O objetivo desse paper, como o próprio título indica, é o de mapear alguns conceitos e
categorias de análise, visando o desenvolvimento de projetos de pesquisa e de
disciplinas em andamento na pós-graduação. O texto original apresenta três verbetes
(Violência – Multiculturalismo – Indivíduo Hipermoderno) e está estruturado a partir de
algumas leituras por mim elaboradas. Não se trata de um artigo, mas de propor uma
cartografia de autores, categorias e conceitos que permitam iniciar uma discussão
teórica. Nesse documento trataremos da violência.
Sobre a violência
Mas a violência não é um fenômeno exclusivo da sociedade atual. Ela está presente em
toda a experiência humana. Porém, nada nos autoriza tomá-la como natural, mas sim
como um comportamento cultural e histórico. Desse modo, a própria definição ou
compreensão do que é violência está imbricada com o momento histórico da produção
dessa definição. Ou seja, assim como a experiência da violência, a sua conceituação
também é histórica.
1
Freud. S. Malaise dans la civilizacion (1930). Paris: Presses Universitaires de Paris, 1971.
1
Apenas para enunciar o problema, tomemos a definição de violência dada pela
antropóloga Alba Zaluar:
2
ZALUAR, A. A violência e crime. In: MICELI, S. (Org.) O que ler na ciência social brasileira
(1970-1995). São Paulo: Sumaré ; ANPOCS, 1999, pág. 28.
3
Aurélio, Diogo Pires. Tolerância/Intolerência. In: Enciclopédia Einaudi. Vol. 22 – Política-
Tolerância/intolerância. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1996, p. 181.
4
“Qu’est-ce que la tolérance? C’est l’apanage de l’humanité. Nous sommes tous pétris de
faiblesses et d’erreurs; pardonnons-nous réciproquement nos sottises, c’est la première loi de la
nature.” Voltaire (1769) Dictionaire Philosophique. Paris: GF-Flamarion, 1964.
2
Para o filósofo das Luzes, portanto, a violência é própria do estado de natureza, não
podendo, assim, ser suprimida. O máximo que podemos fazer é transferi-la para o
soberano. A diferença fundamental entre Hobbes e Voltaire, nessa interpretação da
natureza humana com relação a violência, é que este não exime o soberano da
submissão à lei da natureza. Portanto, também o rei está submisso à lei geral da
tolerância universal, só possível de ser relativizada, amenizada – mas nunca suprimida –
com a instauração de um contrato social. Do mesmo modo, o príncipe de Rousseau
segue a mesma orientação, daí a tese do contrato social.
Por sua vez, a utopia da vontade geral – que não se trata da vontade de todos – colocava
um dilema para a viabilidade do contrato: encontrar acordos visivelmente precários que
permitissem ao Estado tolerar ou não a diversidade, ou, como alternativa, promover “a
consciência individual à categoria de última instância, situada acima dos tribunais civis e
eclesiásticos, os quais se arrogam, até aí, o poder de definir a verdade que deverá ser
universalmente aceite”. 7 Ideia síntese do individualismo racionalista do Iluminismo.
5
Apud Aurélio:1996, 188/9
6
Dumont, Louis. Essais sur l’individualisme. Une perspective anthropologique sur l’idéologie
moderne. Paris: Seuil, 1983, p. 113.
7
Aurélio:1996, 186.
3
No racionalismo moderno, a explicação à capacidade do homem tolerar só se
fundamenta no direito do mais forte. Os indivíduos que não forem capazes de suportar
sua inclusão nessa razão universal são tratados como patologias clínicas ou sociais. A
tolerância só se fundamenta como razão universal, ou seja, o paradoxo da intolerância às
diferenças. Enclausurada em si, a força dessa razão encontra-se na sua capacidade de
apagamento da alteridade. A diferença só pode existir na instância do privado,
instituindo-se assim as esferas do privado e do público como estratégia de gerência
política da sociedade.
Portanto, a ideia de indivíduo moderno tem uma história, e ela é fundamentalmente uma
construção moderna e ocidental. Uma invenção ligada a formas sociais particulares da
experiência ocidental.
8
Benjamin, Walter. A Paris do Segundo Império em Baudelaire. In: Walter Benjamin: Sociologia
(org. Flávio R. Kothe. São Paulo: Ed. Ática, 1985, p. 44 e segs.
9
Birman, Joel. Cadernos sobre o mal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p 21
10
Foucault, Michel. Em defesa da sociedade. Curso Collège de France (1975-1976). São Paulo:
Martins Fontes, 1999, p. 292/3.
