Estado; ou d) atividades de investigação e repressão de em que novas tecnologias são desenvolvidas para a comuni-
infrações penais; ou IV - provenientes de fora do território cação com as pessoas. Dentro dessa realidade se faz neces-
nacional e que não sejam objeto de comunicação, uso com- sário estabelecer normas legais para disciplinar tais relações,
partilhado de dados com agentes de tratamento brasileiros especialmente para dar proteção à individualidade e a priva-
ou objeto de transferência internacional de dados com outro cidade das pessoas, sem impedir a livre iniciativa comercial e
país que não o de proveniência, desde que o país de pro- de comunicação.”

21
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

dos agentes de tratamento estão diretamente 3.4. Tratamento de dados pessoais


relacionados a estes princípios. São eles:

 Finalidade: propósito legítimo, específico, ex- A partir de agosto de 2020, o tratamento de


plícito e informado ao titular; dados pessoais precisará fundar-se em ao menos
 Adequação: compatibilidade entre a finalida- uma das hipóteses previstas em lei.
de apresentada ao titular e o tratamento efe- É indispensável que o controlador realize o
tivamente realizado sobre o dado pessoal; tratamento do dado pessoal fundado em uma
 Necessidade: utilização mínima possível de das seguintes hipóteses, sob pena de ter seu tra-
dados para atendimento da finalidade; tamento invalidado:

 Livre acesso: garantia ao titular de consulta  Consentimento do titular;


facilitada e gratuita sobre a forma e duração  Cumprimento de obrigação legal ou regulató-
do tratamento realizado; ria pelo Controlador;
 Qualidade dos dados: garantia ao titular de  Pela administração pública, para o tratamen-
clareza, exatidão, relevância e atualização dos to e uso compartilhado de dados em políticas
dados, observado o princípio da necessidade; públicas previstas em lei ou regulamentos ou
 Transparência: garantia ao titular de informa- respaldados em contratos, convênios ou ins-
ções claras, precisas e de fácil acesso sobre o trumentos semelhantes;
tratamento de dados pessoais, observados os  Realização de estudos por órgãos de pesqui-
pontos referentes a segredos comerciais ou sa, utilizando sempre que possível dados ano-
industriais; nimizados;
 Segurança: uso de medidas técnicas e admi-  Execução de contrato ou de procedimentos
nistrativas apta a proteção dos dados pes- preliminares relacionados a contrato do qual
soais objeto de tratamento; seja parte o Titular, sob sua solicitação;
 Prevenção: adoção de medidas de segurança  Exercício regular de direitos em processo ju-
que previnam danos em virtude do tratamen- dicial, administrativo ou arbitral;
to de dados pessoais;
 Proteção da vida ou da incolumidade física do
 Não discriminação: não realização de trata- titular ou de terceiro;
mento com fins discriminatórios, ilícitos ou
abusivos;
a forma e a duração do tratamento, bem como sobre a in-
 Responsabilização e prestação de contas: de- tegralidade de seus dados pessoais; V - qualidade dos da-
monstração pelo agente de tratamento de dos: garantia, aos titulares, de exatidão, clareza, relevância e
adoção de medidas que visem a observância atualização dos dados, de acordo com a necessidade e para
das normas aplicáveis, inclusive no compete à o cumprimento da finalidade de seu tratamento; VI - transpa-
sua eficácia48. rência: garantia, aos titulares, de informações claras, precisas
e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os
respectivos agentes de tratamento, observados os segredos
48 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 6º As atividades de tra- comercial e industrial; VII - segurança: utilização de medidas
tamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pes-
seguintes princípios: I - finalidade: realização do tratamento soais de acessos não autorizados e de situações acidentais
para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informa- ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou
dos ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de difusão; VIII - prevenção: adoção de medidas para prevenir a
forma incompatível com essas finalidades; II - adequação: ocorrência de danos em virtude do tratamento de dados pes-
compatibilidade do tratamento com as finalidades informa- soais; IX - não discriminação: impossibilidade de realização
das ao titular, de acordo com o contexto do tratamento; III do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos;
- necessidade: limitação do tratamento ao mínimo necessário X - responsabilização e prestação de contas: demonstração,
para a realização de suas finalidades, com abrangência dos pelo agente, da adoção de medidas eficazes e capazes de
dados pertinentes, proporcionais e não excessivos em rela- comprovar a observância e o cumprimento das normas de
ção às finalidades do tratamento de dados; IV - livre acesso: proteção de dados pessoais e, inclusive, da eficácia dessas
garantia, aos titulares, de consulta facilitada e gratuita sobre medidas.”

22
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

 Proteção da vida ou incolumidade física do ti- 3.4.1. Consentimento


tular ou de terceiro;
O consentimento do titular é a primeira das
 Tutela da saúde, em procedimento realizado outras 11 hipóteses que legitimam a realização do
por profissionais da aera da saúde ou por en- tratamento de dados.
tidades sanitárias;
Ele deve ser fornecido por escrito ou outro meio
 Interesses legítimos do controlador, exceto se que demonstre a manifestação de vontade50. Por
prevalecerem direitos e liberdades do titular essa razão, é possível que eventualmente venha
garantidos constitucionalmente. a ser considerado inválido o consentimento obti-
do mediante a passividade do titular, tal como o
 Proteção do crédito49. modelo de caixa “pré-preenchida” com aceite, ou
mesmo a imposição de preenchimento de caixa
49 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 7º O tratamento de da- optando pela não aceitação dos termos. Caso o
dos pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hi- consentimento seja dado mediante assinatura, este
póteses: I - mediante o fornecimento de consentimento pelo deve constar em cláusula destacada das demais51.
titular; II - para o cumprimento de obrigação legal ou regu-
latória pelo controlador; III - pela administração pública, para Em caso de compartilhamento ou comunicação
o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à de dados pessoais com outros controladores, o
execução de políticas públicas previstas em leis e regulamen- controlador que obteve consentimento para seu
tos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos tratamento deverá obter também o consentimen-
congêneres, observadas as disposições do Capítulo IV desta to específico do titular para este fim52.
Lei; IV - para a realização de estudos por órgão de pesquisa,
garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados
pessoais; V - quando necessário para a execução de contrato
ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato 50 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 8º O consentimento pre-
do qual seja parte o titular, a pedido do titular dos dados; visto no inciso I do art. 7º desta Lei deverá ser fornecido por
VI - para o exercício regular de direitos em processo judicial, escrito ou por outro meio que demonstre a manifestação de
administrativo ou arbitral, esse último nos termos da Lei nº vontade do titular. ”
9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem); VII -
51 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 8º (...) § 1º Caso o consen-
para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular
timento seja fornecido por escrito, esse deverá constar de
ou de terceiro; VIII - para a tutela da saúde, em procedimento
cláusula destacada das demais cláusulas contratuais. ”
realizado por profissionais da área da saúde ou por entidades
sanitárias; IX - quando necessário para atender aos interesses 52 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 7º (...)§ 5º O controlador
legítimos do controlador ou de terceiro, exceto no caso de que obteve o consentimento referido no inciso I do caput
prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular deste artigo que necessitar comunicar ou compartilhar dados
que exijam a proteção dos dados pessoais; ou X - para a pro- pessoais com outros controladores deverá obter consenti-
teção do crédito, inclusive quanto ao disposto na legislação mento específico do titular para esse fim, ressalvadas as hi-
pertinente. póteses de dispensa do consentimento previstas nesta Lei. ”

23
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

A finalidade informada para a obtenção de sendo preservada a legitimidade do tratamento


consentimento não poderá ser genérica53, de- realizado anteriormente à revogação57.
vendo ser apresentadas de forma transparente,
Por fim, o titular poderá também solicitar uma
clara e inequívoca54. Trata-se de observância ao
cópia eletrônica integral de seus dados pessoais,
requisito da especificidade, presente no princípio
em formato a ser regulamentado pela Autorida-
da finalidade, que impõe ao controlador definir
de Nacional. Este relatório deverá ser interoperá-
previamente uma destinação exata do tratamen-
vel, para utilização em outras operações de tra-
to a ser realizado. tamento. Tal disponibilização poderá preservar
Na hipótese de alteração de informações rele- pontos de segredo comercial ou industrial58.
vantes à escolha do titular para tal autorização,
este deverá ser comunicado, podendo revogá- 3.4.2. Demais hipóteses de tratamento de
lo55. Essas informações relevantes são: dados pessoais

 Finalidade do tratamento; Denota-se que o tratamento de dados pes-


soais mediante o consentimento demanda do
 Forma e duração do tratamento, preservados controlador uma série de requisitos e responsa-
os segredos comercial e industrial; bilidades específicas, não aplicáveis às demais
hipóteses trazidas pela lei.
 Identificação do controlador;
Evidente que os agentes de tratamento deve-
 Informações referentes ao uso compartilhado rão observar os princípios que legitimam o tra-
pelo controlador e sua finalidade; tamento de dados pessoais59 e suas obrigações
gerais60, mas diferentemente do caso anterior, a
Verifica-se, desta forma, que poderia vir a ser
lei não condiciona a obtenção de consentimento
considerado legítimo a apresentação de um sim-
nos seguintes casos61:
ples opt-out neste caso, uma vez que a Lei não
exige a obtenção de novo consentimento.
57 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 8º (...) § 6º Em caso de
É muito importante que o controlador observe alteração de informação referida nos incisos I, II, III ou V do
todas essas obrigações uma vez que a LGPD lhe art. 9º desta Lei, o controlador deverá informar ao titular, com
impõe o dever de comprovar que obteve o con- destaque de forma específica do teor das alterações, poden-
sentimento de forma regular56. do o titular, nos casos em que o seu consentimento é exigido,
revogá-lo caso discorde da alteração.
Uma vez concedido, o consentimento pode- 58 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 19. (...)§ 3º Quando o
rá ser revogado pelo titular a qualquer tempo, tratamento tiver origem no consentimento do titular ou em
contrato, o titular poderá solicitar cópia eletrônica integral
de seus dados pessoais, observados os segredos comercial e
53 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 8º (...) §4º O consenti- industrial, nos termos de regulamentação da autoridade na-
mento deverá referir-se a finalidades determinadas, e as au- cional, em formato que permita a sua utilização subsequente,
torizações genéricas para o tratamento de dados pessoais inclusive em outras operações de tratamento.”
serão nulas.”
59 Vide item 3.3.
54 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 9º (...)§ 1º Na hipótese em
60 Vide item 3.5.
que o consentimento é requerido, esse será considerado nulo
caso as informações fornecidas ao titular tenham conteúdo 61 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 7º O tratamento de da-
enganoso ou abusivo ou não tenham sido apresentadas pre- dos pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hi-
viamente com transparência, de forma clara e inequívoca. póteses: I - mediante o fornecimento de consentimento pelo
titular; II - para o cumprimento de obrigação legal ou regu-
55 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 8º (...) § 6º Em caso de
latória pelo controlador; III - pela administração pública, para
alteração de informação referida nos incisos I, II, III ou V do
o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à
art. 9º desta Lei, o controlador deverá informar ao titular, com
execução de políticas públicas previstas em leis e regulamen-
destaque de forma específica do teor das alterações, poden-
tos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos
do o titular, nos casos em que o seu consentimento é exigido,
congêneres, observadas as disposições do Capítulo IV desta
revogá-lo caso discorde da alteração.
Lei; IV - para a realização de estudos por órgão de pesquisa,
56 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 8º (...) § 2º Cabe ao con- garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados
trolador o ônus da prova de que o consentimento foi obtido pessoais; V - quando necessário para a execução de contrato
em conformidade com o disposto nesta Lei.” ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato

24
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

I. Dados tornados públicos pelo próprio titular62, Cumpre destacar que, por exposição expressa
devendo ser preservados seus direitos e conser- da LGPD, o titular somente poderá opor-se ao
vada a finalidade, boa-fé e interesse público63; tratamento nestas hipóteses em caso de des-
cumprimento de obrigações legais pelo contro-
II. Cumprimento de obrigação legal ou regulató-
lador64.
ria pelo controlador;
Dessa forma, antes de se optar pelo consen-
III. Pela administração pública, para o tratamento
timento do titular, é importante que o controla-
e uso compartilhado de dados necessários à
dor verifique se a finalidade do tratamento a ser
execução de políticas públicas;
realizada não poderia ser associada a uma das
IV. Realização de estudos por órgãos de pesqui- hipóteses acima, dada a maior segurança de que
sa, preferencialmente com dados anonimiza- o tratamento não precisará ser interrompido e o
dos; dado excluído da base de dados caso a operação
se realize de forma regular.
V. Quando solicitado pelo titular e necessário
para a execução de contratos ou procedimen-
tos preliminares; 3.4.3. Comentários sobre o legítimo
interesse
VI. Exercício regular de direitos em processo ad-
ministrativo, judicial ou arbitral; No que se refere ao interesse legítimo do con-
trolador, a Lei não apresenta um conceito espe-
VII. Proteção da vida ou incolumidade física do cífico, mas dispõe de alguns exemplos:
titular ou de terceiros;
 Apoio e promoção de atividades do contro-
VIII. Tutela da saúde, em procedimento realizado lador;
por profissionais da saúde ou entidades sani-
tárias;  Exercício regular de direitos relacionados ao
titular, respeitadas as legítimas expectativas
IX. Interesse legítimo do controlador, sempre que
do titular;
não conflitante com direitos e garantias fun-
damentais do titular;  Prestação de serviços que beneficiem o titular
respeitadas as legítimas expectativas do titu-
X. Proteção do crédito.
lar65;

É importante observar que a LGPD não traz


do qual seja parte o titular, a pedido do titular dos dados; uma definição concreta, justamente porque é
VI - para o exercício regular de direitos em processo judicial, indispensável deixar a cargo do controlador
administrativo ou arbitral, esse último nos termos da Lei nº
aferir por si as oportunidades de utilização de
9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem); VII -
para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular
dados, que devem estar dentro das expectativas
ou de terceiro; VIII - para a tutela da saúde, em procedimento do titular e respeitar os direitos deste descritos
realizado por profissionais da área da saúde ou por entidades na legislação.
sanitárias;
IX - quando necessário para atender aos interesses legítimos
do controlador ou de terceiro, exceto no caso de prevalece-
64 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 18. (...)§ 2º O titular pode
rem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam
opor-se a tratamento realizado com fundamento em uma das
a proteção dos dados pessoais; ou X - para a proteção do
hipóteses de dispensa de consentimento, em caso de des-
crédito, inclusive quanto ao disposto na legislação pertinente.
cumprimento ao disposto nesta Lei.”
62 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 7º (...)§ 4º É dispensada
65 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 10. O legítimo interes-
a exigência do consentimento previsto no caput deste artigo
se do controlador somente poderá fundamentar tratamento
para os dados tornados manifestamente públicos pelo titular,
de dados pessoais para finalidades legítimas, consideradas a
resguardados os direitos do titular e os princípios previstos
partir de situações concretas, que incluem, mas não se limi-
nesta Lei.”
tam a: I - apoio e promoção de atividades do controlador; e II
63 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 7º (...)§ 3º O tratamento - proteção, em relação ao titular, do exercício regular de seus
de dados pessoais cujo acesso é público deve considerar a direitos ou prestação de serviços que o beneficiem, respeita-
finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram sua das as legítimas expectativas dele e os direitos e liberdades
disponibilização.” fundamentais, nos termos desta Lei.”

25
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

A GDPR traz alguns exemplos práticos, como


marketing direto66, transmissão de dados entre
empresas do mesmo grupo para fins administra-
tivos67, tratamento para fins de segurança da in-
formação68 e prevenção de infrações criminais69.
A experiência europeia apresenta, ademais, o
chamado “balancing test” ou, em livre tradução,
“teste de ponderação”, por meio do qual se veri-
fica a existência de um eventual choque entre os
interesses do controlador e os direitos e garan-
tias do titular70.
Verificam-se ainda obrigações do controlador
que realiza o tratamento com base no legítimo
interesse:
 Indicação de finalidade específica;
 Implantação de medidas de garantia de trans-
parência no tratamento;
 Elaboração de relatório de impacto à prote-
ção de dados pessoais, em caso de requisição
pela Autoridade Nacional, observado o segre-
do comercial e industrial.
Com efeito, ainda que aparentemente mais va-
gas, as hipóteses de tratamento que contemplam
o consentimento ou interesse legítimo acarretam
em diversos riscos e ônus ao controlador.

66 Regulation (EU) 2016/679 of the European parliament


and of the Council of 27 April 2016 on the protection of na-
tural persons with regard to the processing of personal data
and on the free movement of such data, and repealing Direc-
tive 95/46/EC (General Data Protection Regulation): Recital
47

67 Regulation (EU) 2016/679 of the European parliament and


of the Council of 27 April 2016 on the protection of natural
persons with regard to the processing of personal data and
on the free movement of such data, and repealing Directive
95/46/EC (General Data Protection Regulation): Recital 48

68 Regulation (EU) 2016/679 of the European parliament


and of the Council of 27 April 2016 on the protection of na-
tural persons with regard to the processing of personal data
and on the free movement of such data, and repealing Direc-
tive 95/46/EC (General Data Protection Regulation): Recital
49

69 Regulation (EU) 2016/679 of the European parliament


and of the Council of 27 April 2016 on the protection of na-
tural persons with regard to the processing of personal data
and on the free movement of such data, and repealing Direc-
tive 95/46/EC (General Data Protection Regulation): Recital
50

70 Article 29 Working Party, “Opinion 6/2014 on the notion


of legitimate interests of the data controller under Article 7 of
Directive 95/46”, April 9, 2014, pág. 30.

26
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

Por esta razão, é possível concluir que o enqua- e autenticação de cadastro em sistemas ele-
dramento da hipótese que fundamenta o trata- trônicos72;
mento de dados pessoais precisa observar espe-
cialmente o atendimento ao princípio da finalidade. Por fim, a Lei veda expressamente o comparti-
Uma vez compreendida de forma clara a finalidade lhamento de dados sensíveis de saúde entre con-
específica do tratamento do dado, será possível troladores para fins econômicos, salvo os casos de:
verificar em qual das hipóteses de tratamento me-  Portabilidade de dados consentida pelo titular;
lhor se adequará a operação realizada.
 Comunicação para adequada prestação de
3.4.4. Especificidades do tratamento de serviços de saúde suplementar.
dados sensíveis
3.4.5. Especificidades do tratamento de
Dada a relevância dos dados pessoais sensí-
dados anonimizados
veis, a LGPD traz em suas disposições hipóteses
específicas para o seu tratamento. Conforme já mencionado, o dado pessoal que
passa por um processo de anonimização não é,
Além dos pontos descritos no Item 3.4.1, aci-
para a LGPD, considerado dado pessoal73. Isso
ma, o consentimento a ser conferido pelo titular
porque, conforme a definição do próprio texto
neste caso deve ser apresentado de forma espe-
legal, o dado que passa por este processo perde
cífica e destacada71.
o potencial de tornar seu titular identificado, até
A LGPD apresenta um rol de hipóteses justifi- mesmo pelo controlador74.
cadoras do tratamento de dados pessoais sensí-
Diante da gama de tecnologias disponíveis e
veis, menor do que aquele previsto para os da-
do avanço tecnológico exponencial, é possível
dos pessoais comuns:
afirmar que a utilização de novas tecnologias e o
I. Cumprimento de obrigação legal ou regulatória cruzamento de bases de dados podem reverter
pelo controlador; o caráter pessoal do dado anteriormente anoni-
mizado, dependendo do caso concreto.
II. Tratamento compartilhado de dados necessá-
rios à execução, pela administração pública, Nesse sentido, é possível afirmar que, ainda
de políticas públicas previstas em leis ou re- que atualmente uma técnica de anonimização
gulamentos; possa ser considerada razoavelmente eficaz, não

III. Realização de estudos por órgão de pesquisa,


garantida, sempre que possível, a anonimiza- 72 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 11. (...)II - sem forneci-
ção dos dados pessoais sensíveis; mento de consentimento do titular, nas hipóteses em que for
indispensável para: a) cumprimento de obrigação legal ou re-
IV. Exercício regular de direitos, inclusive em gulatória pelo controlador; b) tratamento compartilhado de
contrato e em processo judicial, administrati- dados necessários à execução, pela administração pública,
vo e arbitral; de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos; c)
realização de estudos por órgão de pesquisa, garantida, sem-
V. Proteção da vida ou da incolumidade física do pre que possível, a anonimização dos dados pessoais sensí-
titular ou de terceiro; veis; d) exercício regular de direitos, inclusive em contrato e
em processo judicial, administrativo e arbitral, este último nos
VI. Tutela da saúde, em procedimento realizado termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de
por profissionais da área da saúde ou por en- Arbitragem); e) proteção da vida ou da incolumidade física
tidades sanitárias; do titular ou de terceiro; f) tutela da saúde, em procedimento
realizado por profissionais da área da saúde ou por entidades
VII. Garantia da prevenção à fraude e à seguran- sanitárias; ou g) garantia da prevenção à fraude e à seguran-
ça do titular, nos processos de identificação ça do titular, nos processos de identificação e autenticação
de cadastro em sistemas eletrônicos, resguardados os direi-
tos mencionados no art. 9º desta Lei e exceto no caso de pre-
71 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 11. O tratamento de da- valecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que
dos pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguin- exijam a proteção dos dados pessoais.”
tes hipóteses: I - quando o titular ou seu responsável legal
73 Lei Federal nº 13.709/2018: Art. 5º, inciso III.
consentir, de forma específica e destacada, para finalidades
específicas;” 74 Lei Federal nº 13.709/2018: Art. 5º, inciso XI.

27
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

se pode garantir que no futuro ela ainda o será. 3.4.6. Breves considerações sobre o
Como consequência, também não seria possível tratamento de dados para estudos em saúde
garantir com total certeza que o dado anonimi- pública
zado atualmente será mantido assim por todo o
sempre. Neste item, serão discutidos os aspectos ge-
rais do tratamento de dados de saúde na LGPD.
Levando este ponto em consideração, a LGPD Entraremos em maiores detalhes sobre esta ma-
considera válida a anonimização que demanda téria em capítulo específico desta obra.
custos e prazos além dos considerados razoáveis
para sua reversão ao tempo do tratamento75. Dada a natureza sensível de dados objeto de
estudos de saúde pública, a LGPD estipula que
Já no que se refere a perfis comportamen- órgãos de pesquisa poderão acessar bases de
tais, estes poderão ser considerados dados pes- dados, atendidas as seguintes obrigações:
soais, sempre que possível a identificação do
titular76. Isso porque, dados aparentemente não  O tratamento dos dados deverá ser realizado
vinculados diretamente ao titular, como número exclusivamente no próprio órgão;
de identificação de computador, histórico de
 A finalidade do tratamento deve ser, com ex-
compras, entre outros dados em bases de dados
clusividade, o fim de pesquisa;
diversas, podem ser combinados entre si para
formar um perfil associado à pessoa natural77. Tal  Os dados deverão ser mantidos em ambiente
perfil, por sua vez, poderá ser constituído inclusi- controlado e seguro, observando normas es-
ve de dados sensíveis78, tais como dados de saú- pecíficas;
de, convicção religiosa ou política, ou até mesmo
orientação sexual.  Sempre que possível, os dados deverão ser
anonimizados ou pseudonimizados;
Dessa forma, em caso de construção de perfil
operacional que torne o titular identificável, estas  A divulgação dos resultados não poderá reve-
informações receberão o tratamento atribuído lar dados pessoais; e
aos dados pessoais comuns e sensíveis.
 Não será possível a transmissão de dados
pessoais a terceiros79;

75 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 12. Os dados anonimi-


zados não serão considerados dados pessoais para os fins
79 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 13. Na realização de es-
desta Lei, salvo quando o processo de anonimização ao qual
tudos em saúde pública, os órgãos de pesquisa poderão ter
foram submetidos for revertido, utilizando exclusivamente
acesso a bases de dados pessoais, que serão tratados exclu-
meios próprios, ou quando, com esforços razoáveis, puder
sivamente dentro do órgão e estritamente para a finalidade
ser revertido. § 1º A determinação do que seja razoável deve
de realização de estudos e pesquisas e mantidos em ambien-
levar em consideração fatores objetivos, tais como custo e
te controlado e seguro, conforme práticas de segurança pre-
tempo necessários para reverter o processo de anonimiza-
vistas em regulamento específico e que incluam, sempre que
ção, de acordo com as tecnologias disponíveis, e a utilização
possível, a anonimização ou pseudonimização dos dados,
exclusiva de meios próprios.”
bem como considerem os devidos padrões éticos relaciona-
76 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 12. (...) § 2º Poderão ser dos a estudos e pesquisas. § 1º A divulgação dos resultados
igualmente considerados como dados pessoais, para os fins ou de qualquer excerto do estudo ou da pesquisa de que tra-
desta Lei, aqueles utilizados para formação do perfil com- ta o caput deste artigo em nenhuma hipótese poderá revelar
portamental de determinada pessoa natural, se identificada.” dados pessoais. § 2º O órgão de pesquisa será o responsável
pela segurança da informação prevista no caput deste artigo,
77 Federal Trade Comssion. “Online Profiling: A Report To
não permitida, em circunstância alguma, a transferência dos
Congress, 2000”. Disponível em https://www.ftc.gov/sys-
dados a terceiro. § 3º O acesso aos dados de que trata este
tem/files/documents/reports/online-profiling-federal-trade-
artigo será objeto de regulamentação por parte da autorida-
commission-report-congress-june-2000/onlineprofilingre-
de nacional e das autoridades da área de saúde e sanitárias,
portjune2000.pdf - acesso em 21 de março de 2019. Pág. 4.
no âmbito de suas competências. § 4º Para os efeitos deste
78 FRAZÃO, Ana. “A Nova LGPD: tratamento de dados de artigo, a pseudonimização é o tratamento por meio do qual
crianças de adolescentes”. Disponível em https://www.jota. um dado perde a possibilidade de associação, direta ou indi-
info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mer- reta, a um indivíduo, senão pelo uso de informação adicional
cado/nova-lgpd-tratamento-dos-dados-de-criancas-e-ado- mantida separadamente pelo controlador em ambiente con-
lescentes-03102018 - acesso em 21 de março de 2019. trolado e seguro.

