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OADVENTO

POR

LOTUS HEART
Primeira edição em inglês 1979
Primeira edição em francês 1985
Segunda edição em francês 1989
Primeira edição em espanhol 1994
Primeira edição em português 1995

Proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por qualquer


meio, sem autorização do editor.
Copyright 1995 Instituto Sahaja Yoga do Brasil
ÍNDICE

Prefácio à edição em português..............................................5


Prefácio do autor à edição em espanhol.................................7
Livro I - DIAS DE OUTRORA............................................15
Livro II - A DESCOBERTA ÚNICA DA SAHAJA YOGA
Capítulo I Entre nós..............................................29
Capítulo II Encontro com a Sahaja Yoga................41
Livro III - REVELAÇÃO
Capítulo III A Revelação do Cosmo no
Microcosmo Humano...........................91
Capítulo IV A Harpa Sagrada................................117
Livro IV - ABRINDO A JANELA
Capítulo V Os Méritos da Virtude........................185
Capítulo VI Do Outro Lado do Limite...................231
Capítulo VII A Dança de Satã.................................275
Livro V - O GRANDE JOGO
Capítulo VIII A Mãe e os Filhos..............................303
Capítulo IX O Movimento Elíptico........................317
Livro VI - O MISTÉRIO SEM PORTAS
Capítulo X Compaixão.........................................345
Capítulo XI Nirmala...............................................353
Alguns Conselhos para a Meditação..................................369
Glossário.............................................................................373
Como encontrar a Sahaja Yoga no Brasil..........................379
ÍNDICE DAS FIGURAS

Nº Figuras Pág.
1. O Presente 34
2. O cérebro humano antes da Auto-realização 38
3. O cérebro humano após a Auto-realização 39
4. O microcosmo humano 65
5. Terminações nervosas dos chacras nas mãos 70
6. A estrutura cósmica do Virata 102
7. O movimento da atenção 131
8. O consciente e o inconsciente antes da Auto- 172
realização
9. O consciente após a Auto-realização 173
10. A elipse 320
Nº Quadros
1 Chakras – localização e manifestação no plano 66
físico
2 Chakras do Ser Cósmico (Virata) - divindades 103
PREFÁCIO
à edição em português

Este livro é imperdível para os buscadores da Verdade.


As grandes questões espirituais – quem somos, de onde
viemos, e para onde vamos? O mal existe, sob que disfarce ele
atua? Como viver em conexão com Deus? – recebem aqui
análise inteligente e respostas absolutamente objetivas à luz dos
ensinamentos de Sua Santidade Shri Mataji Nirmala Devi, a
fundadora da Sahaja Yoga.
O autor não duvida de ter encontrado uma encarnação
divina em plena atuação na Terra, fazendo palestras e
oferecendo concretamente a possibilidade de Realização do Self
(o Si, o Ser, o espírito) a todos aqueles que o desejarem.
Eu o compreendo. Tive a ventura de conhecer Shri
Mataji Nirmala Devi numa audiência com o presidente do
Senado, em Brasília, em outubro de 1992. Senti, de imediato,
intensa vibração ao longo de minha coluna e comentei com a
jornalista que me acompanhava: “Essa mulher é muito
poderosa!”
Com o mesmo jeito de mãe que eu havia percebido na
fotografia dos cartazes que convidavam para sua palestra, Shri
Mataji me disse: “Não é por coincidência que você está aqui”.
Aparentemente, era, pois eu entrevistava Shri Mataji porque o
colega que cobria a Presidência do Senado não pudera trabalhar
naquele dia.
Dois meses depois, no ashram da Sahaja Yoga em
Bombaim, onde se hospedavam centenas de iogues do mundo
todo, o autor deste livro, vindo de madrugada da Europa,
colocou seu sleeping bag exatamente ao lado do meu. Poucos
dias depois, viajávamos no mesmo carro para Ganapatipule, um
vilarejo no Mar da Arábia onde prosseguiria o seminário da
Sahaja Yoga. Aproveitei as dez horas que o carro levou no
percurso de pouco mais de 300 quilômetros de estradas sinuosas
nas montanhas para fazer toda sorte de perguntas – às vezes
inadequadas – sobre ioga e assuntos afins. Com grande
paciência, Lotus Heart a tudo respondeu, só deixando de ser
explícito sobre questões que poderiam me constranger. Por
acaso(?), O Advento, que já estava escrito há vários anos,
oferece respostas a todas aquelas dúvidas. Por coincidência(?),
O Advento é lançado no Brasil neste mês de agosto, exatamente
20 anos depois do encontro do autor com Shri Mataji Nirmala
Devi em Londres, um ano após a edição em espanhol e no
momento da quarta visita de Sua Santidade ao Brasil.
Shri Mataji tem dedicado especial atenção a nosso país.
Disse que Brasília “poderá ser” a capital espiritual do mundo no
terceiro milênio. Suas palestras no Brasil atraem milhares de
pessoas. Manteve contatos com autoridades de mais alto nível,
como os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados e
Ministros de Estado. Foi homenageada pela Administração
Regional de Brasília, em 1992, quando o Administrador foi ao
aeroporto para entregar-lhe as chaves da cidade, fazendo coro
ao tributo prestado à Sua Santidade em todo o mundo.
Muitas pessoas (entre as quais peço permissão para me
incluir) em uma centena de nações já foram enormemente
beneficiadas com a prática da Sahaja Yoga, tornando-se muito
mais sadias, equilibradas, amorosas, pacíficas e felizes.
Este livro é imperdível para os buscadores da Verdade
porque abre portas e janelas para a maior das revoluções: a da
consciência, aquela que o indivíduo promove dentro de si
mesmo e que (só ela) poderá construir um mundo melhor.
Brasília, agosto de 1995.
Edson de Almeida, jornalista.
PREFÁCIO
do autor à edição em espanhol
Comecei a escrever O Advento no inverno de 1976, em
Katmandu, Nepal. Empreender essa tarefa foi um grande tributo
à minha ingenuidade. Tinha 26 anos e me movia um sentimento
de urgência. Em sua tranqüila residência de Hurst Green, perto
de Londres, Shri Mataji me havia permitido, uns meses antes, ler
alguns capítulos verdadeiramente extraordinários do livro que
ela estava escrevendo, o qual, certamente, até hoje não foi ainda
publicado. Ingenuamente, eu havia pretendido escrever uma
introdução para esse livro magistral. Ficou claro para mim,
desde meu primeiro encontro com Shri Mataji, que ela tinha
aquilo de que necessitávamos, vale dizer, o poder de conceder,
coletivamente, a Realização do Si (Self, Ser ou espírito). Ela era,
na verdade, o avatar desse nosso tempo. Em verdade,
precisávamos, desesperadamente, dela.
Hoje, já se passaram quase 20 anos e ainda me sinto da
mesma maneira. Shri Mataji diz que a resposta à Sua mensagem
a motivou extremamente. Ela se sente gratificada, porque, em
suas próprias palavras, “existem tantos genuínos buscadores da
verdade nascidos nesses tempos modernos”, que estão
dispostos e são capazes de receber a experiência da Auto-
realização, e com os quais pode comunicar-se, acerca dos
pontos mais sutis do conhecimento espiritual.
Em verdade, fui testemunha de muitas cenas incríveis de
primeiros encontros, de um novo tipo. No estádio de esportes de
São Petersburgo, em julho de 1990, mais de 20 mil pessoas
elevaram suas mãos até o céu confirmando ter sentido a brisa
fresca do Espírito Santo ao final do programa público de Shri
Mataji. Multidões enormes em Moscou, Kiev, Nova Delhi e
Bombaim experimentaram a mesma coisa. Aqueles que estão
doentes são curados, os aflitos são reconfortados, os confusos
recebem conselhos e os que estão perdidos são redimidos. No
Royal Albert Hall de Londres, milhares de pessoas elevaram
suas mãos quando lhes foi perguntado se estavam sentindo a
brisa fresca do Espírito Santo. O mesmo ocorreu em Sydney,
Tóquio, Nova York, Brasília e Los Angeles. As pessoas que
vêm a seus programas podem realmente sentir a energia, o
florescer de sua transformação interior.
A irmandade coletiva jamais chegou a ser uma realidade,
ainda que fosse um dos fundamentos da Carta das ‘Nações des-
Unidas’. Apesar disso, é evocada nos discursos e sermões dos
sacerdotes e políticos. Agora queremos SENTI-LA. Cheia de
paz, dinâmica, majestosa e compassiva, e sempre cheia de
humor, viajando pelo mundo todo, Shri Mataji criou um novo
mapa geográfico, constituído por uma rede global de almas
realizadas. Além do ódio, do racismo e da exploração
econômica, no planeta Terra dos foguetes espaciais, a realidade
de nossa solidariedade começou a reafirmar-se.
De forma clara, estamos presenciando um poderoso
movimento de transformação espiritual. Aqui e ali importantes
personalidades, o diretor de uma prestigiada academia científica,
um líder religioso mundial, um músico mundialmente famoso ou
um chefe de um Estado Maior começaram a unir-se à Sahaja
Yoga, a Yoga da união espontânea com o Si, transportados por
um movimento reconhecido mundialmente.
Mas ainda me sinto como me senti ao conhecê-la no
primeiro dia: entusiasmado de compartilhar a boa nova, o
Advento da era espiritual, a notícia de que podemos progredir
até alcançar uma consciência mais elevada. Há uma multidão de
buscadores nos cinco continentes que estão exatamente
procurando isso. Desesperadamente. O Advento não expressa os
desvarios de um doce idealista utópico, mas é fruto de uma
experiência interior, que é compartilhada, hoje, por centenas de
milhares de pessoas. Éramos muito poucos, na época em que
esse livro foi escrito.
Em resposta a muitos pedidos, publicou-se a versão em
espanhol, com base numa posterior edição francesa. O texto foi
revisto a fim de torná-lo mais acessível ao público em geral.
Verdadeiramente, a primeira, limitada edição inglesa, publicada
em Nova Delhi em 1979, havia sido escrita, principalmente, para
aqueles que já haviam recebido a experiência da Realização do
Si.
No entanto, hoje haveria motivação e material para um
novo livro totalmente diferente. Porém, não o estou escrevendo.
Ainda não. Não sou senão um menino no grande jardim, um
estudante do livro da vida, mas ainda me faltam inúmeras
páginas para ler, agora que conheço o código para decifrar o
texto.
Tem valia, em minha opinião, prover o leitor da língua
espanhola da percepção do início, quando a Sahaja Yoga
começou a expandir-se fora da Índia; a análise que se fez das
desgraças das sociedades ocidentais ainda é válida. Os sintomas
atuais de uma bancarrota ética, o surgimento de terras
ecologicamente doentes, o incremento do fanatismo religioso ou
a intolerância do ‘fundamentalismo’, todas essas características
de nosso mundo moderno, que são discutidas no livro,
certamente cresceram de uma forma ainda mais desagradável.
Sem uma autêntica revolução espiritual, as coisas não
podem ser de outra maneira.
Shri Mataji sempre começa seus discursos públicos com
essas palavras: “Inclino-me diante de todos os buscadores da
verdade”. Que todos os Sahaja Yogis que estão atrás dela
possam transmitir ao leitor esse sentimento de compreensão e
respeito. Sinto-me extremamente agradecido aos meus irmãos
de Madri e Bogotá, os quais, por meio de um grande entusiasmo
e uma tarefa árdua, tornaram possível produzir esta versão
espanhola do livro.

Genebra, Suíça, 25 de agosto de 1994


DEDICADO
ÀQUELA
QUE
conhece
as
COISAS
LIVRO I
DIAS DE OUTRORA

Deus é artificioso. Ele brinca de esconder coisas e as


procura conosco. Brinca com muitos outros jogos, mas à
proporção que o tempo passa, não apreendemos o jogo nem
suas regras. Ao longo do tempo, agimos infantilmente. Não
conseguimos compreender Deus. Muitas vezes, O ignoramos
totalmente, ou quando Dele nos lembramos, O culpamos por
nossas bombas, nossas desgraças, nossos papas e nossos
aiatolás. Muitos vertem lágrimas, no afã de se encontrar com
Deus. Entretanto, nosso erro mais freqüente é censurar Deus
por causa de nossas travessuras. Isso porque, nosso truque
favorito é parodiar o jogo divino. Para retornarmos a Ele,
pensamos, erroneamente, que temos de nos vestir de preto como
os padres católicos (ou de amarelo como os monges budistas),
ou deixar que nossos cabelos cresçam como fazem os Sikhs, ou
raspar a cabeça como os lamas tibetanos. Pensamos,
equivocadamente, que precisamos ir à Índia (e contrair hepatite),
ou ser batizados por imersão total num poço para que possamos
nascer novamente. Nosso conhecimento de Deus vem de
especialistas que costumam escrever teorias sobre Ele. Num
determinado momento, Ele está aqui e no próximo já se foi.
Alguns acreditam em Karl Marx, se bem que são raros hoje em
dia. Outros não acreditam em coisa alguma. Quanto a mim, não
tinha muitas certezas. Houve momentos em que tinha algumas
alegrias e premonições.
Um buscador da verdade pode, episodicamente, tomar a
liberdade de ser fútil, a fim de melhor ziguezaguear por um
mundo em que impera a falsidade. Gurdieff, que era uma pessoa
DIAS DE OUTRORA 13

muito inteligente, nos deu numerosos exemplos dessa arte.


Quando ele estava em Samarcanda, com pouco dinheiro, pintou
alguns pardais com anilina e os vendeu como ‘canários
americanos’, por dois rublos cada. Ainda que não tenha
identificado em mim esse nível de engenhosidade, compreendi
que deveria desenvolver um sistema de truques e de
subterfúgios, a fim de sobreviver, e se possível, prosperar com
sucesso. No entanto, finalmente, descobri que minhas
pantomimas eram cansativas e deixei a máscara cair.
Quando mergulho em minha memória, descubro uma
fome muito primordial que me consumia. É a coisa mais sólida
que em mim existe. Sempre soube que expressamos apenas uma
ínfima fração de nós mesmos. Pretendia viver num nível de
intensidade de cem por cento. Tomei essa decisão quando tinha
catorze anos, entretanto, não sabia bem o que fazer para que
isso acontecesse. Os subseqüentes ensaios e erros marcaram
minha entrada na vida adulta. Essa é uma longa história.
Tive sorte, pois minha família não era pobre. Na
Universidade de Genebra, vivia sem nenhum constrangimento e
me esforçava para conjugar o verbo divertir no presente do
indicativo. Meu coração - será que era ele mesmo? -
apaixonava-se rápida e constantemente. Caí de amores pela
Vênus de Botticelli, pela Helena de Boucher e, em seguida,
pelas mulheres de carne e osso, que eu encontrava nos cenários
de minhas escapadas pelas ilhas gregas, pelo sul da França e por
outros lugares propícios.
Formei-me em direito, mas isso não é relevante. O
essencial para mim era vivenciar, com grande intensidade, os
sabores, os prazeres e as alegrias da vida, quando as
oportunidades para isso se apresentavam. Dancei quadrilhas sob
as abóbadas douradas dos palácios. Esquiei sob o céu violeta das
altas montanhas. Esbarrei, de passagem, em belos perfis pelas
ruas, porém todos eles se me escaparam.
14 O ADVENTO

Tentei também fazer de minha vida um poema. Não


obstante, usei para isso uma sintaxe inadequada, pois o mundo
de prazeres e de formas é também o mundo das frustrações. A
beleza passa, o prazer freme e desaparece. Queria degustar
todos os frutos e pretendia conservar seu sabor em minha boca.
Sem dúvida alguma, fracassei.
Na beleza de uma mulher, de uma idéia ou de uma
estátua, via a mesma beleza universal, sempre longe de meu
alcance. Procurava o modelo, mas me perdia nos esboços. O
cúmulo da ironia era que me sentia como um esboço feito por
um lápis muito apressado (e esse era meu suplício), cujo
desenho final podia-se adivinhar qual seria.
Paralelamente, aquilo que nos propõe a ‘espiritualidade
oficial’ do Ocidente, provavelmente, não transmite mais coisa
alguma a ninguém. As reminiscências do colégio me
perseguiram durante certo tempo: um bispo que entoava cantos
gregorianos sob seu solidéu ridículo (enquanto a confraria
clerical gorjeava os responsos) e, sobretudo, um ‘diretor
espiritual’, tão bem descrito por Montherlant. As gárgulas de
pedra que sustentam os arcos da basílica próxima exultavam de
prazer diante disso tudo.
Desprezava aqueles que pensavam ter encontrado a
verdade no carrossel dos ídolos de ouro: Deus, a Nação, a
Tecnologia, a Revolução ou a Juventude. Todavia, não fazia
parte da malta dos cínicos frívolos, acerca dos quais Nietzsche,
irmão na visão perspicaz e na amargura, havia escrito (em seu
livro “Assim falava Zaratustra”) que: “A crença fundamental da
massa é pensar que ela vive para nada. Essa é sua
vulgaridade”. Por que razão se deveria viver? Não descobria a
resposta a essa questão, a não ser que, talvez, ela fosse a própria
busca da resposta. Assim, tinha de encontrar as respostas para
várias perguntas, que eram, simultaneamente, imensas e simples,
as quais não conseguia tirar de minha cabeça. ‘Como ser feliz? O
que fazer para que os outros fossem felizes? O que é a verdade?’
DIAS DE OUTRORA 15

Contudo, não possuía, como Pilatos, uma bacia para lavar


minhas mãos.
De vez em quando, tentava sistematizar minhas
especulações: ‘Deus existe, ou não existe. Se Deus não existe
podemos pôr fogo no circo, mas se Ele existe, a busca espiritual
vale a pena’. Nessa época, eu era muito jovem! Tanto melhor,
pois desejava que isso durasse muito tempo. As paredes de meu
quarto não tinham nada a me propor, assim sendo, fui para
longe. Uma amiga holandesa, que apreciava tulipas e haxixe, me
iniciou neste último. Todos esses caminhos do escapismo, às
vezes muito procurados, nos quais nos metemos, não nos
ajudam muito. Não me atraía mais, realmente, o jogo que
chamamos de ‘amor’, ou os gestos que denominamos de
‘carícias’, com os quais tentamos exorcizar o fato inelutável de
que o outro permanece sendo o outro.
Seria eu mais lúcido que os outros? Se isso fosse
verdadeiro, isso não me ajudava a rir. Podia sentir a pressão de
uma sociedade sem alegria, aborrecida e cruel. Via, nitidamente,
as pessoas ao meu redor tentando nadar num mar de fantasias,
afundando-se naquilo que Pascal chama de ‘divertimento’,
correndo atrás de credos políticos, do sucesso ou do amor, sem
compreender os mecanismos que as faziam correr. Quando me
observava com maior sagacidade, via a mim mesmo também
correndo. Não podia me valer nem sequer da desculpa de não
estar percebendo.
Aprendi a rir de mim mesmo, a fim de conquistar o
direito de rir dos outros. Celebrei assim os ritos sociais
necessários para tranqüilizar os membros da tribo. Fiz coisas que
as pessoas conservadoras consideram bastante respeitáveis,
como receber uma educação clássica na Europa e nos Estados
Unidos, e me tornei um funcionário internacional. Surpreendi as
pessoas que não eram consideradas respeitáveis, ingerindo suas
drogas, morando em suas comunidades hippies e visitando seitas
apocalípticas. De uma forma geral, compreendi um pouco
16 O ADVENTO

melhor quais eram as coisas que deviam ser feitas ou evitadas.


Acredito que isso me fez ganhar tempo. Como um pequeno
Fausto de palha, fiz meu pacto com Mefistófeles. Considerava-
me tão inocente quanto o diabo era astucioso e não tinha, por
isso, muito medo. Deixei-me chamuscar, valentemente, por
todos os fogos advindos de várias vivências. Após descobrir que
a filosofia hindu havia progredido muito nas questões
concernentes à origem do universo, à relação entre matéria e
espírito e à busca do Si, orientei minhas buscas nessa direção.
Dessa forma, observei de perto alguns ‘mestres’ importados do
Oriente, a fim de descobrir uma fauna inquietante de charlatões
corruptos e de profetas de feira, que despojavam seus discípulos
de suas posses e de sua saúde espiritual e psíquica. Muitos
discípulos inocentes foram ludibriados. Havia porém outros que
receberam os ‘messias’ que mereciam, porque pensavam com
arrogância que podiam se apropriar de Deus, ao investirem
algum dinheiro em cursos de meditação e ao crerem no mito de
que formariam uma nova raça eleita. Na verdade, dizia a mim
mesmo, que a humildade é a única salvaguarda daqueles que
tentam se aproximar de Deus. Tinha descoberto, sem o saber,
uma das regras do jogo, ainda que, quase sempre, fracassava em
colocá-la em prática.
Em Bolonha, onde estudei durante um ano, perambulava
com deleite pelas ruelas e praças que se transformaram em
cenários de Shakespeare, porque a primeira crise do petróleo as
esvaziava do tráfego dos automóveis, todos os domingos. A
Itália, esse velho país, fervilhava de estetas e intelectuais que me
ensinaram que a estética e o intelecto, por si sós, não levam à
parte alguma. Na pobre Europa, o sabor da decadência excitava
o paladar. Porém, onde iria florescer a próxima primavera?
Um quebra-cabeça começou a tomar forma de um
código de sinais em minha mente, como resultado de meus
estudos e de minhas diferentes experiências. Tentei diversas
vezes decifrar o código. Segui os passos dos buscadores do
DIAS DE OUTRORA 17

passado: Arjuna, Akhenaton, Kant, Lenin. Marcuse diz que não


existe síntese e propõe a grande recusa. Ele parecia ignorar que
Patanjali e os mestres zen-budistas diziam que a síntese pode
ser experimentada mediante a transformação da consciência do
indivíduo. Mais uma vez, meu pequeno cérebro ficou febril,
visto que comecei a distinguir o contorno do quebra-cabeça.
Em 1974, quando morava na cidade de Washington,
comecei a me dar conta de que somente um acontecimento
histórico, sem precedente, poderia impedir a derrocada de
nossos ecossistemas até a total destruição. Apenas um evento,
realmente muito significativo, seria capaz de romper a
engrenagem confusa e estressante que nos estava arrastando
para um desequilíbrio crescente. Cheguei à conclusão, como
tantos outros, que esse evento deveria se manifestar, não no
campo das ações humanas, mas no âmbito da consciência,
(entendida aqui como o termo inglês awareness, que é a
consciência da percepção, e não apenas a ‘consciência’, isto é, a
consciência mental). Ademais, os sinais dos tempos
(compreendidas aí as posições zodiacais) apontavam para a
iminência de um tal desdobramento. Não sabia onde, nem
quando, nem como se produziria essa tomada de consciência.
Será que ela já estaria ocorrendo?
A questão pode ser colocada nos seguintes termos: como
desenvolver uma nova faculdade de percepção (além do
intelecto racional), que represente uma evolução na
fenomenologia da consciência e não uma regressão? Retornar
aos instintos não resolverá os problemas de nossa civilização,
uma vez que os instintos e a civilização expressam apenas a
grande contradição humana. Esta não pode ser resolvida pela
oscilação constante desses dois pólos opostos. Ademais, o
estado psíquico padrão de um ocidental representa uma
conquista da lógica e da razão que não pode ser desprezada.
Com relação a essa conquista, as tentativas instintivas de irmos
além de nossas capacidades cognitivas podem ser consideradas
18 O ADVENTO

como uma regressão. Hoje em dia, essas tentativas existem em


quantidade: a droga, o sexo como uma concepção do mundo,
Weltanschauung, isto é, como uma força libertadora, a adesão
quase animista às seitas religiosas, espiritistas, parapsicológicas,
etc. O circo atual de novas igrejas, de falsos gurus, de religiões
calcadas em ficção científica, de aprendizes e de mestres
feiticeiros, mostra claramente que a necessidade de uma nova
percepção no campo da consciência está presente no ar.
Efetivamente, da mesma forma que o século XIX foi marcado
por uma mudança no plano material (a revolução industrial), por
que é que a segunda metade do século XX não poderia fazer
emergir uma nova percepção espiritual (uma revolução
epistemológica)? Essa maneira um pouco hegeliana de ler um
sentido da História pareceria menos artificial, caso quiséssemos
nos dedicar a uma análise profunda religiosa, literária, artística e
comportamental das sociedades mais avançadas.
No momento em que escrevo essas linhas, centenas de
autores e de cineastas de todos os tipos estão tentando dar os
retoques finais no quadro dessa hipótese. Esse é um quadro
esplendidamente vazio. Efetivamente, é o que eu dizia a mim
mesmo há dez anos, a menos que a pessoa viva interiormente
essa experiência imediata de transformação cognitiva ou todas
essas considerações poderão ser tidas como cortinas de fumaça.
Eu estava amargamente consciente disso.
Sinceramente, é preciso reconhecer, meu barco começou
a fazer água. Vivia rodeado de amigos que tinham seus espaços
mentais ligados permanentemente em ‘sexo’. Perdi-me em meus
jogos, por causa do objeto desejado - as garotas - ou sobretudo
a alegria de estar junto de alguém escapava de mim totalmente.
Pensávamos que o ‘amor livre’ oferecia a máxima oportunidade
de prazer, felicidade e plenitude. Isso se transformou no credo
de nosso estilo de vida. Todavia, quantos dentre nós foram
capazes de aproveitar, autenticamente, de suas vidas afetivas?
Por que motivo há tanta insegurança? Como era possível
DIAS DE OUTRORA 19

entregar-se verdadeiramente a alguém que pode desaparecer


amanhã com um(a) parceiro(a) que tenha um físico mais bonito
ou que tenha um automóvel maior e melhor? Mesmo quando
estava com minha namorada, minha atenção se concentrava em
outras garotas. Essa instabilidade da atenção impedia que me
deleitasse com aquilo que eu tinha. Queria me afastar desse
comportamento oscilante e demente, a fim de poder conhecer a
espontaneidade da amizade e do amor, sem aqueles pensamentos
de sexualidade que assaltam nosso cérebro e absorvem
totalmente nossa atenção. Não obstante, não sabia como fazer
isso.
Eu estava abarrotado dos produtos feitos pelas ‘fábricas’
universitárias, ou seja, de idéias. O papel de meus professores,
em nome do pensamento analítico, foi o de dividir fios de cabelo
em partes infinitesimais, às custas dos contribuintes. Não existia
mais nada de universal no conhecimento ministrado pelas
universidades. Tratava-se de um caos, mais ou menos
organizado em compartimentos. Cada departamento acadêmico
se limitava a cuidar de seu pequeno jardim, sem qualquer
conexão com o todo. Não obstante, tirei partido dessa maneira
como o mundo funcionava, porque consegui obter, facilmente, o
título de Mestre em Ciência Política. Viajei, em seguida, num
“Packard” 1954, para Nova Orléans e Los Angeles, nos Estados
Unidos. Adorava viajar. A vida era novamente um divertimento.
Ia ver o nascer do Sol nos picos do Monument Valley ou nadar
nas águas frescas do Oceano Pacífico.
Curiosamente, quando volto o filme dos eventos, durante
essa viagem, as coisas, ao meu redor, me puxam para trás e para
frente, como se estivessem me conduzindo a um encontro
definitivo. Por exemplo, quando eu estava perambulando pelo
deserto do Arizona, o planeta Vênus aparecia sempre,
inexplicavelmente, no orifício de minha tenda, todas as vezes
que a erguia. Quando cheguei ao Grand Canyon chovia
torrencialmente. Desejei ter e obtive um esplêndido arco-íris, em
20 O ADVENTO

cinco minutos! Assegurar a concretização de qualquer desejo


meu, da maneira mais benevolente possível, parecia ser um
prazer para algum deus invisível. Uma sucessão de coincidências
e de símbolos, interligados por um grande senso de humor, me
levou, finalmente, até Berkeley, à casa de um estudante de
economia chamado Rajesh. Ele era um rapaz brilhante e muito
sensível. Nossas longas conversas noturnas se prolongavam pela
noite no observatório de onde se avista a Baía de São Francisco.
Uma semana depois, com grande cautela e com uma timidez que
tornava o evento quase solene, ele me mostrou a fotografia de
uma senhora indiana dotada de um sorriso misterioso, sentada
numa pose hierática de proteção.
- “Ela mora na Inglaterra, perto de Londres - disse-me
Rajesh - e sei que ela o espera. Ela se encarnou várias vezes no
passado e as estátuas que a representam cobrem a face da
Terra. Ela veio novamente, conforme foi previsto, e está aqui
para nos emancipar. Você deve ir vê-la”.
- “Mas Rajesh, como é possível que me diga coisas tão
incríveis?”
- “Você poderá sentir tudo isso por você mesmo. Poderá
senti-lo verdadeiramente. Poderá sentir uma energia fantástica
que emana do corpo dela sob a forma de vibrações frescas e
você entrará num novo estado de consciência! Deve ir lá e
verificar isso pessoalmente. Poucos, dentre nós, conseguiram
isso. Não é nada parecido com as experiências pseudo-
espirituais que você vivenciou até agora”.
Era difícil acreditar na manifestação de algo que eu havia
buscado durante tanto tempo e crer numa novidade tão imensa.
Era mais inacreditável ainda, que um Ser capaz de ajudar os
outros a se libertarem, verdadeiramente, pudesse viver incógnita
nesse mundo, comendo e dormindo como qualquer pessoa,
trabalhando no sentido de produzir uma nova revolução
espiritual. Por outro lado, Rajesh não era sonhador nem fanático
nem imbecil. Os sinais dos tempos anunciavam transformações
DIAS DE OUTRORA 21

iminentes; os falsos profetas do Apocalipse nos rodeavam, fiéis


ao encontro, num cortejo de drogas e de seitas inquietantes, tais
como os psiquismos desregrados, as aberrações sexuais
ameaçando a coesão da célula familiar; nos países
desenvolvidos, a tecnologia e o aparato produtivo estavam sem
controle; nos países em desenvolvimento, a miséria mais gritante
estava, mais do que nunca, fora de controle. O meio ambiente se
deteriorava. A sobrevivência física da humanidade se
transformava na temática de modelos matemáticos que
desembocavam em previsões alarmantemente pessimistas. Se
nunca um cenário igual a esse havia sido montado a fim de
propiciar uma transformação monumental de rumos, muitos,
dentre nós, pensavam vê-lo à nossa volta.
Só havia um meio de averiguar isso. Fui para Chicago, e
dois dias depois, imbuído de um senso de otimismo, embarquei
num avião para Londres.
Assim, essa é a pequena história de meus primeiros vinte
e cinco anos. Devo admitir que tive muita sorte! Não fui
oferecido aos leões nem pendurado numa cruz. Não me
obrigaram a beber cicuta, contudo as drogas não foram capazes
de me destruir. Não fui compelido a ir para um gulag siberiano.
Finalmente, me senti reconfortado em descobrir quão pouco
original havia sido minha busca. Segui a mesma trilha de
questões debatidas por monges, loucos, poetas, reis, filósofos e
santos. Elas são, em verdade, questões antigas que ainda hoje
sobrevivem às suas respostas. Qual seria a resposta que obteria
dessa figura enigmática em cuja direção os motores do avião
ronronavam? Sabia apenas seu nome: Shri Mataji Nirmala
Devi.
LIVRO II
A DESCOBERTA ÚNICA DA SAHAJA
YOGA

“A nova revolução em sua consciência deve manifestar-


se, sem o que todas as realizações humanas não terão nenhum
sentido. Seria como montar todo o aparato elétrico para
iluminar um casamento, sem que a corrente elétrica pudesse
passar. Todavia, quando vier a luz, poderão ver o noivo e a
noiva.”

Shri Mataji Nirmala Devi


ENTRE NÓS

CAPÍTULO I

É sempre de bom gosto usar uma terminologia


moderada, e o autor do presente livro mostra uma coragem
inusitada, ao empregar uma linguagem recheada de termos bem
sonoros, tais como o cosmo, a evolução universal, o destino, a
Realização do Si (Self), Deus e o diabo, os quais podem causar
algum embaraço ao leitor. Como é que o autor ousa fazer isso?
Ademais, o que essas páginas irão revelar sobre a Sahaja Yoga -
sobre Shri Mataji e sobre a consciência coletiva - poderá
parecer algo tão paradisíaco, que o leitor tenderá a considerar o
autor como um tipo particularmente impertinente, pertencente a
uma categoria de autores que se tornam impopulares com justa
razão como os que publicam livros sem saber, realmente, coisa
alguma acerca do que escrevem. Portanto, se o leitor aceitar a
hipótese de que o autor conhece aquilo de que está falando,
surge a seguinte questão: ‘quem está autorizado a falar sobre o
reino de Deus e saber, efetivamente, do que está falando?’
Não evitarei palavras tais como ‘Deus’ e ‘destino’,
porque esses símbolos poderosos de nossa linguagem cobrem
precisamente a matéria dessa obra. Se tiverem dúvidas sobre a
extensão real do meu conhecimento, permitam que eu mencione,
nesse momento, uma parte do Kena Upanishad:
“Não posso dizer que conheço perfeitamente o Absoluto, nem
tampouco posso dizer que não O conheço. Aquele dentre
nós que O compreende melhor é aquele que compreende o
ENTRE NÓS 25

sentido das palavras: não estou seguro de que não O


conheço.”

Certamente, as palavras têm sido usadas, marteladas e


distorcidas nas oficinas dos artífices da linguagem, e não sei o
que fazer para que elas voltem a seu estado de pureza prístina,
ou fazer com que tenham ‘um som mais puro’ (uma ambição
insatisfeita de Mallarmé). Aqui me dirijo às pessoas que se
sentiram fascinadas pelo Azul Paradisíaco, as quais se engajaram
na mais antiga das buscas, e que, exauridas, decidiram que sua
busca era um contra-senso e que o Santo Graal não existia. A
alquimia da consciência e a transformação interior seriam apenas
quimeras. Algo que fascina nosso inconsciente e que exacerba e
pune, simultaneamente, nossa irrefreável nostalgia do Divino.
Assim, sem nenhuma autoridade para fazê-lo, pego
minha caneta. No entanto, vi aquele Oceano para o qual todos
os rios convergem. Banhei-me nele, nele me dissolvi, nele me
perdi e me reencontrei, e com toda a comprovação de meus
sentidos e com todas as fibras de meu ser. Compreendi que essa
experiência da ‘grande transformação’ está disponível para toda
uma geração de buscadores, aqui e agora. Ainda que os falsos
profetas de hoje coaxem em todas as encruzilhadas, prometendo
o paraíso a um preço módico, devo dizer em respeito à verdade
(gritarei se não me ouvirem) que todos podem, concretamente,
entrar na Cidade da Alegria de Deus. Esse livro introdutório
sobre a Sahaja Yoga de Shri Mataji Nirmala Devi mostrará o
caminho e a porta para o reino de Deus.
Antes de tudo porém, não nos esqueçamos de que o
Oceano contém a gota d’água, e não o contrário, mesmo que
essa gota tenha a forma de um cérebro humano abarrotado de
conceitos e de um aparato analítico completo. Esse Oceano é
constituído por um amor incomensurável, que vibra em cada
galáxia e em cada partícula do átomo. Por isso, os conceitos e
suas vestimentas de palavras devem ser deixados na praia.
26 O ADVENTO

Entretanto, se lhes apresentasse um livro com todas as


páginas em branco, não poderia lhes transmitir todas as
informações que deveriam ter. Dessa maneira, imprimirei
palavras em todas as páginas e comentarei o método.
Refiro-me ao método de conhecimento, do qual Sócrates
destilava os princípios filosóficos, quando perambulava de baixo
para cima, na ágora de Atenas, e que lhe valeu uma recompensa
típica do reconhecimento dos homens: uma taça de cicuta.
Preliminarmente, qualquer que seja a Verdade, ela é, pela
sua própria natureza, in se e per se (isto é, em si mesma e por si
mesma), portanto independente de minha capacidade intelectual
de apreendê-la. Se uma árvore e um rio existem, em algum
lugar, essa árvore e esse rio existem, quer estejamos ou não
conscientes da existência deles. Essa paisagem aprazível irá logo
ressoar as discussões dos filósofos. De fato, pretende-se fazer
com que isso aconteça, vale dizer, essa árvore e esse rio apesar
de existirem, não os vejo; logo, não os conheço. Se não os
conheço, apesar de existirem em si mesmos, não existem para
mim, vale dizer, no que me tange, eles não existem. O erro que
deve ser aqui evitado consiste em concluir que aquilo que não
existe para mim não existe de maneira alguma. Todavia, ao
criarem essas armadilhas verbais, os filósofos geram a
possibilidade de debates muito agradáveis entre seus nobres
colegas...
Uma pessoa inteligente e dotada de um ótimo senso de
discernimento diria que “não vejo o rio nem a árvore.
Entretanto, isso não significa que não existam. Isso apenas
quer dizer que não sei se existem ou não”. Suspendendo assim
seu julgamento, a pessoa chega ao estado alcançado por
Emmanuel Kant na “Crítica da razão pura”, ou seja, à mesma
posição defendida por Sócrates, Buda e Lao Tse, posição que
estabelece o fundamento para o método científico.
“Saiba aquilo que conhece e aquilo que não conhece.
Saiba que conhece aquilo que você, de fato, conhece. Saiba
ENTRE NÓS 27

também que não conhece aquilo que não conhece”. Suponho


que poderão aceitar, gentilmente, essa dose de bom senso, pois
isso me permitirá apresentar-lhes uma proposição.
Em verdade, quero lhes falar sobre um rio magnífico e de
uma árvore com seus frutos inauditos. Quero lhes falar do rio de
água da vida, que São João diz fluir no seio da nova Jerusalém,
e da árvore da vida, cujos frutos curarão nações inteiras.
Provavelmente, vocês não se aventuraram a explorar sua própria
paisagem interior, na qual poderiam encontrá-los, e por isso
talvez não queiram acreditar em mim. Vocês estão certos, mas,
por favor, não rejeitem o que estou dizendo. Como é que
poderiam fazê-lo? Já entraram nesse jardim secreto interno?
Podem dizer, com total confiança, que o descobriram, e que ele
corresponde a todas as gloriosas descrições que dele fizeram os
grandes instrutores espirituais das diversas religiões do mundo?
Atenção! Ao responderem a essa questão, é conveniente que
não se deixem embriagar por tergiversações, perífrases e
metáforas teológicas. Essa descoberta é uma experiência real,
palpitante e intensa.
Se conseguir motivá-los a sair de sua poltrona
confortável e a caminhar na direção correta, a fim de verem por
vocês mesmos tanto o rio, como a árvore, esse livro terá
alcançado seu objetivo, vale dizer, o de motivá-los a passar pela
experiência. A fé e a incredulidade são movimentos bruscos e
sem sentido de uma psique que é incapaz de encarar a realidade
e não pode mergulhar na silenciosa evidência do conhecimento.
Apenas a extraordinária experiência de nosso segundo
nascimento, de nosso verdadeiro batismo, também conhecido
como a Auto-realização, pode nos dar essa consciência
autenticamente iluminada que é o objetivo de nossa busca.
Levaram-me a esse jardim. Já vivi nele. Disseram-me: “Esse
lugar sagrado espera por todos os irmãos e irmãs que o
procuram”.
28 O ADVENTO

As regras do jogo da linguagem determinam que uma


proposição verbal, lançada na arena pública, seja imediatamente
transformada em objeto de controvérsia. Não me recuso a
aceitar essa regra. Para evitar gastar muito tempo com esses
jogos verbais, devo enfatizar que esse livro pretende apenas
indicar alguns sinais de trânsito. Entretanto, não é apenas um
sinal no caminho que diria: ‘leitor superficial, meu semelhante,
meu irmão’. Será que esse leitor após ter passado, como eu, por
muitas vidas inalando as flores do mal, optaria agora por não se
interessar pela árvore da vida ou pela árvore do bem?
Dessa forma, ao longo desse livro, uma outra pessoa que
não eu, a quem me cabe lhes apresentar, os convidará a trilhar a
senda interior da liberação. Essa senda, como foi preconizada
por Buda, leva ao jardim mais secreto no interior das
profundezas de cada um de nós, onde as flores e os frutos do
amor divino realizam as promessas mais fantásticas de todos os
santos do passado. Lá, tudo é beleza, pureza cristalina da
inocência, frescor, alegria e amor. Lá é onde o rio corre e onde
fica a árvore.
De fato, esse paraíso inacessível está, como podem
suspeitar, no âmago de nós mesmos. A Árvore Sagrada vem a
ser o mecanismo sutil (Yantra, em sânscrito) que preside nossa
ascensão espiritual, e mais diretamente, todos os nossos
processos psicossomáticos. Não é uma grande compilação de
obras esotéricas cheias de poeira que me autoriza a lhes dizer
isso, mas o resultado prático de um fenômeno vivo, que
chamarei, simplesmente, de experiência do presente, do aqui e
agora.
Tentem visualizar uma linha horizontal entre o passado
(armazenado em nossa psique, sob a forma de
condicionamentos, ou seja, o superego) e o futuro (com o qual,
o outro componente de nossa psique está preocupado, ou seja, o
ego). Em algum lugar dessa linha, encontra-se um ponto
geométrico intangível, que se chama presente e que corta a linha
ENTRE NÓS 29

entre seus segmentos do passado e do futuro (vide figura 1). O


presente é um ponto invisível que não podemos quantificar em
unidades de tempo. Daí surge o irritante paradoxo que se
apresenta ao ser humano, vale dizer, existe apenas a
inconsistência do presente, porquanto o passado já se foi, e o
futuro ainda não ocorreu.
A fim de lidar com esse momento presente e
experimentar seu sabor, é imprescindível que adquiram a
capacidade de entrar nesse ponto invisível no tempo, projetando
sua atenção, a partir de um espaço psíquico que não seja o ego
(ligado ao futuro) nem o superego (vinculado ao passado). Sua
atenção deverá inflar o presente, tal como o ar é insuflado num
balão. O passado e o futuro podem assim ser reduzidos. Vocês
entram num espaço que fica além das dimensões tradicionais da
experiência humana, ao penetrarem nesse ponto invisível da
linha horizontal. Tendo transcendido o ego e o superego,
poderão gozar a intensidade do presente contínuo, e se instalar
no reino de Deus, o jardim mágico tão próximo e, no entanto,
tão distante. Como entrar nele?

FIGURA 1 - O PRESENTE
30 O ADVENTO

Quanto a esse jardim mágico, La Bruyère, um


observador sagaz, aponta, em seu livro “Caractères”, os
prováveis ocupantes desse jardim, ou seja, “as crianças não têm
passado nem futuro e se deleitam com o presente”.
Os escritores místicos (um qualificativo que, sob minha
ótica, não designa uma doce imbecilidade) tentaram descrever
essa viagem além do tempo, que é “o paraíso que está em nosso
interior”, dizem eles, “bem como a promessa da porta estreita,
a sua chave e o seu caminho”. Antes porém, é preciso remover
os espinhos.
Agora é preciso que pare de importuná-los com
metáforas (além do mais muito usadas, pois se originam de
antigas escrituras) e lhes proponha, sob a forma de uma
hipótese, a Auto-realização. Prometo que receberão, com aquele
tempero de sabedoria socrática tão útil, esse conhecimento
fantástico que é a dádiva de alguém que está além de mim. Esse
conhecimento, outrora secreto, deve hoje ser divulgado. Isso
porque é chegada a hora muito preciosa, a hora prometida, que
é, simultaneamente, libertadora e fatídica. Leiam, sem rejeitar ou
aceitar minha tese, e, como eu, testemunharão a aurora de uma
nova esperança. Doravante, vamos utilizar expressões sânscritas
para designar vários conceitos.
A via secreta, o caminho do iniciado, é o canal sutil
(Sushumna Nadi), no interior da coluna vertebral que forma o
tronco da árvore da vida. A energia potencial do Espírito Santo
no interior do ser humano (Kundalini) dorme no osso sacro, o
osso triangular que fica na base da espinha. No momento de seu
despertar, ela começa sua ascensão no âmago do Sushumna
Nadi, que é formado por vários condutos concêntricos ao longo
da medula espinhal. Todavia, esse canal é interrompido por um
hiato que fica entre o plexo solar e o nervo vago (do sistema
nervoso parassimpático). Ademais, como veremos mais tarde,
com detalhes, esse canal pode ser danificado ou bloqueado, por
exemplo, em conseqüência de nossas ações anteriores (Karma),
ENTRE NÓS 31

doenças, perturbações nervosas, e outros distúrbios psíquicos.


Devemos limpar esse caminho, o que não podemos fazer por nós
mesmos, porque nossa atenção não pode penetrar no Sushumna
Nadi. Por isso, pode-se compreender melhor o papel do
verdadeiro mestre espiritual (Guru). Ele é aquele que pode
despertar a Kundalini adormecida do discípulo, a semente da
vida, inundando-a com um fluxo de vibrações energéticas
divinas (a água da vida) que corre de seu ser como um rio.
Quando essas vibrações envolvem o corpo do discípulo, elas
preenchem o hiato em seu Sushumna Nadi. A Kundalini,
convidada pelas vibrações de uma personalidade, cuja
autoridade ela reconhece, ascenderá, cruzará o intervalo do
vazio e penetrará os centros espirituais e psicossomáticos
(Chakras) que ficam ao longo do Sushumna Nadi e representam
os frutos da árvore da vida.
O rio de água é, sobretudo, o fluxo de vibrações frescas
emitidas pela Energia Primordial (Adi Shakti) de Deus. Sua
manifestação foi identificada, por exemplo, como a brisa do
Espírito Santo, como se pode ver na Bíblia, nos Atos dos
Apóstolos, 2.1:
“Tendo chegado o dia de Pentecostes, eles se encontravam
reunidos num mesmo lugar, quando, de repente, veio do céu um
estrondo, semelhante a um golpe de vento violento, que encheu toda
a casa onde estavam. Eles viram aparecer línguas, chamadas de
fogo, que pousaram, uma a uma, sobre cada um deles.”

Essa manifestação divina é chamada em grego de noüs


ou pneuma, isto é, ‘o sopro’ na terminologia gnóstica ou, ainda,
é simbolizada pelo rio sagrado Ganges que emerge da cabeça de
Shri Shiva. Efetivamente, no momento da Auto-realização,
pode-se sentir a brisa fresca dessas vibrações ou, devido à sua
força, pode ser um rio fresco que corre pelos dedos, pelas mãos,
e eventualmente por todo o corpo. Num estado mais avançado,
a água da vida - que doravante será chamada de néctar (Amrut) -
32 O ADVENTO

é percebida como uma ducha que desce do topo da cabeça e


enche o sistema nervoso central e o autônomo de uma bem-
aventurança indescritível.
A porta estreita é o sexto Chakra (Agnya Chakra) no
caminho da Kundalini, localizado no centro da fronte. Ele é
chamado algumas vezes de ‘terceiro olho’. Como verão e
descobrirão mais adiante, existe uma relação muito íntima entre
esse Chakra e o papel cósmico de Cristo. A chave que abre esse
Chakra é nada mais que a total e espontânea entrega de uma
criança, da qual já foi dito:
“Em verdade, vos digo, se não vos tornardes como as
pequenas crianças, não entrareis no reino de Deus.”
Lucas, 18, 17

Faz-se alusão aqui ao Chakra ‘real’ que coroa o crânio


(Sahasrara Chakra). Quando a Kundalini irrompe nele e o
atravessa, esse centro se torna o templo da iluminação. É de lá
que, para os seres realizados, se irradia, em todo o corpo, o
êxtase espiritual sem par, mediante o qual cada célula do corpo
físico fica igualmente plena de felicidade. Esse Chakra, cujo
sistema de energia-consciência (Mandala) foi descrito por um
grande reformista religioso, Shri Shankaracharya, torna-se, na
terminologia do Senhor Buda, o ‘lótus de mil pétalas’, ou a
‘sarça ardente’ (de Moisés) ou as ‘línguas de fogo’ (do
Pentecostes) dos clarividentes bíblicos.
Tentemos mostrar num esquema o panorama de nossa
Auto-realização (figura 2).
ENTRE NÓS 33

FIGURA 2 – O Cérebro Humano antes da Realização do Si

No nível do Agnya Chakra, a atenção fica presa no


passado e no futuro. O presente está fora de seu alcance,
devendo ficar, portanto, no nível do Sahasrara Chakra, como se
pode ver na figura 3.
34 O ADVENTO

FIGURA 3 – O Cérebro após a Realização do Si

A Kundalini sobe pelo canal central e faz com que a


atenção se concentre no presente contínuo, muito além do
movimento pendular do ego e do superego. Voltaremos,
posteriormente, a falar sobre esse processo.
Lembremos agora que esse livro não foi escrito para
fazer com que vocês se tornassem crentes, mas para que a
experiência fosse deflagrada em cada leitor; para que o reino de
Deus viesse para todos. Isso porque a Era de Aquário, na qual
entramos, é a era em que todas as pessoas, de modo coletivo,
devem compreender o sentido da existência. Um santo que
medite sob uma figueira propícia, ou numa cela trapista, ou num
pico do Himalaia, longe da contaminação da vida das grandes
cidades, é de pouca ajuda hoje em dia! Entretanto, são elevadas
aquelas almas que voltaram a ter seu nascimento nesse mundo,
com o propósito de participar, como instrumentos, dessa grande
transformação que se tornou possível, aqui e agora, pela Sahaja
Yoga! Leitor hesitante, você pode ser perfeitamente um desses
seres...
Devo fazer uma última advertência. Quando Percival,
cavaleiro da Távola Redonda, penetrou por acaso no castelo do
ENTRE NÓS 35

Rei Pescador e viu, finalmente, o Santo Graal, ele não soube


reconhecer que sua busca havia terminado. Tendo se esquecido
de fazer a pergunta fatídica, ele foi lançado a um novo ciclo de
busca, por longos e dolorosos anos. A advertência dada por
Christian de Troyes, em sua famosa lenda do Santo Graal,
merece uma reflexão. Em nossa busca, às vezes, erramos o
caminho. Todavia, podemos também, e isso é mais sério, chegar
diante da porta certa e, sem percebê-la, passar por ela
inadvertidamente, o que faz com que nos percamos, novamente,
em nossa busca.
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA

CAPÍTULO II

“Conhecereis assim a verdade e essa verdade vos libertará.”


João 8,32

“Quando as máscaras são removidas, emerge o


autoconhecimento, que é o conhecimento de Deus. Conhecer o Si é
ser o Si, porquanto não há dois Si. Logo, conhecer é ser. A
consciência é a existência.”
Shri Ramana Maharishi

“Busque com sinceridade e persevere em sua busca.


Finalmente, encontrará a Verdade.”
Buda

O processo de descoberta científica consiste, para a


mente humana, em apreender (geralmente sob a forma de leis)
os fenômenos do universo físico. Todavia, segundo o ponto de
vista do observador, o mesmo fenômeno pode ser percebido de
várias maneiras. Por exemplo, Newton e Einstein não encaram o
universo do mesmo modo. As respostas da ciência não são
definitivas, mas se inscrevem numa dinâmica de revalidação
constante. A maneira pela qual o ser humano percebe sua
relação com a ecologia cósmica global, que o envolve, evolui em
função das descobertas que ele faz.
O grande sábio de Genebra, Jean Piaget, observa, em seu
livro “Epistemologia genética”:
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 37

“Depois que as sucessivas revoluções no plano físico


alteraram algumas de nossas intuições fundamentais em
benefício não de um relativismo cético, mas em prol de uma
objetividade relacional cada vez mais eficaz, a tendência
geral da ciência é a de se considerar como ‘aberta’, no
sentido de uma revisão sempre possível de suas noções ou
princípios e de seus próprios problemas. Nenhuma noção
fundamental da ciência permaneceu idêntica a si mesma,
no curso da História, e essas transformações conduziram a
sucessivas remodelagens da lógica como tal. E
indubitavelmente vão procurar traçar fronteiras imutáveis
entre um dado grupo de noções, consideradas inteiramente
científicas, e um outro grupo que seria chamado de
filosófico.”

É fácil conceber que, mesmo hoje, diversas leis que


governam o funcionamento de nosso mundo, aparentemente
real, têm de ser descobertas em vários níveis - físico, psíquico e
espiritual. A evolução da consciência humana consiste portanto
em efetivar esse conhecimento potencial, de forma que novas
relações possam ser desenvolvidas entre o Homem e o universo
e do Homem consigo mesmo. Conhecer significa transformar.
Quando esse conhecimento diz respeito ao plano material, o ser
humano pode transformá-lo, pela utilização dessas leis recém-
descobertas, tais como a gravidade, a eletricidade, a energia
atômica, etc. Quando se trata do plano espiritual, o próprio ato
de conhecer produz uma transformação interior. É portanto
crucial saber em que direção nossa busca deve ser orientada.
Isso porque, as conseqüências dramáticas da fissão do átomo,
por exemplo, ilustram um fato muito simples: a evolução de
nossos conhecimentos forja, ao mesmo tempo, o futuro
crescimento coletivo e o futuro crescimento do indivíduo ou do
conhecedor. Aquele que conhece pode, em última análise,
alcançar aquele estado de consciência a que se referiu Shri
Krishna.
38 O ADVENTO

“Por um único Sol


O mundo inteiro é iluminado;
Da mesma maneira, o Campo é iluminado
Por aquele que o conhece.”
Bhagavad Gita- 13,34

Para William Blake e muitos outros, conhecer o Divino é


tornar-se Divino. O conhecimento absoluto ou, para fazer eco
aos ensinamentos de Cristo, a adoção da verdade viva implica
uma transformação absoluta ou o batismo pelo espírito. As
mensagens das tradições milenares, que muitos hoje aceitam, nos
dizem: “Conheçam o infinito e vocês se tornarão o infinito”.
No entanto, as questões cruciais, com as quais continuamos a
nos debater, são: ‘como obter o verdadeiro conhecimento?
Como vivenciar a experiência da transformação? Será que ela
leva um segundo ou um século? O que é que acontece? Ela pode
ser partilhada com os outros ou não?’
Somente uma experiência concreta pode responder a
essas questões. Todas as especulações sobre a alquimia interior
da consciência foram desenvolvidas pelos buscadores do
passado. Parece-me que os buscadores do presente se perdem,
muitas vezes, em circunlóquios verbais. Se existir alguma
verdade em minhas palavras, que ela se manifeste! Se a mutação
for possível, que ela se faça !
Eu estava em Londres, em agosto de 1975. A cidade
borbulhava nas noites quentes de verão. Meu coração batia mais
rapidamente que o normal. Lá estava eu, num desses pequenos
trens ingleses com as cores azul e amarelo, a caminho de Hurst
Green, Surrey, onde Shri Mataji morava. Andei pela cidade,
cujos jardins belos revelavam o encanto da zona rural inglesa.
Parei diante da porta da casa dela e apertei a campainha. Fui
introduzido num pequeno hall, onde esperei por alguns instantes.
Uma porta se abriu e Shri Mataji apareceu. Ela estava vestida
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 39

com um sári branco. Presto minhas homenagens a ela com


algumas flores que havia comprado na estação de Victoria. A
partir daí, tudo se tornou estranhamente simples.
Fomos para a sala de estar. Lancei um rápido olhar sobre
a sala. As obras de arte indianas adicionavam uma certa
exuberância oriental ao conforto inglês. Minha anfitriã me
recebeu com a cortesia e a espontaneidade de uma grande dama,
como se fôssemos velhos amigos. Sua tranqüilidade era
contagiosa, pois minutos depois eu ficava completamente
relaxado. Observava-a e, decididamente, não a imaginara tão
alegre. Começamos a conversar sobre tudo e acerca de nada
especificamente. Para meu espanto, me encontrava diante de
alguém que parecia me conhecer bastante. É verdade que ela
estava me analisando, mas o fazia com perfeita discrição, com
muita bondade e calor humano. Na excitação interior provocada
pelo encontro, não percebi que havia tomado posse da poltrona
e da atenção de Shri Mataji, como se estivesse vivendo a
parábola da volta do filho pródigo. Todavia, era a Mãe e não o
Pai, que estava me recebendo. Senti, profundamente em meu
íntimo, sua indescritível ternura maternal que me envolvia num
manto protetor. Não me sentia muito culpado. Comecei a falar
sobre todas as coisas que me eram caras de uma forma
desorganizada. Shri Mataji sorria enigmaticamente. Não a
conhecia e, ao mesmo tempo, a conhecia. Sentia-me
perfeitamente bem.
Ela me perguntou várias coisas a respeito de minha
família e de minha saúde. Indagou por que eu não usava uma
camiseta a fim de evitar pegar um resfriado. Respondi às suas
indagações. Disse-lhe que estava em busca de algo, da verdade
talvez, porém, até aquela data, não a havia encontrado, e que já
estava cansado. Ela me disse com um sorriso: “É preciso que eu
o submeta a algumas provas”. Comecei a rir e disse-lhe: “Faça
isso”. Curiosamente, não sentia medo algum da situação. As
colheres de prata tilintavam nas xícaras de chá de porcelana; os
40 O ADVENTO

raios de sol entravam através dos vitrais das janelas como


grandes bolas douradas de poeira. O silêncio da casa pouco a
pouco foi se instalando em mim. A chuva torrencial de meus
pensamentos começou a parar. Descobri em mim uma paz que
nunca havia experimentado. Ela começou a falar do verdadeiro
objetivo de nossa busca: a Auto-realização.
Puxa, isso era tudo que eu queria ouvir! Ela me disse que
tornou isso possível para um grupo de jovens buscadores
ingleses, que eu conheceria logo depois. Com aquela calma, meu
passado me parecia ter sido um circo completamente frenético.
Eu que era incapaz de parar a sarabanda de meus pensamentos e
queria, desesperadamente, poder fazê-lo, eis que agora estava
quase em repouso. Ela nem sequer havia levantado um só dedo
para fazer com que isso acontecesse! É possível controlar a
atividade mental com um simples olhar? Shri Mataji, quem és?
As reminiscências daquelas horas preciosas se amplificam
em minha memória. Devia ter mantido um diário, a fim de
preservar, fielmente, a seqüência dos eventos ocorridos. Posso
afirmar que, em tempo algum, as palavras foram substituídas
pela experiência concreta. Para dizer a verdade, nada poderia ter
me interessado mais que aquilo. Entretanto, quando chegou o
grande momento, aquele que havia desejado tão ardentemente,
me senti angustiado: ‘será que já estou muito estragado para
isso? Será que isso produzirá resultados em mim?’ Durante
alguns instantes, me vi pendurado por um fio entre a perdição e
a salvação. Ainda uma vez mais, aquele inacreditável poder do
amor maternal me ajudou a ganhar confiança em mim mesmo.
Falando a respeito daqueles buscadores que estão desorientados
e perdidos, Shri Mataji disse-me: “Vocês são como diamantes,
verdadeiros diamantes, porém cobertos de lama. Quando
estiverem limpos, resplandecerão com todo o seu brilho”.
Quanto a mim, a lama era mais óbvia que o diamante, mas havia
chegado o momento de testar a verdade de suas palavras. Essa
hora teria sido muito penosa para mim, não fora a extrema
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 41

bondade de Shri Mataji. Não estava compreendendo nada, no


entanto não me preocupava, pois estava fascinado pela beleza da
cena. Eu percebia um ritmo perfeito em tudo aquilo que ela
fazia. Seus movimentos eram, alternadamente, fluidos ou
poderosos, sempre tremendamente precisos e (algo difícil de ser
encontrado na maioria das pessoas) sua expressão facial
irradiava, simultaneamente, majestade e humildade. Logo
depois, entretanto, meus pensamentos foram desviados para o
que ocorria em meu interior. Senti um formigamento em minhas
mãos, o qual, gradativamente, tornou-se mais fresco. Apesar de
minha incredulidade, vivenciei uma sensação inexplicável, a de
uma brisa fresca que soprava sobre as palmas de minhas mãos.
Procurei descobrir se havia alguma corrente de ar na sala, porém
a porta e as janelas estavam fechadas. Não me veio à mente,
naquele momento, que os gnósticos identificavam a
manifestação do Espírito Santo com o termo grego pneuma, que
significa sopro. Também não sabia que Tagore havia dito a seu
criador: “As tuas dádivas infinitas chegam a mim somente
nessas mãos muito pequenas. As eras passam, mas ainda há
lugar para a Auto-realização”. Minha perplexidade era
crescente e estimulava meu interesse. Algo estava para
acontecer, algo que pairava além de mim. Comecei a
experimentar sensações no interior de meu corpo como se, pela
primeira vez, algumas dessas partes estivessem se manifestando
para minha consciência. O que, realmente, me espantava era que
Shri Mataji seguia esse meu processo passo a passo. “Esse é o
Chakra do coração”. Senti na verdade uma leve dor no peito.
Com seu braço apontado como uma lança para meu peito, Shri
Mataji explicou que “esse é centro espiritual que nos dá
confiança e segurança”. Pouco depois, a dor desapareceu... e
ressurgiu na base da garganta. Shri Mataji levantou-se e apoiou
seu dedo indicador na última vértebra cervical. Lágrimas
começaram a correr de meus olhos e experimentei uma sensação
de afogueamento em minha testa. Ela colocou um pouco de
42 O ADVENTO

Kumkum (chamado também de Tika), pó vermelho com o qual


as mulheres indianas enfeitam sua fronte, no lugar em que se diz
estar o terceiro olho. Disse-me: “Essa Tika emite vibrações
positivas que irão dissolver as vibrações negativas que estão
bloqueando seu Agnya Chakra. Pense em Cristo que verteu seu
sangue em prol da redenção do mundo”. Lentamente, a tensão
em minha cabeça se dissipou e cedeu lugar a um espaço de
silêncio interior, cuja intensidade excluiu toda a agitação mental.
Poderia comparar esse estado a um banho de frescor, de
existência intensa, no qual me descobri perfeitamente relaxado e
lúcido; de certa forma rejuvenescido. Havia fechado os olhos e
quando os abri novamente, me parecia ter adquirido uma nova
visão. O espaço, ao redor de Shri Mataji, começou a palpitar e
notei faíscas brancas no ar, como se fossem descargas elétricas.
Elas se projetavam em todas as direções, como se o ar estivesse
se desintegrando em radiações de energia, perceptíveis a olho
nu.
A aura de Shri Mataji fundiu-se numa reverberação
dourada, que envolveu todo o seu corpo. Não sei como
descrever a sucessão de personificações múltiplas mostradas por
ela, enquanto continuava a falar comigo. Em primeiro lugar, ela
era uma Madona, cujos olhos expressavam uma grande
profundidade de conhecimento, um amor imenso, que gostaria
de ter podido registrar, definitivamente, em minha memória essa
viva imagem da compaixão. Vi também uma jovem senhora
muito bonita, alegre e borbulhante de felicidade, que ria como se
fosse uma garota (ela ria com os olhos), porém em seu riso
havia um poder enorme. Shri Mataji disse: “A Kundalini se
eleva e seu sistema nervoso parassimpático é ativado. Você não
precisa fazer nada, a não ser saborear a experiência sem
despender nenhum esforço. O processo de seu segundo
nascimento é Sahaja, espontâneo”. Ela se tornou pensativa e
continuou: “Sua Kundalini é sua verdadeira mãe espiritual.
Você é seu único filho. Ela o acompanhou em todas as suas
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 43

vidas passadas, registrando todas as suas ações, boas e más. As


conseqüências de seus erros repercutem sobre seus Chakras,
danificando-os. É preciso algum tempo para purificar seus
Chakras”. Procurei não perder nenhuma fração do que via e
ouvia. Eu não estava sob hipnose ou sob o efeito de sugestão,
porque o sentimento de minha própria identidade era,
simultaneamente, mais rico e mais intenso. A noção de que eu
sou foi enriquecida por uma evidência irrefutável. Ademais, me
sentia livre para sair do silêncio, por isso meu intelecto
conservava toda a sua mobilidade: ‘é isso mesmo? Quem é ela?
Como é que ela faz isso? Será que poderei me manter nesse
estado?’ Mesmo porque, me dei conta de que havia penetrado
num estado absolutamente diferente daquele no qual me
encontrava antes de me defrontar com Shri Mataji, o qual agora
parecia ter removido vários séculos no tempo.
Essa energia, que sentia em minhas mãos sob a forma de
frescor, me levou a um novo estado de percepção. Fisicamente,
me sentia maravilhosamente bem. Em meu interior, havia sido
aberta uma nova dimensão mais completa da consciência, uma
profundidade de paz onde a atenção permanecia alerta. Era
como se o simples fato de eu existir se tornasse uma irradiação
de bem-estar físico e de alegria. Sem dor alguma, me encontrava
do outro lado do rio que, em vão, tentara atravessar. Esse novo
estado de consciência impunha-se aos meus sentidos e ao meu
espírito com uma evidência imediata. Tratava-se de uma
experiência tão integrada, que eu não podia dizer se a alegria era
sentida fisicamente e o bem-estar era percebido psiquicamente,
ou o contrário, pois meu ser estava unificado com aquilo que os
velhos livros chamavam de bem-aventurança. “It is done...” ou
“está feito...”, disse Shri Mataji com um riso estrepitoso e feliz,
enquanto fazia uma série de gestos a fim de levantar, novamente,
minha Kundalini, amarrando-a no topo de minha cabeça. Toda a
sala vibrava com uma energia pura que me encheu de um grande
sentimento pelo sagrado. “Isa Vasiam Sarvam...” ou “tudo se
44 O ADVENTO

reveste de Deus...”, afirma o primeiro verso do Isha Upanishad.


Seus braceletes de vidro tilintavam e o som que chegava aos
meus ouvidos parecia de um carrilhão da Páscoa. Novamente,
olhei para ela, ao mesmo tempo, tão próxima e tão distante, uma
combinação desconhecida do poder com a doçura. Ela parecia
estar muito feliz e disse: “Vamos comer, porque já é tarde”.
Certamente, havia perdido toda a noção de tempo. A qualidade
do jantar sugeria que Shri Mataji prodigalizava ‘os alimentos
celestes’ e os alimentos terrestres com a mesma generosidade.
Durante os dias seguintes, em Surrey, compreendi que
havia saído daquele estado maravilhoso e que era incapaz de
mantê-lo, permanentemente. Um mundo de opacidade, sensação
de calor e de agitação substituiu aquele mundo de transparência
e de tranqüilo frescor que eu havia conhecido. As antigas
dúvidas e os velhos medos se apossaram de mim novamente.
Senti várias dores físicas e leves sensações de calor, as quais
vinham, muitas vezes, com pensamentos ou com a proximidade
de alguém. Pela graça do acaso, o deus caprichoso que Shri
Mataji parecia conhecer e controlar como um animal doméstico,
tive a oportunidade de passar uma semana em sua companhia.
Era uma oportunidade da qual realmente eu necessitava. Os
excessos de meu estilo de vida haviam me prejudicado física e
mentalmente. Havia deixado que minha atenção se perdesse em
recantos e antros sujos. Não sabia como me limpar. Muitas
questões pululavam em minha cabeça: ‘serei capaz de levar isso
adiante? Quem é exatamente Shri Mataji?’ A resposta à
segunda pergunta seria a chave para a primeira, porque eu sabia,
perfeitamente, que uma pessoa comum não seria capaz de me
transformar e me salvar. Certa vez, durante uma viagem de trem
entre Hurst Green e Londres, perguntei-lhe: “Shri Mataji, quem
é a senhora realmente?” Com um êxtase infinito, ela fechou
seus olhos. Mais uma vez, um silêncio profundo e completo caiu
sobre mim. Minhas pálpebras fecharam-se por si mesmas.
Deixei-me absorver pela intensidade da existência, evidenciando-
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 45

se, assim, minha própria divindade. Apenas os solavancos do


trem faziam com que me sentisse revestido por um invólucro
físico. Mais tarde, reabri meus olhos. Shri Mataji olhava para
mim. Aprendi a afagar a ternura que emanava de seus olhos.
“Essa é a resposta: sou o silêncio”. Mantive-me calado até a
estação Victoria. Na estação, a multidão apressada, que andava
em círculos, me pareceu separada de mim apenas por uma
membrana invisível. Parecia que caminhava a alguns centímetros
acima do solo. Entretanto, ninguém prestava atenção em mim,
minha aparência estava provavelmente normal, vale dizer, tinha a
aparência de um ser humano comum. Sentia um grande amor
por todas essas pessoas. O que é que lhes acontecerá? Será que
elas também sentirão o segredo de sua própria profundidade?
Ao ler essas linhas, poderia crer que isso indicaria: ‘aqui
cheguei e aqui permanecerei’. O que significaria que havia
alcançado meu objetivo e que poderia me deleitar com seus
benefícios. No entanto, não era essa minha situação, porque,
provavelmente, fui um dos casos mais difíceis apresentados à
Shri Mataji. Isso porque, infalivelmente, meu circo mental
recomeçava sempre a me atormentar. O paraíso perdido,
reencontrado e perdido novamente. Quando o reencontrava, me
sentia estranho e dizia para mim mesmo: ‘como é que pode ser
tão simples?’ Todavia, por causa de uma indagação ou de uma
dúvida, voltava a perdê-lo. Shri Mataji sabia disso e me disse:
“Você é como uma pessoa num barco, num mar encapelado,
que se agita em cada momento em que o barco ameaça virar. É
preciso que me ajude. É necessário que seja mais estável”.
Pretendia, com toda a certeza, contribuir ao máximo, pois
compreendi que Shri Mataji estava tentando me libertar dos
liames invisíveis que me mantinham prisioneiro. Depois que
minha Kundalini se elevou pela primeira vez, ela decuplicou
minha capacidade de pôr a atenção em meu interior. No entanto,
resistia a fazer isso, porque pressentia as zonas obscuras
existentes em mim cobertas de coisas malignas que me
46 O ADVENTO

aterrorizavam. Sempre que tentava fazer com que essas imagens


negativas emergissem, elas saltavam em minha mente, como
gatos selvagens, com o pêlo eriçado, prontos para pularem em
meu rosto.
Assim sendo, comecei a ver imagens obscuras e
sangrentas, a face de um falso guru e todas as lembranças de
minhas leituras e de meu passado vieram à tona. Idéias absurdas
passavam por minha mente, idéias de morte e de suicídio,
dúvidas e medos que tentavam apossar-se de mim: ‘é muita
presunção sua querer a Auto-realização’ ou ‘desconfie de Shri
Mataji’. Apesar disso, não me entreguei ao desânimo. Mantendo
minha mente lúcida, sabia que, nesses momentos de agitação e
de mal-estar, não era inteiramente eu. Sentia-me atormentado
por algo sujo, algo que queria minha perdição e que contrastava
- como a luz se contrapõe à sombra - com a consciência serena e
alegre de minha identidade transfigurada quando minha
Kundalini ascendia. Era realmente, nesses momentos, que minha
verdadeira identidade e minha verdade autêntica emergiam,
adornadas com as qualidades da bondade. Não podia me
identificar com essas sombras escuras existentes em mim, essas
coisas turbulentas e maléficas que não sabia de onde surgiam,
que se pavoneavam como ceifeiros inflexíveis, que me
aterrorizavam, me atacavam e transformavam minha psique num
campo de batalha.
Quando tomava pé novamente, auxiliado por um pouco
de senso de humor (encorajado nisso, constantemente, por Shri
Mataji, pela sua ajuda e sua bondade) me via um pouco como
numa cena de um desses grandes torneios da Idade Média,
ladeado pelas portas do céu e do inferno. Eu era,
simultaneamente, o próprio drama, o cenário e o ator que
andava de um lado para outro. Felizmente, comecei a
compreender o papel que estava representando.
Com minha entrada na consciência total, vi, em mim
mesmo, tudo aquilo que havia para ser descoberto ali : o céu e o
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 47

inferno. Minha primeira vitória, nesse campo de batalha, foi a de


compreender que bastava identificar, resolutamente, minha
atenção (de início, completamente fragmentada) com a bondade
irradiante do Si. Quando fazia isso, conseguia ser vitorioso. No
que se refere a isso, Shankaracharya esclarece, conforme consta
do livro Hymnes et Chants Védantiques (ed. Michel Allard):
“O Si é uma realidade constantemente presente, mas a
ignorância o transforma num objetivo a ser alcançado...
Quando a ignorância é destruída, o Si aparece como se
nunca tivesse estado ausente, tal como um colar que está
em nosso pescoço e que julgávamos ter perdido.”

Mediante minha Auto-realização, vivenciei a santidade, a


plenitude e, sobretudo, a realidade. Sim, é isso que sou
verdadeiramente. “Vejo em você o diamante”, foi um
encorajamento premonitório de Shri Mataji. Eu não era essa
sombra funesta que havia conseguido parasitar meu psiquismo e
que queria fazer com que me chafurdasse em seu lamaçal. Eu
também não era aquele lamaçal.
Shri Mataji acompanhou, passo a passo, essa minha
batalha interior. Explicou-me como era o campo de batalha e
definiu a estratégia a ser seguida:
“Obter a Auto-realização é como acender a luz num quarto
escuro. Logo após a luz ter sido acesa, fica muito mais
fácil ver em que estado está, bem como arrumá-lo e limpá-
lo. Quando você se identifica com o Si, é fácil verificar o
que não está funcionando bem em você e corrigir isso, sem
se culpar de nada, porque não mais se identifica com suas
fraquezas ou com seus acidentes de percurso. Quando uma
vestimenta está maculada por manchas, você a tira e a
limpa. Hoje, pode fazer a mesma coisa com sua vida
psíquica. Não há necessidade nenhuma de chorar ou de se
lamentar por causa disso!”
48 O ADVENTO

A água que lava tudo é a Kundalini, ou ainda, as


vibrações, cujo frescor vivificante purifica. Shri Mataji me
submeteu a várias sessões de ‘terapia vibratória’ e direcionava a
energia para meus centros mais necessitados, isto é, ao fígado,
ao estômago e à garganta.
Um dos momentos mais terríveis durante o processo de
redenção, do qual me lembro, aconteceu no pequeno templo na
casa de Shri Mataji. Não conseguia sentir as vibrações e me senti
verdadeiramente desesperado, moído, refém das garras de
demônios infernais. Shri Mataji me disse: “Peça perdão a Shri
Ganesha”. Isso porque, na tradição da Índia, Shri Ganesha, o
Deus de cabeça de elefante, simboliza o aspecto de Deus que
incorpora a pureza e a inocência. Estendi-me no chão, com o
ventre para baixo, diante de uma estátua de madeira de Shri
Ganesha, pertencente a Shri Mataji. Estendi meus braços, abri
minhas mãos e pedi perdão. Finalmente, entendi que, por não ter
respeitado minha castidade e a dos outros, chegara ao estado
lastimável em que me encontrava. Foi um momento em que,
suspenso entre a perdição e a salvação, senti, fortemente, todo o
peso do meu destino na balança. Paulatinamente, as vibrações
frescas começaram a jorrar da estátua. Eu havia sido perdoado!
Muitas vezes, mesmo agora, me sentia como uma taça
quebrada incapaz de reter a água da vida que banhava a
atmosfera em torno de Shri Mataji. Porém, desde aquele dia,
cada vez em maior medida, recuperei a confiança em mim
mesmo. Dei-me conta de que as forças invisíveis do mal existem,
e descobri também que, no mundo invisível, movimentam-se
forças protetoras que auxiliam nossa ascensão.
Uma bela manhã, Shri Mataji resolveu me mostrar seus
sáris. É uma das características de seu estilo inimitável alternar,
com uma total desenvoltura, a coisa fútil e a coisa séria, ou pelo
menos aquilo que nos parece dessa forma. Ela abriu seu armário
e, com um gesto amplo, colocou seus sáris sobre sua cama.
Eram de algodão, batiques, de sedas chamejantes, avermelhados
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 49

ou castanho-dourados, estampados com mil motivos que


ilustravam a imaginação e a delicadeza de seus criadores,
humildes artesãos dos vilarejos da Índia. Havia sáris vermelhos
mesclados de fios de ouro (apanágio de uma mulher casada) e
também, brancos bordados de vermelho, com os quais Shri
Mataji se veste durante suas meditações. Havia sáris verdes
mutáveis como o mar e da cor turquesa; aqueles que uniam o
violeta profundo ao amarelo-ouro, ou associavam o salmão à
prata. Havia todas as combinações de tecidos, de desenhos e de
cores que alguém poderia imaginar. Enlevado por um deleite,
que julguei ser puramente estético, percebi que cada sári, que ela
me mostrava, me envolvia numa onda de vibrações. Saí do
quarto completamente aturdido, quase inebriado.
Se aquilo que se poderia chamar de meu segundo
nascimento abrangia uma formidável batalha, eu não tinha
consciência desse seu rigor. Certos episódios foram até muito
divertidos. Freqüentemente, era alçado para cima da refrega,
como uma testemunha desapegada e, por assim dizer, eterna,
imersa na consciência-silêncio. Nesse estado de testemunha, no
qual a lucidez clarificava todos os aspectos de meu teatro
interior, fiz uma grande descoberta.
Percebi que, ao longo de minha vida, e mesmo depois de
minha Auto-realização, havia depositado uma total confiança
naquele que julgava ser meu melhor amigo. Porém, com base
numa análise mais acurada, ficou claro para mim que esse
indivíduo trava a sua própria luta e não a minha. Ao fazer isso, o
seu objetivo é, simplesmente, o de ocupar meu lugar. Trata-se
de um jogo muito sutil, dissimulado por um senso magistral de
camuflagem, pelo qual esse malandro me fazia quase acreditar
que seus objetivos eram os meus. Talvez já adivinharam que
desmascarei meu próprio ego. Aquele que me fazia correr, que
me tornava agressivo ou dominador, que preferia ficar
totalmente perdido a aceitar auxílio de quem quer que fosse.
Isso porque o senhor ego percebe a graça divina como ‘o
50 O ADVENTO

outro’, como algo estranho a ele. A coisa mais importante para


ele é um ‘eu’ impecável. O ego é seu próprio deus. ‘É
verdadeiramente colossal, Mãe,’ disse à Shri Mataji. Fiquei
realmente perplexo com tudo isso. Shri Mataji riu e me disse:
“Enquanto você o encarar pelo que ele é, ele não poderá feri-
lo. Ria gentilmente de seu ego e ele se esvaziará. Não lute
nunca contra seu ego”.
Essa descoberta me ajudou muito a entender minhas
reações e as de tantos intelectuais de minha geração em relação
à Sahaja Yoga. A preponderância do ego é confirmada pelo
método que utilizamos para examinar tudo e para duvidar de
todas as coisas. É o ego que direciona a análise e tira as
conclusões, supervisionando, firmemente, nosso intelecto.
Porém, ao ser confrontado com uma experiência igual à Auto-
realização, o ego fica perplexo. É ao Si que pertencem os
refletores da cena e é graças à Shri Mataji (e não ao ego) que
acontece a experiência da Auto-realização. Depois disso, o ego
tenta voltar ao assento do dirigente, rejeitando os fatos, evitando
a experiência e negando o papel de Shri Mataji. Pela tradição de
minha família, por causa de meu temperamento e devido à minha
educação, pertenço àquela categoria de pessoas fortemente
identificadas com seu ego, daquelas pessoas que dizem: ‘eu, eu
mesmo, por mim mesmo’. Por um longo tempo, meu ego tentou
suprimir minha nova percepção espiritual sobre a qual ele não
tinha nenhum controle, e flutuava, questionando e duvidando,
como uma cortina de murmúrios, entre a minha atenção e o Si.
Novamente, as nuvens começaram a esconder o Azul
Paradisíaco. Foi, sem dúvida, essa a razão pela qual fui tão lento
na estabilização de minha Auto-realização. Meu progresso na
Sahaja Yoga (o que resta para lhes contar) seguiu um ritmo um
pouco titubeante, ou seja, eu dava quatro passos para frente,
dois para trás, três para frente, quatro para trás...
Quando era incapaz de voltar ao estado realizado,
começava a fazer indagações. Progressivamente, Shri Mataji
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 51

ganhou minha admiração pela amplitude de seu conhecimento.


