P A U L O PEREIRA LEITÃO C A V A L C A N T I
OU B R I G Y T H I E P A Ç O Q U I N H A
OU
ORIENTADORA:
Já fez o picumã?
Já enfiou as garras?
Já limpou o piano?
Já colocou a pig?”
(PEPITA, 2018)1
1
PEPITA, Mulher (2018). Videoclipe oficial disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Os55iICF07k>.
Acesso em Abril de 2019.
BAPHO
Dos estranhamentos nas danças, “facadas” e desfiles deste corpo subdissidente, mesclado
ítalo-afro-candango-nordestino-mineiro-indígena... cis-gênero, boiando no vértice
pontiagudo da colonialidade neofascista glocal, à perversão combativa de delicadeza,
intimidade e volúpia. Imbricado num intenso processo - e desejo - de subjetivação;
antropodólogo “pardo”; vou estudar o fazer artístico em dança extemporânea na Santa Paula,
grande praça de uma ilha da Amérika do Sul, chamada Brazyl, de um povo miscigenado
oriundo da cultura do estupro dos homem tudo branco moderno europeu cristão
fundamentalista heterossexual cis-gênero patriarca meritocrático positivista neoliberal
plutocrático capitalista cartesiano ilustrado machista racista antropocêntrico eugenista
higienista teleológico civilizado extrativista epistemicida depredador explorador onívoro
cientificista ocidental hegemônico silenciador e assassino. Resolveram rotular um grupo de
pessoas como índios. Violentaram, violentaram, violentaram, vestiram. Babados, seda,
espelho, sapato. Salto alto. Saltamos para fins de 2018, onda fascistóide e Voldemort eleito na
sonífera ilha. Começam os trabalhos da clínica de antropodologia. Agenda cheia. Danças dos
pés de foice que transbordam do salto alto. “Segura essa marimba, monamu.” (BRASIL,
2015)2
Palavras-chave: poc; salto alto; pajubá; stiletto; pés; autoetnografia; decolonialidade; dança
2
BRASIL, Inês (2015) Disponível em vídeo no Youtube: <https://www.youtube.com/watch?v=Ytj8L-BiloE>.
Acesso em Abril de 2019.
sumário
prólogo 1
disciplinas cursadas 43
formação acadêmica e grupo de pesquisa 57
o projeto 58
ações 70
chuca 73
drama da irene 77
aquecimento 78
aquecimento dois 82
tandi 85
getê 98
rondejan 104
fondi 105
frapê 106
rondi anler 107
lento 108
pety batimã 109
gran batimã 111
alongamento 112
pordebrá 112
centro 113
piruetas 114
pequenos saltos 115
médios saltos 143
bateria 143
diagonal 147
reverência 149
coda 149
perguntas 151
cronograma 156
plano 190
referências bibliográficas 194
referências vindouras 195
créditos das imagens 197
epígrafes de epílogo 198
eu arfante 199 circunstâncias: minúsculas
1
P R Ó L O G O3
3
Definição do dicionário do Google:
Prólogo
substantivo masculino
HISTÓRIA DO TEATRO
no antigo teatro grego, a primeira parte da tragédia, em forma de diálogo entre personagens ou monólogo, na
qual se fazia a exposição do tema da tragédia.
POR EXTENSÃO•TEATRO
em uma peça teatral, cena ou monólogo iniciais, em que ger. são dados elementos precedentes ou elucidativos
da trama que se vai desenrolar.
POR EXTENSÃO•TEATRO
a primeira personagem a entrar em cena, a que expõe o prólogo.
MÚSICA
introdução a algumas óperas, ger. estranha ao enredo.
POR EXTENSÃO•BIBLIOLOGIA
m.q. PREFÁCIO.
Origem
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disse Frantz Fanon em sua obra ‘Pele Negra Máscaras Brancas’, que ainda citarei outras
vezes neste trabalho direta e indiretamente.
“Los discursos públicos se convirtieron en formas de no decir. (...) Las imágenes nos
ofrecen interpretaciones y narrativas sociales, que desde siglos precoloniales iluminan este
trasfondo social y nos ofrecen perspectivas de comprensión crítica de la realidad” (Idem, p.
20). Visto aqui o figurino da necessidade de dizer algo com minha fisicalidade e sexualidade,
de um jeito anticolonial, combativo e corrosivo, por dentro e por fora.
No blog Pesquisa Qualitativa em Cena, criado pelo grupo de pesquisa ECOAR
(Estudos em Corpo e Arte) do qual faço parte, encontro mais reflexão sobre a questão de
leitura e desempenho de imagens. Uma questão de educação estética por meio da arte, e aqui
no corpo.
O texto O que as imagens sentem? Como sentem e pensam as imagens? está
disponível em:
<http://pesquisaqualiemcena.blogspot.com/2016/04/o-que-as-imagens-sentem-como-sentem-
e.html> (acessado em 09/05/2019).
43
Cursadas:
qualitativa, desde os moldes mais tradicionais vinculados às ciências sociais até as vertentes
método e do entendimento do método enquanto uma forma de pensar, algo capital para as
pesquisas qualitativas mais radicais, nas quais as produções acadêmicas são escritas em
conhecimento artístico para a docência e para os próprios fazeres de acordo com o campo de
conhecimento de cada uma. Deixarei a seguir o texto que sobra e rememora a minha
CARTOGRAFIA COR-DE-ROSA
Paulo Cavalcanti
Mediado(a) pela arte, pelo meu corpo, e pela minha intelectualidade disruptiva, em
movimento e intriga perene... Quem sou eu? O que eu faço? Qual é a minha questão? Onde eu estou?