28
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

3.4.7. Tratamento de dados de crianças e Em caso de aplicações de internet ou jogos,


adolescentes os controladores não poderão condicionar a par-
ticipação da criança ou adolescente ao consen-
Os dados de crianças e adolescentes apresen- timento dos dados que não sejam estritamente
tam também um tratamento especial pela LGPD. necessários à atividade83.
Diferentemente dos demais casos, o tratamen- Além das obrigações acima descritas ca-
to de dados de crianças e adolescentes somente berá ao controlador realizar esforços razoáveis
é autorizado nas seguintes hipóteses: para verificar que o consentimento foi atribuído
de fato pelos pais ou responsáveis legais84.
I. Consentimento pelos pais ou responsáveis, que
deverá ser concedido de forma específica e
destacada no texto. 3.4.8. Término do tratamento de dados
II. Sem consentimento, para o caso de contato A LGPD estipula quatro hipóteses de ocorrên-
dos pais ou responsável legal, realizado uma cia do fim do tratamento de dados. São elas:
única vez e sem o armazenamento do dado
na base de dados; I. Alcance da finalidade específica;

III. Sem consentimento, para proteção da criança II. Desnecessidade de tratamento para o alcance
ou adolescente80. da finalidade específica;

No caos de tratamento de dados mediante o III. Comunicação do titular, especialmente no


consentimento dos pais ou responsáveis legais, caso de revogação do consentimento;
o controlador deverá divulgar publicamente as IV. Determinação da autoridade nacional85;
seguintes informações, de maneira simples, clara
e acessível, considerando inclusive as caracterís- Com efeito, verifica-se claramente que a legisla-
ticas próprias do titular alvo81: ção veda o tratamento de dados por tempo inde-
 Tipos de dados coletados;

 Forma de sua utilização;


verão ser fornecidas de maneira simples, clara e acessível,
 Procedimentos para o exercício de direitos do consideradas as características físico-motoras, perceptivas,
titular dos dados82; sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, com uso de re-
cursos audiovisuais quando adequado, de forma a proporcio-
nar a informação necessária aos pais ou ao responsável legal
e adequada ao entendimento da criança.”
80 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 14. O tratamento de
dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser rea- 83 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 14. (...)§ 4º  Os controla-
lizado em seu melhor interesse, nos termos deste artigo e da dores não deverão condicionar a participação dos titulares
legislação pertinente. § 1º O tratamento de dados pessoais de que trata o § 1º deste artigo em jogos, aplicações de in-
de crianças deverá ser realizado com o consentimento espe- ternet ou outras atividades ao fornecimento de informações
cífico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pessoais além das estritamente necessárias à atividade.”
pelo responsável legal. (...)§ 3º Poderão ser coletados dados
84 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 14. (...)§ 5º O controlador
pessoais de crianças sem o consentimento a que se refere o
deve realizar todos os esforços razoáveis para verificar que
§ 1º deste artigo quando a coleta for necessária para contatar
o consentimento a que se refere o § 1º deste artigo foi dado
os pais ou o responsável legal, utilizados uma única vez e sem
pelo responsável pela criança, consideradas as tecnologias
armazenamento, ou para sua proteção, e em nenhum caso
disponíveis.”
poderão ser repassados a terceiro sem o consentimento de
que trata o § 1º deste artigo.” 85 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 15. O término do trata-
mento de dados pessoais ocorrerá nas seguintes hipóteses:
81 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 14. (...)§ 2º No tratamento
I - verificação de que a finalidade foi alcançada ou de que os
de dados de que trata o § 1º deste artigo, os controladores
dados deixaram de ser necessários ou pertinentes ao alcan-
deverão manter pública a informação sobre os tipos de da-
ce da finalidade específica almejada; II - fim do período de
dos coletados, a forma de sua utilização e os procedimentos
tratamento; III - comunicação do titular, inclusive no exercí-
para o exercício dos direitos a que se refere o art. 18 desta
cio de seu direito de revogação do consentimento conforme
Lei.”
disposto no § 5º do art. 8º desta Lei, resguardado o interesse
82 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 14. (...)§ 6º As informa- público; ou IV - determinação da autoridade nacional, quan-
ções sobre o tratamento de dados referidas neste artigo de- do houver violação ao disposto nesta Lei.

29
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

terminado86, além de propor que dados coletados


desnecessários à finalidade específica pretendida
precisam ser excluídos da base de dados.

Em regra, o agente deverá providenciar seu


descarte definitivo, ou ainda, conservá-lo sob
uma das seguintes hipóteses:

I. Cumprimento de obrigação legal ou regulatória;

II. Estudos por órgãos de pesquisa, preferencial-


mente anonimizados;

III. Dados já transferidos a terceiros, observados


os preceitos legais;

IV. Anonimização dos dados87.

Dessa forma, é possível verificar que a LGPD


prevê um ciclo para o tratamento de dados, com
começo e fim. A manutenção de dados sem uma
finalidade a ser atingida ou já exaurida, poderia
eventualmente representar um risco ao contro-
lador, uma vez que este permanece responsável
pelo dado ainda que não mais realize qualquer
tratamento sobre ele88.

3.5. Titular de dados pessoais

3.5.1. Direitos de informações oponíveis em


face do controlador informações, que deverão ser apresentadas de
forma clara, adequada e ostensiva. São elas:
A LGPD determina de forma expressa que o
titular tem o direito de acesso facilitado a certas I. A finalidade específica do tratamento;

II. Forma e duração do tratamento, observado o


segredo comercial e industrial;
86 PINHEIRO, Patricia Peck. Proteção de dados pessoais :
comentários à Lei n. 13.709/2018 (LGPD) / Patricia Peck Pi- III. Identificação do controlador com informações
nheiro. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. Paginação irre- de contato;
gular.
IV. Informações sobre o uso compartilhado dos
87 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 16.  Os dados pessoais se- dados pelo controlador e sua finalidade;
rão eliminados após o término de seu tratamento, no âmbito e
nos limites técnicos das atividades, autorizada a conservação V. Responsabilidades dos agentes que realizarão
para as seguintes finalidades: I - cumprimento de obrigação o tratamento;
legal ou regulatória pelo controlador; II - estudo por órgão
de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização VI. Direitos do titular, com menção explícita ao
dos dados pessoais; III - transferência a terceiro, desde que rol descrito no item abaixo.
respeitados os requisitos de tratamento de dados dispostos
nesta Lei; ou IV - uso exclusivo do controlador, vedado seu No caso de tratamento de dados mediante
acesso por terceiro, e desde que anonimizados os dados. consentimento, tais informações deverão ser for-
necidas de forma “transparente, clara e inequívo-
88 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 47. Os agentes de tra-
ca”, sob pena de ele ser considerado nulo.
tamento ou qualquer outra pessoa que intervenha em uma
das fases do tratamento obriga-se a garantir a segurança da Ademais, caso o controlador vincule o trata-
informação prevista nesta Lei em relação aos dados pessoais, mento de dados ao fornecimento de produtos
mesmo após o seu término.”

30
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

qualquer custo90, perante Autoridade Nacional91,


ou até mesmo por meio de órgãos de defesa do
consumidor92.
É indispensável que este último esteja
preparado para atender tais demandas ao início
de vigência de suas obrigações, previsto para 16
de agosto de 2020.
Tais direitos são:
I. Confirmação da existência de tratamento;
II. Acesso aos dados pessoais objeto de tratamento;
III. Correção de dados incompletos, inexatos ou
desatualizados;
IV. Anonimização, bloqueio ou eliminação de
dados desnecessários, excessivos ou em des-
conformidade com a lei;
V. Portabilidade de dados a outro fornecedor,
observado o segredo comercial e ressalvados
dados já anonimizados93;
VI. Eliminação de dados tratados sem consenti-
mento, exceto nos casos de dispensa do tér-
mino do tratamento;
VII. Informação de entidades públicas receptora
de dados compartilhados pelo controlador;
VIII. Informações sobre a possibilidade de não
consentir, e quais seriam as consequências;
ou serviços, tais informações devem ser apre-
sentadas ao titular em destaque no documento IX. Revogação do consentimento;
que regula os termos e condições de tal forne-
cimento.
com o consentimento do titular, exceto nas hipóteses previs-
tas no art. 16 desta Lei; VII - informação das entidades públi-
3.5.2. Direitos de providências oponíveis em cas e privadas com as quais o controlador realizou uso com-
face do controlador partilhado de dados; VIII - informação sobre a possibilidade
de não fornecer consentimento e sobre as consequências da
Além dos direitos garantidos pela Constituição negativa; IX - revogação do consentimento, nos termos do §
e demais normas abordadas no neste trabalho, a 5º do art. 8º desta Lei.”
LGPD traz uma série de direitos do titular oponí- 90 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 18 (...)§ 5º O requerimen-
veis diretamente em face do controlador89 sem to referido no § 3º deste artigo será atendido sem custos para
o titular, nos prazos e nos termos previstos em regulamento.

89 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 18. O titular dos dados 91 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 18 (...)§ 1º O titular dos da-
pessoais tem direito a obter do controlador, em relação aos dos pessoais tem o direito de peticionar em relação aos seus
dados do titular por ele tratados, a qualquer momento e me- dados contra o controlador perante a autoridade nacional.”
diante requisição: I - confirmação da existência de tratamen-
92 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 18. (...)§ 8º O direito a
to; II - acesso aos dados; III - correção de dados incompletos,
que se refere o § 1º deste artigo também poderá ser exercido
inexatos ou desatualizados; IV - anonimização, bloqueio ou
perante os organismos de defesa do consumidor.”
eliminação de dados desnecessários, excessivos ou tratados
em desconformidade com o disposto nesta Lei; V - portabi- 93 Lei Federal nº 13.709/2018: Art. 18 (...)§ 6º O respon-
lidade dos dados a outro fornecedor de serviço ou produto, sável deverá informar de maneira imediata aos agentes de
mediante requisição expressa e observados os segredos co- tratamento com os quais tenha realizado uso compartilhado
mercial e industrial, de acordo com a regulamentação do ór- de dados a correção, a eliminação, a anonimização ou o blo-
gão controlador; VI - eliminação dos dados pessoais tratados queio dos dados, para que repitam idêntico procedimento.”

31
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

Na hipótese de condicionamento do tratamen- Cada vez mais a inteligência de negócios vem


to de dados ao fornecimento de produtos ou ser- automatizando processos de análise de dados,
viços, esses direitos deverão ser informados so- mediante algoritmos que nem sempre são re-
bre os meios de exercício dos direitos referidos gidos pela neutralidade e objetividade que co-
acima94. Já no caso de tratamento de dados de mumente se espera. Desta forma, espera-se
crianças e adolescentes, tais direitos devem ser oportunizar ao titular o direito de fundamentar
publicamente disponibilizados95. a necessidade de uma revisão que possa, even-
tualmente, resultar em outras conclusões99.
Por fim, destaca-se que a LGPD prevê até
mesmo a tutela coletiva de direitos de titulares Naturalmente, a lei assegura que o atendimen-
de dados pessoais, que poderá ser exercida em to desta solicitação pelo controlador não preci-
juízo96 e ressalta que os dados pessoais referen- sará implicar na revelação de segredos comer-
tes a exercício regular de direitos do próprio titu-
ciais ou industriais100, mas o não oferecimento de
lar não podem ser utilizados contra ele97.
resposta com base nesta justificativa poderá en-
sejar em uma auditoria pela Autoridade Nacional,
3.5.3. Direito de revisão de tratamento voltada à aferição de eventuais aspectos discri-
automatizado minatórios do tratamento realizado101.
O titular de dados pessoais tem, ainda, o direi-
to de revisão de decisões tomadas unicamente 3.6. Agentes de tratamento
com base em tratamento automatizado, sempre
que tais decisões afetem seus interesses, espe-
cialmente nos casos de decisões que tratam de
perfil profissional, pessoal, de consumo e de cré- 3.6.1. Obrigações e responsabilidades gerais
dito98. do controlador e do operador

O controlador de dados é a pessoa, física ou


jurídica, que possui o poder decisório sobre o
94 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 9º. § 3º (...) Quando o tratamento de dados pessoais. Já o operador,
tratamento de dados pessoais for condição para o forneci-
é a pessoa física ou jurídica que realiza ao tra-
mento de produto ou de serviço ou para o exercício de di-
reito, o titular será informado com destaque sobre esse fato
tamento de dados com base nas instruções do
e sobre os meios pelos quais poderá exercer os direitos do controlador102.
titular elencados no art. 18 desta Lei.”

95 Vide item 3.4.7

96 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 22. A defesa dos interes- de aspectos discriminatórios em tratamento automatizado
ses e dos direitos dos titulares de dados poderá ser exercida de dados pessoais.”
em juízo, individual ou coletivamente, na forma do disposto
99 FRAZÃO, Ana. “O direito à explicação e à oposição
na legislação pertinente, acerca dos instrumentos de tutela
diante de decisões totalmente automatizadas”. Disponí-
individual e coletiva.”
vel em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/
97 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 21. Os dados pessoais constituicao-empresa-e-mercado/o-direito-a-explicacao-e
referentes ao exercício regular de direitos pelo titular não po- -a-oposicao-diante-de-decisoes-totalmente-automatiza-
dem ser utilizados em seu prejuízo.” das-05122018#_ftn1

98 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 20. O titular dos da- 100 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 20. (...) § 1º O contro-
dos tem direito a solicitar a revisão de decisões tomadas uni- lador deverá fornecer, sempre que solicitadas, informações
camente com base em tratamento automatizado de dados claras e adequadas a respeito dos critérios e dos procedi-
pessoais que afetem seus interesses, incluídas as decisões mentos utilizados para a decisão automatizada, observados
destinadas a definir o seu perfil pessoal, profissional, de con- os segredos comercial e industrial.
sumo e de crédito ou os aspectos de sua personalidade. § 1º
101 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 20. (...)§ 2º Em caso de
O controlador deverá fornecer, sempre que solicitadas, infor-
não oferecimento de informações de que trata o § 1º deste
mações claras e adequadas a respeito dos critérios e dos pro-
artigo baseado na observância de segredo comercial e in-
cedimentos utilizados para a decisão automatizada, observa-
dustrial, a autoridade nacional poderá realizar auditoria para
dos os segredos comercial e industrial. § 2º Em caso de não
verificação de aspectos discriminatórios em tratamento au-
oferecimento de informações de que trata o § 1º deste artigo
tomatizado de dados pessoais.”
baseado na observância de segredo comercial e industrial, a
autoridade nacional poderá realizar auditoria para verificação 102 Vide item 3.1.

32
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

Naturalmente, a mesma entidade poderá, em


dadas ocasiões, ser controladora e/ou operado-
ra de dados. Este é o exemplo de uma presta-
dora de serviços por meio do sistema “Softwa-
re as Service”, ou mesmo aquelas responsáveis
“O titular de dados
pelo armazenamento em nuvem: a empresa é pessoais dispõe do direito
operadora de dados, ao realizar o tratamento de receber uma série de
dos dados fornecidos pelo cliente/controlador.
Ao mesmo tempo, é controladora de dados com informações que dizem
relação ao banco de dados de seus próprios respeito à finalidade do
funcionários, ou mesmo com relação ao cadastro
de contatos de seus clientes. tratamento, sua forma
Outra possibilidade é a mesma empresa ser a
de operação, os agentes
controladora e operadora dos dados ao mesmo envolvidos e os direitos que
tempo. Esse cenário ocorre quando o tratamen-
to de dados é operado pela própria empresa que
poderá exercer contra o
possui relação jurídica direta com o titular dos controlador.”
dados e possui controle sobre as decisões de tra-
tamento.

A LGPD estipula também que ambos os agen-


tes deverão manter um registro de operações de
tratamento que realizarem103. O operador deverá
realizar o tratamento dentro das instruções do 3.6.2. Obrigações do controlador referentes
controlador104, sempre que estas estiverem de a informações fornecidas aos titulares
acordo com a lei. Este último, por seu turno, de-
verá observar o cumprimento de suas instruções Conforme já abordado, o titular de dados pes-
junto ao primeiro105. Por esta razão, é recomen- soais dispõe do direito de receber uma série de
dável que as responsabilidades e atribuições de informações que dizem respeito à finalidade do
cada uma das partes sejam definidas de forma tratamento, sua forma de operação, os agentes
clara em contrato, sempre que operador e con- envolvidos e os direitos que poderá exercer con-
trolador forem pessoas diferentes. tra o controlador. Tais informações devem ser
fornecidas a todos os titulares, independente-
Finalmente, a Autoridade Nacional poderá
mente da base utilizada para o tratamento107.
solicitar de qualquer das partes um relatório de
impacto de proteção de dados pessoais de qual- A alteração das informações referentes à (i) fi-
quer dos agentes de tratamento106. nalidade do tratamento, (ii) forma e duração do
tratamento, (iii) identificação do controlador, ou
(iv) informações sobre o uso compartilhado dos
103 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 37. O controlador e dados deverá ser informada ao titular com des-
o operador devem manter registro das operações de tra- taque e de forma específica.
tamento de dados pessoais que realizarem, especialmente
quando baseado no legítimo interesse.” Uma vez informado, o titular que consentiu
104 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 39. O operador deverá com o tratamento de dados deverá lhe ter pos-
realizar o tratamento segundo as instruções fornecidas pelo sibilitada a revogação de seu consentimento.
controlador, que verificará a observância das próprias instru- Conforme já mencionado, trata-se de um modelo
ções e das normas sobre a matéria. opt-out.
105 Idem.
Adicionalmente, conforme também já mencio-
106 Lei Federal nº 13.709/2018: Art. 38. A autoridade nacio- nado no item “Direitos de informações oponíveis
nal poderá determinar ao controlador que elabore relatório em face do controlador”, após a devida regula-
de impacto à proteção de dados pessoais, inclusive de da-
mentação pela Autoridade Nacional, o controla-
dos sensíveis, referente a suas operações de tratamento de
dados, nos termos de regulamento, observados os segredos
comercial e industrial.” 107 Vide item 3.5.1

33
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

dor de dados que realiza tratamento com base Os prazos poderão ser estipulados pelo pró-
no consentimento, deverá disponibilizar ao titu- prio controlador em regulamento próprio, sem-
lar uma cópia eletrônica dos dados objeto de tra- pre que o atendimento imediato da solicitação
tamento. de providências não for possível110.

Em caso de correção, eliminação, anonimiza-


3.6.3. Obrigações do controlador referentes ção ou bloqueio dos dados compartilhados com
a direitos oponíveis pelos titulares terceiros, o controlador deverá informar os de-
mais agentes de tratamento para que estes reali-
Já com relação à solicitação de providências
zem o mesmo procedimento111.
apresentada pelo titular em face do controla-
dor108, a LGPD determina que este último deverá Para fins de atendimento célere da solicitação
enviar uma resposta ao primeiro com o solicita- de confirmação de tratamento de dados pes-
do. A Lei prevê tão somente dois casos de im- soais, a LGPD dispõe que os dados devem ser ar-
possibilidade: mazenados de forma que seja facilitado o direito
de acesso112.
 Caso o responsável pela recepção do pedido
não for o verdadeiro controlador, deverá in- A resposta de confirmação deverá ser apre-
formar este fato ao titular e, se possível, indi- sentada, à escolha do titular, em formato simpli-
car a pessoa correta; ficado imediatamente, ou em modelo completo
 Indicação de razões de fato ou de direito que
impedem a tomada de tais providências de
110 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 18 (...)§ 5º O requeri-
forma imediata109.
mento referido no § 3º deste artigo será atendido sem custos
para o titular, nos p”razos e nos termos previstos em regu-
lamento.”

108 Vide item 3.5.2. 111 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 18 (...) § 6º   O respon-
sável deverá informar de maneira imediata aos agentes de
109 Lei Federal nº 13.709/2018: Art. 18 (...)§ 4º Em caso de
tratamento com os quais tenha realizado uso compartilhado
impossibilidade de adoção imediata da providência de que
de dados a correção, a eliminação, a anonimização ou o blo-
trata o § 3º deste artigo, o controlador enviará ao titular res-
queio dos dados, para que repitam idêntico procedimento.”
posta em que poderá: I - comunicar que não é agente de tra-
tamento dos dados e indicar, sempre que possível, o agente; 112 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 19 § 1º Os dados pessoais
ou II - indicar as razões de fato ou de direito que impedem a serão armazenados em formato que favoreça o exercício do
adoção imediata da providência. “ direito de acesso.”

34
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

dentro do prazo de até 15 dias. Observado o se-  Prestar esclarecimentos e adotar providên-
gredo comercial e industrial, a resposta completa cias necessárias;
deve contemplar:
 Orientar funcionários e demais envolvidos so-
 Origem dos dados; bre boas práticas116.

 Inexistência de registro, se for o caso; Diferentemente da LGPD, o GDPR determina


que o operador também possua um DPO, e apre-
 Finalidade do tratamento; senta um detalhamento maior das funções deste
 Critérios utilizados para o tratamento113; profissional. Nesta legislação, ele tem um papel
muito próximo de um compliance officer, com
O controlador deverá fornecer a confirmação, funções como monitorar a observância da legis-
também a critério do titular, em formato eletrôni- lação, aferição e indicação dos riscos relaciona-
co ou mesmo impresso114. dos ao tratamento de dados conforme o negócio
do controlador e orientá-lo quando da elabora-
ção do relatório de impactos de privacidade117.
3.6.4. Encarregado de Tratamento de Dados
Para tanto, o GDPR determina que os agen-
A LGPD estipula que “o controlador deverá in-
tes deverão garantir acessos e recursos próprios
dicar um encarregado pelo tratamento de dados
para o desempenho de tais funções118. Nota-se
pessoais”115. Trata-se da reprodução da figura do
também que, na União Europeia, o DPO deverá
Data Protection Officer havida na GDPR (“DPO”),
ser qualificado como um especialista em legisla-
que tem como função precípua garantir o cum-
ção de proteção de dados e nas práticas neces-
primento da legislação no que se refere ao tra-
sárias para o cumprimento das funções descritas
tamento de dados e atuar como um interlocutor
acima119.
entre o controlador e Titulares e a Autoridade
Nacional de Proteção de Dados. Por fim, a LGPD deixa este maior detalha-
mento das funções do Encarregado/DPO para
O Encarregado poderá ser uma pessoa física
a Autoridade Nacional de Proteção de Dados,
ou jurídica, inexistindo vedação na Lei à contra-
que poderá até mesmo dispensar esta obrigação
tação de um prestador de serviços para esta fi-
com base no porte do controlador e no volume
nalidade. Ele deverá ter sua identidade e dados
de operações de tratamento de dados120.
para contato identificados publicamente, e suas
atividade consistem principalmente em:
116 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 41. § 2º As atividades do
 Receber reclamações e comunicações de ti- encarregado consistem em: I - aceitar reclamações e comuni-
tulares; cações dos titulares, prestar esclarecimentos e adotar provi-
dências; II - receber comunicações da autoridade nacional e
adotar providências; III - orientar os funcionários e os contra-
tados da entidade a respeito das práticas a serem tomadas
113 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 19. A confirmação de em relação à proteção de dados pessoais; e IV - executar as
existência ou o acesso a dados pessoais serão providencia- demais atribuições determinadas pelo controlador ou esta-
dos, mediante requisição do titular: I - em formato simplifi- belecidas em normas complementares.
cado, imediatamente; ou II - por meio de declaração clara e
117 Regulation (EU) 2016/679 of the European parliament
completa, que indique a origem dos dados, a inexistência de
and of the Council of 27 April 2016 on the protection of na-
registro, os critérios utilizados e a finalidade do tratamento,
tural persons with regard to the processing of personal data
observados os segredos comercial e industrial, fornecida no
and on the free movement of such data, and repealing Direc-
prazo de até 15 (quinze) dias, contado da data do requeri-
tive 95/46/EC (General Data Protection Regulation): Art. 39.
mento do titular.”
118 Idem. Art. 38
114 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 19. § 3º Quando o tra-
tamento tiver origem no consentimento do titular ou em 119 Idem. Art. 37
contrato, o titular poderá solicitar cópia eletrônica integral
120 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 41. §3º A autoridade
de seus dados pessoais, observados os segredos comercial e
nacional poderá estabelecer normas complementares sobre
industrial, nos termos de regulamentação da autoridade na-
a definição e as atribuições do encarregado, inclusive hipóte-
cional, em formato que permita a sua utilização subsequente,
ses de dispensa da necessidade de sua indicação, conforme
inclusive em outras operações de tratamento.”
a natureza e o porte da entidade ou o volume de operações
115 Lei Federal nº 13.709/2018: Art. 41, “caput”. de tratamento de dados.”

35
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

3.6.5. Reparação de danos a titulares de Destaca-se que a responsabilidade poderá ser


dados solidária, ou seja, qualquer das partes deverá res-
ponder pelas obrigações da outra.
Em função de suas atividades, o controlador
e o operador podem eventualmente incorrer em Vale registrar que a LGPD estipula a possibi-
tratamento de dados pessoais considerado irre- lidade de inversão do ônus probatório em favor
gular. Segundo a LGPD, este fato ocorre quando do titular do dado pessoal, nos casos de verossi-
não for possível fornecer a segurança que o ti- milhança das alegações, hipossuficiência ou ex-
tular espera, consideradas as seguintes circuns- cessiva onerosidade na produção da prova123.
tâncias: Finalmente, a Lei estipula que os agentes de
 Modo de sua realização; tratamento somente não serão responsabiliza-
dos quando:
 Resultado e riscos razoavelmente esperáveis;
 Não realizarem o tratamento de dados causa-
 Técnicas de tratamento disponíveis quando dor do dano;
realizado o tratamento121.
 Não houverem violado qualquer disposição
Seja por inadequação, seja por não atendimen- legal;
to dos princípios atinentes à proteção e dados  Culpa exclusiva do titular ou de terceiro.
pessoais, ambos poderão ser responsabilizados
pelos dados causados em decorrência de suas
atividades, observadas as seguintes característi- 3.6.6. Boas práticas
cas:
A LGPD estipula que tanto controladores
 Controlador: responderá sempre que estiver quanto operadores poderão, individualmente
envolvido no tratamento de dados que cau- ou por meio de associações, formular regras de
sou danos; boas práticas e governança, padrões técnicos,
procedimentos, entre outros pontos de interesse
 Operador: responderá junto com o controla- no que compete a boas práticas de proteção de
dor, sempre que descumprir o quanto dispos- dados próprias de cada setor124.
to em lei, ou em caso de desrespeito às instru-
A Lei estipula os padrões mínimos de um pro-
ções do controlador122.
jeto de governança em privacidade a ser propos-
to pelo controlador, quais sejam:
121 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 44. O tratamento de
dados pessoais será irregular quando deixar de observar a 123 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 42. (...)§ 2º O juiz, no
legislação ou quando não fornecer a segurança que o titular processo civil, poderá inverter o ônus da prova a favor do ti-
dele pode esperar, consideradas as circunstâncias relevantes, tular dos dados quando, a seu juízo, for verossímil a alegação,
entre as quais: I - o modo pelo qual é realizado; II - o resultado houver hipossuficiência para fins de produção de prova ou
e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - as técni- quando a produção de prova pelo titular resultar-lhe exces-
cas de tratamento de dados pessoais disponíveis à época em sivamente onerosa.”
que foi realizado.
124 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 50. Os controladores
122 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 42. O controlador ou e operadores, no âmbito de suas competências, pelo trata-
o operador que, em razão do exercício de atividade de tra- mento de dados pessoais, individualmente ou por meio de
tamento de dados pessoais, causar a outrem dano patrimo- associações, poderão formular regras de boas práticas e de
nial, moral, individual ou coletivo, em violação à legislação de governança que estabeleçam as condições de organização, o
proteção de dados pessoais, é obrigado a repará-lo. § 1º A regime de funcionamento, os procedimentos, incluindo recla-
fim de assegurar a efetiva indenização ao titular dos dados: mações e petições de titulares, as normas de segurança, os
I - o operador responde solidariamente pelos danos causados padrões técnicos, as obrigações específicas para os diversos
pelo tratamento quando descumprir as obrigações da legis- envolvidos no tratamento, as ações educativas, os mecanis-
lação de proteção de dados ou quando não tiver seguido as mos internos de supervisão e de mitigação de riscos e outros
instruções lícitas do controlador, hipótese em que o operador aspectos relacionados ao tratamento de dados pessoais. §
equipara-se ao controlador, salvo nos casos de exclusão pre- 1º Ao estabelecer regras de boas práticas, o controlador e o
vistos no art. 43 desta Lei; II - os controladores que estiverem operador levarão em consideração, em relação ao tratamen-
diretamente envolvidos no tratamento do qual decorreram to e aos dados, a natureza, o escopo, a finalidade e a probabi-
danos ao titular dos dados respondem solidariamente, salvo lidade e a gravidade dos riscos e dos benefícios decorrentes
nos casos de exclusão previstos no art. 43 desta Lei. de tratamento de dados do titular.