Ela sabia tudo sobre minhas dificuldades pessoais e também
estava a par de todos os problemas da sociedade moderna. Ao
seu conhecimento acerca do espírito e do cosmo, cujos limites
ignoro, soma-se um saber completo e detalhado do ser humano
em sua vida cotidiana, com sua série de desafios concretos e
pequenas preocupações. Ela explica a importância única do
momento histórico em que estamos vivendo: “Chegou o tempo
certo”, para que muitos seres humanos saltem para uma nova
dimensão. ‘Mas Shri Mataji, como é que é possível que isso seja
tão simples?’
“Tudo aquilo que se manifesta na natureza é simples. Como
os brotos que saem do solo na primavera, como as flores
da árvore se transformam em frutos. De uma simples
semente crescerá uma árvore, isso é um milagre fantástico!
Já refletiram sobre isso? O processo da vida é Sahaja,
espontâneo. Se tivessem sido obrigados a ir à escola para
aprender a respirar, poucos, dentre vocês, teriam
sobrevivido. Se as aves tivessem que consultar os tratados
dos sábios para aprender a voar, não teriam jamais aberto
suas asas. O mesmo ocorre com seu segundo nascimento.
Chegou o momento do segundo nascimento, o tempo em
que devem receber sua Auto-realização. Essa etapa da
evolução foi profetizada por todas as encarnações e pelos
grandes sábios. Quando o pintainho se agita dentro da
casca do ovo, pronto para quebrá-la, a galinha o ajuda
com seu próprio bico. Eu não faço nada além disso.
Aceitem sua Auto-realização... e voem!”
Shri Mataji chamou a atenção para o simbolismo da festa
da Páscoa, em que as pessoas quebram os ovos a fim de celebrar
a ressurreição.
“Mas, Shri Mataji, a senhora fala do poder da Natureza.
É esse o mesmo poder que a senhora manifesta com essas
vibrações?”
“Formule a pergunta,” disse-me ela.
52 O ADVENTO

Estendi minhas mãos em direção a ela e fiz a pergunta:


‘Shri Mataji, a senhora está em harmonia com a natureza?’
Senti uma brisa fresca em minhas mãos. Fiz muitas
perguntas cuja amplitude poderia sugerir que ficassem sem
respostas. A resposta ‘sim’ era sinalizada por uma brisa fresca.
A honestidade intelectual me obrigava a registrar essas
experiências, apesar de minhas dúvidas. Era como um terminal
de computador conectado a um outro computador central, ou
melhor, como disse Shri Mataji, eu mesmo era o computador
conectado à fonte de energia que começava a funcionar. As
informações se precipitavam dele. Tudo que tinha de fazer era
manter minha cabeça fria e decodificar a informação. Se minha
cabeça, algumas vezes, ficava quente, meu coração estava ainda
muito entorpecido. Isso era lastimável, porque o reconhecimento
(do Divino) só pode ocorrer por intermédio do coração.
A propósito da decodificação, durante minhas viagens
para Londres, me dei conta de que meu sistema nervoso
começava a registrar, sob a forma de sensações, as mensagens
ou vibrações que provinham de outras pessoas. São
particularmente sensíveis os sete Chakras e as partes da mão
correspondentes a eles. Na presença de uma pessoa embriagada,
sentia uma dor no Manipura (ou Nabhi) Chakra, que fica na
altura do umbigo. Um intelectual com a cabeça um pouco febril
de pensamentos me transmitia uma forte pressão na fronte, no
nível do Agnya Chakra. Levava horas para me recuperar dessas
dores absorvidas de outras pessoas, e por isso não podia ser
muito grato a elas. Reciprocamente, um outro Sahaja Yogi
podia fixar sua atenção em mim, sentir em que ponto a energia
estava bloqueada em minha coluna vertebral, e detectar quais
eram os Chakras afetados. Em outras palavras, essa nova
“consciência perceptiva vibratória” me informava a respeito de
mim mesmo e dos outros. Shri Mataji disse: “Você está
começando a entrar na consciência coletiva. Terá consciência
não só de seus próprios Chakras, mas também dos Chakras dos
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 53

outros”. Era como se minha consciência não estivesse mais


restrita aos limites da individualidade, e pudesse voar livremente
pelo universo. Com base nas vibrações, descobria meu estado
psicossomático e o dos outros. Por exemplo, na casa de Gavin
Brown, um dos primeiros Sahaja Yogis ingleses, na companhia
de alguns amigos tentamos elevar a Kundalini de um médico.
Tive uma sensação de calor no dedo anular da mão esquerda
que corresponde ao Agnya Chakra. Esse centro controla, dentre
outras coisas, os olhos. Comuniquei isso ao médico e ele me
olhou atônito.“Você está certo. Tenho um problema de visão
em meu olho esquerdo”. Uma outra vez, pensei numa criança,
acerca da qual Shri Mataji havia dito que era realizada e minha
cabeça se encheu de uma sensação borbulhante de bem-estar.
Dessa forma, essa nova dimensão de consciência não só
me levou até o âmago de meu ser, mas também se estendeu para
fora de mim, captando, com a mesma qualidade, a profundidade
dos seres, dos lugares e das coisas. E agora que estou conectado
com esse mundo vibratório, meu corpo age como um agente
catalisador dessa energia. Aprendi, efetivamente, sempre pela
experiência, que meus gestos emitiam vibrações e que eu
também podia, com algumas exceções, levantar a Kundalini dos
outros, por meio de gestos extremamente simples. Isso era
espantoso! Havia recebido duas dádivas, num único presente,
não só minha Auto-realização, mas também o poder de
transmiti-la aos outros. A realidade é sempre mais surpreendente
que a ficção dos escritores esotéricos, parapsicólogos,
milenaristas, ufologistas e todos aqueles que se extraviaram do
caminho e que esperam confusamente, sem nenhuma orientação,
o final dessa era e o início de uma nova Idade de Ouro. Sentia-
me como um garoto que engatinhava no grande laboratório da
vida, o qual manipulava com precaução esses raios de energia
recém-descobertos e que, de tempos em tempos, olhava para sua
mãe, a fim de se certificar de que não estava cometendo erro
algum.
54 O ADVENTO

Shri Mataji fez com que vivenciasse experiências muito


preciosas, verdadeiras pérolas que conferiram à minha Auto-
realização uma consistência deveras indubitável, apesar de meus
altos e baixos, em meio aos meus momentos de estabilidade e de
meus mergulhos. Narrarei aqui apenas a mais emocionante delas.
Tinha de deixar Shri Mataji a fim de retornar à Suíça.
Isso me fez compreender que ela havia se tornado muito
relevante para mim. Não como um psiquiatra deve ser para seu
paciente, mas como alguém que irradiava verdadeiramente um
amor imenso. Senti que a tristeza da separação estava se
apossando de mim. Ainda não acreditava em minha capacidade
de manter sozinho minha realização, num meio ambiente que
ignorava minha busca e que faria chacota da experiência que eu
havia vivido com tanta intensidade.
Shri Mataji estava sentada num sofá, a alguns
centímetros de minha cadeira. Disse-me: “Não fique triste”, e
fez um gesto com a mão. Nesse exato momento, algo como um
jorro de graça ou uma enxurrada de indescritível felicidade ou
uma energia borbulhante começou a fluir do alto de minha
cabeça e irrigou todo meu sistema nervoso atingindo as mais
distantes terminações nervosas. Era algo como a ambrosia, ou o
néctar, ou Amrut, a respeito do qual havia lido em textos
sagrados. Por exemplo, do Chandogya Upanishad consta que:
“No mundo de Brahman (ou o Absoluto), existe um lago
cujas águas são como o néctar e todo aquele que dessas águas beber
ficará, imediatamente, inebriado de alegria. Nas praias desse lago,
poderá ser encontrada uma árvore que produz o elixir da
imortalidade.”

A respeito desse néctar, Kabir escreveu vários versos:


”Bebi da taça do infinito, encontrei a chave do mistério,
toquei as raízes da União...”
“Nessas margens,existe uma cidade onde nunca cessa de
chover néctar...”
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 55

“Experimentei a doçura do néctar e, sem que bebesse água,


minha sede foi satisfeita.”

Fui pego de surpresa por essa súbita irrupção de energia.


Desfrutei, com cada fibra de meu ser, do êxtase em todas as
minhas células. Tratava-se de um êxtase de tal intensidade que
não podia ser comparado, nem sequer, ao maior prazer físico
sentido num intercurso sexual. Num estado de veneração, me
sentia como uma criança palpitante de inocência sagrada. Ó, rei
Davi, eu cantava na presença dos anjos, me prosternava no
templo do Senhor. Santo é Seu nome! Grande é a glória do
Eterno! Ele ungiu minha cabeça. Minha taça transbordava.
Sublime era a alegria em que Tu me banhavas! Será que parei de
respirar? Eu não sabia. Shri Mataji disse: “Meu filho, não é
preciso ter medo”. Ela fez um outro gesto com a mão e o fluxo
de ambrosia parou de jorrar.
Essa experiência me tirou o fôlego. Shri Mataji me havia
dado provas de seu absoluto controle sobre a manifestação da
verdade espiritual mais sacrossanta. Sem desprezar a fatal
incredulidade do leitor, posso afirmar que um tal poder não pode
ser próprio de um ser humano comum. A partir daquele
momento, passei a ter Shri Mataji na mais alta conta, e com uma
espécie de temor reverencial que envolve Deus, às vezes terrível,
do Antigo Testamento. Isso porque, nessa semana inesquecível,
tive uma visão de uma das formas de Shri Mataji, que me fez
sentir um misto de terror e deslumbramento (essa será a última
menção que farei sobre esse período). Tive várias visões
celestiais e muitos sonhos. Por exemplo, ouvi um coral de anjos
celestiais cantando em meu Sahasrara Chakra. Em outra
ocasião, desci, sem muito desconforto, aos infernos, por
intermédio do subconsciente.
Para que este livro não se torne muito volumoso,
abandonarei aqui sua forma autobiográfica e tentarei explicar,
um pouco melhor, a natureza da experiência por mim vivida e
56 O ADVENTO

extrair a essência de tudo que pude apreender durante os anos


que se seguiram.
Primeiramente, importa compreender que a Auto-
realização, na Sahaja Yoga, representa uma etapa decisiva no
desenvolvimento espiritual do ser humano. Esclareça-se que,
nesse livro, a expressão ‘Auto-realização’ (ou Realização do Si)
corresponde à etapa espiritual de abertura do Brahmarandhra,
no topo do Sahasrara Chakra.
Os exemplos de Auto-realização (Moksha, Samadhi)
mencionados pelas antigas tradições diziam respeito a indivíduos
raros, santos da mais alta qualidade que, após um intenso
trabalho de purificação dos Chakras, durante várias vidas
sucessivas, atingiram o ponto de abertura do Sahasrara Chakra.
Logo, a purificação vinha antes e a Auto-realização em seguida.
Esse era o único método conhecido e ele, geralmente, implicava
uma ascese ou um isolamento daquilo que o Eclesiastes chama
de mundo. Na Sahaja Yoga, acontece o inverso, isto é, a Auto-
realização acontece antes e a purificação vem depois. Somente
essa fórmula torna possível a Auto-realização para os habitantes
das cidades modernas. Shri Mataji tornou isso viável, porque
como ela disse: “Na árvore da vida, chegou o tempo da
floração,” ou ainda, em termos mais próximos da terminologia
do Apocalipse: “vivemos num tempo de extrema premência. É
importante, para todos aqueles que buscam a Auto-realização,
obtê-la sem mais tardar”.
É evidente que, para um grande número de pessoas, a
percepção da experiência não será a mesma sentida por Buda,
por exemplo, que se purificou totalmente e imergiu,
definitivamente, na bem-aventurança do verdadeiro Si.
Precisamos de tempo para que possamos reconhecer a amplitude
daquilo que nos aconteceu e para nos libertar de nossos
condicionamentos acumulados. Ademais, os problemas criados
por um estilo de vida imoral, pelas drogas, pelas doenças, etc.,
retardam o progresso da nova consciência. Posso testemunhar
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 57

tudo isso com base em meu próprio desenvolvimento. Todavia,


com paciência e determinação, poderemos usar as várias
técnicas da Sahaja Yoga para nos auxiliar nesse processo. Foi o
que fiz...e funcionou. Efetivamente, devem apenas colocar-se
nas melhores condições, a fim de permitir que o despertar da
Kundalini manifeste seus efeitos regeneradores. A Kundalini
desempenhará seu papel regenerador com a espontaneidade de
uma força viva com uma grande ternura. Shri Mataji explica:
“Sua Kundalini nada mais é que sua Mãe espiritual. Cada ser
humano é seu único filho. Ela esperou pacientemente, ao longo
de todas as suas vidas, o momento de sua manifestação, o
momento em que ela pudesse introduzi-los na alegria do
Divino. Ela não poderá feri-los nem prejudicá-los, mas se
dedicará, gradualmente, a curar seus corpos físicos e a
purificar seus Chakras”.
Shri Mataji coloca sempre a seguinte questão, quando
fala a respeito da Kundalini: “Podem conceber uma energia que
pensa, organiza, ama e compreende?” A resposta é
provavelmente não, contudo podemos compreender que nosso
papel é, com absoluta liberdade, permitir que a Kundalini possa
agir. É claro que a melhoria de nosso poder de discernimento e
de nossa consciência perceptiva vibratória nos ajuda
grandemente a pensar e a agir, em consonância com a linha de
nosso desenvolvimento espiritual, todavia permanecemos
completamente livres. Livres para tornar estável nossa Auto-
realização e para evoluir. Livres para regredir e perder nossa
Auto-realização. Os casos de regressão são raros, mas existem.
Em outros termos, nossa Auto-realização e a atividade
subseqüente da Kundalini se manifestam espontaneamente, vale
dizer, pela atuação da graça divina. Entretanto, após essa etapa
inicial do primeiro despertar, compete a nós tornar possível a
continuidade dessa manifestação. Shri Mataji jamais se cansa de
repetir que: “A Sahaja Yoga pode ligar o motor de seu carro.
Pode até mesmo repará-lo, se isso for necessário. No entanto,
58 O ADVENTO

cabe a você dirigir o carro, usar o freio e o acelerador. Isso é o


que deve aprender a fazer”. Para todo aquele que se engaja em
exercícios espirituais, sem antes ter obtido sua Auto-realização,
Shri Mataji diz, simplesmente: “De que lhe serve dirigir um
carro parado? É preciso primeiro dar a partida no carro e essa
partida se produz sem nenhum esforço”.
Subjacente à simplicidade dessa partida, tão singela
porém tão necessária (se a respiração fosse algo complicado,
não estaríamos aqui), existe um mecanismo (Yantra) de extrema
complexidade. As características principais do microcosmo
humano são reproduzidas na figura 4. As manifestações físicas e
localizações dos Chakras estão contidas no quadro 1.
A árvore da vida da qual comerão os vitoriosos
(Apocalipse, 2.7), cujas folhas curarão as nações (Apocalipse,
22.2), compõe-se de um tronco formado por três canais de
energia, ou seja, o Sushumna Nadi em seu centro, ladeado à
direita pelo Pingala Nadi e à esquerda pelo Ida Nadi. Os
Chakras, que são centros de energia, são os frutos dessa árvore.
Falando de forma ampla, os três Nadis e os sete Chakras
principais se manifestam sobre o plano psicológico por
intermédio do sistema nervoso.
A zona descrita como o Void (vazio) não deve ser
confundida com o vazio dos zen-budistas, o qual no caso deles
se refere, de fato, ao estado de consciência-silêncio. O Void, na
Sahaja Yoga, corresponde ao estado de confusão habitual do ser
humano (oceano de ilusão, Bhava Ságara), que só poderá ser
purificado pela passagem ascensional da Kundalini, através
dessa parte do corpo. A Kundalini, alojada no osso triangular
do plexo pélvico, ali aguarda o momento sacrossanto de seu
despertar. O Atman (o Si, o espírito) espera que a Kundalini
venha a se unir a ele, trazendo com ela nossa consciência. A essa
união redentora corresponde a identificação de nossa atenção
com aquilo que é divino em nós. Shri Shankaracharya (em seu
texto Vivekachundamani) foi o intérprete dessa canção:
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 59

“O Si supremo é sempre da mesma natureza do


conhecimento eterno, indivisível, o Um sem um segundo
número, a testemunha do intelecto e do resto, distinto do
grosseiro e do sutil, o significado subjacente ao termo e à
idéia do ‘Eu’, a essência da bem-aventurança interior,
eterna.”

O momento da Auto-realização compreende a ascensão


da Kundalini no interior do Sushumna, que atravessa a região
do Void (vazio), para, finalmente, penetrar o topo do crânio
(Brahmarandhra), e a conexão se faz com a energia divina
onipresente.
60 O ADVENTO

FIGURA 4. O MICROCOSMO HUMANO


CHAKRAS e Osso LOCAL NO CORPO MANIFESTAÇÃO NO
Sacro NÍVEL FÍSICO
(DESCRIÇÃO
GERAL)
7. SAHASRARA ÁREA LÍMBICA DO VIBRAÇÕES
CHAKRA CÉREBRO
(1.000 PÉTALAS)
6. AGNYA CHAKRA CRUZAMENTO DO GLÂNDULAS PINEAL
(2 PÉTALAS) QUIASMA ÓTICO E PITUITÁRIA
5. VISHUDDHI PLEXO CERVICAL PESCOÇO, BRAÇOS,
CHAKRA BOCA, NARIZ, OLHOS
(16 PÉTALAS) OUVIDOS
4. ANAHATA OU PLEXO CARDÍACO CORAÇÃO, PULMÕES
RIDDHAYA
(12 PÉTALAS)
3. NABHI OU PLEXO SOLAR FÍGADO (PARTE),
MANIPURA CHAKRA ESTÔMAGO
(10 PÉTALAS)
2. SWADISHTHANA PLEXO AÓRTICO SEXO (PARTE), RINS,
CHAKRA ELIMINAÇÃO, PARTE
(6 PÉTALAS) DO FÍGADO, BAÇO,
PÂNCREAS, PARTE
INFERIOR DO
ABDOME
1. MULADHARA PLEXO PÉLVICO SEXO, ELIMINAÇÃO
CHAKRA
(4 PÉTALAS)
MULADHAR (OSSO SACRO - SISTEMA NERVOSO
CÓCCIX) PARASSIMPÁTICO
(ADORMECIDO)

Shri Mataji comenta: “A partir do momento da Auto-


realização, nos tornamos integrados. Deus é integração. Ele os
integrará de tal maneira, que vocês não mais poderão se
desintegrar correndo atrás de prazeres fúteis, com o coração de
um lado, e o cérebro de outro”. Tornamo-nos unificados com a
energia cósmica divina, a qual podemos perceber agora em
nosso sistema nervoso, por intermédio das vibrações frescas.
Estamos agora integrados com nosso interior e dali podemos
sentir todos os Chakras. Repetidas vezes, eu mesmo percebi o
62 O ADVENTO

despertar de minha Kundalini, como um frescor prazeroso, na


base de minha coluna vertebral. Outros Sahaja Yogis tiveram
experiências completamente diferentes. O doutor Chavan,
professor da Faculdade de Agricultura de Rahuri, ouviu o som
da Kundalini perfurando a membrana da fontanela. Um outro se
recorda de uma sensação de frescor no alto de seu crânio,
inundando de felicidade toda a extensão de sua coluna vertebral.
Um outro ainda, tendo fechado seus olhos, viu movimentos
elípticos de luz partirem de seu Agnya Chakra, que conferiram
uma claridade e uma leveza extremas ao interior de sua cabeça.
Todos esses eventos diferentes fazem parte de uma só história
descrita por Juan Mascaro, na ‘Introdução’ de seu livro “The
Bhagavad Gita” (ed. Penguin,1978):
“Se lermos as escrituras e os livros de sabedoria do mundo,
se considerarmos as inúmeras experiências espirituais
consignadas nos textos antigos, encontraremos uma única
fé espiritual, e essa fé se baseia numa visão da Verdade.
Certamente, não é a verdade das leis da natureza
gradualmente descobertas pelo espírito humano, porém a
Verdade de nosso Ser.”

Muitos Sahaja Yogis guardam uma lembrança precisa do


momento em que foram apresentados a si mesmos. Eleanore,
uma jovem senhora diplomata, sentiu sua Kundalini dançar de
alegria, em sua coluna vertebral, ao esperar Shri Mataji no
aeroporto. Christine, estudante americana que vive em Londres,
relata:
“Comecei a me sentir cheia de alegria alguns dias antes de
encontrar Shri Mataji. Eu estava - não sei como dizê-lo -
muito feliz simplesmente pelo fato de existir. Eu a vi, pela
primeira vez, num apartamento de uma amiga. Quando ela
entrou, senti um formigamento nas palmas de minhas mãos
e depois uma brisa fresca. Senti em paz completa comigo
mesma, completamente presente. Foi um segundo
nascimento. Tudo era novo.”
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 63

Rajbai J. Modi, um dos primeiros Sahaja Yogis, narra


sua vivência:
“Minha experiência pessoal do despertar da Kundalini
aconteceu na primeira semana de janeiro de 1972. Shri
Mataji, durante alguns segundos, tocou meus seis plexos, e
uma força poderosa começou a saltar de plexo em plexo,
para finalmente atingir o cérebro. Durante esse período de
tempo, entrei cada vez mais profundamente em Dhyana
(meditação, contemplação) e experimentava sensações
agradáveis em meu corpo inteiro. Não podia abrir meus
olhos. Meu corpo estava mais quente. Parecia que eu
estava, ao mesmo tempo, anestesiado e completamente
consciente. A meditação se prolongava. Mais tarde, tive
uma outra experiência de Dhyana ainda mais interessante e
mais profunda. No dia 27 de janeiro de 1972, em Bordi, um
grupo permaneceu com Shri Mataji após o programa
público. Ela me disse para fechar os olhos e tocou meu
Sahasrara. Após alguns segundos, exclamou: “Realizado!”
Ela me pediu que começasse a pensar, coisa que não pude
fazer nem por um breve instante. Depois, fui dormir. Na
manhã seguinte, um velho estava com uma leve dor no
coração e tentei lhe dar algumas vibrações. Para minha
grande surpresa, ele observou: ‘sinto-me bem melhor’. Foi
assim que tudo começou e isso continuou desde então.

Logo após minha Auto-realização, experimentei a sensação


de um fluxo de energia. Shri Mataji pediu-me que desse
vibrações a uma pessoa que havia vindo para receber sua
Auto-realização. As vibrações que recebi dessa pessoa
eram quentes. Shri Mataji disse-nos que havia uma fraca
resistência para o despertar de sua Kundalini; as vibrações
tornaram-se frias. Shri Mataji comentou que o poder corria
agora pelo sistema nervoso simpático (Ida e Pingala
Nadis) e o refrescava. Subitamente, sinto apenas as
vibrações em uma das mãos. Shri Mataji fecha seus olhos,
e, com seu poder de determinação (Sankalpa), equilibra o
64 O ADVENTO

fluxo de vibrações. Abriu os olhos e indagou se eu estava


sentindo o fluxo de vibrações em ambas as mãos. No
momento em que disse ‘sim’, perguntou à outra pessoa se
ela estava sem pensamentos. Esta concordou com um sinal
de cabeça e disse que não podia abrir os olhos. Shri Mataji
pediu-lhe que esperasse um pouco. Depois de dois minutos
essa pessoa abriu os olhos. Seus olhos brilhavam com um
fulgor diferente. Ela me disse que havia sentido um
perfume muito forte de rosas e que havia visto uma luz
muito forte. Quando lhe perguntei se estava sentindo as
vibrações,disse que sim. Posso me lembrar de muitos
outros casos semelhantes a esse.”

A consciência coletiva é indissociável da consciência


perceptiva vibratória. Em minha casa em Katmandu, Nepal,
onde trabalhei para as Nações Unidas, podia, durante a
meditação, saber o estado dos Chakras de qualquer conhecido
meu em Genebra. A comunhão dos santos, o Sangha
(comunidade) dos budistas se materializou numa experiência
viva, pois, quando muitos seres realizados se juntam, a
meditação de cada um se aprofunda, a consciência se intensifica
e a energia circula com mais potência. Cristo não disse que
estaria presente entre as pessoas que se reunissem em Seu
nome? E Fausto de Goethe exclama: “Como tudo se agrega
para formar um todo, como cada elemento age e vive no
outro!”
Quando vivemos a experiência da consciência coletiva,
damo-nos conta de que o Ser reveste-se de uma extensão que
ultrapassa os limites de nossa individualidade. Isso porque, no
momento em que realizamos a experiência do Si, vivenciamos a
experiência de sua ubiqüidade. Por exemplo, todo Sahaja Yogi
dispõe de um poder de emitir a força vibratória divina
(Chaitanya), por meio de seu corpo e de suas mãos. Ele dá,
recebe e propaga as vibrações, pelo simples fato de manter sua
atenção centrada em seu Sushumna Nadi. Sua dimensão
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 65

espiritual fica ligada, automaticamente, ao meio ambiente.


Ademais, ele pode fazer um uso consciente de suas mãos para
transmitir as vibrações aos outros e para fazer fluir a energia do
Si, de maneira a desbloquear os Chakras de alguém que deseje
isso, bem como despertar sua Kundalini. A figura cinco
descreve em detalhes como nossa mão é conectada a nosso
sistema psicossomático.

FIGURA 5. AS TERMINAÇÕES NERVOSAS DOS


CHAKRAS NAS MÃOS

Dessa forma, cada um dos dedos ou cada parte da mão


emite e recebe a vibração diferenciada do Chakra
correspondente. Esse procedimento somente é ativado após a
Auto-realização e é percebido como sensações físicas no sistema
nervoso. Em outras palavras, se algo não está bem física, moral
ou espiritualmente, a pessoa torna-se imediatamente consciente,
66 O ADVENTO

no plano físico. Por exemplo, ao perceber uma sensação de


queimação no polegar esquerdo (correspondente ao
Swadishthana Chakra esquerdo) ou uma leve pressão na
garganta (correspondente ao Vishuddhi Chakra). A ciência da
Sahaja Yoga existe para decodificar essas mensagens. Todavia,
é suficiente indicar aqui os desdobramentos fantásticos de tudo
isso. Temos a capacidade de discernir, espontaneamente, o bem
do mal, em nosso sistema nervoso central.
Os filósofos gregos afirmavam e os tomistas
confirmaram que a equação da realidade deveria ser lida assim:
SER = UM = BONDADE = BELEZA = VERDADE. Podemos
dizer que o Si é o modo pelo qual o Ser se estabelece em cada
um de nós. Após a Realização do Si (Atman), passamos a
conhecer o Ser Cósmico (Paramatman). Com base nas
vibrações, podemos ver que aquilo que vem de Deus tem
vibrações frescas (positivas). Essas vibrações nos permitem
vivenciar as qualidades do Divino, o que quer dizer que
podemos senti-las e usufruir delas. Inversamente, as vibrações
nas quais inexiste essa qualidade de frescor e que são registradas
sob a forma de calor ou de peso nas mãos (portanto vibrações
‘negativas’, segundo a terminologia da Sahaja Yoga) não
contribuem para a manifestação do Divino e até se opõem a ele.
Podemos assim evitar essas vibrações negativas.
Shri Mataji explicava-nos sempre, detalhadamente, o que
acontecia: quando coloco um dedo no fogo, meu sistema
nervoso me diz que a sensação que sinto é muito desagradável, e
puxo meu dedo para fora, sem que haja necessidade de nenhuma
teoria sofisticada para provar que o fogo queima. Os Sahaja
Yogis desenvolvem esse tipo de ação espontânea reflexa, em
relação a todas as espécies de ocorrências ao redor deles
(emocionais, mentais ou espirituais), porque seu sistema nervoso
autônomo (simpático e parassimpático) e seu sistema nervoso
central foram integrados pelo despertar da Kundalini com a
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 67

consciência espiritual do Si, a qual conhece a bondade e a


verdade de todas as coisas.
“Aquele que conhece, medita e compreende essa verdade do
Si, descobre que tudo que existe - a energia primordial, o éter, o
fogo, a água e todos os outros elementos, o espírito, a vontade, a
linguagem, os hinos sagrados e as escrituras - de fato, o universo
inteiro, flui dele.”
Chandogya Upanishad

A experiência do Si é a experiência do Todo - essas


palavras de ouro teriam agradado a Spinoza! Elas corroboram a
dimensão das informações sensoriais sentidas pelos Sahaja
Yogis, os quais estão conectados na consciência perceptiva
vibratória do Si realizado. Assim sendo, os Sahaja Yogis têm à
sua disposição a chave da consciência, pressentida por muitos
filósofos, que está no âmago da realidade espiritual:
“E assim, reconheço muito claramente que a certeza e a
verdade de toda a ciência dependem apenas do
conhecimento do verdadeiro Deus; de modo que antes de
conhecê-Lo, não podia conhecer nada de modo perfeito.”

Essa frase de Descartes, constante de seu livro


“Meditações metafísicas”, um pouco abstrata, encontra sua
concretude, sua justificativa e todo o seu sentido, na abertura do
Sahasrara, a qual nos revela um novo mundo cognitivo. O
Atman (o Si) se funde no Paramatman (Deus) que, por sua vez,
banha com sua luz o universo inteiro.
Como é profundamente estranho encontrar, numa forma
viva e tangível, as palavras lidas em outros tempos, as projeções
de nossas esperanças mais insensatas. Descobrir até que ponto
nossos sonhos eram premonitórios, apalpar suas faces à medida
que nascem para a realidade. Como, por exemplo, numa outra
leitura que fiz do “Siddharta” de Herman Hesse:
“Pouco a pouco, desenvolvia-se e crescia em Siddharta a
noção exata do que é a Sabedoria propriamente dita, que
68 O ADVENTO

havia sido o objetivo de suas longas buscas.Era nada mais,


nada menos que uma predisposição da alma, uma
capacidade, uma arte misteriosa que consistia em se
identificar, em cada instante de sua vida, com a idéia da
Unidade, em sentir essa Unidade em todos os lugares, de
penetrar nela como o ar que se respira penetra nos
pulmões.”

Passei a ter as mais diferentes vivências. Sentei-me no


alto de uma montanha, no Nepal, defronte ao Evereste,
recitando a “Celebração da grande deusa” (Devi Mahatmyam);
andei de cima para baixo na estação de metrô do Saint James’
Park, após um programa público da Sahaja Yoga no Caxton
Hall, em Londres; brinquei no chão com uma criança realizada; é
a mesma transparência do Si que me visita, a sensação de
mergulhar o alto de meu crânio numa palpitação de energia
benéfica. É assim que, gradativa e suavemente, absorvemos a
Unidade e não, como muitos haviam pensado, pelas alucinações
psicodélicas que mostravam um caleidoscópio de imagens do
presente e do passado da raça humana diante de nosso terceiro
olho. Para dizer a verdade, as visões e aparições,
especificamente ligadas ao uso de drogas, correspondem a uma
disfunção do Agnya Chakra.
É preciso ressaltar aqui que a consciência coletiva não se
revela, exclusivamente, por intermédio das informações
sensoriais da consciência perceptiva vibratória, mas por um
aumento gradual do nível da própria consciência. No que
concerne à nossa afetividade, ela se exprime no amor. Um dos
sonhos mais freqüentes dos seres humanos consiste em
descobrir, novamente, o fio comum de sua unicidade, uma
unidade que nunca foram capazes de esquecer, seja qual for a
argúcia que usem para dividi-la em partes e subdividi-la em
grupos. Pode-se ler claramente a respeito dessa aspiração, nas
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 69

belas palavras escritas por C. F. Ramuz sobre Igor Stravinski,


em seu livro “Souvenirs sur I. Stravinski” (ed. Mermod, 1954):
“Quando você falava sobre seu país, e eu falava acerca do
meu, vagávamos em pensamento através do seu, ou
perambulávamos fisicamente através do meu; que eu possa
chegar a dizer que, muitas vezes, me parecia que esse vazio
não mais existia e não éramos mais duas pessoas, e
também não havia dois países. Subjacente aos dois países,
subjacente a nós dois, talvez exista um Único País (o qual
perdemos, encontramos novamente, perdemos outra vez,
depois o descobrimos de novo num breve instante), onde
temos um só Pai e uma só Mãe. Onde, por um momento,
vislumbramos uma grande Fraternidade de todos os
homens. Não servem para isso todas as formas de arte, ou
seja, tentativas de recuperar isso novamente e para nada
mais? Não é esse o objetivo de todas as palavras que
escrevemos, as telas que pintamos, as estátuas que
esculpimos em pedra ou em bronze - para isso e nada
mais? Alcançamos o homem antes de sua maldição, antes
da grande bifurcação na qual cada desdobramento
implicava uma nova bifurcação, e esta uma outra, e assim
até o infinito, de modo que para chegar ao fim, cada um de
nós está completamente só em seu pequeno trecho do
caminho, onde cada um sente que nada tem sucesso, nada
gera frutos, nada é completo, nenhuma música é perfeita,
nenhuma pintura é perfeita...até que nesses breves e raros
momentos, numa espécie de reversão, a bendição intervém,
e há assim colaboração com Alguém, a chance de retornar,
essa redescoberta do Si...!!!”

Aqueles que trilharam o caminho da solidão, aqueles que


andaram às cegas em busca da restauração da Unidade, aqueles
que não desistiram desse sonho maravilhoso, descobrem hoje, na
Sahaja Yoga, que o fio que religa todas as pérolas do universo
passa também por eles. E que ao retomarem esse fio, eles
poderão viajar pelo interior de todas as coisas. O Si é o
70 O ADVENTO

fundamento da verdadeira fraternidade humana, porque é apenas


no Si que os seres humanos são iguais. Quando as vibrações são
percebidas pelo Chakra do Coração (Anahata Chakra), essa
fraternidade (fraternidade de buscadores, dos Sahaja Yogis) é
vivenciada numa maravilhosa espontaneidade. Depois de me
conectar novamente a esse fio, participei de reuniões
maravilhosas.
Indubitavelmente, as conseqüências da descoberta da
Sahaja Yoga são vertiginosas, e levei alguns anos para avaliar
sua amplitude. No entanto, por causa da repetição das
experiências, os Sahaja Yogis desenvolveram, rapidamente, sua
confiança nessa nova ferramenta cognitiva. Eles se convenceram
de que podiam confiar nas informações vibratórias. Os
comportamentos artificiais são percebidos e as máscaras sociais
caem. Todas as espécies de falsidade são detectadas por
sensações imediatas. Daí em diante, todos tendem a ter uma
atitude muito mais natural e espontânea. Efetivamente, tudo tem
um determinado coeficiente vibratório, não só as pessoas, mas
também os lugares, os objetos e as matérias orgânica e
inorgânica. Por exemplo, existem montanhas realmente
sagradas. A famosa Matterhorn, na Suíça, tem um alto
coeficiente vibratório. O mesmo acontece com o Ayer’s Rock,
no centro da Austrália, onde os Sahaja Yogis realizaram um
grande festival em 1988.
A face oculta do universo, sua densidade espiritual, se
abre para nós e é fantasticamente simples como um jogo infantil.
O menino Tony, um Sahaja Yogi que reside em Londres,
meditava em seu quarto diante de uma foto de Shri Mataji.
Outras crianças que o estavam visitando entraram em seu quarto
e lhe perguntaram o que é que fazia. Respondeu: “Estou
absorvendo o poder dessa senhora. Querem experimentar?” O
pequeno grupo sentou-se e começou a imitá-lo, com as mãos
estendidas para a foto. Um pouco depois, uma menina disse:
“Meu Deus, há muito vento aqui!” Após alguns instantes de
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 71

reflexão, disse: “O que é que você faz para parar a corrente de


ar?” As crianças têm a oportunidade de sentir, antes de tentar
julgar ou analisar. Essa oportunidade feliz é que permitiu ao
Pequeno Príncipe conhecer sua rosa e é ela que nos ajuda a
promover a união entre nós e o Si. Shri Mataji jamais se cansa
de enfatizar:
“Terei de escrever isso com letras de ouro? Com base no
pensamento, vocês não poderão corrigir seus Chakras.
Pelo pensamento não poderão saber como é que isso
funciona. Por meio do pensamento, não poderão alcançar
seu coração. Vocês pensam muito e falam muito, porque
estão nas garras do senhor ego. Pensam por intermédio de
seu ego. Contudo, quando fazem isso, perdem seu
autodomínio. Existe uma barreira entre o Si e vocês.
Quando o Si não pode manifestar-se, sua espontaneidade
fica reprimida e sua criatividade se deteriora.”

Flávia, uma jovem de Roma, recebeu sua Auto-


realização, em 21 de novembro de 1981, numa pequena livraria
no centro de Roma, onde Shri Mataji estava dando a Realização
para centenas de pessoas. Alguns dias depois, quando andava
pela área da Basílica de Santa Maria Maior, ela sentiu sua
Kundalini ascender em sua espinha, e todo o seu corpo foi
inundado por uma sensação de bem-estar. Intrigada, estendeu
suas mãos em direção à grande igreja e sentiu um jorro de
vibrações. Ela entrou na Basílica, e seguindo o fluxo de
vibrações andou até a nave num lugar muito específico, diante
de um oratório reservado à direita. Nesse oratório, as vibrações
estavam muito fortes. Um pouco confusa, porém contente,
Flávia permaneceu ali durante algum tempo, sem se mover,
absorvida na graça de Chaitanya. Um mês depois, disse a ela
que, um dia antes de sua experiência incomum, Shri Mataji havia
visitado a Basílica, com um pequeno grupo de Sahaja Yogis, e
72 O ADVENTO

havia parado exatamente naquele oratório, permanecendo ali por


um longo tempo.
Não é fácil descrever como é a vida depois do segundo
nascimento. Trata-se, simplesmente, de um mundo mais real que
aquele tido como ‘real’ pelas pessoas, um mundo no qual não
nos satisfazemos em viver com 20% a 30% de nosso potencial, e
que se impõe com um poder de evidência indiscutível. Os
sentimentos de frustração, de desespero, de aborrecimentos,
fundiram-se com nossa velha pele. As circunstâncias externas
não se modificaram, porém, em vez de sofrermos com as
tensões, passamos a sentir mais alegria, uma alegria sem motivo,
sem pretexto, uma alegria que é um estado de consciência. Esse
estado não é um pensamento, uma emoção, ou uma sensação,
porém uma combinação de tudo isso e, simultaneamente, uma
abertura para algo mais que é o silêncio. Tudo isso se passa
interiormente. Esse mundo novo, talvez o mais antigo, exprime
uma qualidade de transparência e de frescor, de pureza e de
inocência, de espontaneidade e de amor. São esses os frutos da
árvore da vida que passamos a degustar em nós mesmos? De
onde vêm esses movimentos do sagrado, essa dimensão de
beleza e de excelência que se afirmam como nossa verdade e
como nossa própria existência? Esse mundo, eu o havia perdido.
Sei disso. Eis agora que o recupero, novamente, e reconheço as
evidências dele nas profundezas que eram incompreensíveis para
mim. Platão disse: “Só nos lembramos daquilo que
conhecemos”. Com minha consciência iluminada pela graça de
Shri Mataji, o Si lembrou-se de sua própria divindade. Aprendi,
espontaneamente, o nome de Shri Mataji, que é MOTHER,
MÃE.
Talvez me perguntem: ‘você ainda vive nesse estado?’
Não vivo mais nele, porém ele está aberto para mim, posso me
unir a ele todas as vezes que minha Kundalini ascende até o
Sahasrara. Falando desse lado do estado iluminado de
consciência após a Auto-realização, notei vários domínios
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 73

cósmicos com base em experimentos ‘parapsicológicos’, nos


quais pude visualizar diferentes formas de entidades, e até
mesmo de demônios que atacam nossa consciência e nossos
Chakras. Não me prendo a esse ponto, porque o essencial é a
identificação com o Si. Diz Shri Mataji que “é preciso que se
tornem unificados com o Si. Sem conhecer o Si, não poderão
obter o conhecimento de Deus”. Sem que a Kundalini chegue
ao Sahasrara, o Si não pode ser conhecido e sem ser convidada
a se elevar pelas vibrações, a Kundalini permanece adormecida.
Li com novos olhos essas linhas que brilham hoje para
mim com total clareza:
“Jesus respondeu-lhe: em verdade, em verdade, te digo, que
não pode ver o reino de Deus, senão aquele que nascer novamente.
Nicodemo lhe perguntou: como pode um homem nascer, sendo
velho? Porventura pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, e
nascer outra vez? Jesus respondeu-lhe: em verdade, em verdade te
digo, que quem não renascer da água, e do Espírito Santo, não pode
entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne, é carne; e o que
é nascido do espírito, é espírito. Não te maravilhes se te dizer que é
preciso que nasças outra vez do alto. O vento sopra onde ele quer, e
ouves sua voz, mas não sabes de onde ele vem nem para onde vai.
Assim é todo aquele que é nascido do espírito. Nicodemo perguntou:
como é que se pode fazer isso?“
João, 3, 3

Como é que se pode fazer isso? Não sabia nada a


respeito disso antes de sentir a brisa fresca das vibrações, antes
de sentir a Kundalini subir à minha cabeça. E não coloquem
suas questões para os sacerdotes que, durante quase dois mil
anos, esconderam, sua total ignorância sobre esses temas, atrás
de suas tautologias teológicas.
A Sahaja Yoga, a Yoga da espontaneidade, abre uma
nova dimensão à consciência humana, que abarca o reino de
Deus, a Auto-realização proclamada nas escrituras, o Juízo Final
74 O ADVENTO

e a Revelação. Torna-se agora possível concretizar os


ensinamentos dos avatares (encarnações divinas), com base na
pura realidade da experiência:
“Interrogado pelos Fariseus sobre o momento em que
chegaria o reino de Deus, lhes respondeu: a vinda do reino de Deus
não virá com sinal algum exterior nem dirão: ei-lo aqui, ou ei-lo
acolá. Porque saibam disso, o reino de Deus está dentro de vocês.”
Lucas 17.20

Quais as questões que serão colocadas dessa vez pelos


fariseus (turba tenaz, raça sempre renovada), assim como pelos
padres e aiatolás? A mesa está posta para vocês e a festa os
espera. Venham e regalem-se, pois a ceia está pronta. Não
recusem o convite dessa vez. Não discutam o cardápio. Sentem-
se à mesa e comam. Vocês se tornarão os filhos do Altíssimo, a
não ser que sua fome os traia. Ó, mestres e professores que
explicaram tão pedantemente por que estamos loucos por buscar
o reino de Deus. Quantos de vocês têm fome? Quantos estão tão
sobrecarregados de conceitos que sopitam como a fumaça das
chaminés? Quantos vão dormir acalentados por teorias e
definições? Pode-se imaginar a reação dos altos sacerdotes,
protestando: “Mas afinal quem é essa Mataji?”, fazendo pose,
prontos para rasgarem suas vestes e denunciar a blasfêmia. No
entanto, Jesus disse a Verdade, enquanto Caifás proferiu apenas
blasfêmias.
Não é por acaso que a expressão sânscrita para a Idade
de Ouro é Satya Yuga, a Era da Verdade ou da Revelação.
Joachim de Flore (1145-1202), um monge cisterciense e de
algum modo profeta, predisse que, após a Era do Pai (Jeová -
Krishna) e a Era do Filho (Jesus Cristo), viria a terceira Era do
conhecimento e da integração, a Era do Espírito Santo, a Era da
Mãe. O ano de 1260 seria o ano do início dessa Nova Era e a
manifestação do reino de Deus sobre a Terra. Ele parece ter tido
alguns problemas na interpretação do calendário divino, contudo
ENCONTRO COM A SAHAJA YOGA 75

a marca da mudança de Peixes para Aquário, retomada pelos


grandes astrólogos, merece ser examinada.
Em 1970, na Índia, Shri Mataji Nirmala Devi descobriu
como fazer do despertar da Kundalini um fenômeno de massa.
Ela oferece assim à raça humana a possibilidade de desenvolver
essa nova categoria de percepção que permite cruzar o limite
entre o finito e o infinito. É, efetivamente, a Idade de Ouro que
se abre para nós, quando nosso mundo é ameaçado de sucumbir
em fragmentos no caos já anunciado pela sociedade
contemporânea. As peças do grande quebra-cabeça estão se
colocando em seus lugares, as escrituras estão sendo cumpridas,
a busca é coroada com a graça daquela figura solitária com
poderes ilimitados.
Antes de conhecer Shri Mataji, tinha todas as espécies de
idéias preconcebidas a respeito da maneira pela qual uma
encarnação divina deveria se manifestar. Dos mórmons aos rosa-
cruzes, cada grupo desenvolveu sua própria lista de requisitos e
um manual de como as coisas devem ocorrer. Porém todo esse
arcabouço desmoronou diante da rara inocência de Shri Mataji e
a simplicidade de sua natureza, diante da maneira direta e da
bondade maternal com as quais ela me recebeu. Mesmo após
alguns anos, o ambiente que a circundava era tão tranqüilo, que
eu, constantemente, me esquecia que era venerada, na Índia,
como uma encarnação divina e que, na verdade, essa é a
percepção que estabelece a mais autêntica ligação entre ela e
nós. Não obstante, a genuína natureza de minhas próprias
experiências reunidas me lembrava disso. Existem milhares de
pessoas que têm reunido provas incontestáveis da autenticidade
de sua dimensão espiritual. Não apenas temos sido capazes de
realizar a nova dimensão de consciência em nós mesmos,
apreendendo todos os conhecimentos e as técnicas. Recebemos,
ainda, por acréscimo, o poder de transmitir tudo isso aos outros.
Um Sahaja Yogi tem o poder de despertar a Kundalini em
outras pessoas! Somente aqueles que possuem e dominam
76 O ADVENTO

perfeitamente esses poderes podem passá-los, com muita


facilidade, e as escrituras antigas tal como o Devi Bhagavat
Purana descreve com clareza o tipo de pessoa que é capaz de
despertar a Kundalini por meio de um simples olhar. Quanto a
nós, com base naquilo que vivemos e verificamos e tendo
saltado para fora da caverna de nossas opiniões, temos o claro
conhecimento e a prova de que Shri Mataji Nirmala Devi tem a
capacidade de despertar nosso próprio poder espiritual. Com
efeito, pela leitura dos próximos capítulos que irão introduzi-los
numa síntese da Sahaja Yoga, começarão a indagar sobre a
natureza daquela que, no limiar dos dois mundos, assegura uma
nova dimensão de consciência para toda a humanidade. Isso
porque o despertar da Kundalini expressa o desdobramento de
um novo plano evolutivo, há muito esperado por nós.
LIVRO III
REVELAÇÃO

“A fonte secreta de tua alma deve jorrar e


correr murmurando para o mar;
E o tesouro de tuas profundezas infinitas
quer ser revelado a teus olhos.
Mas que não haja nenhuma balança
para pesar o teu tesouro desconhecido!
E não busques as profundezas
de teu conhecimento com nenhuma vara ou sonda.”

“Se pudesses apenas vislumbrar as marés de teu alento,


Não quererias ver nada mais.
E se pudesses ouvir o sussurro de teu sonho,
Não quererias ouvir nenhum outro som.
Porém, não podes ver nem podes ouvir,
E tudo fica bem.
O véu que cobre os teus olhos será levantado,
Pelas mesmas mãos que o teceram.”
Trechos de “O profeta” de Khalil Gibran

“Naquele dia (do Juízo Final), colocaremos


Um selo em suas bocas.
Mas suas mãos falarão.”
ALCORÃO

É Sahaja (espontâneo) aquilo que transforma a semente


em árvore, a flor em fruto, bem como aquilo que faz o vento
soprar e os pássaros voarem. Aquilo que ilumina o sorriso da
mãe e a resposta da criança, isso é Sahaja. Sua curiosidade que
REVELAÇÃO 79

desperta também é Sahaja. A manifestação espontânea da


grande força de vida primordial (Prakriti) é também Sahaja.
‘SAHA’ significa com, ‘JA’ quer dizer nascido e Yoga
significa união. A Sahaja Yoga admite que cada indivíduo
nasceu com o potencial de se unificar ao Divino (ao Infinito, à
realidade pura) e que esse potencial é efetivado pela Sahaja
Yoga, uma técnica de redenção espontânea e sem esforço. A
palavra Yoga também significa técnica ou habilidade.
A contradição entre a espontaneidade e a técnica é
apenas aparente. Como já dissemos anteriormente, a
transformação acontece, espontaneamente, na presença da
encarnação ou de alguém que tenha algum vínculo com ela, e a
técnica permite estabilizar seus efeitos. Shri Mataji emite as
vibrações de Chaitanya (força vital divina) as quais, captadas
pelas antenas de nossos dedos, penetram nos canais sutis, a fim
de transmitir à Kundalini o convite para seu despertar. A
Kundalini ascende quando todas as condições para seu
despertar são satisfeitas. Ela sobe pela coluna vertebral, alcança
o terceiro olho (Agnya Chakra) sem provocar a menor dor; a
pessoa se sente completamente calma, silenciosa e consciente.
Quando ela alcança o último centro (Sahasrara) e atravessa a
membrana da fontanela, a pessoa começa a sentir a brisa fresca
das vibrações. Os fatos são esses. É preciso colocá-los em sua
perspectiva histórica. Shri Mataji fala a respeito disso: “Essas
vibrações do amor divino, com as quais rego a semente que é
sua Kundalini constituem um direito inalienável seu, porque
elas tornam possível o ponto culminante da evolução humana,
conforme foi prometido pelas Escrituras”. As etapas anteriores
da evolução, do carbono tetravalente ao homo sapiens,
ocorreram sem que os átomos, os organismos primitivos ou os
mamíferos que se desenvolviam, estivessem conscientes disso.
Todavia, “a partir do homo sapiens”, diz Shri Mataji, “a
evolução se deu de um modo humano, isto é, com consciência.
Vocês serão conscientes da manifestação do processo evolutivo.
80 O ADVENTO

O ovo não sabe como é que ele se transforma em pássaro,


porém os seres humanos serão capazes de sentir e de
compreender sua evolução como Sahaja Yogis.”
A fim de compreender o modo pelo qual os seres
humanos funcionam, vejamos isso no domínio da investigação
científica. Toda grande descoberta começa com uma
comunicação vinda do Inconsciente para um determinado
pesquisador, o qual, a partir daquele momento, se dedica à sua
articulação. Para que uma hipótese seja considerada científica,
ela precisa ser testada. Os diferentes testes feitos para validar,
cientificamente, a hipótese precisam apresentar resultados
consistentes. A descoberta é publicada a fim de beneficiar toda a
humanidade. Eventualmente, a descoberta pode ser desenvolvida
tecnologicamente e posta em uso. A Sahaja Yoga atua,
exatamente, da mesma forma.
É verdade, como o filósofo Karl Jaspers (em seu livro
“Iniciação ao método filosófico”) observou, que a experiência da
união mística não pode ser compartilhada. “Não são
contestáveis as experiências de uma união mística com o
Espírito (unio mystica). Todavia, essas experiências não podem
ser comunicadas por aqueles que retornam ao mundo banal. A
interpretação delas é variada e necessita de precaução. Isso
porque aqueles que viveram essas experiências utilizam, para
falar delas, um fluxo de imagens que somente eles podem
compreender”.
A experiência no domínio espiritual se torna comunicável
através da manifestação da Sahaja Yoga. De fato, um Sahaja
Yogi pode despertar a Kundalini de outrem. A intensidade da
experiência vivida por um Sahaja Yogi não é mais um fator de
isolamento social. C.G. Jung (em seu livro “A alma e a vida”)
afirma que: “De fato, a experiência religiosa é absoluta. Ela é
no sentido próprio indiscutível. Pode-se somente dizer que não
se teve uma experiência desse tipo e o interlocutor responderá:
‘sinto muito, porém a tive.’ E assim terminará a discussão”.
REVELAÇÃO 81

É na Sahaja Yoga que a discussão começa, prelúdio, tão


breve quanto possível, que antecede a comunicação da
descoberta: “É imprescindível que cada pessoa tenha a
experiência,” diz Shri Mataji.
Lembremo-nos de que cada descoberta é preparada por
uma sucessão de etapas e por um aprofundamento do
conhecimento. Da mesma maneira, a efetiva entrada na
consciência coletiva, que é o ápice na Sahaja Yoga, foi
preparada pela atuação de forças divinas, pelas vidas e obras de
grandes encarnações do passado, como, por exemplo, Krishna,
Cristo e Maomé.
À proporção que entramos na nova consciência e
aplicamos as propriedades, bem como as leis recém-descobertas
da energia espiritual, podemos, por exemplo, entrar em contato
com seres excepcionais. Percebemos que essas personalidades
divinas controlam os diversos Chakras, por intermédio dos quais
orquestram as estruturas da matéria viva, os mecanismos
hormonais e os desenvolvimentos psíquicos que constituem um
ser humano funcional. Os seres divinos emitem freqüências
vibratórias. A arte da Sahaja Yoga consiste em saber como
receber essas vibrações.
Por exemplo, quando o Chakra do umbigo (Manipura
ou Nabhi), na coluna vertebral, está contraído, a Kundalini fica
bloqueada em sua ascensão e, muitas vezes, pode-se ver a olho
nu uma pulsação nas costas da pessoa, na altura correspondente
a esse Chakra. Pode-se por meio de uma invocação vibratória
(mantra), entrar em comunicação com a divindade específica que
controla esse Chakra, ou seja, Shri Vishnu e sua esposa Shri
Lakshmi. As vibrações indicam uma reação na altura do Chakra
sobre o qual trabalhamos. Percebemos, por intermédio da
consciência coletiva, a pressão do estômago diminuir; o
obstáculo é removido porque Shri Vishnu, que controla o plexo
solar, limpou a passagem da Kundalini. Dessa forma, a realidade
de sua existência é comprovada.
82 O ADVENTO

Essa consciência perceptiva vibratória nos foi dada pelo


Inconsciente Universal. É chegada a hora de divulgar essa nova
consciência, porque a beleza da Sahaja Yoga floresce apenas na
Realização coletiva. Essa nova consciência explica, integra e
completa as revelações dos grandes santos, mestres espirituais,
profetas e encarnações do passado. É na verdade a
consubstanciação do contrato espiritual entre Deus e sua
criação, o Homem.
Há vinte anos, Mircéa Eliade (em seu livro “Ioga,
imortalidade e verdade”, 1969) escreveu:
“É na identidade do júbilo, na experiência inefável da
unidade, que se atinge o estado de SAHAJA, da existência
não-condicionada, de pura espontaneidade. Todos esses
termos, evidentemente, são de difícil tradução. Cada um
deles tenta exprimir o estado paradoxal de não-dualidade
absoluta (Advaya) que conduz ao Mahasukha, a Grande
Beatitude.”

Hoje, esse estado está acessível a toda a humanidade.


A REVELAÇÃO DO COSMO NO
MICROCOSMO HUMANO

CAPÍTULO III

“Arjuna, sou o cosmo revelado e seu germe ocultado.”


Shri Krishna

“Nosso corpo é um palácio e é a Casa de Deus. Nela, Deus


guarda a chama infinita.”
Guru Nanak

“Ver o Mundo num grão de areia,


E um Céu em ramo que enflora,
É ter o infinito na palma de tua mão
E a eternidade numa hora.”
Extraído dos “Augúrios da inocência” de William Blake

“O homem, outrora, encerrava em seus membros poderosos


todas as coisas do Céu e da Terra.”
William Blake

“Não vás ao jardim das flores!


Ó amigo! Não vás lá!
O jardim de flores está em teu corpo.
Senta-te nas mil pétalas do lótus,
e lá mira a beleza infinita.”
Kabir

Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem e


semelhança” (Gênese, 1.26). Sócrates foi verificar o que o
Oráculo de Delfos sabia, exatamente, a respeito desse tema e o
84 O ADVENTO

rei prussiano Frederico II, precursor do intelectual moderno,


observava que “isso é realmente péssimo para Deus”. Cabe
agora ao Sahaja Yogi, por sua vez, verificar, com um
deslumbramento crescente, a correção e a precisão dessa famosa
frase bíblica.
A Auto-realização assinala a entrada num reino, cujas
vastas províncias temos ainda de explorar. Shri Mataji, mediante
inúmeras conversações, entrevistas e palestras, esboçou para nós
os contornos desse reino e nos explicou as leis que o regem.
Cada frase dita por ela, a respeito disso, foi confirmada por
nossa consciência perceptiva vibratória, e por isso, não podemos
mais duvidar de nossa boa sorte. Penetramos na fonte primordial
e autêntica do conhecimento, quando ouvimos Shri Mataji falar.
Todas as suas revelações podem ser confirmadas pelas
vibrações. Aristóteles disse certa vez: “Aprendi tudo,
interrogando a natureza, porquanto a natureza não sabe
mentir”, e agora, na aurora da Era de Aquário, podemos
substituir a palavra ‘natureza’ (usada por Aristóteles) pela
palavra ‘vibrações’.
O instrumento psicossomático e espiritual (Yantra),
mediante o qual vivenciamos um segundo nascimento, e cujas
técnicas (Tantra) aprendemos, gradativamente, não é uma
estrutura aleatória e arbitrária, mas sim uma réplica,
perfeitamente miniaturizada, do arquétipo primordial venerado
de diferentes maneiras pela humanidade. Daí a expressão árabe:
ALLAHU AKBAR = DEUS É O MAIOR! Deus é Uno, afirmam
as grandes religiões, e o aspecto monolítico dessa unidade é
simbolizado pelo Lingam de Shri Shiva ou pela pedra negra da
Caaba de Meca. Não obstante, vista num microscópio, uma
pedra fervilha com a atividade de trilhões de átomos. Quando
dizemos que ‘Deus é energia’, devemos nos lembrar que a
energia é conversível e suscetível de ser usada de múltiplas
maneiras. A unidade não exclui a pluralidade. Um simples corpo
humano contém trilhões de células, organizadas em inúmeros
A REVELAÇÃO DO COSMO NO MICROCOSMO HUMANO 85

órgãos destinados a desempenhar numerosas e diferentes


funções. O ser humano que habita o corpo físico é ainda mais
complexo. Por exemplo, ele estabelece vários tipos de
relacionamentos que podem ser, às vezes, com um amigo, com
um pai, com um cônjuge. Da mesma maneira, a idéia da Unidade
de Deus não significa que haja apenas um aspecto ou uma
função. Shri Mataji enfatiza que: “Aquele que é Onipresente e
Onisciente, que controla todas as coisas, que é,
simultaneamente, mais ínfimo que o átomo e mais vasto que o
cosmo, será, infinitamente, muito mais complexo que o homem
em suas manifestações e, todavia, Ele permanece perfeitamente
integrado... Quando o Um começa a manifestar seus múltiplos
aspectos, a Criação é posta em movimento... O universo
material, tal como o conhecemos, não é senão um momento
dessa manifestação.”
Poderíamos simbolizar isso pela trajetória de uma elipse,
que se distancia de seu ponto inicial para ali retornar.
Efetivamente, se mediante a criação, Deus se move do infinito
(que é Ele próprio), em direção ao finito (que é sua criação),
poder-se-ia conceber um movimento contrário, pelo qual o finito
se moveria em direção ao infinito e o alcançaria. É isso que
todas as religiões do mundo tentaram mostrar, visto que seus
fundadores quiseram preparar o homem, a fim de que este
participasse desse movimento e recebesse sua Auto-realização.
Num determinado estágio da evolução, a criatura, tendo-se
tornado consciente, proclama sua aspiração ao ‘grande retorno’.
“Nosso coração está sem repouso porque não encontrou em
vós, ó meu Deus, seu repouso”. Santo Agostinho, que
acompanhou a longa caravana dos buscadores, fez eco com o
Aranyaka Upanishad que diz: “Enviai-me ao mundo que
desejo. Enviai-me àquele mundo. Enviai-me ao Todo”.
Voltemos ao início. Deus é, naturalmente, perfeição de
existência e de essência, além de outros atributos. Precisamos
usar metáforas para mascarar nossa incapacidade de conceber a
86 O ADVENTO

transição do indeterminado para o determinado, do não-


manifestado para o manifestado. Digamos que a realidade última
(Deus, Parabrahma) passa pelas alternâncias de manifestação e
de não-manifestação. A não-manifestação seguida de sua
manifestação constitui um ciclo cósmico (Kalpa). Podemos
dizer que Deus respira. Ele expira e, em conseqüência disso, o
universo emerge Dele e surge assim a evolução. Ele inspira e o
universo retorna a Ele e surge assim a involução. Assim sendo,
inúmeros ciclos cósmicos precederam o atual ciclo em que nos
encontramos.
Mas, qual é a finalidade da criação?
Podemos dizer que Deus, sob o aspecto de Testemunha
Primordial do universo (Sadashiva), deseja deleitar-se com uma
projeção, com um reflexo cada vez mais fiel a Si Mesmo em Sua
criação.
Hegel, em sua obra “A filosofia da história”,
argumentava: “A História do mundo é exclusivamente
preocupada em mostrar como o espírito chega ao
reconhecimento e à adoção da Verdade; a aurora do
conhecimento surge. O espírito começa a descobrir os
princípios basilares, e, finalmente, ele chega à consciência
plena”.
Tendo em vista o objetivo divino de se projetar cada vez
mais em sua Criação, Deus, sob o aspecto de Ator (Adi Shakti,
a Mãe divina ou, em termos gnósticos, o Espírito Santo), dá
início ao processo de criação. As inúmeras combinações e
permutações dessa energia divina engendram as projeções
originais dos diversos aspectos do Deus único que a humanidade
tem venerado, mais especificamente na tradição religiosa mais
antiga, que se expressa, por exemplo, nos livros sagrados
(Vedas) dos arianos na Índia. Assim, após a inicial separação da
Adi Shakti de Sadashiva, a própria Adi Shakti diferencia-se a si
mesma em três formas principais de energia, personificadas pelas
três grandes deusas Mães: Mahakali, Mahasaraswati e
A REVELAÇÃO DO COSMO NO MICROCOSMO HUMANO 87

Mahalakshmi. É por intermédio dessa trindade que a Adi Shakti


dá nascimento aos demais aspectos de Deus (divindades,
Devatas), que conduzirão as etapas posteriores da Criação. Em
outras palavras, a estruturação do cosmo e o desdobramento de
sua evolução dependem das interações entre essas diferentes
formas de energia divina. Quando consideramos todas essas
divindades à luz de sua unidade essencial, as percebemos como
aspectos complementares do Grande Ser Primordial, acerca do
qual fala o Svetasvara Upanishad :

“O absoluto Uno, a existência impessoal, em união com seu


poder de ilusão (Maya), apareceu como o Senhor Divino, o
Deus pessoal adornado com milhares de glórias.
Alicerçado em Seu Divino Poder, Ele controla todos os
mundos. Por ocasião da criação e da dissolução do
universo, somente Ele existe. Aqueles que O realizam
tornam-se imortais.

O Senhor é Um sem um segundo. Habita no homem e nas


outras criaturas. Projeta o universo, o mantém e o
reabsorve em Si Mesmo.

Seus olhos estão em todos os lugares; Sua face, Seus


braços e Seus pés estão em cada um dos lugares. Ele
extraiu de Si Mesmo o Céu e a Terra e, com Seus braços e
Suas asas, os mantém coesos.

Ele é a origem e o suporte dos deuses. É o Senhor de todos.


Concede sabedoria e felicidade aos que O adoram. Destrói
seus pecados e suas preocupações.

Pune aqueles que transgridem Suas leis. Vê tudo e sabe


tudo. Que Ele nos abençoe com uma mente que conheça a
Verdade.”
88 O ADVENTO

O sábio Svetasvatara descreve Deus supremo, o único


mestre do universo, como “aquele que assumiu a forma de
todas as criaturas e permaneceu oculto”. Trata-se de Deus-Pai,
consubstanciado aqui na extensão de suas manifestações.
O Bhagavad Gita, parte integrante do Mahabharata, a
epopéia eterna do hinduísmo, narra como Shri Krishna permite
a Arjuna, príncipe guerreiro e discípulo, contemplar a visão
esplêndida e terrificante desse Ser Primordial que, em sânscrito,
se chama VIRATA.
“Ó meu Deus, vejo todos os deuses em teu corpo,
E a multidão das criaturas, cada uma em seu lugar.
Vejo o Senhor Brahma, assentado sobre o lótus.
Vejo todos os sábios e as serpentes sagradas.
Forma universal, te vejo sem limites.
Braços, olhos, bocas e ventres infinitamente multiplicados.
Olho, e não encontro fim, nem meio nem início.”
Bhagavad Gita, 11

Shri Krishna era, efetivamente, o Virata encarnado. Ele


falou:
“Impregno todo o universo com Minha forma eterna,
que não se manifesta para os sentidos. Ainda que
nenhuma criatura Me contenha, contenho todas elas.
Todavia, elas não existem em meu corpo
físico. É o divino mistério de Minha natureza que é preciso
que tu compreendas. Meu Ser sustenta todas as
criaturas e lhes dá vida, mas ele não tem nenhum contato
físico com elas.”
Bhagavad Gita, 9

Só posso remeter o leitor novamente a esse texto


impressionante. Sei que Shri Mataji escreveu vários capítulos,
nos quais explica a origem do Virata e do cosmo, contudo seus
escritos não foram ainda publicados. Entretanto, tive a felicidade
de poder lê-los, e me ajudaram enormemente a conceber o
A REVELAÇÃO DO COSMO NO MICROCOSMO HUMANO 89

inconcebível, vale dizer, se ouso dizer, a me dar uma idéia


acerca da natureza do Virata.
Em suma, a estrutura do Virata pode ser comparada a
um prisma que absorve a luz do Espírito Santo (Sua energia) e a
refrata nas diversas cores do arco-íris, a refulgência da criação.
No Virata, poderão ser encontrados os diferentes domínios da
consciência cósmica com seus céus e seus infernos e, enfim,
nosso universo material iluminado por uma miríade de
luminárias galácticas. Uma dessas luminárias é nosso sistema
solar, onde permanecemos deslumbrados.
Encontramo-nos assim diante do arquétipo primordial,
que irá reverberar, infinitamente, suas próprias estruturas nos
diferentes teatros da criação, e isso chega ao nosso universo
material. Vejamos, com um pouco mais de profundidade, os
detalhes desse quadro, os quais devemos tentar compreender,
mediante a utilização de uma imagem. Da mesma maneira que o
ar toca os orifícios de uma flauta, a fim de se transformar em
música, assim também o Espírito Santo (Adi Shakti) manifesta
Deus, por meio de sete de Seus principais aspectos, os quais
estão relacionados com as diferentes religiões do mundo.
Existem sete orifícios em sua flauta, porém existe apenas um
sopro que produz a melodia. Igualmente, há sete Adi Chakras
(centros primordiais de energia) no corpo cósmico do Virata,
porém há apenas uma Adi Kundalini. O próprio Virata é Uno,
consubstanciando a unidade entre a Testemunha Primordial e o
Ator Primordial, expressando a manifestação integrada de Deus
projetado pelo Espírito Santo. Nunca dantes foi conhecido pelo
homem o mecanismo dessa perfeita articulação do Ser uno
(Shiva) com o Ser coletivo (Virata).
O Virata abarca tudo aquilo que existe. Por exemplo,
esses seres super-humanos que controlam as forças da natureza,
que compuseram os diversos panteões (grego, germânico ou
asteca), ocupam uma das províncias cósmicas do ego do Virata
(o supraconsciente coletivo). O inferno, com seus múltiplos
90 O ADVENTO

círculos, localiza-se no superego do Virata (o subconsciente


coletivo). Os seres angelicais, serafins, querubins e Chiranjivas
vivem na Superconsciência divina. É impressionante, por
exemplo, que o profeta bíblico Ezequiel e São João Evangelista
os descobriram nos símbolos de animais que podem ser
encontrados na tradição hindu, isto é, o touro é Nandi, a
montaria de Shri Shiva; a águia é Garuda, a montaria de Shri
Vishnu; o leão é Hanumana, um dos veículos da deusa Durga.
Eles aparecem com seus Chakras e com o ‘ruído das grandes
águas’ e ‘o ruído da tempestade’ que evocam o sopro poderoso
das vibrações.
O profeta Ezequiel (1.15.24) diz:
“E ao tempo em que estava olhando para estes animais,
apareceu ao pé dos tais animais uma roda sobre a Terra, a
qual tinha quatro faces. E o aspecto das rodas, e a obra
delas era como a vista do mar; e uma só a semelhança das
quatro; e o aspecto delas e as obras eram como se estivesse
uma roda em meio a outra roda... E quando os animais
andavam, andavam também ao passo as rodas ao pé deles;
e quando os animais se elevavam do solo, também as rodas
juntamente se elevavam. Para qualquer parte que o espírito
ia, indo para lá o espírito, as rodas, seguindo-o, também
igualmente se elevavam. Porque o espírito de vida estava
nas rodas.”

Ademais, esses seres dispõem de poderes excepcionais.


O Arcanjo Gabriel (Hanumana) e o Arcanjo Miguel (Bhairava)
patrulham, respectivamente, o supraconsciente e o
subconsciente coletivos. Os grandes anjos, que cuidam das
províncias cósmicas, respondem ao chamado de um Sahaja
Yogi, quando este os invoca com a utilização de um mantra
autorizado. Shri Mataji comenta: “É algo muito fantástico e
difícil de se acreditar. No entanto, isso é verdadeiro”.
Repetidas vezes, pudemos, efetivamente, limpar os canais ou
A REVELAÇÃO DO COSMO NO MICROCOSMO HUMANO 91

Nadis de nosso próprio sistema, por meio da invocação das


divindades ou forças divinas que garantem a segurança dos
domínios correspondentes no macrossistema do Virata.
Tive plena consciência de que, sem a consciência
perceptiva vibratória, a existência, e sobretudo, a preexistência
do Virata, pareceriam tão irreais quanto às formas platônicas,
que foram consideradas, com justa razão, incognoscíveis por
várias gerações de filósofos. Portanto, um dos objetivos de
Sócrates foi, sem dúvida, o de preparar nossas estruturas
mentais para que pudéssemos reconhecer o modelo primordial.
De um modo geral, os antigos consideram o Virata apenas pela
sua intervenção na História, isto é, o destino todo-poderoso que
abala o orgulho humano (em grego, o hybris, que nas peças de
Ésquilo, Eurípedes e Sófocles, era o grande pecado do orgulho
ou da soberba). Os psicólogos modernos parecem concebê-lo
como o inconsciente coletivo ou universal. Foi desse
Inconsciente, observa C.G. Jung, que a humanidade extraiu seus
deuses e seus demônios, as grandes intuições dos filósofos e dos
sábios, e “todos esses pensamentos superlativamente poderosos
sem os quais o homem cessaria de ser um homem”. É dele que
se originam as imagens primordiais que constituem a base de
nossos sistemas conceituais, a inspiração criadora, o
deslumbramento que sentimos diante do já conhecido, quando,
por um breve instante, a verdade se revela para nós. Quase
sempre as mensagens do Virata nos são comunicadas nos
sonhos ou mediante o encaminhamento de eventos sugestivos.
Todavia, como Eric Fromm observa, o homem moderno está
deixando escapar, facilmente, esse imperceptível fio de Ariadne,
porque ao reprimir sua voz interior, está perdendo a capacidade
de discernir o bem do mal e o verdadeiro do falso. Está
perdendo o contato com o Virata, que é a atenção onipresente, a
consciência onisciente, o conhecedor e criador da Verdade;
porque ocorrerá aquilo em que pensar. “Disse Deus: faça-se a
luz; e fez-se a luz.” (Gênese, 1.3).
92 O ADVENTO

Toda a estrutura do Virata se ordena em torno de seu


principal canal de energia, o Adi Sushumna, que representa a
senda do ‘vir a ser’ da criação, o caminho da evolução. Quando
a Kundalini primordial, isto é, a energia residual do Espírito
Santo, avança ao longo desse caminho, cruza um dos Adi
Chakras, ativando, assim, a divindade desse Chakra e
deflagrando uma nova etapa evolutiva. Por exemplo, entre a
abertura do Adi Vishuddhi Chakra e do Adi Agnya Chakra, é
preciso computar o período que separa as encarnações de Shri
Krishna e a de Cristo, ou seja, algo em torno de 4.000 anos.
A relação entre o Virata e a evolução das espécies
desenvolve-se de duas maneiras principais. Preliminarmente,
certas divindades podem decidir ter um nascimento humano
(encarnação Divina ou avatar), a fim de guiar ativamente a
humanidade. Em conseqüência, a estrutura cósmica original do
Virata é inteiramente representada no nível microcósmico, vale
dizer, em cada um de nós, como o instrumento interior de nossa
perfectibilidade. Em outras palavras, a Auto-realização
representa o despertar do Virata em nós. No corpo de um ser
realizado, os Chakras representam as projeções dos centros
primordiais do Virata. As divindades controlam esses Adi
Chakras e irradiam a energia divina. Shri Mataji observa que,
após a Auto-realização, o computador microcósmico humano
fica conectado com a programação cósmica, e os dados
começam a fluir em nosso sistema nervoso, a fim de ser
percebidos sob a forma de vibrações. De fato, o temperamento,
a saúde, a estrutura da personalidade e o destino de cada ser
humano dependem do tipo de relacionamento que existe entre
seu instrumento espiritual e o arquétipo cósmico. Todavia, antes
de nossa Auto-realização, não percebemos isso e passamos,
simplesmente, por diferentes estados mentais e achaques
nervosos, sem sequer compreender como e por que razão eles
acontecem.
A REVELAÇÃO DO COSMO NO MICROCOSMO HUMANO 93

É precisamente porque o impacto dessa estrutura


cósmica sobre nossa vida cotidiana é tão importante, que
tentaremos representá-la aqui. O gráfico da figura 6 é uma
projeção antropomórfica. É evidente que o Virata transcende
nossas dimensões, porquanto ele existe num estado de energia-
consciência que não podemos conceber. Não obstante, a
consciência faz experimentos e, certamente, o objetivo do Virata
é conduzir-nos ao caminho da consciência. Na época em que
Shri Krishna se mostrou como Virata a Arjuna, as encarnações
do sexto e sétimo Chakras, Cristo e Shri Kalki, não haviam
ainda se manifestado como encarnações divinas, com uma
expressão personificada. Até o momento presente, Shri Kalki
ainda não se manifestou. A unidade e a continuidade do cosmo,
intuídas por Bergson, são ratificadas pelas sucessivas fases de
manifestação do Virata.
Em suma, antes de criar o universo material no qual
vivemos, a energia divina primordial criou o corpo cósmico do
Virata, que integra e manifesta os diversos aspectos do
Altíssimo. Esse arquétipo dirige, no plano cósmico, a evolução
universal e controla, no plano microcósmico do ser humano,
nosso desenvolvimento interior.
As mitologias, as religiões, a filosofia, a psicologia e
mesmo as ciências exatas são as diversas avenidas, através das
quais o buscador humano estuda os diferentes níveis de
manifestações do Virata, com o objetivo de compor um
panorama global, tão completo quanto possível. Todavia, no
passado, cada civilização ou cultura tendia a concentrar sua
atenção e sua devoção numa característica específica do Virata,
negligenciando os demais aspectos. Apenas agora, nesse
momento histórico que temos o privilégio de vivenciar, tornou-
se possível para a humanidade ter acesso à completa morfologia
do Ser divino primordial, com o quadro completo do Senhor
Supremo da Revelação, o Virata. Um resumo dos Chakras, suas
divindades e atributos do Virata são apresentados no quadro 2.
94 O ADVENTO

FIGURA 6 : A ESTRUTURA CÓSMICA DO VIRATA

NOTA: o vazio do Bhava Ságara é o oceano de ilusão.


É o estado de consciência da raça humana que não é,
espontaneamente, aberto ao Divino. Estamos, assim, alojados no
estômago do VIRATA, nesse órgão que seleciona aquilo que
deve ser assimilado para a manutenção do organismo cósmico,
bem como aquilo que deve ser alijado para as regiões infernais.
A divindade que controla esse espaço é Shri Adi Guru
Dattatreya, o mestre primordial instrutor do darma.
A REVELAÇÃO DO COSMO NO MICROCOSMO HUMANO 95

Chakras do Divindades Atributos de DEUS


VIRATA e o organizadoras da
osso sacro energia divina
7. Sahasrara Espírito Santo e Auto-realização,
Chakra Shri Kalki integração, liberação
6. Agnya Chakra
Centro Senhor Jesus Cristo e Ressurreição, perdão
Virgem Maria indestrutibilidade do
espírito, luz da verdade
Esquerdo Shri Mahavira Não violência em relação
a si mesmo.
Direito Shri Buda Não violência em relação
aos outros
5. Vishuddhi Shri Krishna e Grandeza de Deus,
Chakra Shri Radha coletividade, jogo divino,
diplomacia, consciência
que testemunha tudo
4. Anahata
Chakra
Centro Shri Durga (Jagadamba) Proteção maternal,
confiança, senso de
segurança
Esquerdo Shri Shiva e Existência, alegria,
Shri Parvati destruição
Direito Shri Rama e Shri Sita Comportamento humano
ideal, proteção paternal
3. Manipura ou Shri Vishnu e Evolução, darma, bem-
Nabhi Chakra Shri Lakshmi estar
2. Swadishthan Shri Brahmadeva e Criatividade, estética
Chakra Shri Saraswati
1. Muladhara Shri Ganesha Inocência, infância,
Chakra sabedoria, intolerância
com o mal
Muladhar (osso Shri Gauri Kundalini,
sacro, cóccix) Pureza virginal
96 O ADVENTO

OS CANAIS

Os canais de energia Ida, Pingala e Sushumna


representam no corpo do Virata os modos principais de atuação
da Mãe divina (Adi Shakti). Eles correspondem aos modos ou
humores do Virata, aos quais a cosmologia hindu se refere como
sendo as três Gunas ou qualidades.
1. O Ida Nadi do Virata (Tamo Guna, modo passivo) é
controlado pelo aspecto Mahakali da Mãe divina, que é o poder
de existência.
2. O Pingala Nadi do Virata (Rajo Guna, modo ativo) é
controlado pelo aspecto Mahasaraswati da Mãe divina, que é o
poder criativo.
3. O Sushumna Nadi do Virata (Sattwa Guna, a
revelação pela evolução) é controlado por esse aspecto da Mãe
divina que é Mahalakshmi, o poder evolutivo.
Sob a ótica do entendimento humano, pode-se, muito
superficialmente, identificar as três Gunas da forma que se verá
abaixo. Contudo, se alguém quiser aprofundar seu conhecimento
a respeito das Gunas, deve consultar os vários Upanishads, bem
como o Bhagavad Gita, capítulos 13, 14, 17 e 18.
- O campo de Mahakali, Tamo Guna, representa o
poder de existência que impregna o cosmo inteiro, no núcleo de
cada átomo, as vibrações eletromagnéticas na matéria, a força
vital nas plantas, animais e também no homem; neste último, ela
controla, particularmente, o ser emocional e determina a força
de seus desejos. Ela pode ser identificada com a tese da dialética
hegeliana, com o Yin dos taoístas, com a natureza que se opõe à
cultura, etc. A Tamo Guna está subjacente na arquitetura
barroca, na literatura romântica, na poesia e na música. Os
temperamentos que se encaminham para Deus, mediante a
sublimação desse campo, são considerados como seguidores da
Bhakti Yoga, a Yoga da devoção. O aspecto ‘negativo’ da Tamo
Guna é a força da inércia.
A REVELAÇÃO DO COSMO NO MICROCOSMO HUMANO 97

- O campo de Mahasaraswati, Rajo Guna, representa


o modo ou humor do Virata que engendra as essências causais,
os elementos, as massas de matéria, as constelações e,
finalmente, nosso sistema solar. Esse campo foi concebido como
o Yang taoísta, a antítese da dialética hegeliana, e se expressa
como cultura e civilização em contraposição à natureza bruta. O
aspecto ‘clássico’, ordenado e cerebral da sensibilidade estética
ocidental está ligado a ela. O homem maximizou esse campo
pela sua racionalidade, o direito, a organização social, a
filosofia, a ciência e a tecnologia. Os temperamentos que tentam
alcançar Deus pela sublimação desse campo são tidos como
seguidores da Karma Yoga, a Yoga da ação. O aspecto
“negativo” da Rajo Guna está na agitação desordenada e na
agressividade.
- O campo de Mahalakshmi, Sattwa Guna, é a
dimensão na qual o Virata fixou o objetivo de se revelar,
paulatinamente, ao cosmo, determinando a evolução universal e
enviando as encarnações para orientá-la pelo caminho do meio.
É, portanto, o modo do equilíbrio, da integração e da revelação,
acima das oscilações entre a Rajo e a Tamo Gunas. O homem
percebeu esse terceiro tempo, na harmonia ternária, na síntese
da dialética hegeliana, e a expressou nas obras primas rítmicas,
que são, por exemplo, a pirâmide de Quéops, o Partenon ou o
Taj Mahal. Cada manifestação de perfeição nas artes, na
filosofia, etc., se vincula à Sattwa Guna. A Jnana Yoga, a ioga
da consciência, leva nossa atenção para o Sushumna Nadi, o
qual expressa a dimensão da Sattwa Guna em cada um de nós.
A Sahaja Yoga é a suprema ioga da integração (Maha
Yoga), que engloba os diferentes caminhos de busca da união
com Deus (ioga), uma vez que desperta o poder da energia
residual divina (Kundalini) no homem.
É claro que a Tamo Guna e a Rajo Guna subentendem
uma infinidade de binômios, como o frio e o calor, o sombrio e o
claro, o feminino e o masculino, a emoção e o pensamento, o
98 O ADVENTO

coração e o cérebro. Todavia, o frio pode tornar-se quente, o


quente pode ser esfriado, o dia sucede à noite. Os opostos
dançam, se juntam e se separam. Equilibram-se, muitas vezes,
numa efêmera unidade. O jogo dos opostos, dos contrários,
sempre foi objeto da curiosidade humana. Ele foi imobilizado na
estátua de pedra de Shiva andrógino no templo da Ilha de
Elefanta (Bombaim), construído no oitavo século d. C.. Ele
impregnou os grandes textos da sabedoria chinesa (Tao Te King,
Kunag Tzu, I Ching) e condicionou o surgimento das seitas
budistas: Mahayana e Zen. Nesse século, seus traços podem ser
vistos na complementaridade entre as descrições da matéria em
termos de ondas e partículas, que foi revelada pelas pesquisas de
W. Heisenberg, Niels Bohr e na relação entre matéria e energia
na teoria da relatividade de Albert Einstein. De fato, o mundo tal
como é retratado pela física moderna se assemelha, cada vez
mais, ao mundo retratado pela cosmologia oriental das Gunas.
O livro “O tao da física” de F. Capra mostra essas analogias,
sendo que o subtítulo desse livro pode ser traduzido como “uma
exploração do paralelismo entre a física moderna e o
misticismo oriental”. Mesmo porque, a exploração dos mundos
atômico e subatômico expõe, além das três dimensões, “o fluxo
constante da transformação e da mudança” tão estimado por
Heráclito.
Nossos pensadores procuraram isolar os momentos desse
vir a ser eterno que refletem a circulação da energia entre os três
canais principais do Virata. Porque é ele, e somente ele, que traz
o movimento para as coisas. Por meio do Adi Ida Nadi, onde
reina Shri Shiva, ele deseja. Pelo Adi Pingala Nadi, o reino de
Shri Brahma, ele cria. Por intermédio do Adi Sushumna Nadi,
onde Shri Vishnu reina, ele promove a evolução. Com base nos
hinos mitológicos dos Vedas até o ‘par de opostos’
desenvolvido pela filosofia da História de Spengler, quase todas
as civilizações tenderam a identificar os extremos da
bipolaridade cósmica, isto é, Adi Ida Nadi e Adi Pingala Nadi.
A REVELAÇÃO DO COSMO NO MICROCOSMO HUMANO 99

Nesse sentido, deve-se ver, por exemplo, O. Spengler,


Der Utergang des Abendlandes. Os historiadores, tais como
Spengler, Burckhardt e Toynbee, estudaram a História da
cultura e dos ciclos das civilizações, a fim de descobrir uma
estrutura inteligível que, em última análise, refletiria a atuação
das três Gunas. Quando, por exemplo, Burkhardt se espantou
ao indagar: “Quem meditou sobre o desaparecimento da
melodia em nossa música ocidental?”, ele constatou o
deslocamento de nossa sensibilidade coletiva para a
racionalidade crescente da Rajo Guna. Spengler identificou nos
dogmas e na arquitetura do Islã as expressões simbólicas da
Tamo Guna. Numerosos pensadores tentaram elucidar,
intuitivamente, essas misteriosas relações entre o cosmo, a
História, a arte e o psiquismo.
A bipolaridade cósmica assumiu nomes diversos, tais
como, Yin e Yang, o dionisíaco e o apolíneo etc. Naturalmente,
ao mesmo tempo, mediante a intuição das interações e tensões
entre esses dois pólos, diversos modelos conceituais
(Weltanschauungen) foram concebidos, tais como, a
impermanência dos fenômenos no mundo budista, ou, mais
familiar a nós, a dialética hegeliana\marxista com seu jogo de
contradições e de identidade. A seqüência é, mais ou menos, a
seguinte: a alternância dos opostos (Ida e Pingala) chega a um
ponto de equilíbrio (Sushumna), que representa uma síntese sutil
e mais elevada ou a base para o próximo estágio evolutivo.
Entretanto, para o homem, é mais difícil perceber este último
que o processo de contradições.
Existem contradições, efetivamente, no plano cósmico
do Virata, entre a Tamo e a Rajo Gunas (sendo essa a razão por
que a mitologia hindu contém histórias de rivalidade simbólica
entre Shiva e Brahma). Essas contradições descobertas pela
ciência também existem no mundo material, assim como no nível
microcósmico do ser humano, entre os dois canais, Ida e
Pingala. Nossas teorias econômicas refletem nossa percepção
100 O ADVENTO

da lei de contradição e de seu mecanismo regulador em nosso


meio ambiente. É a mão invisível da qual fala Adam Smith.
Nossas teorias psicológicas evoluem a partir da percepção da lei
de contradição em nossa psique. Voltaremos a isso mais tarde.
Assim sendo, a estrutura e os mecanismos do Virata se
encontram refletidos, repercutidos no homem. Cada Chakra, no
microcosmo humano, corresponde a:
- um aspecto específico de Deus;
- uma função determinada na evolução física, psíquica e
espiritual do sujeito;
- um grau específico de execução do programa evolutivo
do Virata.