Para onde vou ou poderia ir? Do que eu gosto? O que me machuca? Como posso resistir? Como
posso responder a tantas perguntas? A partir do quê elaboro tais perguntas? Caos. Vamos mergulhar
no caos da subjetividade e da subjetivação nos cenários de encontro das alteridades... corajosamente,
com afeto, com raiva, com coragem. Parafraseando Roland Barthes, etimologicamente, usando
coração e raiva, cour-rage. Cá estou iniciando o meu texto com uma primeira citação européia,
francesa, porque (in)conscientemente foi a primeira informação que me atravessou e me deu o
desejo de comunicar agora. Esse detalhe consiste no - e decorre do - terrível sistema-mundo violento
e injusto da colonialidade, que até hoje se arrasta e recai nas mais indiscerníveis filigranas, nos
dociliza sem que às vezes saibamos e nos isenta da responsabilidade de uma história muito longa de
extermínio, destruição de saberes e povos. A figura do colonizador é a iconografia de um belo
homem branco moderno europeu cristão fundamentalista heterossexual cis-gênero patriarca
meritocrático positivista neoliberal plutocrático capitalista cartesiano ilustrado machista racista
antropocêntrico eugenista higienista teleológico civilizado extrativista epistemicida depredador
explorador onívoro cientificista ocidental hegemônico silenciador e assassino. Eu me percebo uma
rapaz de quase 30 anos, miscigenado, oriundo de uma cultura do estupro, tenho sangue de homem e
mulheres brancas, indígenas, negras, africanas, italianas...pelo menos. Fui nascido numa ilha chamada
Brazyl, no eixo de viagem que percorreu Minas Gerais, Alagoas e Brasília, acabei sendo parido em
São Paulo-SP, na maior metrópole da América Latina. No hemisfério Sul, abaixo da linha do
Equador. Sou homem, homossexual, cis-gênero, cabelo crespo alisado, musculoso, magro, eutrófico,
vigoroso, mas longe de atender todos os requisitos do padrão de beleza do mundo globalizado
capitalista. Ora sou lido socialmente como negro, um negro de pele mais clara. Ora sou lido como
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ÍTACA
Se partires um dia rumo à Ítaca Faz votos de que o caminho seja longo repleto de
aventuras, repleto de saber. Nem lestrigões, nem ciclopes, nem o colérico Posidon te
intimidem! Eles no teu caminho jamais encontrarás Se altivo for teu pensamento Se
sutil emoção o teu corpo e o teu espírito. tocar Nem lestrigões, nem ciclopes Nem o
bravio Posidon hás de ver Se tu mesmo não os levares dentro da alma Se tua alma
não os puser dentro de ti. Faz votos de que o caminho seja longo. Numerosas serão as
manhãs de verão Nas quais com que prazer, com que alegria Tu hás de entrar pela
primeira vez um porto Para correr as lojas dos fenícios e belas mercancias adquirir.
Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos E perfumes sensuais de toda espécie Quanto
houver de aromas deleitosos. A muitas cidades do Egito peregrinas Para aprender,
para aprender dos doutos. Tem todo o tempo ítaca na mente. Estás predestinado a ali
chegar. Mas, não apresses a viagem nunca. Melhor muitos anos levares de jornada E
fundeares na ilha velho enfim. Rico de quanto ganhaste no caminho Sem esperar
riquezas que Ítaca te desse. Uma bela viagem deu-te Ítaca. Sem ela não te ponhas a
caminho. Mais do que isso não lhe cumpre dar-te. Ítaca não te iludiu Se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência. E, agora, sabes o que significam
Ítacas. Constantino Kabvafis (1863-1933) in: O Quarteto de Alexandria - trad. José
Paulo Paz.
O texto acima foi enviado para os alunos pela professora Sumaya, e, ali, estávamos sendo
provocados a pensar sobre a validade de um processo, sobre a fruição dos processos, e a capacidade
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de reflexão a partir e dentro dos caminhos, e não somente dos produtos finais, ou das linhas
conclusivas de chegada. Foi feito um primeiro passo, uma pergunta, estávamos iniciando, de fato,
uma viagem. Minha primeira pergunta elaborada foi:
Cartografia de mim
Aos meu 27 anos, passei a virada do ano no Rio de Janeiro, na praia de Copacabana, a
queima de fogos era mágica, era um quadro cinematográfico, ver aquela noite,
daquele céu que se dissolvia na água, havia MUITAS pessoas na praia. Eu estava com
os calçados na mão, uma rosa branca na outra e com os pés na água. Senti vultos atrás
de mim, ingenuamente não entendia que aquilo era a corrida de rapazes que talvez
estivessem fazendo "arrastões". Um amigo estava ao meu lado. Subitamente, quando
olhei para a direita, avistei um grupo de homens espancando um menino, um rapaz
muito magro, negro, pequeno, jovem, sem camiseta. Aqueles homens violentavam,
batiam, socavam, chutavam. Foi o acontecimento mais terrível e cruel que já
presenciei, eu nunca vi ou senti nada parecido. Ao me aproximar vi uma mulher que
tentou apartar o linchamento apanhar também. Logo o menino ficou desacordado, no
chão de areia, e os homens não paravam, eram muitos, vi a água passando e levando o
sangue do menino para o mar. Imaginei que pudesse chamar algum policial para
socorrê-lo. Tentei desbravar a multidão para chegar até a rua, demorou, mas cheguei,
ao tentar abordar um PM, uma moça antecipou na minha frente gritando que eles
não faziam nada mesmo vendo os rapazes fazendo arrastão debaixo dos seus narizes.