36
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

 Comprometimento do controlador em adotar 3.6.7. Incidente de proteção de dados


práticas e políticas internas; pessoais
 Aplicação em todo o conjunto de dados pes- Os agentes de tratamento de dados têm a
soais sob tratamento; obrigação de adotar medidas técnicas capazes
de proteger os dados pessoais de acessos não
 Adaptação à escala e volume de operações; autorizados, ou mesmo situações acidentais ou
 Transparência e participação dos titulares; ilícitas de perda, alteração comunicação, além de
demais formas de tratamento inadequado126.
 Integração com a estrutura geral de gover-
nança; Isso deve ser realizado desde a concepção do
produto ou serviço até sua execução127. Trata-se
 Planos de resposta a incidentes e remediação; do conceito de privacy by design128.

 Atualização constante125.
mecanismos de participação do titular; f) esteja integrado
a sua estrutura geral de governança e estabeleça e aplique
125 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 50 § 2º Na aplicação dos
mecanismos de supervisão internos e externos; g) conte com
princípios indicados nos incisos VII e VIII do caput do art. 6º
planos de resposta a incidentes e remediação; e h) seja atua-
desta Lei, o controlador, observados a estrutura, a escala e o
lizado constantemente com base em informações obtidas a
volume de suas operações, bem como a sensibilidade dos da-
partir de monitoramento contínuo e avaliações periódicas;
dos tratados e a probabilidade e a gravidade dos danos para
os titulares dos dados, poderá: I - implementar programa de 126 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 46. Os agentes de tra-
governança em privacidade que, no mínimo: a) demonstre tamento devem adotar medidas de segurança, técnicas e ad-
o comprometimento do controlador em adotar processos e ministrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos
políticas internas que assegurem o cumprimento, de forma não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de des-
abrangente, de normas e boas práticas relativas à proteção truição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de
de dados pessoais; b) seja aplicável a todo o conjunto de tratamento inadequado ou ilícito.”
dados pessoais que estejam sob seu controle, independen-
127 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 46. § 2º As medidas
temente do modo como se realizou sua coleta; c) seja adap-
de que trata o caput deste artigo deverão ser observadas
tado à estrutura, à escala e ao volume de suas operações,
desde a fase de concepção do produto ou do serviço até a
bem como à sensibilidade dos dados tratados; d) estabeleça
sua execução.
políticas e salvaguardas adequadas com base em processo
de avaliação sistemática de impactos e riscos à privacidade; 128 JIMENE, Camilla do Vale. “Reflexões sobre privacy by
e) tenha o objetivo de estabelecer relação de confiança com design e privacy by defaut: da idealização a positivação”
o titular, por meio de atuação transparente e que assegure in MALDONADO, Viviane Nóbrega, BLUM, Renato Ópice

37
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

É importante destacar que o agente responsável 3.7. Transferência internacional de


pelo tratamento dos dados deve garantir a dados
segurança da informação mesmo após o término
do tratamento. Verifica-se neste ponto que,
mesmo finalizado o tratamento do dado, caso este A LGPD apresenta previsão de transferência
ainda se mantenha na base de dados do agente,
internacional de dados em algumas hipóteses:
este será responsável por sua segurança.
 Para países com mesmo grau de proteção
Em caso de incidente envolvendo dados pes-
que o apresentado pela LGPD
soais que possa implicar em risco ou danos re-
levantes aos titulares, o controlador tem a obri-  Quando o controlador oferecer e comprovar
gação de comunicar os titulares envolvidos e a garantias de compliance com princípio e direi-
Autoridade Nacional. A comunicação deverá ser tos do titular, por meio de mecanismos previs-
realizada em prazo razoável, contendo:
tos na Lei, a serem propostos pela Autoridade
 Descrição e natureza dos dados envolvidos; Nacional;

 Informações sobre os titulares envolvidos;  Cooperação jurídica internacional;

 Indicação de medidas técnicas de segurança  Autorização pela Autoridade Nacional;


aplicadas, ressalvado o segredo comercial e
industrial;  Acordo de cooperação internacional;

 Quais são os riscos relacionados ao incidente;  Execução de política pública;

 Motivos da comunicação não imediata, se o  Consentimento expresso do titular;


caso;
 Cumprimento de obrigação legal, execução
 Medidas futuras para reverter ou mitigar os de contratos ou procedimentos preliminares
prejuízos129. ou exercício regular de direito em procedi-
mentos administrativos, judiciais ou arbitrais131
A Autoridade Nacional, por seu turno, poderá
tomar certas medidas, como:
caso necessário para a salvaguarda dos direitos dos titula-
 Divulgação ampla do fato; res, determinar ao controlador a adoção de providências, tais
como: I - ampla divulgação do fato em meios de comunica-
 Adoção de medidas para mitigação; ção; e II - medidas para reverter ou mitigar os efeitos do inci-
dente. § 3º No juízo de gravidade do incidente, será avaliada
 Avaliação de comprovação de que as medi- eventual comprovação de que foram adotadas medidas téc-
das técnicas adequadas foram tomadas.130 nicas adequadas que tornem os

131 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 33. A transferência inter-


(coord.). “Comentários ao GDPR: Regulamento Geral de Pro- nacional de dados pessoais somente é permitida nos seguin-
teção de Dados da União Européia” – São Paulo: Thomson tes casos: I - para países ou organismos internacionais que
Reuters Brasil, 2018. Pág. 171. proporcionem grau de proteção de dados pessoais adequa-
do ao previsto nesta Lei; II - quando o controlador oferecer e
129 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 48. O controlador deverá
comprovar garantias de cumprimento dos princípios, dos di-
comunicar à autoridade nacional e ao titular a ocorrência de
reitos do titular e do regime de proteção de dados previstos
incidente de segurança que possa acarretar risco ou dano re-
nesta Lei, na forma de: a) cláusulas contratuais específicas
levante aos titulares. § 1º A comunicação será feita em prazo
para determinada transferência; b) cláusulas-padrão contra-
razoável, conforme definido pela autoridade nacional, e deverá
tuais; c) normas corporativas globais; d) selos, certificados
mencionar, no mínimo: I - a descrição da natureza dos dados
e códigos de conduta regularmente emitidos; III - quando a
pessoais afetados; II - as informações sobre os titulares envol-
transferência for necessária para a cooperação jurídica inter-
vidos; III - a indicação das medidas técnicas e de segurança
nacional entre órgãos públicos de inteligência, de investiga-
utilizadas para a proteção dos dados, observados os segredos
ção e de persecução, de acordo com os instrumentos de di-
comercial e industrial; IV - os riscos relacionados ao incidente; V
reito internacional; IV - quando a transferência for necessária
- os motivos da demora, no caso de a comunicação não ter sido
para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular
imediata; e VI - as medidas que foram ou que serão adotadas
ou de terceiro; V - quando a autoridade nacional autorizar a
para reverter ou mitigar os efeitos do prejuízo.”
transferência; VI - quando a transferência resultar em com-
130 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 48. (...)§ 2º A autori- promisso assumido em acordo de cooperação internacional;
dade nacional verificará a gravidade do incidente e poderá, VII - quando a transferência for necessária para a execução

38
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

Nota-se que a Autoridade Nacional é elemento As entidades de encomia mista e empresas


chave para que seja autorizada a transferência públicas operarão sob o mesmo regime das em-
internacional de dados, uma vez que é atribui- presas públicas de direito privado, salvo no caso
ção desta a imposição de instrumentos de com- de execução de políticas públicas135.
provação e garantias de compatibilidade com a
LGPD, tanto mediante análise legislativa de ou- Por fim, é vedada a transferência de bases de
tros países132, como na emissão de cláusulas con- dados pessoais pelo Poder Público a entidades
tratuais padrão e selos133. privadas, salvo nos casos de:

 Necessidade de descentralização de atividade


3.8. Tratamento de dados pelo pública com fim específico;
poder público  Indicação de Encarregado;

 Previsão legal ou contratual, convênio ou con-


O tratamento de dados por entes de direito gêneres;
público deverá ser realizado tão somente de
acordo com o cumprimento de funções públicas,  Prevenção de fraudes ou segurança;
devendo o agente:
 Dados de acesso público136.
 Divulgar em veículos de fácil acesso a finalida-
de, práticas de execução e previsão respecti-
va;
vidades, em veículos de fácil acesso, preferencialmente em
 Indicar um Encarregado134
seus sítios eletrônicos; II - (VETADO); e III - seja indicado um
encarregado quando realizarem operações de tratamento de
dados pessoais, nos termos do art. 39 desta Lei.
de política pública ou atribuição legal do serviço público, sen-
do dada publicidade nos termos do inciso I do caput do art. 135 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 24. As empresas pú-
23 desta Lei; VIII - quando o titular tiver fornecido o seu con- blicas e as sociedades de economia mista que atuam em
sentimento específico e em destaque para a transferência, regime de concorrência, sujeitas ao disposto no art. 173 da
com informação prévia sobre o caráter internacional da ope- Constituição Federal, terão o mesmo tratamento dispensado
ração, distinguindo claramente esta de outras finalidades; ou às pessoas jurídicas de direito privado particulares, nos ter-
IX - quando necessário para atender as hipóteses previstas mos desta Lei. Parágrafo único. As empresas públicas e as
nos incisos II, V e VI do art. 7º desta Lei.” sociedades de economia mista, quando estiverem operacio-
nalizando políticas públicas e no âmbito da execução delas,
132 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 34. O nível de proteção
terão o mesmo tratamento dispensado aos órgãos e às enti-
de dados do país estrangeiro ou do organismo internacional
dades do Poder Público, nos termos deste Capítulo.
mencionado no inciso I do caput do art. 33 desta Lei será ava-
liado pela autoridade nacional, que levará em consideração:” 136 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 26. O uso compartilhado
de dados pessoais pelo Poder Público deve atender a finali-
133 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 35. A definição do con-
dades específicas de execução de políticas públicas e atribui-
teúdo de cláusulas-padrão contratuais, bem como a verifi-
ção legal pelos órgãos e pelas entidades públicas, respeita-
cação de cláusulas contratuais específicas para uma deter-
dos os princípios de proteção de dados pessoais elencados
minada transferência, normas corporativas globais ou selos,
no art. 6º desta Lei. § 1º É vedado ao Poder Público transferir
certificados e códigos de conduta, a que se refere o inciso II
a entidades privadas dados pessoais constantes de bases de
do caput do art. 33 desta Lei, será realizada pela autoridade
dados a que tenha acesso, exceto: I - em casos de execução
nacional.”
descentralizada de atividade pública que exija a transferên-
134 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 23. O tratamento de cia, exclusivamente para esse fim específico e determinado,
dados pessoais pelas pessoas jurídicas de direito público re- observado o disposto na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de
feridas no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 12.527, de 18 de 2011 (Lei de Acesso à Informação); II - (VETADO); III - se for
novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), deverá ser indicado um encarregado para as operações de tratamento
realizado para o atendimento de sua finalidade pública, na de dados pessoais, nos termos do art. 39; IV - quando houver
persecução do interesse público, com o objetivo de executar previsão legal ou a transferência for respaldada em contra-
as competências legais ou cumprir as atribuições legais do tos, convênios ou instrumentos congêneres; V - na hipótese
serviço público, desde que: I - sejam informadas as hipóteses de a transferência dos dados objetivar a prevenção de frau-
em que, no exercício de suas competências, realizam o tra- des e irregularidades, ou proteger e resguardar a segurança
tamento de dados pessoais, fornecendo informações claras e a integridade do titular dos dados; ou VI - nos casos em
e atualizadas sobre a previsão legal, a finalidade, os procedi- que os dados forem acessíveis publicamente, observadas as
mentos e as práticas utilizadas para a execução dessas ati- disposições desta Lei.”

39
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

3.9. Autoridade nacional de  Órgão de assessoramento jurídico próprio; e


Proteção de Dados  Unidades administrativas e unidas especiali-
zadas138.
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados Destaca-se que, dentre os membros do Con-
(“ANPD”), inicialmente vetada do texto original selho Nacional de Proteção de Dados, constam
da LGPD foi reintroduzida pela Medida Provisória entidades da sociedade civil, científicas e até
869/2018. mesmo do setor empresarial139, visando o enga-
jamento de toda a sociedade na participação de
Destacamos que, diante da necessidade de
conversão desta última em lei por processo le-
gislativo, o disposto neste item poderá, eventual- 138 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 55-C. ANPD é com-
mente, sofrer alterações. posta por: I - Conselho Diretor, órgão máximo de direção;
II - Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da
A ANDP foi criada como um órgão da admi- Privacidade; III - Corregedoria; IV - Ouvidoria; V - órgão de
nistração pública federal, vinculada à Presidência assessoramento jurídico próprio; e VI - unidades administra-
da República137. Sua composição se dá mediante tivas e unidades especializadas necessárias à aplicação do
os seguintes órgãos: disposto nesta Lei.”

 Conselho Diretor; 139 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 58-A. O Conselho Na-
cional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade será
 Conselho Nacional de Proteção de Dados; composto por vinte e três representantes, titulares suplentes,
dos seguintes órgãos: I - seis do Poder Executivo federal; II
 Corregedoria; - um do Senado Federal; III - um da Câmara dos Deputados;
IV - um do Conselho Nacional de Justiça; V - um do Conse-
 Ouvidoria; lho Nacional do Ministério Público; VI - um do Comitê Gestor
da Internet no Brasil; VII - quatro de entidades da sociedade
civil com atuação comprovada em proteção de dados pes-
137 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 55-A. Fica criada, sem soais; VIII - quatro de instituições científicas, tecnológicas e
aumento de despesa, a Autoridade Nacional de Proteção de de inovação; e IX - quatro de entidades representativas do
Dados - ANPD, órgão da administração pública federal, inte- setor empresarial relacionado à área de tratamento de dados
grante da Presidência da República. pessoais.”

40
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

políticas públicas e produção de normas infra  Editar normas referentes a transferência inter-
legais voltadas ao tema da proteção de dados nacional de dados141
pessoais.

São as principais funções da ANPD: 3.9.1. Sanções aplicáveis

 Zelar pela proteção de dados pessoais; Em função do exercício de atividades de tra-


tamento de dados pessoais, os agentes de tra-
 Editar normas e procedimentos; tamento estão sujeitos à aplicação de sanções
administrativas, sem prejuízo de eventuais inde-
 Realizar consultas públicas; nizações já mencionadas no Item 3.6.5 e de ou-
tras previstas na legislação aplicável mencionada
 Articular-se com entidades reguladoras públi- no Item 1, acima.
cas;
As sanções serão aplicadas com exclusividade
 Deliberar administrativamente sobre a inter- pela Autoridade Nacional142, sendo as seguintes:
pretação da Lei; e
 Advertência, com estipulação de prazos para
 Fiscalizar e aplicar sanções140; tomada de medidas corretivas;

 Multa simples de até 2% do faturamento da


140 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 55-J. Compete à ANPD:
pessoa jurídica de direito privado, grupo ou
I - zelar pela proteção dos dados pessoais; II - editar nor- conglomerado no Brasil em seu último exercí-
mas e procedimentos sobre a proteção de dados pessoais; cio, excluídos os tributos, limitada ao total de
III - deliberar, na esfera administrativa, sobre a interpretação R$ 50.000.000,00 por infração;
desta Lei, suas competências e os casos omissos; (...)VI - fis-
calizar e aplicar sanções na hipótese de tratamento de dados
141 Vide Item 3.7.
realizado em descumprimento à legislação, mediante pro-
cesso administrativo que assegure o contraditório, a ampla 142 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 55-K. A aplicação das
defesa e o direito de recurso; XV - articular-se com as autori- sanções previstas nesta Lei compete exclusivamente à ANPD,
dades reguladoras públicas para exercer suas competências cujas demais competências prevalecerão, no que se refere à
em setores específicos de atividades econômicas e governa- proteção de dados pessoais, sobre as competências correla-
mentais sujeitas à regulação; tas de outras entidades ou órgãos da administração pública.”

41
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

 Multa diária, observado o limite descrito acima;  Condição econômica do infrator;

 Bloqueio dos dados pessoais aos quais se re-  Reincidência;


fere à infração;
 Grau de dano;
 Eliminação dos dados pessoais aos quais se  Cooperação do infrator;
refere a infração.143
 Adoção de política de boas práticas e gover-
Uma vez aferida a necessidade de aplicação nança;
de sanção em processo administrativo próprio, a
penalidade será aplicada de acordo com o caso  Adoção de medidas corretivas;
concreto, levando-se em consideração os se-  Proporcionalidade entre a gravidade da falta
guintes elementos: e intensidade da sanção.

 Gravidade e natureza da infração Dessa forma, é possível verificar que a adoção


de boas práticas de governança em proteção de
 Boa-fé do infrator; dados, e o acompanhamento de padrões técni-
cos pertinentes ao setor de atuação de cada um
 Vantagem auferida pelo infrator;
dos agentes de tratamento poderá vir a consti-
tuir um fator mitigador das penas eventualmente
143 Lei Federal nº 13.709/2018: “Art. 52. Os agentes de tra- aplicáveis.
tamento de dados, em razão das infrações cometidas às nor-
mas previstas nesta Lei, ficam sujeitos às seguintes sanções
administrativas aplicáveis pela autoridade nacional: I - ad- 3.10. Conclusões
vertência, com indicação de prazo para adoção de medidas
corretivas; II - multa simples, de até 2% (dois por cento) do
faturamento da pessoa jurídica de direito privado, grupo ou A proteção do direito constitucional à privaci-
conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos os
dade evoluiu juntamente com a sociedade, dan-
tributos, limitada, no total, a R$ 50.000.000,00 (cinquenta
do origem à ramificação autônoma da proteção
milhões de reais) por infração; III - multa diária, observado
o limite total a que se refere o inciso II; IV - publicização da
de dados pessoais.
infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocor-
Tal derivação evoluiu paulatinamente na le-
rência;
V - bloqueio dos dados pessoais a que se refere a infração gislação e jurisprudência brasileiras, atingindo o
até a sua regularização; VI - eliminação dos dados pessoais status de autodeterminação informativa. É neste
a que se refere a infração; VII - (VETADO); VIII - (VETADO); contexto, nacional e internacional, que surge a
IX - (VETADO).” Lei Geral de Proteção de Dados, cuja entrada em

42
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

vigor de direitos e obrigações relevantes a titu- tividade e qualidade, com uma relevante aproxi-
lares de dados e agentes de tratamento dar-se-á mação entre os negócios e seus stakeholders144.
em 16 de agosto de 2020.

Nos termos da LGPD, todos aqueles que rea- Referências:


lizam o tratamento de dados pessoais com fins
econômicos deverão passar a nortear o design Brasil, Constituição Federal do Brasil. Disponível
de seus produtos e serviços, a execução de suas em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Cons-
atividades, processos internos e políticas já le- tituicao/Constituicao.htm - acesso em 22 de
vando em consideração os aspectos afetos à março de 2019.
privacidade e proteção dos titulares de dados Brasil, Decreto Federal nº 8.771, de 11 de maio de
pessoais. Quaisquer empresas que realizem tra- 2016. Disponível em http://www.planalto.gov.
tamento de dados pessoais de clientes, parcei- br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2016/Decreto/
ros e até mesmo empregados deverão estar em D8771.htm. Acesso em 22 de março de 2019.
compliance com a LGDP até o dia 16 de agosto
Brasil, Lei Federal nº 7.323, de 29 de outubro de
de 2020.
1984. Disponível em http://www.planalto.gov.br/
Para tanto, controladores e operadores, tanto ccivil_03/leis/1980-1988/L7238.htm. Acesso em
no âmbito interno quanto em nível setorial, pre- 22 de março de 2019.
cisarão realizar relevantes alterações em suas Brasil, Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de
próprias práticas, com especial atenção aos 1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br/
princípios da finalidade, adequação, livre acesso, ccivil_03/leis/L8078.htm . Acesso em 22 de mar-
transparência, e responsabilização e prestação ço de 2019.
de contas.
Brasil, Lei Federal nº 9.507, de 12 de novembro
Diante desses pontos, é possível concluir que de 1997. Disponível em http://www.planalto.gov.
estamos diante de um processo de transição, br/ccivil_03/LEIS/L9507.htm. Acesso em 22 de
vantajoso não somente aos titulares de dados março de 2019.
pessoais, mas que também representa uma jane-
la de oportunidade aos agentes de tratamento. 144 KARNIK, Almitra. “The Rise of the Data-Drive Marketer:
Whay It’s Beneficial and How to Hider One”. Disponível em
Estes passarão de uma cultura focada em coleta
https://www.forbes.com/sites/forbescommunicationscoun-
de dados sem qualquer finalidade imediata e de cil/2018/03/05/the-rise-of-the-data-driven-marketer-why-i-
baixa qualidade, para a chamada “data-driven”, ts-beneficial-and-how-to-hire-one/#7a6e4459490d – acesso
que se foca na coleta de dados de maior asser- em 22 de março de 2018

43
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

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2002. Disponível em http://www.planalto.gov. online-profiling-federal-trade-commission-re-
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bro de 2011. Disponível em http://www.planalto.
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F/?uri=CELEX:32016R0679&from=EN – acesso Disponível em https://www.forbes.com/sites/
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44
O Sistema de Proteção de Dados no Brasil

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Proteção de Dados e Defesa do Consumidor –
Linhas Gerais de Um novo Direito Fundamental.
São Paulo: Saraiva, 2014 – Série IDP: linha pesqui-
sa acadêmica.

MENKE, Fabiano. “A proteção dedados e o novo Sobre o autor


direito fundamental À garantia da confidenciali-
dade e da integridade dos sistemas técnico-in- Lucas Macedo de Magalhães é
advogado formado pela Faculdade de
formacionais no direito alemão” in MENDES, Gil-
Direito de São Bernardo do Campo,
mar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; COELHO,
pós-graduando em Direito Empresarial
Alexandre Zavaglia (coord.). Direito, Inovação e pelo Insper – Instituto de Ensino e
Tecnologia - Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2017. Pesquisa, formado em Novo Código
de Processo Civil pela Escola Paulista
PINHEIRO, Patrícia Peck. Proteção de dados pes-
de Direito, em Direito dos Negócios da
soais: comentários à Lei n. 13.709/2018 (LGPD) / Internet pela Fundação Getúlio Vargas,
Patrícia Peck Pinheiro. – São Paulo: Saraiva Edu- e em Proteção de Dados e Privacidade
cação, 2018. pelo Insper – Instituto de Ensino e
Pesquisa. Atua em Direito Empresarial,
SAUAIA, Hugo Moreira Lima. A proteção dos da- com ênfase em temas de tecnologia,
dos pessoais no Brasil – Rio de Janeiro: Lumen inovação, Proteção de Dados e mercado
Juris, 2019. Não paginado. de Venture Capital. É membro do Grupo
de Estudos de Proteção de Dados e
VAINZOF, Rony. “Dados pessoais, tratamento e Privacidade da Associação Nacional
princípios” in MALDONADO, Viviane Nóbrega, de Hospitais Privados (“ANAHP”) e
BLUM, Renato Ópice (coord.). “Comentários ao do Grupo de Trabalho de Proteção de
GDPR: Regulamento Geral de Proteção de Dados Dados e Privacidade da Associação
da União Europeia” – São Paulo: Thomson Reu- Brasileira de Medicina Diagnóstica
ters Brasil, 2018. (“ABRAMED”).

Superior Tribunal de Justiça – Recurso Espe-


cial: 1630889 DF 2016/0263665-1, Relator: Mi-
nistra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento:
11/09/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Pu-
blicação: DJe 21/09/2018.

45
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

1. Introdução

O
crescimento do uso da internet, das gran-
des redes e dos sistemas de informação
tem mudado a forma como as mais diver-
sas atividades humanas são realizadas. Um dos
grandes fatores que justificam essa revolução é o
crescimento exponencial no tratamento e com-
partilhamento de dados.

O intercâmbio de dados é realizado para as mais


diversas finalidades, como no caso de empresas
privadas que adquirem grande quantidade
de banco de dados pessoais para estudar a
assertividade no lançamento de um novo produto
ou serviço, com base no perfil dos indivíduos que
a empresa tem interesse em prospectar.

Na área da saúde não é diferente, especial-


mente nas grandes estruturas, com coleta de
dados em proporções elevadas, que viabilizam
a comparação de dados de saúde de indivíduos
nas mais diversas localidades e revisões do trata-
mento assistencial proposto.

Pode-se dizer que a coleta de dados na saúde


e sua comparabilidade fomentará uma revisão
constante de protocolos clínicos e dos tratamen-
tos propostos, conforme a faixa etária, o sexo, a
idade e demais características que se considere
relevante.

A congregação de resultados de exames de


imagens, por exemplo, tem permitido diagnósti-
cos mais corretos do que aqueles realizados por
profissionais médicos experientes, incapazes de
processar milhares de resultados de exames em pela Comissão Intergestores Tripartite, poderá
um mesmo momento. continuar sendo aplicado da mesma forma? As
Operadoras de Planos Privados de Assistência à
Se a captação e tratamento de dados em ou-
Saúde (“OPS”), prestadores de serviços e ANS
tros setores proporciona melhoria dos resultados
poderão continuar trocando dados?
e eficiência, no setor da saúde não é diferente,
mas há sempre a sensibilidade do enfoque pois Como será demonstrado neste artigo, a Ad-
a atuação é sempre orientada pelo direito à vida. ministração Pública é, sem sombra de dúvidas,
Paralelamente, temos o direito à privacidade do a maior detentora de dados sensíveis dos usuá-
paciente, da escolha e participação no melhor rios dos serviços, seja no âmbito do SUS, seja na
tratamento. Saúde Suplementar. Esse, certamente, é o pon-
to mais crítico para os integrantes da cadeia da
Esses aspectos fazem com que o setor da saú-
saúde, pois em caso de vazamento poderão ser
de seja revestido de peculiaridades no que se
chamados a dar explicações, mesmo que este
refere à coleta e tratamento de dados. Poderão,
decorra de falha do próprio Poder Público.
os agentes do Sistema Único de Saúde (“SUS”),
coletar esses dados, anomizá-los e utilizá-los Neste trabalho, apresentamos as hipóteses em
na adequação da política pública de saúde? O que os dados pessoais dos titulares poderão ser
Conjunto Mínimo de Dados, instituído em 2016 tratados, trazemos uma pequena amostra das nor-

48
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

2. Normativas existentes
acerca da proteção e
compartilhamento de dados
pessoais
O compartilhamento de dados em saúde é es-
sencial para reduzir os custos assistenciais, seja
ao disponibilizar dados mínimos do paciente aos
que integram a cadeia de assistência à saúde,
seja para viabilizar um tratamento mais assertivo.
Diante desse cenário, ao longo dos anos foram
editadas normas e instituídos critérios técnicos
para o compartilhamento de dados nos sistemas
de saúde vigentes no país: o SUS, a Saúde Suple-
mentar e a Saúde Privada.