Por outro lado, a tríplice divisão da energia primordial


que regula os três modos de atuação do Virata controla
também, no plano mais grosseiro, as partes de nosso sistema
nervoso autônomo. O sistema nervoso simpático esquerdo é
regulado pelo poder de existência (Tamo Guna). O sistema
nervoso simpático direito é gerido pela atividade do Criador
(Rajo Guna) e o sistema nervoso parassimpático pelo poder
evolutivo (Sattwa Guna). Dessa forma, o conjunto da estrutura
cósmica primordial está projetado em nós, que somos o
microcosmo, à espera de sua Auto-realização.
As divindades estão assentadas nos Adi Chakras do
Virata, de onde administram o cosmo. Os Chakras, no corpo
humano, são os receptores das diversas freqüências de energia
divina emitidas por esses ‘organizadores’ das vibrações divinas.
Todavia, antes de nossa Auto-realização, os reflexos das
divindades em nossos Chakras não aparecem. Os Chakras
receptores não captam as vibrações que lhes são destinadas e o
microcosmo se sente como uma entidade separada do resto do
cosmo. Podemos afirmar que nossas divindades permanecem
adormecidas, até o momento em que a ascensão da Kundalini as
desperta. Portanto, os Chakras desempenham um papel muito
A REVELAÇÃO DO COSMO NO MICROCOSMO HUMANO 101

importante. Eles contêm o código do programa da evolução do


organismo e encaminham as instruções por intermédio do
sistema nervoso.
Lyall Watson, em seu livro The Romeo error, observa:
“As células da região orbital de um embrião de rã podiam
ser transferidas para qualquer parte da região do
estômago, porém ali, elas se punham a produzir um novo
tipo de tecido intestinal e não mais o dos olhos internos.
Existe um sistema coordenador que quer que as células
tenham um papel específico, numa região particular, se
bem que cada uma delas é capaz de fazer não importa o
quê, e fazem aquilo que se espera delas.”

Após a Auto-realização, as divindades são despertadas, a


energia passa de um Chakra a outro, e o conjunto de nosso
sistema de consciência (biológico, endocrinológico, psicológico,
espiritual) é integrado. Simultaneamente a essa integração
interior, a consciência de nossa integração no cosmo permite
que nos situemos em relação ao Virata. Somos células em seu
organismo e cada célula contém o código do organismo inteiro.
Assim, os Chakras e os Nadis são os instrumentos espirituais
(Yantras) que, despertados e controlados por uma técnica
autorizada (Tantra), isolam seu próprio reservatório de energia-
consciência (Mandala) que tece a fibra da atenção realizada
(Boddhi Chitta). Por meio desse quadro, nos é possível tomar
consciência da ubiqüidade do espírito (Paramatman, Brahman)
irradiado pelo coração do Virata e cuja indestrutibilidade Cristo
provou, mediante sua ressurreição e de sua ascensão. Da mesma
forma, compreendemos que somos uma parte integrante do
Todo.
“Brahman é realidade, consciência, infinitude. Aquele que
sabe que Ele está escondido no coração e no firmamento supremo,
realiza todos os desejos na sabedoria de Brahman.”
Tattirya Upanishad
102 O ADVENTO

É, verdadeiramente, essa realidade, repetiam os santos


do passado, que deve ser apreendida para que se possa escapar
da aparência da realidade do mundo fenomênico, a qual os seres
não-realizados tomam por verdadeira. Shankaracharya, em seu
texto ‘Aparokshanubhuti or Self-Realization’, afirma que “da
mesma maneira que a aparição de um fantasma num espaço
vazio, ou um castelo suspenso no ar, ou uma segunda Lua
aparecendo no céu são ilusórios, também é ilusória a
aparência do universo dentro de Brahman”. Quando
percebemos o corpo vibratório de Brahman, os nós górdios da
consciência são cortados. Todos os fragmentos do universo
ocupam seus lugares; o quebra-cabeça toma forma. O mundo
material e o universo psíquico, bem como suas relações com as
diversas províncias espirituais do cosmo, formam os liames de
uma mesma trama e se manifestam numa realidade única. O
mundo é integrado na consciência daqueles que nasceram
novamente e a imagem do eidon (essência) do Virata se revela.
As frases são complexas, porém a experiência é simples.
O homem moderno arvorou-se em juiz severo da
criação, apesar de ignorar as correspondências secretas entre
Deus e sua criação, que inscrevem, como numa filigrana, o
desenho de sua semelhança. Van Gogh nos diz que “esse mundo
é um projeto de Deus que não deu certo. Um mundo onde a
esperança bate contra o teto como um morcego”, conforme
descreve Baudelaire, em seu poema que tem um título sugestivo:
‘Spleen’ (que significa ‘baço’ e também ‘mau humor’). Ele não
sabia que os morcegos dispõem de uma espécie de radar, e que a
esperança de uma Nova Consciência permaneceu viva desde
Sócrates, por várias gerações de buscadores. Shri Mataji diz: “O
homem está sufocado dentro de um casulo conceitual que ele
mesmo criou”.
A. Camus, em seu livro “O homem revoltado”, registra
que “o homem não percebe as questões reais e pensa
A REVELAÇÃO DO COSMO NO MICROCOSMO HUMANO 103

encontrar-se na revolta”. Com um orgulho vazio, ele se prende


nesse absurdo de sua própria lavra, que acredita ser a natureza
essencial da existência.
J. Monod, em ensaio sobre a biologia moderna que se
chama “O acaso e a necessidade”, observa:
“É preciso que o homem acorde finalmente de seu sonho
milenar fim de descobrir sua total solidão, sua alienação
radical. Ele sabe agora que, como um cigano, está à
margem do universo onde deve viver. Um universo surdo à
sua música, indiferente às suas esperanças, bem como aos
seus sofrimentos ou aos seus crimes.”

Após a Auto-realização, os reflexos das divindades


primordiais aparecem em nossos Chakras. A Kundalini trabalha
para aperfeiçoar a fidelidade dessas imagens, ou mais
abstratamente, ela atua no sentido de aumentar a ressonância
vibratória entre os Adi Chakras do Virata cósmico e os
respectivos Chakras de nosso corpo.
A hipótese da relação entre o sistema nervoso do
indivíduo e a estrutura cósmica do Virata encontra sua
confirmação somente após a Auto-realização. Assim, podemos
perceber, por exemplo, que os diferentes Chakras reagem à
recitação dos mantras de suas divindades controladoras. Um
hindu fanático que rejeita o Profeta Maomé terá sua Kundalini
bloqueada na altura do Void, que é controlado pelo mestre
primordial do qual o Profeta Maomé foi uma das encarnações.
Pronunciando-se o mantra adequado que proclama a identidade
entre o mestre primordial Maomé e a energia primordial divina,
o obstáculo se desmantela e a Kundalini prossegue em sua
ascensão.
Assim, o despertar da Kundalini prova que o homem,
longe de estar à margem ou solitário está, na verdade, conectado
às grandes fontes da energia divina e com os diferentes aspectos
de Deus Todo-poderoso. Isso prova também a unidade absoluta
104 O ADVENTO

das grandes religiões do mundo. Por exemplo, um cristão terá


que reconhecer Shri Krishna, para que sua Kundalini possa
passar além de seu Vishuddhi Chakra. A Kundalini de um hindu
ortodoxo que rejeitar Jesus Cristo se recusará a cruzar seu
Agnya Chakra. Lembro-me de um caso semelhante a esse
ocorrido num subúrbio de Madras (hoje, Chennai), Índia, onde
um hindu muito erudito estava prostrado diante de Shri Mataji.
Sua Kundalini estava bloqueada em seu Agnya Chakra,
malgrado as vibrações muito intensas que eram irradiadas por
Shri Mataji. Disse-lhe: “Você deve reconhecer a divindade de
Cristo”. Respondeu: “Reconheço Cristo como um grande
santo”. Contudo, isso não foi suficiente: pelo fato de se recusar
a reconhecer Cristo como uma encarnação divina, sua Kundalini
se negava a ultrapassar seu Agnya Chakra. Shri Mataji
aconselhou-o a ler a Bíblia e a se preparar, para voltar
novamente com uma nova atitude.
A ascensão da Kundalini de uma pessoa pode ser
acompanhada por outros Sahaja Yogis que estejam presentes,
desde que estes estejam em ‘estado de consciência coletiva’ e
sejam capazes de identificar aquilo que está ocorrendo no
interior da pessoa, na qual concentram sua atenção. Graças à
consciência perceptiva vibratória, todos podem sentir, por
intermédio de suas mãos ou de seu corpo, qual o Chakra que
está bloqueado, mediante uma sensação de calor, uma pressão
localizada, ou uma dor ligeira. Se, por exemplo, o Vishuddhi
Chakra do aspirante estiver bloqueado e se todos canalizarem
sua energia para esse Chakra, quase sempre, poderão limpá-lo.
Isso pode ser feito, por exemplo, pela veneração da divindade
correspondente a esse Chakra. Em Nova Delhi, nosso pequeno
grupo trabalhava num homem idoso, cujo Agnya estava
bloqueado. Estávamos sentindo uma grande tensão em nossas
frontes. Shri Mataji me pediu que rezasse o pai-nosso, algo que
fiz com grande emoção. Imediatamente, a tensão em nossas
frontes se dissolveu, e logo em seguida, senti as vibrações
A REVELAÇÃO DO COSMO NO MICROCOSMO HUMANO 105

frescas virem do homem. Isso prova que sua Kundalini havia


alcançado o Sahasrara Chakra. No mesmo instante, o homem
idoso começou a sentir a Graça fluir nele. Shri Mataji comentou:
“O pai-nosso é, por excelência, o mantra do Agnya Chakra e
somente após a Auto-realização é que ele se torna tão eficaz”.
Jamais havia me sentido tão ‘cristão’ como naquela noite. As
mornas missas de minha infância me pareceram uma aberração,
ou seja, a negação daquilo que pretendiam celebrar. Hoje em
dia, é verdade, tentam animar as missas com guitarras elétricas
ou com pantomimas ditas carismáticas.
As religiões mundiais são canais de comunicação por
meio dos quais as divindades (que estão nos Chakras do Virata)
podem transmitir suas instruções para a humanidade. A
unicidade dessas divindades é total e se expressa na forma
cósmica do Virata. As mensagens das divindades formam as
partes de um arcabouço místico de conhecimento espiritual,
reveladas por Deus com o passar das eras, a fim de guiar a
humanidade em sua grande peregrinação.
No entanto, hoje em dia, ainda que o tempo da
integração tenha chegado, esse corpo espiritual tem sido
desmembrado pelo fanatismo. Repetidas vezes, como abutres, os
aiatolás, bonzos, lamas, papas e brâmanes lutam pelos restos
mortais, pelas religiões esparsas, cada uma delas reivindicando o
corpo inteiro. O fanatismo cristão nasceu com Paulo, que estava
muito mais preocupado em combater o Império Romano, que
nascer novamente do espírito.
Fora da Igreja, não há salvação! O Islã é o único
caminho! Maomé e Cristo voltam-se contra o fanatismo
daqueles que pretendem segui-los. “Vós me chamareis Cristo,
Cristo, e não vos reconhecerei”. Essas palavras foram
terrivelmente proféticas porque o Agnya Chakra, presidido por
Cristo, se fecha, irremediavelmente, para aquele que usa Cristo
como pretexto, a fim de não reconhecer Shri Mataji. Serão essas
as mesmas pessoas que invocavam Abraão e Moisés para não
106 O ADVENTO

aceitarem Cristo? Da mesma forma, Shri Vishnu impedirá a


passagem da Kundalini, pelo Nabhi Chakra, de um hindu
ortodoxo que não o reconhecer. Os budistas e os jainistas,
perdidos em seus rituais, desenvolverão perturbações em seus
egos e superegos.
As contradições e as posições dogmáticas geradas pelas
deturpações dos textos sagrados chocam-se com o princípio da
universalidade. Não obstante, antes da experiência com a brisa
fresca do Espírito Santo, quem é que pode distinguir o falso do
verdadeiro? Não podíamos sentir nem sequer a presença de
Deus! Somente a manifestação da Kundalini revela - ao
verdadeiro coração de nosso sistema - que todas as encarnações
divinas são diferentes aspectos de um único Ser.
A negação, por parte do aspirante, de qualquer um
desses aspectos desse Ser uno, cria dificuldades para a
integração de seu sistema interior. Isso porque, o Chakra
correspondente à divindade que ele rejeita não se abre (nem o
Chakra relativo a qualquer divindade que ele venera com
exclusão das demais). As pessoas realizadas já acumularam uma
vasta experiência em situações desse tipo.
Já se observou que a Kundalini não cruza o espaço vazio
(Void) que fica entre o nervo vago do sistema nervoso
parassimpático e o plexo solar, se o mestre primordial (Shri Adi
Guru Dattatreya) não for aceito em qualquer uma de suas
encarnações (Raja Janaka, Abraão, Moisés, Zoroastro, Lao
Tse, Confúcio, Sócrates, Maomé, Guru Nanak e Sai Baba de
Shirdi).
Quando nos vinculamos ao programa cósmico por
intermédio da consciência perceptiva vibratória (Chaitanya),
começamos a descobrir e a testar a comunhão viva que existe
entre nós e o Virata. Por exemplo, Shri Ganesha simboliza a
pureza transcendental da divina inocência. Shri Shiva é o Si, a
bênção da existência absoluta. Cristo é a luz cristalina da
Verdade divina. Para o Sahaja Yogi, cada uma dessas
A REVELAÇÃO DO COSMO NO MICROCOSMO HUMANO 107

expressões representa uma qualidade específica da consciência


divina, cujas graças e bênçãos começamos a sentir, a partir da
abertura do Chakra correspondente.
Um poeta escreveu a Shri Mataji, logo depois de ter
obtido sua Auto-realização: “A partir de agora, o sândalo
poderá se deliciar com sua própria fragrância”. Quando
Sócrates leu a sentença gnothi seauton - ‘conhece-te a ti
mesmo’ - na porta do Templo de Apolo, na Ilha de Delfos, ele
se deu conta de que o conhecimento do Si é a chave para o
conhecimento de todo o universo.
Trazemos em nós mesmos a imagem do cosmo, a gestalt
(forma) miniaturizada do Virata, o instrumento interior da
mutação de nossa consciência perceptiva vibratória, verdade
essa anunciada por várias correntes filosóficas. Alcançamos
aquele estado evolutivo, com o qual nos tornamos capazes de
desenvolver essa nova categoria de percepção vibratória que nos
conduz ao reino de Deus.
Seria muito lastimável que os Fredericos e os Voltaires
modernos, bem como os positivistas e aqueles que usam as
descobertas científicas para justificarem suas crenças,
continuassem ignorando esse novo tipo de consciência.
A consciência perceptiva vibratória abre um novo campo
para as investigações empíricas, porém para se extrair o máximo
dela é preciso que desenvolvamos um novo método e uma nova
atitude. Marx afirmou que tudo que havia precedido a revolução
constituía a pré-história, o que não é inteiramente falso.
Todavia, a verdadeira revolução é aquela em que a atenção se
volta para o interior, em busca de nossa identificação com o Si.
A HARPA SAGRADA

CAPÍTULO IV

“Ó amigo! Teu corpo é a tua lira.”


Kabir

“Toca o teu alaúde sem cordas.”


Koan zen-budista

“Para sermos felizes, necessitamos apenas da alma e de


Deus”, afirma o moralista francês Joubert. O problema é que um
não pode ser alcançado sem o outro. Dessa forma, é preciso que
se descubra um mecanismo que conduza nossa atenção até a
alma divina que habita em nós, de modo que essa alma possa nos
levar a Deus. Hoje em dia, os Sahaja Yogis sabem que esse
arcabouço de conhecimentos está vivo dentro de cada um de
nós. Voltemos nossa atenção para o microcosmo humano e
recordemos o que os sábios do passado diziam:
“Esse corpo é uma cidade que não pode ser conquistada. Há
nove portas e há, em todas as partes, Nadis (canais),
através dos quais a energia vital (Prana) age. Porém, o
canal mais importante é o Sushumna que passa pela coluna
vertebral em direção ao cérebro. No sistema nervoso,
encontram-se os plexos que controlam as diversas partes
do corpo, e que são denominados Chakras... Lembrem-se
de que eles se situam, de fato, na coluna vertebral e na
parte superior do cérebro.” (Comentário do primeiro
mantra do Purush Sukta por Shampuraanand)
Rig Vediya Purush Sukta
A HARPA SAGRADA 109

No mesmo sentido, registra-se que o Guru Vashista teria


dito a Shri Rama:
“Existem dois canais muito sutis chamados Ida e Pingala.
Nesse corpo físico, estão colocados à esquerda e à direita,
e a pessoa não tem consciência de sua existência. Esse
mecanismo contém também três pares de lótus (Chakras)
que estão superpostos num fio. O Prana opera por meio de
todos eles.”

Cerca de oito mil anos depois dessa discussão, numa


segunda-feira como outra qualquer, no Caxton Hall, Londres,
Shri Mataji entrou com seu passo poderoso na sala, onde a
platéia a esperava numa atmosfera de recolhimento. Havia um
grande diagrama pendurado no palco, que mostrava os Nadis e
os Chakras de um ser humano em meditação. Ela começou a
falar: “Boa-noite. Espero que saibam por que estão aqui.
Espero que saibam o que é que estão buscando, porque nessa
noite, muitos, dentre vocês, irão receber sua Auto-realização.
As encarnações que vieram antes de mim nunca tiveram
tamanha sorte em encontrar tantos buscadores do Si, porém
agora o tempo é chegado. Agora tudo está pronto em seu
interior. Verão nesse diagrama três canais, que se chamam Ida,
Pingala e Sushumna”.
Mais uma vez, esse grande milagre da Realização
coletiva irá se produzir sob nossos olhos, provando-se a verdade
das descrições feitas sobre nosso sistema interior de energia-
consciência, em tempos remotos, pelos mestres espirituais.
Olhemos mais de perto esse sistema sutil.
No interior do corpo físico humano encontra-se
embutido um corpo sutil de energia espiritual irrigado por três
canais principais. O Sushumna Nadi, canal central, corresponde
ao sistema nervoso parassimpático (SNP). O Pingala Nadi,
canal solar, corresponde ao sistema nervoso simpático direito
110 O ADVENTO

(SNSD) e termina no ego, o qual recobre o hemisfério esquerdo


do cérebro. O canal esquerdo (Ida Nadi), ou canal lunar,
corresponde ao sistema nervoso simpático esquerdo (SNSE) e
termina no superego, que recobre o hemisfério direito do
cérebro.
O doutor Robert Sperry, do Instituto de Tecnologia da
Califórnia, recebeu, em 1981, o prêmio Nobel de medicina por
ter demonstrado as diferentes funções dos hemisférios do
cérebro. O hemisfério esquerdo é mais ativo e o hemisfério
direito é mais silencioso, embora este último seja mais efetivo de
forma diferente. Essa descoberta apenas confirma os
ensinamentos de Shri Mataji.
Os Chakras são as fontes de energia dentro da coluna
espinhal e dentro do cérebro humano. Manifestam-se,
fisicamente, como plexos nervosos e controlam os órgãos do
corpo, por intermédio do sistema neuro-endocrinológico
correspondente à sua localização no corpo. Eles determinam o
código genético. Controlam, no nível psíquico, os processos
mentais e emocionais. No plano espiritual, controlam os
diferentes aspectos de nossa natureza divina. O primeiro Chakra
(Muladhara) está situado na base da coluna vertebral.
Os plexos e subplexos de nosso corpo físico são em igual
número dos Chakras e pétalas dos Chakras do corpo sutil. O
último Chakra (Sahasrara) é descrito, na poesia tradicional,
como sendo similar às flores de lótus. Existem ainda muitos
outros Chakras, além dos sete principais, os quais não
mencionaremos nessa introdução sumária, assim como inúmeros
outros Nadis que inervam nosso corpo inteiro.
Esse instrumental psicossomático e espiritual, que o Yogi
pode discernir por meio da consciência perceptiva vibratória,
não pode ser percebido pelo bisturi do cirurgião. Sua
manifestação física dá-se por intermédio do sistema nervoso
autônomo, cuja descrição pode ser encontrada em qualquer livro
de fisiologia. Limitar-nos-emos aqui a dizer apenas que ele se
A HARPA SAGRADA 111

divide em duas partes, o sistema nervoso autônomo


parassimpático (SNP), cuja atividade visa a conservar, a
restaurar e a equilibrar a energia e o sistema nervoso simpático
(SNS) cuja atividade é responsável por nossas ações e pelo
dispêndio de nossa energia, sendo particularmente ativo em
situações de emergência. A porção simpática de nosso sistema
nervoso autônomo (SNA) localiza-se na região torácico-lombar
do corpo, enquanto que a porção parassimpática está
eminentemente associada ao eixo sacro-craniano do corpo
humano. A neuro-endocrinologia do cérebro pode ser usada
para interpretar, até certo ponto, a relação existente entre esse
sistema e a atividade da psique.
A posição dos Chakras, no corpo sutil, corresponde à
localização, no corpo físico, de importantes produtores de
hormônios (a hipófise, a tireóide, o timo, as glândulas supra-
renais, os ovários, os testículos, etc.). A medicina ocidental nega
qualquer função fisiológica aos Chakras, porque, até hoje, não
conseguiu identificar nenhum sistema circulatório, nervoso ou
linfático que reunisse esses pontos entre si.
No entanto, a Sahaja Yoga nos ensina que os canais Ida,
Pingala e Sushumna interligam, de fato, esses centros e que
cada canal é composto por tantos ‘tubos’ concêntricos
(embutidos uns nos outros), quantos são os Chakras. Cada
Chakra dispõe de seu tubo específico no Nadi (canal). As
técnicas de cura da Sahaja Yoga agem por meio desses circuitos
integrados, e elas exercem um impacto regulador sobre o
sistema endócrino, bem como sobre o processo que ele controla.
De fato, tudo isso não é novidade. A medicina indiana
chamada Ayurvédica (essa denominação deriva do fato de ela ter
sido compilada nos Vedas, em torno de 1.500 a. C.) era exercida
com base nesse sistema. O organismo humano tem a mesma
estrutura básica do macrocosmo. Ele é constituído pelos
mesmos elementos: terra (Muladhara), fogo (Swadishthana), a
água (Manipura), ar (Anahata) e éter (Vishuddhi), os quais a
112 O ADVENTO

Sahaja Yoga identificou como tendo correspondência com os


Chakras indicados entre parênteses. No corpo humano, o
esqueleto, os músculos e todas as partes relativamente duras
originam-se do elemento terra. Todos os líquidos que circulam
nele se originam do elemento água. O calor do corpo, a
capacidade de digerir os alimentos e a bílis vêm do fogo. Todos
os processos e movimentos do corpo são estimulados pela força
vital derivada do elemento ar. Há vários órgãos, como aqueles
vinculados à percepção, que correspondem ao elemento éter.
A boa saúde decorre de um bom equilíbrio entre esses
elementos e, particularmente, entre os gases (ar), a bílis (fogo) e
os humores (água). Um sistema de diagnóstico empírico, que
examinasse as condições gerais de saúde de um paciente,
poderia ser desenvolvido com base no conhecimento das
correspondências entre Chakras, elementos, planetas e
propriedades específicas. Entretanto, Hipócrates nem o pajé da
tribo dos índios Comanches e nem sequer o médico-psicólogo
Ayurvédico puderam captar, claramente, em seu conjunto, o que
foi revelado pela ciência da Kundalini, a Kundalini Shastra.
Hoje, os laboratórios farmacêuticos mais avançados
estudam modelos químicos muito complexos de plantas
medicinais, cujos efeitos foram conhecidos pela tradição, na
esperança de desenvolver novos medicamentos sem os
indesejáveis efeitos colaterais. Essas pesquisas são bem-vindas,
porém se inscrevem ainda e sempre na periferia do conjunto de
conhecimentos novos que se abrem para nós pela revelação da
Sahaja Yoga.
Com efeito, as relações com o vir a ser espiritual das
pessoas não são percebidas pela ciência contemporânea, apesar
de os Nadis e os Chakras serem a base energética de nossa
evolução, da qual, mais especificamente, o Sushumna é o
caminho. A ciência não poderá confirmar nem refutar essas
proposições, porque, infelizmente, para nossos sábios cientistas,
o Divino não pode ser confinado dentro de tubos de ensaio. É
A HARPA SAGRADA 113

praticamente impossível realizar um experimento cientificamente


controlado sobre os Chakras, uma vez que estes só reagirão,
adequadamente, caso o protocolo das divindades e o da
Kundalini seja respeitado. Assim sendo, a única maneira de uma
pessoa testar nossa hipótese, acerca dos sistemas nervosos
simpático e parassimpático, é começar a perguntar pela Auto-
realização, e se quiser, recebê-la, posteriormente.
Comentando os trabalhos da medicina psicossomática
nos EUA, Jean Starobinsky, em seu livro “A relação crítica”,
afirma que: “A afirmação fundamental é a necessidade de se
praticar uma medicina ‘holística’ atenta à totalidade dos
fenômenos. É preciso, assim, coordenar os diversos métodos de
diagnóstico e tratamento, situar o fator psicológico em suas
relações com os fatores somáticos, renunciar a procurar uma
causa única para cada afecção”. Todavia, a chave da medicina
holística (a medicina que trata do corpo e da mente, como um
todo) não pode ser uma síntese dos métodos ou de linguagens.
Ela se encontra apenas quando temos acesso ao instrumento que
exerce, em nós, essa função holística. Os Chakras e os Nadis
mantêm a coesão dos sessenta e quatro revestimentos ou corpos
sutis que compõem a totalidade do ser humano. Quem encontrar
a harpa compreenderá sua música.
Shri Mataji Nirmala Devi explica:
“O amor divino onipresente emite um feixe de raios de
consciência que atravessa e ilumina o cérebro. Isso ocorre
quando o feto humano atinge o período de dois ou três
meses, no útero de sua mãe. Tendo o cérebro uma forma de
prisma, esse feixe sofre uma refração e se divide em quatro
canais diferentes, que correspondem aos quatro aspectos
do sistema nervoso.
1. O sistema nervoso parassimpático;
2. O sistema nervoso simpático direito;
3. O sistema nervoso simpático esquerdo;
114 O ADVENTO

4. O sistema nervoso central (nossa ligação


cognitiva com o mundo objetivo, da qual não
falaremos aqui).

O conjunto de raios divinos que desce sobre a fontanela (o


topo da cabeça, chamado de moleira) penetra no centro e
passa diretamente para a medula espinhal, através de um
canal que se chama Sushumna. Essa energia, após deixar
um traço muito fino e filiforme no bulbo raquidiano, vai se
fixar, enrolada sobre si mesma, com, exatamente, três
voltas e meia, no osso triangular que se situa na base da
medula espinhal (Muladhar). Essa energia é chamada de
Kundalini... O sistema nervoso parassimpático é o meio
pelo qual absorvemos a energia.
Tão logo a criança nasce e seu cordão umbilical é cortado,
abre-se uma brecha no Sushumna Nadi, entre o plexo solar
e o nervo vago, do sistema nervoso parassimpático. No
pensamento hindu, esse espaço é chamado de Maya ou
Bhava Ságara (oceano de ilusão) e de Void (vazio) na
terminologia zen-budista. Mais tarde, quando o ego e o
superego inflam como balões e recobrem o cérebro, no
ápice do sistema nervoso simpático direito e esquerdo, a
fontanela se calcifica e nos separamos da força vital do
amor divino onipresente... Então o ser humano se percebe
como um ser separado e é governado pela consciência do
ego, do ‘eu’ (Aham). É por isso que o ser humano não
conhece seu Inconsciente universal, porquanto este foi
cortado pelo seu ego.”

No Aitareya Upanishad, o mestre Shankaracharya


observa que “a consciência de Deus penetra no corpo através
da ‘coroa da cabeça’, onde os cabelos são divididos ao meio,
pelo partido”. Até hoje, as mulheres hindus enfeitam sem saber
por que razão, esse lugar da cabeça, com um pó vermelho.
A HARPA SAGRADA 115

O SISTEMA NERVOSO SIMPÁTICO (SNS)


“Tudo que é humano é relativo, desde que se repouse sobre
os contrastes interiores; porque todos os fenômenos são de natureza
energética.”
Carl Gustav Jung
“Psicologia do inconsciente”

O SNS é o meio pelo qual os homens ainda não-


realizados se programam ou são programados em sua vida
diária, assim como no ciclo transmigratório de seus
renascimentos. É, com efeito, grandemente em função do estado
do SNS que nosso destino é articulado. O canal esquerdo (Ida
Nadi) mobiliza a energia do desejo. O canal direito (Pingala
Nadi) é responsável pela energia da ação (física e mental). Esse
sistema bipolar, que funciona por ação e reação, só pode dar
origem às sínteses relativas, que iniciam os processos de
feedback com suas interações contraditórias, porém auto-
reguladoras. Jean Piaget assevera, em sua obra “Epistemologia
genética”, que: “A auto-regulação parece constituir, ao mesmo
tempo, uma das características mais universais da vida e o
mecanismo mais geral que é comum às reações orgânicas e
cognitivas”. A observação de Piaget confirma a assertiva de
Jung: “A psique é um sistema que se regula autonomamente, e
não haveria equilíbrio nem um sistema auto-regulador, caso
não houvesse forças contrárias capazes de contrabalançá-los”.
Essa menção ao equilíbrio me leva a sugerir que, quando
os movimentos psíquicos que surgem dos dois canais se
equilibram, a pessoa desenvolve uma personalidade equilibrada,
propícia ao despertar do terceiro canal, o canal central
(Sushumna Nadi) – também denominado de caminho do meio -
como prelúdio da Auto-realização.
O SNS esquerdo utiliza a energia do Ida Nadi, o canal
lunar, à esquerda do Sushumna. A rede irrigada por esse canal
controla a vida subconsciente da psique e desemboca no
116 O ADVENTO

superego. Todas as nossas experiências passadas se acumulam


no superego. Quando nossa atenção se liga ao lado esquerdo,
imergimos nas emoções, no passado, na nostalgia e outros
estados afetivos. As perturbações desse canal dão origem a
distúrbios psíquicos e a tensões sobre o superego, as quais
abrem nossa psique a todas as espécies de interferências, desde
os casos psicológicos benignos até aqueles casos extremos de
possessão por espíritos. Os seres com temperamentos arraigados
na Tamo Guna tendem a criar hábitos, a se submeter aos outros
e a se lamentar. São muito condicionados e canalizam sua
agressividade contra si mesmos, submetem-se aos outros e se
conformam com as agressões que lhes são infligidas. Após a
morte, os casos mais demoníacos passam a vagar pelos sete
círculos do inferno que sintetizam o subconsciente coletivo.
Essas almas (Bhuts) depravadas (os budistas as chamam de
preta) podem ali errar, durante algum tempo, contudo sempre
tentam escapar dessas regiões infernais, parasitando a mente de
um ser humano vivo. A confusão entre o sexo e a Auto-
realização, retomada na década de 60, nos deixa particularmente
vulneráveis às armadilhas do subconsciente. Freud devotou, com
exclusividade, sua atenção a essa parte de nossa vida psíquica, a
qual ele expôs nos conceitos de libido, eros (instinto de vida) e
thanatos (instinto de morte).
O SNS direito utiliza a energia do Pingala Nadi, o canal
solar, à direita do Sushumna. Ele nutre a consciência ativa e
desemboca no ego. Quando nossa atenção se volta para o lado
direito, mergulhamos na atividade mental, no planejamento, na
organização e em todas as províncias das atividades mentais
orientadas para o futuro, que constituem o supraconsciente. No
caso de uso excessivo da energia do Pingala Nadi, ocorre uma
sobrecarga na rede, o que explica os sintomas de agitação
mental e esgotamento nervoso que podem perturbar os
intelectuais, os burocratas, tecnocratas e todos aqueles que se
deixam levar pelo fascínio de Kratos, o Poder. Certamente, com
A HARPA SAGRADA 117

isso, o ego se infla e se torna intumescido. Após a morte, os


seres com temperamentos enraizados no Pingala Nadi são
remetidos para as províncias do supraconsciente coletivo. Os
melhores casos, após a morte, podem ir para aqueles lugares que
foram descritos como as regiões celestiais (que são sete ao todo,
conforme Shri Mataji). Todavia, ocorre um impasse. Precisam
ter um nascimento humano para que obtenham a Auto-
realização. Nos casos piores, os temperamentos rajásicos se
tornam personalidades do tipo ‘Gêngis Khan’, ‘Tamerlão’, ou
‘Hitler’, que tentam dominar os outros com os poderes que
adquiriram. Podem ainda, nos casos menos espetaculares, se
tornar ascetas, sacerdotes sexualmente reprimidos ou Hatha
Yogis que galvanizam, à plena carga, todas as suas energias do
lado direito, a fim de assegurar uma espécie de dominação
psíquica em relação aos outros.
Evidentemente, o ego é característico a todas as pessoas
e ele nos cria muitos problemas, mesmo que não tenhamos plena
consciência deles. A psique dominada pelo ego exibe uma forte
tendência a passar dos julgamentos - quase sempre limitados - à
construção de castelos no ar e a direcionar sua agressividade
contra os outros.
Adler resumiu, em sua teoria sobre a busca do poder, os
resultados de suas pesquisas sobre essa parte de nossa psique.
Ademais, Adler e Freud estudaram, cada um a seu modo, o par
de opostos, isto é, os Nadis, detendo-se Adler,
predominantemente, no lado direito (Pingala Nadi) e Freud,
principalmente, no lado esquerdo (Ida Nadi), conforme analisa
Jung, em sua obra supracitada, “Psicologia do inconsciente”:
“Em Adler, a ênfase recai sobre um sujeito que busca colocar-
se em segurança e a dominar os objetos e as coisas, quaisquer
que sejam; em Freud, ao contrário, a ênfase recai,
inteiramente, sobre os objetos que, por causa de suas
propriedades específicas e precisas, são favoráveis ou
desfavoráveis às aspirações hedonísticas do sujeito”.
118 O ADVENTO

A fim de ilustrar as interações dos Nadis Ida e Pingala,


consideremos a seguinte seqüência de eventos. Quando o recém-
nascido é separado de sua mãe, ele vive o trauma da separação,
que fica gravado em seu subconsciente (Ida Nadi). Seu ruidoso
protesto o confirma, nessa nova existência, e proclama seu ego
individual (Pingala Nadi). Tal como um banco de gravações
magnéticas, o subconsciente da criança registra todas as reações
às situações novas e, alimentado pelas informações desse banco,
o ego se afirma cada vez mais. Com o desenvolvimento de suas
atividades, o ego e o superego começam a se inflar, como
balões, nos dois hemisférios do cérebro e a recobrir,
completamente, a membrana da moleira que se calcifica. Essa
calcificação marca a ruptura da conexão com o Inconsciente
universal. Nasce, assim, um novo microcosmo. Assim, o ser
humano, apartado da energia divina sutil, que absorvia pelo topo
do crânio, identifica-se como uma individualidade, um ser
separado do Todo, e sua psique torna-se um campo de tensão
entre o ego e o superego.
Os canais Ida e Pingala podem ser imaginados como
sendo fábricas de operações físicas e psíquicas. A energia usada
que, numa fábrica, é expelida pela chaminé, fica retida no ego e
no superego, os quais, em virtude disso se avolumam. A
abertura do Sahasrara, o batismo, permitirá a evacuação desses
dejetos energéticos.
Com o crescimento do indivíduo, o desenvolvimento de
suas faculdades mentais e criativas infla o ego, enquanto que o
superego acumula o estoque dos condicionamentos cotidianos.
O ego e superego criam uma espécie de filme de ilusão que
impede que nossa atenção se concentre sobre a verdadeira
realidade do Sahasrara Chakra. Apenas a Kundalini é capaz de
perfurar esse casulo de consciência ilusória. Todavia, enquanto
estiver fechado o canal central, Sushumna, a energia do SNS
não pode penetrar no ponto de equilíbrio do Agnya Chakra. A
energia oscila da esquerda para a direita, da direita para a
A HARPA SAGRADA 119

esquerda, num movimento elíptico constante. Vale citar


novamente Jung que, em sua obra “Metamorfoses da alma e
seus símbolos”, esclarece que “todo extremo psicológico
contém secretamente seu contrário e mantém, de certa forma,
uma relação próxima e essencial com ele”.
A energia vai e vem entre os dois pólos, estabilizando-se,
de tempos em tempos, perto do ponto de equilíbrio do
Sushumna. A estabilidade e a maturidade de uma pessoa são
inversamente proporcionais à amplitude dessas oscilações.
Quanto mais se equilibram, mais a personalidade se integra.
Esses movimentos de energia entre os Nadis contrários exercem
uma influência determinante sobre nosso comportamento e
nossa evolução interior. Mui freqüentemente, nos desequilibram
e nos transformam em reféns das Gunas. É por isso que o
tocador de alaúde disse para Siddharta Gautama que somente
se pode encontrar o tom correto quando as cordas do
instrumento não estiverem muito esticadas nem muito frouxas,
conselho esse que ajudou Siddharta a se iluminar, pois se
transformou em Buda. Quando as cordas da harpa se tornam
soltas ou relaxadas (hiperatividade do SNS esquerdo), procuro
contrabalançar esse relaxamento, retesando-as (pela ativação do
SNS direito). Esse processo regula não só o progresso de nossa
vida diária, mas também o ciclo de renascimentos, o que levou
Jung a concluir que a vida psíquica é controlada pela ‘função
reguladora dos contrários’, que Heráclito chamava de sistema
enantiomorfo, tal como uma imagem refletida num espelho.
Tudo isso nos remete de volta às considerações
preliminares a respeito da ecologia cósmica das Gunas, o Yin e o
Yang de Lao Tse, a migração dos elétrons no banho eletrolítico,
e à dialética.
Lenin observa, em relação à obra “Conspectus of Hegel’s
- The science of logic”:
“A dialética é a disciplina que mostra como os contrários
podem ser, em que condições eles se tornam idênticos, e
120 O ADVENTO

como se transformam um no outro - porque o espírito


humano não deve compreender esses contrários como
imutáveis e rígidos, porém muito mais como vivos,
condicionais e mutáveis que se transformam um no outro.”

Por outro lado, Mão Tse Tung (um taoísta que não sabia
que o era), em seu livro intitulado “Sobre as contradições”,
assevera que “constitui um fato verdadeiro que a unidade ou
identidade dos contrários nos objetos não está morta ou rígida,
mas está viva, condicional, móvel, temporária e relativa. Em
dadas condições, cada aspecto contraditório se transforma em
seu contrário”.

O jogo arquetípico entre os Nadis do Virata reverbera,


ao infinito, na matéria, nos modelos conceituais abstratos, bem
como em nosso sistema nervoso.
Como funciona essa auto-regulação no corpo humano?
Quando um dos lados do sistema nervoso simpático for
muito solicitado, em seguida, é seu contrário que será afetado.
Sobre o plano físico, para dar o exemplo de um caso extremo,
digamos que um temperamento dominador muito influenciado
pela Rajo Guna (rajásico), que, de uma maneira geral, tem uma
hiperatividade do Pingala Nadi, será facilmente vítima de uma
crise cardíaca (o coração é controlado pelo Ida Nadi - canal
esquerdo). Enquanto que uma pessoa muito perturbada pela
pressão da Tamo Guna (tamásico) sobre seu canal esquerdo
(Ida Nadi) torna-se oprimida, autodestrutiva e desenvolverá
perturbações mentais (porque a atenção é controlada pelo
Pingala Nadi ou canal direito).
Mas, muito antes de chegar a um estado patológico, o
organismo de uma pessoa saudável terá apresentado sinais de
perigo, quando percebe que o movimento da energia está na
iminência de perder o equilíbrio, isto é, de que o equilíbrio entre
os Nadis não está sendo mantido. Quais são os sintomas disso?
A HARPA SAGRADA 121

Numa pessoa com predominância do lado direito (right-sided


person), os sintomas são, por exemplo, a atividade mental
excessiva, a agitação, a insônia e/ou a náusea. Numa pessoa
orientada pelo lado esquerdo (left-sided person), os sintomas
mais freqüentes são a apatia, o enfado, a ansiedade e/ou a
depressão. Infelizmente, não sabemos decodificar esses sinais,
nem restabelecer o equilíbrio, vale dizer, o ritmo certo do
circuito Ida-Pingala. Com o passar dos anos, pode ser que a
auto-regulação não consiga mais manter a coesão do sistema, o
que pode levar a pessoa a ter problemas com sua saúde física
e/ou psíquica.
Quando a energia psíquica, sob o aspecto de atenção
(Chitta), oscila do extremo do ego ao extremo do superego, o
indivíduo terá de suportar as tensões que resultam dessa
oscilação. Essas tensões podem atingir o ponto de ruptura
(neuroses, psicoses ou depressões) e abrir o sistema para as
entidades perniciosas que estão fora dele. Nos piores casos, se a
energia-consciência estiver muito identificada com um dos dois
canais, o comportamento se tornará exagerado e patológico. Um
indivíduo assim poderá atrair um outro afligido por algo que é
oposto ao que ele sente, ou seja, pelo sadomasoquismo.
A arte da Sattwa Guna é manter, mediante a retidão
moral (darma), o equilíbrio dos movimentos laterais dos Nadis
Ida e Pingala, de tal maneira que a atenção se concentra no
ponto onde as elipses se encontram, como na figura 7 (que pode
ser comparada ao símbolo tibetano do Vajra). Isso porque, é
nessa junção que o Sushumna nos oferece uma alternativa para o
movimento horizontal entre os dois canais (Ida e Pingala),
abrindo a dimensão vertical evolutiva da Sattwa Guna, mediante
a qual a atenção se aprimora e se torna mais refinada. Essa
mestria, buscada pelos sábios de outrora, é extremamente difícil
de ser conquistada. Contudo, ela reúne, evidentemente, as
condições ótimas para o despertar da Kundalini. Muitos de
nossos irmãos mais velhos já tentaram conquistar isso!
122 O ADVENTO

FIGURA 7: O MOVIMENTO DA ATENÇÃO

Gostaria de citar aqui Montaigne (em seu livro


“Ensaios”), que desafiava o ego raciocinador (“estranhamente
pagamos muito caro por esse belo discurso do qual nos
glorificamos”), e zombava do verniz de superficialidade que
envolve o homem (“vai-se mais facilmente atrás da arte, do
que da natureza”). Montaigne nos deixou algumas frases que
resumem, perfeitamente, o temperamento sáttwico: “Não há
nada tão belo e tão legítimo que fazer o bem ao homem de
forma devida”, ou ainda: “É uma perfeição absoluta e de
qualidade divina saber deleitar-se lealmente com seu próprio
Ser”.
Quando a energia não se desvia desse ponto de
equilíbrio, os Chakras não ficam sob estresse. Assim, as pessoas
sáttwicas (que são orientadas pelo canal central, Sushumna, e
portanto pela Sattwa Guna) manifestam em suas vidas um
aspecto de serenidade, de equilíbrio e de harmonia. Nessa
condição, as pessoas simples vivem contentes. Os filósofos e os
buscadores de conhecimento terão uma propensão a receber
intuições oriundas do Inconsciente coletivo, que os conduzirão a
resultados frutíferos em seus campos de pesquisa. Os artistas
passam a expressar em seus trabalhos a estética da Verdade. As
A HARPA SAGRADA 123

vibrações de tais pessoas são frescas e elas recebem a Auto-


realização sem dificuldade, porque o Sushumna oferece uma
passagem livre para a ascensão da Kundalini. As crianças
inocentes e os jovens que gozaram de uma vida familiar feliz
pertencem a essa categoria de pessoas. O parassimpático delas
mantém os dois canais (Ida e Pingala) em equilíbrio. Centradas
no Sushumna, as pessoas sáttwicas demonstram uma maturidade
psíquica, sem que se percam nos circunlóquios cerebrais ou em
paixões melodramáticas que tendem a ser normais hoje. Elas não
se envolvem em jogos mentais ou emocionais, que tecem, de
forma cada vez mais espessa, o véu da ilusão (Maya).
A alma realizada se torna, gradualmente, livre da
influência das três Gunas (inclusive da Sattwa Guna que almeja
a busca do equilíbrio, da felicidade e da sabedoria), porque a
Kundalini integra e transcende as Gunas, quando passa de seu
estado adormecido para seu estado desperto.
Shri Krishna disse: “Quão difícil é penetrar através de
minha Maya, tecida pelas Gunas!” Certamente o que diz é
verdade. É incrivelmente difícil, a não ser que o mestre do jogo
decida intervir e sopre a brisa do Espírito Santo.
Estamos todos de acordo sobre a existência de
contradições nas Gunas Tamas e Rajas do Virata, assim como,
no plano microcósmico, em nosso sistema nervoso simpático
esquerdo e direito. É bom que tenhamos consciência disso.
Contudo, melhor ainda seria que superássemos tudo isso. Será
que as cordas de nossas harpas estão excessivamente esticadas?
Devemos evitar, também, que elas fiquem muito frouxas.
Todavia, o que devemos fazer para afinar, adequadamente, as
cordas? Na linguagem da Sahaja Yoga, a questão pode ser
traduzida da forma seguinte: ‘como estabilizar a oscilação
perpétua da energia entre o SNS esquerdo e direito?’ Ou ainda:
‘como superar o processo de ação-reação que balança nossa
psique entre o ego e o superego, de tal maneira que nossa
atenção possa conectar-se com o Si, com o espírito?’
124 O ADVENTO

A resposta a essa questão não pode ser teológica nem


intelectual, porque ela pressupõe o despertar da energia
potencial do sistema nervoso parassimpático, a Kundalini. A
pessoa não pode despertá-la pelo pensamento nem pela
discussão ou argumentação, ou pelo fato de aderir a um
movimento espiritual. Shri Mataji observa que “ninguém se
transforma num Sahaja Yogi por ter pagado uma subscrição.
Isso é decidido por Deus”. O que devemos fazer? Sem
descobrir o ritmo espontâneo da harmonia em nosso interior,
não poderemos realizar isso dentro da sociedade. Isso é
verdadeiramente o enigma, o antigo dilema que suscitou tantas
dificuldades na busca da realidade pelo homem, ou seja, o limite
além do qual não podemos passar.
Dentro desse limite, somos como peixes, que nadam
dentro de um pequeno aquário de vidro, imerso no meio do
oceano, e, sem cessar, esses peixes lançam-se contra as paredes
do aquário, no afã de penetrar as profundezas verdes do mar. A
consciência do homo sapiens está tão engaiolada pelo ego e pelo
superego, que dá ao ser humano a ilusão de dispor de um
aquário individual.
Vejamos mais de perto o que é que acontece no estado
psíquico padrão de uma pessoa normal. A analogia do aquário é,
de certa forma, decepcionante, porque nossa psique não é um
sistema fechado. É verdade que não estamos conectados com o
oceano do Inconsciente Universal. Todavia, o ego e o superego
estão conectados a outros domínios cósmicos, desconhecidos
pela ciência contemporânea. Os psicólogos usam a palavra
‘inconsciente’, como um termo genérico para designar tudo que
é desconhecido pela mente consciente. Contrastando com isso, a
consciência perceptiva vibratória da Sahaja Yoga nos permite
distinguir as seguintes áreas nesse domínio:
A HARPA SAGRADA 125

a) O Inconsciente Universal (Paramatma), que pode ser


descrito como o cérebro do Virata e do qual só se
pode aproximar na pureza e no silêncio da meditação;
b) O subconsciente coletivo que surge da Tamo Guna do
Virata e influencia o superego do homem;
c) O supraconsciente coletivo que emerge da Rajo Guna
do Virata, e influencia o ego humano.

Uma vez que tenhamos reconhecido o cenário,


descobrimos os atores e seus animadores, qual a peça que está
sendo representada e como podemos fazer sucesso com nossos
papéis. Especifiquei, deliberadamente, os animadores, porque é
muito comum ver atores totalmente dominados pelas sombras
sussurrantes de outras entidades.
Sob a ilusão de ser uma entidade separada do todo, o
indivíduo identifica-se com todos os fenômenos físicos e
psíquicos os quais, em verdade, constituem apenas uma
representação teatral. Ele supõe que tudo que acontece no
interior de seu corpo, quer no nível físico, quer no psíquico, é
uma emanação de seu Ser real, uma expressão autêntica de si
mesmo. A psicologia moderna, ao desenvolver a noção de
condicionamento, tentou destruir esse mito. Ao fazer isso, caiu
no extremo oposto e tem, freqüentemente, descrito o homem em
termos de uma soma global de seus condicionamentos genéticos,
psicológicos, socioculturais e outros. Evitando os dois extremos
de condicionamento e de liberdade psicológica, o buscador que
coloca a questão ‘quem sou eu?’ desembaraça-se, gradualmente,
das falsas identificações: ‘nem isso, nem aquilo’, para chegar
finalmente (é possível ter essa esperança) à resposta: ‘sou
Aquilo (ou o Absoluto)’. Patanjali nos diz em seus “Aforismos”
(11.26) que “A incessante distinção entre o Si e o não-Si
destrói a ignorância”. Por sua vez, o Brihadaranyaka
126 O ADVENTO

Upanishad esclarece que “o Si é descrito como não sendo isso


nem aquilo, ele é incognoscível, uma vez que não pode ser
compreendido”.
Portanto, a questão que permanece é: o que é esse ‘isso’
ou esse ‘aquilo’ que mantemos em nossa mente, mas que não
constituem, em verdade, nós mesmos. Será que podemos nos
desembaraçar disso sem perder nossa integridade? As vidas das
pessoas podem ser influenciadas, seriamente, por movimentos
internos de suas psiques, tais como tensões nervosas, sensação
de desconforto no relacionamento com os outros, frustrações,
aborrecimentos, inseguranças, fobias, etc. De onde vem tudo
isso? Qual é a fonte desses sentimentos, pensamentos e imagens
mentais, que, de tempos em tempos, podem aparecer de forma
indesejável, os quais consideramos como estranhos e passíveis
de rejeição por nossa consciência mais profunda? Arjuna fez a
mesma pergunta: “Por que faço o mal que não quero fazer e
não faço o bem que gostaria de fazer?” Tudo isso não pode ser
explicado pelo efeito dos cromossomos ou pelas relações de
produção. São Francisco de Sales afirmou: “Freqüentemente,
pensamos que nos livramos de nossos antigos inimigos em
relação aos quais celebramos nosso triunfo, e os vemos
retornar novamente de um outro ponto, de onde menos
esperávamos que reaparecessem”.
Assim sendo, algumas vezes, outras entidades coabitam
em nosso interior. Nossa calota craniana e a carapaça de carne
que nos revestem exprimem os limites de nosso ser físico. Se um
objeto físico estranho o penetra, morremos ou nos ferimos.
Porém, nosso invólucro de osso e de carne não tem a capacidade
de rechaçar a intrusão de entidades muito mais sutis que a
matéria. Essas entidades podem entrar, em nosso cérebro, ou em
qualquer outra parte de nosso corpo, sem que tenhamos
consciência disso, porque, antes da Auto-realização, ainda não
temos um poder de atenção, suficientemente agudo, a fim de
isolar, imediatamente, a interferência.
A HARPA SAGRADA 127

Conforme observa Lyall Watson (em seu livro “The


Romeo error”): “As características de um ser desencarnado são tão
diferentes das de um ser vivo que não será possível, sem dúvida,
para este último reconhecê-las”.

Para nossos ancestrais, a morte era simplesmente uma


mudança de estado, como se pode ler em Fustel de Coulanges,
em seu famoso livro “A cidade antiga, estudo sobre o culto, o
direito, as instituições da Grécia e de Roma”:
“Quanto mais longe se recuar na História da raça indo-
européia, da qual as populações gregas e italianas são
ramos, descobre-se que essa raça jamais pensou que, após
essa curta vida, tudo acabaria para o homem. As gerações
mais antigas, muito antes do surgimento dos filósofos,
acreditavam numa segunda existência que vinha depois
dessa.”

A morte cria relações específicas entre o desaparecido e


o mundo dos vivos. Das Antilhas ao Tibete, as descobertas dos
antropólogos confirmaram que a imensa maioria das sociedades
humanas acreditou na possibilidade de que os seres imateriais
pudessem interferir no comportamento e negócios humanos. A
arte de pacificar o espírito dos mortos é o fundamento da maior
parte dos ritos arianos. No entanto, esses seres desencarnados
podem mostrar-se perigosos para a raça humana (Mateus
12.43).
Quaisquer nomes que sejam dados para essas entidades
de interferência psíquica, sejam gênios, fantasmas, espíritos,
almas penadas, espectros, pretas (para os budistas), Bhuts (em
sânscrito), a existência delas, assegurada por todas as nossas
tradições históricas, é confirmada pelas descobertas feitas pela
consciência perceptiva vibratória. Não descreveremos suas
categorias, que vão desde os casos benignos até os demoníacos.
A possessão por espíritos demoníacos foi verificada em todas as
128 O ADVENTO

sociedades antigas. Nossos ancestrais tentaram mil maneiras de


conjurar os espíritos maléficos. Entretanto, a grande dificuldade
para o homo sapiens moderno é demonstrar, cientificamente, a
existência e a atuação desses Bhuts. Sem reconhecer a
ocorrência de seu parasitismo e de seu modo de operar, é fácil
para o ser humano identificar-se com as sugestões dessas
entidades, ou, se resistir a elas, poderá ficar mentalmente
confuso.
Antes da Auto-realização, não podemos nos tornar
conscientes de nossos condicionamentos, porque os
condicionamentos trabalham no subconsciente, vale dizer, numa
parte de nossa psique que fica fora do âmbito da mente
consciente. Se a intrusão se der na mente consciente, sob a
forma de uma cadeia de maus pensamentos, o ego camuflará a
presença do intruso e se gabará de que os pensamentos lhe
pertencem.
Foi assim que, em agosto de 1975, todo esse domínio
emergiu do reino da ficção, e compreendo a dificuldade do leitor
de aceitar os fatos que estou narrando. De fato, antes do
despertar de minha consciência perceptiva vibratória interna,
nunca havia percebido a interferência de Bhuts (doravante usarei
essa expressão em sânscrito que significa ‘espíritos de pessoas
mortas’). Não podia me proteger deles e me contentava em
registrar, passivamente, em minha mente, os traços de sua
presença, vale dizer, me sentia muito mal, com facilidade, perto
de certas pessoas, sem saber a razão disso; atravessava períodos
de intensa depressão ou de agitação febricitante e, às vezes, era
agressivo sem motivo. Sofria muito mais desses humores
mutáveis do que era capaz de compreender o que significavam.
Devemos entender que uma certa categoria de seres
humanos desencarnados, os ‘mortos’ (eles estão no Bardo,
dizem os tibetanos) são, no sentido etimológico, desviados, uma
vez que tentam evitar as áreas do cosmo para a qual estão
destinados a ir. Essas áreas podem ser, com efeito, os sete
A HARPA SAGRADA 129

círculos do inferno. Apegados ao mundo dos vivos devido a uma


trama de desejos insatisfeitos, tentam penetrar no campo da
consciência humana. Pretendem vivenciar, parasiticamente, por
intermédio do sistema nervoso de uma vítima humana, aquelas
sensações das quais foram privados, por causa de seu estado de
simples consciência desprovido de um corpo físico. Tornam-se
parasitas de nossa energia psíquica, da mesma maneira que os
vírus se tornam parasitas de nossa energia física. Menos
destrutivas, outras influências podem vir, simplesmente, de
parentes falecidos que tentam guiar aqueles que eram queridos
por eles, tais como seus filhos menores, que tiveram de
abandonar de forma abrupta. Todavia, quaisquer que sejam suas
intenções, o Bhut acaba por exercer uma ação negativa sobre a
pessoa que ele parasita. A vítima do parasitismo dos Bhuts,
apesar de ter apenas um sistema nervoso, tem de suportar dois,
ou mesmo mais sistemas de consciência. Isso pode provocar o
fenômeno do ‘superaquecimento’ nervoso que leva ao
esgotamento, à depressão, à neurose, à histeria, à epilepsia, ou
mesmo ao câncer. Entre os casos sem gravidade e aqueles que
envolvem possessão, com espuma na boca, apresenta-se toda
uma gama de perturbações mentais. Por isso, Cristo, Buda,
Guru Nanak e muitos outros advertiram, firmemente, a
humanidade sobre os perigos de se deixar envolver pelos
espíritos.
Hoje, alguns institutos de pesquisa com fins militares
estão explorando o domínio da percepção extra-sensorial, na
esperança de encontrar novas fontes de poder. Ao fazerem isso,
estão forçando o sistema nervoso simpático a atingir seu ponto
de ruptura. Isso não é nada sábio. Por essa razão, alguns Sahaja
Yogis enviaram uma carta de advertência ao Embaixador dos
EUA em Londres, sobre alguns aspectos das pesquisas em
parapsicologia, telepatia, hipnose, e outras formas de percepção
extra-sensorial, feitas por vários departamentos da administração
pública ianque. Citarei um trecho dessa carta. “Estamos cientes de
130 O ADVENTO

que o interesse na Percepção Extra-Sensorial (PES) pelo Governo dos


EUA é estimulado pelos progressos relatados na pesquisa parapsicológica
empreendida na União Soviética. Todavia, deve-se enfatizar que esse tipo
de pesquisa inevitável e invariavelmente, de uma forma ou de outra, volta-
se contra seu autor ou contra a pessoa na qual ela é aplicada. O resultado
final é claramente negativo.”

Na verdade, os domínios do supraconsciente coletivo e


do subconsciente coletivo não podem ser conquistados pelo ser
humano. Muito pelo contrário, o reverso é que é verdadeiro, o
ser humano pode ser destruído (mental e fisicamente) pelas
forças que ele tenta controlar nesses domínios. O ataque
coletivo oriundo dos mortos dessas regiões assinala a usurpação
da Terra pelo inferno. As populações infelizes, onde são
praticados o vodu, a magia negra e a feitiçaria, sabem disso
perfeitamente. Desde a magia negra até a parapsicologia,
passando por vários cultos modernos que também estão nesse
caminho, conscientemente ou não, encontramos milhares de
maneiras de enviar convites para o reino dos mortos.
Gostaria de continuar a falar sobre esse tema de uma
outra maneira. O estado psíquico normal (EPN) do homo
sapiens é apenas um dos estados de consciência abertos ao ser
humano. Há certamente outros, que podem ser atestados, tanto
pelos sábios, quanto pelos usuários de LSD. Não podemos
aplicar o princípio lógico da não-contradição à nossa psicologia.
Não podemos afirmar que se o homem está no estado
psicológico A, logo não pode estar no estado psicológico B,
porquanto a psique humana evolui numa geometria
multidimensional do consciente, do subconsciente e do
supraconsciente, na qual o homem pode, ao mesmo tempo, estar
e não estar. Essa topografia psíquica (o domínio das formas
emocionais e mentais) é definida pela atividade do sistema
nervoso simpático. O homem é, ou não é, segundo o grau de
controle que ele pode exercer sobre essas formas. Ele é, quando
a coesão de sua atenção é mantida no presente, ao longo do
A HARPA SAGRADA 131

canal central, Sushumna. Ele não é, quando sua atenção é


dividida entre o ego e o superego, por causa de uma atividade
exagerada do Ida (canal esquerdo, superego) e do Pingala
(canal direito, ego). Mesmo porque, no limite de sua tendência,
os Bhuts podem se infiltrar através das fissuras de uma
consciência desintegrada. Somente entrando na consciência-
silêncio do Sahasrara Chakra é que, com toda agitação
pacificada e com todas as formas abolidas, entro na identidade
do real, a consciência do Si.
Consideremos agora nossa dependência do sistema
nervoso simpático (SNS). No superego, posso ficar perturbado
pelo condicionamento externo, e, portanto, me tornar alienado
de minha real identidade, do Si, da minha Alegria, da
Consciência e da Bem-aventurança. O estado psíquico normal
(EPN) é assim um estado de alienação. Os existencialistas
definem a condição humana, em termos de tal alienação, porque
o homo sapiens não pode evitar agir, principalmente, por meio
do SNS. Isso equivale a dizer que, por intermédio desse sistema,
ninguém pode ser vacinado contra os Bhuts nem pode alcançar a
plenitude do Si. O homo sapiens passa, dessa forma, a maior
parte de seu tempo no estado de alienação, do qual não é
consciente, porque, geralmente, não tem a capacidade sáttwica
de discernimento, que lhe permitiria identificar seus
condicionamentos e destruir as identidades ou identificações
artificiais.
As falsas identificações se revelam de muitas maneiras ao
homem: ‘sou um grande músico, um especialista, um punk, uma
vítima do capitalismo, um Membro da Sociedade Real, um
bispo, etc.’ Ele não tem a capacidade de perceber e romper uma
identidade (ou identificação) que pode estar acompanhada por
um Bhut. Se considerarmos como anormal o fato de que o
homem seja programado pelos fenômenos e mecanismos que
não consegue compreender nem controlar, poderíamos dizer que
o EPN (estado psíquico considerado normal) é, de fato,
132 O ADVENTO

anormal. As causas de todos os sofrimentos humanos devem ser


procuradas nessa anomalia.
A psicanálise moderna se baseia no estudo da psique do
homem moderno, ameaçado como ele é pela hiperatividade do
SNS. Ela tentou identificar seus conteúdos psíquicos, mas
confundiu o subconsciente coletivo com o subconsciente
individual e permitiu que o subconsciente coletivo entrasse no
subconsciente individual. De lá esses conteúdos guiam,
condicionam e perturbam nossa atenção, e podem nos levar à
neurose, podem provocar, em nós, uma divisão esquizofrênica
ou nos superexcitar de forma paranóica.
Entretanto, a psicanálise não pode ir além da
identificação dos sintomas. Ela não possui meios para identificar
o Bhut como o principal fator patogênico. A psicoterapia
clássica apenas mobiliza a parte consciente da psique, a fim de
identificar - e assim exorcizar - as sombras inquietantes do
subconsciente, as imagens e os sentimentos reprimidos. Ela usa
as técnicas da diagnostische Assoziationstudien, o estudo
diagnóstico das associações mentais e a análise dos sonhos que
tendem a descarregar o estado perturbado pela verbalização
(speech analysis). O sujeito tem assim a possibilidade de se
desvencilhar de uma identificação anterior com o Bhut. Ele se
libera pela ação discriminadora de sua psique consciente. Esse
procedimento é, em princípio, correto, todavia, não pode nos
levar muito longe. Mesmo que o sujeito consiga se livrar de uma
falsa identificação, o que é que o impedirá de cair numa outra
identificação errada, que pode ser ainda mais perniciosa que a
primeira? Como é que se fecha a porta através da qual os Bhuts
entram na psique humana?
- As sensações angustiantes e os transbordamentos da
psique não podem ser reduzidos ao foco que os irradia, ou seja,
o Bhut, pois este não é reconhecido como tal. Ele é uma
entidade estranha ao sujeito ou um parasita vulgar que não deve
ser temido, mas expulso.
A HARPA SAGRADA 133

- Pela ativação excessiva do lado direito (consciente), a


psicoterapia, invariavelmente, desenvolve o ego. Por isso, os
psicólogos têm prejudicado seus próprios Agnya Chakras.
- Finalmente e acima de tudo, sem a consciência
perceptiva vibratória, o Bhut não pode ser identificado no
momento de sua invasão. A ciência médica intervém muito
tarde, quando o Bhut já se incrustou, solidamente, na psique e já
causou todas as espécies de perturbações. A psiquiatria é
alertada somente pelos sintomas. Para que o sofrimento fosse
evitado, teria sido preciso uma ação preventiva, ou pelo menos
uma imediata reação à invasão psíquica. Esse é o caso para um
ser realizado. Antes de tudo, um Bhut terá um problema enorme
ao tentar entrar no campo energético (aura) de uma pessoa
realizada. Se, por acaso, ele conseguir entrar, sua presença será
imediatamente detectada por meio de uma sensação física que
segue a trilha de sua passagem e indica o lugar exato no corpo
onde ele se alojou, como, por exemplo, no fígado, na genitália,
numa das têmporas, etc.
O sistema de um Sahaja Yogi se mobiliza,
espontaneamente, para expulsar o intruso. Se isso não for
suficiente, ele dispõe de um grande arsenal de técnicas... É claro
que, sem a abertura dos Chakras ao longo do Sushumna, e
também do espaço psíquico da consciência silenciosa (Vilamba),
falta-nos o terreno firme sobre o qual poderemos projetar nossa
atenção interior, tal como um raio laser, a fim de desalojar o
Bhut. Ao contrário, quando um Bhut entra no sistema, a atenção
da vítima se distancia cada vez mais do Sushumna, e ela pode
realmente sentir uma maior intensidade das sensações físicas e
psíquicas, por intermédio das sensações do Bhut. É assim que,
finalmente, certas pessoas se tornam brutais, bestiais e até
homicidas.
Emile Zola, em seu livro “O animal humano”, relata:
“Desde que deixou o quarto com sua faca, não era mais ele que agia, mas
uma outra pessoa, aquela que ele sentia sempre agitar as profundezas de
134 O ADVENTO

seu ser; esse desconhecido veio de longe, queimando com a sede


hereditária de matar. Ele já havia matado, porém ainda queria matar”.

A confusão entre o parasita e sua vítima é impossível de


ser dissipada, porquanto os dois sistemas estão muito
interligados. Auguste Comte não sabia que estava tão certo,
quando comentou: “Os vivos serão cada vez mais governados
pelos mortos”. Essa é uma das características da Kali Yuga.
Resumamos essa digressão da relação entre os mortos e
o SNS com uma imagem. Nossos corpos (físico, emocional e
mental) são os teatros de uma peça onde atores não autorizados
tentam desempenhar os melhores papéis no palco. Chegam ao
palco por meio da força de minha atenção que eles conseguiram
capturar. Quando afasto a atenção deles, corto o poder que
exercem sobre mim. Assim, eles desaparecem e as falsas
identificações se dissolvem. Para ser rei em meu reino, para ser o
ator principal no teatro de minha vida, tenho de perceber as
coisas sob a ótica do Si. Para superar os Bhuts, é preciso que os
confronte em meu próprio terreno e não os seguir até o deles.
Meu terreno se situa no Si. Mediante a atuação do
parassimpático sobre a atenção, esta pode ampliar-se cada vez
mais. Por via de conseqüência, minha mestria cresce. Quando a
atenção elege como seu objeto o próprio Si, começo a
reconhecer a verdadeira realidade, ou melhor, a realidade
reconhece-se a si mesma. Esse é o reino de Deus. Todavia,
somente a mobilização do poder divino e a abertura do caminho
da liberação do Sushumna podem tornar o indivíduo capaz de
ultrapassar suas próprias fraquezas, de restaurar a integridade de
sua psique e de se tornar unificado a si mesmo. Shri Mataji diz:
“Não devem brigar com os outros, mas com as falsas
identificações que existem em seu interior”. Quando essas
identificações espúrias são abandonadas, os Bhuts não têm mais
espaço psíquico no qual possam sobreviver. São,
automaticamente, expelidos e nunca mais retornam.
A HARPA SAGRADA 135

A maioria dos Bhuts se instala no superego. Todavia, o


ego oferece uma segunda possibilidade para eles se alojem e
desenvolvam tendências demoníacas. O ego resulta da atividade
do Pingala Nadi. Quando essa atividade redunda em sucesso, o
ego intumesce. De certa forma, podemos dizer que ele se deixa
possuir por si mesmo. Nesse estado, a psique não fica em risco
em relação às intrusões do exterior, porém sofre muito mais
pelas distorções das percepções controladas pelo ego. O ego
tem uma espécie de concepção ptolomaica da galáxia psíquica, e
se imagina como o centro do universo. “O papel do ego”, diz
Shri Mataji, “é o de mantê-los fora da realidade”. Já é tempo
de terem isso em mente no Ocidente, porque esse fato tem, de
uma forma geral, escapado da atenção dos psicólogos, que dele
fazem uso. Ademais, vários critérios de comportamento
desenvolvidos em nossa civilização têm como base o ego.
O ‘egotipo’ (neologismo adequado para explicar o tipo
de pessoa dominada pelo ego), usualmente chamado de egoísta,
ególatra, egocêntrico ou egotista, não pode ver as coisas em sua
realidade (das Ding an sich, diria Kant). Isso porque sua
capacidade intelectual, quase sempre notável, não é guiada pela
sabedoria equilibrada da Sattwa Guna. Esse tipo elabora novas
teorias para justificar seus fins. Isso nos leva à origem da
ortodoxia, do fanatismo, do racismo, etc. O ‘egotipo’ não se
interessa pela verdade, se ela não tiver sido criada por ele, vale
dizer, se não for um instrumento útil para atingir seus objetivos.
Assim é que ele distorceu todas as tradições espirituais,
religiosas e morais. Sem verdade, não pode haver retidão
(darma), e é assim que o ego cegante elimina, sem dor, as regras
fundamentais do comportamento moral. É sem nenhum
escrúpulo nem remorso algum, que ele pode tornar-se adúltero
ou cruel. ‘Por que não?’, diz o ego, ‘gosto disso!’ Os ególatras
oprimem seu cônjuge e destroem, assim, a harmonia do lar que é
a fonte da felicidade. Competitivos, cortejam o sucesso, e são,
muitas vezes, os mestres da superficialidade e da camuflagem.
136 O ADVENTO

Ao se mostrarem charmosos ou astutos, ludibriam os outros e


enganam a si mesmos justificando, racionalmente, seus menores
caprichos.
A mente superdesenvolvida controlada pelo ego fica
contente em racionalizar tudo aquilo que acontece. Qualquer
dogma, qualquer comportamento, por mais depravado que ele
seja, pode ser assim legitimado por uma análise impecável.
Quando se chega a esse ponto, a extremidade do ego se junta à
extremidade do superego a fim de produzir o tipo mais
destrutivo de personalidade. Glorificando sua degeneração, o
‘egotipo’ agride e destrói os outros. Ele trilha também o
caminho da autodestruição.
Os indivíduos com seus egos inflados podem ser,
freqüentemente, encontrados no comando dos negócios, da
política, da economia, ou da administração. Com uma arte
perfeita, fingem que aquilo que o ego deles deseja é determinado
pelas exigências do bem comum e zombam deste bem comum
do qual são apenas guardiões. Como utilizam os recursos do
canal solar (lado mental), eles se mostram extremamente
astuciosos e prudentes, cheios de tato, algumas vezes solenes, e
enfeitam sua fachada social, a fim de impressionar, de modo
melhor, aqueles dos quais abusam. Deleitam-se, particularmente,
como fariseus e pontífices eternos, em aparecer como fiadores
dos princípios que eles mesmos traem.
Aos olhos de uma personalidade sáttwica, a inflação do
ego aparece com suas cores verdadeiras como um castelo de
areia, um balão de vaidade. Vale citar La Bruyère
(“Caractères”):
“Estimo que para se dar uma idéia mais precisa da ostentação,
deve-se dizer que existe, no homem, uma paixão por mostrar um bem ou
vantagens que ele não possui. Mostrar-se enfatuado de si, ou ficar,
firmemente, convencido de que se é dotado de muito talento é um acidente
que acontece somente para aquele que não tem nenhum, ou pouco
espírito.”
A HARPA SAGRADA 137

La Rochefoucauld, em “As Máximas” e em “Anedotas e


retratos”, afirma que “a fim de se estabelecer no mundo, faz-se tudo
que é possível para se parecer bem-sucedido. Há imbecilidades bem-
vestidas, assim como idiotas bem trajados”.
Não obstante, o ego de uma pessoa rajásica (na qual
prepondera a Guna Rajas), quando é muito sutil, pode ser tão
invisível quanto eficaz. No plano vibratório, chega a emitir
microondas que captam a atenção das pessoas Tamo Gunis ou
tamásicas (nas quais predomina a Guna Tamas) identificadas
com o pólo oposto, que é o extremo superego. Um clube de
sadomasoquistas forma-se dessa maneira nas cervejarias bávaras
e culmina no aparato nazista. A combinação dos tipos extremos
de ego e de superego pode formar um monstro coletivo. No
entanto, não é preciso ir tão longe a fim de criticar a coletividade
humana. O ‘egotipo’ moderno é capaz de destruir, facilmente, as
leis que mantêm a integridade da família e a coesão social. Ele
planeja e discursa, escreve livros e, sobretudo, faz filmes que
zombam de tudo que é decente, santo e sagrado. A multidão de
superegos acompanha esse movimento degenerado. A atenção
das massas é assim levada mais e mais para longe do caminho
central da evolução.
Aquele cuja atenção se volta, demasiadamente, para o
Pingala Nadi entra no domínio do supraconsciente coletivo.
Pode ser possuído por um Bhut dos assim denominados ‘mestres
invisíveis’, que tentam, por intermédio dele, influenciar o curso
das questões humanas. Isso porque a grande tentação do
supraconsciente é a busca do poder em quaisquer de suas
formas. Ao combinarem seus esforços, o parasita e sua vítima
acabam obtendo algum poder.
Quando Maquiavel liberou seu Príncipe da moralidade,
para que pudesse fazer uma política melhor, ele propôs que o
Príncipe se deixasse guiar pelo senso da virtude. Quando o ego
assume o comando, ele não reconhece limite algum. Os
imperialistas, os exploradores, os colonialistas e os ditadores de
138 O ADVENTO

todos as nuanças sulcaram os caminhos da História como


condutores em estado de embriaguez, tendo tido o cuidado de
manter, no banco de trás, vários volumes de textos que
justificavam suas ações insensatas. Estimulado pelo sucesso que
conseguiu no mundo, o ‘egotipo’ explora e domina os outros,
até que talvez um outro ‘egotipo’ o detenha.
Shri Mataji afirma que “de fato, o ego pode nos
desencaminhar de uma maneira bem mais radical que o
superego, cujos excessos nos fazem sofrer”. O ego apenas faz
com que os outros sofram, pois ele não se importa com os
outros. O diabo, como ego, tem uma latitude total para agir,
pois, nesse caso, ele não cria neuroses e, além disso, conta com
as bênçãos dos psicólogos. Os psicólogos, tendo descoberto que
os sistemas de controle e de tabus sociais criam os
condicionamentos, sugeriram que estes fossem desmantelados.
Ninguém se dá conta de que a inexistência de controles ajuda a
criar os monstros egocêntricos.
Quando os cegos conduzem a sociedade, esta acaba
caindo num buraco, como os cegos de Breughel. Essa
proposição milenar encontra hoje sua expressão mais dramática,
porque a tecnologia centuplicou o poder da ação não iluminada
do ‘egotipo’. As forças maléficas têm assim um poder de
interferência nos assuntos humanos sem precedentes na História.
Esse poder embala a si mesmo. Será isso a grande renovação ou
o crepúsculo? Nas palavras de A. Toynbee, em seu livro “A
humanidade e a Mãe Terra”, o momento atual se revela como
sendo o ato final que se encaminha para o clímax:
“O clímax pode ser a aniquilação da vida pela pilhagem da
biosfera à qual se entregam a perversidade e a demência humanas. Isso é
possível hoje, porque o demônio encarnado no homem está armado com
suficiente poder tecnológico. Alternativamente, o clímax poderia se
transformar na transição de uma primeira era da História humana para
uma segunda ou, mais provavelmente, para uma longa série de eras
futuras... Não podemos prever o futuro, porém podemos perceber que
estamos nos aproximando de uma bifurcação ética, que será decisiva como
A HARPA SAGRADA 139

o foi a bifurcação biológica que aconteceu há vinte ou vinte e cinco


milhões de anos atrás.”

A bifurcação ética que o historiador inglês apresenta


como uma necessidade evolutiva corresponde muito
precisamente à possibilidade para o homem de mobilizar a
energia parassimpática do canal central, o Sushumna Nadi. Essa
é, com efeito, a única possibilidade de superar as imperfeições
de nossa percepção e de nosso modo de atuar, que dependem
somente das atividades dos canais lunar e solar. Essa é a única
abertura para o outro lado do limite. Gradualmente, faz-se sentir
o impacto integrado do parassimpático sobre as Gunas. O
sistema nervoso simpático esquerdo deixa de ser uma fonte de
risco, como ponte entre o subconsciente coletivo e energia
psíquica individual (libido). Esse canal lunar começa a expressar
as qualidades de Mahakali, que é a divindade que controla o Ida
Nadi. A pessoa se conecta com o amor vivo da interdependência
cósmica divina. Por outro lado, o sistema nervoso simpático
direito passa a expressar as qualidades de Mahasaraswati, a
divindade que reina sobre o Pingala Nadi, e com criatividade, a
pessoa começa a afirmar sua identidade divina.
O SISTEMA NERVOSO PARASSIMPÁTICO (SNP)
“É uma árvore estranha que se ergue sem raízes e que
produz seus frutos sem florescer; não tendo ramos nem folhas, ela é
coberta de flores de lótus.”
Kabir
O Sushumna e os Chakras (temas tradicionais da
sabedoria esotérica) são as moradas sutis da energia que
controlam o funcionamento do parassimpático. Este é, de fato, o
‘terminal’, por meio do qual nos comunicamos com o
computador central cósmico, nossa janela para o infinito. O
parassimpático bombeia a energia vital que o sistema nervoso
simpático consome. O parassimpático dilata os Chakras e o
140 O ADVENTO

simpático faz com que os Chakras se contraiam. Quando o


Sushumna se abre diante da ascensão da Kundalini, o SNP põe-
se a captar energia vital (Pranava) com a qual ele recarrega os
Chakras. A partir desse instante, as qualidades sáttwicas da
harmonia começam a manifestar-se. Um ótimo ajustamento é
feito, espontaneamente, em nossa rede energética, nossa saúde
melhora, nossas diversas faculdades (clareza de julgamento,
concentração, descontração, etc.) se aprimoram. Os seres
realizados, nas palavras do mestre taoísta Kuang Tzu, “tornam-
se sábios em sua placidez e reis em suas atividades”. Todavia,
os frutos da árvore da vida somente podem ser degustados por
aquele cuja Kundalini foi despertada por uma personalidade
conhecedora de seu protocolo sagrado. Em sentido contrário, as
tentativas de despertar a Kundalini feitas por Yogis amadores ou
por falsos profetas, sejam elas tentadas por ignorância ou por
perversidade, mostram-se igualmente perigosas, quer no plano
físico, quer no plano espiritual.
Durante sua majestosa ascensão, a Kundalini desperta as
divindades dos Chakras que atravessa e atinge o reino do
Sahasrara, no ápice do crânio. Esse movimento pode acontecer
numa fração de segundo. Não obstante, milhares de Sahaja
Yogis, dos cinco continentes, puderam acompanhar sua
progressão. Pode-se ouvi-la com um estetoscópio. Se a força da
Kundalini não for suficiente para abrir um Chakra que está
bloqueado, pode-se ver sua pulsação a olho nu, no local do
obstáculo, nas costas do aspirante (Sadhaka) prosternado diante
de Shri Mataji. “Por que prosternado?”, alguém poderá
perguntar. Porque o fluxo de Chaitanya (vibrações divinas), que
desperta a Kundalini e ativa o sistema nervoso parassimpático,
corre, generosamente, dos pés de Shri Mataji. Essa é a razão
secreta pela qual ‘os pés de lótus’ das encarnações divinas têm
sido objeto de adoração dos hinos antigos... e do sarcasmo de
alguns leitores ocidentais que não compreenderam muitas coisas.
A HARPA SAGRADA 141

A respeito da veneração dos pés de lótus, pode-se ler em


Shankaracharya, em seu louvor à deusa, constante do
Saundarya Lahari : “Ó Mãe! suplico-Te que coloques Teus Pés, na
plenitude de Tua Graça, sobre minha cabeça. As partes principais dos
Vedas usaram Teus Pés como uma coroa. A água que os lava forma o rio
Ganges que flui do coque do cabelo de Pashupati (Shiva), desembocando
num belo lago que é a refulgência da jóia vermelha da coroa de Hari
(Vishnu)”.

