Tópico: T5. Conceito de tributo. Espécies tributárias. Espécies não tributárias
Bibliografia utilizada: Luciano Amaro
1. O que é tributo? Os sentidos do termo variaram ao longo da história, mas no
Estado de Direito o tributo tornou-se uma prestação que só deve ser exigida nos termos da lei e que visa à contribuição, pelos indivíduos, para o custeio das despesas coletivas. A expressão tributar vem de repartir, dividir: o tributo é o resultado da ação estatal que divide entre os cidadãos os custos das despesas coletivas. Aquele que paga tributo é o con-tribuinte, que sempre supõe outros contribuintes (a contribuição é uma cotização). Do ponto de vista das finanças do Estado, os tributos são receitas derivadas, o que os distingue das receitas originárias, aquelas decorrentes do próprio patrimônio do Estado. O termo tributo é usado no direito brasileiro como um gênero, e os termos imposto, taxa, contribuição, empréstimo compulsório, pedágio, são espécies de tributos, ou figuras tributárias. 2. O CTN estabelece uma definição bastante ampla de tributo: “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela possa se exprimir, que não constitua sanção de ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (art. 3º). O conceito explicita vários aspectos do tributo: a) caráter pecuniário (o tributo é cobrado em moeda ou outro bem/serviço cujo valor possa ser exprimido monetariamente, embora atualmente não exista tributação in natura ou por meio de prestação de serviços); b) compulsório, instituído por lei, e, assim, independente da vontade das partes que comporão a relação tributária; c) não é uma sanção por ilicitude, o que exclui, por exemplo, as multas, da noção de tributo; d) origem legal, que significa que o tributo é um obrigação criada a partir de uma lei (ex lege) e não de uma manifestação de vontade (ex voluntate); e) natureza vinculada da atividade administrativa responsável por cobrar o tributo. Buscando destacar que, além do Estado, entidades paraestatais também estão autorizadas, em determinadas circunstâncias, a exigir tributos, Amaro oferece a seguinte definição alternativa: “Tributo é a prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades estatais de fins de interesse público.” 3. O art. 5º do CTN lista três espécies de tributo: a) impostos; b) taxas; c) contribuições de melhoria. A CF/88 arrolou, além dessas três, outras: d) pedágio; e) empréstimos compulsórios; f) contribuições sociais; g) contribuições de intervenção no domínio econômico; h) contribuições da categorias profissionais ou econômicas; i) contribuição previdenciária; j) contribuição para o custeio da iluminação pública. 4. Imposto, na definição do CTN, “é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte” (art. 16). O fato gerador do imposto é uma situação (aquisição de renda, venda de um imóvel, etc.) que não se conecta com nenhuma atividade do Estado dirigida especificamente ao contribuinte. É dizer, no imposto não existe a figura da contraprestação. 5. Taxa, ao contrário, é o tributo cujo fato gerador é configurado por uma atuação estatal específica, referível ao contribuinte. Essa atuação pode consistir: a) exercício regular do poder de polícia; b) prestação, ou colocação à disposição, de serviço público específico e divisível (art. 145, II, CF). Se no imposto o fato gerador é do contribuinte, na taxa o fato gerador é do Estado. As atividades gerais do Estado são financiadas com impostos; suas atividades específicas, divisíveis e referíveis a um indivíduo ou a um grupo de indivíduos determinável podem (e, do ponto de vista da justiça fiscal, devem) ser financiadas por tributos pagos por esses indivíduos: as taxas. Existem duas espécies de taxa, correspondentes ao tipo de atuação do Estado a que nos referimos acima: as taxas de polícia e as taxas de serviço. 6. Taxas de polícia. O CTN traz um conceito amplo de poder de polícia (art. 78). O exercício de certos direitos deve ser conciliado com o interesse público e daí nasce a necessidade do Estado de policiar a atuação do indivíduo no exercício desses direitos. A construção de um prédio, por exemplo, deve acontecer com respeito às leis de zoneamento e de segurança e o Estado deve atuar com seu poder de polícia para apurar a observância dessas leis e expedir autorizações, licenças e alvarás. Se um indivíduo deseja viajar para o exterior, deve obter um passaporte. Também aqui o Estado age com poder de polícia. A atuação do poder de polícia, fica claro, se dá a favor da coletividade, mas quem provoca o Estado a exercer seu poder de polícia é um cidadão específico, e a ele que incumbe o pagamento da taxa. 7. Taxas de serviço. As taxas de serviço tem como fato gerador uma atuação estatal consistente na execução de um serviço público específico e divisível, efetivamente prestado ou posto à disposição do contribuinte (art. 145, II, CF/88). O serviço divisível é aquele que pode ser fruído isoladamente por cada usuário (ex: custas judiciais). Específico é aquele que pode ser destacado em unidades autônomas de intervenção, utilidade ou necessidade públicas. O CTN aduz que é possível tributar tanto a efetiva fruição do serviço quanto sua potencial fruição. Nesse segundo caso, o serviço deveria ser de utilização compulsória. A definição do que seja utilização compulsória cria um