A seguir, analisamos as principais normativas


vigentes com relação ao tema no âmbito do Mi-
nistério da Saúde (“MS”), da Agência Nacional de
Saúde Suplementar (“ANS”) e do Conselho Fe-
deral de Medicina (“CFM”).

2.1. Ministério da Saúde (“MS”)

2.1.1. Operacionalização e Implementação


dos Padrões de Informação no âmbito do
SUS
De acordo com a Lei Federal nº 8.080/19901, o
SUS é o conjunto de ações e serviços de saúde,
prestados por órgãos e instituições públicas fe-
mas em vigor e que serão afetadas pela Lei Geral derais, estaduais e municipais, da Administração
de Proteção de Dados (“LGPD”), além dos desa- direta e indireta.
fios enfrentados pelos agentes da cadeia da saúde
na implementação das obrigações dispostas. A Lei preceitua que a assistência à saúde é livre à
iniciativa privada, que poderá participar do SUS em
A LGPD foi publicada em agosto de 2018 e en-
trará em vigor em agosto de 2020. Não obstante,
ao tempo da redação do presente artigo, ainda 1 Lei nº 8.080, de 19 ade setembro de 1990.
não havia sido aprovada a Medida Provisória nº Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados
869/2018 (“MP nº869/2018”), que alterou diver- por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e mu-
sos pontos da lei e criou a Autoridade Nacional nicipais, da Administração direta e indireta e das fundações
de proteção de Dados (“ANDP”), estabelecendo mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de
a sua composição e competências. Saúde (SUS).
§ 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições
Desta maneira, este artigo é o ponto de parti- públicas federais, estaduais e municipais de controle de qua-
da de discussões acerca do tema, tendo em vis- lidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, in-
ta o grande desconhecimento da legislação em clusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para
causa e as divergências interpretativas quanto às saúde.
muitas questões e dispositivos. § 2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único
de Saúde (SUS), em caráter complementar.

49
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

caráter complementar, mediante contrato ou con- saúde; (ii) a estruturação de informações refe-
vênio, observadas as normas de direito público2. rentes aos atendimentos prestados aos usuários
do SUS, visando à implementação de um Regis-
Desta maneira, para padronizar a troca de in-
tro Eletrônico de Saúde (“RES”) e, (iii) a definição
formações tanto pela Administração Pública,
do conjunto de mensagens e serviços a serem
quanto pelas entidades privadas, de modo a as-
utilizados na comunicação entre os sistemas de
segurar o acesso universal e igualitário às ações
informação em saúde.
e aos serviços de saúde, o Ministério da Saúde
instituiu regras para os Sistemas de Informação, A interoperabilidade entre os sistemas é via-
sendo que grande parte de suas disposições po- bilizada mediante a tecnologia Web Service, no
dem ser encontradas na Portaria de Consolida- padrão Simple Object Access Protocol (“SOAP”)
ção nº 01, de 28 de setembro de 2017 (“Portaria”). 1.1 ou superior. Não obstante, para garantir a se-
gurança e a integridade no compartilhamento
Na referida Portaria, há um capítulo específico
dos dados, será adotado o padrão Web Servi-
regulamentando o uso de padrões, informações
ce-Security para criptografia e assinatura digital
em saúde e de interoperabilidade entre os siste-
das informações4. O Departamento de Informáti-
mas de informação do SUS, nos níveis municipal,
ca do SUS (“DATASUS”) será o responsável pela
distrital, estadual e federal, abarcando também
publicação de possível alteração no padrão de
os sistemas privados e de saúde suplementar3. O
segurança acima indicado.
objetivo é permitir o compartilhamento de infor-
mações em saúde e a cooperação de todos os
profissionais, estabelecimentos de saúde e de- 2.1.2. Sistemas de Informação da Atenção à
Saúde
mais envolvidos na atenção à saúde prestada ao
usuário do SUS. A Portaria estabelece que o sistema de infor-
mação que permitirá a identificação dos usuários
Dentre os principais itens na instituição de sis- das ações e serviços em todo o território nacio-
temas de informação, destacam-se: (i) a criação nal será realizado por meio do Sistema Cartão
e padronização de codificação de dados, de for- Nacional de Saúde (“Sistema Cartão”)5.
ma a tornar célere o acesso a informações rele- Podem ser elencados diversos benefícios acer-
vantes e fidedignas ao usuário dos serviços de ca da unificação da vinculação de um usuário do
SUS ao Sistema Cartão, dentre os quais pode-
mos destacar: (i) a apuração do perfil epidemio-
2 Lei nº 8.080, de 19 ade setembro de 1990. lógico dos usuários de acordo com o seu domicí-
Art. 21. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. lio residencial, (ii) a possibilidade de o usuário ter
(...) acesso aos seus dados de forma unificada e, (iii)
Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes a garantia de que os dados pessoais dos usuários
para garantir a cobertura assistencial à população de uma sejam tratados de forma a respeitar os princípios
determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá constitucionais da intimidade, da integralidade
recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada. das informações e da confidencialidade.
Parágrafo único. A participação complementar dos serviços
privados será formalizada mediante contrato ou convênio,
observadas, a respeito, as normas de direito público. 4 Portaria de Consolidação nº 1, de 28 de setembro de 2017
ANEXO II - CATÁLOGO DE SERVIÇOS E CATÁLOGO DE PA-
3 Portaria de Consolidação nº 1, de 28 de setembro de 2017
DRÕES DE INFORMAÇÃO (Origem: PRT MS/GM 2073/2011,
Art. 230. Este Capítulo regulamenta o uso de padrões de in-
Anexo 1)
formação em saúde e de interoperabilidade entre os sistemas
de informação do SUS, nos níveis municipal, distrital, estadual 5 Portaria de Consolidação nº 1, de 28 de setembro de 2017
e federal, e para os sistemas privados e de saúde suplemen- Art. 255. Esta Seção regulamenta o Sistema Cartão Nacio-
tar. (Origem: PRT MS/GM 2073/2011, Art. 1º) nal de Saúde (Sistema Cartão), no âmbito das ações e ser-
Parágrafo Único. Os padrões de interoperabilidade e de infor- viços de saúde no território nacional. (Origem: PRT MS/GM
mação em saúde são o conjunto mínimo de premissas, políti- 940/2011, Art. 1º)
cas e especificações técnicas que disciplinam o intercâmbio Art. 256. O Sistema Cartão é um sistema de informação de
de informações entre os sistemas de saúde municipais, dis- base nacional que permite a identificação unívoca dos usuá-
trital, estaduais e federal, estabelecendo condições de inte- rios das ações e serviços de saúde, com atribuição de um
ração com os entes federativos e a sociedade. (Origem: PRT número único válido em todo o território nacional. (Origem:
MS/GM 2073/2011, Art. 1º, Parágrafo Único) PRT MS/GM 940/2011, Art. 2º)

50
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

A soma dessa vasta base de informações e da- guarda, segurança e confidencialidade dos da-
dos dos usuários do SUS compõem a Base Na- dos gerados e tratados7.
cional de Dados dos Usuários das Ações de Ser-
viços de Saúde (“Base de Dados”). Esses dados Para garantir a responsabilização por possíveis
vazamentos de dados, bem como identificar o
poderão ser compartilhados entre os entes fede-
profissional que disponibiliza incorretamente as
rativos e demais órgãos que executem políticas
informações que lhe foram transmitidas, a Por-
públicas, desde que as normas de segurança da taria vincula o acesso aos dados individualizados
informação sejam respeitadas. dos usuários do SUS à identificação obrigatória
do profissional, trabalhador ou agente, inclusive
O DATASUS é o responsável por administrar
com indicação de horário, data e local de acesso8.
a Base de Dados e disponibilizar os mecanismos
automatizados de interoperabilidade do Sistema A Portaria de Consolidação nº 01/2017, previu
Cartão, ou seja, está encarregado de proporcio- uma série de critérios e requisitos que deverão ser
nar um sistema que possibilite a transferência de cumpridos por todos os envolvidos na cadeia. A
informações para outros sistemas utilizados pelo título exemplificativo, citamos o nível de seguran-
poder público, privado contratado e de saúde ça mínimo que deverá ser observado para possi-
suplementar. bilitar a transmissão de dados de saúde, o órgão
responsável pelo armazenamento e a necessida-
Por sua vez, os níveis de segurança e as regras de de individualização da responsabilização do
técnicas para o compartilhamento dos dados é agente público ou privado que teve acesso aos
definido pela Comissão Intergestores Tripartite dados, no caso de uma possível infração.
(“CIT”), que é o foro de negociação e pactuação
Portanto, em que pese as normas e princípios
entre gestores quanto os aspectos operacionais,
do SUS terem sido editados anteriormente a
financeiros e administrativos do SUS, de acordo
LGPD, é imperioso afirmar que tais normativas
com a redação da Lei Federal nº 8.080/906. deverão se coadunar com a LGPD, especialmen-
te no que se refere ao processamento das infor-
Tendo em vista o caráter sensível dados cons-
mações, pois, de um modo geral, já há garantia à
tantes na Base de Dados, os dados pessoais cap-
privacidade dos dados dos usuários.
tados através do Sistema Cartão somente podem
ser compartilhados se observados os critérios de
segurança devidamente definidos. 2.2. Agência Nacional de Saúde
Os gestores do SUS, os prestadores de servi-
Suplementar (“ANS”)
ços contratados, conveniados e as pessoas jurí-
dicas de direito privado que operam planos de A ANS, instituída pela Lei nº 9.961/2000, é a
assistência à saúde, serão responsabilizados pela agência reguladora responsável pela regulação da
saúde suplementar. Essa autarquia especial nor-
matiza, controla e fiscaliza as atividades das Ope-
6 Lei nº 8.080, de 19 ade setembro de 1990.
Art. 14-A. As Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite
radoras de Planos Privados de Assistência à Saú-
são reconhecidas como foros de negociação e pactuação en- de e tem campo de atuação mais restrito quando
tre gestores, quanto aos aspectos operacionais do Sistema se trata de prestadores de serviços de saúde.
Único de Saúde (SUS). Parágrafo único. A atuação das Co-
missões Intergestores Bipartite e Tripartite terá por objetivo:
7 Portaria de Consolidação nº 1, de 28 de setembro de
I - decidir sobre os aspectos operacionais, financeiros e admi-
2017Art. 283, da Portaria de Consolidação SUS nº 01/2017
nistrativos da gestão compartilhada do SUS, em conformida-
de com a definição da política consubstanciada em planos de 8 Portaria de Consolidação nº 1, de 28 de setembro de 2017
saúde, aprovados pelos conselhos de saúde; Art. 287. O acesso aos dados individualizados dos usuários
II - definir diretrizes, de âmbito nacional, regional e intermu- do SUS deverá ser controlado mediante o atendimento de to-
nicipal, a respeito da organização das redes de ações e ser- dos os seguintes requisitos: (Origem: PRT MS/GM 940/2011,
viços de saúde, principalmente no tocante à sua governança Art. 34)
institucional e à integração das ações e serviços dos entes I - identificação obrigatória do profissional, trabalhador ou
federados; agente de saúde que o acessar; e (Origem: PRT MS/GM
III - fixar diretrizes sobre as regiões de saúde, distrito sanitá- 940/2011, Art. 34, I)
rio, integração de territórios, referência e contrarreferência e II - local, data e horário do acesso realizado, ou de sua tentati-
demais aspectos vinculados à integração das ações e servi- va, mesmo que sem sucesso. (Origem: PRT MS/GM 940/2011,
ços de saúde entre os entes federados. Art. 34, II)

51
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

solução Normativa nº 305/2012 (“RN 305/2012”)


estabeleceu parâmetros para a Troca de Infor-
mações na Saúde Suplementar (“TISS”).

O TISS é o padrão obrigatório para as trocas


eletrônicas de dados de atenção à saúde dos be-
neficiários de planos, entre os agentes da Saúde
Suplementar.

Dentre as finalidades do TISS9, destacamos:

 a padronização das ações administrativas de


verificação, solicitação, autorização, cobrança
demonstrativos de pagamento e recursos de
glosa;

 subsidiar as ações da ANS de avaliação e


acompanhamento econômico, financeiro e
assistencial das OPS;

 compor o registro eletrônico dos dados de


atenção à saúde entre as OPS, prestadores de
serviço de saúde, o beneficiário de plano pri-
vado de assistência à saúde e a própria ANS.

A troca de informações na Saúde Suplementar


é realizada de forma eletrônica. Assim, a ANS
preceitua que um dos componentes do TISS é a
segurança e a privacidade de modo a estabele-
cer os requisitos de proteção dos dados de aten-
É de competência da ANS, o estabelecimento ção à saúde.
de critérios, responsabilidades, obrigações e nor- Para que haja padronização nessa transmis-
mas de procedimento para a garantia dos direi- são de dados e, em especial, na terminologia que
tos dos beneficiários. será utilizada pelos controladores, a ANS precei-
tua que o conjunto de termos para identificar os
No tocante ao armazenamento de dados e ao
itens assistenciais na saúde suplementar serão
compartilhamento de informações, são atribui-
consolidados na Terminologia Unificada da Saú-
ções da ANS:
de Suplementar (“TUSS”).
 proceder à integração de informações com os
Pelo exposto, verificamos que antes mesmo
bancos de dados do SUS;
da edição da LGPD o setor da saúde suplemen-
 tequisitar o fornecimento de informações às tar já era pautado pelos princípios constitucio-
operadoras de planos privados de assistên- nais de privacidade e intimidade, inclusive tra-
cia à saúde, bem como da rede prestadora de tando de níveis de segurança da informação e
serviços a elas credenciadas. a regulamentação de ferramentas de tecnologia
da informação.
Assim como no SUS, o compartilhamento de
informações é indispensável para que os serviços Obviamente o setor será fortemente impacta-
ofertados pelas Operadoras de Planos Privados do com as obrigações dispostas na LGPD, prin-
de Assistência à Saúde possam ser prestados a cipalmente no tocante ao direito de o usuário do
seus beneficiários. sistema ter informações sobre o uso de seus da-
dos. Em que pese tal circunstância, com relação
Nesse sentido, para facilitar a operacionaliza-
ção desta intensa troca de informações entre 9 Artigo 3º da Resolução Normativa nº 305, de 09 de outu-
Operadoras e os prestadores de assistência à bro de 2012.
saúde de maneira ampla, a ANS, por meio da Re-

52
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

ao nível de segurança e a padronização de infor- está, obviamente, dentro das atribuições confe-
mações o setor, com certeza, já há diretrizes e ridas pelo legislador ao CFM. Contudo, ao esmiu-
sistemas definidos e amplamente difundidos. çar detalhes técnicos, entendemos que há uma
extrapolação das atribuições conferidas pelo le-
gislador ordinário.
2.3. Conselho Federal de Medicina
(“CFM”) Por muitos anos, outros órgãos da Adminis-
tração Pública não editaram normas sobre esses
aspectos, de modo que as resoluções expedidas
O CFM é um órgão com atribuições de fisca- pelo CFM acabaram, ao menos num primeiro
lização e normatização da prática médica, es- momento, servindo de base para a orientação ao
pecialmente no que se refere à ética profissio- sigilo das informações etc.
nal10. Mais recentemente, com e edição da Lei nº
12.842/2013, mais conhecida como “Lei do Ato É o que ocorre, por exemplo, com a Resolução
Médico”, também foi conferida ao CFM a compe- CFM nº 1.821/200711. Na época da publicação da
tência para “para definir o caráter experimental referida Resolução, a intenção do CFM era nor-
de procedimentos em Medicina, autorizando ou matizar o prontuário eletrônico do paciente, em
vedando a sua prática pelos médicos”. especial os níveis de segurança que deveriam ser
observados para o armazenamento e a transmis-
A despeito da evidente limitação da atuação são de informações, de modo a preservar a pri-
normativa do CFM, muitas normas da autarquia vacidade do paciente e o sigilo profissional.
tratam de questões operacionais, inclusive o Ní-
vel de Segurança a ser ofertado no ambiente de A Resolução CFM nº 1.821/2007 autorizou que
prontuários eletrônicos. os prontuários fossem digitalizados, eliminando
a obrigatoriedade do registro em papel, desde
De fato, a garantia do sigilo das informações que o armazenamento dos documentos obede-
do paciente é uma orientação de natureza ética e cesse a requisitos específicos e fosse constan-
temente avaliado pela Comissão de Revisão de
Prontuários.
10 Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, art . 5º São atri-
buições do Conselho Federal:
(...)
d) votar e alterar o Código de Deontologia Médica, ouvidos 11 Resolução CFM nº 1.821/2007 – Publicada no Diário Oficial
os Conselhos Regionais; da União em 23 de novembro de 2007.

53
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

Esses arquivos digitais oriundos da digitaliza-


ção dos documentos do prontuário dos pacientes
devem ser controlados por sistema especializa-
do de gerenciamento eletrônico de documentos,
que tenha, minimamente, as seguintes caracte-
rísticas12:

Capacidade de utilizar base de dados adequa-


da para o armazenamento dos arquivos digitali-
zados;

Método de indexação que permita criar um ar-


quivamento organizado, possibilitando a pesqui-
sa de maneira simples e eficiente;

Obediência aos requisitos do “Nível de garan-


tia de segurança 2 (“NGS2”)

A Resolução CFM nº 1.821/2007 impõe a guar-


da permanente do prontuário do paciente, no
Novamente é possível vislumbrar que a ausên-
caso de o documento ter sido gerado de forma
cia de uma legislação geral sobre proteção de
eletrônica, ou, ainda, na hipótese de o prontuário
dados fez com que os Órgãos normatizassem a
em papel ter sido microfilmado. Por sua vez, os
matéria de maneira setorizada, antes da a entra-
prontuários em papel deverão ser mantidos pelo
da em vigor da LGPD.
prazo de 20 (vinte) anos.

O CFM, há mais de dez anos, já prevê a


necessidade de utilização de níveis mínimos 3. Análise da Lei Geral de
de segurança para o armazenamento e Proteção de Dados (“LGDP”)
compartilhamento de dados de saúde, em
especial, os prontuários médicos. A despeito da
no tocante ao setor da
boa intenção do referido Conselho, entendemos saúde.
que há clara extrapolação de sua competência
de reger a ética médica.
3.1. Hipóteses de Tratamento Dados
Sensíveis
12 da Resolução CFM nº 1.821/2007: Art. 2ºAutorizar a
digitalização dos prontuários dos pacientes, desde De início, conforme indicado no Capítulo I, a
que o modo de armazenamento dos documentos di-
LGPD diferenciou dado pessoal e dado pessoal
gitalizados obedeça a norma específica de digitalização
sensível, sendo o primeiro compreendido como a
contida nos parágrafos abaixoe, após análise obrigató-
ria da Comissão de Revisão de Prontuários, as normas
informação relacionada à pessoa natural identifi-
da Comissão Permanente de Avaliação de Documentos cada ou identificável e o segundo, como o “dado
da unidade médico-hospitalar geradora do arquivo. § 1ºOs pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção
métodos de digitalização devem reproduzir todasas infor- religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou
mações dos documentos originais. § 2ºOs arquivos digitais a organização de caráter religioso, filosófico ou
oriundos da digitalização dos documentos do prontuário político, dado referente à saúde ou à vida sexual,
dos pacientes deverão ser controlados por sistema es- dado genético ou biométrico, quando vinculado
pecializado (Gerenciamento eletrônico de documentos a uma pessoa natural”13
-GED), que possua, minimamente, as seguintes característi-
cas: a) Capacidade de utilizar base de dados adequada De acordo com a definição acima, o dado
para o armazenamento dos arquivos digitalizados; b) Mé- pessoal referente à saúde deve ser classificado
todo de indexação que permita criar um arquivamento como dado sensível, sendo suas hipóteses de
organizado, possibilitando a pesquisa demaneira simples e
tratamento de dados distintas.
eficiente; c) Obediência aos requisitos do “Nível de garantia
de segurança 2 (NGS2)”, estabelecidos no Manual de Certifi-
cação para Sistemas de Registro Eletrônico e em Saúde 13 Artigo 5º, II, da Lei Federal nº 13.709, de 14 agosto de 2018

54
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

“Caso haja a necessidade de se obter o


consentimento do titular para realizar o tratamento
de dados pessoais sensíveis, a LGPD dispõe que
este consentimento deverá ser uma manifestação
livre, informada e inequívoca”

Entende-se por tratamento de dados toda a ser realizado de forma genérica ou para finalida-
operação realizada com dados pessoais, tais des não especificadas. Trata-se, como podemos
como: coleta, produção, classificação, arquiva- verificar, de disposição mais restritiva do que o
mento, eliminação14. Podemos verificar, portanto, tratamento de dados pessoais.
que a LGPD trouxe um entendimento amplo na
conceituação de tratamento de dados pessoais, Deste modo, caso haja a necessidade de se
pois parte da coleta e termina em seu descarte, obter o consentimento do titular para realizar o
englobando todas as possibilidades de manipu- tratamento de dados pessoais sensíveis, a LGPD
lação dos dados, independentemente do meio dispõe que este consentimento deverá ser uma
utilizado. manifestação livre, informada e inequívoca pela
qual o titular concorda com o tratamento de
No tocante às hipóteses de tratamento de da- seus dados pessoais para uma finalidade deter-
dos pessoais sensíveis, a LGPD em seu artigo 11 minada15.
preceitua que poderá ocorrer de duas formas:
(i) com o consentimento do titular; ou (ii) sem Nessa linha, o titular dos dados deverá ter
o fornecimento do consentimento do titular, nas acesso a um conjunto mínimo de informações
hipóteses listadas de forma exaustiva. acerca do tratamento que será aplicado pelo
controlador dos dados, dentre os quais podemos
destacar16:
3.2. Consentimento
 Finalidade do tratamento;

Tendo em vista o caráter protetivo da Lei, e os  Forma e duração do tratamento, preservados


fundamentos prescritos no artigo 2º, em especial os segredos comercial e industrial;
o respeito à privacidade e a autodeterminação
informativa, que se constitui no poder do indiví-
15 Lei Federal nº 13.709, de 14 agosto de 2018: Art. 5º Para os
duo determinar e controlar a utilização de seus
fins desta Lei, considera-se:
dados pessoais, a LGPD prevê que o consenti-
XII - consentimento: manifestação livre, informada e inequí-
mento do titular dos dados sensíveis não poderá voca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus
dados pessoais para uma finalidade determinada;

14 Art. 5º, X, da Lei Federal nº 13.709, de 14 agosto de 2018: 16 Lei Federal nº 13.709, de 14 agosto de 2018, Art. 8º O con-
tratamento: toda operação realizada com dados pessoais, sentimento previsto no inciso I do art. 7º desta Lei deverá
como as que se referem a coleta, produção, recepção, clas- ser fornecido por escrito ou por outro meio que demonstre a
sificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distri- manifestação de vontade do titular.
buição, processamento, arquivamento, armazenamento, eli- § 4º O consentimento deverá referir-se a finalidades deter-
minação, avaliação ou controle da informação, modificação, minadas, e as autorizações genéricas para o tratamento de
comunicação, transferência, difusão ou extração; dados pessoais serão nulas.

55
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

 Identificação do controlador;

 Informações referentes ao uso compartilhado


pelo controlador e sua finalidade;

Fica evidente que o tratamento de dados sen-


síveis mediante o consentimento do titular deve
ser realizado com extrema cautela, pois há, ne-
cessariamente, a obrigatoriedade de se descre-
ver todas finalidades, de forma específica e des-
tacada, que embasarão o uso dos dados.

De forma a efetivar a proteção dos dados pes-


soais, a LGPD preceitua que, no caso de possível
questionamento, fiscalização ou mera consul-
ta, caberá ao controlador dos dados pessoais a
comprovação de que o consentimento do titular
foi obtido de forma regular, respeitando os pre-
ceitos dispostos na Lei17

Outro ponto que merece primordial atenção


de quem pretenda tratar dados mediante o con-
sentimento do titular é de que o consentimento
conferido poderá ser revogado por este último
a qualquer momento, por meio de manifestação
expressa, procedimento este que deverá ser gra-
tuito e facilitado18.

Além disso, de modo a conferir maior seguran-


ça com relação aos tratamentos realizados, bem
como quais as informações que o controlador
possui em seu banco de dados, o titular poderá
requerer uma cópia eletrônica integral de seus
dados pessoais19

17 Lei Federal nº 13.709, de 14 agosto de 2018


Art. 8º O consentimento previsto no inciso I do art. 7º desta
Lei deverá ser fornecido por escrito ou por outro meio que
demonstre a manifestação de vontade do titular.
§ 2º Cabe ao controlador o ônus da prova de que o consenti-
mento foi obtido em conformidade com o disposto nesta Lei.

18 Lei Federal nº 13.709, de 14 agosto de 2018


Art. 8º O consentimento previsto no inciso I do art. 7º desta
Lei deverá ser fornecido por escrito ou por outro meio que
demonstre a manifestação de vontade do titular.
5º O consentimento pode ser revogado a qualquer momento
mediante manifestação expressa do titular, por procedimen-
to gratuito e facilitado, ratificados os tratamentos realizados
sob amparo do consentimento anteriormente manifestado
enquanto não houver requerimento de eliminação, nos ter-
mos do inciso VI do caput do art. 18 desta Lei.

