06 a 08 de julho de 2019
Resumo
A escola tem se tornado cada vem mais um espaço para o encontro das diferenças,
entretanto não está preparada para lidar com todas as diversidades que se encontram
em seu espaço, em destaque as identidades LGBTQIA+. Este texto não se propõe a
debater profundamente sobre a LGBTfobia em sala de aula, nem trazer uma receita
pronta para que educadoras/es implementem. Aqui nos propomos a sensibilizar, a
problematizar, a instigar, a mobilizar educadoras/es, principalmente da área da
sociologia, a partir da construção da nova BNCC para que trabalhem a temática e
oferecer algumas ferramentas. Apesar do contexto em que vivenciamos, ameaça da
perda de direitos de pessoas LGBTQIA+, queremos pensar em como nos
instrumentalizar, inclusive juridicamente, para que a escola seja um espaço de luta,
em que nós, professoras e professores possamos resistir e trabalhar temáticas tão
importantes e que podem inclusive salvar vidas. As nossas e de nossas/os alunas/os.
Estudante 1: ...estava faltando esses dias pois estava fazendo as coisas pra […] começar
minha terapia hormonal.
Professor: Que sucesso! Parabéns!
Estudante 1: Obrigada, Professor... aquele dia que você me referiu no feminino na sala,
aquilo me fortaleceu mais pra continuar com isso. […] Irei dar um tempo na escola, para
me entender melhor, então creio que não me verá mais na escola... preciso de tempo
para lidar comigo mesma e toda a transição que vem pela frente. […] penso em dar um
tempo [...] e voltar ano que vem, pois até lá eu vou está com muita coisa resolvida, agora
na escola não sei como as pessoas iram lidam (sic) comigo usando um banheiro feminino,
prevejo muito preconceito e muita intolerância, isso são os motivos no qual tem mais de
3 semanas que não vou a aula. Mas vou pensar bem sobre, no momento os nervos estão
à flor da pela, mas irei optar para o que favorecer minha saúde mental e física.
Esta é uma conversa que se deu pelas redes sociais entre uma aluna transgênero do
2º ano do Ensino Médio e eu, professor de sociologia, de uma escola pública da rede
estadual de Minas Gerais. A aluna relata sobre seus medos e a necessidade em se
distanciar da escola no início do processo de transição, marcado pela hormonização.
A partir do diálogo nos chama a atenção a escola sendo apresentada, ao mesmo
tempo enquanto um ambiente que pode ser extremamente violento para algumas
pessoas, por não aceitar sua identidade de gênero e que, por outro lado, um espaço
acolhedor, e que não só aceita as diferenças, como as valoriza e estimula que
alunas/es sigam seu caminho, em liberdade. Quando a aluna comenta sobre a
importância do professor se referir a ela no feminino, identidade de gênero com a qual
ela se identifica, nos mostra como um ato simples da escola pode trazer consigo um
grande significado de apoio e cuidado para estudantes.
Contudo, a aluna demonstra que por medo de não saber como a escola lidará com
sua transição, por prever preconceito e intolerância está a mais de 3 semanas
afastada da sala de aula. Infelizmente essa é a realidade de muitas pessoas que
nasceram em um corpo lido pela sociedade por um gênero com o qual não se
identificam. É importante destacar que a transição a que a aluna se refere está
associada aos procedimentos físicos, psicológicos e sociais na construção do gênero
com o qual a pessoa se identifica, podendo estar associado ao manejo de hormônios
e bloqueadores hormonais, processos cirúrgicos como a neofaloplastia, a
histerectomia, a mastectomia, implante de silicones, entre outros...
No intuito de apoiar ainda mais essa aluna e pensar em uma solução para que ela
não se prive de seu direito a estudar, a estar na escola e concluir seus estudos,
busquei junto a outras alunas trans possíveis respostas, o que dizer, como apoiar.