Fui procurar a tropa de choque, abordei um policial, ele praticamente me ignorou,
mal olhou pra mim. No dia seguinte outro amigo ainda teve a coragem de opinar
dizendo que "esses meninos até que merecerem levar uns petelecos pra aprenderem a
não ser bandidos." A partir dessa experiência eu nunca mais celebrei o Ano Novo. Já tive duas namoradas e
dois namorados na vida, tudo aconteceu entre meus 15 e 26 anos. Encontros com
Luis, Cláudia, Bonnis, Neyde, Esmeralda, Joel, Audrey, Maurício, Fernando, Danilo,
Ivan, Vinícius me formaram enquanto indivíduo cênico na vida. Foram encontros de
dança clássica, moderna e contemporânea, do mundo corporativo, do universo
doméstico, de amor e de ódio. Aos 21 anos eu abandono o Bacharelado em Relações
Internacionais. Aos 23, concluo minha graduação em Comércio Exterior. Aos 24 anos
ingresso no curso de Bacharelado em Ciências da Atividade Física na USP Leste. Aos
28 trabalhei como arte-educador no Programa Vocacional da Prefeitura da Cidade de
São Paulo. A partir daí tornei o papel de professor de dança e artes do corpo e da cena
a minha principal ocupação. Enquanto professor na Bodytech Company e no Estúdio
Anacã, numa intensa rotina de aulas de ioga modalidades, de segunda a sábado, pela
manhã e a noite. Minha mãe, separada do meu pai, começa suas aulas de capoeira, ela
está muito feliz! Eu começo a fazer aulas de dança no salto alto. Eu conheço minha
aluna Mica No cursinho, em um dado momento, me propus a exercitar minhas
capacidades de redação. Redigir um bom texto. Eu nunca fui elogiado por nenhum
texto, exceto pelo texto no qual eu falava de amor. Meditação sobre PUDOR
cartografado no corpo Um dispositivo de prazer e de dor. Dor do salto, dor da
lampadada, dor da solidão de não pertencimento, da diáspora africana. De
ridicularização. A drag, a trans, a poc, pocpoc, Brigitte paçoquinha era meu apelido de
Drag. A trava. O passinho, a bixa preta, imagem através da qual eu não sou lido, mas
que desejo celebrar, e nela me inspirar um pouco.
alguns momentos do minuto inicial eu explicava princípios básicos da dança de salto alto, também
conhecida como High Heels Class, Stiletto, ou Femme Style, três nomenclaturas que me incomodam
pelo anglicanismo e pela padronização binária e estigmatizadora de gênero e sexualidade. Exemplos:
você tem que ter peito, tem que arquear a coluna o máximo possível, não deve colocar peso sobre os
calcanhares, é preciso sempre se apoiar no antepé, é uma dança sensual e feminina, você tem que ser
uma menina, nada de masculinidade e agressividade. Como delirar a metrópole heteronormativa que
habita as minhas vísceras e a minha ontogenia? Para dar um fim ao juízo do colonizador,
pseudoparafraseando Artaud, para criar para si um corpo decolonizado, pseudoparafraseando
Deleuze, para entrever a treva enegrecendo a brancura da luz, pseudoparafraseando Agamben. Como
delirar essa bagagem filosófica e acadêmica que é totalmente eurocentrada, inclusive nos textos de
autores brasileiros? Como encontrar, legitimar e assumir o meu lugar de expressão no salto alto?
Como ser dignamente contemporâneo? Qual é a minha dança que eu ainda não vi?! Sei que ela está
aqui, mas ela não costuma ser facilitada, tampouco viabilizada. Quero desenvolver técnicas de
desopressão. Augusto Boal já fez isso com o Teatro, não é? - Para gozar a ancestralidade e desabar os
pilares do pudor. Enviadescer com dança. Ou mesmo motivar uma dança viada que possa ser
dançada por heteros, a dança é do domínio do Devaneio, Ânima, da feminilidade,
pseudoparafraseando Bachelard. Aí, novamente....
Uma vez um dos diretores de uma das companhias de dança onde eu trabalhei, em 2016, me
disse que eu trazia muitas perguntas, e poucas respostas/soluções... O primeiro seminário da
disciplina foi realizado por um grupo no qual eu estava inserido, fomos Thelma, Thiago Miguel,
Thaís e eu falarmos sobre Cartografias e Processos de Subjetivação, a partir de uma densa e literatura
eminentemente da filosofia de Deleuze e Guattari. Confesso que fiquei bastante intrigado por ter de
me debruçar tanto em autores europeus tendo optado pela decolonialidade na minha produção de
conhecimento, mas enfrentei este desafio, e tentei intertextualizar um pouco as teorias da diferença
com um vídeo de dança contextualizado com a ideia de corepolítica e coreopolícia do autor André
Lepecki. Eu rechaço a literatura deleuziana pelo fato de notar que hoje em dias muitas pessoas aqui
no Brasil tendem a valorizar muito mais essa produção de pensamento e filosofia em detrimento de
nossas produções locais que são tão boas quanto, ou talvez mais interessantes. Sabendo dos limites
dessa crítica, pois apesar de ouvir muito falar e ler muitas citações a respeito dos autores pós-
estruturalistas e da esquizoanálise, eu não me aprofundei nestes campos até hoje, ainda me
mantenho na opção de buscar literaturas que viabilizem e celebrem culturas e pensamentos
emergidos do hemisfério sul. Este seminário foi a nossa primeira cartografia coletiva.
