Resumo
Esse artigo tem por objetivo abordar a problemática que cerca a questão
epistemológica na comunicação. Partindo das ciências sociais, a qual a comunicação
estaria supostamente subordinada, investigaremos como a sociologia, e portanto a
própria ciência do social, se estrutura, para obtermos um ponto de referência. Em
seguida, procuraremos investigar a etimologia da palavra comunicação não para
delinearmos uma solução absoluta, mas para poder revitalizar seus inúmeros sentidos.
Assim, o pensador Jacques Rancière será um grande aliado na articulação do que
denomina partilha do sensível, noção esta que é fundamental para o trabalho por seus
desdobramentos sociais, culturais e políticos.
Palavras-chave
Prólogo
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Trabalho apresentado no GT 1 (Arte, imagem, estéticas e tecnologias da comunicação) do VII
Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. UFRJ, Rio
de Janeiro, 15 a 17 de outubro de 2014.
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coração. Lamentavelmente, as coisas vão mal e sua aparência causa um profundo
choque na moça que não consegue esconder sua repulsa.
O enredo ilustra de forma notável as agruras de um homem que precisa
esconder-se justamente no local apelidado de "cidade luz". Que acaba comportando-
se como um rato numa era e, sobretudo num lugar em que o luxo e a opulência eram
traços distintivos da elite. Mas, em termos gerais, como a história em questão está
relacionada à pesquisa subsequente? Caso desejemos abranger um espectro muito
amplo para as características desse ofício, talvez não seja possível endossar a
afirmação a seguir. Mas, no campo da comunicação, podemos dizer que o
epistemólogo é uma espécie de fantasma da ópera. Sua dupla postura não lhe confere
uma dupla identidade, mas duas facetas de uma mesma atividade. Se por um lado
temos os traços de um pesquisador sério, comprometido e que busca contribuir da
melhor maneira possível com o campo, de outro, há uma dimensão terrível, quase
inconfessável. Esse aspecto monstruoso e distorcido, que necessita permanecer por
trás das feições plácidas, polidas do cotidiano, é justamente o elemento de
indiscernibilidade que cerca as pesquisas na área. É assaz intrigante testemunhar
mestres, alunos, colaboradores, todos um tanto perplexos a respeito de um campo do
conhecimento tão importante, mas que custa em estabelecer suas bases e estipular
claramente seus liames e objetos.
O cenário para o nosso protagonista é um pouco diferente dos labirintos
subterrâneos já citados. O epistemólogo da comunicação é um ser que caminha por
um castelo em ruínas. Castelo, por conta do protagonismo das mídias, sobretudo a
partir do século XX. Ruínas, porque os fragmentos restantes de nossos principais
aportes teóricos parecem cada vez mais fragmentar-se, apontando para a quebra (com
o paradigma científico moderno, o humanismo, a noção de centro narrativo), a
diluição (das grandes ordens teleológicas e fronteiras entre nações, da história, da
geografia) e a morte (do narrador, do sujeito, do homem, de Deus). Eventualmente, o
pesquisador passeia por dentre os escombros e acaba encontrando uma coluna. Nela
está escrito "dogmatismo". Ao circunda-la, ele nota mais alguns escritos que versam
sobre o que seria, na verdade, a comunicação. Está bastante claro que, ao confina-la a
um número restrito de práticas, este texto pode livrar-nos da desmedida amplitude do
campo, mas não nos livrará da fantasmagórica presença da lógica.
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Nada é sustentado pela coluna. O teto que esta segurava desabara, espalhando
pedaços de reboco em todas as direções. Desolado, o epistemólogo contempla seu
horizonte esfacelado e pensa: Deus, o que fazer? Porém, imediatamente se recorda de
um filósofo, aquele mesmo que proferira a morte de Deus e, dando-se conta que o
número de perspectivas é da mesma ordem do número de seres, recua.
Parecera-lhe, de súbito, que tudo já havia sido tentado. Abordagens históricas,
arqueológicas, teoria matemática, cibernética, crítica da transdisciplinaridade,
aceitação da transdiciplinaridade, destaque para a tecnologia, foco na
instrumentalização, Communication Research, teoria orquestral, Media Studies,
processos hermenêuticos, estudos das materialidades. Tantos autores, teorias,
pesquisas e, no fim das contas, a impossibilidade de alcançar um estatuto científico
próprio. Fazer parte do quadro das ciências sociais era o mesmo que assumir a crise
identitária e o que é pior, pela via da subordinação. O que será que estava faltando?
Qual peça no quebra-cabeças? Será que tudo fora tentado?
O fantasma da lógica
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Diferentemente de Comte, Spencer e Stuart Mill, que apresentam os chamados
fatos sociais como fatos da natureza, Durkheim os trata como coisas e, portanto,
objetos do método positivo. Ele formula sua estratégia comparativa afastando-se das
leis gerais e calcando-se em tipos sociais que, comparados a animais de diferentes
espécies, pertenceriam a uma mesma classe. Um exemplo disso são os mamíferos. A
sociedade, tal como a concebida por Comte, era vista como um organismo vivo e seu
objetivo, do ponto de vista científico, era conseguir estabelecer explicações
generalizáveis e relações de causalidade a partir da observação empírica. Já Max
Weber trabalha com a noção de ação social, tendo esta origem no indivídio. Avesso
ao que chamava de hipóstase dos conceitos, buscava na empiria o entendimento dos
juízos de valor do indivíduo considerando sua subjetividade, sem apelar para noções
fortes de causalidade ou propondo uma revolução.
