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O amigo american

ista
Entrevista com o p
rofessor
Antonio Pedro Tot
a
Matthew S
hirts
resumo abstract

O brasileiro especializado na história In an interview with the American journalist


dos Estados Unidos Antonio Pedro Tota Matthew Shirts, Brazilian historian Antonio
discute, em entrevista com o jornalista de Pedro Tota discusses his books on Nelson
origem norte-americana Matthew Shirts, Aldrich Rockefeller’s long relationship with
obras suas dedicadas à longa relação de Brazil and the cultural offensive of the
Nelson Aldrich Rockefeller com o Brasil e United States in Brazil during the Second
a iniciativa cultural dos Estados Unidos World War. Professor Tota goes on to
à época da Segunda Guerra Mundial. explain how he became interested in the
Professor Antonio Pedro conta como US history and why he thinks it is important
se interessou pela história dos Estados for Brazilians to study it. He also compares
Unidos e por que acha importante o Nelson Rockefeller to Donald Trump.
Brasil estudá-la. Compara, ainda, Nelson
Rockefeller com Donald Trump. Keywords: Nelson Rockefeller; imperialism;
Antonio Pedro Tota; history of the United
Palavras-chave: Nelson Rockefeller; States; Donald Trump.
imperialismo; Antonio Pedro Tota; história
dos Estados Unidos; Donald Trump.
P
erdi-me no bairro de Sumare- José Carlos soube que eu dava umas aulas de in-
zinho, em São Paulo, antes do glês por aí para ajudar com o aluguel e me pediu
primeiro encontro com o hoje esse favor. Aceitei na hora.
professor de História dos Es- Ainda eram tempos de ditaduras no Brasil e
tados Unidos, Antonio Pedro em boa parte da América Latina. Estava ansioso
Tota. Corria o ano de 1979 para me distanciar do apoio que o meu país dera a
ou, talvez, 1980. Tinha ido de esses regimes. Escolhi um livro que imaginei ler e
ônibus, se a memória não me discutir com Tota a partir desse critério. Chamava-
falha, e descido na Heitor Pen- -se Inside the Company: CIA Diary, no qual o
teado. Procurava a Rua Oscar ex-agente da CIA Philip Agee detalhava a partici-
Caravelas, onde o professor pação da agência de inteligência em golpes, assas-
mantinha uma espécie de es- sinatos e diversas atividades ilegais no Equador,
critório. Americano de 21 anos Uruguai e outros países do subcontinente. O livro
de idade, eu era estudante de intercâmbio na entregava nomes de agentes, políticos e jornalistas
FFLCH da USP. Conheço bem a região, hoje. envolvidos nos crimes. Causou furor na época.
Moraria ali do lado anos mais tarde. Mas àquela A figura do professor Antonio Pedro Tota ao
altura, sem GPS, nem Google, nem mesmo um abrir a porta me é memorável, ainda hoje. A barba,
guia de ruas em papel, equipado apenas com um descuidada e fora de controle, chegava à altura do
endereço e algumas instruções anotadas na ter- umbigo. Vestia uma bata indiana branca de mangas
ceira capa de um paperback americano, tive que compridas e bem abertas nos pulsos. Era careca, já,
pedir orientação no barzinho da favelinha que e usava óculos de lentes redondas, à moda de John
havia na rua de baixo. Lennon ou Trótski. A mim, californiano criado
Já era de noite quando cheguei ao portão da nos anos 60 e 70, parecia que encontrara o escon-
garagem, ligado ao sobrado por uma escada de 20 derijo sul-americano do Mr. Natural, personagem
ou 30 metros ladeira acima. Estava ansioso. Não lendário do cartunista Robert Crumb. Havia livros
sabia o que esperar. O orientador de Tota e meu e discos de jazz e música brasileira mais antiga,
professor, José Carlos Sebe Bom Meihy, havia me
confiado uma missão. Era importante, explicou,
que Tota aprimorasse o seu inglês. Havia recebido
um convite para estudar e lecionar na Universi- MATTHEW SHIRTS é jornalista especializado
dade de Miami. E seria mesmo conveniente que em ciência, sustentabilidade, mudanças climáticas
ele saísse do país, explicou José Carlos, devido e cultura brasileira. Dirigiu a edição brasileira
da revista National Geographic e é autor de
a perseguições políticas que sofrera alguns anos O Jeitinho Americano (Realejo) e A Feijoada
antes, quando foi preso e torturado (duas vezes). Completa e Outras Crônicas (Realejo).