Uma das respostas recebidas me chamou muita atenção:
Ex aluna trans: Pergunto isso pois por mais que queremos nos tornar quem somos, o
sistema educacional ainda não está bem preparado pra gente (pessoas trans). Se ela tiver
em reta final do ensino médio (que imagino pela idade) eu esperaria um pouquinho mais
e terminaria a escola e após esse período acabar, colocaria em prática o amor próprio e
de fato faria a transição que foi exatamente o que eu fiz. Professor eu queria ter feito a
minha transição desde mais nova, quando já me identificava enquanto trans mas o mundo
não são um mar de rosas, ele é cruel, ainda mais quando se refere a uma população
minoritária. Eu fiz um alto sacrifício em esperar a transição e deixar para depois do ensino
médio. O processo de mudança durante o ensino médio vai ser um misto de sensações
e tudo irá fluir positivamente dependendo do meio em que ela vive. A família aceita? Os
amigos a entendem e lidariam bem com isso? A escola respeitaria o nome social? Poderei
usar o banheiro de acordo com o meu gênero? Como vou lidar com as modificações
corporais? Será que vou suportar toda a carga emocional acarretada pelo uso de
hormônios (vai mudar e muito não só o físico, mas o mental também) para suportar tudo
isso e estudando? Eu decidi esperar um pouquinho e iniciei após o meu ensino médio e
não me arrependo muito por isso pois eu já imaginava pelo que eu passaria o que não
seria tão legal. Mas nesse caso, acho que não devemos apontar/dizer o que ela deve ou
não e sim apoiá-la qualquer que seja a sua decisão.
A resposta traz em si uma importante forma de educadoras/es responderem a
situações em que estudantes apresentam questões complexas e delicadas: apoiar
qualquer que seja a sua decisão. Ao mesmo tempo que ela nos chama a atenção ao
fato de que para a ex aluna, foi necessário esperar a conclusão para colocar em
prática o amor próprio e iniciar a transição.
Esse é um debate extremamente importante, mas este texto não se propõe a discutir
de forma profunda sobre a LGBTfobia em sala de aula. Nem trazer uma receita pronta
para que educadoras/es de todo o Brasil implementem no seu ambiente de trabalho
com o intuito de construir escolas abertas às diversidades de gênero e sexuais. Aqui
nos propomos a sensibilizar, a problematizar, a instigar, a mobilizar educadoras,
principalmente da área da sociologia, a partir da construção da nova BNCC para que
trabalhem a temática e oferecer algumas ferramentas. Apesar do contexto em que
vivenciamos a ameaça da perda de direitos de pessoas LGBTQIA+, queremos pensar
em como nos instrumentalizar, inclusive juridicamente, para que a escola seja um
espaço de luta, em que nós, professoras e professores possamos resistir e trabalhar
temáticas tão importantes e que podem inclusive salvar vidas. As nossas e de
nossas/os alunas/os.
O caso relatado na abertura deste artigo é apenas um dos vários casos sobre
violências contra pessoas LGBTQIA+ dentro das escolas de todo o Brasil. Em 2016
a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais –
ABGLT publicou um relatório com os resultados da Pesquisa Nacional sobre
Estudantes LGBT e o Ambiente Escolar, desenvolvida a partir de 1016 pessoas
respondentes. A pesquisa foi realizada em cinco países latino-americanos, além do
Brasil: Uruguai, Argentina, Chile, Peru e Colômbia, por meio de questionários
preenchidos online, com o intuito de coletar informações para fundamentar projetos
educacionais e políticas públicas, possibilitando construir ambientes mais seguros e
acolhedores para estudantes LGBTQIA (ABGLT, 2016). Os resultados, de uma forma
geral, nos lembram sobre o fato já amplamente divulgado em redes sociais e na mídia
como um todo de que vivemos no país que mais se mata pessoas LGBTQIA no
mundo (BRASIL DE FATO, 2019). É uma pesquisa que merece uma leitura atenta
por todos profissionais que lidam direta ou indiretamente com estudantes, mas
gostaria de destacar alguns dados que nos auxiliam na construção deste trabalho.