Guardando a cidade santa do Sahasrara, erige-se uma


porta que não pode ser forçada, que é o Agnya Chakra,
controlado por Cristo. Ele foi pintado por Miguel Ângelo com
um grande esplendor no Juízo Final da Capela Sistina. Aqueles
que tentam ali chegar, por meio de outro caminho, que não seja
aquele que passa pelo despertar da Kundalini, são projetados
para fora, ou seja, para ‘onde há lamentações e o rangido de
dentes’. A abertura do terceiro olho não pode ser forçada.
“Esforçai-vos para entrar pela porta estreita, porque, vos digo, que
muitos procurarão entrar e não conseguirão.” Lucas, 13-24
“Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o
caminho que leva à perdição, e muitos são os que entram por ela. Quão
estreita é a porta, e quão apertado o caminho que leva à vida! E que
poucos são os que trilham o caminho que leva à vida!”
Mateus, 7-13,14

Cristo nos coloca aqui em estado de alerta contra a


entrada de nossa atenção nos canais Ida e Pingala que se
cruzam na altura do Agnya Chakra.
A abertura do Agnya corresponde à purificação da
atenção. Quando as folhas da porta se abrem, para usar uma
analogia, elas rechaçam de nosso campo de consciência os
ruídos do ego e do superego. O espaço que se abre assim, entre
duas ondas de pensamento, é o da consciência silenciosa
(Nirvichara Samadhi), a qual, em inglês, Shri Mataji chama de
Thoughtless Awareness (consciência sem pensamentos). Quando
142 O ADVENTO

se penetra mais à frente, mais profundamente no silêncio,


descobre-se a intensidade do reino. Todavia, esse processo de
purificação pode levar anos. Aqueles cuja atividade mental é
incessante ou cuja emotividade é desregrada deverão passar por
uma prova de paciência. Da mesma forma que Cristo nasceu na
manjedoura de um estábulo, assim também Ele se mantém em
nossos pensamentos, em meio àquilo que parece ser, algumas
vezes, uma bela cavalariça! Quantos dentre nós conseguiram
conservar intacta a pureza de sua atenção, nessa época de meios
de comunicação prostituídos, de imagens violentas ou obscenas,
de livros ruins e de flertes de rua? Quantos dentre nós têm ainda
os olhos limpos e puros? Graças aos céus, a Kundalini nos
regenera com uma grande doçura e é, gradativamente, que limpa
as cavernas subconscientes de nosso cérebro, que desmantela a
superestrutura supraconsciente e que, finalmente, restaura para
nós o paraíso de nossa inocência. Isso porque, essa é a qualidade
adorável do Menino-Deus que, sob o aspecto de Shri Ganesha,
protege a castidade da Kundalini adormecida no Muladhar, e
sob o aspecto de Cristo, cuida do protocolo da Kundalini
manifestada no Sahasrara.
A Auto-realização ocorre, exatamente, no momento em
que a Kundalini transpassa a membrana da fontanela no topo da
cabeça. Shri Mataji chama isso de “o batismo pela autoridade
de Deus”. Alguns Sahaja Yogis sentem nascer ondas de graça
no Sahasrara, as quais, em seguida, começam a fluir pelos
canais Ida e Pingala. Outros, simplesmente, vivem a consciência
silenciosa e a percepção física das vibrações que marcam a
integração entre o sistema nervoso central e a consciência
espiritual. O batismo pela autoridade dos homens, quando um
padre molha a cabeça da criança, é um simulacro, ou melhor
uma prefiguração simbólica desse grande evento. Se o padre for
altamente realizado, o recém-nascido pode receber sua Auto-
realização, e o verdadeiro batismo acontece. Porém, quantos são
os padres realizados?
A HARPA SAGRADA 143

A Sahaja Yoga restaura a essência de uma porção de


rituais de diversas religiões, porque ela estabelece uma conexão
entre eles e os fenômenos energéticos que sustentam. O
verdadeiro batismo cristão é nada mais que a intensa experiência
de um segundo nascimento. É também a experiência do Satori
dos mestres zen-budistas. É claro que isso não é aceito por um
clérigo não-realizado que, controlando um ritual desprovido de
sentido, acha que comanda o progresso das almas em direção à
salvação. As sentinelas da fronteira - entre a cidade dos homens
e a cidade de Deus - consolidaram seu comércio com as massas
e coletaram dízimos e pedágios daqueles que passavam. As
idéias dos teólogos tenderam, não sem sucesso, a recuperar as
palavras de Cristo, a fim de assegurar melhor esse controle. Pela
teoria dos sacramentos, substituiu-se a realidade do batismo, por
um arcabouço conceitual que visava a sacralizar o rito e pela
confirmação da autoridade do clérigo sobre os espíritos muito
ingênuos e crédulos. Aqueles que eram menos crédulos e
submissos foram queimados na fogueira pela inquisição católica.
Felizmente, para nós, pobres buscadores da Verdade, essa
possibilidade foi abolida pela História.
Muito além das sugestões, suposições e crenças
desordenadas que se basearam nas interpretações dos zelotes
desviados, a ativação do parassimpático permite-nos entrar na
cidade de Deus, sem necessidade de nenhuma inscrição prévia
ou pagamentos, e também sem freqüentar qualquer curso de
meditação.
Shri Mataji, nesse ponto, é categórica: “Ninguém se
torna Sahaja Yogi por meio do pagamento de uma quantia em
dinheiro. Essa é uma decisão que compete a Deus”.
O Sahasrara, o Chakra real, cidadela de um silêncio que
os budistas chamaram de ‘o Vazio’ (Shunya), é o teatro da
união entre a consciência individual e o Inconsciente Universal
que é a consciência do Virata. O silêncio, o vazio, o
inconsciente são os temas ancestrais da espiritualidade oriental.
144 O ADVENTO

Bodhidharma, o pai do zen-budismo da China, diz acerca do


inconsciente, conforme D. T. Suzuki, em seu livro “Ensaios
sobre o zen-budismo”:
“É como um tambor celestial que, permanecendo imóvel, produz
espontaneamente e sem esforços conscientes toda uma variedade
de sons destinados a ensinar e a disciplinar todos os seres. Ou
ainda, é como a pedra filosofal que realiza todos os desejos e
que, sem esforço consciente de sua parte, cria, espontaneamente,
uma grande variedade de formas. Da mesma maneira, o
inconsciente atua por meio da consciência individual e a faz
compreender a verdadeira natureza do real; ele é a própria
sabedoria, o mestre de corpo triplo, que funciona com absoluta
liberdade... O inconsciente é a verdadeira consciência e a
verdadeira consciência é o inconsciente. Despertemo-nos,
finalmente, para o Inconsciente, em todas as coisas e em todos
os nossos atos – pois ele é o caminho da disciplina, não há
outros caminhos. Damo-nos conta assim de que, quando o
Inconsciente é realizado, nada mais pode nos perturbar.”

Os sons do tambor são as ondas de vibrações. Percebidas


pela psique, algumas dessas vibrações formam imagens
primordiais das quais falam Platão e Hegel. Segundo Jung, elas
povoam o inconsciente coletivo e guiam o destino da
humanidade. Jung tentou, por intermédio de seu método
sintético, seguir os preceitos do mestre chinês. Em seu livro a
“Psicologia do inconsciente”, o psiquiatra suíço afirma que “o
discurso natural que, espontaneamente, concilia os contrários
foi para mim o modelo e a fundamentação de um método que,
em essência, visa a suscitar intencionalmente aquilo que, pela
natureza, se produz de maneira espontânea e inconsciente, e a
integrá-la à consciência”. Entretanto, todas as tentativas feitas
por nosso inconsciente, a fim de se tornar consciente, exigem
esforços conscientes que mobilizam, evidentemente, a energia de
nosso sistema nervoso simpático e assim, ficamos escorregando,
perpetuamente, para fora do estado que pretendemos atingir.
Não! A fim de nos tornarmos conscientes do Inconsciente
A HARPA SAGRADA 145

Universal, é, logicamente, necessário, que nos tornemos


conscientes, em primeiro lugar, de nosso inconsciente individual
que, representado pela Kundalini adormecida, é simplesmente
uma parte do Inconsciente Universal.
Assim sendo, a mobilização do parassimpático, mediante
a ascensão da Kundalini, permite que nossa atenção consciente
mergulhe em nosso inconsciente individual e, em seguida, se una
ao Inconsciente Universal. Daí em diante, tendo penetrado na
verdadeira trama do real, poderemos reconhecê-lo. Entramos
assim em contato com a coisa em si (das Ding an sich, que
Kant, em sua “Crítica da razão pura”, declarou que era
inacessível). Passamos a reconhecer a realidade por uma
percepção direta, e não mais por intermédio de opiniões,
reconstruções ou decalcomanias de nossa atividade mental. Em
outras palavras, a elevação da Kundalini nos faz ultrapassar os
limites que determinam o campo de consciência do homem
racional. Shri Mataji esclarece: “A entrada no Inconsciente
remove a barreira entre a limitada consciência humana e a
realidade”.
A consciência sem pensamentos, Nirvichara Samadhi ou
a consciência-silêncio, é a primeira etapa da trajetória em
direção à união com o Inconsciente. A partir daí, o Sadhaka
(devoto) penetrará mais profundamente e atingirá um estado que
chamaremos de ‘consciência da evidência’ e ao qual Shri Mataji
denomina, em inglês, Doubtless Awareness, a ‘consciência sem
dúvidas’ (que, em sânscrito, é o Nirvikalpa Samadhi). Nesse
estado, a realidade se torna evidente e fica além de quaisquer
dúvidas. Seguem-se outros estágios ainda mais intensos e
profundos de energia-consciência que não posso descrever aqui
com detalhes. Entretanto, apresentam-se, sucintamente, os
seguintes estados de consciência:
1- No momento da Auto-realização: Nirvichara
Samadhi, consciência-silêncio, consciência coletiva;
146 O ADVENTO

2 - Estágio seguinte: Nirvikalpa Samadhi, consciência da


evidência, ‘consciência sem dúvidas’, comunhão com a
consciência coletiva;
3 - Estágio ulterior: a Auto-realização total - domínio
sobre os elementos;
4 - Estágio supremo: a Realização de Deus (atingido por
Buda e Mahavira).
A fusão do ser humano com o Divino ocorre
instantaneamente. A partir do instante da Auto-realização, o
sistema nervoso central torna-se consciente do sistema nervoso
autônomo. O prefixo ‘auto’ (contido na palavra autônomo), no
sentido que lhe dá Shri Mataji, significa o espírito ou o Si (Self,
em inglês e Atman, em sânscrito). O Si ou espírito é uma
centelha do Si ou Espírito de Deus (Paramatma). De forma
direta, a nova sensibilidade espiritual manifesta-se no plano
físico. A brisa fresca do Espírito Santo veicula as mensagens do
Inconsciente. As sensações de leve queimação e/ou de
dormência nas pontas dos dedos começam a se manifestar. O
que é que elas significam? “Alguém que conhece o código tem
de dar a sua chave”, diz Shri Mataji, que declarou ao professor
G. Adler, presidente da Associação dos Psicólogos Junguianos:
“Vim para dar voz ao inconsciente”.
As terapias que tentam mobilizar diferentes fenômenos
energéticos aproximaram-se de um ou de outro aspecto do
sistema. Por exemplo, a acupuntura e a reflexologia
identificaram a rede de Nadis que distribuem a energia do
sistema nervoso simpático (SNS) e operam sobre essa base
limitada. Essas práticas não podem atingir o parassimpático
(SNP), coração do sistema e receptor da energia vital.
Contrapondo-se a isso, a Sahaja Yoga atinge diretamente o
parassimpático, e, por isso, pode curar até mesmo os casos de
câncer, como Shri Mataji proclamou, várias vezes, em público.
O que é exatamente o câncer? A hiperatividade do SNS
(simpático) consegue deslocar um Chakra de seu lugar original,
A HARPA SAGRADA 147

na linha do Sushumna, cortando dessa forma sua conexão com o


SNP (parassimpático). Em conseqüência disso, os Chakras não
podem mais transmitir, por intermédio da rede de Nadis, o
código evolutivo do organismo que mantém a coesão das
células. As células, por sua vez, ficam incapacitadas para
decodificar as instruções que os organizadores da vida (as
divindades) lhes enviam por meio dos Chakras. Apesar disso, os
Chakras continuam a emitir energia. No entanto, com a
inexistência da atividade reguladora do parassimpático (SNP), a
energia se torna destrutiva. Essa energia destrutiva começa a
formar as células cancerosas e a disseminá-las. A ciência dos
Chakras pode extirpar a causa básica do câncer, mediante a
restauração da conexão do Chakra danificado com o Sushumna.
Assim, o impacto da Kundalini sobre o parassimpático
(SNP) permite a nosso sistema vibratório absorver as novas
freqüências do corpo vibratório do Inconsciente, e mesmo
utilizar essas vibrações para fins diversos. Essa capacidade de
operacionalizar os poderes divinos é um dos mais antigos sonhos
da humanidade. Todavia, no passado, o homem, incapaz de
conhecer sua realidade vibratória, tentou se apresentar como
instrumento do Inconsciente, mediante vários mitos políticos.
Aquilo que o Inconsciente deseja passa a ser uma necessidade!
Os mitólogos gregos chamavam-no de Destino implacável;
Santo Agostinho invocava-o como Providência Divina;
querendo obedecer a ele, Godefroy de Bouillon entrou em
Jerusalém e Lenin deflagrou a insurreição de São Petersburgo.
Devemos nos lembrar aqui da concepção hegeliana do herói
(constante de livro do próprio Hegel, “A filosofia da história”).
“Assim se apresentam todos os homens históricos: seus
objetivos peculiares realizam os grandes desígnios que são da
vontade do espírito do Mundo (Weltgeist)”. No entanto, será
que o homem é capaz de discernir os grandes desígnios? Claude
Lévi-Strauss, em seu texto “Introdução à obra de M. Mauss”,
assevera que “o inconsciente é uma forma vazia, mas suas leis
148 O ADVENTO

explicam as possibilidades de fazer com que as coisas se


tornem significativas, ao reduzi-las à sua natureza de sistema
simbólico”.
Vale comentar o jargão dos estruturalistas, ou seja, na
comunicação de um sinal (feito da união de um significante e de
um significado) elaboram-se cadeias simbólicas que estabelecem
a ordem social. Todavia, o problema da adequação entre o
significante e o significado, e portanto o problema da leitura do
sistema simbólico, permanece inteiro. Os sinais e mensagens do
inconsciente são misturados pelos parasitismos que o ego e o
superego criam no receptor. Antes da Auto-realização, não
podemos apreender com segurança a estrutura inconsciente
subjacente às instituições, costumes ou movimentos da História.
É imprescindível dizer que o Inconsciente trabalha de
uma maneira muito diferente no Sahaja Yogi. Não atua,
necessariamente, por intermédio de uma decodificação mental,
sempre suscetível de ser influenciada pelo ego, mas por meio da
ativação espontânea, desprovida de esforço, do potencial
vibratório do Sahaja Yogi, ainda que, de certo modo, obedeça à
determinada cadência rítmica. O Sahaja Yogi deixa de ser
apenas um receptor do Inconsciente e se torna também emissor.
Ele é capaz de fertilizar uma plantação, curar um paciente de sua
doença ou mesmo despertar a Kundalini de outrem.
Um cientista austríaco, H. Mylany desenvolveu, perto de
Viena, um projeto agrícola baseado na Sahaja Yoga. As
colheitas obtidas nos campos irrigados com água ‘vibrada’
foram, consideravelmente, maiores que as colheitas dos campos
vizinhos irrigados com água normal. O doutor Mylany está
agora trabalhando num projeto de conservação de uma floresta
na Bavária, utilizando os métodos da Sahaja Yoga. Shri Mataji
explica que “nosso poder vibratório é, de fato, o poder das
divindades que existem em nosso interior. Foi por meio do
poder delas que os grandes santos do passado operaram tantos
milagres. A fim de mobilizar esses poderes, a pessoa deve
A HARPA SAGRADA 149

conhecer os protocolos dessas divindades, e usá-los com


dignidade”. Quanto mais o Sahaja Yogi progredir em sua
dimensão do Sushumna (o caminho do meio da evolução
espiritual), mais ele afirmará a espontaneidade com a qual
irradiará as vibrações de Chaitanya. Mesmo sem praticar
nenhuma ação visível, ele atuará sobre o meio ambiente. Shri
Mataji enfatiza que “temos de crescer e fazer com que os outros
cresçam com nosso crescimento”. A fim de fazer isso, devemos
permanecer em estado de alerta relativamente às incursões do
SNS (simpático) em nossa atenção, porque o ego tenta,
ardorosamente, reassumir o controle do qual ele foi destituído.
A fundadora da Sahaja Yoga, Shri Mataji, nos coloca de
sobreaviso de forma clara. “Se tentarem ser excepcionais, se
acharem que são superiores na Sahaja Yoga, vocês serão
tomados por uma força centrífuga, que os alijará para fora.
Para permanecerem, no centro da Sahaja Yoga, com a força
centrípeta, mantenham-se conscientes de que fazem parte
integrante de um Todo, e que trabalham em plena harmonia
com os outros”. A ioga atual demanda, evidentemente, uma
emancipação coletiva (de certo modo ‘social’) e não uma
ascensão individualizada para um sétimo céu habitado apenas
por grandes estrelas, como muitos exibicionistas e outros falsos
iogues, em seus Ashrams luxuosos, querem nos fazer crer.
É preciso sublinhar aqui um elemento muito importante.
O homem não pode usar esses fenômenos energéticos para fins
maléficos. Com efeito, a Auto-realização acontece,
espontaneamente, pelo despertar da Kundalini. Essa
mobilização somente é possível quando a pessoa tem uma
propensão a praticar o bem, que mantém o equilíbrio de sua
energia em torno do Sushumna. Um ser humano perverso ou
tirânico é ‘tecnicamente’ incapaz de receber sua Auto-
realização, porque seu sistema interior já está inativo. Além
disso, uma vez que estamos falando do parassimpático (SNP),
qualquer tentativa voluntária ou deliberada de provocar a Auto-
150 O ADVENTO

realização começará necessariamente no simpático (SNS) e lá


permanecerá, forçosamente, de maneira artificial e perigosa. O
segundo nascimento, como o primeiro, pressupõe a dádiva de
vida que vem da mãe. Não viemos ao mundo por causa de
nossas próprias ações. Uma outra criatura nos trouxe. É por isso
que todas as tradições religiosas contêm essas noções de dádiva
da graça divina, a necessidade de se entregar a ela, a
disponibilidade perante o Divino e a capacidade de fazer com
que as coisas aconteçam sem interferência.
Shri Mataji comenta que “é uma grande façanha
compreender que o espírito humano não pode, por si mesmo,
encontrar-se no Real, mas que cabe ao Real mergulhá-lo em
seu oceano de amor”. Essas palavras da Mãe ressoam aquilo
que foi dito por místicos, sábios e clarividentes de todos os
tempos. Kabir, São João da Cruz, Al Ghazzali, Meister
Eckhardt, Gyaneshwara, todos eles proclamaram a vaidade e a
pretensão de se conseguir isso por intermédio do esforço. Vale
registrar a reflexão de Kierkegaard: “É precisamente quando o
mar combina seus esforços com sua força, é que ele não
consegue refletir a imagem do céu. Porém, quando o mar
permanece tranqüilo, profundo e calmo, a imagem do céu se
funde em seu vazio”.
Quando o mar se faz profundo e calmo, a pessoa se
banha no vazio da consciência-silêncio que é a maneira pela qual
o Si percebe-se a si mesmo. Contudo, essa Contemplatio
Mystica (do latim, contemplação mística), que pode se abrir até
alcançar o êxtase, exige que a atenção-energia repouse no
Sushumna, sem se deixar levar pelas solicitações do SNS
(simpático). Manter-se nessa condição é uma das conquistas
mais difíceis. O grande mestre zen-budista, Ringai Gigen, que
morreu em 867, citado no livro “Zen-budismo e psicanálise” de
Erich Fromm, Suzuki e Martino, tornou isso bastante claro:
“Veneráveis senhores, é nesse ponto que os aspirantes devem
concentrar-se com todo o seu coração, porque aqui um
A HARPA SAGRADA 151

sopro de ar não passará. É como uma centelha de luz, ou


como a faísca produzida pelo martelo quando este bate no
aço. Com um piscar de olhos, todo o fenômeno é perdido.
Se o aspirante tiver um olhar ausente, tudo estará perdido.
Tão logo o espírito nele se concentra, ele escapa entre os
dedos; logo que um pensamento surge, ele lhe volta suas
costas.”

Estou sempre me lembrando da frase extraordinária e


inexplicável de Shri Mataji, a qual no entanto foi, uma centena
de vezes, confirmada pela experiência. “Se quiserem aprender
como se tornar o Si, reduzam sua atividade mental. Se
conseguirem fazer isso, a inspiração virá até vocês. Observem,
simplesmente, a minha face e ela os conduzirá ao silêncio”.
No passado, antes que as graças muito especiais de Shri
Mataji Nirmala Devi se materializassem na Sahaja Yoga, apenas
alguns indivíduos alcançaram a Auto-realização. Aqueles que o
fizeram, como os vinte e seis mestres zen-budistas, eram seres
humanos extremamente evoluídos que se impulsionaram a si
mesmos para cima, entre os dois canais, Ida e Pingala, como
alpinistas que se apóiam nas duas paredes de uma chaminé a fim
de subir até o topo. Tendo assim ultrapassado o Agnya Chakra,
a graça da Adi Shakti os acolheu no Sahasrara. Será que os
mortais comuns teriam podido segui-los? Será que somos
indiferentes à nossa própria verdade? Porventura, não estamos
buscando a genuína plenitude da sabedoria, da alegria e da paz?
É lamentável que não se possa, em sã consciência, forçar
ninguém a ter paz. Assim o ser humano, no final de seus dias,
não poderá se unir ao infinito, algo a que sempre aspirou.
Porém, hoje em dia, estamos na posição de afirmar que essa
contradição pode ser superada. Nossas observações, nossas
experiências e seus resultados confirmados, repetidas vezes,
demonstraram três fatos principais:
152 O ADVENTO

1. O sistema nervoso parassimpático (SNP) tem o


potencial para ser o agente de transformação da consciência;
2. Esse potencial é concretizado mediante o despertar da
Kundalini que acontece quando o sujeito é bombardeado pelas
vibrações de Chaitanya ;
3. Essas vibrações são emitidas pela presença física
(Darshan) de Shri Mataji ou mesmo na presença de sua
fotografia, a qual, captando o coeficiente de sua imagem,
demonstrou suas inacreditáveis propriedades.

Em outras palavras, ainda que isso possa ser inaceitável


para aqueles que gostariam de acreditar que nasceram por si
mesmos e não pela intermediação de uma mãe, Shri Mataji cria a
ambiência vibratória propícia para que possamos nascer no
espírito. Ela derrama a água da vida acerca da qual Cristo falou
a Nicodemo. Representa o fator catalisador indispensável à
manifestação de nosso próprio poder espiritual, porque o ser
iluminado é também aquele que ilumina. Quando uma vela
queima, não queima com sua própria chama? Entretanto, é
necessário que uma outra vela, já acesa, a acenda. Shri Mataji
sugeriu, muito graciosamente, essa imagem para aqueles cujos
egos gostariam de pensar que o Si manifestou-se por obra e
graça apenas de seus egos!
Falei sobre a vaidade do esforço. Agora, é preciso
invocar a eficácia do desejo. O desejo precede todas as coisas.
Ele nos lança sobre a trajetória que desejamos seguir. O desejo é
o campo de ação de Mahakali. É em resposta ao desejo que
Mahasaraswati cria e Mahalakshmi faz evoluir. O desejo que
Shiva tem de se fazer conhecer permite que Vishnu oriente a
criação de Brahma para a Auto-realização. Da mesma forma, é
imprescindível que canalizemos nosso desejo para a Auto-
realização e paremos de canalizá-lo para coisas fúteis. Isso é
importante, pois a Kundalini vem, em última análise, de Shri
A HARPA SAGRADA 153

Mahakali e a força de sua ascensão depende da intensidade do


desejo de nos transformar no Si.
Estamos vivendo um momento tão privilegiado da
história, que muitos leitores estarão, brevemente, na posição de
verificar a verdade de minhas proposições.

A KUNDALINI (A ENERGIA POTENCIAL DO ESPÍRITO


SANTO)
“Adoro, em meu coração, a deusa Kundalini
Quando ela emerge do Muladhar, sua morada,
Para se elevar até o trono do Sahasrara,
Abrindo um a um os lótus do caminho real do Sushumna.
Sua beleza reveste-se da fulgurância do relâmpago
E de seu corpo flui a ambrosia da Yoga.”
Hino a Bhairawi

“A Kundalini é sua Mãe, aprenda sempre a ficar sob os seus


cuidados. Seja um bom filho e ela zelará por você até o fim.”
Shri Mataji Nirmala Devi

Ao começar esse parágrafo, me senti tomado de uma


grande timidez. Senti-me paralisado. Foram necessários vários
dias, para que decidisse continuar a escrever.
A Sahaja Yoga integra e transcende todas as formas de
meditação, de oração e de outras Yogas, porque ela é a Yoga da
concretização do potencial de energia divina, a Yoga do
despertar da Kundalini. Como falar disso? A força divina do
Espírito Santo, que reside em nosso interior, é a pureza virginal,
consciência vibrante do sagrado, desejo do Integral e do
Absoluto; apenas a isso, o Si aceitará unir-se.
Fui tomado de uma espécie de vertigem, porque me dei
conta, mais uma vez, de que as coisas que estou escrevendo são
completa e incrivelmente verdadeiras. O momento da História
154 O ADVENTO

que está na iminência de surgir... e de se decompor é algo tão


inacreditável que, às vezes, receio, poucas pessoas razoáveis
seriam capazes de vivenciá-lo. Que esse livro possa prepará-las e
ajudá-las a abrir-se para esse momento. Os cientistas que
trabalham na fronteira do que é infinitamente grande (quasares,
buracos negros, etc.) e aqueles que pesquisam no limiar do
infinitesimalmente pequeno (partículas elementares do átomo)
sabem que o paradigma epistemológico, o fundamento do
conhecimento sobre o qual erigiu-se nossa civilização está na
iminência de ser posto de cabeça para baixo. O desenvolvimento
de novas máquinas que empurram para trás as fronteiras da
memória, do cálculo, da imagem, indica, dizem os doutos, o
advento de uma nova era no mundo do pensamento. A
revolução epistemológica é um dos temas centrais da ficção
científica norte-americana.
Quando era menino, brincava, com minha tia, de
procurar um objeto escondido. Ela me dizia ‘frio’ ou ‘quente’,
conforme me aproximasse ou me afastasse do objeto (frio,
morno, quente, muito quente!). Na maioria dos jogos de
esconde-esconde, as pessoas ficam na situação ‘morna’, sem que
achem o tesouro escondido. De fato, não sabemos que o jogo de
tudo se desenrola no âmago do eixo sacro-craniano, na coluna
vertebral. Quantos artistas, sábios e buscadores sentem um novo
mundo em gestação, a iminência de uma nova ruptura evolutiva!
Todavia essa ruptura é, exatamente, o que acontece quando a
Kundalini, convidada pelas vibrações de Chaitanya, surge do
osso sacro a fim de iluminar o Sahasrara Chakra. Ao se
desenrolar, a Kundalini também projeta, em alguns
microssegundos, o filme da revolução mais radical e
fundamental que jamais poderia acontecer, vale dizer, a
revolução de nossa consciência.
A Kundalini foi protegida, durante séculos, da
curiosidade das massas por um esoterismo estrito. Todavia,
seriam necessários milhares de livros como este a fim de citar os
A HARPA SAGRADA 155

textos esotéricos que a glorificaram, bem como para apresentar


os símbolos mediante os quais ela aparece na arte e na
arquitetura. Por exemplo, em seu livro “Os fundamentos do
misticismo tibetano”, o lama Anagarika Govinda revela a relação
entre o mantra OM MANI PADME HUM e a Kundalini Yoga. O
formato das stupas budistas representa a sobreposição dos
Chakras. A estrutura bulbar de certas mesquitas iranianas, da
mesma forma que as cúpulas alongadas dos templos tailandeses,
simbolizam o Sahasrara, e a árvore de Jessé, nos vitrais de
Chartres, descreve os sete Chakras. Muitos artistas foram assim
inspirados pelo Inconsciente.
O simbolismo da Kundalini se vale de vários temas, tais
como a sarça ardente de Moisés, as línguas de fogo do
Pentecostes... Alguns magos do Egito e da América do Sul
tiveram acesso, provavelmente, a um ou outro aspecto do
Tantra (técnica) da Kundalini, e assim adquiriram vários
poderes mágicos (Siddhis). Tudo indica que não se aproximaram
muito da Kundalini propriamente dita. Símbolos da Kundalini
podem ser encontrados em diversas culturas. Citemos o exemplo
da serpente de Mercúrio, Agathodaimon, símbolo alquímico do
processo de metamorfose psíquica, que representa, segundo os
gnósticos, a medula espinhal e o bulbo raquidiano. Os grandes
mestres da Ásia consideravam a existência da Energia e de seu
caminho interior, como sendo o segredo mais temível, que
somente transmitiriam para alguns discípulos que merecessem,
de fato, conhecer esse segredo. Todavia, ao longo dos séculos,
mesmo alguns seres não-realizados espalharam o segredo aos
quatro ventos. O ‘tantrismo’ e algumas seitas tibetanas
deturparam a tradição e perverteram o culto. Hoje, as cartas
estão completamente embaralhadas pelos iogues falsos que
ficaram enfatuados com o sucesso de seus livros, nos quais
descrevem, com a denominação de ‘Kundalini Yoga’,
exatamente aquilo que não deve ser feito se alguém quiser
preservar sua única chance de alcançar a Auto-realização.
156 O ADVENTO

No afã de tentar explicar Shri Kundalini, poderia iniciar


com uma reflexão do mestre espiritual muçulmano Al Ghazzali,
contemplando o Virata da forma como Ele é invocado na
expressão Allahu Akbar - Deus é o Maior:
“Essa expressão significa... que Ele é tão magnífico para
que um outro, que não Ele, pudesse compreender
perfeitamente o mistério de Sua Grandiosidade, seja um
profeta ou um anjo! O que é que estou dizendo? Somente
Deus conhece Deus!”

Quem é o Conhecedor (aquele que conhece) e quem é o


Conhecido (aquilo que é o objeto do conhecimento)?
É no início de um ciclo de criação que a separação inicial
entre a energia divina primordial (Mãe divina, Adi Shakti,
Espírito Santo) e o Ser primordial (Sadashiva, o Pai) vai criar a
possibilidade para Deus de se separar em Conhecido e
Conhecedor, porque a Adi Shakti traça um espaço no qual
aquele que quer conhecer distancia-se, primeiramente, daquilo
que deseja ser conhecido, e em seguida aproxima-se novamente.
Esse espaço é a própria Criação, o teatro cósmico do jogo
amoroso do reconhecimento. Esse jogo progride até que o
potencial divino da Criação seja realizado, e assim,
conseqüentemente, é despertada a capacidade da Criação de
reconhecer o Divino. “Foi assim que as coisas ocorreram”, diz
Shri Mataji.
Uma parte da energia do Espírito Santo (ou Adi Shakti)
não se manifesta no momento da Criação, mas permanece
latente no Virata. Essa energia divina ‘adormecida’ é a Adi
Kundalini, a Kundalini Primordial do Virata. É ela que tem o
potencial de santificar o universo. É personificada, na mitologia
hindu, pela deusa Gauri, a mãe do Menino-Deus, Shri Ganesha,
e representa a inocência imaculada da Virgem divina.
Presidindo a espiritualização do mundo fenomênico, a Adi
Kundalini se põe a promover o progresso de cada um dos
A HARPA SAGRADA 157

Chakras. Assim sendo, quando aparece num dos Adi Chakras


(os Chakras do Virata), a divindade residente nesse Chakra é
plenamente despertada, e um avanço fundamental da evolução
do mundo fenomênico é posto em movimento. Assim é que o
surgimento de Shri Ganesha correspondeu, por exemplo, ao
aparecimento do carbono tetravalente, a base da vida no
universo. Shri Mataji diz: “O poder da Kundalini abrange o
poder do desejo da Bhagawati, a Mãe divina. Ela é despertada
pelo seu desejo”.
Na esfera da existência desse mundo material, a
Kundalini está escondida no interior do microcosmo humano,
em cada de nós. Pelo fato de já estar lá é que Shri Mataji pode
afirmar que “está tudo pronto para sua Auto-realização, falta
apenas ligar a corrente elétrica”. Todavia, essa força pode se
mostrar tímida, como já presenciamos em muitos encontros
públicos, e qualquer incidente, por menor que seja, pode
bloquear sua ascensão. Por essa razão é necessário manter uma
atitude humilde e receptiva, tanto quanto possível, no momento
abençoado em que a Kundalini é despertada.
A Kundalini poderia ser comparada a um cabo elétrico
enrolado sobre si mesmo, trançado por numerosos fios que se
entrelaçam. Ela se eleva, e desenrolando seus anéis, penetra no
centro de cada Chakra. A espessura da Kundalini, isto é, o
número de seus fios diminui, se os Chakras que ela atravessa
estiverem contraídos e não se abrirem de modo perfeito. Sua
força é reduzida proporcionalmente aos congestionamentos que
encontra em sua ascensão. Se os Chakras inferiores se dilatam
adequadamente, a Kundalini progride. Se os Chakras superiores
estiverem bloqueados, somente um pequeno número de suas
fibras alcançará o Sahasrara.
A Kundalini não força o caminho por si mesma.
Primeiramente, regenera os Chakras danificados, despertando
suas divindades, e retifica os defeitos existentes nas várias
dimensões de nosso ser. É claro que se os Chakras inferiores
158 O ADVENTO

estiverem bloqueados, a Kundalini não poderá ascender de


maneira alguma. Voltaremos a esse tópico, quando falarmos
sobre os perigos do uso irresponsável da sexualidade, no
capítulo dedicado ao ‘tantrismo’.
Vamos seguir agora, em câmara lenta, o filme da
ascensão da Kundalini (num ser humano espiritualmente muito
evoluído, a Auto-realização manifesta-se, numa fração de
segundo, e mantém-se de forma definitiva). Quando sua
ascensão acontece, sem problemas, através dos cinco primeiros
Chakras, a Kundalini atinge o Agnya e se difunde na parte
inferior do cérebro, como uma espécie de nuvem que traz
consigo uma leve sensação formigante de doçura e de sono.
Podemos dizer, assim, que a Mãe de nosso segundo nascimento
canta para nós um acalanto, a fim de nos relaxar completamente.
Depois, mantidas sempre as condições ótimas, sente-se a força
vital da Kundalini fundir-se, ao descer pelo Ida e Pingala, como
se uma nuvem de energia se espraiasse numa chuva de bem-
estar. Os dois canais conduzem essa onda de bem-estar até o
Nabhi Chakra, onde um novo impulso da Kundalini se une a
essa onda. (Nesse meio tempo, a cabeça se torna mais leve,
como se tivesse se desembaraçado de antigas cargas).
Em seguida, a tríplice força (Mahalakshmi,
Mahasaraswati e Mahakali) se eleva com uma velocidade
ascensional enorme no Sushumna e abre o Agnya. As pupilas
dos olhos começam a se dilatar. A leveza da cabeça se
transforma numa sensação de percepção refinada, de plena
lucidez. Alguns discípulos avançados viram nesse ponto o
Omkara, a luz de Cristo. A pessoa começa a sentir o silêncio do
Sahasrara. A pressão da força acumulada da Kundalini cresce,
progressivamente, com a abertura do Brahmarandhra. Nesse
momento culminante do batismo, a pessoa sente a brisa fresca
das vibrações divinas que a penetram e a pessoa se torna
‘realizada’.
A HARPA SAGRADA 159

Se a Kundalini não for além do Agnya, a pessoa estará


apenas ‘despertada’ (Jagruti). Nesse último caso, poderá
adquirir alguns poderes curativos, mas será incapaz de se manter
no estado de consciência-silêncio (Nirvichara Samadhi). Não
obstante, depois de algum tempo, a atividade regeneradora da
Kundalini, desde logo ativada, começará a produzir seus frutos.
Finalmente, aqueles que ‘nasceram novamente’ poderão atingir
o estágio de consciência mais profundo denominado Nirvikalpa
Samadhi que é a Consciência da Evidência, na qual não restará
mais qualquer dúvida, quanto à verdadeira natureza de Deus, do
Si ou espírito.
Os seres muito evoluídos encontraram na Sahaja Yoga
uma experiência, simultaneamente, imediata e definitiva. Alguns
sentiram bolas de neve nas palmas de suas mãos, que pareciam
fundir-se em seus antebraços e em todo o seu ser. Outros
sentiram um vento poderoso soprando em seus corpos ou um rio
de energia fluindo em seus sistemas nervosos, vale dizer, o
frescor da Auto-realização. Se o Vishuddhi Chakra estiver
bloqueado ou, de alguma forma, danificado, a pessoa não sentirá
as vibrações frescas, apesar da Kundalini ter-se elevado até o
Sahasrara e de ter havido a abertura do Brahmarandhra.
Entretanto, com o desenvolvimento crescente da consciência
silenciosa, o indivíduo será banhado por um lago de paz interior.
Num programa público, quando Shri Mataji desperta a
Kundalini de centenas ou até de milhares de pessoas, segue,
passo a passo, a progressão de Chakra a Chakra, percebendo,
assim, os pontos de bloqueio, que são, em sua maioria, de
origem psíquica. O tempo todo, procura conduzir esses
reservatórios de energia em direção à sua catarse redentora,
dando todas as instruções de viva voz. Eis aqui a transcrição de
uma fita gravada durante um de seus programas públicos:
“O sentimento de culpabilidade que vocês têm é o resultado
dos condicionamentos acumulados no superego e no ego.
Digam a vocês mesmos que quem cometeu o erro foi seu
160 O ADVENTO

ego e não vocês. Cada um deve afirmar: ‘não sou culpado


de coisa alguma’. Não importa o que tenham feito ou quais
os Chakras que estão bloqueados. Devem corrigi-los
simplesmente. Não se condenem. Sejam o Si. Para fazerem
isso, a melhor coisa é perdoar. Isso abrirá seu Agnya
Chakra. Supliquem a Deus para lhes perdoar; isso fará
com que sua atenção se volte para o coração... A dignidade
e a serenidade emergirão em seu interior, quando
compreenderem que vocês são o espírito.”

Vamos tentar agora relacionar o despertar da Kundalini


com o desenvolvimento de nossas faculdades cognitivas.
Enquanto os animais são espontâneos, porém não têm
consciência da força que seus instintos lhes dão, o homo sapiens
sabe que é um ser racional e consciente, mas não é espontâneo.
Ele se programa, efetivamente, pelo uso da razão, pela atividade
da Rajo Guna, enquanto que os animais são limitados pela Tamo
Guna. Em seu estado normal de consciência, o homem percebe
a si mesmo como um indivíduo irredutível e diferente, vale dizer,
um ser peculiar. Essa etapa lhe permite desenvolver seu ego e é
necessária a fim de propiciar a superação dos condicionamentos
tutelares do superego. O ‘homem-ovo’ (ou o ‘egotipo’) é um
mito, porém indispensável, porque permite preparar o
desenvolvimento do instrumento de percepção, pelo qual é
gerada nossa identidade. A partir disso, é que se torna possível
perceber nossa genuína identidade (do Si ou do espírito). Nesse
meio tempo, certamente, o homem acredita ser o mestre de si
mesmo e da matéria, ele interfere na História, manipula a criação
e a destruição e se torna o regente do planeta.
O homem-ovo é o estado no qual a Kundalini está
adormecida e encerrada no osso triangular sacro. A vida
psíquica do homem e suas faculdades cognitivas dependem das
interações do sistema nervoso simpático e da possibilidade de se
aproximar do ponto de equilíbrio. Trata-se de uma identidade
A HARPA SAGRADA 161

separada, que é também uma identidade dividida, a consciência


infeliz (das unglückliche Bewusstsein), descrita por Hegel em
sua fenomenologia do espírito.
O homem-ovo frui, inicialmente, a liberdade dada por
sua autonomia; ele se sente, dentro de sua casca, como o único
mestre. Contudo, essa situação é cercada por limites, os quais
ele acaba percebendo, à proporção que sua consciência se
aguça. Ciente de que é um ser finito, não pode ignorar
totalmente a dimensão infinita que existe dentro e fora dele. “O
homem não sabe como se libertar desse (desejo de tornar-se
alguém) ‘ou de ser algo mais’, que o impede de ser apenas um
animal caçador e às vezes amoroso”, observa Paul Valéry. Ele
não pode desconhecer o fato de que está condenado a almejar o
Si, sem ser capaz de atingi-lo. Foi nesses termos que Sartre
encheu as páginas de seu livro “O ser e o nada”. Desse mesmo
modo, as duas almas discordantes discutem no peito do doutor
Fausto, de Goethe. O homem não sabe como reconciliar o finito
e o infinito. Infelizmente, para aumentar seu desconforto, a
fronteira entre os dois mundos passa, exatamente, no meio de si
mesmo. É precisamente essa a questão crucial que é discutida
pelos filósofos. Ademais, a liberdade concedida ao homem-ovo é
apenas a de escolher entre isso e aquilo, entre o bem e o mal.
Essa liberdade, exercida com ignorância, provoca erros,
sofrimentos e crimes. Encontramo-nos, assim, no meio daquilo
que meus professores de religião chamavam, pudicamente, de ‘o
problema dos males do mundo’.
Ao longo dos milênios de evolução e de refinamento, a
consciência humana sempre desejou ter a harmonia espontânea,
além da oscilação das Gunas, além das contradições existenciais
e das investidas contra a ética.
O ser humano evoluído quer se livrar do mito do ego, da
solidão e da ignorância que advêm dele. Encapsulado na casca
de seu ego e de seu superego, o homem-ovo não é integrado
consigo mesmo nem com o cosmo. Ele tem pouca ou nenhuma
162 O ADVENTO

conexão com o Inconsciente Universal e todas as ações que


concebe, nessas condições, provocam agressão, injustiça social e
outros males. Contudo, para que haja alguma mudança no modo
de agir é preciso transformar o sujeito da ação. A revolução
precisa ocorrer no nível primordial do ator social, dentro de
cada indivíduo. É impossível promover uma mudança radical
numa classe social composta de indivíduos, se esses não se
transformarem. Após a subversão da década de 60, talvez uma
geração inteira tenha entendido isso.
Essa evolução da consciência, sustentada por diversas
encarnações divinas, cavalgou os milênios para, finalmente,
concitar esse momento fantástico da transformação que, agora,
passaremos a viver juntos. Com efeito, a abertura da membrana
da fontanela no topo do crânio, pela Kundalini despertada,
representa a ruptura da casca do ovo. O pintainho pode agora
aprender a voar. É por isso que, em sânscrito, o termo Dvijaha
significa, ao mesmo tempo, pássaro e nascido duas vezes. E
inspirados pelo inconsciente, os cristãos, na Páscoa, rompem a
casca de seus ovos. O novo Adão nasceu. A experiência
imediata da Kundalini abre uma nova era para a humanidade
buscadora. Esta proposição se baseia naquilo que foi vivenciado
por muitas pessoas. Os falsos profetas, anunciados no
Apocalipse de São João, tentaram deturpar a grande Yoga
(Maha Yoga) de Shri Mataji. Isso prova, simplesmente, que
chegou a hora do encontro, que São João fixou para nós de sua
Ilha de Patmos. Voltaremos a esse tema ulteriormente.
Poderia ser útil resumir esse capítulo sobre o
instrumental da consciência por meio das representações gráficas
das figuras 8 e 9.
A HARPA SAGRADA 163

FIGURA 8 - ANTES DA AUTO-REALIZAÇÃO


I - Antes da Auto-realização, o domínio do consciente (que se deleita com
o presente) é um fio de consciência imperceptível, representado aqui pelo Sushumna
por uma linha pontilhada. A atenção da pessoa é impregnada pelos pensamentos,
que vêm do mental e que engendram o ego, e pelos humores do domínio
subconsciente que forjam o superego.
II - Não há conexão direta entre a consciência e o Inconsciente Universal.
A Kundalini está adormecida.
III – As divindades dos Chakras não são plenamente operacionais. Sem
conexões entre a consciência e os Chakras, os diversos aspectos da personalidade
não estão integrados.
IV - A consciência está aprisionada no ovo do cérebro (ego e superego).
164 O ADVENTO

FIGURA 9 - DEPOIS DA AUTO-REALIZAÇÃO

I - O espaço do domínio consciente é alargado. O ego e o superego se


desincham.
II - A Kundalini, agora no Sahasrara, estabelece uma conexão direta com
o Inconsciente Universal. Este último se manifesta sob a forma de vibrações frescas.
III – As divindades dos Chakras foram despertadas pela Kundalini
ascendente. As divindades aqui representam os refletores das divindades
primordiais dos Adi Chakras do Virata, e elas ‘organizam’, conseqüentemente,
nossa energia-consciência. Como são colocadas em contato uma com a outra pela
Kundalini, a integração da personalidade ocorre. Elas decodificam as mensagens do
Espírito Santo e respondem a essas mensagens e passam a dirigir nossa evolução
espiritual.
A HARPA SAGRADA 165

IV - A atenção é atraída, para o interior, pelo advento do despertar da


Kundalini. Ao mesmo tempo, pode-se perceber a Kundalini de outra pessoa. Nossos
Chakras fazem uma ‘leitura’ dos outros seres humanos como se fossem sistemas de
consciência. A consciência coletiva se estabelece.
V - Num ser realizado que atinge sua plena maturidade, as divindades
deixam seu lugar de trabalho nos Chakras para eleger seu domicílio no Sahasrara e
sentar-se nos tronos que ali lhes estão reservados. Esse é o estado de completa
integração com o Divino.

Cada Chakra corresponde a um planeta do sistema solar,


a uma vogal do alfabeto sânscrito, a uma nota musical, a uma
cor, etc. Ao iluminar cada Chakra, a Kundalini desperta em nós
uma porção de poderes e de correspondências cósmicas. Sou
ainda muito novato, nessa arte, para poder descrevê-los aqui,
porém o princípio é o seguinte: por intermédio de nossa
Kundalini, entramos em contacto com o Inconsciente Universal,
que se põe a reagir. Ele ouve nossas preces e, com isso, nos
tornamos intercessores da espécie humana. Finalmente, com
total pureza nessa relação, o Inconsciente obedece a nossos
desejos, porque estes se originam diretamente do Atman (Si). O
desejo do Atman consiste em que outros Atmans se manifestem
e que mais e mais seres humanos possam vivenciar a alegria da
Auto-realização. Assim sendo, por intermédio da Graça da
Kundalini, nos tornamos redentores.
A Kundalini torna factível a divinização do ser humano,
porquanto é dotada da propriedade de consumir e queimar todas
as impurezas. Quando essas impurezas são queimadas, sejam
provenientes de nossas fraquezas ou referentes à ‘coletividade’
(de Bhuts) que invadiu nosso sistema, os seres realizados sentem
calor no sistema nervoso simpático (SNS), o que faz com que as
vibrações se tornem quentes. Quando a Kundalini regenera e
cura, as vibrações se tornam frias. A Kundalini é um fogo,
porém um fogo de neve, cujas chamas queimam com frescor!
Todavia, para que a Kundalini possa fazer seu trabalho de
purificação, por meio da queima das impurezas, estas devem ser
166 O ADVENTO

reveladas a ela, o que significa que temos de encarar nossos


problemas e nossas fraquezas, e não permitir que se acumulem
no lado esquerdo do Vishuddhi Chakra, sob a forma de
sentimentos de culpa. Fazendo isso, nos limitamos a oferecer às
negatividades a chance de se afastarem do fogo da Kundalini.
Isso nos foi explicado por Shri Mataji, durante uma de suas
magistrais palestras, em Londres, no dia 17.05.81.
No momento da Auto-realização, estamos longe de
perceber o extraordinário elenco de poderes que recebemos
como um prêmio. O poder da consciência coletiva, o poder de
controlar a atenção, de mobilizar o Inconsciente, de nos
proteger, de dar proteção aos outros, de expulsar os Bhuts e até
mesmo de destruí-los. Todavia, o maior de todos os poderes (o
qual recebemos, automaticamente) é o de despertar a Kundalini
de outras pessoas, que é a prova, por excelência, de que os
poderes divinos começaram a se manifestar em nosso interior.
Já existem milhares de almas realizadas no mundo todo
(uma quantidade impressionante!), embora o processo de
emancipação coletiva tenha tido início há tão pouco tempo. Isso
pode ser explicado pelas propriedades da consciência coletiva e
pelo poder dos Sahaja Yogis de despertar a Kundalini. Assim,
ainda que as atmosferas das sociedades em que vivemos estejam
saturadas de todas as espécies de vibrações, cujas freqüências se
contrapõem às freqüências divinas, a esperança de uma
transformação coletiva que tenha um impacto social deixa de ser
uma utopia. É claro que os poderosos desse mundo gostariam
que essa esperança se circunscrevesse ao terreno da utopia. Essa
esperança não pode mais ser diluída no jargão teológico das
igrejas institucionalizadas que se dizem guardiãs dela, mas que
adiariam sua concretização indefinidamente para o futuro. A
esperança está tomando forma no presente, sendo efetivada na
experiência cotidiana, e sua efetivação está tomando o lugar que
lhe foi reservado pela História. Porquanto, essa transformação
coletiva envolve, também, a íntima ligação entre o conjunto de
A HARPA SAGRADA 167

almas realizadas e o Virata, algo que foi prometido por Cristo:


“Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim,
e estou em vós”. João, 14, 20.
Certamente, a Igreja Católica pretendeu representar o
corpo místico dessa consciência coletiva. Contudo, em termos
políticos, econômicos e culturais, o sucesso que assegurou a
sobrevivência dessa instituição, não se situou numa outra
dimensão diferente daquela relativa ao advento experimentado
por uma nova consciência? Se se levar em consideração a
realidade dos fatos da consciência (e não a interpretação muito
elástica que o clero católico fez dos textos deturpados quando
afirma que ‘fora da Igreja, não há salvação’), ficará evidente que
muitos crentes, ao longo do tempo, foram vítimas de uma
gigantesca impostura. Deus não precisa da intermediação dos
cardeais vestidos de púrpura para dar a Auto-realização a seus
filhos. No entanto, é de mau gosto ressaltar esse ponto, porque
essa organização, de dimensão planetária, vive da credulidade de
seus fiéis, algo que foi condicionado por ela por meio de uma
arte secular.
Estamos falando aqui, efetivamente, do advento do
reino de Deus e não apenas de sua probabilidade, e nem sequer
de sua mera iminência. Falamos do fato de que, no momento em
que redijo essas linhas, milhares de pessoas experimentam um
segundo nascimento.
Lembremo-nos, novamente, de que é impossível atingir a
realidade dessa transformação sagrada, quer pela mera
curiosidade intelectual, quer mediante quaisquer esforços. Isso
se deve à natureza da Kundalini, pois ela não pode ser
domesticada. Não se pode fazer nada além de se entregar a ela,
como a criança divina, Shri Ganesha, entregou-se à sua Mãe
imaculada. A Kundalini transcende as Gunas, o sistema nervoso
simpático (SNS) e todas as nossas manipulações. É, também,
por causa disso que a Sahaja Yoga se distingue das demais
formas de Yoga e das outras disciplinas religiosas que têm por
168 O ADVENTO

meta a destruição do ego. A Sahaja Yoga não destrói coisa


alguma, porém integra e transcende... É bom que
compreendamos isso, de forma plena. Mukti (liberação) não é só
a liberação do ego, mas também do superego. De fato, se
desmantelarmos a proteção que o ego oferece à nossa psique,
sem nos libertar, ao mesmo tempo, das influências e
interferências que emergem do superego, nos exporemos ao
risco de ficar sob o domínio das forças que surgem do
subconsciente coletivo e de outras entidades.
Os falsos Gurus de hoje estão desenvolvendo todos os
tipos de meditações, e também as chamadas técnicas
transcendentais, que garantem a eles, por meio da manipulação
de Bhuts, manter sua influência sobre o subconsciente de seus
discípulos. Os últimos são exortados a aniquilar seus egos, pois
um ego forte e sadio se oporá, naturalmente, às manipulações
doentias.
É imprescindível que a pessoa se liberte das Gunas, do
ego e do superego. Isso somente é possível pela atuação da
Kundalini na passagem secreta do Sushumna. Se isso não
ocorrer, quaisquer esforços de renovação espiritual correm o
risco de ficar perdidos na influência absurda dos falsos Gurus,
no fanatismo dos muçulmanos fundamentalistas, ou nos
movimentos carismáticos superficiais, mediante os quais as
igrejas desacreditadas procuram apresentar uma nova fachada ao
mundo, sem que ofereçam nada, de realmente novo, para
resolver o problema de dar aos fiéis um segundo nascimento.
Dessa forma, e isso deverá ser repetido à saciedade, a
verdade de nossa transformação depende de nosso instrumental
interior de consciência, cuja realidade e modo de operação não
dependem de quaisquer interpretações que possamos fazer, ou
de quaisquer crenças ou inibições que tenham sido levantadas ao
nosso redor, pelas grandes, assim denominadas, instituições
religiosas.
A HARPA SAGRADA 169

A semente, a flor e a árvore cresceram durante milênios,


em consonância com certas leis, que não dependem das teorias
dos botânicos. A mesma coisa vale para a Kundalini. Dado que
a estrutura do microcosmo reflete o modelo primordial do
Virata, a Kundalini aciona, em nosso interior, os três aspectos
primordiais de Deus, que chamamos de Santíssima Trindade, o
Pai, o Filho e a Mãe (o Espírito Santo), os três aspectos do
Divino que têm reinado sobre o cosmo por toda a eternidade.
A Adi Shakti (o Poder Primordial, a Mãe ou a Energia
Primordial) manifesta-se quando a Kundalini ascende da base da
coluna espinhal e eclode no Sahasrara. A passagem de algo
potencial para algo efetivamente atual (para usar a terminologia
aristotélica) corresponde à manifestação do Espírito Santo no
Sahasrara.
O Menino-Deus é também representado no Yantra
dentro de nós. Assentado, como Shri Ganesha, no Muladhara
Chakra, Ele controla o protocolo da Kundalini. Em sua forma
evoluída, como Jesus Cristo, Ele vigia a porta (Agnya Chakra)
da cidade do Espírito Santo, o Sahasrara. Ele se manifesta
quando abre a passagem estreita do Agnya para a Kundalini,
purificando, dessa forma, o ego e o superego.
O Pai, a testemunha imemorial, o Altíssimo, o Todo-
poderoso, é manifestado no ser humano como o Si, quando o Si
se une à Shakti, no Sahasrara.
Shri Shankaracharya explicita esse encontro no
“Saundarya Lahari”:
“Em segredo, tu te divertes com Teu Senhor, no lótus de mil
pétalas, tendo atravessado a terra situada no Muladhara
Chakra, o fogo no Swadishthana, a água no Manipura, o ar
no Anahata (coração), o éter, mais acima, no Vishuddhi, e
Manas entre as sobrancelhas (Agnya), e tendo assim
percorrido o caminho inteiro de Kula.”

O Katha Upanishad dá mais detalhes sobre essa união:


170 O ADVENTO

“Há cento e um nervos que são irradiados pelo lótus do


coração. Um deles sobe em direção ao lótus de mil pétalas
no cérebro. Se, quando um homem morrer, sua força vital
elevar-se através desse nervo, ele se tornará imortal.”

Shri Mataji compara o Si com a chama, e a Kundalini


com a energia do gás que queima. Quando um entra em contato
com o outro, a ignição ocorre. Isso é a ‘iluminação’.
O Si nada mais é que o espírito, ou a alma, ou o Atman,
personificado por Shri Shiva, que reside no coração humano, do
lado esquerdo do Anahata Chakra, ou Chakra do Coração.
Podemos dizer que a região límbica do cérebro é, de uma certa
forma, o espaço celestial onde a pessoa repousa antes de
aparecer na presença sacrossanta de Deus Todo-poderoso
(Sadashiva). Ele reside acima do Sahasrara e pode ser
alcançado através da abertura imperceptível da membrana da
fontanela (batismo). Quando a atenção humana, transportada
pela Kundalini, perfura a membrana da fontanela, entra na
presença de Deus, e o Si, que é o reflexo de Deus no coração, é
iluminado e começa a emitir vibrações frescas.
Assim a Testemunha e Sua Energia ultimam, no
Sahasrara do iluminado, seu jogo cósmico, cujo início marcou o
nascimento do universo. O jogo é aquele jogo de Deus, no qual,
em Sua Criação, Ele Se procura e Se acha. Deus nos convida
para Sua dança, nos conclama a nos reunirmos a Ele, a nos
tornar os espelhos de Sua revelação.
LIVRO IV
ABRINDO A JANELA

“A liberdade, em sua forma mais sutil, é o altruísmo


pleno, sem arestas, o vácuo completo tal como a flauta, para
que a melodia de Deus possa ser bem tocada. Essa é a
completa liberdade. A liberdade surge quando vocês são
capazes de exercer seus próprios poderes interiores. Em seu
sistema nervoso central, com toda a sua mente consciente,
vocês devem sentir a existência do espírito.”

SHRI MATAJI NIRMALA DEVI


OS MÉRITOS DA VIRTUDE

CAPÍTULO V

“O bem é aquilo que provoca o impulso da alma em sua própria


direção, em consonância com a natureza, e algo que deve ser buscado
segundo a própria natureza.”
SÊNECA
“Porque meu povo perpetrou dois males. Deixou-me a mim, fonte
de água viva, e cavou para ele cisternas, cisternas rotas, que não podem
reter as águas.”
JEREMIAS, 2.13

Estamos em 1976, num vilarejo da Índia. É a hora


deliciosa, simultaneamente fresca e tranqüila, do crepúsculo. No
pátio, algumas vacas ruminam, indolentemente, voltadas para a
sala onde nos encontramos. Camponeses, Sahaja Yogis e
peregrinos do Ocidente estão reunidos em torno de Shri Mataji.
As lamparinas a óleo dão vida às paredes rebocadas de branco.
Maureen, uma moça inglesa, comenta: “isso parece uma cena
bíblica”.
Um alto funcionário veio ver Shri Mataji e pediu que lhe
desse a Auto-realização. A Mãe e vários Sahaja Yogis
trabalharam nele. Ao fazerem isso, todos se esforçaram muito.
Todavia, não havia nada a fazer. A Kundalini dele não
conseguiu ultrapassar o Nabhi Chakra. Desapontado, o homem
foi embora. Algumas horas depois, soubemos, por um de seus
colegas, que o sujeito em questão, administrador corrupto, se
apropriou, indevidamente, de fundos públicos que lhe foram
confiados. O Nabhi Chakra é presidido por Shri Vishnu e sua
Shakti (o poder, a energia do Deus masculino e dele
174 O ADVENTO

inseparável), Shri Lakshmi, que controlam nosso darma, e essas


divindades se recusaram a conceder suas bênçãos a uma pessoa
que havia zombado delas, por meio da prática de atos corruptos.
O que é o darma? Por que é tão importante conhecê-lo e
compreendê-lo? A palavra sânscrita não pode ser traduzida
fielmente por uma palavra portuguesa, mas sim por um
amálgama de noções como a virtude, a retidão, a moralidade, a
justiça, a lisura, a moral, a ética, a integridade, etc. O darma
evoca alguns critérios éticos que nos permitem fazer certas
coisas e nos proíbem de praticar outras. Todavia, qual é a
realidade que está por trás dessas palavras e princípios? Nossos
educadores, os guardiões das regras de moralidade, aplicam,
freqüentemente, suas proibições sem inteligência e sem
discernimento, ou até mesmo sem qualquer convicção. Todos os
adolescentes irreverentes se rebelavam contra as advertências de
‘não façam isso, não façam aquilo’, com a pergunta ‘por que
não?’ Como ninguém me deu uma resposta satisfatória, tentei
descobrir por mim mesmo, isto é, comecei a praticar aquelas
coisas que eram proibidas, a fim de descobrir o porquê disso.
Furtei, menti e me lancei nessas aventuras chamadas românticas
(as quais, depois de algum tempo, tornaram-se mais que
permitidas). Entretanto, a imersão no vício, com o propósito de
descobrir um sentido para a virtude, pode ser uma conduta
duvidosa. Somente após a Auto-realização, foi que comecei a
entender o que estava acontecendo, e foi assim que me convenci
de que valia a pena ser dhármico.
Ser dhármico é sentir, pensar e agir corretamente, de um
modo justo. Ser justo - eis o princípio fundamental - é aquilo
que reforça e sustenta nossa capacidade de evoluir
espiritualmente. Ser dhármico é comportar-se de uma maneira
tal que agrade as divindades de nossos Chakras. Agindo dentro
dos limites do darma, nossa rede sutil interior de energia-
consciência será protegida por essas divindades das
interferências externas. Com isso, essas divindades poderão,
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 175

finalmente, sustentar o pleno florescimento de nosso verdadeiro


ser.
Como saber se dado comportamento é dhármico? Para
uma alma realizada, essa é uma questão simples. O Sushumna é
o canal de Shri Mahalakshmi (que é o poder da evolução da Adi
Shakti). As encarnações de Shri Vishnu balizam esse caminho.
Com efeito, Shri Vishnu é o aspecto de Deus que preserva, faz
com que sua criação evolua e é a própria personificação do
darma. A abertura do Sushumna implica, assim, uma
conscientização espontânea do darma. Dessa forma, como já foi
dito, o Sahaja Yogi cujo sistema nervoso já foi despertado pela
consciência perceptiva vibratória perceberá, fisicamente, o
darma. Esse Sahaja Yogi sentirá as más vibrações de uma
pessoa adhármica. Por exemplo, uma bela estátua emitia
vibrações péssimas no lado direito do Chakra do coração.
Sentimos uma dor do lado direito do peito, exatamente no lugar
presidido por Shri Rama, que rege nossas relações de
paternidade. Descobrimos, mais tarde, que o artista havia
matado seu pai. Certa vez, um homem que enganava,
secretamente, sua esposa nos enviava vibrações queimantes e
que eram captadas no lado esquerdo do Nabhi Chakra,
governado pelo aspecto Gruha Lakshmi, a deusa do lar. Shri
Mataji esclarece que “um animal pode perambular em meio ao mau
cheiro de um ambiente pestilento, sem se sentir mal. No entanto, um
ser humano não suportará isso. Da mesma forma, após a Auto-
realização, o pecado se torna repulsivo para a consciência
despertada. Vocês sentem o mau odor dele. É seu corpo que reage”.
Para um ser não-realizado, vale dizer, para a vasta
maioria dos seres humanos, o sistema nervoso central ainda não
está conectado com a consciência perceptiva vibratória do
darma. Isso significa que a maioria pode queimar seus dedos nas
chamas do pecado, sem que seu sistema nervoso central envie
sinais de dor de volta para o cérebro e deflagre o reflexo de
recuar os dedos, a fim de evitar que se queimem. Para nos guiar
176 O ADVENTO

no caminho do comportamento correto, Shri Vishnu e o mestre


primordial (Adi Guru Dattatreya) se encarnaram em numerosas
ocasiões, tendo sido ajudados em sua missão de iluminação
pelos grandes profetas e santos. De fato, é muito simples, pois o
que aprimora o darma é aquilo que faz desabrochar, plenamente,
nossas qualidades físicas, intelectuais e emocionais, trazendo
harmonia e concórdia às nossas vidas. Esse era o objetivo das
leis de Manu e de Moisés, e os valores dos estóicos e dos
cristãos, o caminho do equilíbrio ou Tao, o caminho do meio de
Buda. Todos esses conceitos implicam a aceitação de um ideal e
de uma conduta correta. Também, é essencial um estilo de vida
que mantenha, em equilíbrio, os movimentos de energia em
torno do Sushumna. Quando os Chakras não estão sob o
domínio das tensões laterais do Ida e do Pingala Nadis, a
dimensão sáttwica (equilibrada) se expressa. Esse é o momento
oportuno em que os lótus (ou Chakras) se abrem, quando a
Kundalini ascendente os atravessa. A partir daí, devem ser
evitados todos os comportamentos extremos que desestabilizem
nossa atenção, projetando-a sobre o sistema nervoso simpático
(SNS), esquerdo ou direito. Outra não era a mensagem da
Grécia antiga, na qual a proporção e a medida eram cultivadas.
É preciso, diz-nos Confúcio, que nos adaptemos às leis do Céu.
Essas admoestações tinham por objetivo manter livre e
desembaraçado nosso instrumental parassimpático, para a
ascensão da Kundalini. Muito próximo de nós, na Europa, o
código de honra da cavalaria medieval quis reafirmar a primazia
da ética.
Antes da abertura do Sushumna, é portanto muito
relevante levarmos uma vida dhármica, moral, equilibrada, de tal
maneira que nossa atenção não se envolva, excessivamente, com
os dois canais (Ida e Pingala). O perigo de nos aventurarmos
em demasia nesses canais é que, ao contrário do Sushumna, eles
não representam o caminho evolutivo para nosso
aperfeiçoamento. Os canais Sushumna, Ida e Pingala, que
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 177

constituem as três principais artérias de energia no microcosmo


humano, estão vinculados a domínios cósmicos diferentes. As
pessoas muito ligadas ao Pingala Nadi vão, depois da morte,
para o supraconsciente coletivo. Por sua vez, o canal esquerdo
(Ida Nadi) conduz as pessoas ao subconsciente coletivo. Para os
seres humanos, esses domínios cósmicos são aliados cegos que
os podem levar a renascimentos infelizes. Por outro lado, se a
pessoa permanecer parada nas províncias mais inferiores desses
domínios, ela poderá cair no inferno ou voltar para a Terra na
forma de um espírito, um Bhut, conforme se discutiu
anteriormente. Apenas o Sushumna é capaz de nos levar para o
reino de Deus. Como já dissemos, com a exacerbação do Ida
Nadi, as pessoas se tornam completamente possuídas e
perturbadas. Se isso ocorrer em relação ao Pingala Nadi,
poderemos encontrar monstros egocêntricos, opressores.
Certamente, os opostos se encontrarão. Shri Mataji enfatiza,
constantemente, que a moderação nos mantém próximos do
canal central. Aquele que conseguir concentrar sua atenção
preservará, também, sua inocência e sua espontaneidade. Shri
Ganesha, Deus da inocência é, também, o Senhor da sabedoria.
“Guiando os homens e servindo o Céu, o sábio usa apenas de moderação.
Pela moderação somente, ele é capaz de se ajustar rapidamente ao Tao”.
Lao Tse continua nos dizendo (no livro, “Tao te king”) que o
Tao, significando aqui o darma, é o melhor remédio para
imunizar o ser humano contra os Bhuts: “Quando o Tao reinar no
mundo, nenhum espírito mostrará seus poderes fantasmagóricos. Não é
que os espíritos terão perdido seus poderes, mas seus poderes não poderão
mais prejudicar os homens”.

O Adharma (a negação do darma) nos torna vulneráveis


diante dos inimigos de Shri Vishnu, vale dizer, das forças que
trabalham contra nossa evolução. Ignorar o mundo das
entidades não faz com que elas desapareçam. Aqueles que não
compreendem sua origem, talvez ignorem a lei segundo a qual o
resultado de nossas ações (Karma) nos acompanha, após a
178 O ADVENTO

morte, e influencia bastante as etapas seguintes de nosso destino.


Vamos comentar brevemente esse assunto.
Quando o coração cessa de bater, sabemos que o Atman
(espírito) deixa o aparato material que usou, no afã de vivenciar
a curta duração de uma existência humana. A consciência
individual se retira dos órgãos físicos que haviam sido sua
sustentação. O conteúdo da consciência se concentra na
Kundalini, que começa a reduzir seu porte, até atingir um ou
dois centímetros. Por solicitação da vontade do Atman, a
Kundalini abandona o corpo morto, carregando consigo os
Chakras. Estes, por sua vez, encapsularam, dentro de si
mesmos, o conteúdo da consciência (todo o Karma) que
resultou dessa vida, que é adicionado aos conteúdos resultantes
de vidas anteriores, vale dizer, a memória total. Observe-se que
alguns drogados conseguem alcançar, algumas vezes, de forma
episódica, essa memória total de todo o ciclo de suas
reencarnações. Essa memória pode também ser vivenciada, de
modo imperfeito, nos sonhos muito profundos ou sob a
influência da hipnose. No caso da hipnose, uma entidade do
subconsciente faz com que nossa atenção se volte para o
passado, no subconsciente coletivo.
Primeiramente, a Kundalini vela sobre seu cadáver
durante, aproximadamente, 13 dias. Isso explica a relevância dos
ritos funerários, que são feitos no afã de apaziguar o espírito do
morto; e explica, também, certas técnicas de magia negra que os
feiticeiros utilizam, num cemitério, a fim de capturar esses
espíritos. Em seguida, conforme o conteúdo dos Chakras e o
estado da Kundalini, o morto se sente atraído pela força
gravitacional dos campos energéticos que correspondem às suas
condições. Por isso, se move em direção a uma província
cósmica apropriada a ele. Os tipos rajásicos (orientados pelo
lado direito) se dirigem para as províncias do supraconsciente
coletivo, enquanto que os tipos tamásicos (orientados pelo lado
esquerdo) se encaminham para o subconsciente coletivo, e,
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 179

finalmente, os tipos sáttwicos (orientados pelo canal central) se


movem em direção à superconsciência do Virata. O Bardo
Todol, o “Livro Tibetano dos Mortos”, relata essas passagens.
Os cristãos falam em limbo e purgatório, porém sem ter uma
noção muito clara a respeito deles. No Virata, o Preta Loka
(domínio dos espíritos) tem diversas subdivisões que são
descritas por alguns textos muito antigos. Shri Mahavira, o
reformador do Jainismo, descreveu os diversos círculos do
inferno, com detalhes que teriam agradado a Dante Alighieri. As
interações desses locais assinalados e a consciência individual
determinam a próxima encarnação. Os seres muito evoluídos ou
realizados escolhem seus pais e, através destes, o meio ambiente
em que pretendem viver sobre a Terra. Todavia, todos os outros
têm a oportunidade também de renascer, sendo, por assim dizer,
projetados numa matriz. No momento da concepção, o Atman
encarna-se novamente e a Kundalini une-se a ele três meses
depois.
Se, por uma ou outra razão, um indivíduo, em seu estado
após a morte (o Bardo, segundo os tibetanos), escapar do
mecanismo normal desse ciclo, pode se aproximar do consciente
coletivo, isto é, da raça humana. As almas frustradas ou
torturadas (fantasmas, Pretas, Bhuts, etc.) ficam vagando nas
proximidades das províncias conscientes do Virata, prontas para
se manifestar, quer sob a forma de Bhuts, quer sob a forma de
espectros. Um Sahaja Yogi pode percebê-los, a olho nu,
vagando no espaço. Essas entidades nocivas se apresentam
como pequenos pontos negros. Às vezes, podem ser vistos sob a
forma de uma Kundalini desfigurada, acompanhada de Chakras
opacos e deformados. As malformações que podem ser, assim,
observadas fisicamente, numa forma de alguns centímetros,
representam os estigmas dos pecados que pesam sobre a
consciência do Bhut. Trata-se de um espetáculo que sugere que
devemos evitar quaisquer transgressões, enquanto temos ainda
uma forma humana.
180 O ADVENTO

Certas pessoas, muitas vezes propelidas por demônios,


que esperam recrutá-las, escolhem o suicídio como solução para
seus problemas. Isso é um engano! Ninguém morre. Ninguém
pode matar a si mesmo. Apenas os compostos materiais
derivados dos elementos terra e água nos deixam no momento
de nossa chamada morte. Todo o resto permanece. É bem pior
sofrer na condição de desencarnado que na situação humana.
Enquanto se tem ainda um corpo físico, pode-se ajudar a si
mesmo e se corrigir. Todavia, sem o corpo físico, o sofrimento é
um inferno. Ademais, na condição de Bardo, não é possível
melhorar as oportunidades de evolução, objetivo da encarnação
humana, mas pode-se sempre ficar exposto a um pecado
ulterior, tornando-se assim um Bhut.
Vejamos agora o que é o pecado. Os padres fizeram um
uso deturpado da palavra ‘pecado’, o que gerou muita culpa nos
fiéis. Devemos tentar restaurar a essência de todos os grandes
preceitos morais, colocando-os no contexto de suas relações
com as propriedades dos Chakras, à luz da experiência vivida no
ato de despertar a Kundalini das pessoas. Todos nós, Sahaja
Yogis, nos inclinamos diante dos ensinamentos dos verdadeiros
Gurus e profetas, porque compreendemos, agora, como estes se
esforçaram para nos proteger, mostrando-nos as coisas que
podiam ser feitas e aquelas que deviam ser evitadas.
Descobrimos como os diferentes Chakras podem ser afetados
por pecados específicos.
O MULADHARA CHAKRA

Se o Ocidente não quiser compreender, rapidamente, as


leis sutis que regem a sexualidade normal, esse Chakra
continuará a ser perturbado, como ocorre com vários indivíduos
pseudoliberados. Por causa dos excessos sexuais, a consciência-
energia torna-se debilitada. A reeducação da atenção a esse
respeito, no Ocidente, será um exercício longo, porém
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 181

proveitoso. No pólo oposto, o lado direito desse Chakra fica


bloqueado pela constipação ou pela repressão sexual, o
puritanismo. Por exemplo, um dia, perdido em meus
pensamentos, estava cruzando a praça, diante da Catedral de
Westminster, em Londres, quando uma dor aguda e súbita,
nessa parte de meu corpo, me desviou de minhas reflexões.
Olhei ao redor, e explodi numa gargalhada, por ter constatado
que a praça tinha ficado escura, com tantas freiras, que me
rodearam de todos os lados, ao saírem de seus carros em direção
à igreja. Meu Muladhara, por intermédio de meu estado de
consciência coletiva, captou a distorção causada pela
sexualidade reprimida nos Muladharas Chakras dessas freiras.
O SWADISHTHANA CHAKRA

Muito freqüentemente, esse Chakra fica sob pressão


quando nossas atividades são muito dominadas pelo ego, ou,
simplesmente, quando o ritmo de nosso trabalho é muito
estressante. O lado esquerdo é perturbado pelas práticas
psíquicas e espirituais não autorizadas (Anadhikar) pelo Divino.
Os psiquiatras, os dignitários eclesiásticos, os pseudomestres
espirituais e os adeptos de seitas esotéricas ficam,
freqüentemente, com o Swadishthana esquerdo bloqueado. Essa
forte perturbação ou bloqueio revela o parasitismo dos Bhuts no
subconsciente, quando ocorre também um bloqueio no Agnya
esquerdo. Certas perversões sexuais deformam completamente o
Swadishthana. O lado direito desse Chakra fica bloqueado pelo
excesso de atividades e pelo excesso de planejamento. A diabete
tem sua origem na perda do equilíbrio provocada por um
excesso de atividade mental. Os artistas e outras pessoas muito
criativas geralmente têm problemas com o Swadishthana, cuja
energia criativa gastam exageradamente e, assim, a exaurem.
O NABHI (ou MANIPURA) CHAKRA e o VOID
182 O ADVENTO

Esse Chakra pode ser perturbado e descontrolado pelo


consumo de certas carnes, bebidas fermentadas e drogas. Ele
também pode ser prejudicado por atividades adhármicas
relativas ao dinheiro, ao meio ambiente material, aos problemas
familiares, ou a outros erros fundamentais em nosso estilo de
vida. Os problemas hepáticos resultam de uma exagerada tensão
no Nabhi direito e no Swadishthana direito. Nesse caso, a
atenção se torna dispersiva e frenética como um peixe fora
d’água. Como Buda disse: “A tranqüilidade mental e a
faculdade da concentração desaparecem”.
A região que fica em torno do Nabhi (o Oceano de
Ilusão ou Bhava Ságara, ou o Void) é prejudicada pelo culto
prestado a um falso guru ou pelo fanatismo. Os fundamentalistas
cristãos, judeus, muçulmanos ou de quaisquer outras religiões
ficam com essa parte do corpo completamente bloqueada.
O ANAHATA (ou CORAÇÃO) CHAKRA

Esse Chakra dá ou tira o sentimento de segurança. As


tensões que podem causar a perda do sentimento de segurança
geralmente dizem respeito ao relacionamento com o pai ou com
o marido (lado direito), com a mãe ou com a esposa (lado
esquerdo), ou conflitos entre os próprios pais da pessoa
(Coração central). Também pode ser afetado por nossos
romances juvenis. Quando esse Chakra está bloqueado, a pessoa
vive com um sentimento de insegurança. Quando ele se fecha, o
amor não é sentido nem dado pela pessoa. O lado esquerdo fica
bloqueado: a) por uma atividade física muito intensa; b) pela
moderna Hatha Yoga em sua forma incompleta (feita apenas
como uma ginástica); c) pela insuficiente atenção que prestamos
ao espírito que reside dentro de nós; e d) por ações prejudiciais
a nosso espírito, motivadas por nossas insensibilidades,
grosserias ou indiferenças. O lado direito pode ser prejudicado
quando não são seguidos vários tipos ideais de comportamento
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 183

social. Por exemplo, o bom relacionamento entre os cônjuges,


ou as boas relações entre o pai e os filhos (ou vice-versa), as
relações cívicas adequadas da pessoa com a comunidade. Um
bloqueio sério desse lado direito pode levar ao câncer do peito
ou, se for do lado esquerdo, a um ataque cardíaco.
O VISHUDDHI CHAKRA
Esse Chakra de 16 pétalas controla nosso complexo
otorrinolaringológico, pelo qual nos comunicamos com o
mundo. Ele assinala também o início da formação do ego e do
superego. É o Chakra da coletividade, da arte da pessoa
conhecer seu próprio lugar, sem agredir os outros e sem se
autodepreciar. Ele pode ser danificado por nossa ânsia de
aparecer e por jogos emocionais e mentais. Também pode ser
prejudicado pelo ato de fumar, pelo uso de linguagem chula ou
inconveniente, ou, simplesmente, por resfriados. Se uma pessoa,
antes de sua Auto-realização, cantar mantras, poderá ofender a
divindade do Vishuddhi e também aquela que estiver sendo
invocada. Por exemplo, Aradhana, uma menina realizada, estava
tentando dormir perto de um templo, no qual os devotos
entoavam incessantemente, o mantra “Hare Rama, Hare
Krishna”. Após algum tempo, ela se levantou, enrolou seu
cobertor e disse para sua surpresa babá: “Deus ficou tão
saturado com esse cântico, que Ele já se retirou há muito
tempo. Agora, também vou me retirar daqui”. Adeptos dessas
práticas sofrerão problemas de garganta, de nariz, e de ouvidos.
O câncer pode se espalhar pelos setores do corpo controlados
pelos dezesseis subplexos. O lado esquerdo é afetado quando a
pessoa se sente culpada (por exemplo, por meio do
condicionamento da confissão no catolicismo) ou quando
alguma entidade ou Bhut toma conta do Vishuddhi Chakra,
falando por intermédio do indivíduo ou encerrando-o num
silêncio glacial.
184 O ADVENTO

O AGNYA CHAKRA

Esse centro, extremamente sensível, não permite que


nenhuma impureza atinja o Sahasrara. O Agnya é bloqueado
pela hipocrisia intelectual, por ondas de pensamento errático,
por leitura excessiva, por intelectualismo exagerado, pela
incapacidade de perdoar, ou de pedir perdão (o antídoto para
isso é o ‘pai-nosso’). É afetado, ainda, pelo toque de um guru
falso durante uma pseudo-iniciação; pelo condicionamento
pseudocristão que mantém muito mais uma tradição religiosa
institucionalizada que a realidade viva do Cristo. Fica também
bloqueado pela aceitação da ortodoxia judaica que nega a
divindade de Cristo; pelo uso errôneo de nossos olhos; pelo fato
de assistirmos, demasiadamente, a programas de televisão, assim
como pela atração que podemos ter por imagens vulgares,
violentas ou obscenas e pelos flertes contínuos em cada esquina.
Como o Agnya rege os nervos óticos, bem como as
glândulas pineal e pituitária, o estado puro e limpo do Agnya é
uma condição indispensável para o domínio do intelecto e da
atenção. O processo de purificação pode levar alguns anos, e
merece que nos consagremos a ele com paciência e disciplina,
particularmente porque todo o meio ambiente ocidental faz com
que isso seja muito difícil! Os problemas do Agnya Chakra
podem se manifestar como queimações na testa, dor nos olhos e
dores de cabeça. Um Bhut no Agnya pode levar ao surgimento
de alucinações, as quais a pessoa pode confundir com progresso
espiritual, e até mesmo à cegueira. Bohdan Shehovych, um
médico russo, que é Sahaja Yogi, pôde ver seu Agnya sendo
atacado por Bhuts e nos dá o seguinte depoimento: “Vi meu
Agnya no interior de minha cabeça. Ele apareceu como uma espécie de
ovo, brilhante como o Sol. Também pude ver pontos negros que pareciam
mover-se em torno dele”.
O lado direito do Agnya pode ficar bloqueado por
manifestações exageradas do ego (o hemisfério esquerdo do
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 185

cérebro), e o lado esquerdo por entidades do superego, que


podem causar sensações desagradáveis na parte posterior da
cabeça ou na têmpora direita.
O SAHASRARA CHAKRA

O lótus de 1.000 pétalas contém, sob uma forma sutil,


todos os outros Chakras. É assim o Chakra da integração. As
pessoas dogmáticas, da mesma forma que os militantes ateístas,
ficam com seus Sahasraras bloqueados. O bloqueio também
ocorre com as pessoas que se apegam às suas opiniões e aos
seus conceitos a respeito de Deus. Isso pode se tornar algo
doloroso, se a pessoa se recusar a reconhecer a verdade, mesmo
após ter testemunhado sua manifestação. Por exemplo, se ela se
recusar a reconhecer o fato de que Shri Mataji despertou sua
Kundalini, a despeito de ter sentido as vibrações se originarem
dela.
Não se trata de desenvolver, nesse livro, as inumeráveis
permutações e combinações que podem ser formadas pelos sete
Chakras básicos. A música divina elabora, infinitamente, a
combinação das sete notas da escala. Alicerçado em dados e
fontes vibratórias diferentes, o homem se torna, instintivamente,
(aliás espontaneamente), consciente da verdade e da falsidade.
Ele tornou-se capaz de saborear o fruto da árvore do
conhecimento do bem e do mal. “O único conhecimento válido
é aquele que é verificável”, diz-nos Piaget em sua “Sabedoria e
as ilusões da filosofia”. É essa espécie de validação que a Sahaja
Yoga confere no campo da ética. Nossas experiências nos
ensinaram algumas regras simples de conduta correta.
- As pessoas que trabalham muito ou que são muito
preguiçosas devem mudar seus comportamentos, a fim de voltar para o
centro, evitando os comportamentos extremos.
- Os indivíduos que se preocupam, excessivamente, com
dinheiro ou posses materiais nunca terão paz e contentamento.
186 O ADVENTO

- Aqueles que conferem muita importância à aparência, ao


sucesso, à reputação tornam-se artificiais e desprovidos de
profundidade e sabedoria.
- As criaturas que pensam ou planejam, demasiadamente,
tornam-se hiperativas e serão incapazes de entrar em sintonia com as
‘ondas’ divinas.
- As pessoas que levam uma vida licenciosa têm a
probabilidade de perder toda a consciência das qualidades divinas. A
fim de manter sua inocência e espontaneidade, os homens devem ser
capazes de olhar para as mulheres com olhos puros e vice-versa.
- Aqueles que têm uma visão religiosa muito estreita deverão
abrir seus Sahasraras, para que se tornem capazes de reconhecer
todas as grandes religiões e todas as grandes encarnações.
O darma faz com que algo se revele, de fato, como é. Na
matéria, é a valência do átomo que determina a qualidade de um
elemento. Trata-se, segundo Aristóteles, da essência da coisa. O
darma de um ser é aquilo que sustenta esse ser na existência, o
que lhe dá a forma específica. Será que constitui um grande
milagre o fato de a macieira produzir maçãs, em vez de ameixas?
Ou de que as formigas sejam capazes de construir seus
formigueiros sem nunca ter freqüentado a escola? Ou ainda, que
o tigre não tenha os mesmos instintos que tem o carneiro? Esses
milagres acontecem devido ao poder de Shri Vishnu, a
personificação do darma, que mantém todas as coisas dentro de
limites adequados. Na natureza, a perversão não existe. A
macieira não pode produzir ameixas, o fogo não pode molhar, e
a platina não se oxida. Todavia, um homem pode se transformar
numa mulher, porque ele pode usar sua liberdade para esse fim,
e é assim que as coisas se desviam de seu caminho correto.
O estado natural que precede o homem não é bom nem
mau (“O homem nasce bom, porém a sociedade o corrompe”,
diz Rousseau e Hobbes assevera que: “O homem é o lobo do
homem”), porque essas distinções somente fazem sentido na
consciência de alguém dotado de discernimento ético. Isso é o
que distingue o homem das outras espécies vivas. Trata-se de
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 187

sua condição de ter de escolher entre o bem e o mal. Essa é uma


escolha que os animais e os anjos não precisam fazer. Para o
estoicismo, a liberdade é a grandeza do homem. Já o
existencialismo vê, na liberdade, a maldição humana. Ambos
estão certos. Os que erram são os libertinos que confundem a
liberdade com a licenciosidade.
O paradoxo do homem é que ele segue apenas um
caminho, que é a senda da liberdade e que pode conduzi-lo tanto
para sua salvação, quanto para sua perdição. Precisamos saber o
que é que podemos fazer nesse caminho. O darma do homem é
o de respeitar livremente as regras da conduta correta que
garantam uma ótima interação com seu meio ambiente. Essa
interação é também assegurada aos outros níveis de vida, em
função das leis da biologia e dos instintos. Os esforços humanos
(feitos no sentido de estabelecer essas regras) dão nascimento ao
que se chama de moralidade.
As novas gerações caracterizaram-se pelos movimentos
laterais de energia e por uma oscilação entre os pólos contrários
do sistema nervoso simpático (SNS), que bloqueiam os Chakras
no caminho central, no afã de se descartar do darma e por conta
de sua rejeição das regras morais já desacreditas pela hipocrisia
dos eclesiásticos que as pregavam. Somente a sinceridade de
nossa busca manteve a possibilidade da Auto-realização.
Todavia, se não houver busca, quando o movimento do pêndulo
se torna muito violento, as pessoas poderão dissipar suas
energias vitais em processos psíquicos antagônicos,
contraditórios e incontroláveis (alternâncias de depressão e
exaltação, de desespero e orgulho, de culpabilidade e
arrogância, etc.). A personalidade dhármica, dotada de
equilíbrio e autocontrole, preserva sua vida interior e a beleza do
lótus de sua consciência interna, porque não é dominada nem
dominadora. Assim, ela se mostra pronta para a grande
transformação. Nas palavras de meu amigo Gavin Brown:
“Quando você se identifica com o darma, coloca-se no caminho que liga
188 O ADVENTO

todas as existências. Passa a fazer aquilo que é necessário e se abre para a


vida e para o amor, e fica contente com você mesmo e com Deus,
fechando-se assim o círculo”.
Compreenderemos melhor, agora, os erros que as velhas
regras de moral queriam que evitássemos. Ir contra o darma, ou
em outros termos, cometer um pecado, é ir contra a
possibilidade de um 'vir a ser' superior. Portanto, o pecado é um
desvio, mais ou menos sério, do caminho central da evolução de
nossa consciência. É uma agressão contra aquilo que é mais
bonito em nosso interior. O problema é que, antes da Auto-
realização, não sabemos disso. A asfixia do darma ocorre de
modo discreto e progressivo.
Segundo E. A. Burt, em seu livro “Os ensinamentos do
Buda compassivo”, Buda teria dito que “pela queda de apenas uma
gota, o pote se enche d’água. A tigela fica cheia do mal, ainda que ele se
acumule nela pouco a pouco”.
No que tange a isso, Shri Mataji explica como o pecado
nos anestesia:
“A sensibilidade dos Chakras torna-se embotada, após os
primeiros choques infligidos neles. O ser humano se acostuma muito
facilmente com todos esses hábitos chocantes. Ele existe, porém de
maneira muito superficial, dado que não quer descer até as profundezas de
seu ser, porquanto nesse movimento, terá de encarar as atitudes chocantes
acumuladas dentro de si mesmo. Tenta esquecer esses comportamentos
porque isso o ajuda a sobreviver. No entanto, a mera existência não é
suficiente. É algo frustrante, degenerescente e insultuoso. Muitas pessoas
corajosas quererão, realmente, encarar a si mesmas. São essas que a
Sahaja Yoga poderá ajudar.”