nó na doutrina: essa seria uma compulsoriedade de fato ou de direito? De fato não pode ser, porque se não restasse outra opção que não a fruição do serviço, não existiria a figura da potencial fruição. A compulsoriedade seria, assim, de direito? Isso significaria que, se o serviço não é fruído pelo usuário esse estaria descumprindo uma disposição legal, e além do tributo (a taxa de serviço) teria que arcar com uma pena (multa ou o que seja). Mas nem sempre é assim também. Amaro argumenta que o fundamento da taxação potencial é o fato de que o Estado precisa se aparelhar para certas atividades, mas essas atividades eventualmente podem não estar à disposição de todos, o que, à luz dos postulados da justiça fiscal, não permitiria que elas fossem financiadas por impostos: é o caso do serviço de coleta de esgoto. Se o serviço de coleta de esgotos é oferecido apenas a um determinado grupo de residências de uma região central da cidade e alguns desses indivíduos abrem mão do uso desse serviço (que está potencialmente disponível para eles, o que já representa por si uma vantagem econômica relativa) seria o caso de taxá- los, mesmo que o uso seja apenas potencial, e isso é assim porque uma boa parte das residências da mesma cidade não têm disponíveis aquele mesmo serviço. Nisso consistiria a “utilização compulsória” que permite a taxação de serviço posto à disposição, embora não fruído. 8. Taxa e preço público. Eventualmente ocorre uma confusão entre taxa de serviço e preço público. A taxa é um tributo, e como tal instituída por lei; o preço público, por sua vez, é de origem contratual; a primeira, portanto, é compulsória (como, aliás, qualquer tributo), o segundo é voluntário, por sua natureza contratual. Mas como distinguir o terreno de operação da taxa daquele do preço público? Amaro observa que nem só de tributos vivem os serviços públicos, isto é, os serviços públicos podem eventualmente ser remunerados por figuras não-tributárias, como os preços ou tarifas. Para distinguir o que deve ser remunerado por preços (e não taxas) a doutrina tende a recorrer a ideia de não-essencialidade. Serviços públicos não essenciais como, por exemplo, os correios, estariam sujeitos ao regime de preços e não ao regime (tributário) das taxas. Nessa linha, Amaro argumenta que se o Estado toma a seu cargo a execução de certas tarefas que são serviços prestados a indivíduos específicos, mas que são realizados não apenas no interesse desses indivíduos, mas no de toda a coletividade, isto é, realizados por imperativos de ordem pública, esses serviços devem ser remunerados por taxas, estabelecidas em lei. Se, no entanto, o serviço não tiver essas características, ele pode ser, mas não necessariamente deve ser, remunerado por preços públicos. Em outras palavras, nas hipóteses em que couber o preço público, de natureza contratual não tributária, o Estado pode optar pela taxa, de natureza legal tributária, mas nunca o contrário. No regime do preço público, a relação jurídica é regida por um contrato, e portanto não submete a nenhum dos princípios regentes do direito tributário (anterioridade, legalidade, etc.). 9. Contribuição de melhoria. Também está relacionado a uma atuação estatal. Nasce da realização de uma obra pública da qual decorre valorização das propriedades em sua adjacência (art. 145, III). A melhoria, no caso, não se refere à obra em si, mas às suas consequências. A simples realização da obra, portanto, não torna o tributo exigível, assim como também não se exige o tributo pela melhoria ou valorização (em si) de um imóvel, sem uma obra pública que opere como causa dessa valorização. A fundamentação da contribuição de melhoria é comum à das taxas: uma atuação estatal (no caso, uma obra pública) referível a um indivíduo ou um grupo de indivíduos deve ser financiada por tributos específicos, exigidos desses indivíduos, e não pelos tributos (impostos) exigidos de toda a sociedade. Não decorre de toda obra pública a valorização de um imóvel (o imóvel pode não valorizar, e isso torna inexigível a contribuição, ou pode desvalorizar, o que permite ao indivíduo acionar o Estado com pedido de reparação). 10. Outras figuras tributárias. No art. 150, V, a CF proíbe a cobrança de tributos que limitem o tráfego de bens e pessoas, mas ali mesmo, como uma exceção insólita, institui um outro tributo: o pedágio. O pedágio está relacionado a uma atuação estatal específica, a conservação de vias públicas, e seu fato gerador é o uso, pelo contribuinte, dessas vias. O fundamento é o mesmo das taxas de serviço e a similitude é tanta que há quem considera o pedágio uma taxa de serviço. Amaro considera que ele é distinto da uma taxa de serviço, porque pode não pressupor um serviço efetivo (não é esse seu fato gerador), se relacionado, ao contrário, à obrigação do Estado de manter conservada a via pública pedagiada. 11. O empréstimo compulsório é uma forma não contratual de empréstimo. O ingresso de recursos nos cofres do Estado oriundos do empréstimo compulsório é provisório e a sua natureza é legal-tributária, sendo por isso mesmo forçado ou compulsório. Pode ser instituído em duas situações: a) despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública e de guerra externa efetiva ou iminente; b) investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional (art. 148, I e II, CF). Deve ser instituído por lei complementar, que estabelecerá o seu fato gerador, sobre o qual a CF silenciou (na CF consta apenas, como vimos, as circunstâncias que permitem a instituição do tributo). 