Desde já, trago então as referências que acho que seriam capitais e capilares para um
processo de reflexão artística e educativa: Jota Mombaça e a barricada anticolonial, Lucas Veiga e a
psicologia preta, Djamila Ribeiro e o lugar de fala, Jessé Souza e a questão da subalternidade,
Boaventura Souza Santos e as epistemologias do Sul, Darcy Ribeiro e o povo brasileiro, Ariano
Suassuna e seus ensinamentos de estética, Norman Denzin e a pesquisa radicalmente qualitativa
performativa e autoetnográfica, Frantz Fanon e os condenados da Terra, e todos(as) autores(as)
latino-americanos(as) do coletivo MODERNIDADE/COLONIALIDADE/DECOLONIALIDADE,
entre eles Walter Mignolo, Catherine Walsh, Aníbal Quijano, Nelson Maldonado Torres, Silvia
Rivera Cusicanqui. Um dos nomes também seria Luiz Rufino, e esta pessoa nós tivemos o grande
privilégio de conhecer, conversar e dialogar em umas das aulas, quando discutimos e aprendemos um
pouco sobre o seu livro “A ciência encantada das macumbas”, onde ele traz um pouco do seu
pensamento de pedagogia das encruzilhadas, absolutamente alinhado com o pensamento e a atitude
decolonial e a lei 11.645/08, de assunção da nossa dívida histórica, que regulamenta a obrigatoriedade
do Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena em todos os níveis de ensino. As
referências supracitadas, em minha opinião, seriam uma ponte para um desejo um pouco mais
ambicioso de produção e circulação de conhecimento. Precisamos reaprender a valorizar a
transmissão de conhecimento oral, regional e a escuta de vozes que nem sempre são ouvidas com
tanta amplificação. A própria noção de autoria seria revista nesse ponto de vista. Sobretudo em
tempo de tecnologia digital da internet 2.0 onde qualquer pessoa pode produzir conteúdo virtual de
alcance planetário. Mulheres, pessoas negras, LGBTTQIA e outras corporeidades dissidentes
precisam produzir conhecimento, legitimar seus espaços, suas vozes, seus pertencimentos, sua
existência e sua presença. Um processo pungente de descolonização precisa ser empreendido.
Minha segunda cartografia foi uma caixa, dentro desta caixa havia um emaranhado de um
salto alto enovelado por uma sapatilha de balé clássico, e dentro do salto havia um carregador de
celular com duas saídas para cabos USB. A partir daí seguiria uma proposição de aula, cuja concepção
foi dividida entre mim, Nara e Simone. Como seria uma escrita do seu corpo? Como se soaria a
malha tecida pelo seu corpo em dialogia com outros corpos? Como seria a coreografia política do seu
corpo no trânsito urbano da cidade? E a estética utópica dos sonhos de um corpo? Aqui propomos
um entendimento do movimento corporal enquanto alguma inscrição na efemeridade do tempo e na
dimensão do espaço, de acordo com a materialidade e a presença da nossa anatomia sensível. Que tal
se nós concebessemos - para além da cisão que opõem o corpo e mente, ou da lógica moderna que
entende o corpo como carne instrumental - um corpo enquanto lugar.
“Mas esse primeiro trabalho [Bichos] não se achata no chão, possuindo, por isso,
certos caracteres clássicos da escultura, apesar de uma dobradiça (invenção
revolucionária), que junta dois planos, e duas partes dobradas, rebatidas, que não se
mexem. Um eixo central preside ao mover dos planos. Logo depois, Lygia aborda o
círculo como um passo evolutivo natural. Um eixo central, e um plano circular que
gira em torno do eixo vertical. Essa obra tem a dignidade de um relógio de sol,
marcador do tempo. A partir daí a evolução é no sentido de uma complexidade
estrutural crescente, em que quadrados se ligam a triângulos, quadrados a quadrados,
quadrados a círculos, etc. Nessa complexidade, as obras vão se individualizando, com
movimentos e contramovimentos, ora tendendo a expandir-se para as extremidades,
ora para o interior, à procura de uma célula central, como na simetria convergente ou
póstero-anterior dos organismos vivos.” (CLARK, 1980, p.17)
O que advém da abertura do corpo? O que poderia advir da abertura de uma caixa? Quê
tanto contém dentro de um corpo? O que pode transbordar ou se alastrar de dentro de uma caixa
entreaberta? Nesta ocasião nós criaremos, juntos, a garatuja de um corpocaixa, ou quiçá, uma
caixacorpo. Partindo da noção de que de presença radical na qual um corpo só pode ser corpo, e de
fato existir, quando estiver em contato com outro corpo, propomos uma aula coletiva de consciência
corporal a fim de explorar, descobrir e sensibilizar o corpo a partir de suas articulações e dobras.