Atualmente os cientistas da TAR (teoria ator-rede), através do princípio de
associação livre não aplicam um esquema ou protocolo analítico pré-estabelecido. Na
verdade, são os atores e actantes aqueles que fornecem o material para a composição
do relato. Assim, seja com Bruno Latour ou Michel Callon, temos uma prática ligada
às associações e o que transcorre depois e não antes destas. O enfoque da TAR é
bastante diverso da sociologia clássica e, mesmo que ambas procurem enfatizar de
modo recorrente o aspecto empírico, não podemos esquecer que um recorte
epistemológico é sempre uma lógica.
As diferenças entre as referidas formas de pensar ficaram nítidas por conta de
uma abordagem teórica que se articula entre o conceito e a prática. Pensar é tarefa
ampla e múltipla, que deve procurar abrigar vastas possibilidades. Por isso mesmo,
devemos questionar tanto em uma quanto em outra o que está literalmente ausente.
Na chamada sociologia do social parece não haver espaço para o enquadramento da
indiscernibilidade e da hesitação. Do que consideramos abandonado, esquecido,
estranho e até mesmo abjeto. Na TAR, "os agenciamentos sociotécnicos são pró-
ativos e implicam positividades e a criação de laços consistentes. Como analisar,
neste quadro epistemológico e metodológico, os defazamentos, os espaços e os
tempos vazios, o quebrar de laços, o afastamento lento e penoso da vida ruidosa e da
obrigatoriedade de ter um projeto de vida?" (MENDES, 452).
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Essa falta de espaço para o descartável é averiguada, a princípio, na sociologia
mas, se pararmos para pensar, talvez seja uma propriedade do logos um caráter
apolíneo na estruturação do pensamento. Esse cunho organizador próprio ao conceito,
traço da filosofia em todas as disciplinas que o utilizam, é a marca de uma limpeza da
razão. Não teria também o conceito, nessa grandiosa esfera do pensamento, vocação
para os restos?
O incomum
O não partilhado
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"A partilha do sensível" é um livro fundamental para compreendermos alguns
processos comunicacionais. Nele, Jacques Rancière assinala dois sentidos para a
noção de partilha. Primeiramente, a participação em um conjunto comum, aquele em
que se toma parte, e outro, que o precede e que versa sobre a divisão de partes
exclusivas e determina os que tomam parte.
Na primeira acepção, o autor evoca o comum enquanto elemento que pode
denotar ampla participação como no pólo cultural ou no sistema de direitos. Não
obstante, em seu segundo sentido
"A partilha do sensível faz ver quem pode tomar parte do comum em função daquilo.
que faz, do tempo e do espaço em que essa atividade se exerce. Assim, ter esta ou
aquela "ocupação" define competências ou incompetências para o comum. Define o
fato de ser ou não visível num espaço comum, dotado de uma palavra comum, etc."
(RANCIÈRE, 2005, pg 16)
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"concerne ao ethos, à maneira de ser dos indivíduos e das coletividades"
(RANCIÉRE, 2005, pg. 29). Pertence a esse regime, por exemplo, a polêmica de
Platão contra os simulacros da pintura, do poema e do teatro. O regime poético ou
representativo das artes, posto que é a idéia de representação ou mímesis que organiza
maneiras de fazer, ver e julgar. Mímesis, aqui, é entendida como um regime de
visibilidade e não um fazer artístico. A especificidade do regime representativo é a
separação da idéia de ficção da idéia de mentira. É como se Aristóteles dissesse a
Platão que a imagem não está querendo ser alguma coisa que ela não é. Ela é alguma
coisa em si; ficção. E essa ficção é distribuída em gêneros e hierarquias como a
tragédia para a aristocracia e a comédia para a plebe.
Ao regime representativo, Ranciére opõe o regime estético. Neste, observamos
o entendimento da arte no singular e da quebra com regras específicas, hierarquias das
artes, gêneros e temas. Portanto, o direcionamento do público para determinados fins,
sejam esses de fruição ou engajamento, é exatamente o que não caracteriza sua
politicidade. Cabe aqui a percepção de uma descontinuidade ou suspensão de supostas
relações de causa e efeito, logo, das intenções que cercam uma produção artística e os
efeitos gerados no espectador. Tentar passar uma mensagem política, desse modo, é o
mesmo que querer infantilizá-lo. As implicações desse processo giram em torno de
um embaralhamento nas regras do jogo em que pathos e logos, saber e não saber se
misturam. O pensamento se torna estranho a si mesmo, implodindo barreiras
miméticas e a falsa dicotomia moderno/pós-moderno.
O extraordinário
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segunda guerra mundial, se justificaria pelas articulações de uma máquina estatal
alemã fria e burocrática. Todavia, resta a pergunta: banalidade para quem?
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princípio, este parece ser o caso. A planície verde, quase idílica, com as pedras, é uma
barreira israelense numa estrada palestina:
Além do caráter político nessa, digamos, "partilha do sensível", temos uma fuga do
ordinário pelo deslocamento de um eixo semântico, e por uma operação no corpo da
imagem que a revitaliza. Sophie faz pensar, mistura studium e punctum e nos convoca
a passear pelo terreno do não-visível e do indizível, no qual a imagem não está
reduzida a sua visualidade. O extraordinário é uma configuração entre o visível, o
dizível e o pensável, capaz de produzir profundas cesuras no senso comum.
Epílogo
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Referências bibliográficas
RAMOS, Pedro Hussak. Rancière: a política das imagens. Extr. Princípios - Revista
de filosofia. 2012.
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