O processo de purificação exige de nós muita


perseverança e colaboração. Mesmo com o instrumento
danificado (ou seja, com os Chakras bloqueados) pode-se
receber a Auto-realização. O maior trunfo de um buscador, em
meio a todos os seus erros e dificuldades, é o de ter estado
sempre buscando a Verdade, resoluta e sinceramente.
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 189

A busca apaixonada da Verdade é o aspecto vital do


Bodhichitta (o desejo de iluminação suprema), que é descrito
nos textos do budismo Mahayana, como sendo a chave para se
atingir o estado de Bodhisattwa. Nesse sentido, devem ser
consultadas as instruções de Maitreya ao jovem peregrino
Sudhana nos Gandvyuha Sutras.
Quando os Chakras e os Nadis são prejudicados pelo
Adharma, ficamos na situação de uma cisterna que deixa
escorrer a água ou de uma taça que não a retém. Talvez,
possamos compreender melhor a relação existente entre o
darma, nosso instrumento psicossomático e a Auto-realização,
escutando a descrição que Shri Mataji faz do Samadhi de Shri
Buda:
“Buda tinha darma. Seu corpo era limpo. Seu espírito e sua
atenção não encontravam alegria nos apetites do mundo.
Sua taça estava pronta e se esvaziou de todo o seu
conteúdo, quando abandonou seus esforços e entregou-se
completamente. Esse foi o momento em que as vibrações
divinas precipitaram-se sobre ele como uma chuva
torrencial; a Shakti encheu sua taça e fez dele um Shakta, o
iluminado. Assim, quando lhes é dito que respeitem sua
virtude, vocês estão sendo advertidos para que mantenham
sua taça intacta e limpa.”

Pela graça de Deus, a água de seu amor tem, igualmente,


a faculdade de reparar lentamente a taça da qual escoa.
Contudo, se a taça estiver completamente desintegrada, é lógico
que não haverá nenhuma esperança. Por isso, é conveniente que
não exploremos o domínio do Adharma, até o ponto de ruptura
entre a fenda e a fratura.
Os comportamentos a ser evitados foram descritos de
forma consistente pelas diferentes tradições. Os padres
escolásticos da Idade Média diziam: “Cupiditas radix omnium
malorum est” - “a cobiça é a raiz de todos os males” - os
190 O ADVENTO

bonzos budistas falam da luxúria, da cólera e da ganância. Um


provérbio persa corrobora a advertência budista: “Você sabe o
que é que jamais pode ser satisfeito? É o olho da ganância.
Todos os bens do mundo não podem encher o abismo de seus
desejos”. Os vícios tendem a nos deixar perpetuamente
frustrados e são incapazes de nos satisfazer plenamente.
“Lassata necdum satiata” – ‘cansada, porém jamais satisfeita’ -
dizia Juvenal a respeito de Messalina. Ademais, os animadores
de Woodstock, os bardos de Plutão que são os Rolling Stones
não têm nenhuma dúvida a respeito disso: ‘I can get no
satisfaction..’ – ‘não posso obter satisfação alguma’.
Nos textos sânscritos clássicos, os sábios identificaram
seis inimigos internos que atuam contra os Chakras:
1. Kama (luxúria e cupidez), contra o Muladhara
Chakra;
2. Krodha (cólera, agressão e violência), contra o
Swadishthana;
3. Lobha (inveja), contra o Nabhi;
4. Moha (apego à família e à comunidade), contra o
Anahata;
5. Machara (ciúme), contra o Vishuddhi;
6. Mada (vaidade e orgulho), contra o Agnya Chakra.

Mas, hoje em dia, as racionalizações capitalistas


endeusam a ganância, a luxúria (a mais desenfreada, como
equivalente à palavra gloriosa ‘liberação’) e a violência (que é
exercida sob a chancela oficial da polícia em regimes totalitários
e em sociedades injustas).
Infelizmente, não é possível citar aqui todas as escrituras
que nos preveniram contra as conseqüências do pecado, mas
gostaria de estabelecer, simplesmente, a ligação entre certas
perturbações de nossa vida psíquica e os dois pecados
fundamentais que podemos cometer, vale dizer, o pecado contra
o Pai e o pecado contra a Mãe.
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 191

- Todo homem é, potencialmente, aquele que dá à sua


criança a segurança absoluta em relação à vida. Ele encarna,
de alguma maneira, o aspecto tutelar de Deus, o Pai. Guia,
protege e provê nossas necessidades. Cristo disse que “vosso
Pai sabe do que é que precisais, mesmo antes de pedirdes a
Ele”. O pecado contra o Pai é a falta de confiança na
providência divina. Nosso cérebro quer compreender e controlar
todas as coisas, ser o tutor de nosso destino e o contabilista de
todas as seguranças artificiais que engendra para nos proteger.
Todos esses esforços se transformam, por fim, numa patologia
de um espírito constantemente inquieto, uma fantasmagoria
sempre renovada de falsas identificações e de seguranças
ilusórias. A fama, o poder e a acumulação material são alguns
nomes dados a esse jogo de pessoas enganadas. A avareza e
todas as práticas imorais associadas com os bens materiais, tais
como: fraudes, corrupções, explorações, apropriações indébitas,
extorsões, furtos e roubos são formas de pecados contra o Pai.
Os movimentos da atenção se voltam para o exterior, agindo
como os tentáculos de um polvo, a fim de capturar e acumular
objetos materiais. Todavia, os seres realizados (aqueles que
nasceram duas vezes) têm sua atenção interiorizada e a rara
capacidade de se deleitar com aquilo que possuem. Saboreiam
suas próprias virtudes. Estão satisfeitos materialmente e não
gastam suas energias, no afã de acumular coisas supérfluas. São
generosos sem ostentação e compartilham, com os outros, as
coisas que possuem. Certa vez, Shri Mataji disse: “Um ser
realizado é como um imperador. Como Sai Baba de Shirdi, ele
pode dormir sobre uma pedra e mesmo assim sentir o conforto
bem-aventurado de um bebê nos braços de sua mãe”. É preciso
compreender que a capacidade de conhecer a satisfação depende
de um estado interior e não das circunstâncias externas.
Depende do SER e não do TER. Uma pessoa pode sentir-se
lesada, seja qual for seu nível de vida ou sua posição social.
192 O ADVENTO

Haverá, sempre, em Saint Tropez, ou em qualquer outro


porto, um iate maior e mais bonito que o seu, e se, por acaso,
você já possuir o iate mais bonito e maior, você quererá, em
seguida, a moça maravilhosa que está no terraço do bar e depois
outras coisas mais.
- Toda mulher representa, potencialmente, para sua
criança, o supremo recurso ao amor, encarnando aquele
aspecto do Divino que, desse modo, nutre o universo. Além
disso, sua inocência e sua pureza manifestam-se por intermédio
de sua castidade, a qual representa outro aspecto fundamental da
energia divina. O pecado contra a Mãe é o ataque a essa
dignidade, quando a psique ‘sexualizada’ vê na mulher apenas
um objeto de consumo, o pretexto para divertimentos carnais.
Cristo recomendou que não tivéssemos olhos adúlteros. Trazer
o sexo no olhar, em lugar de usufruir dele numa relação sadia
com sua esposa é um desperdício de energia. Esses olhares sujos
ofendem a maternidade das mulheres para as quais são dirigidos
e obstruem o Agnya Chakra. Surpreendentemente, nos países
considerados cristãos, foi que esse flerte tornou-se um
passatempo quase nacional. Por causa dessa degradação da
mulher, toda a concepção do universo é degradada. O frescor da
inocência é substituído pela sujeira. A mente viciada projeta sua
visão sobre o mundo e faz dele um vasto esgoto. Certos filmes
premiados no festival de Cannes são exemplos patentes, entre
tantos outros dessa essa visão poluída. As conseqüências dessa
perversão podem ser constatadas na patologia dos psiquismos
extremamente condicionados.
O leitor talvez já tenha feito um certo paralelismo entre
esses dois pecados e nossa estrutura psicossomática. O pecado
contra o Pai é cometido por intermédio do Pingala Nadi e o
ego, enquanto que o pecado contra a Mãe é cometido pelo Ida
Nadi e o superego. Se alguém estiver muito estressado, num dos
pólos, tenderá a cometer os pecados do pólo oposto, conforme
o movimento perpétuo de ação e reação entre os Nadis. Esse
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 193

processo se verifica não só para o indivíduo, mas também para


toda a sociedade. Por exemplo, o Ocidente se desenvolveu,
predominantemente, por meio do canal solar, Pingala Nadi. Nos
países ocidentais, o pecado contra a Mãe é transmitido pelos
costumes. Existe pouco do verdadeiro respeito pela mulher e
pela maternidade. Na maioria dos países tropicais que se
desenvolveram, predominantemente, por meio do canal lunar,
Ida Nadi, o pecado contra o Pai fez florescer os regimes
corruptos e o conceito de ética profissional é quase
desconhecido.
Nesse contexto, é claro que esses dois pecados se opõem
ao darma. Entretanto, no que diz respeito à Auto-realização, o
pior dos dois parece ser o pecado contra a Mãe. A explicação
psicossomática que precisa ser compreendida, perfeitamente, é a
de que enquanto o pecado contra o pai prejudica alguns Chakras
(Nabhi, Vishuddhi), o pecado contra a Mãe ataca, diretamente,
o Muladhara Chakra, que é o alicerce que sustenta toda a
estrutura.
Os adeptos da liberação sexual acham difícil
compreender o estado ao qual foram reduzidos. Na Inglaterra,
na França e na Austrália, demos a Realização do Si a um grande
número deles. No caso deles, de uma forma geral, a Kundalini
se elevava, muito rapidamente, sugerindo que as pessoas
deveriam ser personalidades muito evoluídas espiritualmente, e
que estiveram, durante suas vidas passadas, em busca de Deus.
Todavia, para nossa grande surpresa, após alguns minutos ou
mesmo após alguns segundos, a Kundalini se recolhia,
novamente, ao osso sacro. Isso era um indicador de que o
Muladhara Chakra estava muito debilitado para manter a
ascensão da Kundalini. Tínhamos de explicar, tão
diplomaticamente quanto possível, a essas pessoas que a
‘revolução sexual’ não conduz ao crescimento espiritual.
Algumas delas já haviam entendido isso. Outras nos
consideraram hipócritas ou vitorianos anacrônicos e se sentiram
194 O ADVENTO

muito ofendidas. Não compreendem que os juízes dessa situação


não são elas (nem nós). Os magistrados do Juízo Final já estão
sentados em seus tronos e são as divindades de nossos Chakras.
O juiz responsável pelo Muladhara Chakra, Shri Ganesha,
jamais transige.
Nascido da virgem imaculada Shri Gauri, o papel
cósmico de Shri Ganesha é o de proteger a pureza da criação
inteira. A fim de obtermos suas bênçãos, tais como a inocência,
a sabedoria que surge da inocência, e o contentamento que
emerge da sabedoria, temos de respeitar sua pureza em nós
mesmos e nos outros. O hino magnífico dedicado à Grande
Deusa, o Devi Mahatmyam, proclama que “todas as mulheres,
do jeito que são, têm as tuas formas, ó Deusa”. Todas as
mulheres são a imagem da Mãe de Shri Ganesha, Shri Gauri,
que é a Kundalini do universo. Precisamos saber como respeitá-
las, pois com exceção de minha esposa, todas as mulheres do
mundo devem ser consideradas mães ou irmãs. Infelizmente,
uma cultura decadente condicionou nossa percepção da mulher e
colocou em moda essas formas de relacionamento que conflitam
não só com o verdadeiro júbilo, mas também destroem nossa
evolução. Por exemplo, a tradição do teatro francês de bulevar
que celebra o adultério, ou as elucubrações dos freudianos que
denunciam, como moral burguesa e tabus culturais, alguns
resquícios do darma que ainda nos restaram.
Esse tema da liberação sexual foi tão mexido que
devemos aprofundá-lo um pouco mais. Em primeiro lugar, é
preciso denunciar o absurdo de certas escolas eclesiásticas, as
quais, ao longo dos tempos, desenvolveram a teoria de que
existe uma espécie de incompatibilidade entre o sexo e o
progresso espiritual. Com efeito, todos os Rishis (sábios ou
clarividentes) da era védica eram casados. Seus sucessores,
menos evoluídos espiritualmente, acreditavam que era preciso
levar uma vida de celibato. Há de fato uma razão simples para
isso. Ao reprimirem sua sexualidade (Ida Nadi, canal lunar,
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 195

esquerdo), esses brâmanes, monges, jesuítas e assemelhados


podiam galvanizar melhor a energia do Pingala Nadi (canal
solar, direito) e assim explorar as várias avenidas do poder
psíquico ou político, porque um sempre conduz ao outro. Paulo
de Tarso era um exemplo típico de celibatário reprimido, que
levou a jovem igreja cristã a se desviar para um excessivo
proselitismo e um ativismo institucional, com o objetivo de
conquistar Roma. Assim sendo, é preciso denunciar a falácia
igualmente absurda, e mesmo mais perigosa, conhecida como
‘tantrismo’, de que a sexualidade é o caminho para a Auto-
realização, ou ainda, em termos mais seculares, para a realização
pessoal (como Reich e os neofreudianos diriam). Essas duas
tendências representam investidas contra o Muladhara Chakra,
de ambos os lados direito e esquerdo, respectivamente. Uma
tendência pode, de fato, se transformar em seu oposto, vale
dizer, um monge, que foi puritano durante uma determinada
encarnação, pode renascer como um libertino em outra e vice-
versa.
Carl Gustav Jung, em seu livro “A Psicologia do
inconsciente”, nos diz que “a vida erótica somente desabrocha
quando o espírito e os instintos chegam a um acordo feliz”.
Esse acordo, ou essa concordância, não é obra do acaso, mas do
respeito às regras de comportamento que alicerçam o meio ao
qual damos o nome de ‘família’. Dois anos vividos no Nepal e
cinco invernos consecutivos na Índia, longe das cidades e das
armadilhas para os turistas, me ajudaram a entender melhor o
lugar da família numa cultura alicerçada no darma.
Conforme observou a Unicef, a criança, na Índia, é
tratada como um rei. Os comportamentos dos membros da
família são definidos pela consciência de sua responsabilidade
em relação à criança. Assim, a sociedade não tolera as atitudes
arbitrárias que colocam em perigo seu meio ambiente emocional.
O adultério do pai, por exemplo, seria objeto de opróbrio e de
uma condenação sem apelação.
196 O ADVENTO

Desde uma idade muito tenra, a criança se vincula à rede


complexa das relações interpessoais, que lhe permite
desenvolver, simultaneamente, seu equilíbrio psíquico e sua
segurança emocional. Relações particulares são desenvolvidas
com o pai, com a mãe, com os irmãos e irmãs mais velhos e mais
moços, com os avós, com os tios e tias, amigos, vizinhos, e
assim por diante. Cada um desses relacionamentos tem uma
peculiaridade emocional que lhe é própria, dando origem a um
clima afetivo específico. A criança é assim rodeada por uma
gama muito rica de expressões de amor. Através de um prisma
sutil dessa estrutura ela dá e recebe amor. Conhece todas as
delicadas sutilezas e nuanças que convergem para ela e
satisfazem suas necessidades afetivas. Guiada e instruída por
seus pais, acicatada por seus irmãos e irmãs, amada por seus
avós, mimada por seus tios e tias, a criança constrói na família
ideal não só o castelo de felicidade, mas também os critérios de
referência e a moldura emocional de maturidade, os quais irão
equipá-la para enfrentar o resto de sua vida. O indiano não
considera as mulheres como suas prováveis futuras parceiras,
porém como irmãs e mães, conforme a idade. Sua atitude em
relação às mulheres foi modelada durante sua infância e
adolescência. Finalmente, quando se aproxima a época do
casamento, a noiva é escolhida por meio de uma decisão coletiva
da família, depois de consultados os horóscopos dos noivos, e,
naturalmente, com o consentimento de ambas as partes para a
futura união.
Essa coletividade reafirma a dimensão social do
casamento e contribui para a integração do casal recém-formado
na estrutura social existente. Somente depois disso, o casal
recém-unido pelo matrimônio descobre um novo tipo de
relacionamento, isto é, o amor entre cônjuges, que se expressa
na relação física. Quando a união sexual é descoberta em todo o
seu frescor, na intimidade terna de um encontro particular e
muito reservado, o casamento tende a se transformar num
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 197

grande sucesso. A exclusividade do vínculo entre o marido e a


esposa torna o casamento precioso e sagrado. Ela dá a moldura
na qual, sem remorso ou desilusão, uma grande intensidade pode
desenvolver e florescer. Essa exclusividade dá origem à
instituição do casamento na sua forma histórica mais
desenvolvida (a poliandria e a poligamia são peculiares às
sociedades mais primitivas) que permite o ajustamento ótimo do
instrumental neuropsíquico dos dois parceiros.
Shri Mataji afirma a respeito desse padrão monogâmico
que “milhares de anos atrás, os grandes sábios já haviam previsto que o
relacionamento mais satisfatório e prático entre um homem e uma mulher
seria monogâmico”.
A plenitude do amor físico é alicerçada na especificidade
da linguagem sexual que tem de ser respeitada. Essa linguagem
pertence somente a uma determinada expressão de amor, no
relacionamento entre cônjuges. O convívio conjugal, por mais
belo que seja, é somente um dos diversos tipos de
relacionamentos interpessoais. Se essa linguagem for usada de
maneira incorreta ou pervertida, de maneira a deslocar a
sexualidade de seu contexto adequado, as regras do jogo seriam
destruídas. Por exemplo, ao introduzirem a sexualidade na
relação fraternal entre os homens, os homossexuais se
encerraram num gueto de valores equivocados, os quais, em
vão, tentam legitimar mediante uma subcultura paralela.
A consciência perceptiva vibratória comprova que a
sexualidade sem intimidade e respeito torna-se vulgar e barata, e
é danosa para as dimensões mais profundas da consciência
humana, vale dizer, para os Chakras. Os pequenos gozos, os
prazeres de equilibrista que são obtidos aqui e ali, afastam-nos
mais e mais da verdadeira plenitude, serena e intensa, emocional
e física, de uma relação bem-sucedida. Em suma, a instituição do
casamento, em seu contexto mais amplo da família, tem como
um de seus escopos a criação de uma moldura na qual a
sexualidade humana pode encontrar sua realização.
198 O ADVENTO

A sutil arte de viver, que consiste em manter cada


relacionamento dentro de determinado limite de comportamento
e atividade corretos, está severamente ameaçada no Ocidente.
Por razões históricas (o modo capitalista de produção, as
guerras mundiais, o entorpecimento da sensibilidade religiosa
pelas igrejas), a unidade familiar foi muito enfraquecida, tendo
os ataques mais cruéis sido desfechados por movimentos de
‘liberação’, que devem ser considerados como um afastamento
do darma. Nesse tipo de ambiente, a criança é submetida a todos
os tipos de ataques. O Chakra do Coração não é mais
alimentado pelas vibrações do amor, e a criança se torna
frustrada sem conhecê-lo. Muito freqüentemente, os avós estão
ausentes e os pais muito ocupados para cuidarem de sua criança,
a qual desenvolve uma forte tendência subconsciente a procurar
uma compensação emocional em outro lugar. Na escola, o
adolescente descobre a resposta mágica. Colegas de escola,
programas de educação sexual, e outras pressões ambientais
concentram a atenção da criança no paraíso da promiscuidade
sexual.
É realmente muito difícil para uma criança resistir ao
incrível condicionamento cultural da sociedade ocidental que
apresenta o sexo como sendo a única fonte de intensidade de
sentimento e sensação, à parte a violência e a dor. Esse é
efetivamente o leitmotiv, o motivo principal, que inspira tantos
exemplos de publicidade, arte gráfica em geral, filmes, revistas, e
outros veículos de comunicação. As estratégias de marketing
apresentam a mulher como um objeto de prazer e como o
produto máximo de consumo. O sexo se torna um fim em si
mesmo. Em torno desse fascínio se desenrolam todas as liturgias
de nossas Babilônias modernas. A mensagem é largamente
aceita porque, no ambiente urbano alienante da sociedade
industrial avançada (onde se aboliu a maior parte das relações
sociais comunitárias) a cópula física parece ser a única
escapatória para a gratificação emocional. E esse ambiente é,
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 199

por si mesmo, fruto da hiperatividade do Pingala Nadi. A fuga


para o Ida Nadi, no afã de restaurar o equilíbrio, é inevitável. A
própria sociedade encoraja a promiscuidade sexual, porque ela
funciona como uma válvula de segurança para todas as energias
e aspirações frustradas das pessoas que, assim, aceitarão mais os
contra-sensos de seu sistema socioeconômico.
As sociedades que, em nome do sucesso material,
dilaceraram seu tecido social, ao estimular a irresponsabilidade
familiar até seu último grau, consideram-se ‘desenvolvidas’ e
propõem modelos de crescimento para os países pobres ‘em
desenvolvimento’. “Existe um problema de superpopulação nos
países em desenvolvimento?”, perguntava, com um ar paternalista,
um alto funcionário anglo-saxão. “É verdade, senhor. No entanto,
o que há com sua filha? Ela tem catorze anos, é viciada em heroína e
não se lembra nem sequer dos nomes de seus namorados!” Quem
escolheria uma mãe como essa? É por isso, sem dúvida, que os
seres que se encarnam atualmente preferem os lares mais
seguros dos países ‘em desenvolvimento’.
Na Europa e nos Estados Unidos, as crianças são,
freqüentemente, deixadas à própria sorte, sem critérios, guias ou
modelos. Estão perdidas e não têm consciência disso. Meninos e
meninas entram assim no ciclo de suas experiências sexuais e
tentam a sorte. A história é apresentada em termos bastante
açucarados de um romance juvenil. Porém, a realidade vivida é
muito diferente. Muitos jovens confessaram o mesmo fracasso.
Quando se reúnem, querem saborear apenas a alegria de estar
juntos e a segurança do amor. Contudo, não conseguem
alcançar isso. A espontaneidade do relacionamento entre um
rapaz e uma moça ficará, quase sempre, comprometida, se
existir, na mente do rapaz, a expectativa de ter uma relação
sexual com a garota. Às vezes, a mesma coisa acontece na
mente da garota, ainda que de forma mais ‘romântica’. Pode ser
que resistam a essas tentações. Qualquer que seja a hipótese, a
inocência do relacionamento se perdeu. A confusão que
200 O ADVENTO

transparece em seus olhos atrapalha seu contato, porque,


inconscientemente, eles a percebem. Talvez essas projeções
mentais consigam enlevar o rapaz e a garota e, nesse caso, terão
uma aventura. Todavia, nessa hipótese, o amor físico não será
completamente bem-sucedido e satisfatório, porque os parceiros
já entraram no relacionamento com seus instrumentos
neuropsicológicos perturbados. Nesse caso, a satisfação surgida
da relação diminui cada vez mais e ambos partem, novamente, à
procura de novos parceiros. Esses jogos gratificam o ego, mas
ferem o coração. São elaboradas grandes estratégias de sedução.
Johannes, o Don Juan de Kierkegaard, comenta: “Sou ótimo,
principalmente nas ações preliminares....” Os primeiros olhares
e as primeiras carícias abrem as portas da armadilha. Ao
mostrarem, dramaticamente, que a história de Don Juan termina
com o fatídico encontro com a estátua do Comandante (ou seja,
com a morte), Molière e Mozart, duas almas realizadas,
tentaram nos advertir.
As manobras da conquista e da sedução são muito
antigas e foram descritas pela literatura. Havia os amantes
byronianos, o médico curioso a respeito da mecânica dos
corações, Lou Salomé e Madame Bovary. Todavia, isso jamais
havia atingido uma amplitude estatística semelhante à atual.
Graças à democracia permissiva (“Cuidem para que isso
não se transforme numa demonocracia”, diz Shri Mataji), os
vícios dos nobres, ricos e degenerados transformaram-se em
hábitos das massas. Ao redor do monte do Adharma, estudantes
de catorze anos e avós de sessenta anos perseguem-se uns aos
outros. Adúlteros, pederastas e lésbicas conduzem a bandeira da
‘liberação’, desfraldando como estandartes suas roupas íntimas.
Ao fazerem isso, estão destruindo a pureza de todas as
diferentes formas de relações humanas, que, para a mulher,
segundo sua idade, segue o modelo da mãe ou da irmã, tia e
sobrinha, irmã e irmã. Em relação aos homens, o modelo ideal
compõe-se de relações entre pai e filho, tio e sobrinho, irmão e
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 201

irmão, porque o amigo é também irmão! A liberdade sobre a


qual os apóstolos do Adharma fixam sua visão é a liberdade de
destruir a si mesmos e aos outros.
Aqueles que, levianamente, com ou sem refinamento, se
entregam ao jogo da sedução, acreditam que estão gozando a
vida, mas Shri Mataji contesta isso, categoricamente. “Se estão
realmente satisfeitos, por que é que sua atenção precisa passar de
uma pessoa à outra durante o tempo todo?” Nesse processo, o
equilíbrio psíquico é completamente perdido e o cérebro doente
‘sexualiza’ todas as coisas ao seu redor. A natureza, as férias, as
reuniões e as viagens se tornam, simplesmente, oportunidades
para encontros sexuais, e essa obsessão mata a espontaneidade
do sexo e a alegria da vida.
A Sahaja Yoga nos permite diagnosticar o dano sofrido
por nosso instrumento sutil interno. Se o Muladhara Chakra
estiver seriamente prejudicado, logo a própria sustentação da
Kundalini estará em perigo. A conseqüência imediata será a
perda do equilíbrio psíquico, que se expressa, normalmente, via
inocência e espontaneidade. Sem esse equilíbrio, o darma não
pode ser percebido intuitivamente. A pessoa pode perseverar no
erro, cada vez mais profundamente, e até jactar-se de fazer isso.
Isso é um indicador do fechamento do Nabhi Chakra. A atenção
não é mais controlada, porque as divindades dos Chakras
inferiores entram em recessão. A atenção ‘sexualizada’ toma
conta do Ida Nadi e se torna o principal vetor de percepção,
invadindo os olhos e os pensamentos. O Agnya Chakra, em
conseqüência disso, fica perturbado.
Isso significa que a erotização ou ‘sexualização’ da
consciência passa do subconsciente para o consciente do sujeito,
que fica privado de sua capacidade de discernimento e, por
causa disso, ele se identifica com todos os absurdos que surgem
em sua mente. Isso é terrível, porque até mesmo a consciência
perceptiva é atacada, não sendo capaz de tomar ciência do
202 O ADVENTO

ataque. Logo, as pessoas se identificam com seus erros e tratam


como retrógrados aqueles que ousam criticá-los.
Aquele cuja consciência perceptiva vibratória ainda não
foi totalmente comprometida começa a compreender que as
coisas não melhorarão, mas não sabe o que fazer para recuperar
a inocência, a espontaneidade e a alegria perdidas. Com isso,
essa pessoa sofre muito. Os relacionamentos humanos se tornam
uma espécie de inferno. Quando a alegria se ausenta, o prazer
físico não pode substitui-la de modo satisfatório. Os efeitos de
um comportamento sexual adhármico fazem-se sentir inclusive
no plano físico. Por isso, os médicos se preocupam cada vez
mais com o crescente número de casos de frigidez feminina e de
impotência masculina. Muitas mulheres ‘liberadas’ não sabem o
que é ter um orgasmo. Por isso, a sinistra anedota da terapia
sexual não muda coisa alguma. O sexo cerebral é o passaporte
para a impotência, porque o erotismo desconecta a reação
sexual física de seu ambiente emocional normal (como por
exemplo, a intimidade do casamento). A atividade sexual torna-
se cada vez menos espontânea (parassimpático) e cada vez mais
artificial (simpático). Em outras palavras, responde cada vez
menos aos seus estímulos normais e requer novas formas de
excitação. No final do processo, sob a orientação invisível dos
Bhuts, haverá um desvio para as perversões e para a violência.
Esses temas estão sendo agora celebrados pelos meios de
comunicação. A mídia se compraz, maldosamente, em chamar a
atenção das massas para o grande show de nosso tempo, ou
seja, para a pavana ou a dança de satã.
É preciso que se diga que o mal existe. Nossos brilhantes
intelectuais modernos, que declararam que o diabo não existia,
esqueceram-se de que o grande truque armado por ele foi o de
fazê-los acreditar que ele não existia. O príncipe dos sedutores
conhece seu mundo e sabe como se tornar atraente.
Identifiquemos um pouco melhor a existência de satã,
porque o erro pior é ver sua cauda bifurcada onde não existe.
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 203

Com o devido respeito aos maniqueus e aos cátaros, a perfeição


metafísica de Deus exclui a possibilidade de um princípio
absoluto do mal que se oporia ao absoluto princípio do bem. O
mal aparece somente na criação e sua gênese é descrita em
várias mitologias, as quais não iremos citar aqui. Antes da
aparição do homem, certas categorias de entidades começaram a
se desviar do caminho central da evolução de Shri Vishnu e a
acumular os poderes da Rajo Guna (os titãs para os gregos, os
gênios para os árabes e os Asuras para os hindus), assim como
os poderes da Tamo Guna (Rakshasas ou demônios). Graças a
esses poderes, tentavam, de quando em quando, assumir o
controle do processo evolutivo.
Na época de Shri Rama, há cerca de 8.000 anos, eles
ainda estavam presentes na Terra, enquanto que 2.000 anos mais
tarde, no tempo de Shri Krishna, os protagonistas do drama
perene do bem e do mal eram, de fato, seres humanos,
reconhecidamente dotados de poderes super-humanos. O que o
Ocidente chama de satã representa a coletividade do mal, ou
poderíamos dizer, o elo que coordena as diferentes entidades
diabólicas. Nos tempos modernos, os demônios, tendo perdido
grande parte de seus antigos poderes, nasceram, de fato, na raça
humana, onde já apareceram com diferentes nomes e formas
(por exemplo, Nero, Sade, Rasputin, Hitler). Eles também
surgiram, conforme foi profetizado nas escrituras, como falsos
profetas e falsos gurus. “Então se alguém vos disser: olhai, aqui está o
Cristo, ou ei-lo acolá! Não lhe deis crédito. Porque se levantarão falsos
Cristos e falsos profetas que farão prodígios, e maravilhas tais que (se isso
fosse possível) até os escolhidos se enganariam”. Mateus, 24,23,24

Discutirei, mais tarde, a natureza das atividades desses


homens diabólicos. Ao mesmo tempo, as forças satânicas
tornaram-se muito mais poderosas em relação à humanidade,
visto que descobriram um meio de invadir nossa psique,
notadamente pela criação de formas de controle dos Bhuts, via
204 O ADVENTO

magia negra. O plano diabólico é muito simples. Em primeiro


lugar, o darma do homem tem de ser perturbado, para que se
rompa sua ligação com o Inconsciente Universal. Nesse caso, o
papel do Inconsciente passaria a ser desempenhado por atores
infernais. Nesse ponto, entram em cena os Bhuts. Por intermédio
do controle dos Bhuts é estabelecido o controle dos seres
humanos e, particularmente, daqueles que são influenciáveis, a
fim de se influenciar o curso do desenvolvimento da sociedade
em direção à sua destruição, ou seja, distante do Sushumna. Por
que é que tudo está ocorrendo? Porque (ainda que aqui eu vá
tornar a explicação bastante esquemática) essas pessoas
demoníacas opõem-se ao advento sáttwico de uma raça de seres
humanos realizados, o que poderia significar o cancelamento
definitivo de sua revolta. “Sou o espírito que nega tudo”, como
Goethe faz Mefistófeles dizer, e o que satã nega, por excelência,
é a perfectibilidade do homem, pois essa possibilidade mortifica
seu ego luciferiano. Se falhar o plano de Deus consistente em
abrir seu reino a seus filhos, os demônios sabem que Shri Shiva
dançará Tandava, provocando a destruição de todo o universo.
A aniquilação que resultaria disso teria o efeito de liberar
aqueles que se recusaram a ter sua oportunidade de evolução.
Ao corromperem a raça humana, eles obrigam Deus (Sadashiva)
a repudiar Sua criação, da mesma forma que um artista
desapontado rasga os esboços de uma obra de arte que deveria
ter completado.
Vamos resumir. O bem é aquilo que promove e
consolida nossa evolução em direção ao reino de Deus. O mal é
aquilo que se opõe à nossa evolução. A batalha cósmica, entre
as forças que ajudam a evolução e aquelas que lutam contra ela,
foi transposta do cenário macrocósmico (luta entre deuses e
demônios) para o cenário microcósmico da psique humana. A
regra que Deus deu ao jogo da evolução humana foi a
salvaguarda da liberdade humana. Em face dos ataques dos
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 205

Bhuts, o ser humano não-realizado só pode se proteger pelos


méritos de sua virtude.
A fim de preservar esses méritos foi que, ao longo do
tempo, se teceu a trama das relações entre o sentido de nossa
evolução, a moralidade e as leis que formam o próprio tecido de
todo o processo civilizador. Essa trama exerce uma espécie de
função imunológica coletiva contra as influências do mal. Com
efeito, o homem evolui num contexto social. Quando este último
tolera e legitima as práticas que não estão harmonizadas com o
darma, o nível de resistência das pessoas às interferências
negativas é reduzido. Assim, as pessoas se tornam mais
inclinadas a ter pensamentos, sentimentos e comportamentos
negativos, aumentando a bola de neve que prejudica, por sua
vez, seus vizinhos. Dessa forma, nossos valores morais, que se
preocupam, essencialmente, com as relações do indivíduo com a
comunidade, incorporam as leis do darma, num sentido social
que assegura a coesão da família humana. A definição desses
valores morais foi o objetivo da encarnação de Shri Vishnu, na
pessoa de Shri Rama. Esses valores morais encontram expressão
numa coleção de ritos, costumes e leis, que, convenientemente
observados, erguem uma barricada contra as incursões de Bhuts
e os decorrentes comportamentos destrutivos. Um sistema legal
inspirado pelo darma tenderá a destruir o ambiente no qual os
Bhuts possam prosperar. Esse é, na verdade, o imperativo
psicossomático que está na base da verdadeira noção de lei. O
Jus Quiritum dos primeiros romanos emergiu de uma liturgia de
exorcismos e ritos religiosos que combinavam as energias
psíquicas contra os Bhuts adhármicos.
De fato, já é tempo de encontrarmos novamente nossa
conexão com o darma. Para fazermos isso, é bom que não
esperemos muito dos sistemas existentes, ética e legalmente.
Isso porque, a História demonstrou, com grande riqueza de
detalhes, que os melhores sistemas puderam ser manipulados
pelos piores homens. O Estado idealizado por Hegel, por
206 O ADVENTO

exemplo, que se supunha capaz de realizar o bem comum (o


bonum commune de São Tomás de Aquino) tornou-se o
instrumento do sadismo nazista, um século depois.
Hoje em dia, no Ocidente, adjetivos tais como ‘bom’ e
‘mau’ são usados da mesma forma como os adjetivos ‘azul’ e
‘amarelo’. É ‘bom’ aquilo que me agrada; é ‘mau’, por exemplo,
o estado da inflação ou a afluência de muita gente, no metrô, na
hora do rush. Fizemos da tolerância um valor absoluto e nos
esquecemos de que tolerar o mal é prejudicar o bem! E a
liberdade da qual nos orgulhamos tanto consiste em nos colocar
à mercê de forças ocultas. As pessoas bonitas (beautiful people)
da década de 60 encheram os cofres dos falsos profetas,
permitindo que estes criassem seus impérios abomináveis. Não
nos esqueçamos de que, em última análise, a sobrevivência de
uma civilização repousa na qualidade da estrutura psico-
espiritual, moral e legal que a sociedade constrói, para se
proteger das forças maléficas, seja qual for o modo pelo qual
elas atuem. Quando essa barreira se desmantela, o fim está
próximo. O fim se anuncia pela corrupção dos costumes e a
dissolução social.
Voltemos ao tema da família, célula básica do edifício
social. A cerimônia do casamento representa a aceitação da
união pela coletividade humana, que é o sentido da dimensão
religiosa, e pelo grande ser primordial do Virata. Quando o
novo lar está banhado de amor, consideração e ternura do casal,
muitas bênçãos se materializam, inclusive a prosperidade
material (por meio da graça de Shri Lakshmi como Gruha
Lakshmi, a divindade do lar).
Alguns versos do poeta Emile Verhaeren celebram essa
felicidade do casal, em seu livro “As horas claras”: “Tenho as tuas
mãos entre as minhas...E teus olhos confiantes que me retêm...Com seu
fervor, tão docemente; E te sinto em paz com todas as coisas...Que nada,
nem sequer uma fugitiva suspeita de temor...Perturbará, nem por um
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 207

momento, A confiança santa... Que dorme entre nós como uma criança que
repousa.”
A atenção correta, que o casal dá aos seus atos e
relações, tece em torno dele o interesse já despertado das
divindades. A conexão com o Inconsciente Universal é mantida,
e a família permanece ligada à divina ecologia. Os dias, os
encontros e eventos saboreados juntos são o penhor de uma
sólida felicidade. Devido ao fato de ter me casado, cinco anos
após a Auto-realização, vivenciei, pessoalmente, como o
casamento ratificou e ampliou as conquistas da Auto-realização.
A própria cerimônia fez com que minha esposa e eu
mergulhássemos numa meditação muito profunda, cuja alegria e
consciência coletivas nos vincularam aos outros participantes.
Desde então, o ritmo das coisas construiu em torno de nós uma
nova arte de viver, de compartilhar e de receber. Todo esse
domínio de novas alegrias é, naturalmente, impensável na
promiscuidade dos estilos de vida ‘liberados’, que os conduzem,
de fato, para a impossibilidade de se obter o autoconhecimento.
Shri Mataji expressou isso, num tom quase de desalento.
“Se o amor não puder florescer nas condições ótimas do
matrimônio, como é que poderá florescer fora dele? Como é que o
mundo todo poderá conhecer o amor?”

Shri Mataji comentou, de forma abrangente, o


relacionamento entre o marido e a esposa:
“Eles não são idênticos, mas ambos são semelhantes, não há
dúvida! Um é a roda direita e o outro é a roda esquerda do carro. Se uma
das rodas for maior do que a outra, o carro não poderá andar direito.
Ambos devem ser respeitados. O relacionamento entre o marido e a esposa
tem de ser absolutamente informal e espontâneo; toda artificialidade entre
eles deve desaparecer. Eles devem se amar e, também, algumas vezes,
podem discutir, a fim de demonstrar sua vinculação. Isso é um sinal de
uma relação sadia. Todavia, uma mulher deve comportar-se como mulher e
um homem deve ser como homem. A fidelidade espontânea, o amor e o
compartilhar são as únicas maneiras de dar e receber as alegrias do
casamento. O menor desvio da fidelidade conjugal deve ser absolutamente
208 O ADVENTO

evitado, e, se cometido, deve ser confessado abertamente. Uma pessoa que


não acredita no relacionamento do tipo ‘um homem e uma mulher’ não
deve jamais contrair matrimônio; por que tornar uma outra pessoa infeliz?
Os efeitos da infidelidade secreta são devastadores e podem arruinar toda
a sociedade.”

Por exemplo, pode acontecer de uma mulher desenvolver


um câncer de mama devido à sua insegurança provocada pelo
comportamento leviano de seu marido. Comprovou-se essa
relação de causa e efeito em muitas sessões de terapia vibratória.
A sagrada instituição da família está ameaçada pelas
luzes da era pós-guerra. Entretanto, essas luzes são sinais que
foram acesos pelos náufragos. Vejamos isso um pouco mais de
perto.
Sabemos que as células do organismo são,
espontaneamente, arranjadas, conforme certos esquemas, e que
a ruptura desses esquemas leva à morte da célula ou à sua
mutação cancerosa que pode ameaçar os tecidos vizinhos. Do
mesmo modo, cada indivíduo é parte de uma rede sutil de
energias, que mantém o equilíbrio de sua personalidade. Essa
rede essencial ou básica é chamada de família. A ruptura desse
esquema ameaça a harmonia psíquica e emocional do indivíduo.
Vimos, muitas vezes, como os Chakras das pessoas são
danificados por problemas de seu ambiente familiar. Quando um
membro da família se comporta de maneira arbitrária (o pai
bebe, a mãe segue suas histórias românticas, o marido é um
playboy, etc.), o senso de coletividade se perde. Aqueles que
estão em torno dessa família destruída ficam desestabilizados, e
sentem que seus valores e modelos de comportamento foram
aviltados. Motivados por um espírito de vingança, podem adotar
algum tipo de comportamento prejudicial à sociedade. Numa
família em que a mãe não é respeitada, as filhas perdem seu
senso de castidade. Isso foi demonstrado, em alguns estudos
sociológicos, cujo tema era a motivação das prostitutas
‘profissionais’, por meio dos quais verificou-se que,
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 209

freqüentemente, os pais delas eram adúlteros, e assim elas


procuravam vingar suas mães, punindo o sexo masculino ao
desviar outros homens do bom caminho.
Por causa dessa família desarmônica, a mutação
cancerosa se espalha por toda a sociedade, sem que ninguém se
dê conta disso. Uma pessoa que abandonou os valores da família
emite pensamentos contrários à vida familiar, que subjugam,
particularmente, os indivíduos mais fracos, que mudam seus
valores e comportamentos. As células do organismo social
começam a se degenerar umas após as outras.
Shri Mataji fez a seguinte observação: “foi a introdução da
moeda na economia que produziu os primeiros atentados contra o casal”.
Isso porque, nas sociedades agrárias que precederam as
sociedades que usam a moeda como meio de troca, os homens e
as mulheres desempenhavam papéis que, apesar de diferentes,
eram reconhecidos como tendo igual importância. Os egos de
ambos os parceiros eram igualmente satisfeitos. Contudo, no
momento em que o marido começou a ser aquele que trazia
dinheiro para o lar, ele achou que tinha uma importância maior,
seu ego inflou e ele começou a depreciar a posição de sua
esposa. A mãe de família, apesar de desempenhar uma função
vital, porém não remunerada na sociedade, não contava mais
com a estima e a consideração da sociedade que lhe eram
atribuídas até então. Ademais, as grandes somas de dinheiro
trazidas para casa pelo marido, começaram a atrair a atenção
voraz de outras mulheres. Mesmo hoje em dia, os homens
flertam com secretárias e vendedoras e esperam que suas
esposas passem as camisas que suas amantes desabotoarão.
“Ótimo”, disseram as mulheres e assim abandonaram o papel
adequado a elas, vale dizer, o de satisfazer as necessidades da
sociedade em termos do canal lunar, e, soltando as rédeas de
seus egos, passaram a se dedicar às tarefas próprias do canal
solar. Esse movimento pode seguir vários caminhos. A mulher
se torna carreirista, feminista, ou, de fato, faz com que os
210 O ADVENTO

homens ‘caiam’, um após o outro, a fim de satisfazer seu ego.


Muitos homens também agem de modo semelhante. As relações
extraconjugais não são quase nunca o encontro verdadeiro de
dois corações (não confundir com um melodrama emocional),
mas quase sempre um encontro de dois egos. Citemos,
novamente, esse observador tão perspicaz que era La
Rochefoucauld: “A razão pela qual um homem e sua amante nunca se
cansam um do outro é porque eles sempre falam de si mesmos”.
A castidade de uma mulher é seu maior poder, pois por
intermédio dele, ela mantém aquilo que ama, sob a atenção do
Inconsciente, porque Shri Ganesha a abençoa. Todavia, quando
abandona esse poder secreto e salta a barreira, ela pode, muito
facilmente, conquistar tudo aquilo que produziu a aparente
supremacia do macho e sobretudo o dinheiro. Poderá ganhar a
nova guerra entre os sexos, porém destruirá, de passagem, o
mundo todo e se transformará num monstro de dominação. A
confusão emocional na sociedade torna-se assim mais profunda;
a homossexualidade encontra aí sua raiz. Para Shri Mataji, “O
homem e a mulher se completam e podem tornar sua vida tão bela e cheia
de alegria. Quando é que o homem aprenderá a se deleitar com aquilo que
é dele, sua própria esposa, ao invés de cobiçar a mulher do próximo?” O
casamento do sexo e do dinheiro quebra essa confiança entre o
homem e a mulher.
Na Índia, durante a cerimônia de casamento, nove
símbolos são apresentados à noiva, os quais representam os
poderes de Shri Lakshmi. Isso ressalta que os poderes da mulher
casada ligam seu lar (e as pessoas vinculadas a ela) ao esquema
evolutivo do seu desenvolvimento espiritual. Ela é o poder, a
força e o suporte do lar, mesmo em situações econômicas
difíceis, ou ainda, em circunstâncias, algumas vezes, dramáticas.
Tiremos as conclusões. Já é tempo de reconhecermos,
sabiamente, que o darma deve ser respeitado e estabelecido com
total liberdade. O darma desaparecerá se for imposto pelas
restrições de um inquisidor ou chefe político.“O darma se
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 211

extingue quando aplicado por coerção externa, tal como as


penas de um pavão que são atadas nas de um corvo”, segundo
o comentário de Shri Mataji. Todavia, a liberdade não consiste
em desmantelarmos nossas famílias, nem sequer em nos tornar
escravos de nossas fraquezas. Todos os costumes e estilos de
vida que encorajem nossa decadência, ou uma ‘abertura’ para o
pecado, ou uma ‘tolerância’ em relação aos Bhuts devem ser
combatidos de forma radical. Em verdade, se um homem e uma
mulher se amam, logo, devem se casar. Se não se amam, é
melhor que se separem. Esse é o modesto ponto de partida para
quem deseja recuperar seu equilíbrio e se preparar para sua
Auto-realização. Esqueçamos as teorias das igrejas que
identificam o progresso espiritual com a repressão sexual,
engendrando intermináveis gerações de sacerdotes frustrados.
Rejeitemos, também, as teorias da psicologia moderna que
justificam nossas fraquezas, bajulam nosso ego e projetam nos
outros - nos pais, na infância, na sociedade - a responsabilidade
por nossos pecados. Encaremos, corajosamente, o caos de
nossas sociedades. Quantos, dentre nós, podem ler com
equanimidade as seguintes linhas do evangelho: “Ouvistes aquilo
que foi dito aos antigos que não cometereis adultério. Eu, porém, digo-vos
que todo aquele que olhar para uma mulher cobiçando-a, já em seu
coração cometeu adultério com ela.” Mateus 5,27. Nesse caso
específico mencionado por Cristo, os Bhuts depravados podem
passar de uma pessoa para outra, mediante uma mera troca de
olhares!
Não obstante, uma profecia muito antiga vaticinou que
os santos, que estivessem à procura de Deus, obteriam sua
Auto-realização durante a pior escuridão da era das trevas (Kali
Yuga). Por isso, devemos olhar para o futuro com confiança em
nossas chances de evolução, sejam quais forem os erros
cometidos e sejam quais forem as dificuldades dos tempos
modernos. Diz-nos Shri Mataji que “Nirmala significa pura. As
pessoas me perguntam, ‘o que é que acontece com nossos Karmas?’ Eu os
212 O ADVENTO

absorvo e os aniquilo. Sua Kundalini é como um fogo que queima suas


impurezas”. No entanto, para que a graça possa atuar, devemos
abrir mão das atitudes que a insultam.
Devemos desistir de todos os fatores que prejudicam
nossa consciência, tais como as bebidas alcoólicas, as drogas e o
fumo. Redescubramos a alegria do sexo dentro da santidade do
casamento. Voltemos nossas costas para a violência e o
deboche, bem como para todas as formas modernas e sutis que
tentam legitimar esses vícios. Não nos vinculemos a esses falsos
profetas que são apenas feiticeiros e necromantes.
Caros leitores atentos, que me seguiram até aqui, vocês
sabem, perfeitamente, que não lhes foi dito nada de novo,
porque essas admoestações estão contidas nas estâncias do
Bhagavad Gita, nos versículos da Bíblia, nas estrofes do
Alcorão e nos ensinamentos do Guru Nanak. Temos
simplesmente de afinar nossas harpas e preparar os alicerces de
nossa era para a Realização do Si. Entretanto, se meu apelo não
é novo, ele é urgentíssimo. Isso porque, expirará, em breve, o
prazo dado para que nos corrijamos, tal como Cristo e o Profeta
Maomé tornaram claro: “E o que sucedeu no tempo de Noé, do mesmo
modo sucederá também quando vier o Filho do homem. Eles comiam e
bebiam, casavam os homens com as mulheres, e as mulheres com os
homens, até o dia em que Noé entrou na arca, e então veio o dilúvio e fez
perecer a todos. E como sucedeu em tempo de Ló, estavam comendo e
bebendo, faziam compras e vendas, plantavam e edificavam. Mas no dia
em que Ló saiu de Sodoma, choveu fogo e enxofre do céu, que consumiu a
todos. Assim mesmo será no dia em que se há de manifestar o Filho do
homem”. Lucas 17, 26-30

“Quando o tempo chegar, ninguém saberá como negá-lo.


Alguns serão rebaixados, outros serão exaltados.
Obedeçam a Deus antes que chegue o dia, o dia em que Deus
não recuará. Nesse dia, não encontrarão lugar para se esconder.
Vocês não poderão negar suas obras.”
Alcorão, 56.1 e 42,46
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 213

O prazo fatal é verdadeiro. Falaremos sobre isso mais


adiante.
É claro que é quase impossível nos mantermos
dhármicos numa sociedade adhármica. Todavia, fomos nossos
próprios predecessores e em nossas encarnações precedentes,
conduzimos nossa sociedade à sua presente situação caótica e
suicida. Fomos também aqueles que, mediante os seus erros,
procuraram a verdade. E é isso que conta! Possam todos os
buscadores da Verdade ser despertados! Vamos pedir perdão.
Vamos levantar nossas cabeças. No Ramayana, Shri Rama diz
para Vibhishana, o demônio arrependido: “seja quem for que
procurar refúgio em mim, eu não poderei rejeitá-lo”. Shri
Krishna disse a Arjuna no Gita: “não tenha medo, livre-se de
todas as dúvidas. Redimirei seus pecados”. E o Filho falou
como o Pai, que se rejubilou com a descoberta da ovelha
perdida.
O verdadeiro significado da palavra islã é a ‘entrega’ a
Deus ou a ‘submissão’ a Alá. Alá é misericordioso e
compassivo. Tornando possível a incrível maturidade da Sahaja
Yoga, Shri Mataji nos forneceu um instrumento para nossa
salvação imediata. Ela veio para nos trazer a emancipação e para
nos revelar aquele reino onde o darma é transcendido. Nesse
reino não podemos ser condicionados nem tentados. Nele, não
somos impelidos a agredir ou a oprimir os outros, porque nos
tornamos testemunhas desapegadas da magnífica Obra de Deus.
Isso porque, no final dessa Kali Yuga, a humanidade alcançará,
inconscientemente, o maior ponto de inflexão da História. As
alternativas são inexoráveis, vale dizer, a integração ou a
desintegração. O campo em que se trava a batalha entre essas
alternativas encontra-se em nosso interior. O darma é uma força
centrípeta de suporte interior e coesão que coloca tudo em torno
do Si. “É um ponto em que a força da gravidade de nossos
pecados não pode agir”, como diz Shri Mataji. A Sahaja Yoga
214 O ADVENTO

restaura em nós, espontaneamente, o darma, quaisquer que


tenham sido os excessos praticados, por nós, no passado.
Posso testemunhar tudo isso. É tão somente esse
testemunho que me permitiu escrever esse livro. Antes de agosto
de 1975, no qual encontrei Shri Mataji, sofri muito pelo fato de
ter praticado todas as besteiras que as pessoas de minha geração
praticavam. Exauri, com uma sucessão de namoradas
complacentes, minha capacidade de sentir a felicidade de estar
na companhia de alguém. Fumei haxixe em Genebra, cheirei
cocaína em Nova York, tomei LSD na Califórnia, misturando
assim uma exploração de geografia terrestre com uma topografia
ainda mais incerta dos paraísos falsos. Tentei compreender o que
acontecia comigo e o que ocorria ao meu redor. Entretanto,
fiquei aturdido em meio a todos aqueles sujeitos desorientados.
Eu não entendia muito bem, mas acho que estava totalmente
perdido. Éramos como náufragos à deriva, tentando, mesmo
assim, ajudar uns aos outros. Essa fraternidade certamente
aqueceu meu coração, porém o que me manteve à tona, ao
longo do tempo, foi o conselho de Sócrates ‘de não levar nada
demasiadamente a sério’, para se evitar o risco de levar muito a
sério algo que não valesse, realmente, a pena.
É bom ressaltar que podemos aprender com as drogas
que existem várias províncias cósmicas. Apenas isso. As drogas
nos lançam no supraconsciente ou no subconsciente, onde
ficamos sem defesas psíquicas. Os Bhuts sabem perfeitamente
disso e é claro que tentam tirar proveito dessa situação.
Nessa época, meu corpo tinha mais darma que eu, e
protestava contra aquilo que meu ego o fazia sofrer. Ele me
enviava vários sinais que eu não entendia. Dormia muito mal,
sofria de problemas neurovegetativos, e tendia a me tornar cada
vez mais instável em meus diferentes relacionamentos.
Por ocasião de meu primeiro encontro com Shri Mataji,
ela pediu licença, várias vezes, para ir ao banheiro. Eu a ouvi
vomitar. Ela estava absorvendo as vibrações ruins acumuladas
OS MÉRITOS DA VIRTUDE 215

em meus Chakras, e suas idas ao banheiro eram uma


conseqüência direta disso. Não senti muito orgulho disso... No
entanto, ao me tornar testemunha de minha própria salvação,
finalmente, tive todo o tempo para constatar onde e como me
havia desviado. Também pude ver o que deveria fazer para sair
daquela situação desconfortável.
Consideremos, por um momento, a percepção hindu
acerca das leis cósmicas. Brahma e Saraswati manifestam a
energia criativa de Deus, Shiva e Kali, a energia do desejo e da
destruição, e Lakshmi e Vishnu, a energia de proteção,
sustentação e evolução, cujo aspecto normativo é o darma. A
qualidade dhármica desperta, em nós, a predisposição de fazer o
bem, de ter virtude e de praticar a justiça. Fora de nós, essa
qualidade dhármica trabalha nas modalidades de coesão e
integração do cosmo. Assim, quer no microcosmo, quer no
macrocosmo, o darma é, simplesmente, o princípio da ecologia
divina. Sem darma não pode haver ecologia. Os delicados
mecanismos de auto-regulação dos ciclos de energia ficariam
desordenados. O drama de nosso tempo é que a tecnologia nos
armou para que pudéssemos interferir na biosfera, enquanto que
nosso senso de darma não evoluiu no mesmo ritmo. Nosso
poder mecânico, nossa química e nossos computadores
aumentam e espalham as conseqüências de todos os nossos
inumeráveis erros. Em meio a tudo isso, a chamada ‘elite
pensante’ não suspeita, nem por um momento, que possa existir
uma aliança letal entre os Bhuts e as máquinas. Entronizadas por
nossas proezas técnicas, as forças do mal (que não existem,
segundo os ‘pensadores’ modernos) instalaram-se na mente da
humanidade. Elas arruinaram a vida familiar e nossas cidades.
Atacaram nosso sistema nervoso (o estresse moderno). Se não
as combatermos, elas destruirão as condições de sobrevivência
da vida na Terra. Estamos na iminência de descontrolar os
ecossistemas de nossa Mãe Terra. Estocamos a energia de nosso
pai, o Sol, nas bombas atômicas. Conquistamos a matéria. Isso
216 O ADVENTO

foi algo sensato que fizemos, segundo o livro do Gênese. Nesse


meio tempo, a matéria dominou nosso espírito, algo que jamais
devíamos ter deixado acontecer.
Os sábios, os estadistas e os pensadores estão
começando a perceber, lentamente, que estamos na iminência de
provocar nossa própria destruição e que a única saída seria a
promoção de uma espécie de revolução espiritual. Ao mesmo
tempo, os falsos profetas, fiéis ao seu propósito maléfico, estão
medindo a distância até a brecha. Para que se possa acreditar na
solução desse dilema, é preciso ser incorrigivelmente otimista ou
ter encontrado, de fato, uma boa solução!
Qual seria a solução? “Trata-se de uma utopia”, dirão
os eruditos. Eles observam que, muito naturalmente, o
incorrigível milenarismo cristão se reaquece com a virada do
milênio. O alarme é tocado, o sinal é dado e o fim do mundo é
esperado. Recentemente, as Testemunhas de Jeová fizeram suas
rondas, pregando o iminente fim do mundo (ainda que este seja
sempre adiado por causa de suas preces). Os astrólogos estão
preocupados. Nostradamus é consultado. O que é que está
acontecendo? O Apocalipse? Agora? Em breve? Nunca?
Vamos primeiro dar uma olhada na parte da peça que
vem em primeiro lugar, antes de evocar seu grande clímax.
DO OUTRO LADO DO LIMITE

CAPÍTULO VI

Nada existe além do Si.


Shankaracharya

Em sua Crítica da Razão Pura, Emmanuel Kant


anunciou, sobriamente, que a estranha razão humana era incapaz
de ignorar algumas questões filosóficas, para as quais ele não
possuía respostas convincentes. Com efeito, quando se
consideram as diversas áreas da filosofia (epistemologia,
ontologia, cosmologia, filosofia política, etc.), descobrimos que
os pensadores se debruçaram apenas sobre uma questão tão
irritante quanto fundamental. Se despojarmos essa questão das
formas intelectuais que incorporou, ao longo das civilizações,
vemos que ela aparece, em última análise, como um dilema que
se duplica como um enigma. Por exemplo, na história das idéias
européias, ela surge como vários binômios: identidade/mudança,
matéria/espírito, acaso/necessidade, essência/existência,
substância/acidente, etc. O grande dilema consiste no fato de
que o limite entre o finito e o infinito passa pelo homem, o qual
fica assim dividido, de certa forma, por essa contradição.
Descartes, por exemplo, considerava que a glândula pineal era o
ponto de encontro, quer do aspecto espiritual, quer do lado
animal, do ser humano. ‘De que maneira ultrapassar esse limite?’
Este foi o enigma que assustou os alquimistas, os místicos e os
santos. Para o intelecto humano, a contradição primordial reside
no fato de que o infinito (que é absoluto, universal, necessário e
218 O ADVENTO

‘cósmico’) manifesta-se no homem por meio de sua dimensão


finita (que é relativa, particular, livre e ‘microcósmica’). O
infinito é, simultaneamente, revelado e oculto pela sua
manifestação, o que é expresso pela noção hindu de Maya e a
noção cristã de Mistério.
“Que importância tem isso?”, indagarão, com soberba,
as gerações daqueles que não quiseram se deixar envolver pelas
questões da metafísica. Contudo, é impossível desconhecer essa
contradição, porque a consciência humana participa do jogo
cheio de artifícios, mediante o qual o infinito se revela no finito.
O homem traz dentro de si mesmo algo de infinito, apesar de ser
limitado pela individualidade de seu ego. Apesar de dividido, ele
tem consciência de sua divisão. Não é “anjo nem demônio”, diz
Blaise Pascal, para o desconforto de Sören Kierkegaard, porque
este acha difícil que o homem aja, sinta e pense, sendo algo
como ‘nem isso nem aquilo’. Segundo Paul Valéry, “o homem
procura, há muito tempo, compreender de que lhe serve ter essa
dose razoável de espírito que sente. Esse excesso que lhe diz
que não é uma solução exata para o problema de viver, porque
ele encontra sempre um pretexto para não se sentir satisfeito
com o momento presente”. Todavia, J. P. Sartre, em seu livro
“O ser e o nada”, expõe com uma amargura sarcástica que
sermos ‘humanos’ é precisamente sofrer, sem esperança, o
absurdo da contradição existencial. Somos duplamente
condenados. Primeiro, por desejarmos a plenitude da existência,
e em segundo lugar, por não conseguirmos alcançar esta
plenitude. Sim, esse mundo considerado em sua gigantesca
insignificância é, exatamente, aquele que ecoa o grito de
Macbeth (5.5.24) : “Um conto narrado por um idiota, cheio de
ruídos e de fúria, que não significa coisa alguma”. A
alternativa seria a panacéia cristã proposta pelas igrejas, nas
quais a salvação exige a abdicação da inteligência e da liberdade.
Não! Que o homem preserve, pelo menos, a nobreza de sua
revolta! Camus, um pouco mais afortunado que Sartre, morreu
A DANÇA DE SATÃ 219

ao volante de seu carro, evitando assim cair numa má-fé


marxista um pouco fácil.
Nem todos têm a coragem altiva dos existencialistas,
pois é difícil viver apenas pela força do desespero e sobreviver
somente com a conclusão de que nossa existência não serve para
coisa alguma. Outros pensadores ocuparam-se com a síntese, em
vez da auto-hipnose induzida pela contradição (os
existencialistas são os herdeiros da escola jônica, porque se
colocam entre o Ser imutável de Parmênides e a perpétua
mudança de Heráclito). Isso também trouxe uma consolação
passageira. Aristóteles e São Tomás de Aquino criaram
conceitos importantes que objetivavam a obtenção da síntese.
Todavia, como a fênix renasce de suas cinzas, o debate se abria
de novo após a elaboração de cada síntese. Em seu “Contrato
social”, Rousseau (com sua afirmação de que “o homem nasce
bom, a sociedade torna-o mau”) propôs uma solução que
revolucionou a filosofia política.
Por outro lado, Santo Agostinho fixou o limite que
separa a Cidade de Deus do mundo dos homens, o que deu
origem à delegação vertical de autoridade, sobre a qual se
baseou o direito divino dos reis. Rousseau substituiu a imanência
pela transcendência, e o poder que vinha de baixo pelo poder
que se originava do alto. Para o pai da democracia moderna, o
limite é ultrapassado mediante a inserção do indivíduo na
universalidade do ser coletivo social, para o qual o indivíduo
delega parte de seus direitos. O homem não fica mais isolado
dentro de seus limites e se torna uma parte integrante do grande
Todo. Essa intuição fundamental, essencialmente correta,
buscou sua concretização num ambiente que não lhe convinha,
ou seja, na esfera política. Pretendendo que sua cidade se
tornasse semelhante à Cidade de Deus, os homens inventaram o
estado totalitário. O deslocamento do limite entre o finito e o
infinito criou a utopia. Todavia, a utopia gera quase sempre os
220 O ADVENTO

assassinos. O lema ‘liberdade, igualdade e fraternidade’


conduziu-nos a Robespièrre e ao Terror.
Tendo lustrado suas armas filosóficas em seu tratado de
lógica, Hegel fez um último e formidável esforço no sentido de
conciliar o finito e o infinito. Em seu livro “A fenomenologia do
espírito” defende a tese de que a mediação da razão supera as
contradições da consciência alienada (das Unglückliche
Bewusstsein), porque a razão permite que a autoconsciência se
dê conta de sua universalidade. O universal e o particular se
reconciliam, porquanto “a razão é a certeza consciente de ser a
realidade total”. O modelo hegeliano, malgrado algumas
intuições engajadas, não pode funcionar por uma razão muito
simples. A síntese mais elevada que consciência pode vivenciar
apenas emerge quando é alçada para além do intelecto. Sem essa
transcendência, a Razão (Vernunft) não pode se identificar com
o espírito (Geist). Não havia mestres zen-budistas na Prússia dos
Hohenzollern para dizer que o Satori era possível.
A ambição de Hegel de abranger sua época pelo
pensamento hegeliano não morreu com ele. Os hegelianos de
direita e de esquerda tentaram fazer sua síntese num nível
bastante inferior. Os hegelianos de direita exaltaram o Estado e
prepararam o caminho para as teorias fascistas de Sorel e de
Mussolini. Os hegelianos de esquerda se apropriaram da
dialética do espírito para transformá-la na dialética da matéria.
Marx, Engels e Lenin desenvolveram um modelo reducionista no
qual o homem é manipulado pelo conflito entre as forças
produtivas e os modos de produção. Esse modelo permitia a
concretização do sonho comunitário de Rousseau. A dimensão
do infinito ou do divino é negada ou ignorada. O marxismo
baseou sua estrutura conceitual na rejeição da grande síntese.
Em outras palavras, com Feuerbach e Marx, a filosofia
continental européia ‘resolveu’ o dilema entre o finito e o
infinito pela negação deste último. Desde então, não se levantou
mais o problema de cruzar o limite.
A DANÇA DE SATÃ 221

A outra grande corrente filosófica ocidental, a anglo-


saxônia, não negou o infinito, mas simplesmente ignorou-o. Na
pátria de Hobbes, Locke e Adam Smith, a grande preocupação
era organizar o mundo em torno do indivíduo e controlar, de
alguma maneira, o ambiente político-econômico do microcosmo.
A dimensão cósmica era uma questão de relativa indiferença.
Para David Hume, o único conhecimento aceitável era aquele
que pudesse ser verificado. Como Kant já havia afirmado, o
infinito não era verificável. A partir daí, a filosofia analítica e
estruturalista do século XX concentrou-se sobre um mundo
finito, feito de relações lógicas e lingüísticas. Isso explica a
asfixia intelectual das universidades ocidentais, as quais levaram
muitos estudantes para a rebelião marxista. Nem todo mundo
podia efetuar jogos abstratos com uma linguagem binária ou
com uma lógica ruim como Ayer e Wittgenstein.
Vamos resumir o problema. Para existir, a criança tem de
abandonar o éden intra-uterino e o estado de união cósmica que
vivenciou no ventre de sua mãe. A necessidade de se separar
para existir é a característica essencial do ser microcósmico. A
separação traz como conseqüência, naturalmente, a limitação.
Todavia, à medida que o homem evolui de uma encarnação para
outra, ele acorda, paulatinamente, para a intuição de que existe
uma parte de si mesmo que é ilimitada. Consciente ou
inconscientemente, procura recuperar o estado original da união
cósmica. Contudo, como é que ele poderia imergir numa
dimensão infinita, se ainda se mantém individual e autônomo?
Muitos pensadores tentaram alcançar essa universalidade por
intermédio da razão, sem se dar conta de que o domínio mental
engendra suas próprias formas e limitações. O século XVIII,
apesar de ter glorificado a razão humana, viu Kant estabelecer,
inexoravelmente, os limites da razão. Após várias gerações de
pessoas pretensamente racionais terem perpetrado duas guerras,
o Ocidente começou a perder sua fé nas virtudes da razão, e,
adotando as prescrições de Freud, muitas pessoas tentaram
222 O ADVENTO

recuperar a sensação da união cósmica por meio do sexo. No


entanto, a união da carne não é a do espírito, e aqueles que
buscam realizar o último mediante a primeira acabam incorrendo
no equívoco das seitas partidárias do ‘tantrismo’.
Assim, consciente ou inconscientemente, vamos
caminhando. “Está faltando algo na natureza humana”, diz
Shri Mataji. Falta-lhe o autoconhecimento. Todas as grandes
escrituras de nossas civilizações nos convidaram a nos conhecer,
utilizando-se de diferentes linguagens. Elas nos prometeram que
a união com a verdadeira realidade era possível. A palavra
religião vem do latim religare, que significa tornar a ligar
(religar), unir, unificar. Longe de ser uma quimera irritante, essa
ânsia pelo infinito que nos habita é o que nos aproxima do Real,
o que nos faz avançar. A Mãe, Shri Mataji, afirma: “O desejo de
conhecer o Além aparece na evolução da raça humana.
Quando um pássaro está em sua gaiola, ele aspira ao espaço
do céu. Semelhantemente, o homem ficou aprisionado na casca
de seu ego e de seu superego para que esse desejo de conhecer
o Além acelerasse o processo de evolução”. Nessa seqüência
aparece a ordem lógica da vida: “Como a semente contém todas
as partes da árvore, assim também, cada ser humano traz
consigo todas as sementes de seu crescimento espiritual”.
A oposição entre a matéria finita e o espírito infinito
parecerá, em última análise, um falso problema, criado pela
razão humana que analisa e separa, não obstante o homem se
sentir rasgado pela coexistência estranha entre o finito e o
infinito. Por outro lado, a ciência nos ensina que a matéria é
nada mais que pura energia. A espiritualidade também nos diz
que o espírito nada mais é que pura energia. Ora, a consciência
humana é uma forma de energia que atua, simultaneamente, nos
campos material e espiritual. A freqüência das vibrações, por
assim dizer, é a única diferença entre a matéria e o espírito. O
ser humano se defronta com a seguinte questão: ‘como
A DANÇA DE SATÃ 223

sintonizar a freqüência das ondas do espírito infinito que habita


em si mesmo?’
Nietzsche estava certo, pois o homem deve ser
sobrepujado. Em vez de lutar contra a aparente oposição entre o
espírito infinito e a matéria finita, o homem deveria dedicar-se à
descoberta das condições para a mudança da consciência
humana. Pensadores como Heidegger e Tomás de Aquino não
foram inspirados por uma intuição metafísica do Ser? O que é
que Cristo tentou dizer a Nicodemo? Qual foi a transformação
que aconteceu com Buda? Qual foi a experiência que motivou
Pascal a escrever sobre a “alegria, alegria, chorando pela
alegria” em seu “Memorial”? As lições da História são claras
nesse ponto. Quando posicionado em seu lado finito, o homo
sapiens pode apenas formular perguntas. Entretanto, é incapaz
de responder a elas, porque o domínio de sua atividade mental
está limitado ao mundo finito. O infinito apenas pode ser
conhecido por intermédio do infinito. Logicamente, o indivíduo
cuja atenção foi conectada ao infinito é capaz de conhecer o
infinito.
Conseguimos assim isolar o paradoxo verdadeiro. Ele
não reside mais entre o finito e o infinito, porém no fato de que a
contradição existencial do homem deve ser sobrepujada, se bem
que ele mesmo se mostre incapaz de se comprometer com essa
transformação. Foi, exatamente, essa a conclusão a que
chegaram os existencialistas em seu desespero. Hoje, com base
nas experiências desses últimos anos, os Sahaja Yogis são
capazes de apresentar uma nova hipótese. Por que não admitir
que um evento histórico, preordenado no Plano do Inconsciente,
poderia deflagrar um avanço na consciência humana? Afinal de
contas, algo deve ter ocorrido no caminho entre o macaco e o
homem! Evoluímos da ameba até o Homo Sapiens sem nenhum
planejamento de nossa parte, não sendo assim insensato supor
que o jogo espontâneo da realidade assegurará, da mesma
forma, nossa evolução ulterior.
224 O ADVENTO

Podemos adivinhar qual deveria ser esse evento? As


tradições religiosas milenares nos dizem: “É porque o homem
não pode, por si mesmo, unir-se a Deus, que Deus vem ao seu
encontro numa encarnação humana”. Como é que se pode
reconhecer uma encarnação verdadeira, entre milhares de cópias
tiradas com papéis-carbono que proliferam em meio a tantas
seitas? Fomos capazes, por acaso, de reconhecer o Filho do
Homem, quando este entrou em Jerusalém montado num
jumento? Muitas vezes, me pergunto isso. Todavia, hoje sei. No
dia 10 de agosto de 1975, no pequeno trem azul e amarelo em
direção a Hurst Green, eu estava abaixo do limite. Havia me
prejudicado seriamente, estava arrasado e cheio de dores.
Aconteceu, então, meu encontro com a Mãe. Ocorreu uma
reviravolta completa: o chão me fugiu dos pés, uma enorme
esperança invadiu meu coração e senti as vibrações divinas. Seis
anos depois, eis que agora escrevo essas linhas na penumbra de
uma noite romana. Observo a vida, observo a mim mesmo e
aqueles que encontrei pelo caminho. Descubro que estou do
outro lado do limite. Todas as peças do quebra-cabeça estão em
seus lugares. Sou testemunha disso. Gostaria de lhes contar, em
seguida, um pouco da transformação pela qual passei.
Março de 1977. Sentado numa espécie de parapeito, que
dá para o cais do rio Ganges, em Benares (hoje, Varanasi), com
o corpo e a mente felizes devido ao grande mergulho que havia
dado naquele rio sagrado, eu saboreio, intensamente, cada
momento. Estava sentado num pequeno terraço, sob a sombra
verde de uma árvore imensa cujos galhos subiam e desciam
como escadas. Nesses galhos, os pombos arrulhavam, os
macacos saltavam de um galho para outro e os esquilos corriam
de baixo para cima. Um velho Sadhu me ofereceu um pouco de
sua comida, mas recusei, educadamente, sua oferta. Numa
escola próxima, as crianças aprendiam o alfabeto e recitavam:
“a”, “b”, “c”, “d”, em coro. As propriedades do Ganges são
prodigiosas. A partir do momento em que saltei de meu barco,
A DANÇA DE SATÃ 225

no meio do rio, e passei, longos segundos, imerso em suas águas


verdes, me banhei num rio de paz e consciência,
maravilhosamente sereno e leve, num estado de profunda
meditação. Senti a Kundalini no topo de minha cabeça, e um
sentimento de grande ternura pela Índia. As margens do rio
estavam repletas de crianças que soltavam pipas. Um corvo
pavoneava-se sobre o dorso de um búfalo semi-submerso.
Nessas águas, que agora para mim também eram sagradas, um
pássaro morto e uma guirlanda de flores flutuavam sob meus
olhos.
Durante o período em que estava trabalhando para as
Nações Unidas, no Nepal, tive a oportunidade de visitar vários
centros de peregrinação. Em Janakpur, no Nepal, deixei o
templo de Janaki (ou Sita) levando comigo seu silêncio. Em
Pashupatinath, perto de Katmandu, e em Mukinath, no interior
‘tibetano’ do Nepal, santuários de Shiva irradiavam bem-
aventurança e perdão. Essa experiência do Real continuava onde
quer que fosse. Mesmo em Praga, onde uma pomba do Espírito
Santo e das estátuas da Virgem Maria defronta-se comigo no
esplendor das igrejas barrocas, imensas e vazias, senti a brisa do
Espírito Santo. Senti a mesma coisa na Catedral de Viena, na
qual o retábulo conhecido como Wiener Neustadt,
representando as três grandes Shaktis (Mahalakshmi,
Mahasaraswati e Mahakali) emite vibrações. O artista, autor
desse retábulo, foi, sem dúvida, inspirado pelo Inconsciente
Universal. Não havia como me enganar, pois senti a brisa que
desperta a atenção, limpa a consciência e ativa uma energia de
paz e amor. Meus dedos se tornavam frios, algo que eu podia
sentir fisicamente. Percebia a brisa fresca quando brincava com
crianças realizadas e, em meu país (Suíça), entrava em
comunhão com as montanhas. A brisa fresca emergia da Terra,
do mar e do Sol. Eu a vivenciava na solidão das montanhas,
quando me reunia com os Sahaja Yogis, ou quando tinha o
privilégio de encontrar Shri Mataji em algum lugar: Cabo
226 O ADVENTO

Comorin, Escócia, Paris, Genebra, Chartres, Roma, Londres,


Nova York, Los Angeles ou Hyderabad. Algumas vezes, a brisa
se intensificava num rio gelado de águas vivas. Meu Sahasrara
estava aberto, como uma clarabóia para o infinito. Meu
cotidiano e o ambiente em que vivo parecem ser os mesmos,
porém não são os mesmos. Não me sinto especialmente místico,
pois percebo com facilidade a vida diária e mantenho meus pés
no chão. Todavia, algo de extraordinário havia acontecido
comigo, porquanto o infinito havia se tornado, para mim, algo
verificável.
A experiência é comunicável, porque milhares de pessoas
a viveram. É preciso invocar aqui a agradável imagem de Shri
Krishna tocando sua flauta às margens do rio Yamuna, com Shri
Radha dançando e com todas as crianças da aldeia olhando.
Sinto que compreendo melhor a simbologia do jogo de Shri
Krishna, e de Sua música. Ele era a encarnação do Pai, do
Virata, nos disse Shri Mataji, e as notas de Sua flauta dão o tom
da dança de sua Shakti cósmica, encarnada como Shri Radha.
Do mesmo modo, as pequenas indicações, os sinais do destino e
as diretrizes do Inconsciente Universal que um Sahaja Yogi
percebe, conscientemente, são, de certa forma, notas da mesma
flauta mágica. O ser realizado entra facilmente nessa dança e em
seu ritmo, na coreografia cósmica, na qual às vezes tropeça, mas
mesmo assim percebe a atenção onipresente da Shakti divina,
simultaneamente, majestosa e amorosa, tão cheia de delicadeza e
humor. Respondemos ao Inconsciente e o Inconsciente responde
a nós. O diálogo se instaura. Sentimo-nos protegidos. A deusa
dessa dança se compraz em destacar eventos, datas e lugares,
jogando, criando um tecido de momentos bordados com o fio de
seda da beleza.
Foi assim que, após a Auto-realização, descobri o
mundo, as outras pessoas, os lugares, não mais como um turista
um pouco aborrecido, porém como um ser descobrindo outros
seres, o Si em mim sentia por intermédio da consciência
A DANÇA DE SATÃ 227

perceptiva vibratória o Si de todas as coisas. Adquiri uma certa


estatura e um certo distanciamento (como descrever algo que
não está situado no espaço?). Passei a ver melhor as coisas, a me
sentir mais tranqüilo, mais sólido, enfim, tinha algo mais.
Concordo que algumas partes de mim ainda estão flutuando no
exterior, com as cidadelas de ilusão que campeiam no panorama
do mundo adulto. Não me identifico mais com as sugestões
recebidas.
Ao invés de acreditar na tempestade, observo,
simplesmente, as nuvens passarem. Inspirado pela consciência
coletiva, meu relacionamento com os outros é, agora, muito
mais direto e seguro. Percebo. dentro de mim. os sentimentos
internos de outra pessoa, talvez melhor que ela própria. Antes
da Auto-realização, essa percepção se imprimia igualmente em
mim, porém eu não tinha consciência dela. Ao me encontrar com
pessoas diferentes, podia me sentir ou calmo ou agressivo,
porém sem saber o porquê disso, porquanto era incapaz de
distinguir as minhas vibrações das de outrem. Assim, por
exemplo - especialmente com a ingestão de drogas - podia sentir
a paranóia de outrem e acreditar que eu estava paranóico. Após
a Auto-realização, um encontro com essa mesma pessoa
registraria apenas sensações localizadas nos Chakras. A
consciência, como um todo, não é mais afetada.
“Após a Kundalini ter despertado o espírito, este
ilumina a consciência”, diz-nos Shri Mataji. É extraordinário
constatar quanto havia adquirido, em termos de clareza de
percepção, julgamento e discernimento. Antes da Sahaja Yoga,
havia tentado compreender alguns fenômenos de minha vida
psíquica. Agora, podia vê-los claramente. Essa visão é possível
por causa de uma certa distância interior entre o observador e o
objeto observado. Também é possível, porque o observador
pode desligar-se do fenômeno e concentrar sua atenção no
Sahasrara, de onde poderia contemplar o todo o panorama
psíquico. A montanha do ego que se infla para interceptar o Sol;
228 O ADVENTO

as profundezas submarinas do superego, cujas florestas de algas


contêm as criaturas das trevas. O duplamente nascido contempla
as enxurradas e as ondas de emoções (lado esquerdo) e de
pensamentos (lado direito) que surgem dos dois pólos a fim de
perturbá-lo...e que, freqüentemente, fazem com que ele decaia.
Todavia, a Kundalini, a deusa da Graça, põe, docemente, seu
filho de volta ao seu lugar. E o filho olha o mar cheio de peixes
estranhos...
De fato, tive a oportunidade de aprender, muito
simplesmente, que todas as coisas que procuram dominar minha
atenção se mostram, de uma maneira ou de outra, como um
estorvo. Todavia, essas formas de apego estão tão bem
camufladas dentro de mim, que elas somente se revelam e soltam
suas cascas de forma progressiva.
Um exemplo, dentre muitos outros, nos é fornecido pelas
identificações com os credos políticos, mediante as quais tantos
buscadores da década de 60 se perderam. Para a ‘direita’, que
defendia as noções rajásicas de primazia do indivíduo e da
competição, e a ‘esquerda’, que se opunha com seus valores
tamásicos de solidariedade e valorização do grupo. Tais eram os
dois pólos entre os quais oscilavam as várias opiniões políticas
daquele tempo. Contudo, Shri Mataji nos mostra como essas
duas posições são transcendidas por meio da Auto-realização.
“O duplamente nascido é o maior capitalista, dado que
ninguém pode acumular energia vibratória tão bem quanto ele;
simultaneamente, ele é o maior comunista, porque seu maior
desejo é compartilhá-la com os outros ao dar a Realização do
Si a outros seres humanos”.
Quanto mais a pessoa se aproximar do interior da aura
(campo de energia) do Si, mais ela experimentará a força da
identidade, da segurança e da fé em Shri Mataji e em si mesma.
Nossas próprias vibrações criam ao nosso redor um campo de
força protetora cada vez mais denso. Se uma negatividade for
suficientemente forte para se aventurar dentro dela, a pessoa
A DANÇA DE SATÃ 229

sentirá uma espécie de dissonância nas vibrações, uma perda na


simplicidade da vida e da unidade do ser. Assim, mesmo antes
de sentir uma dor num Chakra qualquer ou o surgimento de um
pensamento dissonante, a atenção despertada reage no afã de
proteger a integridade da aura. Depois de uma pequena
experiência com a atenção iluminada, não é difícil interceptar a
negatividade em suas primeiras ligações de uma cadeia de
pensamentos. Por outro lado, a negatividade emocional a mim
me parece mais difícil de ser captada e paralisada. Sou,
provavelmente, mais vulnerável em meus estados emocionais, do
que em meus pensamentos, por causa da fraqueza do meu Ida
Nadi. Os pensamentos são mais facilmente identificáveis e
manipuláveis. Os pensamentos podem ser enviados de volta para
suas fontes, muitas vezes interlocutores-Bhuts de outros
domínios cósmicos, que se esquivam diante do raio laser da
atenção clara. Segundo Buda: “Como o arqueiro que ajusta sua
flecha, o sábio fixa seu pensamento oscilante e incerto, difícil
de ser contido. Aqueles que segurarem as rédeas de sua mente
que viaja para longe, que se desloca sozinha, sem corpo, e que
se esconde no âmbito do coração, ficarão livres de Mara, o
tentador”. Finalmente, no estado de Nirvikalpa Samadhi, as
formas mentais são percebidas como ilusórias. Elas se
desintegram na densidade do silêncio e se esvaem como
miragens.
A atenção se exterioriza no pensamento no nível da
cabeça. Quando minha meditação é verdadeiramente boa, posso
conduzir minha atenção, geograficamente por assim dizer, para
o interior de meu corpo. Minha consciência perceptiva vibratória
se torna mais profunda e envolvente, quando a atenção do EU
está em torno do osso esterno. Em seguida, tento me deslocar
um pouco para a esquerda, em direção ao coração. Quando me
torno capaz de aí permanecer, me enriqueço com a dimensão de
uma existência ainda mais intensa e sagrada. Sinto que a atenção
ganhou densidade, que a integração interior acontece num
230 O ADVENTO

silêncio mais majestoso. Sou o Atman, com um corpo físico que


respira em torno dele. Flutuo numa espécie de banho de espuma
de amor e de felicidade, que se confirma quando a atenção se
eleva até o Sahasrara. É verdade que não fui capaz de
permanecer muito tempo nesse estado, porém o vivenciei muitas
vezes.
“Nessa manhã, meditei sobre a essência do Atman que vibra
e cintila dentro de meu coração, que é a Existência, a
Consciência e a Felicidade, a meta dos ascetas
Paramahamsas, o Quarto (estado de consciência). Aquele
que transcende os estados de vigília, sonho e sono
profundo, (e alcança) o indivisível Brahman, que é o que
sou e não esse agregado físico dos elementos.”
Shankaracharya, “Hinos e cânticos védicos”

A descida até o coração é fundamental para que os frutos


da Auto-realização possam ser saboreados. No entanto, como
somos ocidentais, isso ocorre, geralmente, um pouco mais tarde.
Temos um intelecto superdimensionado e um coração atrofiado!
Deus é Sat-Chit-Ananda dizem as escrituras antigas, isto é,
Verdade (ou Existência), Consciência Perceptiva Vibratória (ou
Consciência) e Felicidade (Bem-aventurança, Alegria ou
Êxtase). Após a Realização do Si, essas três qualidades se
tornam ativadas em nosso interior, devido à purificação dos três
Nadis correspondentes a elas. Shri Mataji nos diz que o poder
evolutivo e o desejo de Deus começam, simultaneamente, a fluir
em nosso parassimpático. Acontece, assim, a integração. Não
obstante, os Rajo Gunis do Ocidente, que se apegam,
exclusivamente, ao canal solar, vivenciam, em primeiro lugar, o
aspecto Chit (Consciência) de Deus. É bom ressaltar que o fato
de transcendermos o intelecto não significa que não devemos
mais usá-lo. De fato, acontece que nossa capacidade intelectual
se torna mais refinada e elevada. Nossa consciência torna-se
iluminada e são abolidos os limites de nosso conhecimento. Isso
A DANÇA DE SATÃ 231

significa, realmente, a concretização de um de nossos maiores


sonhos, mas ainda não é a meta final! Efetivamente, é somente
com a descoberta de Ananda, a Alegria de Shri Shiva, que
podemos nos fundir na plenitude do estado realizado. Isso não
foi fácil para uma pessoa como eu, por causa de meu ego e de
minha atividade cerebral extremamente analítica que separaram,
completamente, a consciência do coração.
Relativamente a isso, realmente não sei onde é que iria
parar, sem a benevolência e a paciência inesgotáveis de Shri
Mataji. Minha mente era como um piano mecânico quebrado,
um órgão enfadonho que tocava sozinho e que ninguém
conseguia desligar. Apenas o modo pelo qual a Mãe, Shri
Mataji, olhou para mim, reescrevendo a parábola do filho
pródigo, me deu força para acreditar que ainda tinha uma
chance. Minha lenta ascensão tomou a forma de um filme que se
desenrola em câmara lenta, e isso me permitiu registrar suas
diferentes etapas. Eu me sinto autorizado a antecipar algumas
observações, que, possivelmente, poderão ser úteis para aqueles,
dentre vocês, que quiserem receber a Auto-realização ou para
aqueles que a receberam há pouco tempo.
Preliminarmente, é conveniente que não nos fixemos nas
descrições que talvez tenhamos lido sobre a Realização do Si
(Nirvichara Samadhi). Alguns textos são apócrifos. Outros vêm
de Yogis amadores, que adquiriram alguns poderes psíquicos
(Siddhis) e acharam que suas experiências alucinatórias e as
manifestações dos Bhuts eram sua Auto-realização. Por outro
lado, entre a experiência da Auto-realização dos grandes mestres
do passado e a dos Sahaja Yogis da época atual, não há
nenhuma diferença de natureza, mas uma diferença que pode ser
enorme, em termos de gradação e de qualidade.
Posso explicar essa diferença qualitativa. Quando Buda
obteve sua Auto-realização, seu instrumental interior estava
perfeitamente purificado e aberto, e sua Kundalini chegou ao
Sahasrara com a força e a espessura de um cabo transmissor
232 O ADVENTO

poderoso. Quando alguém, como eu, obtém sua Auto-


realização, o instrumental interior encontra-se danificado e
somente alguns filamentos da Kundalini conseguem alcançar o
Sahasrara. A novidade histórica do método da Sahaja Yoga é
que esse método é realmente possível. Para Buda, a purificação
antecedeu sua iluminação. Para uma pessoa que vive hoje na
sociedade contemporânea, no meio da Kali Yuga do século
vinte, isso não teria sido possível. Logo, a purificação deve vir
depois da Auto-realização. Shri Mataji explica como é esse
processo: “Se não houvesse luz na sala, como é que vocês
perceberiam a desordem? Não adiantaria que tentassem
arrumar a sala no escuro, porque iriam tropeçar na mobília o
tempo todo. Em primeiro lugar, acendo a luz. Eu lhes dou a
Realização. Em seguida, iniciam o trabalho de limpeza em seu
próprio interior”. Essas palavras introduzem a condição
essencial do sucesso da Sahaja Yoga para alguém que pode ter
todas as espécies de problemas. A graça divina nos concede a
Auto-realização, porém só poderemos nos manter no estado
realizado, se nos dedicarmos com determinação a ele
(Sankalpa). Isso será, agora e sempre, uma escolha de nossa
liberdade soberana.
Houve alguns casos em Londres e em outros lugares, nos
quais, poucos momentos após a Auto-realização, os recém-
nascidos Sahaja Yogis saíram do estado de consciência-silêncio
e perderam suas vibrações. Entretanto, isso não deve ser usado
como pretexto para que alguém volte ao antigo estado de
confusão, de medo ou de dúvidas inquietantes.
Sentiram as vibrações? Se isso ocorreu, significa que a
Kundalini penetrou em seu Brahmarandhra e vocês se tornaram
‘realizados’. Todavia, isso não quer dizer que a Kundalini
permanecerá para sempre no Sahasrara. Tudo dependerá da
força do Muladhara Chakra, do grau de abertura do Agnya
Chakra, e de toda a história de vida da pessoa. Se a Kundalini
retornar à sua morada, no osso sacro, a condição da Auto-
A DANÇA DE SATÃ 233

realização ficará enfraquecida. As vibrações diminuirão e a


Chitta (atenção) ficará novamente perturbada. Contudo, seria
uma perda total de energia, se todos se sentissem frustrados e
desanimados. Se alimentarem dúvidas sobre vocês mesmos, isso
não mudará em nada a situação. Se fizerem as práticas da
Sahaja Yoga, vocês irão reforçar, gradativamente, sua
estabilidade. De qualquer forma, há diferenças relevantes entre o
estado enfraquecido dos recém-realizados e o estado dos não-
realizados, que era nosso estado antes da Realização do Si.
- Após sua ascensão, a Kundalini começa a promover a
limpeza dos Nadis e dos Chakras. É uma energia inteligente,
uma mãe amorosa, uma mente buscadora que volta, sem
repouso, aos seus objetivos. Ela se faz sentir, de vez em quando,
por meio de um frescor na coluna vertebral, de pulsações e de
um movimento ascensional que produz, suavemente, uma
sensação de bem-estar. Uma vez que a Kundalini tenha subido,
ela passa a conhecer o caminho e pode ascender novamente.