19 Lei Federal nº 13.709, de 14 agosto de 2018


Art. 19. A confirmação de existência ou o acesso a dados pes-
soais serão providenciados, mediante requisição do titular:
§ 3º Quando o tratamento tiver origem no consentimento do
titular ou em contrato, o titular poderá solicitar cópia eletrôni-

56
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

O tratamento de dados pessoais mediante o  cumprimento de obrigação legal ou regulató-


consentimento do titular dos dados ou seu res- ria pelo controlador;
ponsável deve ser utilizado com parcimônia,
pois, além de o controlador ter que demonstrar  tratamento compartilhado de dados necessá-
de forma destacada todos os tratamentos que rios à execução, pela administração pública,
os dados serão submetidos de forma clara e ine- de políticas públicas previstas em leis ou re-
quívoca, o titular, a qualquer momento, revogar gulamentos
o consentimento outorgado, impondo ao contro-
lador a imediata suspensão do tratamento.  realização de estudos por órgão de pesquisa,
garantida, sempre que possível, a anonimiza-
Diante desse cenário, recomendamos que os ção dos dados pessoais sensíveis
controladores de dados pessoais deem preferên-
cia às hipóteses de tratamento de dados que não  exercício regular de direitos, inclusive em
dependam do consentimento do titular do dado, contrato e em processo judicial, administra-
pois essas alternativas não ficam sujeitas à von- tivo e arbitral, este último nos termos da Lei
tade do titular do dado e não estão, portanto, nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de
sujeitas à revogação. Arbitragem);

 proteção da vida ou da incolumidade física do


3.3. Hipóteses em que o titular ou de terceiro;
Consentimento é Dispensável
 tutela da saúde, em procedimento realizado
por profissionais da área da saúde ou por en-
Consoante salientado, tendo em vista as pe- tidades sanitárias; ou
culiaridades dos dados sensíveis, em especial
os dados de saúde, a LGPD previu uma relação  garantia da prevenção à fraude e à seguran-
de hipóteses em que estes poderão ser tratados ça do titular, nos processos de identificação
sem o fornecimento de consentimento do titular, e autenticação de cadastro em sistemas ele-
quais sejam20: trônicos;

A seguir, analisamos cada uma das hipóteses


ca integral de seus dados pessoais, observados os segredos
acima elencadas com enfoque no setor da saúde.
comercial e industrial, nos termos de regulamentação da au-
toridade nacional, em formato que permita a sua utilização 3.3.1. Cumprimento de obrigação legal ou
subsequente, inclusive em outras operações de tratamento. regulatória

20 Lei Federal nº 13.709, de 14 agosto de 2018, art. 11. O trata- A LGPD preceitua que o tratamento de dados
mento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer pessoais sensíveis poderá ser realizado sem o
nas seguintes hipóteses: consentimento do titular dos dados ou seu res-
II - sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipó- ponsável legal para cumprimento de obrigação
teses em que for indispensável para: legal ou regulatória21.
a) cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo con-
trolador;
b) tratamento compartilhado de dados necessários à execu-
g) garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular,
ção, pela administração pública, de políticas públicas previs-
nos processos de identificação e autenticação de cadastro
tas em leis ou regulamentos;
em sistemas eletrônicos, resguardados os direitos menciona-
c) realização de estudos por órgão de pesquisa, garantida,
dos no art. 9º desta Lei e exceto no caso de prevalecerem
sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais
direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a
sensíveis;
proteção dos dados pessoais.
d) exercício regular de direitos, inclusive em contrato e em
processo judicial, administrativo e arbitral, este último nos 21 Lei Federal nº 13.709, de 14 agosto de 2018, art. 11. O trata-
termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de mento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer
Arbitragem) ; nas seguintes hipóteses:
e) proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou II - sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipó-
de terceiro; teses em que for indispensável para:
f) tutela da saúde, em procedimento realizado por profissio- a) cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo con-
nais da área da saúde ou por entidades sanitárias; ou trolador;

57
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

Como indicado anteriormente, são diversos os Saúde, no caso de profissionais de saúde se de-
dispositivos legais que obrigam os atores da ca- pararem com um caso previsto na lista, o envio
deia da saúde a coletarem dados e remeterem a dessas informações à autoridade de saúde deve
terceiros. ser efetuado, mesmo sem o consentimento do ti-
tular dos dados, pois decorre de obrigação legal
Certamente, o setor da saúde é um dos mais ou regulatória.
impactos com essa previsão, pois a esfera de
atuação do Poder Público é enorme, seja na Saú- Outra hipótese de tratamento de dados que se
de Suplementar, seja no SUS. enquadra nessa hipótese é o do Ressarcimento
ao SUS. Nesse caso, o serviço de saúde, públi-
A título exemplificativo, tomamos o caso das co ou privado, presta atendimento em regime de
notificações compulsórias: a depender do evento complementariedade ao SUS e colhe os dados
de saúde registrado, cabe ao serviço de saúde do paciente. O SUS e a ANS trocam esses dados,
notifica-lo à Vigilância Sanitária, a fim de garantir a fim de verificar se, dentre esses pacientes, há
um sistema de controle epidemiológico22. beneficiários de Planos Privados de Assistência
à Saúde23.
A notificação compulsória é obrigatória para
os médicos, demais profissionais de saúde res- Feita a consolidação dessas informações, a
ponsáveis pelos serviços públicos e privados, ANS remete às Operadoras de Planos Privados
quando houver suspeita ou a confirmação de de Assistência à Saúde um Aviso de Beneficiário
doença ou agravo previsto na relação publicada Identificado (“ABI”), que avaliam os tratamentos
pelo Ministério da Saúde. prestados ao beneficiário e apresentam defesa,
se for o caso.
Conforme a doença ou o agravo verificado,
deverá ser observado o prazo de até 24 (vinte Note-se que o Ressarcimento ao SUS englo-
e quatro) horas para que a autoridade de saú- ba uma troca de dados de saúde relevante, o
de responsável seja informada, de modo que, na que possibilita, inclusive, que a Operadora tenha
posse dessas informações, promova a divulga- acesso ao prontuário do paciente para impugnar
ção dos dados públicos para os profissionais de tecnicamente o pedido de ressarcimento formu-
saúde, órgãos de controle social e para a popu- lado pela ANS, independentemente de qualquer
lação em geral. consentimento.
Dentre a extensa lista e doenças e agravos, Outra hipótese de compartilhamento de da-
citamos a obrigatoriedade de notificação com- dos na Saúde Suplementar é o Sistema de Infor-
pulsória nos casos de: a) doenças com suspeita mações de Beneficiários24 mantido pela ANS, por
de disseminação intencional (antraz pneumôni- meio do qual as Operadoras informam os dados
co, tularemia, varíola); b) doenças febris hemor- cadastrais dos beneficiários, migração de planos
rágicas emergentes/reemergentes; c) doenças etc. Com essas informações, a ANS avalia a situa-
exantemáticas (sarampo e rubéola) e; d) casos
de violência sexual e tentativa de suicídio.
23 Resolução Normativa nº 358, de 27 de novembro de 2014
Portanto, por determinação do Ministério da Art. 3° A identificação é procedimento administrativo, de
competência da ANS, que verifica a ocorrência da obrigação
legal de ressarcir ao SUS por meio da constatação de aten-
22 Portaria de Consolidação SUS nº 04, de 28 de setembro
dimento no SUS a beneficiário de plano privado de saúde,
de 2017
do cálculo do montante devido e da determinação da OPS
Anexo V - Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica
devedora.
(SNVE) (Origem: PRT MS/GM 204/2016)
Art. 4º A identificação será realizada mediante cruzamento
CAPÍTULO I - DA LISTA NACIONAL DE NOTIFICAÇÃO COM-
de bancos de dados relativos aos atendimentos realizados
PULSÓRIA DE DOENÇAS, AGRAVOS E EVENTOS DE SAÚ-
nas unidades prestadoras de serviços vinculadas ao SUS com
DE PÚBLICA
as informações cadastrais das OPS constantes do banco de
Seção I DAS DISPOSIÇÕES INICIAIS (Origem: PRT MS/GM
dados da ANS, nos termos do artigo 20 da Lei 9.656, de 3 de
204/2016, CAPÍTULO I)
junho de 1998, e da regulamentação da ANS.
Art. 1º Este Anexo define a Lista Nacional de Notificação
§ 1° O serviço de atendimento à saúde cuja continuidade tiver
Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública
demandado a emissão de mais de um documento de autori-
nos serviços de saúde públicos e privados em todo o territó-
zação ou registro emitido.
rio nacional, nos termos do Anexo 1 do Anexo V . (Origem:
PRT MS/GM 204/2016, Art. 1º) 24 Resolução Normativa nº 295, de 09 de maio de 2012.

58
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

ção do mercado. O fornecimento dessa informa- De acordo com a redação constante na Lei,
ção pela Operadora à ANS também independen- verifica-se que o legislador conferiu ampla pos-
te de qualquer consentimento do beneficiário. sibilidade à Administração Pública tratar dados
sensíveis sem o consentimento do titular, desde
Um último exemplo de disponibilização de in- que em cumprimento de política pública.
formações em cumprimento de obrigação legal
ou regulatória no setor da saúde é o caso do Ca- É fato que o maior coletor de dados pessoais é
dastro Nacional de Estabelecimento de Saúde Poder Público, seja realizando a coleta de forma
(“CNES”). Nessa hipótese, estabelecimentos de direta, como hospitais, cartórios eleitorais, seja de
saúde disponibilizam à Administração Pública forma indireta, por meio de agências reguladoras
uma série de informações relacionadas ao esta- e empresas com parcerias públicos-privados.
belecimento propriamente e de seus colabora-
dores: enfermeiros, médicos etc. Não há uma definição legal do que pode ou
não ser enquadrado como uma política pública.
Nesse caso, por determinação da Administra- Aliás, não é incomum a conclusão de que to-
ção Pública25, o estabelecimento de saúde dispo- das as ações da Administração Pública podem
nibiliza dados dos colaboradores habilitados nos ser enquadras como políticas públicas. No caso
Conselhos Profissionais competentes, informa- da saúde, é evidente que a regulação da Saúde
ções que, posteriormente, são disponibilizadas Suplementar promovida pela ANS, a assistência
pelo Ministério da Saúde na internet. Novamen- ofertada pelo SUS, as parcerias de desenvolvi-
te, estamos diante de uma situação que isenta o mento para oferta de medicamentos, dentre ou-
estabelecimento de requerer qualquer consenti- tras ações, constituem políticas públicas.
mento prévio.
Especificamente no que se refere à assistência
Como é possível observar, no tocante ao setor prestada no SUS, verificou-se, ao longo dos anos,
da saúde, há diversas hipóteses de tratamento a necessidade de a Administração Pública obter
de dados sensíveis sem o consentimento do titu- informações integradas sobre a atividade assis-
lar para o cumprimento de obrigação legal ou re- tencial desenvolvida pela rede de atenção à saúde
gulatória, tendo em vista o caráter ímpar dessas pública, suplementar e privada no território nacio-
informações à sociedade como um todo. nal, subsidiando a gestão, planejamento, avalia-
ção dos serviços de saúde e investigação clínica.
3.3.2. Execução de Políticas Públicas A Comissão Intergestores Tripartite, instituiu o
Conjunto Mínimo de Dados (“CMD”) da Atenção
A segunda hipótese que a LGPD prevê que os
à Saúde27, com o objetivo de subsidiar a formula-
dados pessoais sensíveis poderão ser tratados
ção, o monitoramento e a avaliação das políticas
sem o consentimento do titular é o de execução
de saúde, viabilizando, inclusive, as informações
de políticas públicas pela Administração Pública26.
do SUS e da Saúde Suplementar.

25 Portaria de Consolidação nº 01, de 28 de setembro de De acordo com a normativa, compõem o CMD:


2017. (i) dados administrativos, relacionados com a
CAPÍTULO IV - DO CADASTRO NACIONAL DE ESTABELE- gestão de recursos dos estabelecimentos de
CIMENTOS DE SAÚDE (CNES) saúde; (ii) dados clínico-adminitrativos, referen-
Seção I - Das Disposições Gerais (Origem: PRT MS/GM tes à gestão dos pacientes, e (iii) dados clínicos,
1646/2015, CAPÍTULO I) relacionados ao estado de saúde ou doença dos
Art. 358. Fica instituído o Cadastro Nacional de Estabeleci-
indivíduos, expressos em diagnósticos, procedi-
mentos de Saúde (CNES). (Origem: PRT MS/GM 1646/2015,
mentos e tratamentos realizados.
Art. 1º)
Art. 359. O CNES se constitui como documento público e sis-
tema de informação oficial de cadastramento de informações
de todos os estabelecimentos de saúde no País, independen- II - sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipó-
temente da natureza jurídica ou de integrarem o SUS, e pos- teses em que for indispensável para:
sui as seguintes finalidades: (Origem: PRT MS/GM 1646/2015, b) tratamento compartilhado de dados necessários à execu-
Art. 2º) ção, pela administração pública, de políticas públicas previs-
tas em leis ou regulamentos;
26 Lei Federal nº 13.709/2018, art. 11. O tratamento de dados
pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguintes hi-
póteses: 27 Resolução nº 06, de 25 de agosto de 2016

59
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

Enfim, um verdadeiro sonho para qualquer A anonimização é verificada quando o contro-


gestor que deseje implementar uma política de lador dos dados utiliza meios técnicos razoáveis
saúde baseada em dados. e disponíveis, por meio dos quais o dado perde a
oportunidade de ser associado direta ou indire-
Isto posto, tendo em vista essa ampla capa- tamente a um indivíduo30.
cidade de tratamento de dados sensíveis sem
o consentimento do titular pela Administração Deste modo, partindo do pressuposto de que
Pública conferida pela LGPD, entendemos que após o processo de anonimização não é possível
a ANPD deverá expedir orientação e normativa identificar o titular dos dados pessoais, a LGPD
acerca do alcance que a hipótese poderá ser uti- preceitua que os dados anonimizados não serão
lizada. considerados dados pessoais, salvo quando o
processo em causa for revertido31.
Inclusive, julgamos que essa orientação deve,
preliminarmente, contar com a colaboração Da leitura da Lei, verificamos que o legislador
dos atores da saúde, em especial dos órgãos e teve por objetivo restringir a caracterização de
entidades que compõem o setor público. pesquisa a estudos em saúde pública32. A restri-

Por sua vez, considerando que é dever do Es-


tado garantir a saúde, por meio de formulação brasileiras, com sede e foro no País, que inclua em sua mis-
e execução de políticas públicas28, em que pese são institucional ou em seu objetivo social ou estatutário a
no momento de elaboração do presente artigo a pesquisa básica ou aplicada de caráter histórico, científico,
ANPD ainda não ter sido definida, julgamos que, tecnológico ou estatístico; e (Redação dada pela Medida Pro-
respeitados os princípios previstos na LGPD, a visória nº 869, de 2018)
Administração Pública poderá realizar o trata- 30 Lei Federal nº 13.709/2018, art. 5º Para os fins desta Lei,
mento de dados de forma ampla, de modo a as- considera-se:
segurar o acesso universal e igualitário às ações XI - anonimização: utilização de meios técnicos razoáveis e
e aos serviços de saúde. disponíveis no momento do tratamento, por meio dos quais
um dado perde a possibilidade de associação, direta ou indi-
reta, a um indivíduo;
3.3.3. Realização de Estudos por Órgão de
Pesquisa 31 Lei Federal nº 13.709/2018, art. 12. Os dados anonimizados
não serão considerados dados pessoais para os fins desta
A LGPD também traz exceção ao consen- Lei, salvo quando o processo de anonimização ao qual foram
timento do titular dos dados para a realização submetidos for revertido, utilizando exclusivamente meios
de estudos por órgãos de pesquisa, garantindo, próprios, ou quando, com esforços razoáveis, puder ser re-
sempre que possível, a anonimização dos dados vertido.
pessoais sensíveis. 32 Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018.
Art. 13. Na realização de estudos em saúde pública, os órgãos
Cabe-nos relembrar dois conceitos necessá- de pesquisa poderão ter acesso a bases de dados pessoais,
rios para melhor compreender a hipótese em que serão tratados exclusivamente dentro do órgão e estri-
análise. Primeiramente, de acordo com a defini- tamente para a finalidade de realização de estudos e pesqui-
ção prevista na Lei, somente podem ser enqua- sas e mantidos em ambiente controlado e seguro, conforme
drados como órgãos de pesquisa, órgão ou uma práticas de segurança previstas em regulamento específico e
entidade da administração pública direta ou in- que incluam, sempre que possível, a anonimização ou pseu-
direta ou pessoa jurídica de direito privado sem donimização dos dados, bem como considerem os devidos
fins lucrativos, com sede e foro no País, que pos- padrões éticos relacionados a estudos e pesquisas.
sua como missão institucional a pesquisa básica § 1º A divulgação dos resultados ou de qualquer excerto do
estudo ou da pesquisa de que trata o caput deste artigo em
ou aplicada de caráter histórico, tecnológico ou
nenhuma hipótese poderá revelar dados pessoais.
estático29.
§ 2º O órgão de pesquisa será o responsável pela segurança
da informação prevista no caput deste artigo, não permitida,
em circunstância alguma, a transferência dos dados a tercei-
28 Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990
ro.
29 Lei Federal nº 13.709/2018, art. 5º Para os fins desta Lei, § 3º O acesso aos dados de que trata este artigo será objeto
considera-se: de regulamentação por parte da autoridade nacional e das
XVIII - órgão de pesquisa: órgão ou entidade da administra- autoridades da área de saúde e sanitárias, no âmbito de suas
ção pública direta ou indireta ou pessoa jurídica de direito competências.
privado sem fins lucrativos legalmente constituída sob as leis § 4º Para os efeitos deste artigo, a pseudonimização é o tra-

60
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

ção, do nosso ponto de vista, é indevida, pois não Por oportuno, registramos que, em nosso en-
é incomum a Administração Pública contratar tendimento, a restrição trazida pela LGPD não
terceiros para produzir essas pesquisas. abrange as pesquisas clínicas e tampouco modi-
fica os conceitos preceituados pela Resolução nº
Não por menos que na tramitação da MP nº
466, de 12 de dezembro de 2012, expedida pelo
869/2018, ainda não aprovada na elaboração
Conselho Nacional de Saúde (“CNS”), que apro-
deste artigo, há duas propostas de Emendas que
va as diretrizes e normas regulamentadoras de
visam a excluir a definição “sem fins lucrativos”
pesquisas envolvendo seres humanos.
da redação, justamente para autorizar que qual-
quer pessoa jurídica possa ser enquadrada como Aliás, a título de comparação, registramos que
órgão de pesquisa, quando atestada sua capa- a referida Resolução traz alguns conceitos e di-
cidade técnica e cumpridos os requisitos legais retrizes também verificados na LGPD. É o caso,
aplicáveis. por exemplo, da obrigatoriedade de as pesquisas
envolvendo seres humanos serem precedidas
De acordo com a redação constante na MP,
de consentimento livre e esclarecido do partici-
poderá ser estabelecido que as pessoas jurídicas
pante da pesquisa e/ou representante legal, por
de direito privado com fins lucrativos que cola-
meio do detalhamento dos métodos que serão
borarem com pesquisas no país, não poderão
utilizados e os riscos decorrentes da participa-
acessar dados sensíveis de saúde, mesmo que
ção na pesquisa.
contratadas pela Administração Pública. Nesse
caso, o Poder Público terá que anonimizar os da- Similarmente ao consentimento previsto na
dos antes de os disponibilizr a empresa com fins LGPD, na pesquisa clínica, haverá a identificação
lucrativos. do pesquisador responsável, além da necessida-
de de que este profissional ateste estar em con-
tamento por meio do qual um dado perde a possibilidade de sonância com os preceitos legais aplicáveis.
associação, direta ou indireta, a um indivíduo, senão pelo uso
de informação adicional mantida separadamente pelo con- Outro conceito previsto na Resolução CNS nº
trolador em ambiente controlado e seguro. 466/2012 é a garantia de que o sigilo e a privaci-

61
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

dade dos participantes (titulares dos dados pes- com a limitação ao mínimo de tratamento neces-
soais sensíveis) serão mantidos durante todas sário para a realização de suas finalidades34.
as fases de pesquisa, garantida em suas fases, a
anonimização dos participantes, excluindo, as- Deste modo, de acordo com as diretrizes e os
sim, a incidência da LGPD nas pesquisas clínicas. princípios da LGPD, a Lei não objetiva inviabilizar
a execução de contratos e a prestação de servi-
ços, porém, os agentes de tratamento deverão
3.3.4. Exercício Regular de Direitos sempre agir com boa-fé e adotar medidas para
prevenir a ocorrência de danos em virtude do
De acordo com a LGPD, não há a necessidade
tratamento de dados pessoais.
de consentimento do titular dos dados pessoais,
caso o tratamento de dados se torne indispensá-
vel para o exercício regular de direitos, inclusive 3.3.5. Proteção da Vida ou da Incolumidade
em contrato e em processo judicial, administrati- Física
vo e arbitral.33
A LGPD prevê que o tratamento de dados sen-
Dessa forma, os controladores dos dados pes- síveis poderá ser realizado sem o consentimento
soais poderão compartilhar dados sensíveis para do titular dos dados pessoais nas hipóteses em
regular prestação dos seus serviços e caso seja que for indispensável para a proteção da vida ou
essencial para subsidiar a representação numa da incolumidade física35.
das esferas que mencionamos acima. A legislação nacional não traz o conceito do
que poderia ser compreendido como “proteção
Assim sendo, vislumbramos que, na hipótese
da vida”. Por sua vez, utilizando dos conceitos
de um prestador de serviços compartilhar dados
previstos na GDPR, entendemos que, de uma
para a execução de atividades contratualmente
maneira ampla, o conceito está adstrito à prote-
estipuladas, não haverá a necessidade de con-
ção da vida e à segurança pública.
sentimento por parte do titular dos dados.
Deste modo, a necessidade de tratamento de
A título exemplificativo, na hipótese de o titu- dados pessoais sensíveis se torna evidente quan-
lar dos dados pessoais realizar um exame em um do estamos diante de uma uma situação que
laboratório de análise clínicas, não haveria, ne- demande a atuação imediata da Administração
cessariamente, a obrigatoriedade de o titular dos Pública para salvar vidas como, por exemplo, nas
dados consentir de forma expressa que seus da- catástrofes naturais.
dos sejam transferidos à uma empresa de trans-
porte terceirizada que realiza o deslocamento do Outro exemplo que possibilita o tratamento
material coletado. de dados com base na proteção da vida, é a uti-
lização destas informações para a prevenção, a
O mesmo raciocínio poderá ser aplicado aos investigação e a repressão de infrações penais
Hospitais e demais prestadores de serviços en- pelos agentes públicos responsáveis.
volvidos na cadeia.
No mesmo sentido, a GDPR preceitua que não
Obviamente, salientamos que este comparti- será necessário o consentimento do titular nos
lhamento de dados deverá respeitar os princípios
da LGPD, em especial o princípio da finalidade e 34 Art. 6º, I e III, Lei Federal nº 13.709/2018
da necessidade, que estabelecem que os dados Art. 6º As atividades de tratamento de dados pessoais deve-
serão tratados para fins legítimos e específicos, rão observar a boa-fé e os seguintes princípios:
I - finalidade: realização do tratamento para propósitos le-
gítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem
possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível
33 Lei Federal nº 13.709/2018, art. 11. O tratamento de dados
com essas finalidades;
pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguintes hi-
(...)
póteses:
III - necessidade: limitação do tratamento ao mínimo neces-
II - sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipó-
sário para a realização de suas finalidades, com abrangência
teses em que for indispensável para:
dos dados pertinentes, proporcionais e não excessivos em
b) tratamento compartilhado de dados necessários à execu-
relação às finalidades do tratamento de dados;
ção, pela administração pública, de políticas públicas previs-
tas em leis ou regulamentos; 35 Art.11, II, “e”, Lei Federal nº 13.709/2018

62
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

casos de prevenção de ameaças à segurança pú- uma das ações do Sistema Único de Saúde, cuja
blica ou violações da deontologia de profissões direção nacional fica sob os cuidados da ANVISA.
regulamentadas, como no caso de médicos que
estão submetidos aos preceitos éticos dispostos Especificamente no que se refere a profissio-
no Código de Ética Médica. nais da área da saúde, tampouco há uma defini-
ção legal. A ANVISA e a ANS costumam utilizar
o termo “profissional devidamente habilitado” ao
3.3.6. Tutela da Saúde tratar do tema.
Conforme já explanado, o setor da saúde é Assim, se fizermos uma interpretação restriti-
repleto de peculiaridades e, em virtude dessas ca- va da “tutela da saúde” apenas Vigilâncias Sani-
racterísticas, a LGPD prevê que não será necessá- tárias e os enquadráveis como “profissionais da
rio o consentimento do titular dos dados pessoais área da saúde” poderiam fazê-lo, o que, do nosso
sensíveis para tratamento de dados na hipótese ponto de vista, não corresponde ao que legisla-
em que for indispensável para a tutela da saúde, dor pretendia e nem sequer tem sentido.
em procedimento realizado por profissionais da
área da saúde ou por entidades sanitárias.36 Ainda que seja feita essa leitura extremamente
restritiva, entendemos que as demais hipóteses
Porém, a LGPD não trouxe a definição de “tu-
trazidas pelo artigo 11 autorizam que Operado-
tela da saúde”, deste modo, há grande debate
ras, Gestores do SUS e Serviços de Saúde tratem
sobre qual seria o alcance da expressão.
os dados dos pacientes, independentemente de
Alguns defendem que o conceito somente consentimento.
abarcaria os casos de urgência e emergência, ou
Ao longo da tramitação da MP nº 869/2018 in-
seja, nos quais o titular dos dados apresenta risco
tegrantes da cadeia da saúde solicitaram a mo-
eminente de vida e, assim, não haveria a possibili-
dificação do dispositivo, justamente para deixar
dade de se obter o consentimento em tais casos.
claro que tutela da saúde engloba as atividades
Todavia, salvo melhor juízo, entendemos que dos serviços de saúde de modo amplo.
a definição deverá ser interpretada de maneira
extensiva, uma vez que o compartilhamento de
dados é inerente à assistência à saúde, pública 4. Do Compartilhamento de
ou suplementar, como exposto em diversos mo- Dados Referentes à Saúde
mentos ao longo deste estudo.
com Fins Lucrativos
No caso da LGPD, o que ocorreu é que, ao uti-
lizar a versão portuguesa da GDPR, o legislador Quando a LGPD foi publicada, havia vedação
acabou copiando expressões em português de expressa de comunicação e compartilhamento
Portugal que não encontram correspondência no de dados sensíveis referentes à saúde com obje-
Brasil. tivo de obter vantagem econômica.