Após esta vivência de criação e experimentação corporal, vamos propor ao grupo uma
materialização, desta investigação, transpondo ou traduzindo de alguma maneira as articulações de
um corpo para as dobras de uma caixa. Esta materialização se dará através de uma criação plástica a
partir de uma caixa de papelão junto de outros materiais. Refletir sobre o encantamento e a criação
de lugares acolhedores a partir de nosso corpo. A caixa será uma metáfora de lugares que ocupamos,
habitamos, também de rótulos, formatos e clausuras, etc. A caixa também como um lugar acolhedor,
onde se guardam coisas importantes, um presente, uma surpresa, memórias boas e ruins, ou um lugar
de proteção. A partir de cada um olhar para a caixa e dar outra forma para ela. O corpo como lugar
de morada, de experiências, de possibilidades, subjetividades. Trata-se de mais uma estratégia de
mediação artística, na qual temos o corpo como centralidade e depois como periferia infinita.
Considerando o percurso de uma turma de pesquisadoras(es) das artes que está junta já há algumas
semanas nesta empreitada de cartografar a si mesma(o), escavando percursos de arte-educação,
acreditamos que será uma boa oportunidade para dar corpo, e caixa para nossa expressões.
Expressando alguma intimidade e intensidade que queira de desencaixotar, desencaixando para
reencaixar. Sempre de maneira criativa e aberta, disponível, profícua. Entre metáforas, analogias e
metonímias, trabalhamos questões do real e da materialidade do corpo, que se dobra e desdobra.
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Criamos um duplo nosso, que era uma caixa, que se torna outra coisa, talvez um dobro, talvez uma
dobradura, talvez. Talvez um projeto mitológico contemporâneo de si. Talvez um simulacro:
Tecer uma cartografia de si, primeiro por meio da escrita do corpo, grafar e inscrever movimentos na
efemeridade do tempo-espaço. Descobrir a possibilidade infinita de movimentos do corpo.
Propriocepção. Mobilidade articular. Exercício de autonomia das diferentes partes do corpo, e
também de sinergia, coordenação neuromotora refinada. Um processo corpográfico, registrado em
nossas memórias. Dar corpo a algum afeto, a um sentimento, a uma questão. Incorporar um material
que seria descartado, que a princípio é insignificante. Dar outro sentido para ele.
“Seria talvez necessário dizer também que fazer amor é sentir o corpo refluir
sobre si, é existir, enfim, fora de toda utopia, com toda densidade, entre as
mãos do outro. Sob os dedos do outro que nos percorrem, todas as partes
invisíveis do nosso corpo põem-se a existir, contra os lábios do outro os
nossos se tornam sensíveis, diante de seus olhos semicerrados, nosso rosto
adquire uma certeza, existe um olhar, enfim, para ver nossas pálpebras
fechadas. O amor, também ele, como o espelho e como a morte, sereniza a
utopia de nosso corpo, silencia-a, acalma-a, fecha-a como se numa caixa,
tranca-a e a sela. É por isso que ele é parente tão próximo da ilusão do
espelho e da ameaça da morte; e se, apesar dessas duas figuras perigosas que
o cercam, amamos tanto fazer amor, é porque no amor o corpo está aqui.”
(FOUCAULT, 2013, p. 16, grifo nosso).
Para realização desta aula, à luz de algumas inspirações teóricas e artísticas, criamos nosso próprio
método de investigação estética. A partir da ação do verbo dobrar. A aula foi belíssima, as pessoas
todas se envolveram e se empenharam nas experimentações corporais de dobras e articulações,
movimentando e dialogando com os próprios corpos e os corpos do outro, após uma trabalho de
bastante sensibilização e mapeamento do corpo e das suas possibilidades de movimento e inscrição
no espaço, tentamos traduzir um pouco daquela experiência em um registro pessoal de cada um,
utilizando caixas. Cada pessoa elaborou e criou caixas e desencaixes lindos, enquanto produções de
subjetivação. Eram caixas-corpos, ou corpos-caixa. Esta aula de experiência com arte foi a nossa
segunda cartografia coletiva. Restava somente uma cartografia dentro do planejamento do nosso
programa, uma cartografia pessoal final, enquanto síntese poética do processo, que foi apresentada
no último encontro de aula, além disso, aliada a esta quinta cartografia, temos esta monografia e um
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volume com registros do caderno que utilizamos ao longo do curso, um caderno muito especial
criado a partir do método artesanal da professora Clarissa Suzuki. Outra aula especial que ainda não
citei foi a aula da professora Eleni Souza, bastante inspirada pelo conhecimento e a educação
decolonial, Eleni nos trouxe vivências de coco e jogos corporais, com música ao vivo, inclusive. No
dia desta aula, infelizmente, tivemos a surpresa de uma manifestação deveras agressiva de racismo
cultural e preconceito religioso. Ouvimos o seguinte brado de outro professor do departamento: “Isso
aqui não é terreiro”. Notemos que ainda em 2019, vivenciamos os efeitos da colonialidade, a violência
da branquitude e das opressões que vem de diversas formas a todas as pessoas que não se encaixam
dentro dos padrões e das normas impostos pela sociedade. Ademais, retrocedemos muito com o atual
governo eleito no Brasil, de um presidente militar ultraconservador, despreparado, declaradamente
racista, homofóbico e inimigo dos direitos humanos. Toda essa energia de tristeza e revolta me
assolou durante uma das proposições de aula, de um grupo de colegas, no mesmo dia da aula de
Corpos-Caixa que propusemos. Na aula anterior nós confeccionamos máscaras, mais uma brilhante
oportunidade de processo e produção de subjetividade, eu encontrei ali uma dimensão de mim
mesmo bastante ruim e melancólica, transmutei-me para um estado bastante alheio de todos ali por
alguns instantes enquanto vestia aquela máscara, era também uma máscara de luto pela realidade
brasileira na qual estou atracado. Outro momento marcante foi a criação de um desenho coletivo
com aquarela. Ali, com a ajuda de pessoas sensíveis, a garatuja de um desenho que eu estava
timidamente iniciando, com muitas dúvidas, inquietações e receios.... Se transformou de maneira
muito assertiva, e isso somente foi possível com a colaboração e continuação artística coletivas. Era
um exercício de reelaboração da nossa pergunta inicial, que sempre carregávamos conosco. Uma
reafirmação ou atualização talvez. Minha pergunta então, para aquele desenho, se tornou uma
afirmação no infinitivo:
Entre o preto e o branco, e minha penúria de não-lugar racial classificado, eis que tenho o que
deveria ser mais óbvio, a cor rosa! Finalmente, em minha última cartografia, eu trouxe novamente
uma caixa, com meus sapatos de salto alto e agora com um tutu prato, um tênis rosa, um collant
vermelho, um top rosa, um cabide, a máscara fúnebre, o desenho coletivo algumas faixas roxas, uma
paçoquinha pra cada um e então manipulamos coletivamente aquele corpo outro composto por
roupas ares e significados pelo espaço. Saí absolutamente transformado após todos esses encontros,
como na minha 3a cartografia, meu registro poético no qual propus uma coreografias de mãos para
confecção de uma caixa com uma pistola que jorra tinta arco-íris, ao mergulhar na caixa e sair, nós
saímos transformados, o primeiro passo é criar a caixa e ter coragem de mergulhar, e depois voltar.