- Através da abertura sutil do Brahmarandhra, a pessoa


se torna conectada com a energia divina onipresente que, sob a
forma de Inconsciente, nos guia e nos protege e que, sob a
forma de vibrações, nos regenera.
- Devido à Auto-realização, adquirimos, imediatamente,
uma série de poderes, dos quais não temos ainda plena
consciência, por isso, é preciso que aprendamos a utilizá-los.

- Os desvios que se opõem ao darma são sinalizados


imediatamente, por intermédio de vibrações ruins, sensações de
pressão na cabeça, queimações localizadas ou dores nos
Chakras. Com um mínimo de vigilância, não há como não se
conseguir identificar, rapidamente, aquilo que nos perturba.
234 O ADVENTO

Todos esses elementos, e muitos outros, nos ajudam


enormemente, mas, acima de tudo, devemos ser práticos. Uma
vez que a Kundalini e o Atman tenham se unificado, os
duplamente nascidos começam a emitir vibrações, as quais
podem ser dirigidas ou concentradas em algum ponto desejado
pelo Sahaja Yogi, mediante alguns gestos. A Realização do Si
deflagra, de imediato, um conjunto de mecanismos internos.
Passamos a sentir os Chakras, nas pontas de nossos dedos, na
coluna vertebral e no cérebro; nossos órgãos começam a
registrar problemas indicativos das faltas que devem ser
retificadas. Com nossas mãos, podemos corrigir nossos próprios
Chakras e os Chakras das outras pessoas.
Por exemplo, depois de uma sessão de meditação
coletiva, senti em minha cabeça a pressão de meu ego ‘inflado’
que se estendia a partir da parte posterior da orelha esquerda até
a frente. Com os movimentos de minha mão que emitia
vibrações, pude reduzir essa pressão. Após o ego ter desinchado
no Pingala, senti uma segunda pressão que se acentuou no
hemisfério direito do cérebro e, principalmente, na têmpora
direita: o superego. Dei vibrações e consegui reduzir essa
segunda pressão até a base da orelha. A partir desse momento, o
espaço de silêncio em minha cabeça começou a crescer, vale
dizer, minha atenção foi capaz de subir até o Sahasrara e essa
ascensão me levou ao presente contínuo. Quando a Kundalini
atravessou o Brahmarandhra, comecei a sentir, no topo de meu
cérebro, o sopro de uma brisa quente que se tornou,
gradativamente, mais fria. Nesse momento, senti a mesma brisa
fresca em minhas mãos. Os Sahaja Yogis que estavam ao meu
redor sentiram essa brisa que vinha de meu corpo. Agora tudo
estava em ordem e eu me sentia desbloqueado. Se minhas
próprias forças não tivessem bastado para desfazer quaisquer
bloqueios ou para expulsar um Bhut, os outros Sahaja Yogis
concentrariam sua atenção em mim e essa convergência de suas
energias multiplicaria a força da positividade. Quando
A DANÇA DE SATÃ 235

trabalhamos juntos, uns com os outros, progredimos muito mais


rapidamente; podemos elevar as Kundalinis daqueles que pedem
para ter a sua Auto-realização; podemos equilibrar os Nadis,
acalmando aqueles que estão demasiadamente agitados e
ativando aqueles que estão letárgicos; podemos curar
enfermidades físicas, bem como expulsar Bhuts, etc. O
fundamento é sempre o mesmo: nossos movimentos são os
suportes da energia espiritual da qual nos tornamos
transmissores. Entretanto, o efeito desses gestos depende, é
claro, do nível de energia-consciência alcançado pelo Sahaja
Yogi, bem como da força da Kundalini do sujeito sobre o qual
ele trabalha e de sua fé na Sahaja Yoga. Shri Mataji diz:
“Shraddha (fé) não deve ser uma fé cega, mas uma fé
iluminada e baseada na evidência da experiência. Vocês devem
ter fé!” Com efeito, os amadores fracos ou medrosos são
incapazes de mobilizar os poderes das divindades de seus
Chakras. Essas divindades são extremamente sensíveis e, a cada
segundo que passa, são capazes de sondar, instantaneamente, os
rins e os corações.
A técnica (Yantra) da Sahaja Yoga desenvolveu-se
graças às experiências feitas pelos Sahaja Yogis durante as
meditações e, principalmente, pelas diretrizes que foram dadas
por Shri Mataji. Nesse livro que é introdutório e elementar, não
seria possível descrever todos os métodos que auxiliam um
Sahaja Yogi a consolidar sua Auto-realização, apesar de viver
num ambiente, quase sempre, pouco propício a isso. Não
obstante, ficaria faltando alguma coisa, caso não fosse
mencionada a ciência dos mantras, à qual Shri Mataji deu uma
amplitude e uma exatidão jamais conhecidas, mesmo na época
dos Vedas.
O fluxo das vibrações é estimulado pela recitação de
determinados mantras. Em sânscrito, Manana significa meditar.
O mantra é o que se pronuncia durante a meditação e constitui a
corporificação das vibrações num som específico ou numa
236 O ADVENTO

fórmula sagrada. Quando um mantra evoca um nome ou um


aspecto de uma divindade, ele ativa a radiação vibratória desta
divindade. Assim, podemos nos dirigir às divindades dos
Chakras e dos Nadis, remontando o caminho do Sushumna; o
mantra é, simultaneamente, a senha que abre as portas do
palácio (o Chakra) e a homenagem que prestamos ao soberano
(a divindade). Quando usamos um mantra, com a concentração e
a devoção adequadas, ele dissolve os obstáculos porventura
existentes no caminho da Kundalini e convida as divindades a
purificar nosso instrumento psicossomático. Como cada
divindade tem múltiplos aspectos aos quais correspondem
nomes diferentes, podemos invocar, segunda a necessidade,
freqüências de energias diferentes. Entretanto, desde os anos 60,
a ciência dos mantras tem sido ridicularizada.
Uma certa seita grotesca fez da repetição dos mantras
seu passatempo favorito; às vezes, podem ser vistos grupos de
pessoas que caminham pulando ritmicamente, ao longo da
Telegraph Avenue de Berkeley, ou da Oxford Street (Londres)
ou dos Campos Elíseos (Paris), com cânticos ruidosos e
tambores. É necessário fazer a seguinte observação: quando um
ser não-realizado recita mantras, ele se assemelha a alguém que
estivesse gritando diante de um telefone desligado. O aspecto
mais grave dessa situação é que os adeptos dessa seita ofendem
Shri Krishna, a quem deveriam venerar, e isso se tornará muito
perigoso para eles.
Não serão as vociferações nem as brincadeiras saltitantes
que ajudarão a identificar um ser realizado. Um ser realizado
não precisa enfeitar sua cabeça, nem vestir mantos alaranjados,
nem usar o retrato de seu falso guru cabeludo pendurado no
pescoço, nem pedir emprestado o sorriso padronizado de um
vendedor de aspiradores para anunciar em cada porta que todos
podem ser salvos por Jesus Cristo (aliás, para nós, isso é
totalmente verdadeiro). Um Sahaja Yogi repugna o
exibicionismo espiritual e é impossível fazer dele um retrato
A DANÇA DE SATÃ 237

robotizado. Após a Auto-realização, cada personalidade


desenvolve todas as suas riquezas, o que assegura as diferenças
de calibre entre as pessoas. A partir de seu nascimento, um bebê
é chamado de ser humano. Essa mesma designação é dada a um
ser humano adulto, porém um bebê e um adulto não estão no
mesmo nível. A mesma coisa ocorre com os que nasceram
novamente, os quais são chamados de ‘seres realizados’, desde o
seu segundo nascimento, vale dizer, desde a abertura do
Brahmarandhra. Entretanto, estes precisam crescer e
amadurecer. Alguns crescem mais rapidamente que os outros.
Essa diferença (biológica e/ou espiritual) existente entre os
crescimentos se explica pelo fato de que o sujeito pode
participar, consciente e ativamente, de sua evolução e da
expansão de seu potencial espiritual. Ele é um ator livre e
representa seu papel à sua maneira. Um ser realizado não se
converte, verdadeiramente, num Sahaja Yogi, até que tenha
dado a Auto-realização a uma dezena de pessoas.
Um ser humano pode aperfeiçoar-se. Um Sahaja Yogi é
um ser humano que é capaz, perfeitamente, de alcançar sua
perfeição. Ele é ainda uma criança e por isso ainda não é
perfeito, mesmo porque ele precisa merecer a perfeição. Shri
Mataji nos concedeu a Auto-realização com uma facilidade
incrível. Agora é necessário que consolidemos a manifestação de
nossa identidade mais profunda e estabeleçamos a consciência-
silêncio (Nirvichara).
Shri Mataji diz que: “Para assegurarem seu
crescimento, é necessário que aprendam a absorver as
vibrações. Como é que as árvores crescem? Por intermédio da
absorção da energia ambiente. A absorção é a única maneira
de crescerem. O meio utilizado por essa absorção é o estado de
‘consciência sem pensamentos’ (Nirvichara).Se não tiverem fé,
essa absorção será impossível”. Essa fé pressupõe gratidão,
humildade e deferência em relação àquela que propiciou a
238 O ADVENTO

ligação entre nós e a linguagem do Espírito Santo. “A fé


portanto consiste em reconhecer”.
Durante um seminário realizado em maio de 1980, Shri
Mataji explicou a seus filhos, que são os Sahaja Yogis, as etapas
do crescimento espiritual. Um ser humano evoluído (ao qual
chamamos de buscador) acaba por liberar, de um grande elenco
de desejos, o desejo de obter sua Auto-realização. Shri Mataji
aconselha: “neutralizem todos os seus desejos com um único
desejo, o de obter sua Auto-realização”. Essa primeira etapa se
desenvolveu em nossas vidas anteriores. Em seguida, vem a
segunda etapa que é a Auto-realização, vale dizer, o ingresso na
Sahaja Yoga. A terceira etapa permite que nos separemos da
atividade das Gunas em nosso interior. É o tempo da
purificação. Segue-se a etapa denominada Turyadasha, na qual
podemos comandar as Gunas. Tudo aquilo que fazemos e
dizemos repercute no cosmo; podemos dirigir os elementos da
natureza; os anjos e os deuses nos dão assistência. Depois, na
etapa seguinte, tornamo-nos capazes de projetar nossa ação no
cosmo, simplesmente pelo poder de nossa determinação
(Sankalpa). Passamos a viver, a partir daí, num estado de
desapego e bem-aventurança. Finalmente, o simples fato de
existirmos como o Si basta para irradiar o dinamismo divino.
Podemos entrar, à vontade e sem qualquer perigo, em todas as
regiões cósmicas (subconsciente e supraconsciente), porque nos
convertemos em mestres dessas regiões. Essa etapa corresponde
à Realização de Deus, vale dizer, nosso Si se reveste de todos os
poderes de Deus. Nossos Karmas (o resultado das ações) se
convertem, automaticamente, em Punyas (ações espiritualmente
meritórias); qualquer coisa que façamos torna-se um ato divino.
Daí porque o Samhara Shakti (o poder destruidor) de Shri
Krishna (dado a ele por Shri Mahakali) torna-se plenamente
justificado. As grandes almas que alcançaram a Realização de
Deus, bem como as encarnações divinas assumiram as leis de
Deus. Elas passaram a administrar o reino de Deus. Shri Mataji
A DANÇA DE SATÃ 239

afirma: “Todas essas etapas são, em princípio, acessíveis aos


Sahaja Yogis”. Essa progressão obedece ao mesmo ritmo da
vida que quer que todos os seres evoluam e amadureçam. A
Sahaja Yoga constitui uma transformação real e viva.
Embora tudo isso seja simplesmente fruto do bom senso,
aqueles que aspiram pela espiritualidade nem sempre têm esse
bom senso. Alguns deles vêm aos programas da Sahaja Yoga
esperando que os Sahaja Yogis já sejam angelicais. Outros
adotam a postura do ‘tudo ou nada’ e imaginam a Auto-
realização como uma espécie de fissão nuclear ou uma
experiência psicodélica, ao final da qual se encontrariam
unificados com a totalidade de uma perfeição inacessível. Ficam
desconcertados diante da simplicidade (apenas aparente) da brisa
fresca. Alguns, ainda, esperam ficar sentados à direita de Deus,
servidos por legiões celestiais que lhes proporcionariam
experiências transcendentais, ou uma promoção em seus
empregos, ou ainda a descoberta da mulher ideal. Um católico
prega o Evangelho e bloqueia o Agnya das pessoas. Um Hatha
Yogi não se interessa pela Auto-realização, porque o objetivo de
sua vida é controlar sua respiração, etc.
A Sahaja Yoga nos concede um humor puro. Não
conseguimos mais conter o riso, diante dos absurdos da vida
moderna e das aberrações dos comportamentos considerados
normais pela cultura contemporânea. Conforme disse um novato
em Caxton Hall (Londres), “the stupid joke is over”, ou seja,
“acabou-se a brincadeira idiota”. O Sahaja Yogi se converte
num espectador desapegado. A divindade do humor é Shri
Hanumana, que é o mestre dos poderes mágicos (Siddhis) e
guardião do canal solar (Pingala Nadi). É o mensageiro do
inconsciente, identificado como Hermes ou Mercúrio, que
visitou a Virgem Maria e Maomé. Shri Hanumana trouxe, para
a consciência humana, as intuições das quais nasceram os
insights dos filósofos e as descobertas dos cientistas. A epopéia
do Ramayana expõe sua engenhosidade, bem como sua devoção
240 O ADVENTO

a Shri Rama (a oitava encarnação de Shri Vishnu). Shri


Hanumana é de grande ajuda para as crianças recém-realizadas.
Como ativador do Pingala Nadi, ele faz com que multipliquem
nossas atividades e organiza as circunstâncias que nos conduzem
ao êxito. Os Sahaja Yogis australianos, que têm por ele uma
devoção especial, registraram, em seus anais, um grande número
de suas intervenções providenciais e milagrosas. Shri Hanumana
nos mostra qual é a partitura que nos cabe na grande sinfonia
cósmica, nos ajuda a interpretá-la e impede que cometamos
muitas desafinações. Certo dia, numa meditação, durante a qual
se entoavam cânticos em seu louvor, senti sua presença por
alguns segundos. Senti, naquele momento, um amor imenso por
Shri Mataji, uma predisposição extraordinariamente prazerosa a
assumir meu destino e uma espécie de cumplicidade profunda
com o plano do Divino.
Porquanto essa é, certamente, uma das grandes
recompensas da meditação que é praticada diariamente, vale
dizer, quando é alcançada a profundidade, Nirvichara: aquele
que medita, o objeto da meditação e o ato de meditar tornam-se
uma coisa só. Conforme pressentiu Plotino, descobrimos nossa
identidade por intermédio do objeto de nossa contemplação.
Assim sendo, quando meditamos sobre as divindades dos sete
Chakras, não é de se estranhar que suas qualidades se difundam
em nós. A inocência de Shri Ganesha nos purifica. Percebemos
a criatividade palpitante de Shri Brahmadeva, que eleva a beleza
aos píncaros do universo e nos enche de entusiasmo pela ação.
Quando o doutor Fausto, um ocidental típico, exclama: “Am
anfang war die Tat...” (no princípio, era a ação), ele presta, de
fato, uma homenagem à divindade do Swadishthana (Shri
Brahmadeva). Porém, na realidade, ‘no princípio, era o desejo’,
o desejo de Shri Shiva que nos vincula ao jogo da adoração que
ele joga consigo mesmo. No nível do Nabhi, penetramos na
essência sutil de tudo que existe e percebemos a presença ou a
ausência do darma. Compreendemos que somos meros
A DANÇA DE SATÃ 241

instrumentos de Shri Vishnu, portadores de sua bondade e de


seu senso de justiça; damos apoio aos outros em seu darma,
quer com palavras, quer com atos. Aos pés do mestre
primordial, Shri Dattatreya, a atenção é iluminada pela
autoridade majestosa da verdade. Com a abertura do Chakra do
coração (Anahata), nos banhamos na segurança do amor divino
encontrado. O universo é nossa casa, porque é a casa de nosso
Pai e de nossa Mãe, que querem nos confiar as chaves, bem
como nos legar sua herança. O Vishuddhi Chakra desperta em
nós um sentimento de infinitude, com a luz azulada e etérea dos
espaços que contêm as galáxias; a majestade de Deus nos enche
de um temor sagrado. A consciência coletiva se aprofunda e isso
se traduz num afinamento das sensações vibratórias nas pontas
dos dedos. Quando nos elevamos até o Agnya Chakra, nossos
olhos se fecham. Alguns vêem Omkara, a luz de Cristo;
vivenciamos, nesse ponto, a transfiguração da consciência, que
emergiu das sombras de sua confusão e alcançou a claridade
translúcida da certeza perfeitamente ressuscitada. O que é que
ocorre no nível do Sahasrara, esse Chakra real que integra e
governa todos os outros? Nesse nível, as palavras devem ser
deixadas de lado, pois desejamos conhecer esse Chakra por nós
mesmos!
Um Sahaja Yogi é um ser profundamente transformado,
ainda que evite se distinguir dos outros por sinais exteriores. As
vibrações constituem o oxigênio da alma, bem como o rio de
água vivificante do qual bebemos. Entretanto, essas vibrações
correspondem a um mundo cognitivo e ético diferente daquele
que foi deixado para trás. Herbert Marcuse, em seu livro
“L’homme unidimensionnel”, afirma: “Se o homem aprender a
ver e a conhecer aquilo que é verdadeiro, agirá de acordo com
a verdade. A epistemologia é, em si mesma, a ética, e a ética é
a epistemologia”. A palavra epistemologia vem do grego
episteme e significa conhecimento. Sócrates e Platão achavam
que episteme se contrapunha à doxa, que significa opinião. A
242 O ADVENTO

epistemologia tenta responder à questão: ‘como conhecer?’ e a


abertura epistemológica da Sahaja Yoga nos proporciona novos
caminhos para esse ato de conhecer. A consciência-silêncio, a
consciência perceptiva vibratória e a consciência coletiva são
categorias novas de percepções, que nos permitem ver a
realidade, frente a frente, e não através do espelho deformador
de nossas representações mentais. Nossos pensamentos são
formas. Spinoza dizia que “toda forma é uma limitação”.
Ademais, além das limitações existe aquilo que é. Ao
conhecermos aquilo que é, podemos agir corretamente. Somente
a revolução interior do conhecimento nos permitirá criar o justo
curso de ação que salvará esse mundo do caos no qual ele foi
mergulhado pela ação cega. Sob esse prisma, a situação é
gravíssima. Nossas semiverdades fizeram apenas uma paródia
assassina da genuína verdade. Nossas falsas clarezas nada mais
fizeram que enfatizar a profundidade das sombras. De fato, é
essencial a abertura de nossa visão, hoje em dia.
Por exemplo, uma janela existente numa parede de uma
casa permite que os moradores da casa se comuniquem com o
mundo exterior. Entretanto, os locais sem paredes não
necessitam de janelas. Da mesma forma, nos fechamos entre as
paredes de nossas construções mentais, cujas poucas janelas
eram os conceitos fundamentais (paradigmas) inspirados pelo
inconsciente...que nossos profissionais do saber revestiam,
rapidamente, de vidros opacos. Apesar disso, a Auto-realização
faz com que todas essas paredes caiam. A visão direta da
realidade substitui nossas elaborações conceituais. O Sahaja
Yogi saiu da caverna de Platão e se colocou sob a luz do dia.
Na penumbra, os mestres do vedanta nos dizem que uma
corda parece ser uma serpente. À luz do dia, a ilusão se dissipa e
as coisas se revelam tais como são. Aquilo que é belo e aquilo
que é feio aparecem como realmente são. Buscamos o primeiro
e evitamos o segundo. A generosidade, a castidade, a modéstia,
a nobreza, a doçura, a sinceridade e a dignidade e outras
A DANÇA DE SATÃ 243

qualidades dármicas tornaram-se atraentes para os Sahaja


Yogis. Ao se esforçarem no sentido de transmitir essas
qualidades, os Sahaja Yogis descobrem novos graus de alegria e
de satisfação. Efetivamente, o Sushumna é uma árvore que
sustenta mais de um fruto delicioso. É preciso que eduquemos
nosso paladar para que possamos experimentar os aromas mais
refinados. As velhas tentações perdem seu poder sedutor e os
tóxicos já não têm mais a faculdade de atrair nossa atenção.
Aquilo que parecia ser excitante revela-se, agora, como algo
triste, vulgar ou tedioso. As máscaras caem por terra!
Rapidamente, nossos vícios são despojados de seu poder de
atração e paramos de confundir o verdadeiro Deus com o diabo.
Um ser realizado não pode ser enganado pelos papéis
artificiais, atrás dos quais tantos atores sociais se escondem; os
disfarces, os hábitos dos monges e a pele do cordeiro sobre os
ombros do lobo são percebidos, de imediato, pelas sensações
vibratórias. O ser realizado se dá conta de que é fútil ser
demasiadamente sério num mundo frívolo; seu humor pode se
tornar iconoclasta. Constitui algo maravilhoso ler sobre a
infância brincalhona de Shri Krishna e verificar como a
autoridade suprema do Senhor se deleitava, sem malícia, ao
assumir algumas pseudo-autoridades humanas. Uma boa dose de
humor e um espírito lúdico também fazem parte da maneira de
ser de Shri Mataji.
A cidade dos homens se assemelha a um circo gigantesco
ou a um teatro decorado por um pretensioso cenário de papelão,
quando vista a partir da plataforma central, elevada e giratória,
da Sahaja Yoga. Tudo se fundamenta numa grande
representação teatral e a substância de tudo isso se mostra muito
pobre. Como formigas atarefadas, os seres humanos se apressam
em materializar na pedra, no aço, no papel ou no filme, os mitos
da ciência, das crenças e dos comportamentos; há, também, o
mito das instituições que é fruto de maquinações e de
compromissos. Entretanto, o pior de todos é o mito do amor
244 O ADVENTO

romântico, no qual os extremos dos Nadis Ida e Pingala (canais


esquerdo e direito do sistema sutil) se entrelaçam num balé
sadomasoquista com movimentos cada vez mais obscenos. Os
narradores que comentam a agitação nesta cena insistem em
enfatizar sua profunda importância. Comparece sempre um
intelectual (ideólogo ou filósofo) para tentar racionalizar esses
absurdos ou para justificá-los, ignorando que, em cada um de
nós, o Si (Espírito, Atman) é o juiz imperturbável que julga,
segundo seus próprios critérios, sem qualquer condescendência.
Os seres humanos conservam seus mitos porque o ego adora
suas obras. No entanto, a atenção do ser realizado está sempre
vinculada ao Si e o Si adora tudo aquilo que, no universo,
veicula a essência de Deus.
Tomemos, por exemplo, a relação entre nós e a matéria.
Anteriormente, um enfoque materialista condicionava nossas
relações humanas (julgávamos as pessoas pelo que possuíam e
não pelo que eram), nossos hábitos de conforto e o fluxo de
nossos desejos. De maneira sutil, delegamos nossos sensos de
segurança e de identidade à quantidade de bens que podíamos
acumular, porque a propriedade era o alicerce da estima que
tínhamos por nós mesmos. O interior do cérebro de um
materialista é uma espécie de mercado de ocasião abarrotado de
invejas e inquietudes. Quando a Kundalini promove a limpeza
dessa grande desordem, saboreamos a liberdade do espírito. A
transformação da relação entre nós e a matéria é tão sutil que se
torna possível que alcancemos a essência; a inocência, que é
uma qualidade intrínseca da matéria, se difunde em nós. Após a
Auto-realização, as prioridades se modificam. Os cinco
primeiros Chakras mantêm uma relação orgânica com os cinco
elementos primários (a terra, a água, o fogo, o ar e o éter)
identificados pelos Vedas e pela astrologia tradicional. Esses
elementos básicos representam uma diversificação da Rajo Guna
(a energia de Shri Mahasaraswati) e se manifestam em nosso
universo material como a terra, a água, etc. Fazendo uso das
A DANÇA DE SATÃ 245

relações entre os Chakras e os elementos, podemos chamar as


forças da natureza para nos auxiliar:
- Sentar-se sobre a terra, olhar o verde da vegetação e
invocar Shri Bhumi Devi (Céres, a deusa da Terra, para os
gregos) constituem práticas que limpam a atenção afetada por
problemas do Muladhara Chakra.
- Banhar os pés na água salgada (o sal simboliza o
elemento terra) e/ou banhar-se no mar invocando Shri Adi Guru
Dattatreya ou Shri Varuna (Posêidon ou Netuno, para os
gregos e romanos, respectivamente) são atos que aliviam os
bloqueios dos três Chakras inferiores.
- Olhar a foto de Shri Mataji através de uma chama ajuda
a limpar o Agnya Chakra. Nesse passo, tornamos a dar a devida
importância ao antigo ritual do fogo que era feito a fim de
mobilizar os poderes purificadores do deus do fogo, Agni.
- Olhar para o azul do céu ajuda a limpar eventuais
bloqueios do Vishuddhi Chakra.
Esses ‘truques’ simplíssimos mostram como podemos
obter um auxílio energético do ambiente que nos rodeia. Os
elementos absorvem a negatividade da qual queremos nos
desvencilhar. Observe-se que o limão é um dos produtos da
natureza que mais nos ajudam a nos livrar dos Bhuts! Por
exemplo, um desenho feito com guache, no século XVIII, que
pode ser visto na galeria Marco Pólo de Paris, representa
Bhairawi, a Shakti de Bhairawa (o Arcanjo São Miguel), com
um limão que protege contra os malefícios. Há milhares de
combinações possíveis entre as vibrações de Chaitanya e a
matéria. Espero que, em breve, algum outro Sahaja Yogi (mais
competente que eu) exporá algumas das relações essenciais
existentes entre a Sahaja Yoga e as ciências físicas, bioquímicas
e médicas. Basta que se diga aqui que a Sahaja Yoga lançou
uma ciência do homem da qual cada um pode transformar-se em
doutor por intermédio de sua prática.
246 O ADVENTO

Abre-se um diálogo cotidiano com as forças da natureza.


Por exemplo, M. M. B. Dhumal fez algumas experiências com
água vibrada (eu diria ‘água benta’, se este conceito não
estivesse estagnado nas pias batismais de nossas igrejas), na
Universidade Agrícola de Rahuri, no Estado de Maharashtra,
Índia. A produção dos campos irrigados com água vibrada, em
condições controladas, foi mais importante que a dos campos
irrigados com água comum. Também, casos terminais de câncer,
de paralisia e de outras enfermidades têm sido curados pela
terapia vibratória. Entretanto, é preciso que se diga que o
paciente pode voltar ao seu estado patológico anterior, caso não
mantenha um comportamento compatível com a Sahaja Yoga. A
Kundalini cuida do corpo, porque ela é o templo dos sete
tabernáculos, o invólucro material do Atman, o veículo que a
consciência perceptiva vibratória toma emprestado para visitar
sua criação. A Kundalini, porém, perde seu interesse por alguém
que não se interessa por sua Auto-realização.
A melhoria das condições de nossa vida material é uma
outra conseqüência de nossa Auto-realização e poderá ser
notada, concretamente, por cada pessoa. Quando as divindades
do Nabhi Chakra estão plenamente despertadas, elas bendizem
o devoto com todos os benefícios que o ser humano, com sua fé
mais ingênua, sempre pediu a seus deuses: a prosperidade
econômica, uma esposa dedicada, um marido bondoso, bons
filhos, etc. Tendo atravessado as portas do Reino de Deus, a
criança ali se aventura de forma tímida e titubeante. Tornam-se
confiantes, mui rapidamente, aqueles que se deram conta da
generosidade extrema com que Shri Mataji nos concedeu
conhecimentos e poderes. Aqueles que experimentaram a
ternura da Mãe e a constância de sua disposição e de seu amor
querem, por sua vez, dedicar-se aos outros para fazer com que
brilhem neles, conforme a força de suas próprias chamas, essas
mesmas qualidades. Todos têm vontade de explorar o jardim
mágico e sobretudo de se aproximar dessa pessoa, tão
A DANÇA DE SATÃ 247

enigmática, que lhes abriu as portas e lhes indicou os caminhos:


dessa mesma pessoa que nos honrou com a tranqüila
desenvoltura de uma dona-de-casa. Durante essa fase de
aprendizagem, aprendemos, pouco a pouco, quais são as leis do
Reino de Deus. Abaixo encontram-se algumas delas.

- Quanto ao sentido da adversidade

Quando nos confrontamos com a negatividade e nos


perguntamos: ‘por que será que nos aconteceu isso?’ estamos
questionando, de forma mais ou menos sutil, a justiça e a
sabedoria divinas. Por isso, tropeçamos. Porém, ao acatarmos
essa sabedoria divina e ao ficarmos seguros de sua justiça,
compreendemos que somente nossas fraquezas permitem que a
negatividade nos afete. O fato de essas fraquezas se tornarem
evidentes pelo jogo de Maya nos permite corrigi-las. Toda
negatividade que atravessa esse campo é assim absorvida,
digerida e destruída por nossa positividade. De fato, os Bhuts
são expulsos de nosso corpo e vão para o inferno por meio dos
excrementos, o que nos mostra a conotação estabelecida por
vários artistas (por exemplo, Bosch) entre o lodo e o inferno.

- Quanto ao sentido da ação

Para obtermos sucesso em nossas ações, é preciso que


atuemos com uma retidão composta de dinamismo e de
contemplação, conforme nos aconselham Shri Krishna e Lao
Tse e sobre o que Shri Mataji fala: “É preciso descobrir a ação
que há na inação e a inação que há na ação”. A ação na inação
é a meditação. A inação na ação é a capacidade de desapego que
se desenvolve quando a ação não é controlada pelo ego.
Quando, a partir do centro, a positividade se mobiliza para se
difundir na coletividade, o inconsciente também se mobiliza a
fim de aplainar todas as dificuldades. À medida que
248 O ADVENTO

experimentamos a eficácia incrível dessa resposta divina e sua


instantaneidade, podemos afirmar que compreendemos uma das
leis.

- Quanto ao sentido do acontecimento Sahaja

O acontecimento Sahaja é amadurecido pela


convergência de causalidades sutis preparadas pelo amor de Shri
Mataji, que vela pelos seres realizados. Esse é um acontecimento
que permite cobrir uma pequena etapa, a mais, no advento da
consciência e da alegria Sahaja, em nosso interior, bem como ao
nosso redor. Esse evento confirma e tempera nossa fé e assegura
a profundidade de nossa segurança. Damo-nos conta da
proteção permanente e do poder total das forças do bem que nos
defendem e nos guiam. O fato de sermos testemunhas da eclosão
de um acontecimento Sahaja que nos concerne é, antes de tudo,
causa de uma grande alegria, porque sentimos que a atenção
divina nos envolve e cuida de nós. É também uma grande fonte
de prazer estético, porque ele se produz sempre com uma total
percepção de bom humor, ternura, beleza ou de audácia. Pode-
se reconhecer aqui o estilo da Mãe.
O carrossel movido pela propulsão giratória de Maya
gera circunstâncias incertas e um entrechoque de diversos
eventos. Às vezes, tudo isso causa transtornos em nossas vidas
social e psíquica. Essa confusão se dissipa, repentinamente,
quando somos capazes de nos manter no centro de gravidade ou
quando somos bem-sucedidos em sobrepujar pequenas provas
preparadas para nos tornar mais aguerridos. O acontecimento
Sahaja se revela puro como uma flor de lótus, como um cálice
perolado de orvalho, radiosamente limpo, e é oferecido pelo
amor divino a seus Filhos do Presente. Esses Filhos se rejubilam
com a excelência dessa flor de lótus e com a graça de quem lhes
ofereceu tudo isso. Assim, nascemos à luz da beleza desse
grande balé cósmico que tende a ter a perfeição do Jogo
A DANÇA DE SATÃ 249

testemunhado pelo Pai Todo-poderoso e que é conduzido por


sua Shakti.

Quanto ao sentido do julgamento

O Si (Atman) é o árbitro supremo que avalia e decide


quanto ao estágio que alcançamos em nossa devoção. Faz isso
com muito amor. A Mãe pergunta: “Vocês podem imaginar o
que é um amor total? É com essa totalidade que o Si os
observa”. Apresentarmos um balanço de nossos sucessos e
fracassos não é de valia alguma, quer para os outros, quer para a
Mãe. Devemos compreender que os relatórios para o Juízo Final
já estão em poder das divindades de nossos Chakras e que
quaisquer contestações não servem para coisa alguma. O que se
leva em conta é o nível de pureza. Evita-se, assim, o desvio da
atenção que o ego tenta promover, para comparar os Sahaja
Yogis, para criar justificativas e estabelecer rivalidades fúteis
como aquelas que dividiram os discípulos de Cristo e de Buda.
A Mãe sempre nos lembra: “É o seu crescimento que importa e
não o que os outros fazem. O que conta, realmente, é o seu
próprio desenvolvimento”.
A mudança de prioridades modifica nossos critérios de
julgamento. Tomemos como exemplo o mundo da arte. Em
princípio, a matéria não emite vibrações, porém, quando ela se
estrutura segundo um determinado coeficiente de vibrações, ela
se torna emissora. O que acontece? Por intermédio do
Swadishthana Chakra de um pintor realizado, as bênçãos de
Shri Saraswati orientam o criador até que este descubra as
proporções, as linhas e as cores ideais que possam gerar a beleza
que a obra irradiará. O artista expressa o desejo revelado pelo
Ser Primordial e não as peripécias das Gunas Rajas e Tamas.
Um Sahaja Yogi experimenta essa beleza por meio de uma onda
de alegria em sua consciência e desenvolve, assim, uma
predisposição instintiva para reconhecer, na produção artística,
250 O ADVENTO

aquilo que é uma demonstração de pura estética. Uma partitura


musical, uma escultura e um poema podem emitir vibrações. A
beleza existente, seja nas artes, seja na conduta, é saudada com
um júbilo esfuziante pela consciência do ser realizado. Este ama
as obras que abrigam essa palpitação viva transformada em
beleza pelo Inconsciente. Ele se distancia das obras que não
contêm esse coeficiente sutil. Sente-se totalmente estranho em
relação à pretensão e à obscenidade que, freqüentemente,
poluem a arte contemporânea. Porquanto, uma consciência
vinculada à verdade discerne a arte genuína (que traz a
identidade do real e de sua beleza) daquilo que se faz em nome
da arte para oferecer formas a nossa artificialidade.
É evidente que a análise de uma expressão artística
revela muito sobre o grau de conformidade de uma certa cultura
com o caminho central, que é o caminho da evolução ótima do
ser humano. Convenci-me disso, depois de ter vivido dois anos
na Itália. A arte (em Roma, por exemplo) mostra bastante bem o
que foi, no ocidente, a gênese de uma expressão artística que
não se coaduna com as equilibradas qualidades Sáttwicas.
A Grécia desenvolveu uma plástica da sensualidade ao
transformar o nu num belo objeto a ser olhado e admirado.
Entretanto, a tendência a fazer desse nu o centro de uma
expressão estética (ignorando a inevitável conotação erótica) foi
a primeira concessão feita a uma certa hipocrisia. Isso foi levado
a suas conseqüências extremas no século XX e converteu-se
numa perversão. A coquete que se expõe nua ou quase nua,
numa praia da Europa, se inspirará nos mesmos argumentos de
inocência ou de ‘naturalidade’, para se exibir de uma forma que
burla o sentido de castidade e que atrairá, sutil e
inadvertidamente, o olhar dos demais. Existe aí um jogo que não
ousa dizer seu nome, porém com ele os protagonistas perdem
seu tempo. A influência da Grécia, por intermédio de Roma,
inspirou o Renascimento, a arte barroca, Bernini e Canova.
Como uma reação à antiga influência greco-romana, criou-se
A DANÇA DE SATÃ 251

uma arte cristã (denominada ‘sacra’), que apenas mostrou


crucificações, flagelações e suplícios, vale dizer, uma arte que
glorificava o ascetismo e o sofrimento. O Cristo Pantocrátor
(título dado a Cristo pelos bizantinos, que significa ‘dono do
mundo’, ‘Cristo Todo-poderoso’) e o Cristo coberto de glória
desapareceram de nossas igrejas. De um lado, os temas
mitológicos da Antiguidade que autorizavam as ninfas gordinhas
a se desnudarem ou a usarem vestes sumárias. De outro lado,
um Cristo ensangüentado, pendurado numa cruz e com todas as
veias à mostra, como Grünewald o pintou em Colmar. A
verdadeira espiritualidade, a inspiração divina e o senso de
medida parecem estar ausentes dessas alternativas da
sensibilidade artística ocidental.
As obras de nossa arte profana, as de nossos livros e as
de nossos museus mantêm a atenção sobre o corpo, sobre a
matéria, e não permitem que o espírito se eleve. Foi essa a
reflexão que fiz, enquanto visitava com minha esposa, o museu
da Villa Borghese. ‘Apolo e Dafne’ e ‘o rapto de Prosérpina’
(criações famosas de Bernini) representam homens pouco
vestidos correndo atrás de mulheres; todo o resto é literatura e,
certamente, um talento imenso. Na primavera de 1981, foram
expostas, em Florença e em Roma, duas estátuas de guerreiros
gregos salvas das ondas, os chamados ‘bronzes de Riace’. O
êxito da exposição foi enorme. A mídia celebrou sua ‘beleza
animal’ e sua ‘impertinência’. Vi, pela televisão, multidões
enlevadas em procissão ao redor dos dois bronzes que exibem
com desembaraço sua nudez triunfal. O que é que buscavam os
olhares que veneravam esses bronzes? Objetos que contam com
essa espécie de inspiração não podem senão bloquear a
verdadeira inspiração. Ainda que as proporções do corpo
humano fossem perfeitas, elas não fariam com que
descobríssemos novas formas. Em suma, trata-se de um
talentoso desperdício da criatividade humana.
252 O ADVENTO

Os cristãos, freqüentemente, celebram, em sua arte, sua


culpabilidade por ter enviado o filho de Deus para a cruz. É uma
arte ‘espiritual’ sem alegria e, portanto, não é espiritual, pois
bloqueia o impulso para a espiritualidade genuína e cheia de
júbilo, porque conduz a atenção para aquilo que mata a alegria.
Entre essas duas correntes da licenciosidade pagã e do taciturno
ascetismo cristão, existem, certamente, alguns artistas que
enfocam, corretamente, o caminho do meio, e criaram obras de
arte plenas de harmonia, de força e de beleza. A música de
Mozart traz alegria. Os nus de Michelangelo são poderosos e
castos; a visão do artista eleva a visão daquele que contempla a
sua obra. A arte Sahaja deve, de uma forma ou de outra, fazer
com que nos aproximemos da beleza pura, isto é, da realidade.
No entanto, a Roma de 1981 é, evidentemente, a Roma
pagã que triunfou sobre o cristianismo. Quanto a isso, não há
nada de novo. O guia turístico Michelin nos informa que Júlio
III, o papa do Concílio de Trento, elevou à dignidade de cardeal
e de príncipe da Igreja, um jovem de 17 anos, cuja única
incumbência era exibir um macaco dançarino. O poeta Joachim
du Bellay, em sua visita a Roma, não deixou de zombar desse
novo Júpiter e de seu Ganimedes.
Minha intenção, ao me deter um pouco sobre essa tema,
foi a de mostrar, até que ponto, um ser realizado se libera dos
condicionamentos culturais e de outros bezerros de ouro. Antes
de Shri Mataji visitar Roma, essa capital, universalmente
respeitada por sua arte, enviava péssimas vibrações ao
Swadishthana Chakra. Em parte alguma nesta cidade, existiam
rastros da vibração de pureza que revela a presença da
consciência genuinamente cristã. “Quo vadis domine?” Há
muito tempo que Cristo deu meia-volta em relação àquele lugar.
Se a criatividade humana separada do Sushumna (canal
central) asfixia a alma, aquela que se une, novamente, a esse
canal, faz com que a alma volte a respirar. Gostaria de dar aqui
apenas um exemplo: a música clássica da Índia. A música
A DANÇA DE SATÃ 253

indiana combina dois componentes fundamentais, a melodia,


expressada pela Raga e o ritmo acentuado pelo Tala. A Raga é
uma certa atmosfera sonora criada por uma combinação de
notas, a partir de uma música fixa, que constitui o arcabouço em
que se expande a espontaneidade do artista. A Raga se
manifesta por intermédio da voz ou por meio de instrumentos
como o sitar, a vina, ou os vários tipos de flautas, etc. O Tala,
marcado por tambores, expressa a ordenação cíclica dos ritmos,
a cadência, a pulsação cósmica. A Raga solar e a Raga lunar se
entrelaçam para criar, no espaço sonoro, as formas que
conduzem a atenção até o sabor (Rasa) de um estado de alma
específico que corresponde a uma divindade. Por isso, as Ragas
trazem os nomes das divindades: Bhairawi, Durga, Saraswati,
etc. Quando a qualidade da divindade propiciada se manifesta na
consciência do ouvinte que é, de fato, alguém que medita, se diz
que a Raga é ‘encarnada’ (Avartirna, em sânscrito). Esses
movimentos da música, que nos conduzem às correspondências
cósmicas (sons = vibrações = Chakras = divindades), se
desenvolvem na permanência do presente contínuo enfatizado
pela vibração do bordão emitido, do começo ao fim da Raga,
por instrumentos como a Tampura ou o Surpeti.
Quando o grande músico Tansen tocou a Dipak Raga
diante do imperador mongol Akbar, em seu palácio de Fathepur
Sikri, provocou uma combustão espontânea, tão grande era a
força da Raga. Igualmente, a Raga Mathar tem a fama de
provocar chuva, etc. Isso certifica as correspondências
vibratórias entre determinadas Ragas e os elementos dos
Chakras. É preciso lembrar que cada pétala dos Chakras
corresponde a um som particular e que a interpenetração entre
esses sons e os diferentes estados da meditação. A combinação
de tudo isso constitui a gênese da música clássica indiana.
Assisti a diversas sessões musicais na Índia. É certo que os
artistas haviam recebido a Auto-realização dada por Shri Mataji
e que tocavam em sua presença. O efeito era muito mais
254 O ADVENTO

impressionante do que tudo que se pudesse imaginar. Senti


minha própria Kundalini pulsar no mesmo ritmo do Tala.
Escutava a música por intermédio do Sahasrara e me sentia
levado, à mercê da música, por um poderoso rio de alegria. É
impossível descrever com que se parecem essas longas noitadas
de cantos e de música, que reúnem os Sahaja Yogis em torno da
Mãe, até os primeiros fulgores da manhã. Sentimo-nos fundidos
numa espécie de banho paradisíaco, quando os hinos em louvor
a Deus nos levam à experiência coletiva da presença divina.
Uma coisa é certa: após a Auto-realização, a consciência
de cada um se torna coletiva. Vale dizer, podemos compreender
até que ponto o ser humano não é uma entidade isolada, mas sim
parte de um conjunto mais vasto. Seu destino e sua evolução
não percorrem um caminho solitário, mas acompanham o ritmo
de um desenvolvimento coletivo que afeta também seus
semelhantes. Para o ser realizado, a coletividade não é uma
abstração psicológica. As manifestações coletivas são
experimentadas mediante percepções sensoriais e se expressam
em nós por meio de sensações específicas que nos permitem
decifrar suas peripécias. No nível dos Chakras, podemos
decodificar, até que ponto, nossa identidade está imbricada em
diversos subsistemas: a família, o meio ambiente onde nos
encontramos, o ambiente profissional, o país, a religião vista
como uma estrutura de civilização, etc. Ao adquirirmos a
percepção (que se torna cada vez mais clara e direta) do impacto
desintegrador desses subsistemas sobre nossa integralidade
espiritual, procuramos nos juntar à categoria coletiva que
propicia nossa expansão e não nossa fragmentação. A república
mundial de Zenão (imperador romano do oriente), a cidade
aristotélica, a mais elevada cultura de Fichte ou a sociedade sem
classes de Karl Marx representam algumas dessas aproximações
dessa categoria coletiva. Esse senso coletivo inspirou os
filósofos da política e influenciou as utopias dos milenaristas em
busca de uma nova Jerusalém.
A DANÇA DE SATÃ 255

Idealmente, a categoria coletiva suprema não é outra


senão o ‘megassistema’ consubstanciado no Virata. Somente o
Atman pode alcançar esse ser coletivo divino, formado por todas
as divindades-energias, que é o Virata em essência (Deus que se
manifesta) e o Paramatma em existência (Deus que contempla).
Assim sendo, os seres realizados de hoje, mediante as
informações sensoriais da consciência coletiva Sahaja, se
desligam, gradualmente, dos subsistemas coletivos que
condicionam as identidades parciais (sob a forma de falsas
identificações). Os seres realizados ativam em si mesmos e em
seus pares as vibrações do Atman. Articulam-se,
espontaneamente, numa estrutura de energia coletiva que está
em processo de crescimento nesse planeta e que irá representar,
de alguma maneira, uma projeção do arquétipo primordial do
Virata. Nesse sentido, as diversas partes do globo correspondem
a diversos elementos dessa estrutura. Alguns exemplos: a
Austrália representa o Muladhara Chakra. A Kundalini do
planeta localiza-se na Índia, onde se manifestou, efetivamente, a
constância do desejo de encontrar Deus. A Inglaterra é o órgão
que irriga o corpo inteiro, fundou um império mundial e
forneceu a língua universal. Segundo Shri Mataji, a Inglaterra é
o coração desse organismo de energia coletiva. A Europa
continental e particularmente a França corresponde ao fígado,
isto é, o órgão que destrói os venenos, nutre o cérebro e
estimula a atividade cerebral. A literatura francesa, por meio de
seus moralistas Molière, Balzac e Zola, etc, dedica-se a
descrever e a denunciar os venenos que infectam a sociedade.
Os Estados Unidos, grande continente multirracial (integração),
representam o Vishuddhi. Em 1981, na Califórnia, Shri Mataji
advertiu os americanos que seu continente correspondia ao
Vishuddhi e que estava situado no orbe elíptico do Sudarshana
Chakra, a arma de Shri Krishna, os anéis de Saturno, cujas
primeiras imagens tinham acabado de ser transmitidas pela sonda
espacial. Se os Estados Unidos, por corresponderem ao
256 O ADVENTO

Vishuddhi direito, assumissem sua responsabilidade coletiva pela


Sahaja Yoga, nada poderia jamais afetar esse país que se
tornaria invulnerável. Se essa responsabilidade não fosse
assumida pelos EUA, os movimentos do disco do Sudarshana
precipitariam diversas calamidades. O Sahasrara do planeta
localiza-se no Himalaia. Shri Mataji comenta: “No lugar onde se
localiza a Kundalini (Índia), já não há mais busca de Deus;
onde se situa o coração (Inglaterra), as pessoas mantêm
fechados seus corações; no local do Vishuddhi (EUA), fuma-se
haxixe e no lugar do fígado (França), em vez de destruírem os
venenos, as pessoas se embriagam...” Quão formidável é a
tarefa de purificar e reativar esse conjunto!
No entanto, os poderes da Kundalini são ainda mais
formidáveis. Essa redenção coletiva que estamos prestes a viver,
que é ‘a loucura dos homens’, poderia ser perfeitamente parte da
sabedoria do plano divino.
São Gregório de Nicéia dizia que a maravilha da
contemplação consiste numa descoberta perpétua. Ao
percebermos os campos de energia coletiva podemos
compreender melhor o Divino em sua dupla dimensão de
encarnação personalizada (avatar) e de energia impessoal
cósmica. O Divino torna-se avatar por suas intervenções
episódicas na evolução. Simultaneamente, o Divino, além disso,
abarca, constitui e impregna o aspecto iridescente de todas as
formas de energia e de matéria que constituem o cosmo. Essa
cintilação de universos sucessivos forma o manto intemporal da
Adi Shakti, a Mãe Divina. Ela própria, um Ser metacósmico,
transcende sua criação, se reflete e se repercute em todas as
partes.
Aqueles que eram individualistas (como eu) descobriram
uma dimensão totalmente nova na noção de coletividade. Cristo
nos deu dois grandes mandamentos: “amar a Deus, com todo
seu coração, com toda sua alma e com todo seu espírito e amar
o próximo como a si mesmo” (Mateus, 23, 37). Entretanto, os
A DANÇA DE SATÃ 257

cristãos não souberam juntar esses três amores (a Deus, ao


próximo e a si mesmo). Para Fénelon, Jansênio e Calvino, amar
a Deus, para o ser humano, significa odiar a si mesmo ou
aniquilar-se. Para os ascetas, significa escapar do mundo que
pulula de ‘próximos’ pouco divinos. Para os jesuítas ‘marxistas’
de hoje, o ser humano, antes de tudo, deve amar o próximo por
meio de uma ação social. Teillard de Chardin percebeu bem a
necessidade de reconciliar o amor de Deus e do mundo. Todavia
não chegou a desenvolver em sua vida essa visão intelectual.
Para amarmos a Deus com toda a força, é necessário descobrir
que Ele (Paramatma) e o Si (Atman) constituem um só todo. A
fim de amarmos o próximo como a nós mesmos, é necessário
que tenhamos a experiência da unidade entre o próximo e nós.
Isso se torna possível por intermédio da consciência perceptiva
vibratória. Somente assim aprendemos que as vibrações dos
outros afetam, negativa ou positivamente, nossa própria
condição. Ao limparmos os Chakras dos outros, limpamos os
nossos. O profeta Maomé disse: “Todos os muçulmanos
constituem uma só pessoa. Se um homem se queixa de dor de
cabeça, todo seu corpo se queixa e se seu olho se dói, todo seu
corpo dói”. A proximidade de uma pessoa positiva estimula
nossa energia-consciência e a sensação de bem-estar que
corresponde a isso se intensifica. A meditação coletiva,
geralmente, é mais intensa que a meditação solitária. Na Sahaja
Yoga, há um crescimento exponencial da força vibratória que
depende do número de Sahaja Yogis. Um maior número de
seres realizados transmite mais energia. Por exemplo, dizemos
que a voltagem mais alta de uma lâmpada suporta mais energia.
A simples adição de transmissores (de energia-consciência)
reforça a consciência de cada um. Isso se passa
espontaneamente com um surpreendente automatismo. Como
observa Marsile Ficin, em seu “Commentaire sur le banquet de
Platon”: “Os semelhantes não estão preocupados com seus
semelhantes? É mediante um amor recíproco que as une que
258 O ADVENTO

cada uma das partes da Terra se encaminha para as outras


partes que se assemelham a elas”. Constitui uma grande sorte
encontrarmos outros seres humanos realizados e sermos
rodeados por eles, porquanto as vibrações do Espírito fluem de
uns para os outros e assim todos compartilham a intensidade do
reino de Deus. A comunidade dos seres realizados (Sangha dos
budistas) ajuda o progresso de cada um e realiza a utopia
revolucionária de ‘liberdade, igualdade e fraternidade’. Isso
porque é somente por intermédio do Si que os seres humanos se
tornam iguais. Dentro de suas limitações, a consciência cresce
isolada num certo corpo e numa estrutura psíquica determinada.
Entretanto, além desse limite, a consciência descobre sua
essência infinita. O indivíduo é a lâmpada que conduz sua luz,
mas a luz não permanece na lâmpada. Da mesma forma que as
luzes de diversas lâmpadas fulguram no espaço e se fundem
umas com as outras, assim também as consciências dos seres
realizados se integram umas com as outras. Gostaria de lhes
contar agora um sonho muito belo que tive, em minha casa de
Nagpokhari, Katmandu (Nepal), em 1977.
Num recanto silvestre, os riachos murmuravam, a luz do
Sol atravessava a folhagem das grandes árvores implantadas
sobre um tapete de musgo verde. Todos os filhos estavam ao
redor de sua Mãe, Shri Mataji, e cantavam um hino no qual
reconhecem quem ela é. Depois alguém trouxe um grande
tabuleiro. Um outro comentou: ‘um bufão à esquerda, um bufão
à direita e a rainha no meio’. Todos os filhos jogavam contra
Shri Mataji que me perguntou: ‘você não vai jogar?’ Respondi:
‘não Senhora, prefiro apenas olhar o jogo’. De repente, o jogo
se transformou num jogo de baralho: os filhos detinham todos os
‘ases’ e os ‘reis’ e a Mãe possuía apenas cartas com os naipes
‘dois’ e ‘três’. Disse para mim mesmo: ‘de qualquer forma, isso
não é justo’. Subitamente, compreendi tudo. Sim! Tratava-se do
jogo do reconhecimento e Shri Mataji havia distribuído as cartas
para que ganhássemos o jogo! Nesse momento exato, despertei
A DANÇA DE SATÃ 259

em minha cama. Com uma força incrível se produziu em mim


uma tomada de consciência e pensei: meu Deus, eu cresço à
medida que a Sahaja Yoga se expande e se desenvolve. Eu.
Quem é esse Eu? Uma luz azul se espalhou em minha cabeça,
como se o espaço cósmico tivesse se aberto no interior de
minhas pálpebras fechadas. Esse Eu não conhecia o limite,
aparentemente existente, entre o indivíduo e a coletividade.
Tratava-se de um ser universal, formidável e durante alguns
instantes não existia nada mais em mim a não ser a consciência
sagrada de um ser ilimitado. Depois disso, dei-me conta de que
todos nós estamos caminhando em direção a um grande
encontro. Somos numerosos, irmãos e irmãs, nessa grande busca
para nos despertar e para descobrir nossas verdadeiras
coordenadas. O amor a si mesmo, o amor ao próximo e amor a
Deus constituem um mesmo amor, porque o Atman que está em
mim e o Atman que está no próximo constituem um mesmo
Atman, e este Atman é Deus. Shri Mataji afirma: “vocês são as
células dessa totalidade que é buscada no interior de cada um e
não no exterior. Cada ser humano constitui uma criação única.
Vocês se darão conta disso mais tarde”.
Nesse momento, podemos vislumbrar uma perspectiva
de síntese das intuições dos cientistas atuais e dos ensinamentos
de Cristo que anunciou o advento do Espírito Santo.
No último capítulo de seu livro “Supernature”, o biólogo
Lyall Watson falou como um profeta. Anunciou a gestação e a
próxima manifestação de um ser que: “Não será uma espécie de
supercomputador, mas um ser orgânico que englobará a
totalidade da ‘supernatureza’ e retornará para ver na
tecnologia um brinquedo infantil”. Vivemos a aurora desse dia
de que Cristo havia falado em seu tempo: “Nesse dia, vocês
compreenderão que estou em meu Pai, que vocês estão em Mim
e Eu em vocês”. (João, 24, 20).
260 O ADVENTO

A DANÇA DE SATÃ

CAPÍTULO VII

“Eis-me aqui como um jovem fidalgo, com uma roupa


escarlate bordada de ouro, com uma pequena capa de cetim
engomada, e com uma pena de galo no chapéu.”
Mefistófeles, no livro “Fausto”, de Goethe

“Pensei que vocês estivessem perdidos. Como é que poderei


encontrá-los?”
Shri Mataji Nirmala Devi

O leitor se surpreenderá se alguém lhe disser que há um


paraíso sobre a Terra. Isso porque, se olhar ao seu redor, lhe
custará muito descobrir o Jardim do Éden, pois encontrará
apenas injustiça, corrupção, miséria, deboche e violência! O
leitor terá razão. Entretanto, é preciso que se lembre da parábola
do semeador. Jesus nos ensina que, até o minuto fatídico do
desenlace final, o joio e o trigo estarão misturados, assim como
o céu e o inferno. Eles formam atualmente um emaranhado que
apenas a mão de Shri Mataji é capaz de desembaraçar.
Entretanto, aquelas pessoas que se transformaram em veículos
da negatividade fazem tudo para que os Sahaja Yogis fracassem,
para que possam dizer depois: “Como podem ver, vocês estão
no caminho errado”. Quando nos defendemos, elas adotam um
ar ofendido ou magoado e alegam que: “Vocês não têm amor
nem tolerância!”
Atrás de suas várias máscaras, o diabo está muito
consciente de sua aparência. Durante séculos, ele trabalhou
pacientemente, construindo o cenário e confeccionando os
figurinos para a apresentação de seu grande espetáculo. Com um
A DANÇA DE SATÃ 261

talento e uma paciência incontestáveis, recrutou os figurantes.


Alguns sabem que pertencem a esse elenco diabólico, mas a
maioria não tem consciência disso, pois foi recrutada mediante
os falsos pretextos de seus agentes. Sendo o princípio coletivo
do mal que sincroniza a ação dos diversos demônios, o próprio
satã permanece invisível para seus adeptos, bem como para suas
vítimas ingênuas. Vamos retroceder um pouco no tempo, a fim
de descrever os trabalhos sub-reptícios e inteligentes feitos pelo
diabo até nossos dias.
O despertar da Kundalini depende da técnica (Tantra)
que coloca em movimento o mecanismo em nosso interior
(Yantra). As escolas do hinduísmo e do budismo denominadas
tântricas referem-se, conforme a etimologia, ao conhecimento
da técnica que possibilitaria a união entre o ser humano e Deus.
No entanto, de fato, o ‘tantrismo’, que alcançou seu auge, na
Índia, entre 900 e 1.400 d.C., surgiu de uma confusão acerca da
ciência da Kundalini. Vejamos como isso aconteceu.
Shri Mataji aventou a hipótese de que alguns videntes de
outrora tenham, por equívoco, localizado a Kundalini no
Muladhara Chakra, porque vislumbraram, em suas visões, a
tromba de Shri Ganesha, naquele Chakra, e a consideraram
como a Kundalini. Como o Muladhara Chakra controla nossa
atividade sexual, eles imaginaram existir uma conexão entre
nossa atividade sexual e a Realização do Si, mediante o
despertar da Kundalini. Todavia, a Kundalini se localiza no
osso sacro (cóccix), que está acima do Muladhara Chakra e
portanto separada deste. Isso significa que a sexualidade não
desempenha papel algum em relação à nossa evolução espiritual.
Cada buscador é o único filho de sua Kundalini, a qual aguarda,
no osso sacro, o momento em que dará a seu filho um segundo
nascimento.
Shri Ganesha, que está presente no Muladhara Chakra,
personifica a inocência divina e toma conta do protocolo da
castidade da virgem Gauri, a qual é a personificação da energia
262 O ADVENTO

da Kundalini. Com efeito, no momento crucial do despertar da


Kundalini, o Sadhaka (buscador ou aspirante) sente-se como
uma criança. O acontecimento não tem a menor conotação
sexual, e a atenção é límpida e inocente. A pessoa deve se tornar
uma criança, a fim de entrar no reino de Deus; os primeiros
conselheiros da Mãe são, freqüentemente, crianças pequenas
realizadas. Shri Ganesha, de seu posto no Muladhara Chakra,
protege o homem da agressão de forças satânicas.
No afã de acabar com esse poder protetor, as forças
satânicas estimulam, mediante a intervenção de Bhuts (espíritos),
o diletantismo desastrado de certos praticantes do ‘tantrismo’
que apresentam todos os tipos de perversões sexuais, como a via
secreta para o crescimento espiritual. Ao tentar despertar sua
Kundalini por meio desse método, a pessoa estaria pedindo a
Shri Ganesha que mantivesse uma relação incestuosa com sua
mãe. Isso seria uma blasfêmia comparável a pensar que Cristo
pudesse ter tido um envolvimento sexual com sua mãe! Assim,
os ‘mestres’ do ‘tantrismo’ destroem, irrecuperavelmente, as
oportunidades de Realização espiritual de seus seguidores. Esse
é o segredo das conseqüências devastadoras do ocultismo
veiculado pelo ‘tantrismo’.
A formulação histórica mais elaborada do ‘tantrismo’ se
desenvolveu no norte da Índia, em parte como uma reação a um
longo período de repressão cultural da sexualidade. Isso foi
orquestrado por volta do século VI pelas três religiões
principais, o budismo, o hinduísmo e o jainismo. Estas haviam se
degenerado, naquele tempo, por causa de regras e preceitos
monásticos absurdos. Do mesmo modo, o clima de repressão
encorajado pelo ascetismo cristão ajudou a preparar o terreno
para as idéias freudianas, cuja pronta aceitação pela cultura
ocidental produziu uma permissividade destrutiva na sociedade
ocidental contemporânea. A troca de sinais da direita para a
esquerda é típica. A artificialidade de uma elite pseudo-religiosa
de celibatários encorajou uma legitimação subseqüente do
A DANÇA DE SATÃ 263

deboche. A onda de pornografia alastrou-se por aqueles países


que no século XIX haviam sido regidos pelo pudor e pela
repressão sexual. Na Europa, essa onda espalhou-se pelo norte
luterano (países da Escandinávia e Alemanha) e não pelos países
mais liberais do sul. O florescimento da satisfação sexual pelo
casal e a felicidade do marido e da esposa são ameaçados por
esses dois comportamentos extremos de repressão e de
permissividade. Isso é algo que é obtido em conjunto e de
maneira igual, redundando numa felicidade que é o fundamento
do lar. Não é esse lar feliz que permite que os filhos cresçam e
se desenvolvam como deveriam?
O domínio do ‘tantrismo’ exercido sobre a Índia foi fruto
de uma notável estratégia. Em primeiro lugar, todos os iogues
fracassados abandonaram seus eremitérios e suas renúncias
insensatas a fim de ocupar cargos ministeriais nas cortes reais do
norte da Índia, nas quais estimularam uma corrupção
generalizada. De lá, eles se infiltraram nos veículos de
comunicação da época, vale dizer, nas artes e na divulgação dos
ensinamentos religiosos e tradições milenares. Os painéis
considerados eróticos começaram a aparecer nos templos de
Khajuraho, Konarak ou de Katmandu. Em Bengala, os poetas
exaltaram o amor adúltero (Parakaya Rati) e ridicularizaram o
amor conjugal (Svakja). As canções, a linguagem e o humor
tornaram-se cada vez mais grosseiros. As pessoas mais jovens
foram perdendo, gradativamente, o senso de castidade, e em
lugares como Lucknow, as cortesãs passaram a ocupar o lugar
central na sociedade, ao invés da mãe de família. Deve-se
enfatizar que essa degradação da mulher é a prova de que o
‘tantrismo’ nega tudo que a Índia tradicionalmente venerava,
porque ele desafia a deusa da pureza que é o núcleo da devoção
de todas as famílias hindus. É por isso que os grandes santos,
tais como Guru Goraknath, Gyaneshwara, Kabir e Nanak
encarnaram-se, com o objetivo de combater o ‘tantrismo’. O
Maharashtra, o estado indiano que sempre teve uma especial
264 O ADVENTO

devoção por Shri Ganesha, resistiu ao ‘tantrismo’. Contudo,


essa onda adhármica mostrou-se difícil de ser interrompida e
contaminou, até mesmo, os invasores islâmicos. Hoje em dia,
curiosamente, são os países ditos cristãos que glorificam o estilo
de vida preconizado pelo ‘tantrismo’, vale dizer, a legitimação
do deboche.
Preliminarmente, durante os numerosos invernos que
passei na Índia, pude constatar que os indianos reprovam,
unanimemente, as práticas sexuais mediante a utilização da
Yoga. Eles as consideram uma grave perversão de suas tradições
esotéricas, pelas quais o país foi punido por sucessivas invasões
estrangeiras (turcomanos, afeganes, mongóis e britânicos).
Contudo, os invasores deram um lugar importante ao
‘tantrismo’ em sua descoberta da Índia. Orientalistas e
fotógrafos, em busca de coisas exóticas, foram ricamente
recompensados ao divulgar seus achados para um público que se
aliviava assim da repressão sexual que, durante séculos, havia
sido identificada com a espiritualidade. Os intelectuais entraram
no jogo. A intensidade da sensação encontrada no orgasmo não
teria alguma relação com a intensidade da Auto-realização? A
fim de responder a essa indagação, devemos entender a conexão
que existe entre o prazer sexual e o sistema de Chakras.
O Muladhara Chakra, situado na base do tronco, é o
único dos sete Chakras que fica fora da coluna vertebral ou da
caixa craniana. Quando a atividade sexual acontece, Shri
Ganesha solta, inocentemente, uma fração ínfima de Pranava
(energia divina). De fato, isso acontece com todos os Chakras,
sempre que há necessidade de Pranava. A diferença entre o
Muladhara Chakra e os outros Chakras é essa, ou seja, como o
Muladhara Chakra está situado fora da coluna espinhal, o
Pranava se faz sentir durante vários segundos, enquanto que
nos outros Chakras situados dentro da coluna espinhal, a
liberação de Pranava é imperceptível. Antes da Auto-realização,
as pessoas só podem obter uma intensidade de sensação por
A DANÇA DE SATÃ 265

meio do sexo. Quando sentimos essa descarga infinitesimal de


Pranava, um desejo de conhecer mais a respeito dessa alegria é
estimulado. É difícil compreender que, no estado de completa
Realização espiritual, a região límbica do cérebro é
constantemente banhada por Pranava. Os seres plenamente
realizados ficam assim continuamente mergulhados em bem-
aventurança, porque seus Sahasraras recebem Pranava
(conhecido como Amrut ou néctar) diretamente de sua fonte,
Shri Sadashiva.
A sexualidade é assim apenas um dos resultados da
atividade do Muladhara Chakra. O darma de cada Chakra deve
ser respeitado, o que significa nesse caso específico, que o gozo
obtido com o sexo deve ser reservado à preciosa intimidade
conjugal. Shri Ganesha torna-se assim contente, o que é uma
condição necessária para que o sexo possa manifestar-se
espontaneamente como uma atividade do parassimpático, fonte
de prazer, felicidade e alegria. Por outro lado, a atividade sexual
adhármica desagrada Shri Ganesha, que a transforma numa
atividade do sistema nervoso simpático, não mais conectada à
totalidade da personalidade. A intelectualização da sexualidade
usada pelo ‘tantrismo’ pode conduzir à frustração, à
dependência e à intrusão dos Bhuts. Infelizmente, a sedução
exercida pelo vício sobre o ego e sobre o superego esconde, do
ser não-realizado, o fato de que o real prazer está sendo
degradado.
Como ideologia, o ‘tantrismo’ foi o filho bastardo dos
iogues fracassados da Índia. Como estilo de vida, ele encoraja
nossas fraquezas e é um estilo encontrado em todas as etapas da
Kali Yuga. A prostituição ritual existia nos mistérios de Elêusis e
nos cultos a Dionísio, no Egito e nos impérios pré-colombianos.
As cortesãs se transformaram no eixo central da vida social de
Alexandria, Roma, Kioto, Paris, etc. A influência do ‘tantrismo’
dominou a arte e a literatura do Japão, notadamente no período
Edo (1603-1867), e encontrou uma expressão refinada no século
266 O ADVENTO

XVIII francês. Em seu livro “As ligações perigosas”, Choderlos


de Laclos celebrava a estratégia de um sedutor que destrói uma
mulher inocente. Essa cultura contaminada pelo ‘tantrismo’
floresceu na decadente cidade de Berlim, da década de 20, e
após a segunda guerra mundial, em todas as classes da sociedade
ocidental. Essa obscenidade que buscava sua legitimação na arte
foi batizada de novo como ‘erotismo’. Os grandes sacerdotes
das novas ciências, Freud, Wilhelm Reich, Alfred Kinsey e
outros sexólogos nos sugerem que observemos o
comportamento dos macacos nas jaulas, para que possamos
concluir que a homossexualidade é algo ‘natural’. Os meios de
comunicação e o mundo da publicidade se prostituem motivados
pelo lucro. Os filmes e os desenhos animados projetam imagens
que atraem os Bhuts sedentos de sexo. A produção pornográfica
inunda nossas cidades. Todos os dias, milhares de pessoas
concentram sua atenção nesse esgoto; não sem conseqüências...
Voltemos aos velhos aficionados do ‘tantrismo’, os quais
são citados hoje pelos intelectuais mais debochados como uma
justificativa e para projetar a cândida visão voltairiana de que
‘tudo é maravilhoso no melhor dos mundos...’.
Mircéa Eliade, em seu livro, “Ioga, imortalidade e
liberdade”, afirma:
“Nos textos ‘tântricos’, encontramo-nos num universo de
analogias e de duplos sentidos. Nessa linguagem
intencional, cada fenômeno erótico pode expressar um
exercício de Hatha Yoga ou uma etapa da meditação, como
qualquer símbolo e não importa a que estado de santidade
pode ser atribuído um significado erótico.”