Não há no Brasil o conceito de entidade sanitá- Em nosso entendimento, a restrição teve por
ria, mas sim de Autoridade Sanitária37, sendo esta objetivo vedar a obtenção de vantagem econô-
mica com a venda de dados propriamente dita.
36 Art. 11, II, “f”, Lei Federal nº 13.709/2018 Vale lembrar que poucos dias antes da edição
Art. 11. O tratamento de dados pessoais sensíveis somente da LGPD foram divulgados casos de venda de
poderá ocorrer nas seguintes hipóteses: dados por drogarias.
II - sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipó-
teses em que for indispensável para: O compartilhamento de dados previsto no SUS
f) tutela da saúde, em procedimento realizado por profissio-
e na Saúde Suplementar, necessários para viabili-
nais da área da saúde ou por entidades sanitárias; ou
zar o faturamento, por exemplo, não estariam, do
37 A Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977 faz menção à nosso ponto de vista, abrangidos pela vedação.
expressão “Autoridade Sanitária” para tratar da aplicação de
multas, por exemplo. De acordo com a definição trazida no Nesse caso, teríamos novamente que nos
Artigo 4º da Portaria de Consolidação nº 05, de 28 de se-
tembro de 2017, é autoridade sanitária o órgão ou o agente
socorrer da ANPD para determinar a amplitu-
público competente da área da saúde com atribuição legal de da interpretação, pois feita uma conclusão
no âmbito da vigilância sanitária e de atenção à saúde. tão restritiva, nenhum serviço de saúde poderia

63
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

compartilhar dados com Operadoras ou com o O erro consiste na vinculação da “tutela da


Gestor do SUS para, simplesmente, faturar os saúde” a “entidades sanitárias” e a “profissionais
serviços! Claramente um absurdo e totalmente da área da Saúde”. Como informado mais acima,
contrário aos objetivos do legislador. não se utiliza, no Brasil, a expressão “entidades
sanitárias”. Quando falamos de “profissionais da
De todo modo, com receio de se consolidar área da saúde”, não fica evidente se estamos tra-
uma interpretação distorcida, ao editar a MP nº tando de “profissionais legalmente habilitados”,
869/2018, o Poder Executivo acrescentou uma como frequentemente utilizado pelas agências
exceção à vedação inicialmente prevista, qual reguladoras e órgãos governamentais ou a todo
seja: a possibilidade de compartilhamento de da- e qualquer profissional que atue no setor, inclusi-
dos quando houver a necessidade de comunica- ve, por exemplo, o que atua no faturamento.
ção para a adequada prestação de serviços de
saúde suplementar38. Tudo indica que se trata de um claro equívo-
co que, se não corrigido na tramitação da MP nº
A partir da inclusão dessa exceção, outros 869/2018, deverá contar com um alinhamento en-
atores da cadeia de saúde passaram também a tre a ANPD, ANS, Ministério da Saúde e ANVISA.
atuar para garantir que, na tramitação da MP nº
869/2018, também fossem incluídos os serviços A jabuticaba está consubstanciada na vedação
de saúde, o que, ao que tudo indica, ocorrerá. do compartilhamento de dados sensíveis de saú-
de com “fins econômicos”. Durante a tramitação
Ainda que essa modificação (de deixar expres- da MP nº 869/2018, o Congresso se mostrou bas-
so que os serviços de saúde podem compartilhar tante sensível ao pleito do setor, que demons-
dados ao prestar atendimento) não seja aprova- trou que, nos dias atuais, não existe assistência
da na tramitação da MP nº 869/2019, entende- sem compartilhamento, seja no SUS, seja na Saú-
mos que a leitura a ser feita é a de vedação de de Suplementar.
venda de banco de dados, pura e simples.
Independentemente da aprovação dessas mo-
A atuação adequada da ANPD certamente co- dificações, há perspectiva de a ANPD trazer uma
laborará para viabilizar esse entendimento, evi- regulamentação adequada ao tema. Não por
tando-se, assim, que interpretações equivocadas menos que, considerando as diversas particulari-
ganhem peso e adesão. dades encontradas em cada setor da economia,
a MP nº 869/2018 previu que compete à ANPD
deliberar sobre a interpretação da Lei acerca dos
5. A LGPD, um Erro e uma casos omissos39 e realizar a oitiva de órgãos da
Jabuticaba administração pública que sejam responsáveis
pela regulação de setores específicos da ativida-
Como já indicado nesta obra, a LGPD foi muito de econômica40, como no caso do setor da saúde.
influenciada pela GDPR. Na tramitação do proje- Concluímos que a ANPD e os demais órgãos
to de lei, contudo, foram incluídos dois dispositi- públicos competentes, deverão se empenhar se-
vos que correspondem a um erro e a uma inova- riamente na expedição de normativas, diretivas e
ção do legislador. orientações acerca dos conceitos não definidos
na Lei.
38 Lei Federal nº 13.709/2018, art. 11. O tratamento de dados
pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguintes hi- A nosso ver, em um primeiro momento, a
póteses: ANPD deverá auxiliar os agentes de tratamento
§ 4º É vedada a comunicação ou o uso compartilhado entre
controladores de dados pessoais sensíveis referentes à saú-
39 Lei Federal nº 13.709/2018, art. 55-J. Compete à ANPD:
de com objetivo de obter vantagem econômica, exceto nas
III - deliberar, na esfera administrativa, sobre a interpretação
hipóteses de:
desta Lei, suas competências e os casos omissos;
I - portabilidade de dados quando consentido pelo titular; ou
(Incluído pela Medida Provisória nº 869, de 2018) 40 Lei Federal nº 13.709/2018, art. 55-J. Compete à ANPD:
II - necessidade de comunicação para a adequada prestação XIV - realizar, previamente à edição de resoluções, a oitiva
de serviços de saúde suplementar. (Incluído pela Medida Pro- de entidades ou órgãos da administração pública que sejam
visória nº 869, de 2018) responsáveis pela regulação de setores específicos da ativi-
dade econômica

64
LGPD e o Tratamento de Dados na Saúde

de dados, de modo a não atuar de maneira mera- vel em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudele-


mente fiscalizatória e/ou arrecadatória, pois será gis/gm/2017/prc0001_03_10_2017.html - acesso
necessário grande empenho e dedicação dos em 18 de março de 2019
controladores de dados, no tocante à implemen-
tação de procedimentos e políticas de governan- Brasil, Lei Federal nº 9.961, de 28 de janeiro de
ça, para a adequação à LGPD. 2000. Disponível em http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/LEIS/L9961.htm - acesso em 14 de
Pelo exposto, reconhecido que os dados de março de 2019
saúde deverão ser tratados com maior critério e
rigor, espera-se que a ANPD realize, de fato, a Brasil, Agência Nacional de Saúde Suplementar,
articulação com as autoridades reguladoras para Resolução Normativa nº 305, de 9 de outubro
exercer suas competências no setor da saúde41. de 2012. Disponível em http://www.ans.gov.br/
component/legislacao/?view=legislacao&task=-
TextoLei&format=raw&id=MjI2OA== - acesso
Referências em 15 de março de 2019

Brasil, Resolução do Conselho Federal de Medi-


Brasil, Constituição Federal do Brasil. Disponível cina nº 2.217/2018, de 01 de novembro de 2018.
em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Cons- Disponível em https://sistemas.cfm.org.br/nor-
tituicao/Constituicao.htm - acesso em 15 de mar- mas/visualizar/resolucoes/BR/2018/2217 - aces-
ço de 2019. so em 15 de março de 2019.
Brasil, Lei Federal nº 13.709, de 14 de agosto de Brasil, Resolução do Conselho Federal de Medi-
2018. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ cina nº 1.821/2007, de 23 de novembro de 2007.
ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13709.htm. Disponível em https://sistemas.cfm.org.br/nor-
Acesso em 22 de março de 2019. mas/visualizar/resolucoes/BR/2007/1821 - aces-
so em 15 de março de 2019
Brasil, Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro
de 1990. Disponível em http://www.planalto.gov. Brasil, Ministério da Saúde, Portaria de Consolida-
br/ccivil_03/leis/L8080.htm - acesso em 20 de ção nº 04, de 28 de setembro de 2017. Disponível
março de 2019. em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/
gm/2017/prc0004_03_10_2017.html- acesso em
Brasil, Ministério da Saúde, Portaria de Consoli-
18 de março de 2019
dação nº 01, de 28 de setembro de 2017. Disponí-
Brasil, Ministério da Saúde, Resolução nº 466, de
41 Lei Federal nº 13.709/2018, art. 55-J. Compete à ANPD: 12 de dezembro de 2012. Disponível em http://
XV - articular-se com as autoridades reguladoras públicas para bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/
exercer suas competências em setores específicos de ativida- res0466_12_12_2012.html - acesso em 15 de mar-
des econômicas e governamentais sujeitas à regulação; ço de 2019.

Sobre o autor
Lucas Alves da Silva Bonafé é advogado formado pela Universidade presbiteriana Mackenzie,
pós-graduado em Controle Social de Políticas Públicas pelo Tribunal de Contas do Município de
São Paulo e formado em Proteção de Dados e Privacidade pelo Insper – Instituto de Ensino e
Pesquisa. Atua na área da saúde para clientes de toda a cadeia de prestação de serviços, por meio
de elaboração de pareceres e análise de contratos com foco em questões regulatórias e proteção
de dados na aera da saúde, além de defesas administrativas perante a ANS, ANVISA e órgãos
de representação de classe, como o CFM. É membro do Comitê Jurídico do Instituto Brasileiro
das Organizações Sociais de Saúde (“IBROSS”), do Grupo de Estudos de Proteção de Dados e
Privacidade da Associação Nacional de Hospitais Privados (“ANAHP”) e do Grupo de Trabalho de
Proteção de Dados e Privacidade da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (“ABRAMED”)
e Vice-Presidente do Instituto Paulista de Gestão Municipal (“IPGM”).
65
GDPR e Saúde: o que as empresas precisam saber na União Europeia e em outras localidades

S
ince 25 May 2018, the General Data Protec- erally prohibited but there are a few exception to
tion Regulation (“GDPR”) is in effect in the the prohibition, such as the data subject has giv-
EU. It applies also to companies that have en his consent to the processing of his personal
no place of business in the EU but which offer data or for the purpose of medical diagnosis. In
services in the EU or otherwise collected data general, it can be said that companies may need
there. The GDPR has increased the requirements to consider the implications early on and before
for compliance for data protection and data se-
implementing new processes or introducing new
curity significantly. Non-compliance could result
software and spend some thought on the legal
in fines of considerable amounts. In the life scien-
ce and healthcare sector the consequences of basis for which they will process the data. As the
the GDPR are manifold and pose new challenges European Data Protection Board (EDPB), the
for companies, whether Big Pharma, HealthTech EU’s independent data protection authority, puts
startups or Healthcare providers. The reason is it: “Though the innovative principles introduced
that everyone is dependent on the processing of by the GDPR (privacy by design or the prohibi-
identifiable information about health. And, such tion of discriminatory profiling) remain relevant
data has a special protection under the GDPR. and applicable to health data as well, specific
safeguards for personal health data and for a de-
GDPR and Health Data finitive interpretation of the rules that allows an
effective and comprehensive protection of such
data have now been addressed by the GDPR.”
The GDPR classifies personally identifiable in- As a result, companies in the Life Science and
formation about health as a special category of Healthcare sector have to comply with a number
data. In addition, the GDPR defines biometric and of requirements. These are both formal and ma-
genetic data. The processing of such data is gen- terial. Some examples:

68
GDPR e Saúde: o que as empresas precisam saber na União Europeia e em outras localidades

Consent and Patients where the processing is necessary for the pur-
poses of medical diagnosis or healthcare.

Consent under the GDPR must be freely given, One thing to remember is that a patient’s con-
specific, informed and unambiguous, and involve sent for treatment or to share healthcare records
a clear affirmative action (an opt-in). If a com- is not necessarily the same as consent for the
pany wants to rely on consent it must be able to processing of personal data under the GDPR. In
demonstrate that it obtained consent and the in- particular, patient information collected from a
dividual must be able to withdraw consent easily. medical practitioner is subject to a duty of con-
For a public authority or another organisation in fidence. As the UK’s Supervisory Authority, the
a position of power over the individual it may be Information Commissioner (ICO), states: “Any
difficult for you to be able to show that the con- requirement to get consent to the medical treat-
sent has been freely given. ment itself does not mean that there is a require-
ment to get GDPR consent to associated pro-
Consent is not necessarily the only legal basis cessing of personal data, and other lawful bases
for processing personal health data, in particular are likely to be more appropriate. In the health-
those of patients, under the GDPR. A valid lawful care context consent is often not the appropriate
basis in order to process personal data is always lawful basis under the GPDR.” Besides, the ICO
required but consent is only one of the lawful points out that “assumed implied consent would
bases. There are various bases available - no sin- not meet the standard of a clear affirmative act
gle basis is ’better’ or more important than the – or qualify as explicit consent for special cat-
others. Which basis is most appropriate to use egory data, which includes health data. Instead,
will depend on the type of processing, the pur- healthcare providers should identify another law-
pose at hand and relationship with the individual. ful basis (for example the public task basis may
There are 10 of these in the GDPR itself, including be appropriate).”

69
GDPR e Saúde: o que as empresas precisam saber na União Europeia e em outras localidades

The rights of patients under the GDPR pliance and will be required to assist with audits.
Aside from that, the GDPR provides for a prior
written consent obligation, placing the control
There are numerous data subject rights un- over processor sub-contracting firmly with the
der the GDPR. For example, patients are entitled data controller.
to have personal data rectified if it is inaccurate
or incomplete. In addition, if personal data was For healthcare companies this means that the
transferred to third parties, that third party must relationships with the numerous services providers
be informed of the rectification where possib- need to be reviewed and agreements amended.
le. Aside from that, a company shall also inform Before doing so, however, healthcare companies
the patients about the third parties to whom the should have a closer look at the role and rela-
data was disclosed where appropriate. tionship with each of their business partners. There
may be good reason to qualify an agreement as
With regard to medical opinions, something else a data processing. The Article 29 Data Protection
may apply. As the ICO describes: “It is often im- Working Party, the predecessor of the EDPB, ex-
possible to conclude with certainty, perhaps until plained in its Opinion 1/2010 the concepts of “con-
time has passed or tests have been done, whether troller” and “processor” and mentioned that there
a patient is suffering from a particular condition. may be various situations when data controllers are
An initial diagnosis (or informed opinion) may acting together. This may lead in some circumstan-
prove to be incorrect after more extensive exami- ces to joint and several liabilities, but this is not ne-
nation or further tests. Individuals may want the cessarily a rule. Nonetheless, the concept of joint
initial diagnosis to be deleted on the grounds that controllers under the GDPR, in contrast to a dis-
it was, or proved to be, inaccurate. However, if the tinction between controllers and processors, has
patient’s records accurately reflect the doctor’s not been seen thus far as particularly controversial
diagnosis at the time, the records are not inaccu- nor widely discussed. The European Court of Jus-
rate, because they accurately reflect a particular tice (CJEU) ruled recently in the Facebook Fanpa-
doctor’s opinion at a particular time. Moreover, ges case about the criteria for joint controllers. The
the record of the doctor’s initial diagnosis may findings of that rulings will have effect also outsi-
help those treating the patient later.” de the AdTech space. Recent regulatory guidance
for the health sector issued in some member sta-
Another right of patients is have their perso- tes points to the supervisory authorities’ view that
nal data deleted. However, this right applies only some relationships are rather qualified as separate
when there is no reason for its continued proces- or joint controllership, and not processors. Health-
sing. In the healthcare sector, this means that de- Tech companies will need to pay attention to the
letion requests will have to be assessed on their developments in this regard.
own merits. This being said, healthcare providers,
for example, will likely have a very good reason
for processing much of the personal data they Transfers outside the EU
hold for the purposes of providing medical care.

If data is being transferred to countries outsi-


GDPR and the role of processors vs. de the European Union (EU) which are conside-
controllers red “third countries”, additional measures must
in principle be taken to guarantee a comparably
high level of data protection. The GDPR provides
One focus of the GDPR is placing more em- for a number of options. From a practical pers-
phasis on the role and responsibilities of data pective, the most common is the execution of the
processors. Under the GDPR, processors are so-called standard contract clauses, a template
subject to new compliance requirements and to agreement issued by the European Commission
sanctions for non-compliance. Processor have (a.k.a. EC Model Clauses). This template shall not
more responsibilities. For example, a processor be modified and can usually be attached to ano-
has to assist the controller in determining which ther agreement. It is a relatively easy way of safe-
security measures are appropriate. In addition, a guarding third country data transfers. Currently,
processor needs to provide information to the however, the EC Model Clauses are under revi-
controller necessary for demonstrating com- sion and will also be securitized by the CJEU due

70
GDPR e Saúde: o que as empresas precisam saber na União Europeia e em outras localidades

to a pending case that involves their application a group of public authorities or bodies, taking into
to EU-US data transfer. account their organisational structure and size.

Data Protection Impact Assessment GDPR, Enforcement and Fines

An essential requirement of the GPDR is the ins- A lot of discussion has been around the enfor-
trument of the so-called Data Protection Impact cement of the GDPR and related fines. The GDPR
Assessment (DPIA). The DPIA is a new concept imposes stiff fines on data controllers and pro-
of the “risk-based approach” under data protec- cessors for non-compliance. The lower level is at
tion laws. Especially in the case of processing of fines of up to €10 million, or 2% of the worldwide
personal data where there is a high risk for the annual revenue of the prior financial year, whi-
data subjects, a DPIA should ensure that measu- chever is higher, while the higher level is at fines
res have been implemented which mitigate this of up to €20 million, or 4% of the worldwide an-
risk. As the Data Protection Authority of Bavaria nual revenue of the prior financial year, whiche-
for the Private Sector explains: “The risk-based ver is higher. The higher level shall be issued for
approach of the GDPR provides a selection of
infringements of, inter alia, the basic principles
the “correct” (i.e. effective and suitable) technical
for processing, including conditions for consent
and organizational measures for the protection
of personal data. In everyday life, this means that or data subjects’ rights. This means that it can ea-
entities responsible can reduce or contain risks sily happen to result in a non-compliance which
for the rights and freedoms of individual persons qualifies for the higher level.
(e.g. customers, users, employees) by selecting
Fines are issued by individual member state
suitable measures. The necessity of a technical
supervisory authorities and are subject to 10 cri-
or organisational measure thus depends on the
“risk level”, i.e. on the amount of possible damage teria to determine the amount of the fine on a
to the person in question if the risk occurs during non-compliant company:
the processing of personal data.”  Nature of infringement: number of people af-
fected, damaged they suffered, duration of in-
Appointment of a DPO fringement, and purpose of processing;

 Intention: whether the infringement is inten-


Under the GDPR, a company must appoint a tional or negligent;
Data Protection Officer (DPO) if:  Mitigation: actions taken to mitigate damage
 it is a public authority (except for courts ac- to data subjects;
ting in their judicial capacity);  Preventative measures: how much technical
 the core activities include large scale regular and organizational preparation the firm had
and systematic monitoring of individuals; or previously implemented to prevent non-com-
pliance;
 the core activities include large scale proces-
sing of special categories of data (which in-  History: past relevant infringements, which
cludes information relating to an individual’s may be interpreted to include infringements
health). under the Data Protection Directive and not
just the GDPR, and past administrative correc-
This means organisations such as general or tive actions under the GDPR, from warnings
special medical practitioners and dental prac- to bans on processing and fines;
tices, other health practitioners and pharma-
cies, and particularly those that carry out public  Cooperation: how cooperative the firm has
healthcare work, will probably need to appoint been with the supervisory authority to reme-
a DPO. Furthermore, specific national legislation dy the infringement;
may impose further appointment requirements.  Data type: what types of data the infringe-
Companies from the healthcare sector may ment impacts; see special categories of per-
appoint a single data protection officer to act for sonal data;

71
GDPR e Saúde: o que as empresas precisam saber na União Europeia e em outras localidades

 Notification: whether the infringement was At the end of the day, companies from the
proactively reported to the supervisory au- healthcare and life science sector should also be
thority by the firm itself or a third party; aware of the reputational damage and bad PR
that any enforcement, even one without fines,
 Certification: whether the firm had qualified has. Currently, the media attention of GDPR en-
under approved certifications or adhered to forcement against companies is high. Patients
approved codes of conduct; and who feel that their data is not being treated with
diligence will turn away from providers that have
 Other: other aggravating or mitigating factors a bad reputation.
may include financial impact on the firm from
the infringement.
GDPR, Artificial Intelligence and
This means that there is some level of dis-
cretion for the supervisory authorities. So far, it
Healthcare
can be said that the practice amongst supervi-
sory authorities differs significantly. For example,
Data accuracy, security and integrity are cru-
France’s Commission Nationale de l’Informatique
cial for patient outcomes, and a legal obligation
et des Libertés (CNIL) delivered the highest fine
under the GDPR. The latter in particular may not
when it levied against Google a sanction of USD
57 million for allegedly not having conformed always be compatible with the accelerated ad-
properly to various GDPR requirements. The vancement of medicine. Or rather, the challen-
German Supervisory Authorities have issued a ge is to make it so. If practitioners, patients and
total of 41 fines but the highest reported fine was researchers are to benefit from the dividends of
only EUR 80.000. health data, then safe and stable spaces need to
be developed in which this work can take place.
The highest fine for a company from the heal- The question is: Is there a conflict between data
thcare sector was issued in Portugal against the protection regulations on the one hand and Big
Centro Hospitalar Barreiro Montijo and resulted in Data and Artificial Intelligence (AI) on the other,
EUR 400.000. The Supervisory Authority, the Co- given that software based on such algorithms is
missão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), making its way into the health care sector?
found that there were three violations of the GDPR.
The violation of the data minimization principle,
by allowing indiscriminate access to an excessive The application of AI in the
number of users, and the basic principles, as well healthcare sector
as the violation of the integrity and confidentiali-
ty as a result of non-application of technical and
organizational measures to prevent unlawful ac- AI, machine learning (an application of AI), and
cess to personal data were subject to a fine of EUR big data, are used in a wide range of applications
150.000. For the incapacity of the hospital to ensu- in hospitals. For example, cognitive computer
re the continued confidentiality, integrity, availabili- systems are used to facilitate repetitive proces-
ty and resilience of treatment systems and services ses and to create sample analyses in the context
as well as the non-implementation of the technical of radiological diagnostics. Where a learning or
and organizational measures to ensure a level of
predictive function is added, then we are into the
security adequate to the risk were subject to a fine
realms of AI.
of EUR 100.000 by the CNPD.
Other examples are the Deep Learning Model
Not all GDPR infringements lead to fines. Su-
pervisory authorities have the scope to take a of Stanford University and Google Brain. These
range of other actions, such as: tools are used to determine the most probable
time of death of seriously ill patients and the best
 Issuing warnings and reprimands; treatments as a result, including enabling patien-
ts to be transferred to palliative care in good time
 Imposing a temporary or permanent ban on in order to give them a dignified farewell.
data processing;
Surgical robots or other robotic-based sys-
 Ordering the rectification, restriction or erasu- tems are another field of application. Some belie-
re of data; and
ve that medical robots will be indispensable for
 Suspending data transfers to third countries. high-precision surgical treatments in the future.

72
GDPR e Saúde: o que as empresas precisam saber na União Europeia e em outras localidades

They have the potential to improve post-opera- in question here. Data collected for a specific
tive rehabilitation and to provide highly efficient purpose can generally only be used for this pur-
logistical support in clinics. There is no doubt pose. However, if a software solution is suppo-
that as machine learning and AI become more sed to make predictions for the future based on
sophisticated, the use of robots in the context of self-learning functions and derives further steps
treatment will only increase. from them, data could conceivably end up used
for a different purpose to the one for which it was
The use of AI (which for ease, we will take to originally collected. Steps must be taken to ensu-
include machine leaning) in the healthcare sector re this does not happen before the individual has
is the cause of some alarm among patients who given consent unless there are other grounds for
are concerned about privacy and accuracy. Sof- processing the data or the new purpose is com-
tware-based treatment options in which the un- patible with the original purpose.
derlying assessment is only partially made by a
doctor, are a particular focus of scepticism. This
is hardly surprising, as on the one hand very sen- Right of access
sitive data is processed and, on the other, machi-
nes are entering into an area that was previously
only occupied by humans. The right of access by individuals to their per-
sonal data under the GDPR may be asserted at
At least on the privacy side, patients should any time. For hospitals using AI solutions, this
find comfort in the fact data protection law not means that they must be able to provide infor-
only places specific requirements on software mation about the patient’s personal data at any
-based systems in hospitals, it also lays down ge- time upon request. A data management system
neral guidelines, which must be observed in the to enable prompt response to subject access re-
context of big data and AI. Particularly relevant quests will be essential.
(but not exhaustive) aspects include:
Withdrawal of consent
Right to erasure
In order to be a valid GDPR consent, the data
Another principle of data protection law is subject must be able to withdraw it at any time
that personal data must be deleted once it is without detriment. The Article 29 Working Party
no longer required for the purposes for which it (now the European Data Protection Board) no-
was collected, unless it is subject to special re- ted specifically in its consent guidelines that this
tention obligations. The GDPR places a focus on makes the use of consent as a lawful basis unsui-
the retention issue by giving individuals the ri- table in circumstances where, for example, data
ght to have their data erased under a variety of is being used for medical research.
circumstances (including where consent is with-
drawn – see below). With big data applications,
this right can lead to complications, since the
very purpose of data analysis is to access a large
amount of information in order to derive corres-
ponding results on this basis. An optimal solution
would be to anonymise the data but this is not
Sobre o autor
always possible. Whatever decision is taken, it
must be possible for a data controller of AI-ge- Thanos Rammos has worked as a
nerated health personal data, to be able to give lawyer for Taylor Wessing since 2011
effect to any lawful erasure requests. and specialises on data protection law.
He advises particularly HealthTech
companies from the Life Science and
Purpose limitation
Healthcare industry. He frequently deals
with the implementation of GDPR and
Purpose limitation is another important as- with a number of other topics such as
pect that poses challenges for the applications negotiating IT agreements, advising on A.I.
related topics and working with in-house
Legal and Business Teams of clients to
achieve practicable solutions.“
73
O Gestor de Saúde e a Mudança

T
eseu é o herói e um dos mitos-fundadores
da Atenas clássica. Nascido há quase três
milênios, rei, guerreiro, conquistador até
contra seres mitológicos, a história de Teseu
pode parecer, talvez, o ponto de partida mais
distante possível para abordar desafios de um
gestor da saúde frente à nova Lei Geral de Pro-
teção de Dados Pessoais (LGPD). Um olhar para
o futuro, porém, é sempre especulativo e o pas- “Ninguém se banha no
sado pode nos trazer lições valiosas para enten-
dermos o que há por vir. mesmo rio duas vezes.”
Conta-se, portanto, que o povo ateniense Heráclito de Éfeso
preservou o navio no qual Teseu voltou de Cre-
ta após um de seus feitos heroicos - derrotar o
Minotauro. Os atenienses tinham prometido ao
deus Apolo uma cerimônia anual em sua home-
nagem se a missão de Teseu fosse um sucesso,
e passaram a usar o navio do heroico rei para
navegar até o santuário na ilha de Delos, todos
os anos, para cumprir a promessa.