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instrumentos musicais e vasilhames de cerveja es- APT – Não! Quando fui fazer o livro de Nelson
palhados pelo térreo do pequeno sobrado. Aquele Rockefeller quase nada sabia do Trump. Só conhe-
ambiente me fascinava. Tentava entender o signi- cia seus prédios de mau gosto e alguma fofoca em
ficado de cada objeto, interpretar detalhes. Fomos torno dos escândalos provocados por seus muitos
até a cozinha, onde Tota livrou dois lugares à mesa. divórcios e casamentos. Sabia quem era, mas não
Lemos em voz alta a primeira página do livro da lhe dava muita importância. A informação que eu
CIA, uma tarefa árdua e sem muita graça depois da tinha chegava dos amigos nova-iorquinos, que fa-
qual Tota sugeriu sairmos para tomar uma cerveja. lavam mal da estética dos seus edifícios.
Somos amigos desde então. Foi a nossa única
aula de inglês. Mantivemos contato por cartas. Tota Há semelhanças entre os dois homens?
contaria suas histórias da Universidade de Miami.
Quando voltei pela quarta vez para São Paulo, em Superficiais. Mas são dois homens muito diferen-
1984, ele foi a primeira pessoa que procurei. Nessas tes, quase opostos em alguns sentidos importantes.
três décadas, Tota se tornaria especialista na história Quando Nelson concorreu à vaga de candidato do
dos Estados Unidos. Dá aulas dedicadas à cultura e Partido Republicano em 1964, havia desconfiança
à formação daquele país na PUC de São Paulo desde em relação à sua candidatura em função da sua ri-
meados da década de 1990. Lançou três livros dedi- queza e refinamento. Goldwater era visto como um
cados ao tema. O primeiro foi o hoje quase clássico homem mais popular, mais próximo do povo, se
O Imperialismo Sedutor, publicado pela Companhia quiser. Pesava contra o Rockefeller também o fato
das Letras, em 2000, no qual analisa a tentativa dos de ter trabalhado na administração do Franklin
Estados Unidos de ganhar corações e mentes bra- Delano Roosevelt (do Partido Democrata). Alguns
sileiros durante a Segunda Guerra Mundial. Este no Partido Republicano tachavam o Nelson de co-
foi traduzido para o inglês com o título de The munista! Ele sempre teve essa preocupação pelo
Seduction of Brazil (University of Texas, 2009). social mesmo. Em 1959, a crítica que Rockefeller
Em 2008 publicou uma interpretação da histó- fazia do Partido Republicano obrigou o Richard
ria dos Estados Unidos chamada Os Americanos Nixon a assumir formalmente compromissos com
(Editora Contexto). E, em 2014, lançou uma bio- uma plataforma mais voltada para questões so-
grafia do magnata e ex-governador de Nova York, ciais. Para garantir sua própria candidatura, Ni-
Nelson Rockefeller, focada na sua longa, produtiva xon foi até o apartamento do Nelson, na Quinta
e pouco conhecida relação com o Brasil. O título Avenida, negociar o documento com outros líderes
do livro é O Amigo Americano (Companhia das do partido. Ficou conhecido, ironicamente ou não,
Letras) e foi indicado ao Prêmio Jabuti. como o Pacto da Quinta Avenida.
Para melhor entender sua visão sobre a his-
tória e a cultura dos Estados Unidos, convidei o O que mudou de lá para cá?
professor Antonio Pedro, hoje um distinto profes-
sor universitário, para minha casa, onde conce- Na verdade, Nelson e Trump são figuras muito
deu a seguinte entrevista, editada por motivos de diferentes. Nelson foi criado numa família empre-
tamanho e clareza: endedora responsável pela maior transformação
planetária antes da bomba atômica, fundadora da
MS – Você passou os últimos anos pesquisan- Standard Oil. Fazia parte da elite refinada e inte-
do a vida de um bilionário nova-iorquino, cujo lectualizada da ala mais sofisticada e progressista
sonho era chegar à presidência dos Estados do Partido Republicano. Sua criação foi rigorosa
Unidos. Nelson Aldrich Rockefeller se candi- e antirracista. O bisavô contribuiu para a chama-
datou à nomeação do Partido Republicano à da “underground railroad”, que ajudava escra-
presidência mais de uma vez. Ele tem, aparen- vos a fugir para o Norte, e se orgulhava disso.
temente, pontos em comum com o homem que Sua mãe fazia verdadeiros discursos antirracistas
acabou de ser eleito presidente dos Estados para seus seis filhos. Nelson jamais imaginaria
Unidos. Donald Trump inspirou de alguma separar os Estados Unidos do México com um
forma essa biografia? muro. Adorava o México. Dizia que sentia mais