12. Também são espécies tributárias as contribuições sociais, econômicas e corporativas. O art. 149 estabelece esses três tipos de contribuição. Só podem ser instituídas pela União. O §1º do mesmo artigo faculta aos Estados, DF e municípios, a instituição e cobrança de seus servidores para custear, em benefício desses, o seu regime previdenciário. A alíquota dessa contribuição (espécie de contribuição social) não pode ser inferior àquela estatuída para a União. As principais contribuições sociais são aquelas destinadas ao financiamento da previdência social e estão reguladas no art. 195 da CF. Um traço fundamental das contribuições sociais é que elas são caracterizadas pela sua destinação: são ingressos destinados a instrumentar a atuação da União nos diversos setores do amplo campo da ordem social. O rol de contribuições sociais previstos no citado art. 195 não é taxativo, uma vez que o §4º do mesmo artigo afirma que a União pode instituir outras contribuições sociais a par daquelas mencionadas no dispositivo. As contribuições econômicas (ou contribuições de intervenção no domínio econômico) destinam-se a instrumentar a atuação da União no domínio econômico. Sua natureza não é, assim, arrecadatória, mas de intervenção indireta do Estado na economia para, em caráter excepcional, organizar um determinado setor da economia. Elas não incidem sobre receitas decorrentes de exportação, incidindo sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços. Um dos exemplos (mas não o único) de contribuições desse tipo existentes hoje no Brasil é a CIDE, que incide sobre a importação e comercialização no mercado interno de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool etílico combustível. O produto da arrecadação da CIDE destina-se a subsidiar preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e derivados e derivados do petróleo, a financiar projetos ambientais e programas de infraestrutura de transportes. Existem, por fim, as contribuições em favor de categorias profissionais ou econômicas. Servem para o custeio de certas entidades: aquelas fiscalizadoras e representativas de categorias profissionais e econômicas que exercem funções reputadas como de interesse público. O fato gerador reside no exercício, pelo contribuinte, de determinada atividade profissional ou econômica a que se atrelam as funções de interesse público exercidas pela entidade credora das contribuições. O art. 149-A previu a contribuição para iluminação pública. De competência do município é, no dizer de Amaro, uma contribuição insólita, criada para dar mais uma fonte de receita para os municípios. É correto que a iluminação pública não seja considerada um serviço público taxável, vez que não é divisível: deveria, pela lógica, ser financiada como todos os outros serviços públicos indivisíveis, via imposto. A CF permite que a referida contribuição seja cobrada na fatura de consumo de energia elétrica. 13. Classificação das espécies tributárias. O CTN tripartiu os tributos. Seguindo essa lei, teríamos apenas três espécies tributárias: impostos, taxas e contribuições de melhoria (art. 5º). Todo tributo, assim, deveria se enquadrar em um desses três tipos. A denominação do tributo não importava, o que importava, para fins de enquadramento em uma daquelas três figuras era o fato gerador. Assim, para classificação de cada tributo era mister olhar não a denominação ou outro elemento formal, mas considerar o fato gerador e avaliar se ele se enquadrava no fato gerador de imposto, de taxa ou de contribuição de melhoria (I-T-CM). O CTN, para orientar esse trabalho de classificação, estabeleceu os conceitos de fato gerador da tríade I-T-CM. Assim, todas as contribuições (que não a de melhoria) e o empréstimo compulsório deveriam se enquadrar em um dos elementos da tríade. Essa tentativa de enquadrar todos os tributos existentes na tríade acabou por gerar muitos problemas e dificuldades práticas e teóricas. O próprio CTN acabou admitindo espécies tributárias que não se enquadravam no esquema lógico que ele próprio engendrou. A doutrina complica ainda mais esse cenário: alguns autores falam em uma classificação bipartida (Pontes de Miranda fala que a classificação imposto-taxa é suficiente e o que determina a alocação de um tributo em uma desses espécies é o conceito, retirado da ciência das finanças, de serviços divisíveis [as taxas servem para financiá-los] e indivisíveis [os impostos servem para financiá-los], Geraldo Ataliba fala em uma divisão bipartida entre tributos vinculados à uma atuação estatal [taxas] e tributos não vinculados [impostos]). Ives Gandra fala em uma classificação quinquipartida (impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios, e, por fim, como uma espécie de reserva ou vala comum que acolheria as outras figuras que não se encaixam nas precedentes, contribuições especiais). Amaro, por sua vez, estabelece uma classificação quadripartida: a) impostos; b) taxas (de serviços, de polícia, de utilização de via pública e de melhoria); c) contribuições; d) empréstimos compulsórios.