O navio precisava, portanto, ser mantido em


estado navegável ao longo dos séculos. O sol e e big data viraram linguagem corrente entre os
o mar, porém, apodreciam a madeira, e as peças executivos da saúde e ocupam uma parte signi-
do navio precisavam ser periodicamente troca- ficativa de suas atividades ao longo de cada dia.
das. Assim, tábua a tábua, remo a remo, cada pe-
daço do navio foi gradativamente substituído, de Da mesma forma que o navio de Teseu pre-
forma que não restou nenhuma parte que fosse cisou de peças novas para continuar a navegar,
pertencente ao navio original. O fato é que essa para continuarem a ser capazes de gerir institui-
renovação constante é fundamental para manter ções que atendem os pacientes de forma ade-
o navio flutuando. O navio que não trocasse as quada, gestores de saúde precisam se renovar –
suas peças deixaria, em algum momento, de ser e ainda que a atividade futura tenha muito pouco
navio e viraria naufrágio. a ver com a passada, é a finalidade da atuação
do gestor que deve definir as ferramentas que
Surge, então, a pergunta: aquele ainda é o na- são utilizadas e não as ferramentas à mão que
vio de Teseu? Se não sobrou nada do navio origi- devem ditar a finalidade. Para o gestor da saúde,
nal, ainda pode ser considerado o mesmo navio? a finalidade é quase sempre a mesma – oferecer
E se guardarmos as peças antigas à medida em a assistência pertinente, com a melhor qualida-
que são retiradas, e reconstruirmos o navio com de, da forma mais eficiente possível, com a me-
elas – qual dos dois navios resultantes será o na- lhor experiência de cuidado tanto para pacientes
vio de Teseu? quanto para colaboradores. As ferramentas, po-
Quem atua em um setor com mudanças tão rém, mudam radicalmente com o tempo.
constantes quanto a saúde pode passar por re- Nada mais natural. À medida em que as neces-
flexões semelhantes. Qual é, de fato, a essência sidades dos pacientes se transformam e à medi-
de um gestor da saúde? O gestor da saúde viu da em que as capacidades do setor de saúde de
as suas atribuições paulatinamente serem muda- cuidar adequadamente desses pacientes aumen-
das ao longo dos anos – por outras novas e mais tam, a natureza da atividade de gestão também
complexas. Termos que, há duas ou três déca- se altera. Mas executivos não são navios e adqui-
das, eram absolutamente desconhecidos no se- rir novas competências requer um esforço maior
tor, como compliance, lean management, hackers do que simplesmente trocar uma peça.

76
O Gestor de Saúde e a Mudança

É preciso, em primeiro lugar, conscientizar- compliance legal. Embora, como em quase toda
se das novas realidades que se apresentam. No Lei, haja pontos controversos na LGPD, é indis-
caso específico da LGPD, esta realidade é que cutível que a utilização responsável dos dados é
os dados dos pacientes são uma extensão dele uma demanda cada vez mais presente na socie-
próprio, e merecem tanto respeito e cuidado no dade e que esta demanda apenas viu-se refletida
trato quanto o paciente em si. Essa mudança de na Lei. A LGPD não nasceu de um capricho le-
perspectiva é fundamental para o gestor priori- gislativo, nem é um documento completamente
zar a estrutura de tecnologia de informação e as alheio à realidade social, mas uma efetiva e cres-
atividades de gestão de processos, de capaci- cente demanda dos cidadãos e pacientes em um
tação da equipe e de segurança da informação momento histórico em que os dados pessoais
que são necessárias a uma gestão adequada dos começam a ser coletados em grande volume e
dados em uma instituição. Assim como nenhum utilizados para fins cada vez mais diversos.
gestor da saúde assistiria impassível o desenrolar
de um processo que potencialmente ameaça a Assim, a proteção adequada dos dados do pa-
segurança do paciente, tampouco deve ele ter ciente torna-se mais do que uma demanda ex-
uma postura passiva em relação a ameaças à se- clusivamente de compliance, mas torna-se uma
gurança de dados do paciente. obrigação ética, uma chance de estabelecer, des-
de o começo, uma relação de confiança e trans-
A Lei e as suas penalidades, afinal, impõem parência com os clientes e, especialmente, uma
sérios riscos às instituições de saúde, e as orga- oportunidade para repensar o fluxo de informa-
nizações que não tomarem as atitudes necessá- ções dentro das instituições, para além da estrita
rias para a adequação certamente sofrerão sé- proteção aos dados pessoais dos pacientes.
rias consequências tanto em termos financeiros
quanto em termos de imagem. Garantir que os tomadores de decisão em uma
organização tenham à sua disposição as infor-
A conscientização do gestor sobre a nova im- mações de que precisam, no momento em que
portância que os dados dos pacientes adquiri- precisam é fundamental, assim como garantir
ram, sob uma perspectiva de gestão, porém, não que informações desnecessárias não cheguem
pode ocorrer apenas sob um ponto de vista de onde não precisam estar – para não correr o ris-

77
O Gestor de Saúde e a Mudança

co de o ruído das informações supérfluas tornar- preparadas e empoderadas para proteger da-
se mais alto do que a música das informações dos pessoais também podem ser preparadas
importantes. para uma atuação transversal nas organizações
de saúde, reunindo capacidades técnicas e ge-
Em momentos como o atual, de demandas renciais que lhes permitam facilitar e otimizar a
instantâneas e diversas sobre a atenção do ges- comunicação com os pacientes e entre os profis-
tor, a discussão sobre a LGPD permite ao gestor sionais da própria instituição.
uma oportunidade de refletir sobre quem, quan-
do, onde e em que condições deve ter acesso a A Joint Commission estima que falhas na co-
quais informações em uma instituição – e como municação, especialmente entre as diferentes
essa informação entra e sai da instituição. equipes assistenciais em trocas de turno, con-
tribuem para 80% dos casos de erros médicos
De nada adianta conscientizar-se, porém, se o graves. Assim, uma visão estratégica do gestor
gestor não se munir das ferramentas de que pre- sobre o tema da gestão de informações pode ter
cisa para cuidar adequadamente dos dados do profundos impactos em outros aspectos, tanto
paciente. E cabe aqui, ao gestor, uma generosa clínicos quanto administrativos.
dose de humildade. Embora a consciência sobre
a importância do tema de proteção de dados seja A LGPD é, portanto, nada mais do que um dos
um dever do gestor, aqueles que lidam com a indícios de uma transformação digital mais pro-
saúde sabem da imensa complexidade das insti- funda que está chegando à saúde. Essa transfor-
tuições desse setor. Adicionar ao já amplo escopo mação é baseada em dados – nas capacidades
de deveres do gestor da saúde a obrigação de de coleta, armazenamento, análise e ação com
conhecer os meandros legais da LGPD, e detalhes base nesses dados, em uma escala inteiramen-
técnicos chaves públicas e privadas de criptogra- te nova, com apoio de uma infinidade de dispo-
fia, blockchains, firewalls, certificados digitais e sitivos e sensores distribuídos e integrados em
tantas outras tecnologias relacionadas à proteção redes de comunicação (a internet das coisas) e
de dados, seria uma impossibilidade prática. de inteligência artificial capaz de fazer sentido
dessa imensa massa de informação. O uso res-
As ferramentas adequadas, portanto, neces-
ponsável desses dados é só o primeiro passo no
sariamente virão de terceiros – colaboradores
preparo para esses novos tempos.
e fornecedores que serão responsáveis pela es-
truturação da proteção dos dados dentro das Para os gestores da saúde que ainda não en-
organizações. Se as atividades destes terceiros traram plenamente nessa jornada, a adequação à
ganham nova importância e se podem trazer Lei pode ser o ponto de partida para o desenho
consequências mais gravosas às instituições, é de uma estratégia digital efetiva para a sua ins-
responsabilidade do gestor compreender que tituição. O fato é que a mudança é inexorável e
o cuidado na seleção e capacitação desses pro- necessária. A transformação digital será tão pro-
fissionais e parceiros precisa ser aumentado. As funda que alterará fundamentalmente a forma
boas práticas de governança necessariamente pela qual os serviços de saúde serão prestados.
impõem que o poder deve ser distribuído nas
instituições de acordo com as responsabilidades. Boa parte da atividade da atenção à saúde so-
De pouco adianta reconhecer a importância da frerá disrupção e terá o destino das lojas de re-
proteção dos dados pessoais e não empoderar velação de filme fotográfico, da indústria de dis-
as pessoas responsáveis por protegê-los. cos e das assistências técnicas de máquinas de
escrever. Para o gestor da saúde, é fundamental
Cada vez mais, na saúde, departamentos de TI saber de onde essa disrupção virá, e poder orien-
e atividades correlatas saem da posição de mera tar a sua estratégia de negócio de acordo.
atividade de apoio e passam a ser fundamentais
na estratégia organizacional e na própria sus- Mesmo a parte que não sofrer disrupção, po-
tentabilidade de longo prazo das organizações rém, será profundamente afetada. Medicina de
de saúde. E, também aí, novas oportunidades precisão e personalizada transformarão as enti-
podem ser encontradas. Estruturas e equipes dades de saúde em instituições cada vez mais

78
O Gestor de Saúde e a Mudança

eficazes e seguras – e cada vez mais capazes de


transpor os próprios muros e de levar atenção
aos pacientes antes que um caso agudo acon-
teça, bem como, se acontecer, mais capazes de
acompanhá-lo depois do fato. Mais dados tam-
bém vão aumentar a transparência e tornar cada
vez mais possível aos pacientes a comparação
entre diferentes instituições, empresas e profis-
sionais.

Cabe aos gestores a assumir a liderança des-


se processo nas suas instituições. De fato, quem
não liderar a transformação digital, será liderado
por ela. Toda transformação, porém, gera resis-
tências e afeta interesses estabelecidos. Na com-
plexidade da saúde, isto é ainda mais visível. São
14 as profissões regulamentadas no setor – e to-
das elas precisam trabalhar juntas em prol do pa-
ciente, muitas vezes todas na mesma instituição.
A gestão da mudança costuma ser um dos maio-
res desafios para qualquer gestor: junto com as
hard skills da gestão de projetos e financeira – e
do conhecimento transformação digital, o gestor
precisará cada vez mais das soft skills – persua-
são, diplomacia, comunicação e habilidades polí-
ticas para liderar esse processo.

As restrições para o avanço, mais frequente-


mente, não são restrições tecnológicas. Todas
as tecnologias para uma adequação à LGPD, por
exemplo, existem há anos. Neste sentido, são as Sobre o autor
competências dos gestores e sua capacidade
de priorizar adequadamente o tema nas institui- Luiz Felipe Costamilan é formado em
ções; de escolher, capacitar e engajar pessoas da administração pela PUC-Rio e, desde
forma correta e de estruturar a governança de abril de 2018 é CEO do CBEXs. Antes,
forma a empoderá-las a serem resolutivas que foi Diretor de Relações Institucionais
efetivamente diferenciará os gestores e as insti- da Associação Nacional de Hospitais
tuições de saúde. Privados - Anahp, onde participou
ativamente das discussões sobre
E desta maneira, pouco a pouco, as institui- qualidade e modelos de assistência e
ções de saúde vão se transformando. Da mesma remuneração no âmbito das Agências
maneira que aqueles que entram em um hospital Reguladoras e do Poder Legislativo e
de hoje pouco veem em comum com as “casas conduziu o projeto sobre mensuração
de bem-morrer” da idade média, o gestor de saú- de desfechos assistenciais em parceria
de de hoje pouco terá em comum com aquele com o ICHOM. Luiz Felipe foi também
do futuro. O destino do gestor de saúde, porém, conselheiro do Conselho Nacional
lembra a frase do romance de Tomasi de Lampe- de Saúde e é profissional certificado
dusa, em “O Leopardo”: “Se queremos que tudo em auditoria interna pela norma ISO
permaneça como está, é preciso que tudo mude”. 9001:2015 e em Compliance na Saúde
Se o gestor de saúde quer permanecer relevante pelo CBEXs. É, também, membro do
e permanecer capaz de ajudar os seus pacientes, ComSaúde da Federação das Indústrias
é preciso mudar com os novos tempos. do Estado de São Paulo - FIESP.

79
Os impactos da LGPD na experiência do cliente

A
partir de agosto de 2020, empresas de O consumidor de hoje exige experiências mais
todos os portes e segmentos precisarão autênticas e muitas empresas estão atentas à
garantir que seus stakeholders autorizem essa tendência. A Document Strategy, por exem-
de maneira formal a coleta de suas informações plo, mapeou que 64% dos provedores globais de
pessoais. As companhias também devem garan- serviços veem as comunicações com os clientes
tir a essas pessoas o direito de saber a finalida- e a experiência do consumidor associada a co-
de do mapeamento, quem terá acesso aos da- municações personalizadas como uma das mais
dos, como eles serão armazenados e se haverá importantes tendências de negócios na atualida-
compartilhamento das informações. A exigência de. Além disso, 84% das organizações que traba-
passa a vigorar em virtude da nova Lei Geral de lham ativamente para melhorar a experiência do
Proteção de Dados, também conhecida pela si- cliente, criam relacionamentos individuais me-
gla LGPD.
lhores e registram crescimento de receita.
Embora haja muito alarde em torno deste
As táticas de comunicação com o cliente po-
tema, acreditamos que as organizações podem
dem ser divididas em duas categorias. A primei-
se beneficiar da nova regulamentação, que tra-
ra é a estratégia de push (empurrar), realizada
rá mais segurança aos cidadãos, padronizando
por meio de envio de e-mail, SMS ou correspon-
processos e impondo penalidades a quem des-
cumprir as regras. Ao nosso ver, ainda que seja dência física. A segunda, conhecida como pull
de uma forma impositiva, a conformidade cria (puxar), refere-se à ação de motivar os clientes
oportunidade para que as empresas passem a a buscarem as marcas por conta própria, uma
ter dados mais qualitativos, tendo em vista que tendência que, curiosamente, pode ter a LGPD
a base será composta apenas por pessoas que como uma catalisadora. Isso se explica pelo fato
efetivamente demonstraram interesse em man- de que, olhando para o segundo semestre de
ter relacionamento com a organização. Com isso, 2020, as instituições precisarão adotar novos
será possível engajar e fidelizar clientes por meio métodos de personalização nas comunicações
de contatos mais transparentes, personalizados para encorajar novos clientes e os existentes a
e eficazes, otimizando a experiência do cliente dar seu consentimento para o uso de suas infor-
no contato com a marca. mações e preferências.

82
Os impactos da LGPD na experiência do cliente

De acordo com material divulgado pela Qui- informações. Também possibilita que o titular
cksprout, 78% dos clientes têm mais probabili- expresse o desejo de não querer mais que seus
dade de se envolver com uma empresa quando dados sejam tratados ou que a autoridade na-
sabem que terão o controle sobre como a orga- cional determine o encerramento do processo.
nização se comunica com ele. Dessa forma, não Por outro lado, a lei prevê também algumas ex-
é difícil de concluir que incentivar a confiança do ceções para que as empresas possam continuar
consumidor por meio de ações de atração é uma o tratamento de dados por prazo indeterminado.
tática muito eficaz para escalonar as comunica- São quatro os casos: quando o controlador pre-
ções. Com o limite para opt-ins e personalização cisa cumprir alguma obrigação legal e, para tal,
em ascensão na Era da LGPD, as empresas pre- precise tratar esses dados; no caso de estudos
cisarão repensar toda a forma de abordagem. por órgão de pesquisa que garanta a anonimiza-
Como resultado, veremos as táticas de atração ção das informações; para transferência a tercei-
à frente das estruturas de comunicação das em- ros; e para o uso exclusivo do controlador, desde
presas. Graças a esse desejo do cliente de ter que os dados sejam anonimizados.
maior controle sobre como as empresas se co-
municam com ele, as organizações podem en- Também é importante destacar que a Lei Geral
tender a LGPD como um impulso para elevar a de Proteção de Dados se baseia em 10 princípios:
confiança e o engajamento do cliente.
1. Finalidade: Dados coletados só podem ser
tratados para fins legítimos e especificados aos
Overview da LGPD titulares, ou seja, as empresas não podem coletar
informações e, depois, usá-las para outros fins.
As regras da LGPD são válidas para todos aque- Por exemplo, o hospital diz que vai utilizar um
les que utilizam dados pessoais e sensíveis do cida- dado para fins de internação do paciente e de-
dão brasileiro no ambiente online ou offline, sejam pois utiliza a informação para compor uma pes-
pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou quisa que será divulgada na imprensa.
privado. Do grupo de informações a serem fisca-
2. Adequação: O tratamento dos dados deve
lizados, fazem parte todas aquelas que permitam,
ser compatível com a finalidade que foi infor-
de alguma forma, identificar a qual cidadão os da-
mada para o usuário. Ou seja, a empresa não
dos se referem. Isso quer dizer que é improvável
descobrir o nome de um indivíduo pela cor do ca- pode usar os dados dos clientes para qualquer
belo, mas ao fazer o cruzamento da característi- fim que não tenha sido previamente informado.
ca com o endereço ou a filiação, é possível chegar Por exemplo, se o paciente manifestou o desejo
à identidade da pessoa ou bem próximo a ela. A de ser acessado apenas por e-mail, ele não pode
LGPD estará atenta a esses casos. receber ligações ou mensagens de texto da ins-
tituição.
Pela lei, os envolvidos dividem-se em três gru-
pos: os controladores, que são as empresas de- 3. Necessidade: Os dados devem ter o uso li-
tentoras dos dados e a quem compete as deci- mitado ao necessário para o alcance de objetivos
sões de como as informações serão tratadas; os pré-estabelecidos. Ou seja, as empresas devem
operadores, organizações responsáveis por pro- coletar apenas aquelas informações estritamente
cessar e tratar os dados em nome do controlador; necessárias para prestação dos seus serviços. Por
e os titulares, que são os indivíduos a quem as exemplo, caso o objetivo seja disparar e-mails, é
informações pertencem. A fiscalização será em desnecessário solicitar o número do telefone ou
torno de dados, como nome, data de nascimen- endereço do paciente.
to, profissão, localização, identificação digital,
nacionalidade, preferências, interesses, hábitos
4. Livre acesso: Os titulares dos dados devem
sempre ter acesso fácil e gratuito às suas infor-
de consumo, origem racial ou étnica, orientação
mações, além de serem informados sobre como
religiosa, política e filosófica e dados de saúde,
genético ou biométrico, login via redes sociais, essas informações serão utilizadas e qual será a
RG, CPF, número do cartão de crédito, senhas, duração desse processo. Por exemplo, um pa-
endereço, e-mail e telefones, entre outros. ciente cadastrado em uma base de dados há seis
meses, pode decidir revisar as informações ou
A LGPD determina que as empresas informem excluir dados que não queira mais compartilhar
o prazo e a finalidade para manipulação dessas com a organização.

83
Os impactos da LGPD na experiência do cliente

5. Qualidade dos dados: Princípio que garante Não tenha dúvida sobre a
aos titulares que seus dados serão exatos, terão importância da LGPD
informações claras, relevantes e atualizadas para
tratamento. Por exemplo, se o paciente, cadas-
trado em uma base de dados há algum tempo, Quando uma empresa estabelece contato com
notou que as informações estão desatualizadas, diferentes stakeholders, essas pessoas fornecem
poderá solicitar alteração a qualquer momento. seus dados pessoais. Então, preserve essa rela-
ção de confiança. O vazamento dos dados ou
6. Transparência: Garante aos usuários infor- uso inadequados deles podem, em alguns casos,
mações claras e de fácil acesso sobre o tratamen- gerar danos irreparáveis aos envolvidos. Somen-
to de seus dados e quem são os responsáveis te isso já é um forte argumento para se tornar um
por tratá-los. Por exemplo, ao receber um SMS adepto da LGPD.
de um hospital falando sobre uma nova unidade
de atendimento na região onde mora, o paciente A nova lei dará segurança jurídica às pessoas,
pode questionar o motivo para que tenha recebi- enquanto gradativamente irá extinguir as práti-
cas ilegais com relação ao uso de dados dos ci-
do essa mensagem e qual critério utilizaram para
dadãos, como o cookie pool e a venda de lista
selecioná-lo.
de dados. A ideia é que, com o tempo, o Brasil
7. Segurança: As empresas que tratam de da- possa ser visto como referência na segurança de
dos devem adotar medidas para proteger as in- dados e, assim, atrair parcerias internacionais de
formações de acessos não autorizados, eventos países que também prezam pelas boas práticas
acidentais, alteração, perda, comunicação ou relacionadas aos dados dos cidadãos.
compartilhamento irregular. Por exemplo, o pa-
ciente informou o número do seu CPF ou Seguro Não adquira qualquer dado sem
de Saúde para realizar um procedimento. É res- consentimento
ponsabilidade da empresa proteger esses dados
para que esse usuário não seja prejudicado por
fraudes. A LGPD exige que o consentimento para o
uso de dados pessoais ou recebimento de con-
8. Prevenção: É importante adotar medidas teúdos, promoções e informações seja fornecido
para prevenir a ocorrência de danos no trata- por meio de formulário físico ou eletrônico, que
mento das informações. Em caso de invasão ao pode ser um canal de opt-in, check-box ou outro
sistema em que os dados estão armazenados, da preferência da companhia. Mas, é fundamen-
por exemplo, a empresa detentora de dados de tal poder comprovar esse “ok” em caso de fis-
cidadãos brasileiros será responsabilizada por calização. Vale ressaltar, que é considerada falta
qualquer uso indevido das informações que es- grave ações que induzam a pessoa ao consenti-
tavam em seu poder. mento ou que sejam caracterizadas como coa-
ção. Deve-se prezar pelo livre direito de escolha
9. Não discriminação: Os dados não podem do cidadão.
ser utilizados para a promoção de ações ilícitas,
discriminatórias ou abusivas. Por exemplo, o ta- As organizações devem ficar atentas, também
belamento do mesmo serviço por preços dife- para não cometer outras três falhas:
rentes, considerando a região de residência do
 Formulário de consentimento com frases ge-
cliente, que foi identificada no banco de dados, é néricas - Não será aceita pela LGPD frases
uma prática considerada inadequada. que digam algo, como “autorizo o livre uso de
10. Responsabilização e prestação de con- meus dados de saúde para fins de pesquisa”.
É preciso informar qual será a pesquisa, a que
tas: As organizações são responsáveis pelos da-
se destina, a quem beneficiará, quais pessoas
dos que detém e, por essa razão, têm o dever
terão acesso aos dados, quando e como será
de informar quando terceiriza o tratamento das
divulgada, entre outros detalhes.
informações, bem como identificar o encarrega-
do pela tarefa. Dessa forma, a empresa deve a  Impedir que o cliente peça a exclusão de seus
possuir documentação que comprove a regula- dados da lista - Opte por criar um mecanis-
ridade do processo, em concordância com a lei. mo que facilite o descadastramento do cliente

84
Os impactos da LGPD na experiência do cliente

da base de dados, em uma ação simples, sem Setor de saúde, um dos mais
burocracias e com a garantia de atendimento sensíveis
imediato à solicitação.

 Ocultar do cliente informações sobre mu-


danças nos processos - É direito do cliente Em geral, a área mais sensível da vida das pes-
ser informado sobre qualquer mudança nos soas é a saúde. Isso faz com que, nas instalações
processos de coleta, tratamento ou armaze- de clínicas, hospitais e laboratórios, qualquer ex-
namento dos dados. Inclusive, neste caso, é posição de informações sobre os pacientes se-
importante reforçar a ele a possibilidade de jam cuidadosamente planejadas. Esse cuidado
solicitar o descadastro da base de dados, deve ser redobrado com a chegada da LGPD. A
caso não concorde com algo da nova política. orientação diz respeito, por exemplo, a placas de
Dessa forma, dedique atenção para estrutu- identificação na porta do quarto ou na cabecei-
rar as práticas de adequação à LGPD e, para ra e pés do leito. Há também a necessidade de
evitar ferir as normas da lei, só faça alterações maior fiscalização quanto a dados do prontuário
nos processos caso elas sejam fundamentais físicos ou virtuais para que não haja ações que
para o negócio. caracterizem vazamento de dados. Algumas me-
didas preventivas são importantes:
Atenção especial aos dados de
 Só exponha ou utilize informações do pacien-
jovens te nas instalações da organização caso tenha
autorização formal dele;
No contato com jovens com idade inferior a 12
 Treine a equipe com relação à deveres, direi-
anos, a LGPD exige um cuidado extra com rela-
tos e punições relacionadas à LGPD;
ção à manipulação dos dados. As informações de
membros desse público só podem ser coletadas  Mapeie, categorize e monitore as informações
mediante a autorização dos respectivos respon- de pessoas que circulam na instituição;
sáveis legais. É importante lembrar, também, que
a forma de comunicação com o cliente deve con-  Invista em soluções de segurança dos dados
siderar o perfil do público. Isso quer dizer que, ao coletados; e
falar com uma criança ou jovem, não é permitido
usar termos jurídicos ou qualquer outra lingua-  Mantenha o constante monitoramento das
gem de difícil interpretação e compreensão. ações e revisão dos processos.

85
Os impactos da LGPD na experiência do cliente

Impactos em marketing e na A lei trará oportunidades. Entenda porquê:


experiência do cliente 1. Consentimento real: Com a LGPD, será pre-
ciso o consentimento explícito para usar os da-
dos de um indivíduo. Além disso, os clientes tam-
Em virtude das exigências da LGPD, recomen-
bém poderão questionar que tipo de informação
damos que os profissionais de marketing e ex-
a empresa detém sobre eles, com quem são
periência do cliente fiquem atentos a três ações
compartilhadas e o propósito para o qual foram
que certamente irão impactar na experiência do
coletadas. Neste caso, a oportunidade está no
cliente: fato de que, no lugar de apenas perguntar se o
1. Permissão de dados: Como a empresa ge- cliente quer ou não manter contato com a marca,
rencia os opt-ins de e-mail? Não será mais permi- a empresa poderá mapear mais dados da prefe-
rência dele, como, por exemplo, meio e frequên-
tido simplesmente supor que os clientes querem
cia de contato e conteúdo de interesse. Dessa
ser acessados pela empresa. Com a LGPD, essas
forma, além de estar em acordo com a LGPD, a
pessoas precisarão expressar o consentimento
organização poderá segmentar e personalizar as
de uma forma “livremente dada, específica, in-
ações de comunicação, melhorando a experiên-
formada e inequívoca”, que é reforçada por uma
cia do cliente.
“ação afirmativa clara”. Na prática, isso significa
que os leads, clientes e parceiros precisam regis- 2. Direito de ser esquecido: Pela LGPD, cada
trar o interesse de se relacionar com a empresa. indivíduo tem o que é chamado de “direito de
Um ponto a ser observado é que a tática de op- ser esquecido”. Se solicitado por um cliente, a
ções pré-marcadas nos formulários online para empresa precisará remover todos os dados que
recebimento de newsletter, por exemplo, será detiver dessa pessoa específica, em todos os ar-
considerada ilegal. quivos da organização. Caso mantenha os dados
armazenados em lugares diferentes para finali-
2. Acesso de dados: A LGPD, além de oferecer dades distintas, isso pode ser um problema. A
aos clientes a opção de obter mais controle so- solução, neste caso, é ter uma única plataforma
bre como seus dados são coletados e utilizados, de hospedagem. Centralizar os dados, como em
também dão a eles o poder de acessar e remover um sistema de CRM – Customer Relationship Ma-
as informações quando desejarem. E, cabe aos nagement, ajudará a organização a acompanhar
profissionais responsáveis pela interação com o todas as permissões e garantir a conformidade
cliente facilitar essa ação. Uma alternativa mui- com a LGPD. Além disso, será possível oferecer
to eficaz é incluir, no e-mail marketing, um link aos clientes a oportunidade de ativar e desativar
de acesso ao perfil do usuário que está na base o consentimento, para fins diferentes. Isso, por
de dados da empresa. Assim, ele terá autonomia sua vez, garante a oportunidade de aprender
para gerenciar as próprias preferências. mais sobre o consumidor e, novamente, segmen-
tar as comunicações com assuntos relevantes.
3. Foco nos dados: A LGPD determina que as
organizações justifiquem legalmente a necessi- 3. Transparência: Em geral, pessoas optam por
fazer negócios com outros indivíduos ou organi-
dade da coleta de cada dado, item a item. Por
zações que conhecem, gostam e confiam. E, essa
essa razão, visando otimizar tempo e trabalho,
construção da confiança se fortalece quando há
priorize coletar apenas dados que serão efetiva-
transparência na relação. Então, considerando
mente utilizados.
estes princípios, a recomendação é que as em-
presas sejam claras ao dizerem quem são e o que
Oportunidade para os profissionais fazem. Especificamente com relação aos dados
de marketing e experiência do dos cidadãos, as organizações devem evidenciar
cliente a preocupação com o zelo pelas informações.
Um estudo realizado pela Harris Interactive re-
velou que 93% dos compradores online citam a
Não pense que a LGPD causará um impacto segurança de seus dados pessoais como uma
negativo na maneira como se faz negócios hoje. preocupação.