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Essa disciplina tratou das ressonâncias a respeito da ideia de abjeção que recam
sobretudo na sexualidade, no gênero, nos corpos dissidentes, nas performances artísticas que
colocam em cheque o entendimento de corpo. São estudadas na disciplina diversas obras de
artistas brasileiras com cenas que vão transgredindo as formas do fazer artístico cênico
convencional, algumas obras estudadas foram: “Lobo” do coletivo de Carolina Bianchi e Cara
de Cavalo, “Anatomia do Fauno”, montagem na qual eu mesmo participei no papel de Fauno
em 2015; “Stabat Mater” de Janaína Leite, “Feminino Abjeto” de Janaína Leite; “O evangelho
segundo Jesus, Rainha do Céu” de Renata Carvalho e outros. Os textos de debate reúnem
autores da Teoria Queer, Teoria do Teatro e Psicanálise, entre elas: Julia Kristeva, Paul
Beatriz Preciado, Jacques Lacan, Judith Buttler, Sigmund Freud, Antonin Artaud, e outras. A
disciplina foi de suma importante para as últimas estratégias que pensei para o trabalho,
sobretudo no limiar e abismo entre beleza e abjeção que habito ao me vestir com sapatos de
salto alto e ao desnudar as camadas de pudor do meu corpo.
Todas as disciplinas escolhidas até agora têm relação direta com debates em
torno das artes, especialmente do corpo, com exceção da disciplina Filosofia da
Ciência, que é a única disciplina obrigatória exigida pelo programa de mestrado ao
qual me vinculo. Cursar uma disciplina sobre o método qualitativo em artes foi
fundamental para embasar a minha conduta e lugar de falar nas discussões em outras
disciplinas. As disciplinas do primeiro e segundo semestres do mestrado tiveram
importância brutal para meu projeto, ajudando-me a entender quem eu sou, o que
pretendo e o que estou fazendo aqui.
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Formação artística:
● Balé Clássico - Luis Augusto Ribeiro, Neyde Rossi, Eduardo Bonnis,
Esmeralda Penha Gazal (Escola de Dança Ismael Guiser, Coreo Escola de Dança,
Núcleo de Dança Nice Leite Ilara Lopes, Estúdio Dona Kitty Bodenhein);
● Dança Contemporânea - Maurício de Oliveira, Rafaela Sahyoun, Fernando
Martins e Claudia de Souza (FOMENTO À DANÇA DA CIDADE DE SP);
● Piano Erudito - Horário Gouveia, Alfeu Araújo, Hermes Jacchieri, Rodrigo
Lima e Alex Buck (EMESP- ESCOLA DE MÚSICA DO ESTADO DE SP);
● Heels - Flávio Verne e Pedro Reis (Estúdio Anacã Corpo e Movimento).
Luiz Rufino (2016 : 57), ao refletir e defender estratégias e ações de caráter exusíaco,
em decolonialidade e performances afro-diaspóricas, percebe que “o corpo é o primeiro
lugar de ataque do racismo/colonialismo, porém esse mesmo corpo que é atacado nos revela
outras possibilidades.” Tais práticas exusíacas consistem em saberes e presenças que
encarnam dinâmicas de movimentos, transformações, conflitos, imprevisibilidades,
inacabamentos e possibilidades que estariam radicadas nas potências do signo Exu, elegbara
e enugbarijo, engolir e vomitar, absorver e restituir, o que a nova come e devolve
transformado. Torcido. Haverá muitas torções nesse trabalho. Um corpo que habita a
contradição de ser ao mesmo tempo vítima e algoz.
E sim, revisitarei a demonização do lugar de vítima pelo senso comum da libertação
esotérica do autoconhecimento branco, do bom samaritano, que nunca é vítima, é sempre
uma fortaleza divina. Para os brancos é muito prático e cômodo, de fato, condenar qualquer
assunção do lugar de vítima, sobretudo nas existências sobre as quais recaem suas agressões
sistêmicas.