11
Birman, Joel, Cadernos sobre o mal, p. 27.
4
Para o antropólogo canadense Charles Taylor, “na virada do século XVIII, qualquer coisa
que se parece ao eu moderno começa a se formar, ao menos entre as elites sociais e
espirituais do norte da Europa ocidental e de seu prolongamento americano”.12
O indivíduo moderno é, assim, aquele dotado de razão suficiente para não só dominar a
natureza física, como a sua própria natureza humana. Uma razão que controla e
autocontrola as pulsões, os sentimentos. É essa consciência de si que faz dele um sujeito
com capacidade de se libertar tanto dos limites da natureza quanto da vontade de Deus.
Torna-se laico, autônomo e seguro de si. É o indivíduo certo de si, mestre de si mesmo. É
aquele que, civilizado, funda a modernidade, sustentada por três ideias básicas: “a do
progresso – a sociedade estaria em marcha em direção um progresso crescente –, a da
razão (sob a influência notadamente cartesiana) e a felicidade, a qual o progresso e a
ciência não podem deixar de conduzir.” 13
*****
Um rápido olhar para o surgimento e desenvolvimento da psicanálise, desde o final do
oitocentos até os últimos escritos de Sigmund Freud (1856-1939) nos ajuda a
problematizar essa visão autossuficiente do indivíduo moderno.
A psicanálise – como quase todo conhecimento médico do final do século XIX –inscreve-
se inicialmente como um conhecimento positivista de intervenção disciplinar e regulador
da população, ao que Foucault denominou de biopolítica. 14
Essa intervenção tornou-se politicamente necessária diante das tensões dos sujeitos no
mundo da civilização. Eram tensões que colocavam à prova a universalidade da
“consciência plena de si”, do vitoriano indivíduo moderno.
Essas inquietações podem ser observadas nas manifestações das vanguardas artísticas
da virada do XIX para o XX. Analisando esse movimento Bradbury e Mcfarlane observam
o desaparecimento de muitas das certezas tradicionais, assim como o evaporar-se da
confiança que havia no progresso da humanidade, como “também na própria solidez e
visibilidade do real”. Era uma arte, referem-se os críticos, que trazia “em si aquela
tendência, tão patente no final do século XIX, de o conhecimento tornar-se pluralista e
12
Apud Dortier, Jean-François. Du je triumphant au moi eclaté... In: Molenat, Xavier. (Org.)
L’individu contemporain. Regards sociologiques. Auxerre Cedex Éditions Sciences Humaines,
2006, p. 7.
13
Aubert, Nicole. Introduction. Les métamorphoses de l’individu. In: Aubert, Nicole (Org.).
L’individu hypermoderne. Ramonville Taint-Agne: Éditions Ére, 2006, p. 14.
14
Foucault, M. Em defesa da Sociedade, op. cit.
5
ambíguo, as certezas aparentes não serem mais levadas a sério, a experiência
ultrapassar – como pareceu a muitos – o controle ordenado da mente." 15
Assim, para Birman, o que está em questão no artigo Mal-estar da civilização, de Freud,
é a inscrição do mal-estar do sujeito na modernidade, instituindo-se aí a construção do
discurso psicanalítico. O discurso psicanalítico é, nesse sentido, “uma leitura da
subjetividade e de seus impasses na modernidade”. O crítico considera a “antinomia
insuperável entre os polos da pulsão e da civilização” como menos relevante nessa tese
freudiana. Mas isso me incomoda, pois entendo que é a análise dessa tensão que
permita uma leitura das subjetividades, como aliás conclui Birman:
15
BRADBURY, Malcom ; McFARLANE, James. Modernismo. Guia Geral. São Paulo: Companhia
das Letras, 1989, p. 43.
16
Parte das análises aqui expostas sobre os escritos freudianos a respeito do indivíduo e da
sociedade foram extraídos dos livros de Joel Birman, em especial O mal-estar na atualidade. A
psicanálise e as novas formas de subjetividade. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005,
e Cadernos sobre o mal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. É preciso dizer também
que meu interesse e capacidade de percepção da obra de Freud nessa questão são os de um
historiador em busca de ferramentas antropológicas e não de um especialista.
17
Birman, Cadernos, op. cit., p. 31.
18
Birman, Cadernos, Op. citr., p. 123.
19
Birman, Mal-estar, op.cit., p. 17/8.