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calor humano lá do que nos EUA. Ia para lá se que todos os equipamentos de rádio daqui eram
abraçar com os mexicanos, dizia. Falava espa- americanos. Precisavam ser importados. Isso ati-
nhol fluentemente. Fez campanha em espanhol çou a minha curiosidade. Eu já havia estudado e
para governador no bairro de Spanish Harlem, lecionado na Universidade de Miami. Pedi bolsa
em Nova York. Era amigo de latino-americanos para a Fulbright, e também para a Fapesp, para es-
ilustres, como o presidente Lázaro Cárdenas, do tudar a influência técnica americana na radiotele-
México, o embaixador Carlos Martins, do Brasil, fonia brasileira. A ideia era estudar esse tema para
e da sua mulher, a artista plástica Maria Martins. minha tese de titularidade. Imaginei que através
Conhecia Frida Kahlo, Assis Chateaubriand, Wal- dele poderia fazer uma análise mais refinada da
ter Moreira Salles. Quem come milho no Brasil influência cultural estadunidense no Brasil. Havia
o faz graças ao Nelson e ao pesquisador mineiro lido na época um livrinho da coleção Tudo é His-
Antônio Segundinho, criador da Agroceres. tória, da Editora Brasiliense, chamado Tio Sam
Chega ao Brasil, de Gerson Moura, aliás, você
Como é que você se interessou pela história também leu, eu me lembro disso, e achei-o meio
dos Estados Unidos? conspiratório. Identificava um grande plano para
dominar o rádio, o cinema, a música, a cultura
Muita gente da minha geração se interessou pelos brasileira toda, à época da Segunda Guerra. Eu
Estados Unidos. Brincávamos de Segunda Guerra queria abordar o assunto da influência cultural
Mundial quando estava no primeiro grau. A nossa de forma mais nuançada. Mas durante as minhas
foi a primeira geração a brincar com soldadinhos pesquisas em Washington DC descobri um de-
de plástico e não de chumbo. Eu sabia os nomes partamento do governo chamado Office of the
de todos os aviões e de todos os generais. Assis- Coordinator of Interamerican Affairs, cujo ti-
tia ao seriado Combat na TV. Mas a gente tinha tular era Nelson Aldrich Rockefeller. Fui vendo
medo, por outro lado, da bomba atômica. Lia a re- que era uma iniciativa ambiciosa e custosa cuja
vista Popular Mechanics. Nela ficamos sabendo da finalidade era, em linhas gerais, “dominar” a
campanha de defesa civil duck and cover. Quando cultura brasileira à época da Segunda Guerra
criança, ainda levava meus irmãos para catar tubos Mundial. Ou seja, Gerson Moura tinha razão.
de pasta de dente. É que na época eram feitos de Não só isso, a iniciativa era maior ainda do que
chumbo. Minha ideia era juntar os tubos na cons- ele descrevera no seu livro introdutório. Aquilo me
trução de um abrigo antiatômico. Havia lido que fascinou. Ainda mais quando percebi que o plano
o chumbo nos protegeria contra os efeitos da ra- fora desenvolvido antes de os Estados Unidos entra-
diação. Décadas mais tarde, enquanto escrevia o rem na guerra de fato. O Roosevelt era um gênio.
livro sobre Nelson, li na Folha de S. Paulo que ele A Alemanha nazista acabara de entrar em Paris e
havia começado a construção de abrigo nuclear os Estados Unidos já pensavam geopoliticamente
com paredes substanciais, na Ilha dos Gatos, logo sobre o futuro da América Latina, com a elaboração
em frente à Praia de Boiçucanga, no litoral norte de um ambicioso plano do que seria chamado mais
de São Paulo. Fui até a ilha de barco para ver. A tarde, 50 anos depois, de “soft power”.
obra não foi terminada, longe disso. Mas está lá
o buraco e o que sobrou das paredes. Parece uma Foi aí que você começou a se interessar pelo
ruína arqueológica de outra época. O que de fato Nelson Rockefeller?
é. Chequei o registro de imóveis. Foi arrendada a
ilha em nome do seu primo, da família Aldrich, só Sim. Mas não era meu foco principal nessa época.
indiretamente ligada ao Nelson Rockefeller. Eu estava mais preocupado em descrever e enten-
der o sentido histórico do esforço de guerra dos
Quando foi que você passou a estudar mais sis- Estados Unidos no Brasil. Mas passei a pesquisar,
tematicamente os Estados Unidos? no arquivo do Nelson em Nova York, e também no
arquivo da FDR Library and Museum, em Hyde
Escrevi minha tese de doutorado sobre a história Park. Fui alocado na Columbia University, com
do rádio em São Paulo. Durante as pesquisas notei sponsorship do professor de história Ralph Della