Seja através do desvio existencial, da descredibilização dos modos de
saber ou nas mais variadas formas de subordinação, é no corpo que se
ressaltam as experiências da colonialidade. Todavia, é também nos
limites do corpo que emergem as possibilidades de novas inscrições, é
através dos seus saberes textualizados em múltiplas performances que
se conformam e se rasuram esses regimes (RUFINO, 2012:idem) .
60
4
Disponível em: https://issuu.com/amilcarpacker/docs/rumo_a_uma_redistribuic__a__o_da_vi
61
Com a ajuda e inspiração de Jota Mombaça, tal autora não binária, preta, nordestina,
artista pujante, percebo e me encorajo a marcar toda a produção intelectual branca, e todas
as pessoas brancas que conheço quando verifico situações de injustiça e opressão colonial,
esta é uma das possibilidades de redistribuição da violência proposta por ela. Venho
acompanhando cotidianamente suas publicações em redes sociais, especialmente no
Instagram: @monstraerratik. Jota pode nos ajudar e encorajar a perceber problemas sérios de
extrativismo epistêmico, apropriação epistêmica e ilegitimidade de fala de produções de
conhecimento por intelectuais brancos, outros exemplos são Peter Paul Pelbart, Suely Rolnik
e a própria editora N-1, apenas exemplos de um grupo de pessoas que se valem do - e
ocupam o - lugar de fala que precisa ser ocupado por mulheres negras, trans, não binárias,
homens trans, indígenas, pessoas da periferia, negros outras corporeidades dissidentes. Não
que haja problema no fato de pessoas brancas opinarem sobre racismo ou questões coloniais,
pelo contrário, precisamos do maior número de pessoas possíveis debatendo e ouvindo sobre
o assunto, mas precisamos viabilizar e escolher as referências certas.
5
Idem.
62
Desde os anos 1950/60 tais ideias já vibram, e a autora brasileira Luciana Ballestrin6
divide a evolução do pensamento descolonizador em pelo menos três fases. A primeira é a
fase das teorias pós-coloniais, de autores como Edward Said, Aimé Cesaire, Albert Memmi,
Frantz Fanon, Gayatri Spivak, Achille Mbembe e outros. A segunda fase se relaciona aos
Estudos Culturais e algumas teorias do pós-estruturalismo, criação do campo de Estudos
Subalternos indianos já citados acima. A terceira fase é finalmente o lugar de criação dos
Estudos Subalternos Latino Americanos que entre 1992 e 1998 se desdobrou no Coletivo
Modernidade/Colonialidade/Decolonialidade, já citado. Os principais integrantes são: Walter
Mingolo, Anibal Quijano, Edgardo Lander, Ramón Grosfoguel, Agustín Lao-Montes, Walter
Mignolo, Zulma Palermo, Catherine Walsh, Arturo Escobar, Fernando Coronil, Javier
Sanjinés, Enrique Dussel, Santiago Castro-Gómez, María Lugones e Nelson Maldonado-
Torres.
6
Informações retiradas de sua fala em um dos seminários sobre arte e descolonização do MASP em 2018.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cIG8WwPNUfc
63
O Hemisfério Norte como um todo não podem ser mais se perpetuar como
referência absoluta do Planeta Terra, e o conceito de universalidade, fundado na Europa não
nos serve, é algo muito enviesado e muito particular de um povo e de um tempo que
violentou e dizimou muitas culturas. É de tamanha violência que as palavras são poucas pra
descrever. Talvez só arte ou ter mesmo vivido o terror da escravidão e a perseguição às quais
foram subjugadas pessoas negras, árabes, africanos, asiáticos, indígenas, mulheres,
homossexuais, transsexuais, pessoas com deficiências… para chegar perto do entendimento
do que é tamanha agressão e assassínio.
Palavras num texto acadêmico não bastam, mas são um ponto de partida, uma
maneira de legitimar e ratificar subjetividades, e desse ponto de partida preciso avançar a
produção de conhecimento por meio de imagens, vídeos, performances em espaços públicos
e privados, está é a minha intenção de atuação acadêmica no Brasil de 2019 e 2020,
assombrado e em vibração de ameaça fascista, brutal e boçal.
Por essa razão, é muito importante que meu trabalho seja aportado por um programa
interdisciplinar de Mudança Social e Participação Política.
Se eu não puder fazer isso, minha vida não tem sentido, minha vida é um risco, para
mim, e para a colonialidade.
No entanto, desejo que fique claro o meu enorme apreço por processos de
intercâmbio e internacionalização, desde que tais fluxos sejam mediados e pautados de
maneira heterárquica. Tenho a lembrança viva de já ter escutado excelentes referências da
Alemanha enquanto um país que acolhe artistas brasileiros, especialmente bailarinos, mas o
interesse no corpo desses bailarinos é para cooptá-los ou para, sinceramente, entender de
onde eles vêm e o que têm a comunicar? E porque tal manifestação ou comunicação só pode
brilhar em outro continente e não na terra natal? Reitero inclusive meu respeito pelas
artistas Morena e Gabriele. É uma felicidade o fato de serem duas mulheres e dois homens as
principais vozes a serem escutadas neste encontro, mas são mulheres brancas ecoando
dizeres europeus. Precisamos mudar este cenário que só viabiliza, visibiliza e privilegia
artistas brancos de natureza europeia, e este movimento de mudança deve ser engrenado
institucionalmente, porque a colonialidade e o racismo são institucionais.