86
Os impactos da LGPD na experiência do cliente

Quem é mais afetado pela LGPD em na mesma proporção em as informações são va-
marketing? liosas, elas estão cada vez mais vulneráveis. Além
disso, pesquisas mostram que a preocupação
com o uso de dados não é em vão. Veja:
Todos os membros das organizações devem
 92% dos clientes online citam a segurança e
estar cientes sobre os direitos, deveres e penali-
a privacidade dos dados como uma preocu-
dades relacionadas à LGPD. Porém, em um depar-
pação (fonte: Privacidade do Consumidor da
tamento de marketing três profissionais precisa-
TRUSTe / NCSA);
rão redobrar a atenção nas ações diárias. São eles:
 57% dos consumidores não acreditem que as
 Profissionais de marketing - Não compre mai- marcas usem seus dados com responsabilida-
lings, ainda que os e-mails sejam vitais para a de (fonte: Chartered Institute of Marketing);
área. Prefira sempre garantir que o cliente te-
nha real interesse em interagir com a organiza-  90% das empresas acreditam que é muito
ção e está confortável quanto ao fato de que difícil excluir os dados dos clientes, enquan-
ela detém dados pessoais e sensíveis dele. Não to 60% delas não possuem um sistema para
caia na tentação de inflar o mailing com todos ajudá-los a fazê-lo (fonte: State of European
os endereços que receber e excluí-los apenas Privacy Report da Symantec).
quando for notificado pelo cliente. Qualidade
de dados é sempre melhor que quantidade.
Direitos do cidadão: nunca é
 Especialistas em automação de marketing - A demais relembrar
automação de marketing é uma solução mui-
to útil, mas, caso queira continuar utilizando-a,
após a implementação da LGPD, tenha certe- A promessa do Governo é de que não haja fle-
za de que a ferramenta estará configurada xibilidade quanto ao não cumprimento das dire-
de forma que não envie mensagens para um trizes da Lei Geral de Proteção de Dados. Vamos
cliente que acabou de pedir o descadastra- relembrar alguns direitos dos clientes que aces-
mento da base de dados da empresa. Procu- sam um site e têm seus dados coletados:
re formas de centralizar os dados para que a
 Serem informados de que a empresa vai cole-
companhia não seja penalizada.
tar, armazenar e utilizar os dados;
 Profissionais de relações públicas - Jornalistas
 Ter acesso às informações coletadas;
também precisarão formalizar seus consenti-
mentos para receber informações das empre-  Saber sobre a intenção da empresa de com-
sas. Novamente, a recomendação é optar pelo partilhar as informações com outras organiza-
mailing que preza a qualidade e não quantida- ções;
de. Mantenha o foco na oportunidade de inves-
tir mais no relacionamento estreito e transpa-  Solicitar a exclusão de seus dados da base a
rente, sempre entendendo a necessidade de qualquer momento, com garantia de que o
abordá-los com informações que façam senti- pedido seja atendido;
do para o veículo e o público que consome in-
 Caso haja alguma tomada de decisão de ma-
formações por meio dele. Com profissionais de
neira automatizadas, com base em seus da-
comunicação, o consentimento também pode
dos, o proprietário das informações poderá
ser concedido por meio de plataformas online.
solicitar detalhes do processo, respeitando os
sigilos comerciais e industriais da organização
Preocupação que se justifica em questão;

 Ser informado sobre as mudanças de regras


No mundo, nunca houve tanta oferta de da- na coleta, armazenamento e uso dos dados;
dos, sejam os pessoais ou os relacionados aos  Corrigir dados incompletos ou desatualiza-
sites acessados, as chamadas telefônicas realiza- dos; e
das, aos lugares visitados e as fotos registradas.
Tudo se tornou possível de ser mapeado. Porém,  Solicitar anonimização das informações.

87
Os impactos da LGPD na experiência do cliente

10 passos para estar em 6. Insira o CRM na rotina da equipe: O ar-


mazenamento de dados em arquivos do Google
compliance com a LGPD ou em planilhas do Excel não é eficiente. Consi-
dere centralizar a coleta de dados pessoais dos
O The Economist classifica os dados pessoais clientes em um sistema de CRM, sempre certifi-
de um cidadão como “o recurso mais valioso do cando-se de que os usuários possam acessar as
mundo”, antes mesmo do petróleo. A questão é informações, revisar os documentos e fazer as
que os consumidores não estão convencidos de alterações necessárias.
que as empresas estão fazendo o suficiente para
7. Entenda os detalhes dos dados coletados:
proteger as informações, uma percepção eviden-
Todas as informações coletadas dos clientes são
ciada pelo estudo de Privacidade do Consumidor
úteis para o negócio ou existem dados que não
da TRUSTe/ NCSA, que descobriu que 92% dos
são necessários? Para os profissionais de marke-
clientes online citam a segurança e a privacidade ting B2B, por exemplo, é suficiente ter apenas o
dos dados como uma preocupação. Para auxiliar nome completo do contato, o endereço de e-mail
as organizações a cumprirem com a LGPD, com- e o nome da empresa que ele representa.
partilho uma lista com 10 práticas importantes
para estar em compliance com a Lei: 8. Tente usar notificações push: Os profissio-
nais de marketing podem usar notificações por
1. Audite o mailing: A empresa só deve ter na push para enviar uma mensagem aos assinantes
lista dados de pessoas que formalizaram o inte- a qualquer momento. No entanto, ao contrário
resse de nela estar. Em caso de contatos antigos, das campanhas de marketing por e-mail, elas não
a orientação é enviar um e-mail solicitando essa processam dados pessoais e os usuários preci-
confirmação. sam dar consentimento explícito para recebê-las.

2. Analise o processo de coleta de dados 9. Reveja a declaração de privacidade da


pessoais: Não compre mailings. Em se tratan- companhia: O texto deve ser de fácil leitura e
do de LGPD, o melhor caminho é ter uma lista compreensão, assim como determina a LGPD.
menor, porém qualificada, com todos os clientes
10. Revise os processos: A empresa deve pro-
cientes do que está sendo feito com seus dados.
cessar apenas os dados dos clientes que fazem
3. Crie conteúdos personalizados para os sentido para o negócio da empresa. Além disso,
clientes: Invista em uma estratégia de brand como dito anteriormente, é importante armaze-
content (marketing de conteúdo) relevantes nar as informações em um formato que facilite a
para os clientes e distribua-os em forma de white anonimização, melhorar a transparência, autori-
papers, guias e eBooks. A ideia é que eles façam zar que os visitantes controlem o processamento
desses dados, buscar parceiros em conformida-
download dos materiais em troca do comparti-
de com a Lei, melhorar continuamente a segu-
lhamento das próprias informações de contato.
rança no armazenamento e na transferência de
4. Convide os visitantes a se cadastrarem dados, usar Relatório de Impacto à Proteção de
na lista de contatos: A sugestão é que a em- Dados Pessoais e definir uma pessoa, física ou
presa mantenha uma lista de e-mails segmenta- jurídica, para ser responsável pelos dados dos
da criando pop-ups específicos para notícias so- clientes.
bre produtos e serviços da organização, além de
postagens em blogs e notícias gerais da compa- Por tempo ilimitado? Nem pensar!
nhia. É importante lembrar que toda ação deve
estar vinculada à política de privacidade.
Ao descrever detalhes sobre o uso dos dados
5. Eduque a equipe de vendas: É fundamen- dos cidadãos, a LGPD exige que a empresa infor-
tal investir na estratégia de social marketing, fa- me data para início e término do uso das infor-
zendo com que os representantes de vendas se mações. A regra se deve ao fato de garantir que
conectem com os clientes em potencial por meio a ação seja encerrada assim que a organização
das mídias sociais, compartilhando conteúdos atingir o objetivo proposto, conforme concor-
relevantes para eles. Essa ação tende a render dância do proprietário dos dados. Porém, exis-
mais resultados que a prospecção por e-mail. tem casos específicos que permitirão o uso das

88
Os impactos da LGPD na experiência do cliente

informações por tempo indeterminado. São eles: bloqueados para o uso ou a infração amplamen-
te divulgada.
 Quando o controlador precisa cumprir algu-
ma obrigação legal; Em tempos de desejo de retomada da econo-
mia, não é inteligente perder dinheiro, clientes ou
 No caso de estudos por órgão de pesquisa, a credibilidade. Sairão na frente as organizações
desde que haja a garantia de anonimização que aproveitarem os próximos meses para se
dos dados; adequarem, seja buscando o apoio de especia-
 Em situações que haja a necessidade de trans- listas ou aderindo a ferramentas que facilitem o
ferência de informações a terceiros; e processo.

 Quando as informações são de uso exclusivo


do controlador, porém, neste caso, os dados
Confiança: um valor que ampliará o
devem ser anonimizados. diferencial competitivo

Punição que prejudica o bolso


Cumprir os requisitos de conformidade cria
As empresas que não respeitarem as diretri- oportunidades para as organizações mostra-
zes da LGPD estarão sujeitas a multas simples rem o cuidado e respeito que dedica aos clien-
ou diárias de até 2% do faturamento da empre- tes, construindo um relacionamento baseado na
sa, limitado a R$ 50 milhões por infração. Além confiança, que tende a reverter em fidelidade e
disso, também poderão ter os dados irregulares engajamento.

Sobre os autores

Guilherme Ferri Ricardo Medina

Estrategista em marketing de Com histórico de mais de 20 anos


serviços, Guilherme Ferri é graduado de trabalho na gestão de projetos no
em Propaganda e Marketing, com setor de saúde, Ricardo Medina possui
MBA na Fundação Getúlio Vargas MBA em MKT na COPPEAD UFRJ
e especializações na Pennsylvania e MBA em MKT/Gestão no Ibmec
University, Copenhagen Business e especializações em instituições
School, IE Business School, Rotterdam como Singularity University e
School of Management. Sócio-diretor Kellogg Management - Northwestern
da MF Marketing & Business Advisors, University. Sócio-diretor da MF
atua em empresas nacionais e Marketing & Business Advisors, conta
internacionais, auxiliando nos desafios com sua em expertise em Gestão de
de posicionamento de marcas e Marketing, Planejamento de Negócios,
conectando empresas a soluções Planejamento de Mercado, Digital,
que operem em sincronia com novos Customer Relationship Management
contextos empresariais, competências (CRM), Customer Experience,
operacionais e direções estratégicas Branding e Eventos para auxiliar
inovadoras. clientes em seus desafios de negócios
e corporativos.

89
A importância da Cybersegurança sobre aspectos de Privacidade de dados

C
om o avanço dos meios de comunicação,
tecnologias e a transformação digital as
quais as Organizações estão sendo sub-
metidas, discussões sobre os aspectos de Pri-
vacidade de Dados ganham relevância afetando
diretamente as relações sociais, econômicas e
corporativas.

Na mesma velocidade em que surgem novas


tecnologias e que consequentemente ocorre
uma transformação do modelo de negócios das
empresas, vemos o avanço no desenvolvimento
de novas técnicas de fraude digital, invasão de
sistemas computacionais e o desenvolvimento
de ameaças e códigos maliciosos pelos crimino-
sos cibernéticos, causando interrupção de servi-
ços críticos, vazamento de dados entre outros
crimes digitais.

Como consequência imediata, o assunto tem


se tornado pauta prioritária dos principais exe-
cutivos das Organizações que estão investindo
cada vez mais em soluções e medidas de segu-
rança da informação para se protegerem dessas
ameaças. Em meio a essa conjuntura de fatos, a
relevância dos programas de privacidade de da-
dos se torna eminente e, garantir aos titulares
(donos dos dados) a proteção e transparência
sobre como seus dados tem sido tratados pelas
Organizações tem se tornado foco em países,
principalmente da União Europeia, onde a Lei de
proteção de dados a GDPR (General Data Pro-
tection Regulation) já vigora e incentiva outros
países a adotarem práticas e mecanismos de
proteção de dados similares em suas respectivas
geografias.

Já no Brasil, a Lei Geral de Proteção de Da-


dos (Lei nº 13.709/2018) que passará a vigorar a
partir de Agosto de 2020, está movimentando
as Organizações brasileiras na adequação as exi-
gências legais e técnicas para atendimento aos
princípios e requisitos da lei. Passaremos a discu-
tir neste artigo a importante da Cyber Segurança
para a privacidade de dados, de acordo com a
Lei Brasileira.

Antes de prosseguirmos, é bom entendermos


o conceito de dado pessoal e dado sensível.

Os dados pessoais são todos aqueles que po-


dem identificar uma determinada pessoa como
por exemplo nome, CPF, RG, dados genéticos,
etc. Dados sensíveis são aqueles que não so-
mente possuem informações que você não gos-
taria que fossem compartilhadas, mas também

92
A importância da Cybersegurança sobre aspectos de Privacidade de dados

àqueles que podem gerar exposição tanto na 2. Mapeamento do ciclo de vida do


vida social e profissional das pessoas, como por dado
exemplo dados médicos, orientação sexual, pre-
ferências políticas, religiosas, etc. Nesse ponto, a atividade de entendimento do
ciclo de vida do dado é fundamental. Essa ati-
Toda essa preocupação globalizada tem im- vidade deve ser realizada individualmente em
pulsionado o mercado de Cyber Segurança, cada área da Organização junto aos respectivos
o qual tem crescido nos últimos anos e criado pontos focais, pois as formas de coleta, trans-
uma grande variedade grande de soluções, para missão, uso, armazenamento e descarte dos da-
oferecer gestão de segurança em sistemas e dos podem ser completamente diferentes, com
ambientes computacionais complexos para as complexidades próprias envolvendo ativos tec-
Organizações. Diante dessa expansão de merca- nológicos distintos. A complexidade da atividade
do, junto com o surgimento de consultorias es- dependerá de fatores como quantidade de áreas
pecializadas, fabricantes de soluções e produtos e unidades de negócio envolvidas e as caracte-
de segurança da informação, preocupações re- rísticas próprias do ambiente tecnológico da Or-
levantes e questionamentos surgem à alta admi- ganização.
nistração das Organizações, tais como:
Essa etapa servirá de insumo para as demais
- Por onde devemos começar? O que deve- etapas do projeto, que em posse dos fluxos do
mos avaliar? O que devemos priorizar? Quais são ciclo de vida dos dados pessoais e sensíveis, po-
nossas fragilidades e riscos relacionados a priva- de-se identificar as vulnerabilidades de seguran-
cidade dos dados pessoais? ça dos respectivos ativos tecnológicos que ar-
mazenam, transmitem e processam esses dados.
Em resposta a esses questionamentos, apre-
sentamos a seguir alguns passos (não exaus- As atividades de mapeamento do ciclo de
tivos) que podem guiar as Organizações nessa vida dos dados, principalmente em ambientes
jornada que consiste em conhecer os principais tecnológicos complexos, podem demandar o
problemas, riscos e ações práticas para endere- apoio de ferramentas de mercado, específicas
çá-los corretamente. para atender questões de privacidade de dados.
Estas podem auxiliar com o discovery de fontes
de dados pessoais e sensíveis, ao mesmo tempo
O que é importante e por que permitem o input de critérios para avaliação
e classificação de riscos nas respectivas origens
onde devemos começar? de dados, trazendo agilidade e assertividade no
mapeamento das fontes de dados pessoais. São
soluções desenvolvidas especificamente para
1. Conscientização de pessoas
atender requisitos das leis de privacidade de da-
Fazer com que as pessoas nas Organizações dos, projetadas para essa finalidade.
saibam da importância do tema seja talvez, o
Finalmente, é importante lembrar que muitas
fundamento de toda sequência de atividades de
companhias provedoras de ferramentas de Data
um Programa de Privacidade de Dados.
Management apresentam suas soluções de da-
O engajamento ao programa de privacidade se dos tradicionais com uma roupagem diferente
inicia com o comprometimento das pessoas em informando que todos os seus problemas rela-
todos os níveis hierárquicos das Organizações e cionados a privacidade de dados estarão resolvi-
atividades como workshops, treinamentos e si- dos. Na verdade, essas soluções, na maioria dos
mulação de cenários reais junto aos profissionais casos, atendem parcialmente as necessidades
da Organização facilitam as etapas seguintes do em relação a privacidade dos dados, principal-
projeto. mente àquelas relacionadas ao mapeamento das
fontes de dados pessoais.
Um bom ponto de partida é uma sessão de
apresentações e workshops junto aos principais 3. Gap Assessment e Risk Assessment
executivos desdobrando as apresentações às
camadas táticas e operacionais da Organização, Após mapeamento do ciclo de vida dos dados
adequando a comunicação ao público envolvido. e suas respectivas fontes de armazenamento

93
A importância da Cybersegurança sobre aspectos de Privacidade de dados

um assessment de cyber deve ser realizado para tratamento sejam adequadamente endereçadas.
identificar vulnerabilidades cuja atividade pode Após isso, consolidam-se os pontos levantados
ser realizada em duas partes: em um Relatório de Impacto de Privacidade
(DPIA), por meio do qual será traduzido o nível
Assessment de controles e processos de Se- de maturidade da Organização nos principais
gurança - que envolvem os ativos que armaze- domínios de Privacidade de dados.
nam dados pessoais e sensíveis – essa atividade
tem o objetivo de avaliar os principais domínios
de segurança da informação da Organização,
4. Roadmap priorizado de ações e
com base em frameworks, normas e boas prá- implementação
ticas de mercado, observando maturidade de As lacunas para elevar o nível de maturidade
processos, seu nível de formalização avaliando
da Organização nos domínios de Privacidade
políticas, procedimentos e os principais papéis e
responsabilidades. dos Dados são transformadas em ações práticas,
que podem ser classificadas como estruturantes
Assessment tecnológico – essa atividade tem e quick wins. Com base nos riscos e relevância ao
o objetivo de complementar a avaliação de pro- negócio, se realiza uma priorização para imple-
cessos e controles, com a análise de vulnera- mentação das ações.
bilidades do ambiente que armazena e trafega
dados pessoais e sensíveis e que poderiam ser A implementação envolve a criação de uma
exploradas por um atacante, gerando incidentes estrutura Organizacional de Privacidade de Da-
de segurança e impactando a privacidade dos dos com política, processos, papéis e responsa-
dados, tais como o vazamento de dados no mer- bilidades formalizadas e comunicadas para tratar
cado negro, a perda ou mesmo alteração indevi- questões de privacidade permitindo interação
da desses dados. Por essa razão, nesta etapa é com outras áreas da Organização, inclusive TI
indispensável a realização de testes de intrusão e Segurança da Informação. Adicionalmente,
nos sistemas simulando um hacker tentando ob- a fase de implementação demanda a revisão e
ter acessos ao ambiente da Organização.
ajuste de contratos para questões de privacida-
Com base nas vulnerabilidades e ameaças de de dados junto aos parceiros e fornecedores,
identificadas durante as etapas de assessment, plano de resposta a incidentes de segurança e
podemos identificar e classificar os principais treinamento a todos os profissionais envolvidos
riscos envolvidos para que ações de resposta e na Organização.

94
A importância da Cybersegurança sobre aspectos de Privacidade de dados

Temas técnicos relevantes para a Privacidade dos Dados

95
A importância da Cybersegurança sobre aspectos de Privacidade de dados

Do ponto de vista tecnológico, para as Organi- fragilidades e gaps com relação a pontos rele-
zações manterem um programa de privacidade vantes afetos a privacidade dos dados.
dos dados, alguns aspectos relevantes devem
ser observados. A figura abaixo demonstra os Para esta finalidade, a norma ISO/IEC
principais temas (não exaustivos) para identifi- 29101:2018 fornece uma visão interessante des-
cação, proteção, detecção e resposta a ameaças ses componentes técnicos supracitados, organi-
cibernéticas: zados em camadas e que auxiliarão os desenvol-
vedores de software, administradores de dados
Todos esses temas devem ser observados, e analistas de infraestrutura em projetos de solu-
principalmente em ativos que armazenam, trafe- ções tecnológicas trazendo aspectos importan-
gam e processam dados pessoais. Porém, mais tes para a privacidade dos dados. São elas:
importante do que observar individualmente um
determinado tema para um determinado ativo, é Privacy Settings Layer:
se atentar ao ciclo de vida do dado pessoal des-
de sua concepção até seu descarte. Com base Aborda aspectos como comunicação e pro-
nessa premissa, um processo importante e que pósito da coleta do dado, a categorização ou
deve fazer parte da cultura de privacidade de classificação desse dado coletado e o formulá-
toda Organização, é o conceito de Privacy by rio para coleta do consentimento do titular so-
Design, cujo objetivo principal é prover medidas bre o uso e o propósito do dado. As plataformas
e controles para garantir que os requisitos de pri- tecnológicas deverão apresentar ao titular o pro-
vacidade e segurança sejam considerados desde pósito de uso do seu dado e o consentimento.
a concepção de serviços, produtos e tecnologias, O consentimento deverá ser gerenciado, uma
e se estendam ao seu monitoramento e manu- vez que o titular poderá solicitar revogação dos
tenção após estarem em funcionamento. acessos anulando o consentimento inicial.
Embora essa medida garanta que requisitos É importante lembrar que, conforme descrito
de privacidade de dados façam parte do DNA na Lei Geral de Proteção de Dados Brasileira e no
da Organização e de seus novos serviços, produ- General Data Protection Regulation Europeu, há
tos e tecnologias, ela não garante que os respec- hipóteses de tratamento de dados sem a neces-
tivos legados atendam tais requisitos. Por isso, sidade de consentimento do titular, de forma que
as soluções oferecidas pela Organização devem o gerenciamento de consentimento deverá levar
ser alvo de assessments periódicos de segurança em consideração o fundamento que originou o
e monitoramento, com o objetivo de identificar tratamento de dados no caso concreto.

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A importância da Cybersegurança sobre aspectos de Privacidade de dados

Identity and access management PII Layer:


layer:
Essa camada provê mecanismos tecnológicos
Essa camada provê mecanismos para controle para proteção dos dados durante seu ciclo de
e gestão dos acessos aos dados sensíveis para vida (coleta, transferência, uso, armazenamento
todos os atores que recebem os dados pessoais e descarte) incluindo criptografia, anonimização,
e/ou sensíveis. Uma vez que o dado é coletado, archiving, retention, logs de auditoria etc.
o controle de quem deverá possuir acesso e qual
tipo de acesso deverá ter é fundamental para Todo desenho de novas soluções tecnológicas
manter os princípios de privacidade. deve observar tais camadas pois facilita uma vi-
são geral sobre o tipo de dado trafegado e por
Neste ponto é importante ressaltar o caso do onde trafegará facilitando a gestão do consen-
Hospital do Barreiro, em Portugal, case de uma timento e definição de ferramentas e mecanis-
das primeiras multas aplicadas com base na Ge- mos de proteção desses dados de acordo com
neral Data Protection Regulation. Com base em sua classificação. Adicionalmente, os dados, com
uma investigação originada por uma denúncia da base nos locais de armazenamento, tráfego e
Ordem dos Médicos local, a Comissão Nacional processamento, possuirão adequado controle de
de Proteção de Dados Portuguesa relatou que a acesso, criptografia nas transmissões, anonimi-
instituição possuía 985 contas ativas com aces- zação com base no propósito de uso e logs de
so a prontuários médicos, apesar de existirem auditoria habilitados.
apenas 296 médicos ativos em seu corpo clíni-
co. Além disso, foi verificado que a instituição A visão abrangente desses componentes faci-
não dispunha de regras claras para a criação de lita a vida dos profissionais técnicos que desen-
contas e para os diferentes níveis de acesso a in- volvem sistemas, gerenciam bases de dados e
formações clínicas. Como punição, o Hospital foi cuidam da infraestrutura para que o desenho das
multado em 400 mil euros1. soluções considere tais componentes e o concei-
to de Privacy by Design seja aplicado adequada-
mente conforme as necessidades tecnológicas
1 “CNPD: Hospital do Barreiro multado em 400 mil euros de cada plataforma. Adicionalmente, a gestão do
por permitir acessos indevidos a processos clínicos” Dis-
programa de privacidade de dados se torna mais
ponível em http://exameinformatica.sapo.pt/noticias/
organizada e ágil.
mercados/2018-10-19-CNPD-Hospital-do-Barreiro-multado
-em-400-mil-euros-por-permitir-acessos-indevidos-a-pro-
cessos-clinicos - acesso em 06.05.2018.

97
A importância da Cybersegurança sobre aspectos de Privacidade de dados

Conclusão
As transformações empresariais com o uso do
dado como diferencial competitivo movimenta a
economia global em todos os setores, especial-
mente os mercados relacionados a segurança da Sobre o autor
informação para manter confidencialidade, dis-
ponibilidade e integridade dos dados. Emílio Bartolomeu Neto é executivo
e especialista em temas de Cyber
Definir as estratégias corretas para implemen- Segurança, focado em estratégias de
tação de estruturas de governança de dados e segurança e gestão de riscos cibernéticos,
soluções tecnológicas que apoiem tais ativida- formado em engenharia pela Escola de
des se tornou essencial para as Organizações Engenharia de Piracicaba – EEP e em
brasileiras cujo fator motivador principal é a Lei Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio
Geral de Proteção de Dados. Nesse cenário de Vargas. Emilio assessora clientes de
transformações, abre-se uma janela de oportuni- grande porte, nacionais e internacionais
dades a profissionais do setor de Cyber Seguran- auxiliando-os em seus desafios de
ça, principalmente os de perfil generalista que, transformação digital e na construção de
além de seus conhecimentos tecnológicos, pos- seus programas de segurança cibernética,
suem ampla visão e conhecimento de negócios, em todos tipos de indústria. Possui vasta
seus principais riscos e direcionadores de valor. experiência com Governança de Dados e
Risk Analytics, com atuação em projeto
Esse fato, aliado a força com que as leis de global de privacidade de dados em cliente
proteção de dados pessoais têm avançado no da indústria de Telecom sendo o líder na
cenário global traz, juntamente com suas trans- firma brasileira conduzindo as atividades
formações, os benefícios a um novo mercado do projeto junto a um time multidisciplinar
tecnológico que está em constante evolução e no Brasil.
principalmente para a sociedade que com toda
esta evolução, mantem seus direitos preserva-
dos em relação a privacidade de seus dados pes-
soais.

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