Nas alegorias equivocadas do ‘tantrismo’, o Lingam (a


existência), o Yoni (o poder), o Vajra (o raio, o Si) e o Padma
(o lótus, indicando o Sahasrara) tornam-se símbolos dos órgãos
sexuais. O Amrut, o néctar que flui do Sahasrara, é o esperma,
etc. O amor divino (Prema) de Krishna e Radha é apresentado
A DANÇA DE SATÃ 267

como uma lenda licenciosa, enquanto que no Cina-cara-sara-


tantra, Buda é “rodeado por milhares de amantes em êxtase
erótico”. Os antigos sacrifícios tais como o Asvamedha
(sacrifício do cavalo) e o Yagnya (sacrifício do fogo) são
profanados e se tornam pantomimas obscenas. No ritual do
Mahavrata, a fim de efetuar a identidade dos opostos (vale
dizer, a síntese do Ida e do Pingala Nadis), um jovem rapaz
asceta deve unir-se a uma prostituta (Pumscali). As posturas ou
Asanas da Yoga são usadas para a cópula. Finalmente, toda a
tradição da Kundalini Yoga foi, irremediavelmente, deturpada.
O Kularnava Tantra (V.III.12) nos diz que “a verdadeira união
sexual é a da Parashakti (Kundalini) com o Atman”.
Vários eruditos elaboraram teorias a fim de explicar de
que maneira é possível a união com Deus por intermédio do
sexo. Não tiveram muito trabalho em convencer aqueles que
estavam a fim de ser não só absolvidos de suas fraquezas, mas
também exaltados por elas. A partir do momento em que os
artistas e os intelectuais foram convencidos, grande parte da
classe dominante (Kshatryas) seguiu seus passos.
No afã de devastar a consciência espiritual do país cuja
espiritualidade havia atingido as mais elevadas alturas, os
partidários do ‘tantrismo’ usaram um truque diabólico. É preciso
compreender, perfeitamente, esse ponto para que se possa
entender melhor como conseguiram obter tanto sucesso. Para
agirem livremente, num determinado lugar ou situação, as forças
demoníacas tinham, antes de tudo, de fazer com que o Divino
retirasse sua atenção daquele lugar. A melhor maneira de fazer
isso seria insultar as divindades em seus próprios templos. Isso
se resumia, principalmente, em cometer algum ato repulsivo
numa localização geográfica ou psicossomática (profanação de
um templo ou de um Chakra), que era normalmente abençoada
pela atenção de uma divindade. A divindade ofendida se retirava,
e nesse vácuo vibratório criado, a negatividade tinha espaço livre
para atuar. O mesmo princípio pode ser aplicado ao uso
268 O ADVENTO

deturpado de um símbolo, como, por exemplo, a utilização pelos


nazistas da suástica, que é o símbolo de Shri Ganesha. Isso se
dá também, quando, por exemplo, o amor e a santidade são
exaltados, mas, em seguida, profanados por meio da luxúria e da
libertinagem. O mesmo ocorre quando alguns valores ideais são
proclamados, mas cuja prática se dá de forma oposta.
Eis porque, há muito tempo, nos templos sagrados da
deusa Kali (Mahakali ou Durga, que reinam sobre o
subconsciente coletivo), os aficionados do ‘tantrismo’
celebravam cerimônias horríveis com as quais pretendiam
homenagear a divindade. Alegavam que as orgias constituíam
cultos à fertilidade. Esses assassinos sexuais prefiguravam o tipo
de atrocidades que o Marquês de Sade, a reencarnação de um
partidário do ‘tantrismo’, iria vincular a seu nome. Os crânios
das vítimas eram usados como cálices onde se vertia o vinho dos
assassinos. Do lado esquerdo, o deboche e do lado direito, a
violência. Os grilhões infernais se fecham. No templo da deusa
Virgem Gauri, as virgens eram prostituídas. Sob o pretexto de
que tudo deveria ser oferecido à divindade, os sacerdotes
violentavam a noiva na presença de seu futuro esposo. Este era,
quase sempre, um pobre camponês insuficientemente versado
em teologia para desafiá-los e mal equipado para lutar contra
aquela situação. As crianças pequenas eram imoladas e as
divindades eram banhadas em seu sangue; os lamas tibetanos as
emparedavam vivas em seus templos.
É claro que a atenção de uma divindade se afasta de
qualquer lugar sagrado profanado desse modo, o que deixava o
campo livre para a magia negra dos praticantes do ‘tantrismo’.
Estes últimos invocavam a presença de espíritos dos círculos
infernais e peregrinos ingênuos confundiam as possessões
demoníacas com manifestações da divindade. Os feiticeiros
sabiam como capturar os Bhuts irritados e frustrados de suas
vítimas e fazer com que se voltassem contra as pessoas que
veneravam as estátuas profanadas.
A DANÇA DE SATÃ 269

O exemplo que citei do ‘tantrismo’ Aghori, apesar de


extremo, é histórico, e ilustra, claramente, os métodos básicos
que as forças do mal usavam, de uma maneira ou de outra, em
todas as partes do planeta. As forças malignas faziam isso
insultando uma divindade para que ela se retirasse e criavam um
vazio nas vibrações que banham o universo. Por intermédio
desse vazio assim criado, os demônios (encarnados) podiam
chamar os habitantes do inferno; ou ainda, atraiam, mediante
uma variedade de métodos e pretextos, os espíritos dos mortos
(Bhuts) ao mundo dos vivos, desviando estes últimos do
caminho central de sua evolução. Praticava-se tudo isso com o
objetivo de fazer com que os sintomas da possessão fossem
vistos como manifestações de um grande poder espiritual.
Fazendo tudo isso, os aficionados do ‘tantrismo’ se
tornaram os falsos gurus de hoje. Alguns usam os poderes do
subconsciente por meio da sexualidade (Vama Margi), outros
não operam por meio dos órgãos sexuais, mas utilizam os
poderes do supraconsciente (Savya Margi), os quais são
adquiridos mediante jejuns e privações. Em ambos os casos,
destroem aqueles que os seguem. Sabem que, nos Chakras - ao
longo da coluna vertebral – estão presentes as divindades que
representam as diferentes manifestações de Deus. Impõem aos
seus crédulos discípulos tudo que for possível, a fim de ofender
a consciência divina que reside no interior deles. Se os Sadhakas
(aspirantes) caírem em suas armadilhas, a atenção divina que
normalmente cuida deles e os protege, por intermédio das várias
divindades, acaba retirando-se. Quando isso acontece, o mestre
satânico introduz um Bhut no Chakra correspondente, e esse ato
é conhecido como sendo uma ‘iniciação’. Depois disso, o infeliz
discípulo supõe que os sintomas causados pela parasitação do
Bhut são os sinais de um verdadeiro crescimento espiritual.
Enquanto sofre os efeitos dessa possessão espiritual, seu
instrutor de meditação lhe diz que é preciso “liberar o estresse
acumulado” ou que é necessário “purificar seu Karma”.
270 O ADVENTO

Enquanto escrevo essas linhas, milhões de pessoas no mundo


estão em grave perigo como um resultado dessas práticas. Isso
pode ser comprovado mediante uma rápida olhadela nas
manchetes dos jornais.
No dia 24 de abril de 1979, um certo Swami
Omkarananda, chefe do centro da Luz Divina em Winterfur,
Suíça, compareceu ao tribunal de Lausanne, acompanhado por
vários membros daquela seita. O promotor público os acusava
da prática dos seguintes crimes: repetidas tentativas de
homicídio, uso de explosivos com fins criminais, instigação a
atos homicidas, danos à propriedade alheia, lesões corporais e
estupro perpetrado durante uma celebração de magia negra.
Diante das provas evidentes apresentadas por uma grande
quantidade de testemunhas, o Swami (que muitas pessoas
consideravam como uma reencarnação de rara qualidade) foi
considerado culpado de todas as acusações e a sentença final foi
de catorze anos de reclusão. Isso nos lembra as palavras do
grande santo Tukaram, escritas no século XVII:
“A fala de um facínora (Thug) é impecável, mas sua intenção
secreta é a de enganá-lo. Quão bondoso ele é
externamente! Ele não é sincero, pois é um salafrário.
Exibe as marcas de um santo e usa um rosário no pescoço,
mas ele o conduz para a trilha da escuridão e o estrangula.
Ele é um farsante.”

As seitas de Maharaji e de Rajneesh aparecem


regularmente nos jornais ligadas a contextos suspeitos e
obscuros. O movimento da Meditação Transcendental (MT)
ensina técnicas que podem causar, em seus praticantes,
distúrbios digestivos e ginecológicos, bem como tendências
depressivas e suicidas, conforme nos asseguram Jim Proctor,
Hester Fishberg e Peter Pearce, que passaram vários anos
vinculados ao movimento (segundo o jornal “The Guardian” de
15 de agosto de 1979). Não obstante, apenas na Inglaterra, seus
A DANÇA DE SATÃ 271

devotos foram ludibriados com uma soma que ultrapassou


quatro milhões de libras esterlinas, com a receita dos cursos de
meditação, inclusive um curso de levitação descrito como uma
‘palhaçada’ (o “Yorkshire Evening Post”, de 3 de novembro de
1979, e o “Sunday People” de 27 de outubro de 1979). O
doutor Léon Otis, Diretor do Programa de Pesquisa
Psicobiológica do Instituto de Pesquisa Internacional de
Stanford, escreveu que a Meditação Transcendental provoca
insônia, dor de cabeça, bronquite e estimula a dependência de
substâncias tóxicas e pode causar graves perturbações
psiquiátricas (“The Guardian”, 25 de janeiro de 1979). Um outro
artigo, escrito por David Merkens, conta como aquele que se
denomina Maharishi (grande sábio) seduziu uma mulher casada,
Linda Pearce, neta do Duque de Grafton, e como ele ameaçou
John Lennon de morte. Curiosamente, este foi assassinado por
um maníaco totalmente possesso...
O Toronto Star, do dia 18 de fevereiro de 1978, narra
como um antigo instrutor de Meditação Transcendental entrou
num ciclo de experiências assustadoras quando quis se retirar do
movimento. Vivenciou fenômenos de privação dos sentidos
piores que aqueles provocados pelas drogas ou pelo álcool ou
ainda pela aparição de espíritos. Compreendeu, conforme relata,
que caíra numa ‘escravidão de forças ocultas e satânicas’. As
formas atuais de abusos praticados por terapias (ditas psíquicas)
podem assumir várias características. Por exemplo, o “Corriere
della Sera” de Milão, do dia 28 de maio de 1981, relata a prisão
de um antigo franciscano, doutor em teologia, que havia aberto
um consultório paramédico onde os clientes eram tratados, a
peso de ouro, por uma nova disciplina da medicina, a
‘ontopsicologia’. Esse rival de São Tomás, particularmente
imaginativo, estava sendo processado pela prática ilegal da
medicina, por estelionato e por abuso sexual contra algumas
pacientes que se tornaram muito servis com o tratamento. A
seita de Moon foi denunciada como algo prejudicial nos Estados
272 O ADVENTO

Unidos, na Grã-Bretanha, no Brasil, e finalmente na França. Ela


promovia a lavagem cerebral de adolescentes, a destruição de
famílias, etc. Os registros referentes ao movimento dos Hare
Krishna não são mais brilhantes. Contudo, nem todos os casos
são flagrantes. Todos os médicos e aprendizes de feiticeiros que
trabalham com ‘correntes de energia’, radioestesia,
parapsicologia e curandeirismo manipulam, algumas vezes de
boa fé, forças que eles não controlam nem compreendem.
Por intermédio de vários artigos na imprensa, o público
entendeu, nos últimos anos, o grande perigo que representam
numerosas seitas de origem local, hindu, coreana, etc. O homem
comum está longe de suspeitar da extrema gravidade do ataque
que vem sendo desferido contra os verdadeiros fundamentos
culturais e morais da humanidade. Trata-se de um ataque contra
nossa raça, uma ameaça que tem por meta debilitar nossos
corpos e mentes e, acima de tudo, destruir nosso potencial de
evolução na busca de nossa transformação em seres mais
elevados. Os falsos gurus ou profetas representam o elemento
mais facilmente identificável desse ataque, e ainda assim é um
dos fatores menos compreendidos. Na década de 70, eles
tiraram vantagem do espírito de busca e de tolerância da
sociedade ocidental. Procuraram atingir, primeiramente, os
líderes de opinião dos países anglo-saxões, tais como os Estados
Unidos da América e o Reino Unido. As grandes representações
religiosas da Idade Média afirmavam que, simbolicamente, cada
um de nós traz em si mesmo o céu e o inferno, ou pelo menos, o
caminho para chegar a eles. Hoje, a sociedade pós-industrial
estimula todas as espécies de comportamentos e estilos de vida
que se opõem ao darma. A arte de satã consiste exatamente em
dirigir nossa atenção e nosso comportamento para aquelas
direções nas quais nos tornamos mais vulneráveis aos Bhuts das
regiões infernais. Por intermédio do domínio da magia negra
(Preta Vidya, ou Smashan Vidya, a magia do cemitério), esses
feiticeiros atraíram os Bhuts do subconsciente e do
A DANÇA DE SATÃ 273

supraconsciente a fim de injetá-los em nossos Chakras. Por


exemplo, algumas práticas ocultas, em voga nas seitas
contemporâneas, são citadas a seguir.

Contra o Muladhara Chakra


‘Meditações’ sobre o Muladhara Chakra, pseudo-
iniciação na ioga por contato físico direto com os órgãos
sexuais, terapia de grupo de natureza sexual, estimulando os
velhos rituais ‘tântricos’ de promiscuidade sob um jargão
psicológico novo. Ao término dessas práticas, Shri Ganesha e a
Kundalini acabam por desaparecer de suas moradas, como um
reflexo que desaparece num espelho muito sujo.

Contra o Agnya e outros Chakras


O Agnya Chakra sofre um ‘curto-circuito’ pela
introdução de um Bhut, usualmente ao se sentir uma pressão nos
olhos. O discípulo pode vislumbrar centelhas, relâmpagos ou
uma luz muito clara. Ele pode ver formas e cores. Pode ver um
olho, que é o de Cristo, ou um olho vermelho de raiva, que é o
de Shri Shiva, que o adverte, porém finalmente desaparece,
deixando o Chakra acessível às zonas subconsciente e
supraconsciente. A partir do momento em que um Bhut entra no
Chakra, todas as espécies de poderes podem manifestar-se, tais
como a materialização, a levitação e a clarividência.
Eles atacam, principalmente, as sedes do Menino-Deus
em nosso instrumento interior (Muladhara ou Agnya), porque
Ele é o guardião da Kundalini. Há, de fato, milhares de maneiras
de se praticar a feitiçaria. Uma comida contaminada pode
introduzir Bhuts no Nabhi Chakra. Talismãs e colares de contas
poderão bloquear o Anahata e o Vishuddhi Chakras. A matéria
pode tornar-se um vetor para as entidades infernais. Essas
técnicas são conhecidas e usadas no vodu na África e na
macumba na América do Sul, na magia tibetana, etc. Às vezes, o
contato direto com as substâncias materiais nem sequer é
274 O ADVENTO

necessário, uma vez que um feiticeiro competente pode matar a


distância. Certos símbolos esotéricos funcionam como pontos de
atração de Bhuts.
Ademais, o uso incorreto de um mantra pode ofender a
divindade à qual ele é dedicado e atrair um Bhut, ao qual o mago
negro deu o mesmo nome. À proporção que o discípulo repete
sua litania, cria-se um vazio vibratório na parte do corpo
correspondente ao mantra, que pode ser um nervo, um órgão,
um Nadi, ou um Chakra, e a entidade intrusa ali se instala. É
claro que o discípulo que passou por uma lavagem cerebral não
ousará discutir com seu ‘guru’. Ele considera sua obediência
imbecil como um exercício espiritual jesuítico! Sua lógica e seu
senso crítico se evaporam. No entanto, muitas vezes, quando se
aproximam de Shri Mataji, começam a abrir fogo com um
grande fluxo de argumentos e objeções, “o que demonstra,”
observa Shri Mataji “que, em minha presença, as pessoas
readquirem sua liberdade”.
“Os chefes dessas seitas e de outros movimentos
carismáticos são quase sempre demônios muito antigos
reencarnados”, nos diz Shri Mataji. Foram lançados, com todos
os seus poderes, nessa grande confusão do final da Kali Yuga,
porque nunca a atmosfera foi tão propícia e nunca foi tão fácil
manipular uma grande massa de seres humanos. Eles não têm
consciência nem coração, mas são metódicos. O objetivo deles é
o de destruir a humanidade antes que ela dê origem a uma nova
raça. São os coreógrafos da dança de satã.
O equilíbrio interior dos três Nadis não é somente
bloqueado pelas manipulações dos falsos gurus. Devo mencionar
todas as práticas curativas que tentam galvanizar a energia do
Sistema Nervoso Simpático, tais como a acupuntura, a
reflexologia, a medicina energética e outras práticas similares.
Estas podem produzir efeitos imediatos. Entretanto, quer no
médio prazo, quer no longo prazo, suas conseqüências são
negativas. A rede de canais do Sistema Nervoso Simpático está
A DANÇA DE SATÃ 275

ligada aos Nadis Ida e Pingala, os quais como já vimos estão


ligados às províncias do subconsciente e do supraconsciente,
respectivamente. O instrumento interior (Yantra) fica assim
sintonizado a uma freqüência vibratória errada. Nesse processo,
é comum que o curador invoque um Bhut de um outro curador
morto ou de um médico, a fim de realizar uma cura milagrosa
(essa técnica é freqüentemente usada nas Filipinas e em outros
países). Entretanto, pode ser que o curador seja uma alma
realizada capaz de mobilizar a energia da Kundalini para efetuar
a cura, mas esses casos são raros. Um Sahaja Yogi será capaz,
de fato, de reconhecer essas pessoas, por causa de suas
vibrações frescas. Todas as manipulações não autorizadas do
Sistema Nervoso Simpático provocam a ira de Shri Ganesha,
que se manifesta no Sistema Nervoso Central, sob a forma de
calor. É por causa disso que Arthur Avalon nos diz, em seu livro
“O poder da serpente”, que a Kundalini provoca uma intensa
sensação de queimação, quando atravessa os Chakras. Outros
textos, citados pelo lama Kazi Dewa Samdup e W. Y. Evans-
Wentz (“Ioga tibetana e doutrinas secretas”) atribui o calor à
transmutação das energias sexuais.
Os tibetanos chamam o calor de Shri Ganesha de ‘calor
interior’ (Gtum-mo) ou de o ‘grande fogo’. Os lamas noviços
passavam a noite fora do mosteiro no Himalaia, e aquele que
lograsse secar o maior número de cobertores molhados era
declarado vencedor desse torneio e considerado altamente
realizado. Essas queimações são sentidas como se fossem
agulhas ou tições ardentes que perfuram os órgãos, conforme
uma grande autoridade em Kundalini Yoga citado na revista
Yoga Today, de abril de 1978. A maior parte dos textos acerca
da Kundalini transmite as racionalizações que procuram explicar
as dores e perturbações provocadas por manipulações não
autorizadas feitas por aprendizes de feiticeiros. Shri Mataji nos
diz que “a dor é causada pelas tentativas estúpidas de levantar
a Kundalini. Se ela foi colocada em nós pelo Divino, por que é
276 O ADVENTO

que sua ascensão deveria ser dolorosa? À medida que ascende,


ela nos regenera e nos relaxa completamente”. Com efeito, a
experiência que tivemos foi extremamente agradável, com uma
paz irradiante e uma grande alegria e bem-estar. Ademais, o
processo de cura que acompanha a ascensão da Kundalini é
absolutamente espontâneo, visto que sua energia inteligente se
dirige para os órgãos necessitados. Por outro lado, os pacientes
tratados segundo diferentes formas de medicina alternativa ficam
com o Sistema Nervoso Simpático muito irritado e emitem
vibrações quentes, como um paciente de câncer. Esse calor pode
ser detectado usando-se a fotografia Kirlian, mediante a qual ele
se mostrará como uma claridade aumentada nos filamentos
luminosos que circundam a aura do corpo humano.
Lyall Watson (The Romeo error, pág. 163 - obra já
citada anteriormente) nos diz que a claridade é aumentada
quando o sujeito ingeriu álcool ou maconha, ou fez Meditação
Transcendental, acupuntura, psicocinesia ou cura espiritual. No
entanto, o público não sabe interpretar as fotografias Kirlian. A
maior claridade na aura indica um ‘curto-circuito’ no Sistema
Nervoso Simpático superaquecido. O halo existente ao redor da
mão de um curador ‘espiritual’ indica que um Bhut está
trabalhando por intermédio dele.
O que facilita o surgimento dos mortos no mundo dos
vivos e sua influência deletéria sobre nosso campo de ação é,
antes de tudo, nossa ignorância sobre esse tema. Na Idade
Média, sabia-se que os espíritos dos mortos, que se recusavam a
ir para a parte do cosmo para a qual eram destinados,
permaneciam próximos de seus corpos mortos. Por isso, todos
evitavam ir aos cemitérios. Posteriormente, as pessoas
importantes e egoísticas passaram a ser enterradas dentro das
igrejas. Assim sendo, as igrejas cristãs transformaram-se em
cemitérios. Por exemplo, a Basílica de São Pedro e a Abadia de
Westminster têm vibrações muito fracas. Somente o corpo de
um santo (um ser realizado, não necessariamente canonizado)
A DANÇA DE SATÃ 277

deveria ser enterrado dentro de um templo, dado que ele passará


a emitir vibrações divinas de Chaitanya. Essa mesma ignorância
permite que as massas ocidentais se deixem levar por alguns
criadores de imagens (alguns intelectuais, cineastas e cantores),
até às fronteiras da psique, onde a atenção se torna receptiva aos
Bhuts. Somos vulneráveis por causa de nossas fraquezas. Um
libertino fica sujeito ao ataque de Bhuts impudicos, e um
orgulhoso pode ser influenciado por Bhuts do supraconsciente.
As forças do mal agem com facilidade, num ambiente social em
que a castidade tornou-se algo fora de moda, onde apenas a
agressividade parece valer a pena e onde as barreiras de
proteção do darma foram desmanteladas. Em torno de nossas
cidades, existe uma teia de entidades invisíveis, vale dizer, um
circo volátil, oculto e satânico. Aqueles que morreram
brutalmente, com ódio e desejo de vingança, ou com desejos que
os perturbavam, aceitam ser controlados por feiticeiros, para
que possam entrar no sistema de uma pessoa viva e ali realizar
seus desejos insatisfeitos. Assim, um celibatário reprimido quer
conhecer o sexo, um médico quer continuar a praticar a
medicina e um sádico quer matar. Quando esse fenômeno se
espalha, um adepto do ‘tantrismo’ supraconsciente, tal como
Hitler, pode, usando legiões de soldados mortos sob seu
comando, controlar uma massa por hipnose coletiva e fazer com
que ela empreenda uma guerra de vingança. Em todos os casos
semelhantes que ensangüentaram a História, os agressores e os
que aceitaram sua agressão se aglutinaram para formar,
mediante a união dos opostos, uma tropa sem fé, sem lei e sem
freio, que se transformou num instrumento dos poderes do mal,
uma coletividade voltada para a destruição (vide o livro “O
despertar dos mágicos” de Pauwels e Bergier, que fala acerca da
magia negra dos nazistas). Enquanto a atmosfera vibratória não
se purificar, não se poderá romper a cadeia destrutiva. Os
terroristas de hoje são os nazistas e os fascistas reencarnados.
278 O ADVENTO

No pós-guerra, por intermédio da mídia, a verdadeira


estrutura da célula social foi atacada. É importante compreender
de que maneira a promiscuidade sexual fora do casamento nos
expõe ao nosso pequeno inferno particular e nos ajuda a criar
um inferno social. É preciso destruir o mito da sociedade
permissiva liberada. Esta, com sua ênfase na sexualidade juvenil,
ataca a segurança emocional, a consolidação do caráter e o
senso de responsabilidade social, conforme ressalta G. Heath,
em seu livro “The illusory freedom. The intellectual origins and
social consequences of the sexual revolution”. São muito sérias
as conseqüências sobre a família, as crianças e a maneira pela
qual os bebês são tratados. Com efeito, um condicionamento
cultural enorme induz as mocinhas a abandonar seu instinto
maternal e a procurar obter uma satisfação erótica imediata, em
detrimento da relação pai-mãe. Contudo, esses parceiros ficam
frustrados, e as crianças oriundas dessas uniões, por sua vez,
jamais poderão ter segurança. Estas flutuam com a corrente num
mundo sem o referencial de um quadro emocional estável. O
enorme crescimento das estatísticas de problemas médico-sociais
tais como a gravidez de adolescentes, o surgimento de novas e
sérias doenças sexualmente transmissíveis, o uso de drogas, a
ocorrência de perturbações psíquicas e as tentativas de suicídio
entre os jovens provam, se é que alguma prova é necessária, a
eficácia da ofensiva desse novo ‘tantrismo’. Muitos seres
realizados se recusam a nascer nesse ambiente degenerado.
Aqueles que querem reencarnar vão para os países onde a
família é ainda sólida e respeitada, isto é, para alguns países do
chamado Terceiro Mundo. A ligação com a criminalidade se
torna patente nas diversas pesquisas que sugerem uma relação
entre a liberação da pornografia e o aumento de estupros. O
desenvolvimento do câncer cervical está intimamente ligado à
promiscuidade sexual, conforme demonstra o doutor A. Singer,
em seu livro “Sexual promiscuity and cervical cancer”, na pág.
A DANÇA DE SATÃ 279

4. Vide também Rotkin, em seu livro “Cancer research”, pág.


33, 1.353, 1.367.
Uma vez mais, os meios de comunicação modernos
passaram a desempenhar um papel sinistro. Por isso, William
Blake, um visionário e ele próprio um pintor, descreveu algumas
partes do inferno com grandes máquinas de imprimir. Os efeitos
devastadores da Aids são notórios e não precisam ser relatados
aqui. Contudo, as pessoas não estão querendo encarar o fato de
que a melhor proteção contra a Aids é a castidade, isto é, o sexo
protegido pela privacidade do casamento.
As estatísticas não podem medir o dano sutil cometido
contra os Chakras. Shri Ganesha tem uma ‘memória de
elefante’ e, por meio do subconsciente, registra tudo que
fizemos contra nossa inocência em vidas precedentes, assim
como nessa vida atual. Essas transgressões, em última análise,
representam a prática de atos contra nossa Kundalini. A atenção
poluída somente pode ser purificada lentamente. A limpeza de
uma sujeira é sempre mais lenta do que a velocidade mediante a
qual ela conspurca. O mesmo ocorre em relação às imagens, aos
condicionamentos e aos preconceitos, que nos identificam com
um comportamento. Para darmos apenas um exemplo, falemos
da freqüência às praias. A superexposição aos raios solares, no
verão, esquenta muito o canal solar (Pingala Nadi) e prejudica,
principalmente, aqueles que já o tinham aquecido, por causa de
uma atividade mental excessiva. As conseqüências são
prejudiciais aos Chakras Swadishthana direito e ao Nabhi
direito. Isso porque, a serenidade da meditação se torna
impossível com uma atenção agitada ou com uma
hipersensibilidade aos estímulos nervosos. Certamente, se o
Sadhaka (aspirante, buscador) puder envidar seus esforços, com
constância e devoção, em suas meditações, o dinamismo
purificante da Kundalini levará à regeneração de seu sistema.
“Se vocês fossem perfeitos, não haveria necessidade da Sahaja
Yoga”, diz-nos Shri Mataji com um tom tranqüilizador. Porém
280 O ADVENTO

são poucos os que ouviram falar de Sahaja Yoga e mais raros


ainda são os que a praticam e a adotam.
Entretanto, a maioria das pessoas, embrutecida por um
ritmo de vida cada vez mais estressante, não se dá ao luxo de
refletir sobre o sentido de sua agitação. Alexis de Tocqueville
antecipou isso, ao escrever as seguintes palavras premonitórias:
“Vejo uma multidão imensa de pessoas, semelhantes e iguais,
que giram sem cessar ao redor de si mesmas, procurando
prazeres pequenos e vulgares com os quais preenchem sua
alma”. Os fundamentos religiosos autênticos da civilização
cristã, tendo sido perdidos, há muito tempo, fazem com que a
cultura cristã se encontre agora desprovida de conteúdo, como
já havia observado Nietzsche. “A situação do absurdo é aquela
de um homem que não sabe de onde vem, que não sabe para
onde vai, e, por conseqüência, que não sabe nem sequer quem
é”. As grandes religiões agonizantes não podem responder às
questões propostas por Camus.
O ser humano não sabe o que fazer com sua liberdade, e
anda em busca de novos mestres, o computador ou a libido. No
entanto, esta última não funciona, porquanto a faculdade de se
rejubilar é uma função do parassimpático. A crescente inclinação
do homem moderno para os Nadis laterais torna a satisfação
algo cada vez mais remoto e ilusório. Quanto mais o homem
corre atrás do prazer, menos ele consegue saboreá-lo. Quanto
menos ele se controla, mais controla os outros. Nosso vazio
interior é muito doloroso para que possamos confrontá-lo.
Tendo perdido o senso de busca da realidade e o senso de
ecologia do darma, identificamo-nos, cada vez mais, com as
atividades externas cuja desordem desfigura nosso planeta. A
estrutura socioeconômica instituiu um sistema de recompensas
materiais externas que pretende compensar nossa crescente
incapacidade de gozar da intensidade interior da verdadeira
satisfação. O aparato produtivo sustenta nossos desejos
artificiais, e se alimenta de nossas dependências, tais como do
A DANÇA DE SATÃ 281

tabagismo, do alcoolismo e de todas as outras coisas supérfluas.


Assim sendo, apesar de não ser evidente, existe efetivamente
uma relação direta entre o embotamento de nossa sensibilidade
neuropsíquica e o desperdício dos recursos naturais que agora
ameaça a sobrevivência de nossa espécie. Ao longo do tempo, a
consciência humana vem progredindo até atingir o ponto de
confrontar o limite entre o finito e o infinito. Voltando as costas
para esse limite, a sociedade pós-industrial (capitalista, marxista,
etc.) alcançou o que poderíamos chamar de estado de entropia
do pensamento contemporâneo, bem como da ação que surge
dele. A segunda lei da termodinâmica descreve o aumento da
entropia, da desordem ou degradação da energia. Num sistema
fechado (fechado precisamente porque seus limites foram
atingidos), cada influxo suplementar de energia pode apenas
aumentar a desordem do sistema. Estamos vivendo no regime da
entropia, quer no plano individual, quer no plano social. Ao
voltarmos nossas costas para a busca do Si, nos alienamos da
realidade, do infinito, e, simultaneamente, perdemos as normas
que regulam o comportamento correto (darma). Ao recusar a
encarar os reais problemas da psique, o cérebro se anestesia a si
mesmo e, assim, o potencial de nossa consciência diminui. A
acumulação do saber não corresponde a um crescimento
qualitativo do conhecimento. Esse fenômeno nem sequer é
novo. No século XIX, Tocqueville podia escrever, que
“movendo-se sem cessar, a humanidade não avança”. Todavia,
as conseqüências da entropia apontam em direção à destruição
de nossa raça. No caos da atividade entrópica, o jogo da Tamo
Guna e da Rajo Guna obscurece, para a grande maioria, a
percepção da linha Sáttwica de evolução. Por outro lado, uma
humanidade tão desorientada abre-se para o domínio do
subconsciente e do supraconsciente coletivos, o mundo dos
mortos, o inferno lançado sobre a Terra, peripécia diabólica que
formou parte da visão apocalíptica de São João em Patmos. O
Sahaja Yogi, equipado com a consciência perceptiva vibratória,
282 O ADVENTO

vivencia esse momento de desintegração que estamos vivendo,


onde a cultura é lida como um índice de decadência
generalizada, não como o fim do mundo, porém como o início
da Era de Aquário, Satya Yuga, a Era Dourada. O nascimento
do pintainho é a morte do ovo; a questão é se nos identificamos
com a casca ou com o pintainho. Conforme a resposta a essa
questão, pode-se perecer ou renascer.
Infelizmente, no momento em que a Sahaja Yoga foi
fundada por Shri Mataji, encontramo-nos num estado em que a
duras penas podemos iniciar o vôo. Todas as maquinações de
satã foram dirigidas no sentido de engordar, ao máximo, a
película do ego e do superego, a fim de nos manter prisioneiros
dentro da casca. Isso aconteceu por intermédio de uma
civilização adhármica (sem ética), mediante a deturpação das
grandes tradições religiosas. Shakespeare, em sua peça teatral
“O mercador de Veneza”, coloca na boca de Antônio a seguinte
fala: “O diabo pode citar as escrituras para seus próprios fins.
Uma alma maligna dando um testemunho santo é como um
vilão sorridente”. Essa degradação foi orquestrada, também,
pela atuação dos feiticeiros, grandes e pequenos, conhecidos e
desconhecidos. Ao nos entregarmos, complacentemente, às
nossas fraquezas, estamos fazendo o jogo das forças satânicas.
As vibrações coletivas desses seres engajados formam uma
‘rede’ entrópica que mantém a consciência perceptiva vibratória
humana aprisionada. Como escapar disso?
Em seu poema “Milton”, William Blake (uma grande
alma realizada) afirma que “Há um momento, todos os dias, em
que satã não pode encontrar nem sequer seus sequazes. Porém,
o ardiloso encontra esse momento e o multiplica; uma vez
encontrado, colocado adequadamente, renova cada momento
do dia”. Esse momento é o espaço infinitesimal existente entre
dois pensamentos, que é nosso contato com o presente. Esse
espaço, chamado de Vilamba em sânscrito, é imediatamente
bombardeado por ondas de pensamento e emoções do ego e do
A DANÇA DE SATÃ 283

superego, projetando mais e mais nossa atenção para as coisas


externas, para a esfera na qual o diabo pode atuar. Todavia, o
despertar da Kundalini conduz nossa atenção para dentro de nós
mesmos. O Vilamba cresce e, mais tarde, o ego e o superego
começam a desinchar e regridem para os Nadis Ida e Pingala.
Após a Auto-realização, uma estabilização pode acontecer,
permitindo que a atenção permaneça mais tempo no Sahasrara,
onde o silêncio do Nirvichara Samadhi se expande e se renova a
cada momento do dia.
O deslocamento da atenção para o Sahasrara, pelos
duplamente nascidos, constitui, ao mesmo tempo, o escudo e a
arma absoluta contra os ataques da negatividade. Entretanto,
esse estado não é alcançado num só dia. Por isso, os Sahaja
Yogis devem praticar uma grande vigilância. Como representam
uma grande ameaça às forças do mal, estas tentam derrubá-los.
Ademais, satã pretendeu tentar até Cristo. Os ataques se tornam
sutis. O ego se adorna de uma fachada espiritual para fazer com
que a pessoa acredite que se tornou algo único e extraordinário,
um indivíduo excepcional, talvez até a encarnação disso ou
daquilo, ou ainda, de um grande homem na História. Os círculos
parapsicológicos supraconscientes funcionam com esse
mecanismo.
LIVRO V
O GRANDE JOGO

“Em Ti, há uma idéia que atrai as almas e um argumento


que Te comprova. Tenho um coração que tem dois grandes olhos
abertos sobre Ti, e tudo isso está em Tua mão.”
Hussein Mansur Hallaj

“Pode ser que o poder que rege nossas espécies esteja, nesse
momento, realizando uma experiência ousada. Seria sua intenção
fazer com que a grande massa se mova para frente e ocupe aquelas
alturas até então reservadas apenas aos sábios? Será que a distinção
entre as pessoas simples e as pessoas sábias estaria na iminência de
desaparecer, uma vez que todas as pessoas seriam sábias? Se for
assim, nossas atuais asneiras seriam apenas dores crescentes. No
entanto, não nos equivoquemos acerca de nossas necessidades. Se
ficarmos contentes em voltar atrás e nos tornarmos humildes, como
os homens simples que obedecem perfeitamente à tradição. Se
estivermos dispostos a crescer e a lutar até que nos tornemos sábios
por nós mesmos, melhor ainda. Será fatídica a situação do homem
que não quiser obedecer à sabedoria dos outros e nem se aventurar a
desenvolvê-la por si mesmo. Uma sociedade na qual as pessoas
simples puderem obedecer aos poucos clarividentes poderá viver.
Uma sociedade na qual a massa ainda for simples e os clarividentes
não mais existirem, apenas poderá alcançar a superficialidade, a
vulgaridade e a feiúra e, por fim, a própria extinção. Para frente ou
para trás devemos caminhar. Parar significa a morte.”

C. S. Lewis
A MÃE E OS FILHOS

CAPÍTULO VIII

“Venham, ó arianos e não-arianos,


hindus e muçulmanos!
Venham, ó ingleses e cristãos!
Venham, ó brâmanes!
Purifiquem suas mentes e apertem as mãos uns dos outros!
Venham, ó oprimidos
E se libertem do peso de suas humilhações.
Não demorem, mas venham todos,
A fim de venerar a Mãe divina,
Nas praias da Índia,
Para onde vieram homens e mulheres de todas as raças.”
Rabindranath Tagore, “Gitanjali”

“O começo do universo, quando se manifestou, pode ser


considerado como sua Mãe. Quando um homem encontra sua Mãe,
também reconhecerá os filhos.”
Lao Tse

“‘Mãe’ é o nome de Deus nas bocas das crianças pequenas.”


William Thackeray

Os mitos e os rituais contêm a memória da humanidade.


Por isso, foram desprezados por muito tempo pelos positivistas
modernos, cujas motivações supraconscientes dirigiram mais sua
atenção para o ‘progresso’ e para o futuro. Contudo, os
etnólogos e os arqueólogos deram um novo sentido às pesquisas
A MÃE E OS FILHOS 289

científicas sobre essa matéria. Tratam de exumar uma espécie


de linguagem da massa enorme de dados de que dispõem.
Alguns suspeitam que essa linguagem poderia conter
informações sobre o presente, sobre a maneira de vivê-lo e,
inclusive, poderia esboçar os contornos do futuro. Todavia,
muitos sinais são contraditórios. A mensagem (se é que existe
uma mensagem) é altamente codificada e deve ser decifrada com
base numa grande variedade de formas de expressão. Assim, ao
longo dos séculos, o homem vivenciou as mesmas relações com
a procriação, com a comunidade, com a morte, com os Bhuts,
com o mal e com Deus. Os pesquisadores tentam descobrir na
diversidade de rituais, símbolos e crenças que cercam essas
relações, uma lógica subjacente que as estrutura, com o
propósito último de desvendar o verdadeiro sentido da vida
humana. A Sahaja Yoga, mediante uma inversão espetacular da
metodologia, leva os pesquisadores ao seu objetivo e dá a eles a
chave para a decodificação.
Vivificada a partir do interior, a consciência realizada
reconhece a expressão das leis da vida que carregam as
mensagens do Inconsciente. Ela distingue as tradições que
ajudam os homens em seu progresso daquelas que se degeneram
em meras rotinas. Reconhece os arquétipos que orientaram a
evolução.
Diz-nos Jung, em seus livros a “Psicologia do
inconsciente” e “A metamorfose da alma e seus símbolos”, que
“um arquétipo é uma grande imagem ‘original’ transmitida
pelo Inconsciente coletivo ao nosso Inconsciente individual. As
imagens originais constituem as formas representativas mais
antigas e distantes conhecidas pela humanidade. Elas são tanto
sentimento quanto pensamento, têm mesmo algo, como uma
vida própria, independente e autônoma”. Quando nossa libido
transpõe sua forma infantil e pessoal, submergindo-se no
Inconsciente, ela descobre “o tesouro escondido que serviu à
humanidade por toda a sua História, de onde surgiram os
290 O ADVENTO

deuses e os demônios e todas aquelas idéias de uma força


maior e de um poder sem os quais o homem cessaria de ser
homem”. Esses modelos e ideais entram na consciência humana
como intuições poderosas, que determinam o leito no qual flui a
corrente da energia humana, que inspirou os pensadores,
profetas, arquitetos e artistas de civilizações passadas, cujas
pistas nossos etnólogos têm descoberto.
Os arquétipos continuam a se manifestar e a agir. Eles
fazem parte de nosso presente. “Antes de tudo”, afirma
Bertrand de Jouvenel, “o homem é conquistado pelas imagens”.
Um estudo da relação entre o poder político e o simbolismo
mostra como os poderosos da Terra tentaram manipular os
arquétipos, a fim de legitimar seu poder. Num nível mais geral,
Kant ressaltou que as idéias formam a base da perfeição possível
de certas ações e fornecem à razão os critérios que lhe são
indispensáveis. Dizia, também, que não se pode atribuir a essas
idéias uma existência real e objetiva. Não obstante, ele não
estava em condições de saber se as idéias e os arquétipos são
aspectos das divindades e que essas divindades, de fato, têm
uma existência real e objetiva, num plano de existência diferente
do nosso. A projeção dos arquétipos é recebida por um ser
sensível por meio de seus receptores correspondentes, os
Chakras. Mesmo antes da Auto-realização, esse mecanismo
demonstra ser a forma mais direta de interação do Divino
conosco. Isso porque, sob sua forma mítica, religiosa ou
simbólica, o arquétipo incorpora, simultaneamente, um certo
conteúdo cósmico (uma divindade, seus aspectos e suas leis) e
um conteúdo microcósmico (um componente específico de
nossa vida psíquica).
Freud nos asseverou que o problema principal da psique
humana era de natureza sexual. Na raiz das neuroses e outras
desordens mentais poderiam ser encontradas tensões criadas
pelos desejos incestuosos reprimidos. A importância dessa
questão é confirmada pela antropologia estrutural de Lévi-
A MÃE E OS FILHOS 291

Strauss. Em todas as comunidades humanas, a regra sobre a qual


repousa toda a organização social é a proibição do incesto, e
mais particularmente, a união sexual ilícita entre mãe e filho.
Para vermos o que significa tudo isso e ilustrar as implicações
cognitivas das antigas mitologias, analisemos a relação entre
dois arquétipos fundamentais representados pela Mãe e pelo
Filho.
A primeira pista de uma divindade na História da
humanidade se encontra nas figuras neolíticas que descrevem a
Mãe como a personificação da fertilidade. O tema da
maternidade é encontrado em todos os lugares. Ele me
comoveu, particularmente, diante da Pietá de Miguel Ângelo e
no quadro de Memling, em Bruges, chamado ‘A Adoração dos
Reis Magos’. A maternidade manifestou-se em diferentes tribos,
povos, culturas e civilizações, por meio da cosmologia oriental,
das sagas nórdicas e das lendas da Polinésia. A religião hindu é a
religião da Mãe. A deusa (Devi) Bhagawati, na qualidade de
energia divina primordial (Adi Shakti), é apresentada em
numerosas formas maternais, como Jagadamba, Durga, Gauri,
Parvati, Lakshmi, Saraswati, ou Kali, e encarnada sob a forma
humana como Sita ou Radha. No antigo Egito, era chamada de
Nun, Nunet, Hátor e Ísis. Deméter e Perséfone, segundo os
gregos. Palas Atena em Atenas, Ártemis em Éfeso, Céres em
Roma e Astartéia na Caldéia. Os budistas chineses descrevem-na
como Kuan Yin, a Mãe da Compaixão. Na época do profeta
Maomé, Fátima, sua filha (que foi a mãe de Hussein e Hassan),
simbolizou um modelo para o Islã. Ainda que o mundo judaico-
cristão seja dominado pelos arquétipos masculinos do Pai e do
Filho, a Mãe está longe de estar ausente. A Virgem Maria ocupa
um lugar proeminente nas devoções católica e ortodoxa. No
Evangelho apócrifo de São Tomé, o Espírito Santo é invocado
como a Mãe oculta. Os símbolos esotéricos da Mãe são, muitas
vezes, a Cidade (Nova Jerusalém), a água da vida (o oceano
como uma totalidade abrangente e o ritual do batismo que dá
292 O ADVENTO

nova vida), a Terra (Prithvi ou Bhumi, na Índia, Deméter em


Elêusis e Cibele na Frígia), a Vaca (Hátor no Egito e Surabhi na
Índia) e o Vaso (Kumbha), o útero sagrado. Naturalmente, a
universalidade dessas representações é simplesmente por causa
da existência universal de mães humanas. Contudo, esse
argumento não é em si mesmo suficientemente forte para negar
a existência de uma Mãe divina multifacetada que é tão
sistematicamente representada nas mitologias. Conhecê-las mais
profundamente ajudaria, indubitavelmente, as mães humanas a
educar melhor seus filhos. Temos de compreender que o
conteúdo arquetípico dá muitas conotações ao símbolo da Mãe,
porquanto vai do humano ao Divino. Da mesma maneira, os
termos importantes do vocabulário espiritual em sânscrito têm
três significados, apresentados em etapas, e o último geralmente
é um segredo.
O Herói-Salvador pode ser o pai ou o filho. Shiva não
nasce como ser humano porque representa a infinitude da
realidade espiritual, acima e além das formas e da existência
condicionada. Jeová e Alá intervêm na História, por intermédio
dos profetas Abraão, Moisés e Maomé. Todavia, Vishnu, o
mestre da evolução, já se encarnou nove vezes e, em
determinado momento do drama cósmico, ele transferiu sua
tarefa messiânica para a figura do Filho. Osíris se eclipsa diante
de Hórus, Jeová age por intermédio de Cristo. Para nós, seres
humanos, essa transferência de poder nos coloca mais próximos
da salvação, porque esse irmão mais velho vem do alto e desce
até nossa raça a fim de nos levar com ele. Ele está diante de seu
Pai e nos põe sob sua proteção. O filho da deusa é um Herói,
chefe das forças benéficas. Ganesha é filho de Gauri e
Kartikeya, de Parvati. Porém, foi na bacia do Mediterrâneo que
o arquétipo do Filho-Herói-Salvador culminou na pessoa de
Jesus, o Cristo. O tema do Herói, como um Deus encarnado,
apareceu na quinta dinastia do Egito. Ele é usualmente
identificado com o princípio solar, como são por exemplo os
A MÃE E OS FILHOS 293

príncipes arianos da dinastia Ikshavaku da qual surgiu Shri


Rama. No Ocidente, os imperadores romanos de Marco Aurélio
a Constantino, o Grande, referiam-se a si mesmos como o Sol
Invictus, o Sol Vitorioso. A qualidade solar indica o papel da
vontade e uma grande tarefa a ser realizada.
Qual é essa grande tarefa? Ao transferir sua função
arquetípica de Herói-Salvador para o Cristo-Filho, o Pai
objetivou fazer com que os seres humanos se identificassem,
mais facilmente, com sua missão messiânica e com o caminho
para a redenção. A cena cósmica em que o herói evolui
simboliza a cena microcósmica de nossa psique, que é o teatro
de nossa ascensão. Mediante a complexa teia de relações entre o
Pai e a Mãe, consciente ou inconsciente, na libido e no espírito,
e através da morte e da ressurreição, a figura do Herói-Criança
promove sua peregrinação iniciática em direção ao Si,
mostrando assim o caminho da evolução para a humanidade. Em
sua trajetória, ele tem de matar o dragão da libido incontrolada
(a lenda germânica de Siegfried e a lenda de São Jorge), mestre
do touro das forças titânicas e instintivas (a lenda de Mitra) e
tem de emergir da baleia do superego que tudo engole (o profeta
Jonas). Alguns rituais de iniciação sugerem o caminho em
direção à cidade do Sahasrara. Os testes de fogo e de água
(como na “Flauta mágica” de Mozart) representam a passagem
pelo Swadishthana e pelo Nabhi.
Certamente, a espera do salvador pertence à memória
mais profunda de todos os povos. Hoje, algumas pessoas
esperam que ele desembarque de um OVNI. Sabemos que Ele se
encarna. Porém, será que se poderia dizer agora, que o Salvador
é despertado em nosso interior? Fazendo um uso correto de
nossa liberdade, não somos, de certa forma, nossos próprios
salvadores?
A Criança-Herói é todo buscador da verdade que,
consciente ou inconscientemente, trilha o caminho que conduz
ao Chakra real de mil pétalas. O Pai é o Consciente, a
294 O ADVENTO

testemunha, e o Conhecedor do Campo (Kshetragnya), a Mãe é


o Inconsciente, e o lugar onde se reúnem é o Vilamba do
silêncio-consciência (Nirvichara Samadhi), que se abre no
momento da Auto-realização. Todavia, como já repetimos várias
vezes, se o Consciente e o Inconsciente não estiverem de algum
modo equilibrados pode-se sucumbir diante dos perigos
descritos pela mitologia e pela tradição.

- Os Perigos do Ego
O Pai, transformado em supraconsciente, pune o
temerário, a águia devora o fígado de Prometeu, vale dizer, o
órgão que, predominantemente, superaquece o lado direito.
Quando Ícaro voa muito próximo do Sol, a cera que mantém
ligadas suas asas começa a derreter e ele cai no mar. Ele vai do
extremo do Pingala Nadi para o extremo do Ida Nadi (o oceano
é um dos símbolos do subconsciente).

-Os Perigos do Superego


A Mãe, transformada em subconsciente, engole o fraco.
Coatlicu, uma divindade indígena americana, Kali ou Tiamat
são descritas como possuidoras de traços horríveis. Conforme
observa Jung, tão pertinentemente, o medo real da psique
humana não é a fobia do incesto, mas sua absorção pelo
subconsciente. O complexo de Édipo se transforma num
complexo de Jonas-baleia. Os medos da humanidade estiveram
sempre ligados ao subconsciente coletivo, que contém as coisas
mortas e tudo aquilo que foi superado pelo processo de
evolução humana, tais como as plantas, os insetos, os animais e
os seres deformados e monstruosos. O subconsciente coletivo
contém, enfim, as entranhas do inferno e sua pavorosa
população.

A confusão entre a Mãe e o Subconsciente é encontrada


em várias culturas, antes de ter sido sistematizada por Freud.
A MÃE E OS FILHOS 295

Ishtar tenta seduzir Gilgamesh, e as histórias de Adônis, Átis,


Dionísio e Siegfried são todas muito ambíguas. Todavia, temos
que compreender que o fascínio exercido pela Mãe sobre o Filho
nada tem a ver com sexo. A verdadeira relação com a mãe
carrega uma conotação cósmica porque nosso subconsciente
registrou o paraíso do bem-estar intra-uterino. O ‘retorno à
mãe’ representa uma inefável aspiração à união cósmica e não
ao latente desejo de incesto. Todos os símbolos mitológicos
referentes à mãe expressam essa unidade que abarca tudo, ou
seja, a Terra e o sentimento comunitário nas cidades. A mãe
cerca e protege. A sexualidade não pode ser o meio de recuperar
o estado de integração cósmica que o homem conheceu antes do
nascimento. Deriva daí o significado profundo da proibição do
incesto, para não mencionar as restrições impostas pela genética.
O objetivo de nossa busca é a grande União. Ao limitar
essa busca ao âmbito da libido e, em seguida, ao reduzir a libido
ao apetite sexual, Freud seguiu o padrão adotado pelo tantrismo
e desorientou uma geração inteira de psicólogos, que, por sua
vez, desequilibraram seus pacientes. Necessitamos mais que
mitologias, a fim de clarificar esse domínio, porque ele é difuso e
algumas vezes ambíguo. As almas realizadas não precisam mais
decifrar as revelações fragmentadas desse material. O
conhecimento que Shri Mataji nos revelou, e que foi verificado
pela consciência perceptiva vibratória, é o jogo no qual o
universo é o pano de fundo, vale dizer, aquele que a Mãe divina
joga com seus filhos.

Levi H. Dowling, em sua obra “O Evangelho aquariano


de Jesus, o Cristo”, foi inspirado, provavelmente, pelo
supraconsciente. Extraiu dos registros akáshicos (como são
chamados pelos parapsicólogos) as verdadeiras palavras de
Cristo. Algumas afirmações são particularmente interessantes:
“ - Eu lhes digo essas coisas, enquanto estou com vocês em
carne, pois quando o vento do espírito vier com todos os
296 O ADVENTO

poderes, Ela lhes ensinará muito mais e lhes recordará


todas as palavras que lhes disse.
- Todavia, existem muito mais coisas a ser ditas; coisas que
essa época não pode receber, pois não as pode
compreender.
- Mas, em verdade, lhes digo, antes que venha o grande dia
do Senhor, o Espírito Santo desvendará todos os mistérios.
- Os mistérios da alma, da vida, da morte e da imortalidade;
a união dos homens com todos os outros homens e com seu
Deus.
- O mundo será guiado para a Verdade e o homem será a
Verdade.
- Quando a Consoladora vier, ela convencerá o mundo de
seu pecado e da verdade de meus ensinamentos e da
justiça do julgamento dos justos; e o princípio da vida
carnal será alijado.
- Quando a Consoladora vier, não terei que interceder por
vocês, pois serão aceitos e Deus os conhecerá como Ele
conhece a mim.
- A hora é chegada em que chorarão. O mal exultará porque
Eu parto; mas voltarei e todos os seus tormentos se
transformarão em alegria.”

Para uma pessoa dotada da consciência perceptiva


vibratória, esse texto é luminosamente claro. O Espírito Santo é
revelado como sendo a Mãe.
A finalidade da criação, como já vimos, é oferecer ao
Homem, o filho escolhido pelo Espírito Santo e o coroamento
da criação, o mais alto prêmio que é a imersão na consciência
divina. Mesmo os deuses (Devas) têm de ter um nascimento
humano a fim de cumprir o estágio final da Realização de Deus.
Assim, o divino Si, que é o reflexo de Deus Todo-poderoso
dentro de cada homem, virá a conhecer a si mesmo. A
fenomenologia desse processo formidável foi simbolizada pelo
arquétipo do Filho-Herói-Salvador e pelo mito da busca. Os
A MÃE E OS FILHOS 297

buscadores são os cavaleiros do Santo Graal. O ‘paraíso


perdido’ é nossa própria natureza divina. Ao reencontrá-lo
desenvolvemos a mutação alquímica completa, que foi buscada
pelos alquimistas medievais por intermédio da pedra filosofal.
Entramos no ‘reino puro’ do Bodhisattva Amitabha, o reino de
Deus prometido por Cristo. A Mãe diz: “Os filhos se deleitarão
com o brinquedo da criação que Deus concebeu para eles”.
O retorno à Mãe surge do fato de que, em estado de
Samadhi, a consciência humana individual, antes de tudo, se une
à energia divina primordial, a Kundalini, localizada no
Muladhara (no osso sacro e não no Muladhara Chakra), que é
o tabernáculo de sua própria Mãe espiritual. A Mãe,
gradativamente, apresenta o Filho ao Pai, porque somente a
energia de Deus conhece Deus e pode aproximar-se Dele. Ele
está completamente fora do alcance cognitivo do Homem.
Assim, a intermediação da graça da Mãe é indispensável. Essa
intervenção foi bem expressa pelo lugar reservado à Virgem
Maria na devoção popular católica. O despertar da Kundalini é
acompanhado por um grande senso de pureza e segurança.
A concepção imaculada da Virgem não é uma lenda, mas
a demonstração de que a Mãe divina dá um nascimento
espiritual a Seu filho. Como Gauri, a grande deusa (Mahadevi)
concebeu Ganesha. Como Parvati, concebeu Kartikeya. Como
Radha, concebeu Mahavishnu, e como Maria, concebeu Jesus.
E este processo cósmico que ela supervisiona, ao longo de
séculos de História, não se efetiva de novo na manifestação
coletiva da Realização do Si? O Apocalipse nos informa a
respeito desse novo nascimento:
“E uma grande maravilha apareceu no céu, uma mulher
vestida pelo Sol, que tinha a Lua debaixo de seus pés, e
uma coroa de doze estrelas sobre sua cabeça. E estando
grávida, clamava com as dores do parto que a
atormentavam. E então apareceu outra maravilha no céu:
298 O ADVENTO

um grande dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez


cornos, e sete coroas em suas cabeças. E a cauda dele
arrastava um terço das estrelas do céu, e as fez cair sobre
a Terra. O dragão parou diante da mulher que estava na
iminência de parir, a fim de devorar seu filho, assim que
ele nascesse. Ela deu à luz um filho varão, que havia de
reger todas as gentes com vara de ferro, e seu filho foi
arrebatado para Deus e para seu trono.”
Apocalipse de São João Apóstolo, 12, 1-5

Vemos, todos os dias, que ‘a velha serpente chamada de


diabo ou satã’ ataca, incessantemente, a comunidade das almas
realizadas que está nascendo. Incessantemente, porém sem
sucesso. Mesmo que algumas pessoas sucumbam aqui ou ali, o
organismo continua a crescer.
Podemos indagar como foi que o mal apareceu na
criação da Mãe primordial. A razão disso é que se concedeu às
criaturas uma liberdade muito grande, elemento indispensável no
processo de aperfeiçoamento. Algumas dessas criaturas optaram
pelo caminho do mal, por causa da ignorância tornada mais
densa pelo ego. Essas forças satânicas manipulam as formas
menos evoluídas de energia (os instintos animais e a libido
subconsciente) com o propósito de perverter as energias
humanas. A deusa aparece diante desses demônios como um ser
horripilante, porque ela é a Parashakti, o grande poder, que não
pode ser contestado nem evitado (Nishparigraha) e que
intervém para salvar Sua criação (Deva Karya Samudyata). Ela
é descrita como sendo furiosa com as forças do mal (Chandika).
No processo evolutivo, a atenção do herói deve elevar-se
das mais baixas formas de energia até o valor espiritual mais
elevado. É preciso que ele se desembarace dos grilhões
escorregadios do subconsciente e, como São Jorge, mate o
dragão. Os obstáculos estão aí para ser suplantados. Os testes
no caminho da iniciação existem para fortalecer nosso próprio
A MÃE E OS FILHOS 299

crescimento. A Mãe divina deseja que seu filho cresça. Ela é


puro amor, e em seu amor, deseja que seu filho alcance o que há
de melhor, que se deleite com a felicidade suprema que ela lhe
reserva. Virgílio dizia que “o filho para quem sua mãe sorriu
merece o leito dos deuses”.
As vicissitudes, os medos, os sofrimentos e as mortes
dos heróis (que constituem o conteúdo da mitologia) faziam
parte integrante do processo evolutivo, numa época em que a
Auto-realização vinha somente após uma completa limpeza
interior. Para que possamos renascer para o Si, por intermédio
da graça da Mãe divina, é necessário que ‘morramos’ para o ego
e para o superego. Mesmo após a Realização do Si, na Sahaja
Yoga, o processo de purificação requer constância e
determinação. Todavia, não é nada assustador ou doloroso.
Muito pelo contrário, os Sahaja Yogis gozam de um raro senso
de humor, com o qual atam e desatam os percalços que lhes
acontecem em seu trajeto.
O livro denominado “Shri Lalita Sahasranama”, com
comentários do Doutor Suryanarayana Murthy, é uma coleção
de mil nomes que refletem os diversos aspectos da Grande
Deusa. O primeiro nome constante da relação é Shri Mata, Mãe
sagrada, sobre a qual o editor comenta: “Ela é uma Mãe que dá
a seu filho não apenas as boas coisas que uma mãe amorosa
pode dar, mas também o que há de mais elevado, ou seja, o
conhecimento do Absoluto”. Os outros nomes indicam que ela é
o Caminho, e que abençoa Seus discípulos mui prontamente.
Essas diversas manifestações de uma graça superabundante são
peculiares ao arquétipo da Mãe. “Ela apenas tem a paciência e
o poder de salvar os seres humanos comuns na satânica
confusão da Kali Yuga”.
Esse papel redentor, tão claramente reconhecido como
pertencente ao aspecto feminino de Deus, exerce uma profunda
influência nas civilizações que o perceberam. Se se compreender
que Deus é, simultaneamente, homem e mulher, a pretensão do
300 O ADVENTO

homem de dominar a mulher aparece como sendo uma vaidade


intolerável. A igualdade dos sexos que está calcada no
reconhecimento da realidade espiritual mais profunda revaloriza
a posição da mulher e da esposa na sociedade. Foi devido à
qualidade de suas mulheres que a Índia pôde resistir tanto tempo
às influências adhármicas.
Os ensinamentos da Sahaja Yoga reativam esses valores
e abarcam todos os aspectos da vida humana. Seguem,
claramente, o fio milenar das diretrizes que as encarnações
divinas deram aos homens, para que aprendessem a se deleitar
com a vida. Neles podemos encontrar o princípio essencial que
unifica todas as grandes tradições religiosas do passado. As
virtudes são exaltadas e os vícios são condenados, e dessa vez,
sabemos qual é a razão disso. Existe uma ligação misteriosa,
porém muito real, entre o arquétipo da Mãe divina, o fluxo de
vibrações, o despertar da Kundalini, a atividade dos Chakras e o
trabalho de Shri Mataji. Muitos textos antigos sagrados de
maneira profética entoaram louvores a esse mistério:
“Ao alvorecer,
Ele olhará para o Sol nascente
E saudará com alegria sua Mãe Terra.
Ao alvorecer,
Ele lavará seu corpo na água fresca
E saudará com alegria sua Mãe Terra.
Ao alvorecer,
Ele aspirará o ar perfumado
E saudará com alegria sua Mãe Terra.”

O evangelho dos essênios


(trad. Edmond B. Szekely; C.W. Daniel Co, Saffron Walden, 1974,
pág. 189)
O MOVIMENTO ELÍPTICO

CAPÍTULO IX

“Vocês realmente acreditam que os criei para nada e que


não serão chamados diante de Mim a fim de prestar conta de suas
vidas?”
Alcorão

Muitos adeptos da ficção científica fazem a si mesmos


diversas indagações. Os continentes submersos e os impérios
perdidos deixaram algum tipo de mensagem para a humanidade?
Para onde foram os antigos deuses? O que representavam esses
deuses? Schopenhauer era fascinado pela cosmologia hindu dos
Vedas, que apresentava a História como um jogo (Liila) do
Divino. Herder e Fichte imprimiram à escola histórica alemã uma
tendência evolutiva que se adequavam bem às antigas tradições
indo-arianas. Hegel, em seu livro a “Filosofia da história”,
adivinhando a atuação da Adi Shakti, percebeu a História como
a esfera de atuação por meio da qual o Weltgeist, o espírito do
mundo, realiza suas potencialidades. A noção de espírito
(Purusha) que quer se concretizar na matéria (Prakriti)
encontra-se presente em Platão, Leibnitz, Bergson e Teillard de
Chardin. Ademais, é verdade que o crescimento da vida
corresponde ao desenvolvimento dos sistemas biológicos cada
vez mais complexos que sustentam a consciência. Ora, se o fio
de Ariadne que guia o sentido de nossa História é de fato a
concretização crescente do espírito na matéria, é claro que a
possibilidade dada pela Sahaja Yoga a um grande número de
302 O ADVENTO

seres humanos de receber a Realização do Si antecipa o clímax


iminente desse jogo de reconhecimento que o espírito joga
consigo mesmo. Comecemos do início:
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o
Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas
foram feitas por ele; e nada do que foi feito, foi feito sem ele. Nele
estava a vida, e a vida era a luz dos homens.”
João, 1, 1-4

“O verbo”, nos diz Shri Mataji, “é a sílaba sagrada


AUM (Amém), da qual o Katha Upanishad diz que ela é o
objetivo de todos os Vedas.” A universalidade da sílaba AUM se
repete em todas as escrituras sagradas da Índia.
“A sílaba AUM, que é o Brahman (o Absoluto) imperecível,
contém o universo. Tudo aquilo que existiu, tudo aquilo que
existe, tudo aquilo que existirá é AUM. E tudo aquilo que
transcende o passado, o presente e o futuro, é igualmente
AUM.Tudo aquilo que vemos ao nosso redor é Brahman.
Esse Si, que está em nosso interior, é Brahman. Esse Si,
que é um com o som AUM.”
Mandukya Upanishad

No Apocalipse, 3, 14, São João afirma que “o anjo da


Igreja de Laodicéia, escreve: o Amém é a testemunha fiel e
verdadeira, o Princípio das obras de Deus”. São João deixou
entender, claramente, que o Verbo é o Cristo e Shri Mataji
confirma essa proposição. AUM não é outro senão Shri
Ganesha, o filho divino primordial não-encarnado, por meio do
qual a Adi Shakti projeta suas três energias primordiais,
Mahakali (A), Mahasaraswati (U) e Mahalakshmi (M) para
criar o universo. Shri Mataji nos diz que o corpo de Cristo era
puro Brahman ou vibrações puras (que foram confirmadas por
Sua ressurreição e por Sua ascensão).
COMPAIXÃO 303

Os Upanishads asseveram que “aquele que conhece o


som AUM conhece o Si. Meditando-se sobre o AUM atinge-se
Brahman” (Prasna Upanishad, Taitiriya Upanishad). São João
diz: “O Verbo lhes dá o poder de se tornarem filhos de Deus”.
O que é que esses sábios e clarividentes do passado queriam
dizer com isso? Para o leitor, essas afirmações permanecem
abstratas e teóricas. No entanto, a Sahaja Yoga as torna reais.
Como meditar sobre o som AUM? Muito simplesmente
formando-se a palavra pela junção das letras “a”, “u” e “m”.
Como já dissemos, é a Kundalini que, em sua ascensão, combina
essas três letras, as três energias, e os três Nadis e as integra.
Logo, o som AUM, o movimento primordial da energia divina, é
percebido em sua manifestação como sendo Chaitanya (as
ondas de força vital, as vibrações frescas), pelo sistema nervoso
de um ser realizado. Nessa experiência, unem-se o princípio e o
fim. O som primordial é percebido pela alma realizada como
sendo a forma final do ciclo evolutivo. O ômega descobre que é
o alfa.
Assim o movimento do 'vir a ser' universal, do qual a
História que conhecemos é apenas uma parte infinitesimal,
aparece como uma elipse aberta, símbolo da Adi Shakti, a
energia primordial de Deus. Sadashiva, o Pai Primordial,
contempla o trabalho de Sua Energia. O diagrama da figura dez
não pretende descrever uma exata seqüência de eventos, mas
apenas o movimento elíptico que, primeiramente, se afasta de
Sadashiva para somente retornar a Ele no final.
304 O ADVENTO

FIGURA 10 - A ELIPSE
Uma elipse representa, por assim dizer, a criação de um
universo, com suas eras (Yugas) de ouro, prata, bronze e ferro.
Todavia, é possível que o universo seja constituído de uma
forma elíptica e seja enrolado sobre si mesmo várias vezes.
Nesse caso, o retorno ao ponto inicial representa o fim de um
ciclo (marcado em nosso universo pela iminente encarnação de
Shri Kalki) e não pela total destruição do universo (Tandava). A
elipse parte de Deus e retorna a Ele. Cada universo tem sua
missão, desaparecendo para se tornar um Chakra no corpo
universal da Adi Shakti. Essas elipses incontáveis,
multidimensionais, marcam as variações da dança cósmica da
Grande Deusa, as guirlandas que tece para adornar seu Senhor.
Vamos retornar à elipse e seguir seu curso. Notamos que
ela segue a mesma seqüência de estágios que a Kundalini segue,
em sua ascensão até o Sahasrara. Em primeiro lugar, a Mãe do
universo, na forma de Shri Gauri, cria Shri Ganesha, cuja
morada é o Muladhara Chakra primordial. Sua cabeça de
elefante expressa a ausência de ego. Ele conhece apenas o amor
que o une à sua Mãe e do qual extrai sua extraordinária força. A
COMPAIXÃO 305

irradiação de sua aura banha o universo inteiro com uma


inocência e uma pureza santas. Ele controla as energias do
cosmo e acumula seus dejetos no inferno, cujas portas ele vigia.
Seu nome de Ganaraja (rei dos Ganas) provém do fato de que
ele lidera os Ganas ou anjos que trabalham no subconsciente;
seu nome de Adi Bandhu enfatiza que ele é o amigo primordial
daqueles que buscam Deus. À medida que limpa o Muladhara
Chakra, restaura o paraíso perdido da inocência para os Sahaja
Yogis, dando-lhes força, sabedoria e contentamento. Sua
intercessão é tão relevante que ele é invocado, na Índia, no
início de cada ritual, prece ou cerimônia religiosa. Seu veículo é
um camundongo, porque seus devotos são humildes e
laboriosos.
O próximo aspecto do Divino que se manifesta é Shri
Vishnu, com sua Shakti Lakshmi. Ele repousa sobre a serpente
cósmica Shesha, flutuando sobre as águas de um mundo
chamado Vaikuntha. Até lá vão os deuses encarregados dos
elementos materiais do mundo, em peregrinação, liderados por
seu rei Indra, a fim de pedir conselhos ao mestre da evolução.
Shri Vishnu é representado, freqüentemente, em profundo sono
místico, como se estivesse deixando que a evolução tomasse seu
curso natural. Todavia, quando sua intervenção é solicitada, age
com tremenda rapidez, porquanto é o arquétipo do herói-
salvador, montado em sua águia luminosa e terrível, Garuda.
Shri Vishnu é o aspecto de Deus Todo-poderoso, que sustenta e
protege a criação. É adorado pela desenvoltura despreocupada
com que desmantela as maquinações engendradas pelos
demônios, porque manda os mestres supraconscientes, tal como
o bardo Narada, de volta aos seus lugares e pela magnanimidade
que demonstra a todos aqueles que nele buscam refúgio.
Equilibra o jogo dos Nadis, prestando homenagem à primazia do
desejo de Shiva e, algumas vezes, acalmando o ardor criativo de
Brahma. Shri Lakshmi é a senhora e a dona do universo, a
deusa do lar, a quem apraz distribuir suas bênçãos (inclusive a
306 O ADVENTO

prosperidade material) às pessoas dhármicas. Qualquer ataque


ao darma é sentido no lado esquerdo de nosso Nabhi Chakra,
enquanto que o lado direito é afetado por desordens hepáticas
provocadas, muitas vezes, por excesso de atividade mental. Shri
Shesha, a serpente cósmica, representa a atenção perpetuamente
concentrada em Deus, mesmo quando Shri Vishnu está
dormindo, e controla o lado direito do Nabhi Chakra. Quando
Shri Shesha se encarna, acompanhando Shri Vishnu, assume
usualmente a forma de um guerreiro, tal como Lakshmana, o
irmão mais novo de Shri Rama. Como Kartikeya, o Senhor da
Guerra, leva o esplendoroso brilho da inocência no lado direito.
Os Vahanas, as montarias (ou veículos) de Shri Vishnu,
pertencem ao patrimônio místico da humanidade. A serpente
cósmica tornou-se o deus asteca Quezalcoatl e o sagrado
dragão dos chineses. Garuda, a águia, tornou-se um dos
querubins da visão de Ezequiel. No Apocalipse (4.8) o quarto
ser vivo é descrito como uma águia voando. Símbolo da
velocidade e força de Deus, conduziu as legiões romanas com
seu emblema de águia e tornou-se o tema principal da heráldica.
Até hoje, a águia (Garuda) aparece em lendas antigas da
Tailândia e da Colômbia.
O Swadishthana Chakra primordial gira em torno de
Vaikuntha no universo, onde Shri Brahmadeva e Shri Saraswati
criam diferentes formas de matéria e de vida. Shri Mataji afirma
que “no intervalo de seis bilhões de anos, Brahmadeva criou a
matéria com sua estrutura atômica e tudo o mais. Em quatro
bilhões de anos, as galáxias se materializaram com nosso
sistema solar. A Terra encontrou sua posição planetária e o
tipo de movimentação espacial que propiciou o aparecimento
da biosfera (1,1 bilhão de anos). Finalmente, apareceram os
tecidos das células vivas”. Segundo a lei das probabilidades, o
tempo necessário para que o homem surgisse sobre a Terra seria
apenas suficiente para produzir um ser unicelular. Shri Mataji
comenta isso: “É claro que deve ter havido um grande
COMPAIXÃO 307

malabarista para conseguir executar essa proeza”. Os


cientistas e tecnólogos são devotos de Brahma; músicos, artistas
e poetas são devotos de Saraswati. Quando as palavras não mais
forem capazes de cantar louvores a Deus, a música continuará.
Quando nosso Swadishthana Chakra se abre completamente,
sentimos que Brahma cria, por nosso intermédio, novas formas
de conhecimento e de beleza no universo.
Quando nos distanciamos concentricamente, por assim
dizer, de Vaikuntha, se produz um hiato ou uma espécie de
vazio. A consciência divina já não é mais tão evidente. Logo,
esse espaço é chamado de Bhava Ságara, o Oceano de Ilusões,
porque as criaturas que se encontram lá não têm consciência de
que são partes integrantes do corpo de Deus. Malgrado o
desenvolvimento do cérebro humano (até hoje com onze bilhões
de neurônios aproximadamente), este ainda não está sintonizado
com as freqüências das ondas do programa divino. Em função
disso, o cérebro humano cria seu pequeno universo paralelo e,
portanto, gera muita confusão. Essa característica da
consciência que faz com que esta crie ilusões para si mesma é
chamada de Maya. Todavia, com o desenvolvimento de seu
poder de ação, desde as primeiras descobertas do período do
alto paleolítico, há 70.000 anos, e com seu poder de pensar, o
homem sentiu uma necessidade urgente de um apoio espiritual e
ético que o ajudasse a atravessar o hiato do Bhava Ságara
(Oceano de Ilusões). Para isso, Shri Dattatreya, o protótipo do
mestre primordial, deixou Vaikuntha onde residia, a fim de
nascer em meio à nossa raça. Raja Janaka, Abraão, Moisés,
Sócrates, Lao Tse, Confúcio, Zaratustra, Maomé, Guru Nanak e
mais recentemente a figura atraente, porém misteriosa, de Sai
Baba de Shirdi (que morreu em 15 de outubro de 1918), foram
as principais formas por meio das quais o mestre primordial se
manifestou. Muitas vezes, rompendo com a tradição religiosa
dominante na época, o mestre primordial tentou nos manter
ligados aos compromissos do darma, a fim de mostrar o
308 O ADVENTO

caminho que nos conduz às profundezas de nosso interior.


