ditadura
31 de março de 2014, 15h29
Por José Carlos Dias
Texto publicado originalmente no site do Brasil Post no dia 30 de março de 2014.
Há 50 anos estava por vestir a minha beca de advogado. Formara-me na Faculdade
de Direito do Largo de São Francisco em 1963. A sessão solene ocorreria em abril
de 1964, alguns dias depois do golpe. Entre os meus guardados está meu discurso de
orador da turma no Teatro Municipal. O medo não me inibiu de proferir palavras
duras. Recordo ter dito que falava em nome da turma despediste da democracia.
Dediquei-me à advocacia criminal e não imaginava que iria atuar na Justiça Militar
para onde seriam encaminhados os casos dos perseguidos políticos. Durante os cinco
anos de vida acadêmica não recebera nenhuma lição sobre a Lei de Segurança
Nacional.
E foi durante os duros anos de chumbo que mais trabalhei defendendo jovens
estudantes, operários, profissionais liberais, seres que se embrenharam na luta
política, muitos deles na guerrilha. Mais de quinhentas pessoas eu defendi,
procurando fazê-lo com rigor técnico, sem identificar-me com os atos que
praticavam e pelos quais eram processados, mas absolutamente consciente de que
defendia idealistas, seres dispostos a morrer pela pátria e pela fé que os alimentava.
Éramos poucos os advogados que se propuseram à defesa dos perseguidos políticos.
Cerca de doze profissionais, jovens que nos irmanávamos no medo e na coragem. A
Comissão Justiça e Paz de São Paulo, criada por Dom Paulo Evaristo Arns, passou a
dar-nos um respaldo à nossa cumplicidade, acolhendo as famílias dos presos ou
desaparecidos políticos, tomando depoimentos, articulando defesas, denunciando ao
exterior as graves violações aos direitos humanos que eram perpetrados. A tortura
passou a ser exercitada como política de Estado da ditadura brasileira, a exemplo do
que ocorreria na Argentina, Chile e Uruguai.
Tais mortes, como tantas outras, nunca viriam a ser reconhecidas pelos militares,
mas sim pela Comissão de Mortos e Desaparecidos no governo Fernando Henrique
Cardoso.
Este meio século não passou em vão. Precisamos extirpar as metástases da ditadura
que ainda perduram.