6
A partir da elaboração das teorias ligadas ao Inconsciente, importantes para o surgimento
da perspectiva do deslocamento da soberania do consciente e do eu para os registros do
inconsciente e das pulsões, Freud aprofundou as concepções relativas às pulsões. A
pulsão de vida seria representada pelas ligações amorosas que estabelecemos com o
mundo, com as outras pessoas e com nós mesmos. O princípio do prazer e as pulsões
eróticas são outras de suas características. Já a pulsão de morte seria manifestada pela
agressividade que poderá estar voltada para si mesmo e para o outro. Traz também a
marca da compulsão à repetição, do movimento de retorno à inércia. Segundo Almeida, a
pulsão, na concepção freudiana, é definida como:
Segundo Birman, Freud não nos apresentou uma leitura política da sociedade, mas as
leituras psicanalíticas da pulsão, do desejo e do sujeito fundaram enunciados pertinentes
sobre os campos da política, do social e do poder. E, com elas, o cientista pode iniciar
uma critica à harmonia entre indivíduo e sociedade. A guisa de conferência, observemos
alguns elementos que Freud destacou para compreender o mal-estar do indivíduo na
civilização. Segundo ele, “o sofrimento nos ameaça” a partir de três direções: de nosso
próprio corpo (“condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode
dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência”; do mundo externo
(“que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas”); e
de nossos relacionamentos com os outros homens. Sobre este comenta Freud: “O
sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer
outro. Tendemos a encará-lo como uma espécie de acréscimo gratuito, embora ele não
20
Almeida, Bruno Henrique Prates Pulsão de morte: Convergências e divergências entre Sigmund
Freud e Wilheim Reich. Curitiba: Centro Reichiano, 2007. Disponível em:
www.centroreichiano.com.br/artigos.htm . Acesso em: 14/92/2010
7
possa ser menos fatidicamente inevitável do que o sofrimento oriundo de outras fontes”.
21
Diante da imensa angústia do indivíduo, Freud sugere “satisfações irrestritas”, tais como
o isolamento, tornar-se membro da comunidade humana, ou “o mais grosseiro, embora
também o mais eficaz” que é a intoxicação.
21
Freud, Mal-estar na civilização. In: Freud, S. Edição standard brasileira das obras
psicologicas completas de Sigmund Freud. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987, p. 84.
22
Freud, Mal-estar na civilização, op.cit., p. 84.
23
Freud, Mal-estar na civilização, op.cit., p. 87.
24
Birman, Cadernos sobre o mal, op. cit. P. 48.
25
Freud, Mal-estar na civilização, op.cit., p. 115.
8
psicanalítica da modernidade apresentada por Freud superou a linha evolutiva e
normalizadora da biopolítica de tradição Iluminista, centrada na visão etnocêntrica de
indivíduo.
*****
Outro momento de reflexão sobre a violência é a definição estabelecida por Hannah
Arendt. Confesso que, desde minha primeira leitura da obra Sobre a Violência 27 , a
distinção feita por Arendt entre poder e violência, e entre espaço público e a ação social,
deixou-me incomodado. Na verdade insatisfeito, pois não conseguia ver eficácia na
ferramenta teórica disposta pela autora. Porém, as recorrentes referências, na literatura
brasileira, à definição arendtiana de violência e poder, convidaram-me a uma revisita.
26
Birman, Cadernos do mal, op. cit., p. 49.
27
Arendt, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
9
marcar as diferenças entre poder e violência, inspirando-se em Hannah Arendt e sua
caracterização da violência como um instrumento e não um fim”. 28
Hannah Arendt escreve sobre a violência tendo como referência o debate com a “tradição
intelectual” (Wright Mills, Max Weber), e com a “nova esquerda”, impressionada com a
emergência da desobediência civil dos movimentos de 1968 e com as guerrilhas. Centra
toda a discussão na definição de poder e violência, a partir da análise do pensamento
iluminista, dos regimes totalitários e da guerra fria. Vamos à sua definição de poder:
28
Zaluar, Alba. O contexto social e institucional da violência. NUPEVI-Instituto de Medicina
Social/ UERJ . Disponível em: http://www.ims.uerj.br/nupevi/artigos_periodicos/contexto.pdf .
29
Arendt, 1994:41.
30
Arendt, 1994:44.
31
Habermas, Jugen. O conceito de poder em Hannah Arendt. In: Habermas: Sociologia. Orgs. B.
Freitag e S. P. Rouanet. 3ª Ed. São Paulo: Ática, 2001, p. 109.
32
Idem, p. 110. Grifo no original.