Tentou, também, nos indicar o comportamento social mais
adequado. O mestre primordial é uma encarnação que sintetiza a
inocência de Brahma, de Vishnu e de Shiva. Sua posição em
nosso corpo corresponde ao hiato existente, que fica entre o
nervo vago e o plexo solar, no sistema nervoso parassimpático.
Devemos ter, em relação a Ele, toda a devoção e a obediência
filial que merece ter um guia iluminado. Seu Vahana ou veículo
é o cachorro, que representa a afeição, a obediência e a
fidelidade. Quando o Princípio do Guru é despertado numa alma
realizada, ela ganha gravidade e magnetismo, emitindo vibrações
de autoridade e de dignidade.
Assim, por intermédio dos avatares, dos clarividentes e
dos santos, a Adi Shakti guiou a humanidade, comunicando-lhes
as instruções que deveriam ser seguidas, a fim de evitar que a
humanidade fosse desviada de sua trajetória ótima de evolução.
As mensagens dos Profetas adaptavam-se ao nível de
conhecimentos das sociedades de seu tempo, e tinham por
objetivo, antes de tudo, sua elevação. As sociedades primitivas
percebiam o Divino, nos primórdios, por intermédio dos deuses
que controlavam os elementos: o Sol, a Lua, o vento, o mar, a
água e o fogo. Posteriormente, a cosmologia hindu identificou
os aspectos de Deus no Vaikuntha. Em seguida, as diversas
religiões do mundo se vinculam a uma encarnação ou outra.
Cada religião representa um canal de comunicação entre um
estágio do programa evolutivo divino e a Terra, onde o
programa está sendo aplicado. Naturalmente, os fanáticos se
apegam à determinada religião e pretendem que esta represente,
com exclusividade, todo o programa divino.
Há basicamente quatro tipos de encarnações, ou seja, o
Pai, a Mãe, o Mestre e o Filho.
- A Mãe ou nasce sozinha, com todos os seus poderes
manifestados, ou nasce como uma Shakti (poder) ou, ainda, tal
COMPAIXÃO 309

como uma outra encarnação, como a Esposa do Pai, Mãe do


Filho, ou Irmã ou Filha de um mestre.
- O Pai divino encarna-se nas primeiras oito
encarnações de Shri Vishnu. A de Parashuramakalki, por
exemplo, é o Zeus dos gregos e o Júpiter dos romanos.
- O Filho divino encarna-se como as duas últimas
encarnações de Shri Vishnu : Cristo e Kalki.
- O Mestre Primordial, por intermédio de suas diversas
encarnações, guiou a humanidade como já se disse acima. Ele
procurou desenvolver dentro dos seres humanos o importante
princípio do discípulo, mostrado, como por exemplo, na relação
entre Sócrates e Platão. O discípulo perfeito torna-se um refúgio
para os outros, e assim as bênçãos do Guru se multiplicam e se
espalham e são refratadas para outros seres humanos. A
quintessência desse princípio pode ser encontrada nos dois filhos
de Sita (esposa de Shri Rama), Lav e Kush, que posteriormente
nasceram novamente como Buda e Mahavira, e ainda, mais
tarde, como Hussein e Hassan, filhos de Fátima, filha do Profeta
Maomé, que era, diz-nos Shri Mataji, a própria Adi Shakti.
Uma das mais antigas encarnações mencionadas na
tradição védica é a da deusa (Devi), que assumiu Sua forma
nesse mundo a fim de salvar os três mundos (dos deuses, dos
homens e os submundos, isto é, o supraconsciente, consciente e
o subconsciente) de sua submissão às forças do mal, lideradas
pelo reis feiticeiros, tais como Mahishasura, Shumbha,
Nishumbha e Raktabija (os quais, diga-se de passagem,
encarnaram-se, hoje em dia, como falsos profetas). A Shakti de
Shiva, Parvati, encarnou-se sob a forma da deusa Durga
Jagadamba, Mãe do universo, e Shakti de todos os deuses. A
história de suas façanhas é recitada, religiosamente, no festival
de outubro, no Nepal, país que foi palco desse combate titânico,
conforme se pode ver no livro a “Celebração da grande deusa”
(Devi Mahatmyam) do Swami Jagadiswarananda. A recitação
dessa história pelos Sahaja Yogis produz vibrações muito fortes.
310 O ADVENTO

Shri Durga, simultaneamente encantadora e feroz, expulsou os


demônios do mundo e os lançou no subconsciente. Essa batalha
despertou o Chakra do Coração (Anahata) do Virata, e, de
certa forma, ativou o desejo do Grande Ser Primordial de ver os
seres humanos receberem sua Auto-realização. A partir desse
evento, há dez mil anos, a elipse começou sua viagem de volta à
sua origem. A História ganhou um ritmo acelerado. Apenas
8.000 anos separam a encarnação de Shri Durga da de Jesus
Cristo. O fulgor da Devi no Chakra do Coração destrói todos os
medos.
Shri Shiva medita no Adi Anahata Chakra do Virata,
imerso na plenitude de sua própria bem-aventurança. Shri Shiva
é Existência, a presença de Shri Sadashiva no Ser Primordial.
Ele não se encarna nunca. Ele não participa do jogo da
evolução, mas simplesmente contempla seu movimento elíptico.
Como o Oceano de Compaixão (Karuna Ságara, Shankara),
Ele é, por excelência, o Deus de candura que perdoa. O universo
apenas existe por causa de Seu desejo. Ele também é conhecido
como Rudra, o destruidor, que, no final dos tempos, dançará
Tandava, a dança da dissolução. Shri Shiva é o Si, o Atman, o
Divino em nosso interior. Seu Vahana (veículo) é o touro
Nandi, que representa, no domínio do subconsciente, a completa
confiança no Si. Nandi pertence igualmente ao rol universal dos
animais na espiritualidade, malgrado sua ambigüidade, pois
aparece, freqüentemente, como seu reverso ou sua sombra, isto
é, como o touro da animalidade instintiva. Shri Shiva é retratado
como um asceta, carregando uma lua crescente sobre o coque
de seus cabelos e vivendo na solidão gélida do Himalaia. Sua
Shakti é Parvati, filha do Rei da montanha e irmã de Vishnu. O
grande Deus é assistido por Bhairava, o exterminador de
demônios, representado como tigre, quando é o Vahana
(veículo) da deusa (Devi), ou também pelo arcanjo São Miguel,
padroeiro dos cavaleiros medievais, e como São Jorge,
aniquilador do dragão. Quando a luz do Atman brilha e cresce
COMPAIXÃO 311

dentro de nós, experimentamos o silêncio. Não há desejos nem


dores. Uma sensação de frescor se espalha em nosso interior,
como vibrações efervescentes de paz e amor. Quando o coração
fica totalmente iluminado pelo espírito, a experiência de existir é
a própria bem-aventurança. Nesse estado de testemunha, Shri
Shiva se torna perfeitamente despertado em nosso coração.
A aceleração da História é controlada pelas encarnações
de Shri Vishnu. Na Índia, Indonésia e Tailândia, Shri Rama (sua
sétima encarnação) é, ainda hoje, amplamente venerado, apesar
de ter surgido 6.000 anos antes de Cristo. Herdeiro do trono
imperial de Ayodhya, ele se casou com Sita, filha do rei-santo
Janaka. Sua maravilhosa história glorificou para sempre a
relação entre marido e esposa. Essa encarnação veio para
cumprir vários objetivos. Vishnu apagou sua memória divina, e
Rama, pensando ser um homem comum, mostrou ter um
comportamento correto e modelar, em todos os eventos de sua
vida. Arquétipo do rei-filósofo, iluminou as instituições políticas
e sociais, as quais ele queria transformar em salvaguardas do
darma individual e coletivo. Era perfeito como filho, irmão,
marido, pai e rei. Era chamado de Maryada Purushottama, que
significa ‘o melhor dos homens’, o qual expressa as regras
divinas da cultura humana. Quem transgride essas regras na vida
diária, se afasta do darma e corta sua ligação com o Inconsciente
Universal.
Shri Rama manifestou a auspiciosidade das Maryadas
(as medidas e os limites do comportamento correto) nas relações
humanas e exterminou aqueles que zombavam delas. Na epopéia
que relata o Ramayana, destruiu a soberania dos demônios e dos
monstros que haviam permanecido com seus poderes mágicos,
apesar de ter assumido uma forma humana. Em suas andanças
pelo subcontinente asiático, vibrou o solo, provocando mutações
de energia que favoreciam o despertar da consciência humana.
No plano cósmico do Virata, o rei Rama reside no lado direito
do coração, de onde controla o Adi Pingala Nadi, o
312 O ADVENTO

supraconsciente e seus domínios. Ele é auxiliado pelo


mensageiro chamado Shri Hanumana (Hermes dos gregos,
Mercúrio dos romanos e o Arcanjo Gabriel, da tradição judaico-
cristã). Em nosso espírito, Shri Hanumana é o estado pré-
consciente que nos faz captar as intuições do Inconsciente. É
também o controlador da atividade mental, e, ardilosamente,
prega peças naqueles que são dominados pelo ego. A atividade
mental fica sem controle em sua ausência. Ele é simbolizado
pelo macaco e pelo leão, quando se torna veículo da deusa
(Devi).
Já falamos longamente sobre o Virata, no qual a
majestade de Shri Vishnu encontra sua expressão. O Virata é a
consciência total do universo na qual as consciências de todas as
divindades se dissolvem. São João, no Apocalipse, descreve o
Deus de honra, glória e poder nas tradicionais cores de Shri
Vishnu.
“E logo fui arrebatado em espírito; vi imediatamente um
trono, que estava posto no céu, e sobre o trono estava alguém
sentado. Aquele que estava sentado tinha o brilho do jaspe e da
cornalina; e ao redor do trono havia um arco-íris que se
assemelhava à refulgência da esmeralda.”
Apocalipse, 4, 2-3

Esse ser se manifestou, 4.000 anos antes de Cristo, na


pessoa de Shri Krishna, e mostrou as inumeráveis formas do
Absoluto, aos olhos assustados de Arjuna. Shri Krishna era a
oitava encarnação de Shri Vishnu, um pastor em sua juventude.
Foi um mestre do jogo das Gopis (camponesas), flautista, o
encantador de Vrindavan e de Gokul e o bem-amado de Shri
Radha. É maravilhoso ler sobre a juventude de Shri Krishna.
Com que doçura o Pai Todo-poderoso se transforma no Senhor
adorável e no amigo para expressar seu amor pela criação! Sua
história descreve como participa de nossos jogos, Ele que é o
mestre da dança. Por exemplo, quando se banhava no rio
COMPAIXÃO 313

Yamuna, ele o encheu com as vibrações de Chaitanya. Diz-nos


Shri Mataji que “quando lançou pedras para quebrar os potes
que estavam sendo carregados nas cabeças das jovens aldeãs
que retornavam do rio, Ele fez com que a água vibrada fluísse
pelas costas delas e despertasse suas Kundalinis”. Como nosso
protetor, exterminou vários demônios que se opunham ao plano
evolutivo divino.
Shri Krishna abriu um novo horizonte para a
compreensão humana, porque nos revelou a visão do Virata. O
horizonte da unidade do poder e do amor divinos na
multiplicidade das formas. Ele nos aconselhou a observar (ou
testemunhar), com desapego, o jogo da Adi Shakti, sem nos
deixar aprisionar pela ação das três Gunas. Não obstante, Ele
ainda não havia dado à humanidade os meios para realizar isso.
Os tempos ainda não estavam maduros. Todavia, desde então, o
espírito humano começou a se preparar para dar esse salto de
consciência. Shri Krishna exercitou sua diplomacia divina para
nos conduzir, apesar de nossas faculdades limitadas, a uma
consciência mais elevada. Sua diplomacia trabalhou sempre em
benefício de nosso bem-estar espiritual (Hitta Karini).
Por exemplo, no Bhagavad Gita, Ele nos exorta a agir
deixando os frutos da ação aos pés do Senhor (Karma Yoga), a
nos entregar a Deus, e a nos deixar absorver por Seu amor
(Bhakti Yoga). Todavia, essas atitudes são impossíveis para o
estado mental normal de uma pessoa antes da Realização do Si.
Ao ensinar a Arjuna essas coisas, Shri Krishna pôs em evidência
a necessidade de uma evolução posterior da psique e fomentou
sua expectativa. Hoje em dia, a Sahaja Yoga integra,
espontaneamente, a Bhakti Yoga, a Karma Yoga, assim como a
ação e a contemplação (Dhyana Yoga).
Quando o Vishuddhi Chakra se abre, nos tornamos
conscientes da coletividade, e também conscientes de ser uma
célula imersa no Todo. Sentimos essa totalidade que nos enche
da imensa majestade de Deus. O mantra desse Chakra é a
314 O ADVENTO

chamada para a prece do Profeta Maomé - Allahu Akbar! -, vale


dizer, Deus é o Maior!
No mundo de Vaikuntha, as formas de Shri Ganesha, do
lado esquerdo, e de Shri Kartikeya, do lado direito, combinam-
se para se transformar em Shri Mahavishnu, o Princípio que se
encarnou em Belém, na divina pessoa de Jesus Cristo.
A criação de Shri Mahavishnu é descrita no Devi
Bhagavatam Purana. As constelações e galáxias de energia
retumbam dentro de cada partícula de poeira de sua pele. A Adi
Shakti, na forma da Virgem Maria, estava presente para ver esse
formidável gigante dotado de forças cósmicas, Seu Filho, ser
pendurado numa cruz. É o momento mais espantoso e
desconcertante desse drama. Alguém só pode se curvar,
silenciosamente, diante de evento tão momentoso e grave. A
abertura do Agnya Chakra do Virata teria sido impossível sem a
manifestação do domínio do ego e do superego. Ademais, Cristo
foi morto pelo ego de pessoas que, após esse ato homicida,
tornaram-se conscientes dos extremos de torpeza aos quais o
ego pode levar. Todavia, a mensagem central da encarnação de
Cristo não é Sua morte, mas sim Sua ressurreição, a qual
demonstrou a imortalidade do espírito, a imortalidade do Si,
mesmo quando imerso nas três Gunas. “Em associação com as
Gunas, o Si”, nos diz Shankaracharya, “é como um objeto de
cristal colocado sobre uma roupa colorida, cujas cores ela
parece assumir”. Cristo provou a pureza do cristal, no cosmo e
dentro de cada um de nós. Quando a Kundalini desperta o
Agnya Chakra, Cristo absorve e destrói nossos Karmas, os
quais são espalhados nos canais laterais de Ida e Pingala. Pela
Sua encarnação, Ele despertou o Adi Agnya Chakra do Virata,
que anunciou o último ato do grande drama evolutivo.
Dessa forma, o impacto das encarnações conduziu o
movimento de realização do espírito na História. Porém, não é
necessário enfatizar que os grandes instrutores da humanidade
foram mal compreendidos. Depois de seu desaparecimento, seus
COMPAIXÃO 315

adeptos imaginaram que a verdade que eles haviam transmitido


constituía propriedade particular deles, a qual dividiram entre si.
A essência dos grandes preceitos esvaiu-se e somente restou
uma casca vazia que se denominou religião, sobre a qual várias
instituições foram construídas. Estas últimas, que controlavam,
completamente, a crença e a ideologia, atribuíram-se a si
mesmas o direito a um parasitismo econômico, às custas das
forças produtivas do país, e um papel dominante na vida política.
Verdadeiramente, os papas na Itália e os Dalai Lamas no Tibete
justificavam, com base na religião, todas as atrocidades, que o
povo jamais teria acatado sob o comando de um mestre secular.
Estamos certos de que a Sahaja Yoga jamais se transformará
numa igreja morta, porque as vibrações reagem a um
pensamento incorreto. As divindades estão vivas, e se nos
desviarmos daquilo que é correto, elas expressam, de imediato,
seu descontentamento por meio de sensações de queimação,
náusea e dores na cabeça.
O ensinamento da Mãe e, principalmente, tudo que está
escrito nesse livro, pode ser verificado por intermédio das
informações dadas por nosso Sistema Nervoso Central, que
reduz as chances de um ser realizado cometer erros. Os
impulsos do Inconsciente Universal, o cérebro invisível de Deus,
são decodificados por meio das sensações de nossos dedos e de
nossa coluna espinhal, e por nosso cérebro. Tornamo-nos
leitores ‘autorizados’ dessas informações. A Sahaja Yoga é uma
religião viva, a essência de todas as religiões do mundo,
comprovada pela manifestação viva da Kundalini.
É assim com total compreensão que a Sahaja Yoga pode,
realisticamente, anunciar a iminência de uma nova era, a Satya
Yuga (literalmente, a Era da Verdade), a Idade de Ouro que
constitui uma abertura para um grande número de seres
humanos. Como sei que essa proposição despertará o ceticismo
de muitos leitores, vou dar algumas explicações.
316 O ADVENTO

O mundo que conhecemos corresponde ao ciclo de


desenvolvimento da matéria e da consciência, que começou há
6.000 anos, no campo de batalha de Kurukshetra, conforme
relata a epopéia do Mahabharata. Outros ciclos precederam o
atual. Esses ciclos correspondem, de certa forma, ao programa
de sete pontos contido no Virata, antes da criação da matéria.
Todos os sete pontos de peregrinação cósmica já se cumpriram,
menos o último. O estágio em que nos encontramos se inscreve
na Ghor Kali Yuga, o período mais negro da Era da Escuridão,
que encerra o período entre o sexto ponto (a encarnação de
Cristo) e o advento do sétimo. Estamos, exatamente, dentro do
período dos últimos dias (eschatos, em grego), conforme
previsão feita por várias escrituras. Shri Mataji assevera: “As
pessoas que aceitaram Cristo eram simples pescadores, sem
nenhuma educação. No entanto, os sacerdotes e os governantes
O rejeitaram. Eu me admiraria muito, se as pessoas que estão à
testa dos negócios - burocratas, cientistas e intelectuais -
aceitassem a Sahaja Yoga! Na verdade, não é fácil dominar o
ego, mas espero, apesar disso, que muitos deles sejam capazes
de controlá-lo”. Afinal, muitos buscadores estão apenas
esperando cruzar o limite do visível e do invisível, o que dará à
evolução seu verdadeiro sentido. Certamente, a atuação
conjunta do ego (agravado e estimulado por todo o nosso
sistema social) e do superego (agravado e piorado por nossa
escravidão, em termos de sexo, drogas, alcoolismo e tabagismo)
fez com que o homem ocidental se tornasse tenso, nervoso e
instável. Para completarem o caos, os falsos gurus ou falsos
profetas construíram seus impérios e os povoaram com
buscadores da verdade, alguns dos quais se perderam nas
avenidas da parapsicologia que levam aos Bhuts. Todavia, Shri
Mataji tem insistido que todos os santos dos tempos antigos
estão se reencarnando no Ocidente, os quais ainda têm a força
necessária para absorver e desenvolver a Sahaja Yoga.
COMPAIXÃO 317

O Kalki Purana prediz que, no final da Kali Yuga, na


qual presentemente vivemos, muitas coisas ocorrerão. O darma
desaparecerá e haverá muita fome. Surgirão líderes tirânicos e
ocorrerão muitas guerras. O mundo gerará muitas crianças; o
homem e a mulher não se distinguirão um do outro e copularão
como animais. O sentimento religioso se perderá. Os brâmanes
(sacerdotes) serão hipócritas. As pessoas comerão em pratos de
ferro, e a Terra será venerada apenas por causa dos minerais que
puderem ser extraídos de suas entranhas.
Shri Kalki virá. Cristo também disse que o Filho do
Homem retornaria, quando o pecado tivesse se espalhado sobre
a Terra. No Kalki Purana e no Apocalipse, Shri Kalki é descrito
como um destruidor. Sua vinda, abrindo o Sahasrara Chakra do
Virata, tem sido aguardada pelos milenaristas que conduziram
os cruzados a Jerusalém. Foram eles que motivaram Frederico II
de Hohenstaufen a sonhar com um Império Universal e
estimularam as revoltas dos camponeses, na Idade Média, contra
seus senhores. A secularização do esquema escatológico por
Karl Marx (sobre esse tema, vide a obra clássica de Norman
Cohn, “The pursuit of the millenium”) deu a ele uma amplitude
mundial, atiçando os apetites dos revolucionários para uma
possível culminação da História, que não seria o advento de
Cristo, o Rei, mas sim o de uma sociedade comunista sem
classes. O esquema seria, mais ou menos, o seguinte: com
inspiração na justa doutrina (ou seja, o materialismo histórico),
os redentores (isto é, os revolucionários de vanguarda do
proletariado) lutariam contra o exército do ‘Anticristo’
(constituído por burgueses, capitalistas e imperialistas). Seriam
liderados por um salvador (a figura carismática do líder
comunista), no último combate (a revolução final), que
instauraria uma nova era (a sociedade comunista).
Essa seqüência, já transmitida pelo profeta Daniel, previu
muito claramente o advento de um acontecimento histórico.
Essa seqüência escatológica foi utilizada por pessoas tão
318 O ADVENTO

diferentes como o Imperador Constantino, o rebelde Thomas


Munzer ou o nazista Rosenberg. Ela conserva sua validade, a
despeito de ter inspirado diversos movimentos filosóficos e
políticos da Europa, malgrado ter sido desacreditada por todas
essas manipulações que a transformaram numa arma ideológica.
O ápice da História não é o Estado hegeliano nem a
sociedade comunista de Marx e Engels nem o milênio da ilusão
capitalista. Segundo os dados que a Sahaja Yoga nos fornece, o
momento histórico em que vivemos é aquele no qual o homem
pode vivenciar a revolução mais fundamental. No campo de sua
consciência transfigurada, o ser humano poderá obter o
conhecimento direto da realidade genuína, isto é, de Deus. Essa
é a culminação do jogo, porque, em outras palavras, Deus irá
contemplar sua própria divindade, através da consciência
iluminada daqueles que nasceram novamente. O jogo da
evolução é o jogo do retorno, o jogo da elipse, o jogo do
reconhecimento. O momento em que o Espírito Santo se
atualiza na matéria, o que foi possível graças a milênios de
preparação, constitui o momento da Auto-realização individual
(Mukti). Todo o drama é um poema magnífico de amor total,
que Deus quer transmitir à sua criação. A consciência humana é
o campo dessa grande mutação. O momento crucial desse
processo pode ser descrito como a possibilidade dada a um
grande número de indivíduos de desenvolver o novo instrumento
cognitivo (consciência perceptiva vibratória) mediante o qual a
união com o Real é alcançada. Esse tempo inaudito chegou.
Corresponde à abertura do sétimo Chakra do Virata, objetivo
final da evolução.
Qualquer que seja o nome que se dê a esse fenômeno,
Satori ou parúsia (a segunda vinda triunfal de Cristo a fim de
anunciar o Juízo Final), o acontecimento da Auto-realização
libera uma alegria poderosa: ‘oh! é isso! Estou sentindo algo!’
Em Londres, muitos riem às gargalhadas, enquanto outros,
enxugando uma lágrima, olham para a Mãe e reconhecem Seu
COMPAIXÃO 319

sorriso, o fulgor lúdico que brilha em seus olhos e se dão conta


do humor doce e refinado do jogo de esconde-esconde da Adi
Shakti. Vamos responder ao apelo de William Blake, o grande
clarividente da Inglaterra.

“O sopro divino avançou sobre as montanhas matutinas.


Albion moveu-se.
Sobre a rocha ele abriu seus cílios com dor, com dor ele se
moveu.
Com membros rochosos, ele viu a Inglaterra.
Ah, os mortos viverão novamente?
O sopro divino avançou sobre as montanhas matutinas,
Albion despontou.”

e
“Desperta, Inglaterra! Desperta! Desperta!
Tua irmã Jerusalém te chama.
Por que teu sono, o sono da morte,
E fechar-te em teus muros antigos?
Teus montes e vales sentiram os pés Dela
Suavemente sobre seus caminhos do coração do Sion
Houve um tempo de alegria e amor,
E agora esse tempo retorna novamente.”

A Auto-realização de um indivíduo é a consecução do


programa no nível microcósmico. A fim de realizar o programa
no nível cósmico, que significa abrir o sétimo Chakra do Virata,
a Realização do Si tem de se tornar um fenômeno de massa, vale
dizer, vivenciado por uma grande coletividade. Os Sahaja Yogis
lutam contra as más vibrações, os Bhuts, e os ataques da
negatividade, sabendo que isso faz parte da última batalha.
Sentimo-nos envolvidos por uma operação urgente de
salvamento. Tentamos, por isso, entrar em contato com todos
aqueles que, séria e honestamente, desejam receber sua Auto-
realização. A Sahaja Yoga é o movimento da união de todos.
320 O ADVENTO

Quanto maior for o número de seres realizados, maior será o


número de seres não-realizados que se beneficiarão com as
mudanças que as vibrações de Chaitanya produzirão em toda a
atmosfera. Convidamos todas as pessoas, não julgamos nem
condenamos ninguém. Certamente, existem muitos indivíduos
que se excluem da Sahaja Yoga pela sua indiferença, frivolidade
ou má fé. Todavia, temos total confiança na misericórdia de
Deus. A boa semente não será retirada com as ervas daninhas.
Temos uma confiança total na justiça; as ervas daninhas não
serão acumuladas com os grãos sadios. Alguns imaginam que
inclusive Hitler teria direito à sua Auto-realização. Uma vez que
o tempo concedido à Sahaja Yoga para difundir a Realização do
Si chegue ao fim, o último cavaleiro do Apocalipse virá para
fazer a seleção derradeira.
“Depois vi o céu aberto, e eis que apareceu um cavalo
branco, e o que estava montado em cima dele se chamava
o Fiel, e o Verdadeiro, que julga e que peleja justamente
Seus olhos eram como chamas de fogo, e em sua cabeça
estavam postos muitos diademas, e tinha um nome escrito,
que ninguém conhece senão ele mesmo. E vestiu uma
roupa salpicada de sangue; seu nome, por que se apelida,
é o VERBO DE DEUS. E seguiam-no os exércitos que
estão no céu, em cavalos brancos, vestidos de fino linho
branco e limpo. E de sua boca saía uma espada de dois
gumes, para ferir com ela as nações. Porque ele as
governará com uma vara de ferro; e ele mesmo é o que
pisa o lagar do vinho do furor da ira de Deus
Todo-poderoso. E traz escrito em seu traje e em sua
coxa: o Rei dos Reis e o Senhor dos Senhores.”
Apocalipse, 19, 11-16

João viu, em primeiro lugar, o cavalo, algo que é


bastante significativo.
O que dissemos acerca da Auto-realização de um ser
humano representa a síntese do humano e do Divino, finito e
COMPAIXÃO 321

infinito, o cruzamento do limite. Dissemos, também, que a


manifestação, por intermédio do Espírito Santo, da divindade do
sétimo Chakra está relacionada com a Realização do Si de um
grande número de pessoas. Não haverá escapatória para essa
manifestação. As escrituras hindus, o Alcorão, e a Bíblia
ressaltam a dimensão global do evento. A vinda de Shri Kalki é
assim preparada mediante o crescimento da consciência coletiva
na Terra. A consciência coletiva de todos os seres realizados é
o cavalo de Shri Kalki. Dessa forma, a todos os Sahaja Yogis
deve ser dito: ‘conscientizem-se de sua importância!’ Ao
despertarem a Kundalini de outras pessoas e ao reforçarem a
consciência coletiva, vocês estarão preparando, ativamente, o
cavalo cósmico que conduzirá Cristo, o Rei. Sua vinda
apocalíptica marcará o fim do presente ciclo e o começo da
Idade de Ouro.
Nesse grandioso plano de redenção, a Mãe divina deseja
que a humanidade seja salva com a participação de todos os
homens de boa vontade. Sem essa participação, Shri Kalki não
virá, e Shri Shiva surgirá para dançar Tandava, a dança final da
dissolução do universo. Desejamos esse extermínio? Não!
Desejamos, seriamente, o reino de Deus (que nos foi prometido
por todos os grandes profetas), bem como o amor e a justiça de
Deus. Desejamos conhecer nossos pais divinos e nosso Si
divino. Queremos a Idade de Ouro. Será que foi assustadora a
visão do que São João teve do cavaleiro? Todavia, o destruidor
dos maus é também o salvador dos inocentes. Certamente,
pecamos. Isso não significa que sejamos necessariamente maus.
Cometemos erros, pois estávamos nadando na confusão.
Abramos mão agora de nosso comportamento equivocado e de
tudo que se opõe ao darma. Os maus rirão de minhas
advertências, até que seu riso se afogue em sua garganta. “Velai,
pois, sobre vós, para que não suceda que vossos corações se façam pesados
com os excessos do comer, e do beber, e com os cuidados dessa vida; e
para que aquele dia não vos apanhe de repente. Porque ele, assim como
322 O ADVENTO

um laço, prenderá todos os que habitam sobre a face de toda a Terra.


Vigiai, pois, orando durante todo o tempo, a fim de evitar todos esses
males, que têm de suceder, para vos apresentardes, com confiança, diante
do Filho do Homem”. Lucas, 21, 34-36

O Senhor Jesus Cristo, Mahavishnu, controla os onze


poderes destrutivos (Ekadesha Rudras) de Shri Shiva. Todavia,
ele apenas usou um poder, o perdão. Já dissemos que o pecado
contra o Espírito Santo não será perdoado. Se uma pessoa não
se convencer, após ter sentido as vibrações do Espírito Santo, o
que é que poderá convencê-la? No momento em que Cristo
cessa de perdoar, Ele se torna Shri Kalki. O jogo acabará! Será
terrível! O Cavaleiro é o Destruidor! Quando Ele vier, não
quererá ouvir argumentos nem desculpas. Uma coisa deve ser
bem entendida, vale dizer, é agora, com Shri Mataji, que a ação
redentora está acontecendo, porque, com sua compaixão, ela
nos libera da vinda de Shri Kalki. Ele não virá até que Shri
Mataji, nossa Mãe, permita que venha. Isso porque ela quer,
antes de tudo, que obtenhamos nossa Auto-realização. O novo
homem e o novo mundo têm sua origem na graça concedida por
ela. Não há tempo a perder. Se estiverem à procura da realidade
genuína, se estão buscando Deus, venham agora. Nós, os Sahaja
Yogis, somos indivíduos comuns e sentimos, simplesmente, as
vibrações de uma nova consciência. Interrompamos, por um
momento, o agitado ritmo de nossas vidas, voltemo-nos para
nossos corações e compreendamos que nossa atitude tem que se
modificar se pretendemos receber nossa Auto-realização. Shri
Mataji não está aqui para angariar votos para uma campanha
eleitoral nem para vender mercadoria alguma. Não estamos aqui,
também, como consumidores caprichosos, enchendo nossos
carros no supermercado dos falsos gurus.
Devemos aprender a respeitar e a venerar aquilo que vem
de Deus, mesmo que os falsos gurus tenham pretendido destruir,
em nós, esse sentimento por causa de sua impostura. Temos a
inestimável boa sorte de ter sido convidados a fazer o jogo do
COMPAIXÃO 323

reconhecimento de Deus por alguém que é uma Mãe com


compaixão e paciência, que conhece todos os nossos problemas,
bem como nossas dificuldades. Não devemos deixar passar essa
oportunidade. Vivemos num estado de emergência. Os números
da pirâmide de Quéops, as interpretações da Cabala Judaica, as
profecias de São Cesário de Arles (470-542), de São Malaquias
(morto em 1148) e as mensagens dos autores do
supraconsciente, todos estão de acordo sobre o ‘Grande Dia’,
cuja ocorrência se dará pouco antes ou logo após o ano 2000.
Nada sei sobre isso, porém Shri Mataji me disse que “resta
pouco tempo”. O cavalo de Shri Kalki está pintado na cripta da
Catedral de Auxerre. O Alcorão corrobora: “O dia do juízo é
inevitável”. Essas mensagens que impregnam nosso inconsciente
coletivo acabaram por engendrar, sem razão, o ceticismo. Isso
porque, nosso mundo está na iminência de sucumbir. Inclusive
nossos sábios começam a reconhecer isso. B.F. Skinner, o
célebre pai do behaviorismo, em entrevista dada ao jornal “La
Republica”, em 6/11/81, deu prova de seu pessimismo que se
junta ao de seus colegas do Clube de Roma. Skinner afirmou:
“Nossa espécie sempre teve êxito graças à sua capacidade de reagir aos
fatos circunstanciais. Todavia, a aceleração de nosso tempo é tal que,
biologicamente, não conseguiríamos nos adaptar ainda que fôssemos
persuadidos a fazê-lo. Encaminhamo-nos para o desastre”.
Alguém poderá indagar: ‘será que a Sahaja Yoga poderá
garantir que, no próximo ciclo, a Era de Aquário segundo os
astrólogos, as coisas serão melhores?’ A resposta é que, como
já dissemos, a Sahaja Yoga é a ação do poder do Divino.
A Sahaja Yoga não é simplesmente o começo de um
outro ciclo de identificações ilusórias ainda que mais sutis.
Certamente, o perigo está presente, uma vez que alguns Sahaja
Yogis podem querer desenvolver novas formas de identificação,
apegando-se, por exemplo, a determinadas técnicas, a alguns
rituais, Chakras ou mantras. Todavia, quaisquer que sejam os
erros, eles serão denunciados pela consciência perceptiva
324 O ADVENTO

vibratória que não admitirá essas formas de fragmentação. Há


uma pequena história acerca disso.
O quinto patriarca zen-budista decidiu um dia transmitir
seu hábito e sua vasilha, insígnias de seu alto cargo, àquele de
seus discípulos que mostrasse, em uma estrofe, a melhor
compreensão dos ensinamentos da doutrina zen-budista. Chen-
Sieou, um sábio respeitado, era o candidato a essa honra. Ele
escreveu a seguinte estrofe e a fixou sobre o muro exterior da
sala de meditação: “Nosso corpo é a árvore do despertar... Nosso
espírito é como um espelho claro... Trabalhem duramente a fim de poli-lo
sempre... Sem deixar que a poeira se amontoe sobre ele”.

Hui-Neng, um rapaz que trabalhava para a comunidade


como o moedor de arroz, fixou, durante a noite, a seguinte
estrofe, ao lado da de Chen-Sieou : “Originalmente, o despertar não
tem árvore... Ali não existe nenhum espelho claro...Sou desde sempre a
Ausência absoluta... Onde é que poderia amontoar-se a poeira?”

Os monges ignoraram por completo a segunda estrofe.


Todavia, o patriarca transmitiu as insígnias de seu ofício para
Hui-Neng. Na primeira estrofe, existe uma referência muito clara
ao instrumento interior da Realização (Yantra) e ao processo de
purificação da psique (Tantra). A segunda estrofe, acima e além
do apego, ainda que compreensível, ao Yantra e ao Tantra,
expressa somente a grandiosidade indiferenciada do Atman.
LIVRO VI
O MISTÉRIO SEM PORTAS

“Foi somente ontem


Que estavas te movendo
Com o mar movente.
E estavas sem margem
E sem um Si.
Então o vento,
O alento de vida,
Teceu para ti
Um véu de luz na face Dela.
Então a mão Dela te descobriu
E te deu uma forma.
E com a cabeça erguida
Buscaste as alturas.
Mas o mar te seguiu
E a canção Dela ainda está contigo.
E ainda que tenhas esquecido
O teu parentesco com ela,
Ela reafirmará sempre Sua maternidade
E para sempre te chamará para ela.”

Khalil Gibran, “O jardim do profeta”


COMPAIXÃO

CAPÍTULO X

Falta, talvez, dar ao leitor um sentido de perspectiva.


Para onde iremos se seguirmos o caminho da Sahaja Yoga?
Pandharpur é um centro de peregrinação no Estado de
Maharashtra, na Índia; seu templo de Vitthala (Krishna) atrai
peregrinos de toda a Índia. Para o festival de Mahashivaratri,
em 29 de fevereiro de 1984, Shri Mataji reuniu um grupo de
Sahaja Yogis ocidentais, em Pandharpur, para lhes revelar que
“o aspecto de Shri Krishna que é venerado em Pandharpur
controla o cérebro humano. O festival (de Shiva) celebra o Si
(Self), pois Shri Shiva, é a percepção por intermédio do
coração. O cérebro humano é limitado. Para que o cérebro
seja capaz de apreender o infinito, é preciso fazer com que ele
possa emergir de seus limites, por meio do despertar do
Princípio de Shiva dentro de nós (Shiva Tattva)”. Shri Mataji
declarou, que, daquele momento em diante, trabalharia para que
o Princípio de Shiva (Shiva Tattva) pudesse iluminar nosso
cérebro. Os Sahaja Yogis presentes entraram em profunda
meditação. Não sabiam exatamente o que é que estava
ocorrendo. Dois meses depois dessa ascensão que havia sido
prometida pela sua Mãe Espiritual, descobriram uma
manifestação clara e explícita.
No dia 5 de maio daquele mesmo ano de 1984, mais de
300 Sahaja Yogis reuniram-se no Chateau de Mesnières-en-
Bray, na Normandia, no norte da França, a fim de celebrar o dia
do Sahasrara. Shri Mataji anunciou que uma nova dimensão
328 O ADVENTO

estava sendo aberta na consciência dos Sahaja Yogis.


Certamente essa nova dimensão também seria aberta para
aqueles que adotassem a Sahaja Yoga. Trata-se agora de um
‘crescimento horizontal’ de nossa espiritualidade individual, por
meio do qual as bênçãos divinas de nosso instrumento interior
seriam transmitidas a nossos vizinhos. Durante a meditação,
nossa atenção concentrada e nossa devoção deveriam conter os
aspectos dos sete Chakras: a inocência, a criatividade, a
autoridade da Verdade, a alegria, o sentimento de segurança, o
desapego, o senso de coletividade, etc. Progressivamente, o
Yogi começará a irradiar essas qualidades em direção ao seu
meio ambiente, por meio de vibrações que ajudarão e
confortarão outras pessoas. É dessa maneira que a Sahaja Yoga
pode manifestar a coletividade de Krishna e a compaixão de
Shiva. A consciência manifesta a compaixão. A reunião de
Mesnières e aquele histórico discurso de Shri Mataji permitiram
que os Sahaja Yogis compreendessem melhor como a atenção
Sahaja deve ser um veículo para a compaixão.
Apesar de sua compaixão, Antônio, João e Pedro não
agem como Yogis benévolos, pois podem estar desenvolvendo
um ego furtivo de ‘alguém que ajuda’. Não se trata disso! Os
Sahaja Yogis maduros não atuam abertamente nem fazem alarde
de ‘sua’ atuação. Deixam que o Inconsciente Universal aja por
meio deles, a tal ponto que, muitas vezes, não têm consciência
de sua atuação. Eles não agem nem reagem; simplesmente ‘são’,
e essa ‘qualidade de ser’ é que trabalha e controla todas as
coisas.
Por exemplo, um Sahaja Yogi estava viajando pela Índia,
num ônibus cujo motorista adormeceu ao volante. Na estrada na
montanha entre Puna e Bombaim, o veículo saiu da estrada,
resvalou para um ponto perigoso, capotou várias vezes, e
finalmente parou no leito de um rio seco na base da montanha.
São e salvo, porém apavorado, o motorista fugiu. Por milagre,
ninguém ficou ferido. Um velho brâmane declarou que apenas a
COMPAIXÃO 329

presença de um santo no ônibus poderia explicar esse prodígio.


Quando o vizinho do Sahaja Yogi notou um anel em seu dedo
com a efígie de Shri Mataji, ele exclamou: “Eis aqui entre nós
um discípulo da Mãe divina”. Algumas pessoas quiseram se
prosternar diante de nosso amigo constrangido, outras
agradeceram efusivamente. Ele protestava dizendo que não
havia feito nada, mas era incapaz de esconder de si mesmo que,
durante os poucos segundos do acidente, sentiu muito
intensamente sua Kundalini no Sahasrara. Em seguida, um
passageiro se pôs ao volante, deu a partida no motor e o ônibus
foi colocado de volta na estrada e seguiu seu caminho. Outras
narrativas, algumas espetaculares, contam o mesmo tipo de
história.
Um Sahaja Yogi cujos poderes foram despertados não
age. Ele permanece num estado em que são seus poderes que
agem. É o ser e não o fazer que se dá conta de sua irradiação.
Esse estado de não-ação permite que a alma realizada execute
seu trabalho, sem que seu ego sofra qualquer inchação. Origina-
se daí toda a eficácia de seu trabalho. Isso porque ele sabe que é
apenas a testemunha, muitas vezes estática, da ação inconsciente
do Divino que opera por intermédio dele. Ele se sente
privilegiado por ser o instrumento da compaixão e da mais pura
caridade do Altíssimo. No fundo de seu coração, sente
humildade, caridade e reconhecimento. Isso porque seu velho
sonho de ajudar os outros, principalmente os buscadores que
ainda estão vagando e sofrendo, é reforçado pelo ato de
compartilhar, o que torna a fraternidade uma realidade. Sua
capacidade de ajudar manifesta-se com uma tal perfeição e como
algo que ele nunca teria imaginado. Tudo isso não vem de sua
limitada identidade, mas vem de seu Si, a identidade divina que
age por intermédio dos Chakras. Como São Tomás de Aquino,
Heidegger e outros haviam previsto, SER é o bastante. O SER
(Si, espírito) é Shiva; os poderes que se manifestam constituem
a Shakti de Shiva. Na perfeição metafísica de Ser (Si), todas as
330 O ADVENTO

qualidades das divindades se manifestam. Todos os nossos


poderes entram em jogo, e nossas dimensões múltiplas são
integradas pela Kundalini, quando esta emerge no Sahasrara.
Para que isso aconteça, como Cristo disse, temos de
nascer novamente, nascer do Altíssimo, do Espírito Santo. Shri
Mataji veio para cumprir, plenamente, essa promessa ao nos dar
o verdadeiro batismo. Alcançamos o Si e nos transformamos em
seres humanos integrais ao ser ungidos pela água da vida de
Suas vibrações. Jamais será suficiente repetir que o ritual
tradicional da Igreja é uma mera simulação, ou, na melhor das
hipóteses, um símbolo do evento. Porém, por favor, não
apresentem mais teorias, explicações ou dogmas, pois nada mais
pode mais satisfazer a sede espiritual do homem moderno. Ao
Deus vivo deve corresponder uma experiência viva!
Experimentemos a Realização do Si que Shri Mataji concede
para as multidões, vamos viver a Yoga da união espontânea!
Porque a natureza da relação entre Shiva e sua Shakti é de amor,
e o estado de Yoga é um estado de amor.
O que é o amor? Eis aqui uma palavra que, muitas vezes,
esconde seu verdadeiro significado. Tristão e Isolda, Romeu e
Julieta cantam um amor que prende e chega a matar. Essas e
outras criações literárias exaltam o amor humano, cujos
ingredientes são, de vez em quando, as lutas e estratagemas da
sedução, as necessidades, as tensões e o sentimento de posse
que redundam no ciúme. Todavia, o ser realizado sabe que a
realidade do amor é algo completamente diferente. Mediante a
atuação da Kundalini, o canal lunar, esquerdo (Ida Nadi) do
subconsciente é purificado. As tempestades afetivas, as
pequenas paixões da libido e nossos apegos emocionais perdem
sua influência. O Yogi oferece seus anseios ao Desejo
verdadeiramente puro da Kundalini, a fim de se tornar unificado
com o Si. Oferece sua chama ao Sol, para que possa sentir o Sol
dentro de si mesmo. Oferece seus apegos ao Atman, a fim de
sentir o amor dentro de si mesmo. É por intermédio do Atman
COMPAIXÃO 331

que tudo aquilo que é apreciável é saboreado; é por meio do


Atman que o universo inteiro pode ser amado.
O Sahaja Yogi não aparenta ser amoroso, porém o amor
reside nele. O cálice é muito pequeno e, por isso, o amor
transborda. Ele deseja distribui-lo como uma onda que inunde
todos os seres humanos, os cães e gatos que passarem, as flores
que sorriem para ele, as árvores que fornecem a sombra em seu
caminho, e todas as criaturas, em relação às quais sente uma
íntima proximidade porque todas se originam do amor da mesma
Mãe. A Mãe é a fonte da torrente. É aquela que Dante Alighieri
descreveu (em seu último canto da “Divina Comédia”) como
entronizada no centro de uma vasta rosa mística, o Sahasrara. É
quem nutre aqueles que o Filho conduz ao Pai. É aquela, a
exemplo da Mãe Terra, que sustenta todos os seres vivos, e a
quem se dirige uma antiga prece: “Vem, ó Espírito Santo, enche
os corações de Teus fiéis, acende neles o fogo de Teu amor,
envia Teu espírito, e tudo será criado; e renovarás a face da
Terra”.
Aqueles que sentem a generosidade desse amor profundo
desejam apenas dar esse amor aos outros, bem como recebê-lo
dos outros. Não procuram nada mais, porém se preocupam com
aqueles que buscam. Querem proclamar que o amor é possível,
que ele existe, que faz com que as paredes e as palavras estalem
e o silêncio retumbe. É claro que isso não pode ser transmitido
por palavras. O coração deles é uma bomba, um canal de
transmissão e dizem: “Ó Senhor, Tu que amas tão intensamente
e tão bem, faze com que eu sempre ame. Permite que eu dê aos
outros aquilo que me deste. Tu és um manancial ensurdecedor,
bem como a cascata brilhante com um arco-íris! Que eu possa
ser um de Teus pequenos riachos!”
Quando os Sahaja Yogis se encontram e quando estão
centrados no Sushumna Nadi, esses riachos fluem de uns para os
outros e muitas chamas emitem uma só luz. Cristo já o havia
previsto: “Quando muitos se reunirem em Meu Nome, estarei
332 O ADVENTO

entre eles”. Realmente, na comunidade dos seres realizados (o


Sangha dos budistas), sentimos a presença divina, fonte de toda
a alegria, e sentimos um banho de amor. A combinação de
forças de nossas vibrações limpa o parasitismo da negatividade.
Nossas reuniões são orquestradas pelo alto com desenvoltura e
poder. As situações se ajustam com uma aparente facilidade,
mas com uma precisão tal que, mui freqüentemente, apreciando
juntos os pequenos prazeres do mundo, progredimos em nossa
Yoga. É como se a própria amizade tivesse a faculdade de gerar
frutos espirituais; como se o humor tivesse uma propriedade
purificante comparável à da ascese. Os cânones dos velhos
manuais místicos se modificaram muito.
Na Sahaja Yoga, um Yogi mais evoluído não é
necessariamente aquele que tem o maior conhecimento, ou que
pode descrever experiências extraordinárias de meditação, ou
que teve o privilégio de passar mais tempo em companhia de
Shri Mataji. É mais evoluído aquele Yogi cuja simples presença é
suficiente para nos levar a um estado de maior bem-estar. Ele
parece ter o toque mágico de alguém que traz, em seu interior, o
amor de sua Mãe divina. Como se estivesse brincando, ele abre
os corações e empurra a porta do Agnya Chakra para fazer com
que todos entrem na consciência-silêncio (Nirvichara Samadhi).
Tais Sahaja Yogis existem, e são extremamente populares; todos
procuram a companhia deles, porque todos gostam de ser
amados. Eles reproduzem, ainda que numa escala modesta, o
acontecimento que ocorre, no interior de cada alma realizada, na
presença de Shri Mataji.
O impacto da presença (Darshan) de Shri Mataji sobre
as pessoas realizadas é impressionante. Por exemplo, tão logo o
avião sobrevoa a área de Londres, os Sahaja Yogis vindos do
exterior a fim de participar de um encontro com Shri Mataji
sentem suas Kundalinis reagirem à proximidade dela, e, na
chegada ao aeroporto, eles entram em meditação. Quando sorri
para eles, ou lhes diz algo, preocupada com os problemas deles,
COMPAIXÃO 333

indagando de sua saúde ou os repreendendo por uma


manifestação particularmente cômica do ego, é comum que eles
sintam ondas frescas de bem-estar (em linguagem mística, Amrut
ou néctar) fluindo de seus Sahasraras para todo o sistema
nervoso. Isso precisa ser vivenciado para que se acredite! Isso
me aconteceu durante uma refeição, quando, com centenas de
Sahaja Yogis conversando e brincando ao meu redor, olhei
interrogativamente em direção à Shri Mataji, que estava sentada
a uns dez metros de mim. Nesse momento, interrompeu a
conversação com seu vizinho, e sorriu para mim. Ela sabia
exatamente o que é que estava ocorrendo dentro de mim. Nesse
sorriso havia uma alegria quase travessa, a ternura de uma mãe
que se deleita com o crescimento de seu filho. Nela havia doçura
e também a majestade de uma deusa que se compraz em
conceder graças. Acima de tudo, esse seu sorriso e esse seu
olhar lembram a seu filho que sua mãe é muito poderosa. Além
das armas invisíveis que domina (como um jogo), Shri Mataji
utiliza um poder que parece ser particularmente seu, que é o
poder do amor. Quantos buscadores (filhos pródigos de volta à
sua casa) sentiram um calor em seus corações ao se encontrar
com Shri Mataji, antes de compreender que haviam alcançado
sua meta espiritual? Sentiram o chamamento do coração, mesmo
sem saber o que era a Auto-realização ou a Yoga. O coração
encontra a Mãe, mesmo quando o cérebro ainda está cheio de
questões e dúvidas. “A pessoa só pode ver claramente com o
coração”, diz a raposa do “Pequeno príncipe” de Saint-
Exupéry. Mantenhamos nossos corações abertos, pois assim
poderemos sentir nossa Mãe. Ela nos conforta, aconselha e
redime. Ela faz tudo isso com um amor infinito.
NIRMALA

CAPÍTULO XI

Março de 1977, em Buddhanikantha, pequena vila do


vale de Katmandu, Nepal, encontra-se uma famosa estátua de
Shri Vishnu, deitado no meio de um riacho sobre os anéis da
serpente cósmica Shesha. Shri Mataji veio aqui a fim de
despertar a estátua para que ela pudesse começar a emitir
vibrações. Voltamos por um caminho cheio de pedregulhos. Eu
caminhava à direita de Shri Mataji, alguns metros à sua frente.
Estava absorto em meus pensamentos. Minha atividade mental
era quase febril e eu refletia: ‘não posso nem sequer manter
minha atenção em Shri Mataji’. Naquele momento, atrás de
mim, Shri Mataji tropeçou numa pedra. Numa fração de
segundo, me precipitei até ela, pronto para impedir sua queda.
Todavia, Shri Mataji já havia recuperado seu equilíbrio. Olhei
para ela, com o coração palpitante e ela disse sorrindo: “Para
você ver, finalmente, colocou sua atenção em mim”.
Decididamente, a fim de produzir uma situação como essa é
preciso ser um grande coreógrafo.
Esse pequeno incidente revela um pouco do estilo de
Shri Mataji, ou seja, sua delicadeza de gestos e sua arte de
ensinar. Apesar das pedras do caminho, a afeição que impregna
a relação dela com seus discípulos e a instantaneidade de sua
reação. Revela, sobretudo, sua onisciência espantosa. Nada pode
ser escondido dela: “Os seres humanos não podem ocultar nada
de mim, pois os conheço da cabeça aos pés”. Será que
conhecemos um pouco dessa senhora que nos conhece tão bem?
NIRMALA 335

Nove anos já se passaram daquela nossa visita ao Vishnu


adormecido, e ainda hoje não sei como responder a essa
indagação.
Em todos os lugares, homens e mulheres, de todas as
raças e religiões, desenvolveram uma ligação firme e forte com
Shri Mataji. Isso é de uma realidade é evidente. Nos vilarejos de
Maharashtra, muitas mãos se levantam, quando Shri Mataji, no
final de um programa público, pergunta: “Quem está sentindo a
brisa fresca que vem de mim?” Da mesma forma, em outubro
de 1991, em Santa Cruz, a meca dos buscadores californianos,
Shri Mataji deu a Realização para centenas de pessoas.
É o inconsciente que aplana, muitas vezes, o caminho
que leva ao primeiro encontro com a Mãe. Um artista inglês se
pôs a pintar com muitos detalhes uma mulher hindu com um
sári, poucos dias antes de vir ao programa público da Sahaja
Yoga. Mais e mais, ocorrem sonhos premonitórios. L., uma
famosa atriz italiana que, apesar de sua vida movimentada,
dedicou-se durante muito tempo a uma fervorosa busca da
Verdade, estava passando suas férias na Sardenha. Numa noite
de lua cheia em agosto, sentindo-se tomada por um grande
torpor, deixou seus hóspedes, foi dormir e caiu num sono muito
profundo. Teve um sonho vivíssimo, cuja primeira parte
retratava, numa pantomima de máscaras felinianas, as etapas
precedentes de sua vida. Rejeitando essas imagens, que
explodiram no caos de um vidro partido, continuou em frente,
guiada por uma pessoa cuja face não podia ver, em busca de um
número 16, numa rua desconhecida para ela. Ali chegando,
vislumbrou a face de uma senhora, e, exortando um amigo dela,
um livreiro que, subitamente, apareceu em seu sonho, ela disse:
“Essa pessoa é minha mãe, é muito importante que você a
receba bem”. Seu amigo respondeu: “Não, não é sua mãe!” L.
hesitou por um momento, mas seu misterioso mentor colocou
sua mão no ombro dela e, serenamente, ela retorquiu: “Sim, ela
é minha verdadeira mãe. Minha mãe carnal que você conhece,
336 O ADVENTO

é apenas uma pequena irmã de quem cuido nessa vida”. Quatro


meses depois, na livraria de seu amigo, na Via Dei Prefetti,
número 16, em Roma, Shri Mataji realizou seu primeiro
programa público na Itália. Alertada pelo proprietário, L.
compareceu ao encontro, e, perplexa, reconheceu em Shri
Mataji a face da senhora que havia visto em seu sonho. Poucos
dias depois, recebeu sua Auto-realização com grande força.
Não obstante, essa realidade é tão grandiosa que não
pode ser percebida em seu todo e de uma só vez. Os antigos
hábitos de pensamento, as dúvidas e os medos voltam logo à
mente. Gradativamente, consegui vivenciar a interpenetração
sutil e misteriosa que existe entre a descoberta do Si, a
descoberta do cosmo e a descoberta de Shri Mataji. Devo
admitir que ela não se deixa descobrir facilmente.
Acompanhei Shri Mataji através dos continentes. De vez
em quando, ela era minha hóspede, ficando alguns dias sob meu
teto em Katmandu, Roma ou Viena. Como muitas outras
pessoas, conheci o ‘ninho dos bem-aventurados’, o banho de
amor e de segurança, e o sentimento de extrema proximidade
que ela dá, quando alguém está ao redor dela. Ela tece, em
nosso interior e ao redor de nós, uma consciência de pertencer à
sua família, isto é, de ser um de seus filhos. Ainda assim,
algumas vezes, tenho a impressão de que chegar perto de Shri
Mataji é como me aproximar do horizonte, sempre visível, mas
sempre fora de alcance. Certa vez, num apartamento de um
Sahaja Yogi em Paris, Shri Mataji me perguntou à queima-
roupa: “Você está perto de mim?” Foi um grito do coração que
brotou em mim: ‘não, Mãe, não estou’. Vivenciava, naquele
momento, uma espécie de paradoxo. Com o silêncio dado pela
consciência perceptiva vibratória, havia ido além do limite e
aberto as portas do mistério...para me encontrar diante de um
mistério que não tinha portas. Conheço Shri Mataji e, ao mesmo
tempo, não a conheço. Da mesma forma, as coisas reveladas
podem se dissipar numa espécie de dissolução sagrada.
NIRMALA 337

Como, por exemplo, quando estávamos em Katmandu,


em março de 1976. Shri Mataji estava sentada no jardim de
minha casa, com o olhar perdido no céu. Eu estava sentado a
uma certa distância dela e a contemplava. Subitamente, os
contornos do jardim ao redor de Shri Mataji, assim como as
rosas e a cabana do jardineiro, pareciam estar desaparecendo.
Abri bastante os olhos, a fim de me certificar do fenômeno.
Todos os contornos estavam se dissipando numa névoa e não
restava senão uma única presença que se impunha à minha
atenção. Meu olhar voltou-se para Shri Mataji. Vi o rosto de um
homem, ou melhor, de um Deus, um rosto azul claro de uma
beleza incrível, de uma nobreza imemorável, a irradiar uma
majestade indescritível. Fiquei transtornado, em êxtase e
completamente subjugado. Sim, “sois Vós, eu Vos reconheço,”
já vi este rosto, lembro-me dessa divindade. Depois, baixei a
cabeça, olhei para o chão, porque sentia intensamente que não
era bastante puro para contemplar aquela divindade. Quando me
recompus, tudo havia voltado à normalidade. Contei a Shri
Mataji o que havia acontecido. Ela respondeu, simplesmente:
“Você viu, provavelmente, Shri Krishna”.
Eu estava em êxtase e, ainda assim, aturdido por uma
evidência; havia presenciado um mistério que somente pode ser
vivenciado num estado de veneração e de silêncio. Havia sentido
a Verdade com todo meu coração e com grande luminosidade.
Entretanto, essa Verdade apenas pode ser proferida quando os
ouvidos do ouvinte estiverem preparados.
Ao verem que me enveredo por uma área que parece ser
fantasmagórica ou de ficção, talvez alguns leitores estejam
sentindo algum desconforto. Não obstante isso, outras histórias
incríveis e verdadeiras poderiam ser contadas.
M. D. G. Pradhan é advogado na comarca de Bombaim.
Eu mesmo ouvi o relato que se segue. Um dia encontrou-se na
obrigação de comparecer a uma audiência no Tribunal de
Justiça, e, ao mesmo tempo, deveria ir a uma reunião da Sahaja
338 O ADVENTO

Yoga, na qual sua presença era indispensável. Não sabendo


como resolver o dilema, pediu a Shri Mataji que o ajudasse e se
dirigiu ao programa da Sahaja Yoga. No dia seguinte, M.
Pradhan telefonou para o escrivão do tribunal, a fim de saber
quais tinham sido as conseqüências de sua ausência. Este,
desconcertado, respondeu que não estava entendendo a
brincadeira, porquanto segundo ele, M. Pradhan havia atuado
brilhantemente e ganho a causa. M. Pradhan, ligeiramente
constrangido, desligou o telefone e chamou o advogado da parte
contrária, o qual lhe deu a mesma resposta. Enquanto M.
Pradhan assumia suas responsabilidades de Sahaja Yogi,
alguém, com os traços de M. Pradhan, havia atuado em seu
lugar na audiência. Os seres humanos chamam isso de milagre.
Shri Mataji comenta que “vocês não vêem as legiões de anjos
que estão trabalhando para ajudá-los. Se cuidarem da Sahaja
Yoga, a Sahaja Yoga cuidará de vocês”.
A mente racional, orgulhando-se de ser objetiva e
científica, arrisca-se em ficar completamente desconcertada pelo
mistério da dimensão na qual Shri Mataji trabalha. Durante
algum tempo, eu mesmo tive a vaidade de tentar compreendê-la.
Entretanto, minha pequena cabeça não é um mecanismo
apropriado. Se tivesse insistido nisso, teria ultrapassado meu
limite e teria ficado louco. A ação multiforme da Mãe está além
das leis do espaço-tempo e da causalidade, as quais limitam a
amplitude de nossas mentes. Porém, os resultados de suas ações
estão aí à disposição de todos, e qualquer pessoa honesta pode
verificá-los por si mesma. Seus discípulos tornam-se
abençoados, quer espiritual, quer materialmente. Shri Mataji
gosta de citar Shri Krishna: “Yoga kshema vahamyam - em
primeiro lugar, cuido de sua ioga, e depois de seu bem-estar”.
A saúde melhora radicalmente. Drogados comatosos voltaram à
universidade e passaram a ser os primeiros da turma. Certo
fazendeiro conseguiu colheitas extraordinárias. Outras pessoas
encontraram moradias ou empregos de seus sonhos. Um outro
NIRMALA 339

viu crescer sua renda. É um pouco embaraçoso mencionar o


impacto das vibrações no plano material, porque a citação de
casos, como estes, soa como um convite à procura de tesouros
utópicos. No entanto, as peripécias de nossa vida cotidiana
parecem ser, verdadeiramente, controladas por gênios bons que
nos livram dos problemas materiais, para que possamos
consagrar nossa atenção ao que é realmente importante.
Certamente, Shri Mataji não se encarnou para abrir uma agência
matrimonial ou um escritório de empregos. Com sua
generosidade, Shri Mataji promete que nossos pedidos serão
atendidos sempre que contribuírem, ainda que minimamente,
para o bem-estar do Si. Todavia, ela diz também que “dêem
uma prova de sabedoria e peçam aquilo que é importante”.
Milhares de pessoas, nos cinco continentes, são
testemunhas dos poderes extraordinários de Shri Mataji. Ela
domina tanto os elementos quanto a Kundalini. Tudo aquilo que
diz é verdade, tudo que prevê nunca deixa de acontecer.
O que significa tudo isso ?
Shri Mataji Nirmala Devi nasceu em Chindwara,
exatamente no centro da Índia, sobre o trópico de câncer, ao
meio-dia, em 21 de março de 1923, dia do equinócio da
primavera. Optou por nascer numa família indiana cristã. Seus
ancestrais pertenceram à antiga dinastia imperial dos
Shalivahans. Seu pai, M. Salve, era uma alma realizada de
grande categoria, o Guru que ela escolheu para introduzi-la no
mundo moderno. Ele havia comentado as vicissitudes das
encarnações anteriores. “As pessoas que moram no décimo
andar não podem ser compreendidas pelas que moram no
primeiro andar”, querendo com isso dizer à sua filha que era
absolutamente necessário descobrir um método que fizesse com
que os homens pudessem subir alguns andares. “A não ser que
descubra um método que permita dar a Realização do Si em
massa, isso não funcionará”. O pai de Shri Mataji, uma figura
pública cuja integridade e generosidade ganharam a estima de
340 O ADVENTO

todos aqueles que dele se aproximaram, desempenhou um papel


de primeiro plano no movimento para a independência da Índia,
e foi o único membro cristão da Assembléia Constituinte e do
primeiro Parlamento. Sua mente enciclopédica sabia uma porção
de idiomas, conhecia de cor o Bhagavad Gita e traduziu o
Alcorão do árabe para o hindi. Ele se sentia à vontade em
qualquer campo da arte, ciência e literatura contemporânea,
porém sabia conquistar os corações com sua simplicidade e sua
modéstia.
A mãe de Shri Mataji, ainda que tenha tido uma boa
educação e se formado em matemática, deu uma clara prioridade
às suas responsabilidades de dona de casa. Ela transformou
numa questão pessoal a defesa, em sua esfera, dos valores do
darma individual e coletivo. Consta que ela nunca proferiu uma
só mentira, em toda a sua vida, e que descartou, com firmeza,
todos os pequenos truques inspirados pela falsidade. Essa
firmeza de caráter se unia a uma solicitude maternal que se
manifestava em relação a todas as pessoas dependentes do lar.
Um dia, quando ainda estava grávida, a mãe de Nirmala
sentiu um desejo muito forte de ver um tigre ou um leão em
liberdade, e esse desejo, paulatinamente, converteu-se em
obsessão. Assim, arrumou-se uma oportunidade para que isso
acontecesse. Seu marido era conselheiro político de um marajá
que, como o considerava um grande atirador, o convidava para
todas as suas caçadas. Precisamente nesses dias, ia ser
organizada uma grande caçada para eliminar um tigre devorador
de homens, cujo tamanho enorme apavorava todas as pessoas da
região. Com certa má vontade, M. Salve concordou em levar
sua esposa. No dia seguinte, ficaram juntos no posto de
observação na selva, no que seria uma estranha espera. Caiu a
noite, povoada por mil pequenos ruídos do bosque e, de
imediato, os arredores se banharam com a luz prateada da lua
cheia. As horas passam lentamente. Subitamente, a alguns
metros do posto de observação, ouvem o barulho de galhos
NIRMALA 341

quebrados e, então, surge um enorme tigre dos arbustos. Ao vê-


lo, a senhora Salve sentiu ascender nela uma alegria imensa.
Quando seu marido se preparava para atirar, ela se pendurou em
seu braço e lhe suplicou que não matasse aquele animal
majestoso. Ele acolheu seu pedido e lhe perguntou com um
sorriso: “Será que você vai trazer ao mundo a deusa Durga?”
Observe-se que, segundo a tradição hindu, a deusa Durga
cavalga um tigre ou um leão. Depois desse dia, o tigre
desapareceu sem deixar rastro.
Shri Mataji, por ocasião de seu nascimento, não tinha a
menor impureza em seu corpo, e parecia ter sido banhada numa
água perfumada. Sua avó exclamou quando a viu que Ela era
Nishkalanka! Observe-se que no Shri Lalita Sahasranama,
traduzido pelo doutor C. Suryanarayana Murthy, o 153º nome
da deusa (Devi) é Nishkalanka, que quer dizer ‘aquela que tem
um brilho sem defeitos’. A forma abreviada de Nishkalanka é
Kalki.
Como Nishkalanka é um nome empregado, usualmente,
para meninos, a menina foi batizada com o nome de Nirmala,
que quer dizer ‘imaculada’. Seu batismo se deu em meio à
alegria geral da segunda-feira de Páscoa. No caminho de volta,
os cavalos viram algo que os espantou e se agitaram tão
violentamente que viraram o coche em que se encontrava a
menina. Todos se precipitaram para salvá-la, em meio à
confusão geral. Nirmala foi encontrada sã e salva, sob uma
montanha de lixo e de algumas damas de honra de formas
generosas, sorrindo, como poucas crianças fazem, poucos dias
depois de seu nascimento.
Shri Mataji teve uma infância muito feliz e, naturalmente,
converteu-se na preferida de todos. Até hoje, aqueles que a
conheceram naquele tempo lembram-se de suas travessuras. Os
pássaros e os animais se aproximavam dela sem o menor temor,
para a grande aflição de suas babás que a viram, certa vez,
acariciar serpentes venenosas, que também faziam parte de seu
342 O ADVENTO

círculo de amigos. Outras vezes, a encontravam num lugar


afastado da casa, sentada e só, com o rosto ligeiramente
extático, perdida em algo que talvez se chamasse de
‘meditação’. Porém, a maior parte do tempo, Nirmala
transbordava energia, animando seus companheiros de
brincadeiras, organizando todos os tipos de canções e de danças.
Gostaria de ter sido uma daquelas pessoas que a viram
representar, aos sete anos, num pequeno teatro infantil, os
papéis de Shri Radha e de Shri Krishna. Era uma encenação ou
uma realidade? Sua graça espontânea e sua desenvoltura nesse
papel enfeitiçaram a platéia. Sem perceber, os espectadores
sentiram-se incluídos na peça, trazidos a esse mundo
maravilhoso que os poetas antigos tentaram, sem cessar, fazer
reviver. Desde muito jovem, Nirmala demonstrou uma
inclinação pela música e pelas artes, porém também por tudo
aquilo que era simples e natural. Gostava de andar com os pés
descalços para sentir o chão. M. Salve disse, certa vez, a um
novo condutor que devia ir buscar sua filha na saída da escola:
“É facílimo reconhecer minha filha, ela anda com as sandálias
nas mãos”.
Durante as férias, a menina ia sempre ao Ashram do
Mahatma Gandhi. Ele tinha um particular afeto por ela e a
apelidou de Nepali, por causa de seus traços, simultaneamente,
indianos e tibetanos. Participava de todas as atividades do
Ashram e fez parte do movimento de Gandhi para a
independência da Índia. Sua presença silenciosa parece ter
inspirado o Mahatma. A maior parte dos temas que ele
desenvolveu prefiguram uma cultura Sahaja, com produção
econômica equilibrada, darma social, simplicidade e integração
das religiões mundiais.
Quando chegou o tempo de ir à Universidade, Nirmala
resolveu estudar medicina. Queria saber até onde havia chegado
o conhecimento dos homens nessa matéria e quais os nomes que
haviam sido dados aos fenômenos até então descobertos. Eu me
NIRMALA 343

encontrei com um velho professor seu, que se lembrava dela


como uma estudante brilhante e que demonstrava ter muito
respeito. Presenciei, também, a emoção com que uma antiga
colega sua caiu em seus braços, num encontro inesperado em
Londres, quando Shri Mataji explicava precisamente numa
reunião de médicos o impacto curativo da Sahaja Yoga sobre o
câncer.
Quando terminou a luta pela independência, Shri Mataji
casou-se com Chandika Prasad Shrivástava, que logo se
transformou num alto funcionário muito respeitado da
administração federal de seu país. Mais tarde, ele foi designado
secretário-geral da Organização Marítima Internacional das
Nações Unidas, em Londres. Durante sua brilhante carreira, o
senhor Shrivástava sobressaiu-se pela probidade de seu caráter,
pela sua incansável atuação, assim como pelo seu
comprometimento com o interesse público. A isso ele
consagrou, efetivamente, toda a sua capacidade e a maior parte
de seu tempo. Ao casar-se com aquela jovem mulher de sorriso
confiante e radiante, o senhor Shrivástava pressentiu, sem
dúvida, que nela encontraria uma esposa sempre prestimosa e a
mãe ideal para seus filhos. Imagino que ele suspeitava menos
que sua esposa, um dia, seria uma mestra espiritual respeitada
nos cinco continentes. Ademais, Shri Mataji voltou-se
inteiramente, durante os primeiros anos de sua vida de casada,
para as tarefas do lar, ilustrando com sua própria vida a
importância que ela dá em seus ensinamentos à vida familiar.
Certamente, prosseguiu suas explorações no campo de ação que
mais atraía seu interesse, o despertar da Kundalini nos seres
humanos. Sem que ninguém percebesse, ela ‘entrava’ na
Kundalini das outras pessoas, graças a seus poderes
incomensuráveis, a fim de decifrar quais eram os problemas
delas, quais eram os bloqueios existentes. A aprendizagem
silenciosa que a Mãe chama de ‘sua encarnação humana’ lhe
permitiu estudar todas as combinações, permutações e
344 O ADVENTO

perturbações de nosso sistema psicossomático. Esta


aprendizagem se prolongou até que sua segunda filha se casasse.
Nessa época, apenas alguns poucos sábios a haviam reconhecido
e compreendido o objetivo de sua vinda sobre a face da Terra,
guardando o mais estrito segredo sobre isso. Numa entrevista
que concedeu, excepcionalmente, aos Sahaja Yogis indianos, o
senhor Shrivástava se expressou nos seguintes termos a respeito
de sua esposa:
“Desde que vivemos juntos de forma permanente,
Nirmala tem sido uma esposa dedicada, permanecendo firme,
como uma rocha, nos momentos difíceis ou críticos, que não
deixam de ocorrer num tempo ou outro de nossa vida. Gostaria
de mencionar aqui somente algumas de suas várias qualidades.
Sua inocência caracteriza, acima de tudo, seu estilo direto e
aberto. Às vezes, não pode entender o comportamento tortuoso
dos outros. Seu coração transborda de autêntica compaixão
pelos pobres, por aqueles que estão necessitados. Vi correr
lágrimas de seus olhos diante de meninos famintos. Por isso, é
extremamente generosa e distribui seus bens com um sincero
prazer. Não está apegada a posses materiais; suas exigências
são mínimas. Para si mesma não gasta, por assim dizer, nada”.
É bem típico do estilo perfeitamente liberal e desenvolto
de Shri Mataji que seu marido e suas duas filhas não tenham
aderido, de início, à Sahaja Yoga. “Dessa forma,” diz ela rindo,
“ninguém poderá me acusar de ter uma empresa familiar”.
Isso também dá maior credibilidade à sua ‘encarnação familiar’,
porque ela vivenciou as alegrias e tristezas de uma família como
todos nós. Todavia, seus quatro netos são almas realizadas de
alto nível. Anant, seu neto, que tem cinco anos, eliminou o
bloqueio da Kundalini de um Sahaja Yogi, deslizando, ou se
necessário fosse saltando, em suas costas. Muito femininas e
refinadas em seu estilo, suas netas não ficam atrás. Todo esse
pequeno grupo é absolutamente cúmplice com sua avó, tão
especial e única, a qual cercam de um amor enorme e um
NIRMALA 345

respeito pouco comum em crianças, apesar de serem, como


todas as crianças, muito travessas. De manhã, antes de ir para a
escola, elas sobem na cama da avó e mantêm com ela longos
conciliábulos de estado maior, a fim de denunciar a estupidez do
mundo circundante e propor medidas corretivas. Nessas
discussões que poderiam parecer insignificantes para um
observador desavisado, pude observar, certa vez em sua casa em
Nova Delhi, que costumavam versar sobre temas especiais e que
Shri Mataji as ouvia com muita atenção.
A atenção da Mãe é universal. Paradoxalmente, é a ela,
tão diferente de nós, que se aplica a frase de Terêncio: “Nada
que é humano me é indiferente”. Eu a vi descer até nossos
menores problemas com total concentração, explicando com
idêntica segurança como curar um resfriado, recuperar o afeto
de um marido distraído, qual a cor que deveria ser escolhida
para uma sala a fim de relaxar um proprietário estressado; como
compreender as estrelas, quais são os princípios da
administração econômica, e como escolher a dieta mais
saudável. Nada é mais ilusório que sua pretensa ignorância das
realidades políticas. Numa só frase ela resume um problema
político e aponta as soluções alternativas para ele. Em seus
discursos tão variados, tem por objetivo fazer-nos amadurecer e
crescer. Seu domínio didático é absoluto. Shri Mataji não veio
para solucionar nossos problemas, mas sim para fazer com que
nos tornássemos capazes de resolvê-los, depois de nos colocar
em condições de fazê-lo. Mesmo quando nos mostramos muito
preguiçosos e não queremos solucionar os problemas, ela nos
incita a resolvê-los. Muitos Sahaja Yogis já se defrontaram com
todos os tipos desses pequenos testes.
Ouve-se uma sinfonia de elogios, quando se recolhem os
testemunhos daqueles que conheceram Nirmala antes de ela se
transformar, para o mundo inteiro, em Shri Mataji. Gentileza,
cortesia, humildade, compaixão e energia são expressões que se
repetem sem cessar nos depoimentos. As pequenas histórias se
346 O ADVENTO

atropelam umas às outras. Em Lucknow, onde um arquiteto


improvisado construía uma casa para o senhor Shrivástava,
cozinhou para cinqüenta trabalhadores. Isso demonstra o caráter
simples e ‘natural’ da Mãe, que não vacila nunca em pôr suas
mãos à obra. Os trabalhadores chamaram suas famílias e
duzentas pessoas se apresentaram para comer. No final, ainda
sobrou comida nos pratos. Presenciei o mesmo milagre em
Londres e na Escócia, quando a Mãe fez uma comida deliciosa,
para os Sahaja Yogis. Apesar de descender de uma família nobre
e rica, e de seu marido ter uma situação tão boa, nunca a vi
queixar-se de falta de conforto. Dormiu no chão, comeu um
alimento miserável numa favela, com o fim de alegrar o coração
daqueles que o tinham oferecido. Sua resistência é sobre-
humana. Eu a vi permanecer nove horas numa cadeira durante
uma conferência, bombardeada por mil perguntas, interagindo
com todos os tipos de pessoas e, depois, levantar-se fresca e
disposta como se nada tivesse acontecido. Quanta paciência ela
tem! Sempre respondeu, pacientemente, às várias perguntas
imbecis ou impertinentes que lhe foram feitas, inclusive por mim.
Nada pode perturbar a serenidade de Shri Mataji. Um dia, ela
foi advertida de que um falso guru poderia recorrer a assassinos
profissionais que poderiam atentar contra sua vida. Ela começou
a rir: “Não se preocupem por causa disso! Nada de
crucificações nesta vida. Desta vez, a obra se fará de maneira
diferente. Por que estão com medo? Não vêem que os seres
malignos são tomados de convulsões na minha presença?” Em
seguida, nos dirigiu um sorriso tranqüilizador, porque seu riso,
quando ressoa, às vezes dá medo: “O amor é mais poderoso
que todo o ódio do mundo”. Assim, readquirimos nossa
serenidade.
Um volume inteiro não bastaria para descrever como
descobrimos uma perfeição sobre-humana numa criatura tão
humana. Já contei como a Mãe pode usar um incidente banal
NIRMALA 347

para criar um poema de sabedoria ou para preencher um vazio


em nossos corações. Eis aqui uma outra pequena história.
Alguns Sahaja Yogis ofereceram um sári a Shri Mataji,
por ocasião de um Puja, e o haviam escolhido com muito
cuidado e amor. Todavia, ela já havia avisado, antecipadamente,
que não aceitaria presentes durante esse Puja e continuou
insistindo nisso. Os Sahaja Yogis de Nova Delhi, apesar de
desolados, conformaram-se com a situação. Algum tempo
depois, antes de começar a cerimônia, Shri Mataji foi lavar suas
mãos num aposento contíguo, onde as mulheres da casa estavam
sentadas. Retornou completamente molhada, mas sorrindo
abertamente, indagou: “Onde está o sári que queriam me dar?”
A água da torneira havia jorrado com uma pressão
anormalmente forte e havia molhado inteiramente o sári que Shri
Mataji estava usando.
O domínio que ela tem sobre as forças da natureza é
indubitável. No dia 5 de maio de 1982, uma chuva torrencial
caiu sobre Paris. No Centro de Sahaja Yoga, que se encontra no
subúrbio noroeste da cidade, tudo havia sido preparado no
jardim da casa para se celebrar um Havan (oferenda purificadora
ao fogo). Chovia, quando saímos da casa. Shri Mataji fez alguns
gestos com as mãos. De imediato, parou de chover. Dez
minutos mais tarde, o Sol reapareceu e iluminou com toda a
força a fachada da casa. Este milagre emocionante, ocorrido
numa reunião de Sahaja Yogis de diversos países (Suíça, Grã
Bretanha, Itália e Bélgica), ilustra bem a natureza de Shri Mataji.
Isso aconteceu também em Paris, num sábado, dia 1o de
maio de 1982, às seis e meia da tarde. Umas duzentas pessoas
haviam se reunido na sala de conferências onde ia começar o
programa de quatro sessões que Shri Mataji iria presidir.
Todavia, ainda não havia saído de Londres. Um Sahaja Yogi
propôs que as pessoas na platéia tentassem perceber as
vibrações emitidas pela fotografia de Shri Mataji que estava na
frente delas. A grande maioria tentou fazer a experiência. Cerca
348 O ADVENTO

de vinte Sahaja Yogis se concentraram no fundo da sala, a fim


de despertar a Kundalini dos assistentes. Ao cabo de certo
tempo, foi feita a pergunta: “Estão sentindo as vibrações nas
palmas das mãos?” Umas sessenta pessoas disseram que sim.
Espalhamo-nos pela sala, a fim de ajudá-las e outras tantas
acabaram obtendo sua Auto-realização. O que é que significa
isso? Talvez Shri Mataji tenha dirigido, à distância, o despertar
coletivo da Kundalini daquelas pessoas, por meio de sua
fotografia. Talvez ela tenha delegado seu poder de despertar a
Kundalini a seus discípulos; ou, mais provavelmente ainda, a
combinação dessas duas hipóteses. De qualquer forma, um
milagre assim não tem precedente conhecido, na História da
espiritualidade anterior à Sahaja Yoga.
Em suma, não irei contar aqui as peripécias do
nascimento da Sahaja Yoga no Ocidente, nem como Shri Mataji
criou o primeiro grupo ainda claudicante em Londres, pagando,
com seu dinheiro, durante alguns meses, o aluguel do primeiro
Ashram. A partir de 1980, o ritmo de crescimento se acelerou e
os acontecimentos se precipitaram. Em alguns anos, Shri Mataji
deu a volta ao mundo, duas vezes. Visitou a Europa, a Índia, a
Austrália e os Estados Unidos. Ela se entrega sem pensar,
premida por prazos invisíveis, incitando seus discípulos a
crescerem espiritualmente sem perda de tempo. “O tempo do
qual vocês dispõem é muito curto. Conduzam-se como homens
de Deus e como profetas a fim de alcançar todos aqueles que
devem sê-lo também. Vocês têm o poder necessário para fazer
isso. Chegou a hora oportuna”.
Se estiverem entre pessoas que solicitarem, de todo o
coração, que lhes dêem sua Auto-realização, nada impede que
vocês utilizem o efeito que a fotografia de Shri Mataji pode
exercer sobre a Kundalini de um buscador da Verdade.
Poderiam fazer uso, de forma respeitosa, da fotografia de Shri
Mataji, levando-se em conta, também, os conselhos práticos
contidos no final desse livro. A dificuldade consistirá,
NIRMALA 349

provavelmente, em silenciar a mente. Alguns poderão dizer que


‘isso não é verdade, isso não é possível, não se pode crer
nisso...’ Sim, isso é verdade, é possível, é mais que acreditável e
pode ser vivenciado. Porém, não pela mente, não pelo intelecto,
porém é preciso entrar no estado de Nirvichara Samadhi, a
consciência-silêncio. O melhor conselho nos foi dado por Jesus
Cristo, ao dizer que é imprescindível que nos tornemos
inocentes como as crianças. Ademais, a palavra ‘Mãe’ foi
repetida diversas vezes nesse livro. Quando sentimos a criança
em nosso interior, atingimos nossa inocência, esse jardim
perdido da divindade espontânea. O Muladhara e o Agnya, que
são os Chakras do Menino divino, estarão em melhores
condições a fim de abrir o caminho para nossa Mãe Espiritual,
vale dizer, a Kundalini.
A presença do Atman deve ser sentida no sistema
nervoso central. É preciso que convertamos no que somos, na
Verdade mais profunda de nosso Si. É necessário que nos
despertemos para a consciência perceptiva vibratória e a
utilizemos. Aqueles que viveram a experiência e sentiram as
vibrações podem falar com conhecimento de causa. Aqueles que
ainda não a sentiram e que seguem o conselho de prudência de
Sócrates - “só sei que nada sei” - um dia a sentirão também,
sem dúvida, se esse for seu verdadeiro desejo. Porque esta é a
questão que se coloca na abertura da Era de Aquário:
“Desejamos de todo o coração a Realização do Si?”
350

ALGUNS CONSELHOS PARA A


MEDITAÇÃO

Coloque a fotografia de Shri Mataji, respeitosamente,


num lugar limpo. Tire seus sapatos.

Sente-se, confortavelmente, diante da fotografia,


mantendo suas mãos em direção a ela, com as palmas voltadas
para cima. Se quiser se concentrar, fixe sua atenção no topo de
sua cabeça. A melhor coisa é permanecer totalmente relaxado,
aberto e receptivo.

Se sentir uma brisa fresca vir para suas mãos, isso


significa que você está com boa saúde e a Auto-realização está
na iminência de ocorrer.

Se isso não ocorrer, expresse para Shri Mataji que você


tem um desejo verdadeiro: ‘Mãe, por favor, quero, de fato,
obter minha Auto-realização’. Dirija-se à Shri Mataji (ou à
Mãe), sem nenhum esforço, faça apenas com que sua
sinceridade se manifeste.

Em seguida, observe suas mãos e também o topo da


cabeça, uns centímetros acima do osso da fontanela (moleira).
Não se esqueça também de perceber o estado em que se
encontra sua mente, as sensações de seu corpo ou os
sentimentos que tem naquele momento. Eles expressam uma
ALGUNS CONSELHOS PARA MEDITAÇÃO 351

primeira forma de consciência de nosso ser interior, ao descobrir


esse contato com Shri Mataji. Isso já é um estado de meditação.
Detecte a sensação que vem às suas mãos:
formigamento, leve dor, calor ou dormência.
Uma sensação, na mão esquerda, que corresponde ao ser
emocional e a nossos condicionamentos acumulados, pode
indicar que existe algum problema nessa parte de nosso
psiquismo, com relação às nossas emoções e condicionamentos.

Uma sensação, na mão direita que corresponde ao ser


físico e intelectual, pode indicar algum problema nesses
aspectos.

A sensação indica que a Kundalini, convidada pela


energia transmitida pela fotografia, está bloqueada em sua
ascensão, ou que ela já está trabalhando na limpeza de um
determinado Chakra (centro de energia) ou Nadi (canal de
energia). Cada dedo corresponde a um Chakra. A mão esquerda
corresponde ao lado esquerdo do Chakra e a mão direita ao seu
lado direito. Em outras palavras, o sistema nervoso central
registra, sob a forma de sensações físicas localizadas, os
problemas de natureza física, psíquica ou espiritual.

A fim de desbloquear a Kundalini, sente-se na postura


descrita acima, com os pés numa bacia com água morna salgada.

As vibrações terão a propriedade de expulsar o problema


nos elementos água e terra (esta simbolizada pelo sal) que atuam
como suporte. Depois de 15 minutos, jogue a água no vaso
sanitário.

Repita o tratamento durante sete dias seguidos, de


preferência de manhã ao despertar, ou de noite antes de dormir.
352 O ADVENTO

Também é recomendável acender uma vela diante da


fotografia e olhar para Shri Mataji, durante alguns minutos,
através da chama. Quando se sentir mais tranqüilo, sem muitos
pensamentos, porém sem cansaço, pode fechar os olhos por
alguns momentos.
É possível que sua experiência já tenha se iniciado,
porém pode ser que você precise de um auxílio complementar de
Sahaja Yogis. Em ambos os casos, você está convidado a
comparecer a um centro de Sahaja Yoga. Todos os
ensinamentos de Shri Mataji o esperam, valendo ressaltar que o
caminho da evolução pessoal passa pelo contato com as outras
pessoas que já tiveram a mesma experiência. Os contatos, no
Brasil, se encontram no final desse livro.

Uma ajuda suplementar é o uso de um mantra, uma


fórmula que mobiliza o poder das vibrações de uma forma
particular. Você poderá repetir sete vezes o seguinte mantra:

OM TWAMEVA SAKSHAT
SHRI MATAJI NIRMALA DEVI
NAMOH NAMAHA.
353

GLOSSÁRIO
Adharma Contra o darma
Adi Guru Mestre primordial
Adi Shakti Energia (ou Poder) Primordial de Deus
Todo-poderoso
Água da vida Vide Chaitanya e Amrut
Akáshico Relativo ao Akasha (= éter)
Amrut Néctar, fluxo de bem-aventurança ou
felicidade
Apocalipse Vinda de Shri Kalki
Arquétipo Forma original, símbolo fundamental,
divindade-modelo
Árvore da vida Sushumna Nadi (canal central) e os
Chakras
Atman O Si (o Self, ou o Ser), a alma
Auspiciosidade Qualidade pela qual é alcançada a
freqüência do Inconsciente
Avatar Encarnação divina
Bhairava O Arcanjo São Miguel
Bhakti Yoga Ioga da devoção
Bhut Entidade que tem a faculdade de
penetrar no psiquismo dos seres
humanos
Brahmadeva Aspecto de Deus que é Criador
Brahman O Absoluto ou Deus sob o aspecto de
Consciência divina indiferenciada
onipresente
Buddha ou Buda Encarnação do ego de Deus
Chaitanya As vibrações divinas, a força vital
Chakra Os centros sutis existentes no corpo
Consciência coletiva O estado em que a consciência engloba
354 O ADVENTO

os outros seres
Consciência-silêncio Também chamada de metamental ou
estado de consciência lúcida além das
atividades mentais ou Nirvichara
Consciência Percepção de Chaitanya
perceptiva vibratória
Cosmo Campo total da criação, universo
Darshan Presença física de uma encarnação
divina
Dattatreya Primeira manifestação do mestre
primordial
Devatas, divindades Aspectos de Deus
Darma (palavra já Retidão, sob o aspecto de fator de
incorporada ao port.) sustentação da ecologia e da evolução
Dhyana Meditação
Dialética Estudo da lei de contradição na
natureza e nos homens
Dilema existencial Condição do homem que participa do
finito e do infinito
Durga Nome de Parvati, quando ela se
manifesta sem Shiva
Ego Parte do psiquismo que manifesta e
desenvolve a identidade pessoal
Entrega Atitude que conduz à abertura do
Sushumna
Entropia Função matemática que exprime a lei da
degradação da energia
Espírito Santo Vide Adi Shakti
Esquema Esquema dos últimos dias precedentes à
escatológico vinda de Kalki
Estado psíquico Nível de consciência média do Homo
padrão Sapiens
Ganesha Aspecto de Deus que é inocência,
sabedoria e contentamento
GLOSSÁRIO 355

Guna Qualidade, humor (ritmo) do Virata


Gruha Lakshmi Aspecto dos poderes de Lakshmi como
a divindade do lar
Guru Mestre, instrutor, preceptor
Hanumana O Arcanjo São Gabriel
Hatha Yoga Ioga que põe em ação as propriedades
dos Nadis Ida e Pingala
Havan Cerimônia védica de oferenda ao fogo
Ida Nadi Canal lunar, que preside as emoções, o
passado
Inconsciente ou Inconsciente Universal, isto é, o
conteúdo da consciência do Virata
Instrumento Instrumento que controla o corpo físico
psicossomático e emocional
Jagadamba Durga, na forma de Mãe do universo
Jesus Encarnação do Filho de Deus
Kali Forma aterradora de Parvati
Kali Yuga Idade das trevas
Kalki A décima encarnação (destruidora) de
Vishnu
Karma Resultado de ações passadas
Karma Yoga Ioga da ação, com renúncia aos seus
frutos
Koan Pequeno enigma apresentado ao
discípulo na prática dos mestres zen-
budistas
Krishna Encarnação de Deus, o Pai, oitava
encarnação de Vishnu
Kundalini Consciência divina potencial do Espírito
Santo no interior do homem
Lakshmi Shakti de Vishnu
Liila Jogo cósmico
Lingam Pedra erigida simbolizando Shiva ou a
existência
356 O ADVENTO

Loka Uma província (ou lugar) cósmica


Mahakali Energia divina original da existência e
da destruição
Mahalakshmi Energia divina original da evolução
Mahasaraswati Energia divina original da criação
Mahavira Encarnação do superego de Deus
Mandala Sistema de energia-consciência em
torno de um Chakra
Maria Shakti de Jesus
Maryadas Regras sutis do correto comportamento
humano
Mataji A Mãe sagrada
Maya A ilusão, a confusão
Microcosmo Campo total da condição humana, mini-
universo
Nadi Canal
Nirvichara Estado de consciência sem pensamentos
Nirvikalpa Estado de ‘consciência sem dúvidas’
Om Aum, verbo primordial
Ontologia Domínio da Filosofia que estuda o Ser
Paramatman Inconsciente Universal
Parassimpático Parte do sistema nervoso autônomo que
(sistema nervoso) equilibra e restaura a energia
Parvati Shakti de Shiva
Pingala Nadi Canal solar que controla as atividades
físicas e mentais, antecipa o futuro
Prakriti A natureza
Purusha O espírito
Radha Shakti de Krishna
Rajo Guna (Rajas) Humor, modo de agir de Saraswati
Rama Sétima encarnação de Vishnu
Ravana Rei dos demônios
Realização do Si ou Abertura da fontanela no topo do
Auto-realização crânio (Brahmarandhra)
GLOSSÁRIO 357

Reino de Deus Estado de consciência do Sahasrara


Rudra Nome de Shiva, poder destrutivo
Sadashiva Deus Todo-poderoso
Sahaja Espontâneo, inato, natural, atávico
Samadhi Realização espiritual
Sangha Comunidade de seres realizados
Sankalpa Energia da determinação
Saraswati Shakti de Brahmadeva
Sat Chit Ananda Verdade, Consciência e Felicidade
Satã Princípio coletivo do mal
Sattwa Guna Humor, modo de atuação de
Mahalakshmi
Satya Yuga Idade da Revelação, Idade de Ouro,
Era de Aquário
Shakti Poder, energia
Shankara Nome de Shiva, evocador da
compaixão
Shiva Aspecto de Deus que é existência e
destruição
Shraddha Fé viva baseada na experiência
Shri Senhor, igualmente o nome da deusa
sob a forma de Espírito Santo
Shri Chakra O instrumento do Espírito Santo
Si (ou espírito) Deus no ser humano
Siddhi Poderes sobre-humanos
Sistema nervoso Parte do sistema nervoso autônomo que
simpático controla as funções involuntárias
Sita Shakti de Rama
Subconsciente Províncias cósmicas contidas no
coletivo superego do Virata
Superego Parte da psique que acumula os
condicionamentos, o passado, os
hábitos
Supraconsciente Campo do Pingala Nadi e do ego
358 O ADVENTO

Supraconsciente Províncias cósmicas contidas no ego do


coletivo Virata
Sushumna Nadi Canal central da evolução e da
revelação
Tamo Guna (Tamas) Humor, modo de atuação de Mahakali
Tantra Técnica
Tantrika Pessoa que adota técnicas nefastas para
o instrumento interior (sentido restrito a
esse livro)
Tantrismo Seita que usa a energia sexual para
promover a Realização do Si
Tattwa Princípio ou Fundamento
Vaikuntha Localização celeste de Vishnu
Vajra O Si, o diamante
Vilamba Espaço-silêncio entre dois pensamentos
Virata O Grande Ser Primordial, Deus
manifestado
Vishnu Aspecto de Deus que é a evolução
Yantra Mecanismo, instrumento
Yoga União
379

COMO ENCONTRAR A SAHAJA


YOGA NO BRASIL
Se o leitor quiser realizar essa experiência e aprofundar-
se nos ensinamentos de Shri Mataji Nirmala Devi, poderá entrar
em contato com:
Belo Horizonte-MG (0--31) 3335-8936

Brasília-DF (0--61) 349-2105

Curitiba-PR (0--41) 335-6567

Niterói-RJ (0--21) 610-2008

Porto Alegre-RS (0--71) 219-6741

Rio de Janeiro-RJ (0--21) 274-1753

Salvador-BA (0--71) 378-6716

São Luis-MA (0--98) 248-2731

São Paulo-SP (0--11) 3266-5782

Sobradinho-DF (0--61) 591-7619

Taguatinga-DF (0--61) 973-2626

Vitória-ES (0--27) 329-3752

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