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Cava. Foi a partir dessas pesquisas que passei a Foi você quem deu o título!
entender melhor a importância que os Estados Uni-
dos davam ao Brasil na época da guerra. O Brasil Juro que não me lembrava disso. É verdade?
estava quase todo dia na primeira página do The
New York Times. Achei uma carta do famosíssimo Pois eu me lembro muito bem. Eu já havia en-
ator Errol Flynn para a FDR pedindo mais com- tregue a tese de titularidade com o título de “A
preensão de Getúlio Vargas. Nela o ator dizia que Americanização do Brasil na Época da Segun-
o Departamento do Estado não tinha sensibilida- da Guerra Mundial”. A Companhia das Letras
de da cultura e da arte suficiente para entender o iria publicar o livro, mas concordávamos que
regime do Vargas. Rockefeller foi chamado pelo precisava de um título mais “sexy”, mais sedu-
Roosevelt para liderar a iniciativa porque conhecia tor. Ficamos falando disso, eu, você e Reinaldo
a América Latina e tinha boas relações na região. Moraes, naquele boteco Ponto X da Vila, na Vila
Madalena. Fizemos um brainstorming em busca
A partir desse momento você já se considerava de um título mais sedutor e você saiu com O Im-
um americanista? perialismo Sedutor. Fechei na hora.

Não, seria exagero dizer isso. Mas cheguei de volta E para finalizar: qual é o motivo de se estudar
ao Brasil com uma ideia na cabeça: a academia tão pouco os Estados Unidos no Brasil?
brasileira não dava a devida importância aos es-
tudos da história dos Estados Unidos. Fui para lá Não tenho certeza. Medo de ser cooptado, talvez, um
para estudar a história do Brasil e acabei perce- pouco. É comum também o sentimento entre aca-
bendo que, nesse caso, ao menos, era impossível dêmicos de que eles já sabem o suficiente sobre os
entender a história do meu país sem uma boa com- Estados Unidos. O país está, afinal, constantemente
preensão da história estadunidense. nos jornais, na internet, na TV e no cinema. Possui
uma cultura muito influente internacionalmente. Mas
E em seguida você escreveu O Imperialismo Se- se você quiser fazer críticas relevantes aos Estados
dutor. O título do livro sempre chamou a aten- Unidos, é preciso mergulhar na sua história. Se você
ção para essa obra. Como surgiu o título? me permitir, O Amigo Americano é isso.

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