10
Arendt, ao isolar o poder e a política dos elementos estratégicos da sua construção e
manutenção – naturalizou-os. Para Habermas, “a violência sempre foi parte integrante
dos meios [estratégias] para a aquisição e preservação do poder”. A violência é um
33
“elemento normal do sistema no estado moderno”. Com esse “aparelho conceitual
restrito à teoria da ação” – afirma Habermas – Arendt “se coloca em uma posição
inutilmente desvantajosa com relação às análises sistêmicas, habituais hoje em dia.
Na sua análise, Habermas recorre a Max Weber, um dos principais alvos de crítica de
Arendt. Vejamos, na direção de seu raciocino, a definição de política (e poder) dada por
Weber, em artigo de 1919:
33
Idem, p. 112.
34
Weber, Max (1919) A política como vocação. In: Weber, M. Ciência e política – duas
vocações. 9ª Ed. São Paulo: Cultrix, 1993, p. 56.
35
Benjamin,Walter (1921) Crítica da violência, crítica do poder. In: Benjamin, W. Documentos de
cultura, documentos de barbárie. São Paulo: Ed. Cultrix, 1986, p. 164.
36
Idem, p. 172.
11
entendida em oposição a política. A autora retrocede, assim, “até a tradição do direito
natural”. 37
*****
Outro autor singular nessa discussão da violência é Norbert Elias. A pertinência da
reflexão da teoria eliaseana, em nosso caso, deve-se sobretudo à obra A busca da
excitação, 38 publicada em parceria com o Eric Dunning, sociólogo especializado em
esportes. É o único trabalho de Elias que trata especificamente dos esportes, mas é
largamente utilizada nos estudos da área. Nessa obra, Elias/Dunning buscam combinar o
jogo como metáfora da sociedade.
Para efeito desse mapeamento, é possível identificar na teoria eliaseana dois eixos
condutores, do meu ponto de vista não necessariamente bem acordados entre si: o
conceito de processo civilizador, associado ao de controle/autocontrole da violência, e o
da teoria configuracional. Iniciemos por esse último.
uma formação social cujo tamanho pode ser muito variável (os jo-
gadores de um jogo de cartas, a tertúlia de um café, uma turma
de alunos de uma escola, uma aldeia, uma cidade, uma nação,
em que os indivíduos estão ligados uns aos outros por um modo
específico de dependências recíprocas e cuja reprodução supõe
um equilíbrio móvel de tensões. 39
A teoria configuracional pressupõe, portanto, uma teia de indivíduos interdependentes,
formando uma "estrutura entrelaçada de numerosas propriedades emergentes, tais como
relações de força, eixos de tensão, sistemas de classes e de estratificação, desportos,
guerras e crises econômicas". 40
37
Habermas, op.cit., p. 118.
38
Elias, Norbert ; Dunning, Eric. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1992.
39
CHARTIER, R. Formação social e “habitus”: uma leitura de Norbert Elias. In: Chartier, R. A
história cultural. Entre práticas e representações. Lisboa : Rio de Janeiro: Difel, 1990. p 100.
40
Dunning, Eric. Prefácio. In: Elias, Norbert ; Dunning, Eric. A busca da excitação. Lisboa:
DIFEL, 1992, p. 26.
41
Idem.
12
É nessa "relação de poder" que Elias explora os conceitos de interdependência e de
equilíbrio das tensões, na medida em que essas noções colocam em xeque oposições
simples como indivíduo e sociedade e liberdade e determinismo.
42
Chartier, op. cit., p.101
43
Dunning, op. cit., p. 30.
13
Esse tipo de sociologia, afirma Elias, “é um instrumento imperfeito de pesquisa
sociológica”. Para ele, o conceito de mudança social, entendido como um processo de
meras “disfunções acidentais” é inócuo à compreensão do processo social. Axioma que
apresenta-se contraditório à sua concepção de voo cego e indeterminação, manifesto na
teoria configuracional.
Ele reclama por um tipo do conceito que estabeleça uma clara distinção entre as
mudanças das “estruturas psicológicas individuais” e “estruturais sociais” e que aponte
nesse processo se existe uma direção específica e constante. 44
Assim, ao mesmo tempo em que por repetidas vezes critica a ideia de evolução e
progresso, enquanto conceitos estáticos, Elias reclama do desinteresse da sociologia
pelos processos de longa duração. A sociologia, para ele, ao tentar fugir da tentação de
produzir ideologia em vez de teoria, teria jogado fora o bebê junto com a água do banho.