Apenas 30,9% das/os estudantes responderam que nunca ouviram comentários
LGBTIfóbicos feitos por professoras/es ou funcionários da instituição educacional em
que estavam matriculadas/os. Isso significa dizer que em cada três estudantes
brasileiras/os (69,1%), dois relatam ouvir violências verbais contra pessoas
LGBTQIA+ com as frequências raramente, frequentemente, às vezes ou sempre,
como nos mostra o Gráfico 1, sendo que, na maior parte das vezes na presença de
um/a professora/or ou funcionaria/o da escola presente. Um total de 65,0% relatou
que as violências ocorreram na presença de um/a profissional da escola.
Nos chama a atenção o fato de que mais da metade das/os alunas/os (53,9%)
afirmaram que não houve nenhuma intervenção de profissionais da escola, e 36,2%
disse que nenhum/a outra/o estudante interveio quando comentários lgbtfóbicos
foram feitos.
A partir desta fala, ao analisar termos como opção sexual, se referindo a orientação
sexual do estudante, o professor demonstra desconhecimento sobre a temática, além
de que desconhece as consequências e motivações para o bullying com motivação
homofóbica.
O fundamental é que alguém faça algo. Que drible a razão com o seu fazer, como o frango
sem cabeça. O frango começa a correr tarde demais, quando já cortaram a cabeça dele.
De que servia ter a cabeça se ele se deixou agarrar e agora, quando o decapitaram, corre
feito um condenado? Se a sua cabeça faz você perder a cabeça, corta e cai fora antes
que te peguem. Se o poder usar a razão como mecanismo de controle, eles vão te
decapitar em nome da razão; se a homofobia for te decapitar para você não perder a
cabeça, você mesmo deve cortá-la e atirar neles (VIDARTE, 2019, p 121).
Esta atividade permite que alunas/os reflitam sobre a construção social das
identidades de gênero masculina e feminina a partir de situações concretas,
tradicionalmente associadas aos homens ou às mulheres em nossa sociedade. A
partir dela, pretende-se desvelar o caráter de cultural do gênero, produzido a partir de
1Visto que os/as entrevistados/as puderam selecionar várias respostas, as categorias não são
mutuamente exclusivas. Portanto, os porcentuais não somam 100%.
lógicas machistas e sexistas que transformam as diferenças sexuais entre homens e
mulheres em desigualdades de gênero.
Materiais
Construção de Personagem Personagem construído por alunas/os Personagem construído por alunas/os
2º momento – Aprofundamento (45 min): Esta etapa pode ser trabalhada tanto
com um texto redigido no quadro, como um texto impresso. É importante definir os
conceitos de Identidade de Gênero, Cisgênera/o, Transgênera/o, Não binária,
Queer, Orientação Sexual, Homossexual, Heterossexual, Bissexual, Assexual, caso
apareçam outros conceitos entre estudantes, é importante não silenciá-los, e
apresentá-los no quadro/texto, e destacar que se trata de uma construção de
identidades, novas identidades e orientações podem surgir, e consequentemente,
novas nomenclaturas. Não é uma aula fácil, por se tratar de uma temática que
carregada de preconceitos entre estudantes, é importante inclusive que toda
expressão preconceituosa que aparecer seja problematizada. Caso você tenha
alguma dificuldade em trabalhar esses dois conceitos, sugerimos consultar o livro
Diversidade sexual na escola, trabalho coordenado por Alexandre Bortolini e
publicada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Outra sugestão é trabalhar
com o biscoito do gênero:
3º momento – Compromisso (45 min): Cada grupo deverá confeccionar dois
cartazes para serem colocados nos espaços da escola, inclusive na sala das/os
professoras/es com uma mensagem para uma escola/educação menos LGBTfóbica.
Indicamos 25 minutos para confeccionar os cartazes e 20 minutos para apresenta-
los à turma e afixá-los na escola.
Bibliografia