45
Para ele, o elevado autocontrole do homem moderno, que lhe permitiu uma
autoconsciência, é que teria produzido essa “nítida linha divisória entre o que está
‘dentro’ do homem e o ‘mundo externo’”. Esse indivíduo “inteiramente auto-suficiente” é
que teria desenvolvido, desde Descartes, um enclausuramento e seu distanciamento em
relação ao social. 46 E é esse enclausuramento do homem moderno que o fez distanciar-
se da compreensão do processo. Cito:
44
ELIAS, Norbert. Introdução à Edição de 1968. In: O processo civilizador. Vol. 1 – Uma história
dos costumes. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.
45
ELIAS, Introdução à Edição de 1968, op. cit., p. 234.
46
ELIAS, Introdução à Edição de 1968, op. cit., p. 241.
47
ELIAS, Introdução à Edição de 1968, op. cit., p. 245.
14
movimento pela dinâmica autônoma de uma rede de
relacionamentos, por mudanças específicas na maneira como as
pessoas se veem obrigadas a conviver. 48
Com o que estamos plenamente de acordo. Porém, a definição parece não satisfazer o
sociólogo, quando complementa:
E quando propõe o encontro da “dinâmica cega” com o “processo civilizador”, não estaria
dando a este uma exterioridade e uma autonomia que o aproxima da condição de fio
condutor da história? Ou, em outras palavras, não seria o “processo civilizador” uma
espécie de superego do homem moderno ocidental, que daria sentido ao caos e a
indeterminação?
48
ELIAS, N. Sugestões para uma teoria de processos civilizadores. In: O processo civilizador.
Vol. 2: Formação do Estado e Civilização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993, p. 195.
49
Idem.
50
ELIAS, N. O processo civilizador. Volume 1, op.cit., p. 23..
51
Elias, N. Conceitos sociológicos fundamentais. In: Escritos & Ensaios. 1. Estado, processo,
opinião pública. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006, p.21.
15
É visível (e assumida) a incorporação por Elias da teoria pulsional de Freud. Mas
enquanto em Freud a teoria do inconsciente e das pulsões o teria levado a desenvolver
uma crítica ao progresso civilizacional, sobretudo na sua capacidade de controlar a
violência52, em Elias o que se destaca é a disposição “natural” dos “seres humanos” ao
controle/autocontrole. Enquanto em Freud a “sublimação” é uma fuga da angústia ou da
morte, mas não o fim do mal-estar civilizacional, em Elias é a evidência do controle da
violência e o “sentido” como um processo civilizador. Poderíamos, aqui, emprestar a
observação que Habermas fez a Hannah Arendt: Elias “retrocede, assim, até a tradição
do direito natural”. 53
Johan Goudsblom, talvez o mais crítico discípulo de Elias, primeiro reconhece que o
método de Elias “pretende ser uma teoria geral dos processos sociais” para, em seguida,
apontar para a necessidade de atualização do método:
Ao longo dos anos, eu mesmo fui cada vez mais atraído pela
promessa de uma teoria global dos processos sociais, que incluiria
os processos de civilização em geral. Como Elias, em seus últimos
trabalhos, também tive a tendência a ampliar o espectro de minhas
52
Freud escrevia nos belicosos e violentos anos 1920/30, violência a qual Elias, como judeu,
conheceu muito bem.
53
Habermas, op. cit., p. 118.
54
Ribeiro. Renato Janine. Apresentação a Norbert Elias. In: ELIAS, N. O processo civilizador.
Vol. 1 – Uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994, p. 12.
55
Chartier, R. Formação social e “habitus”: uma leitura de Norbert Elias, op. cit., p. 92.
56
Elias, N. Introdução. In: Os alemães. A luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX
e XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997, p. 15.
16
próprias pesquisas a fim de que as conclusões coincidissem com a
imagem mais ampla do desenvolvimento global da humanidade.
Isso implica reconsiderar a noção de ‘processo de civilização’. 57
No limite, a atualização proposta por Goudsblom assume uma “apropriação parcial” da
teoria eliaseana. A atualização sugerida abandona a pretensão à teoria geral e assume a
riqueza dialética das configurações. Propõe utilizar a noção de processo de civilização
“enquanto equivalente ‘dinâmico’ do conceito de ‘cultura’.58
Curitiba, 2010
57
Goudsblom, Johan. Pensar com Elias. In: Garrigou, Alain ; Lacroix, Bernard (Orgs.) Norbert
Elias. A política e a história. São Paulo: Perspectiva, 2001, p. 243.
58
Idem.
17