Ontem7 acabei me desentendendo com um rapaz, gay, branco, com traços negróides
bem expressivos, cabelos pretos muito lisos, ele havia me mandado uma mensagem
reclamando que é muito difícil falar com pessoas brancas. Então eu disse que pra mim ele
era muitíssimo branco, então a fala dele me soava bastante estranha. Ele ficou extremamente
ofendido, alegou que etnia é algo que cada um tem o direito de autodefinir, e que no Brasil a
miscigenação é total, e que sua etnia é latina, e que a branquitude vai muito além da cor da
pele.
7
O tempo é fluido por aqui, parafraseando Neil Gaiman.
68
Uma vez, no bandejão Central da USP uma Sra. Branca, muito Branca, ao meu lado
disse que desafiava qualquer pessoa a ousar dizer que ela não era negra, porque ela tem
sangue negro, porque ela é brasileira.
Não pedirei desculpas pela suposta falta de decoro que muitas pessoas devem pensar
ao ler os últimos parágrafos de denúncia ácida e desprovida do medo de comitês de ética.
Biografias não autorizadas são absolutamente legais, todavia, aqui eu tenho o mais atento
cuidado para não ofender ou macular a honra e a integridade social de nenhuma pessoa, pelo
contrário, é justamente o contrário.
Como já comentei, de acordo com Frantz Fanon, em sua obra ‘Os condenados da
Terra’ (1979: 25), “a descolonização é sempre um fenômeno violento é um programa de
desordem absoluta”. Aqui estou sendo muito mais ameno do que eu deveria, estou propondo
um delírio de colonialidades que atingem a minha subjetividade, apenas por marcar pessoas
brancas, eurocentrismos, machismos, heteronormatividades e bancar a representatividade da
minha sexualidade e natureza artística num país campeão em assassinatos de pessoas
LGBTQIA+. Um país cujo recém eleito presidente é declaradamente homofóbico, misógino,
sexista e racista, que satiriza o exílio de um deputado gay nordestino eleito
democraticamente que abandona o país em razão de ameaças de morte. Uma nação que
executa vereadoras lésbicas impunemente, que deseja flexibilizar leis ambientais que já não
funcionam e matam pessoas inocentes destruindo cidades inteiras como Mariana e
Brumadinho, pelo capital, pelo capital; cuja ministra chama os meninos de príncipes,
vestindo azul, e as meninas de princesa, vestindo rosa. Um país recorde em feminicídios. Que
69
mata meninos negros, a cada onze minutos. Prisões políticas arbitrárias. Milícias.
Intervenção militar. Analfabetismo político. Demarcação de terras indígenas lançadas para os
interesses ruralistas. Projetos de liberação de porte de armas, incitação à guerra civil. Elogio e
homenagem a torturadores declarados e reconhecidos do período da ditadura militar,
inclusive pela Comissão da Verdade.
Estamos na distopia brasileira. Cada palavra que eu escrevo aqui já é um risco. Meu
medo já passou. Minha escritura corporal é candente e glacial ao mesmo tempo. Não
descerei do salto em nenhum argumento. Absolutamente aberto para discussão, instaurando
diálogos, mas não estou parcimonioso para injustiça social e supremacia do colonizador.
Essas mazelas são a minha prerrogativa, cada vez mais acentuada.
nomeei moreno, hoje não posso me definir etnicamente senão como um homem gay mestiço
latino de pele esclarecida no inverno e escurecida no verão, ora bege, ora cor-de-rosa, ora
marrom. Moro na região central de São Paulo-SP.
O meu tema ronda a dança, a sexualidade e a esfera política. Meu objetivo é dançar,
sexualizar (pois aqui está o fulcro da minha subjetivação), micropolitizar e descolonizar. A
minha justificativa é a minha existência coadunada às mazelas do governo federal do Brasil e
o atraso da colonialidade. Meu método é um elã de arte e vida, corporal e coletivo na base,
por ser corpo, uma autoetnografia artística radicalmente qualitativa.
AÇÕES
● Aulas de Dança no salto alto, duas vezes por semana, com Flávio Verne, no Estúdio
Anacã, enquanto aluno, desde fevereiro de 2018;
● Curso de História Prática da Dança no Brasil no Centro Cultural São Paulo com a
DUAL Cena Contemporânea, participante (2018);
● Performance de dança com sapatos de salto alto adaga ( stiletto) na EACH na Semana
de Arte e Cultura de 2018;
● Ensaio fotográfico com Fausto Rolim sobre balé clássico, dança contemporânea,
nudez, abatás e autoetnografia.
Dançar de salto alto é o avesso da poda, é a afirmação do sim, ulterior a tantos nãos e
censuras da égide clássico-europeia contemporânea.
Produzir conhecimento com dança, gênero e linguagem pode ser uma desobediência
epistêmica e afirmativa de qualidades brasileiras e latinas, o avesso da poda mordeno-
colonial-cristã dos patriarcas e das donzelas.
A dança no salto alto, no corpo da bixa POC POC, é uma celebração da feminilidade,
um pouco pornografada, um pouco obscena, um pouco cômica, um pouco vulgar, erótica
por excelência, e não precisamos ter vergonha dessa legitimidade. Mais do que sexual, a
partir da sexualidade até as identidades, na inebriação de perfumes invisíveis, a dança das
POC é um derramamento de água de chuca no carpete, lubrificante no ventilador, um jorro
de leite quente para todos os cantos, um berro ensurdecedor, uma lascívia sem fim, é a
abertura que engole as podas, que ramifica e floresce em arcos e curvas, cada vez mais desejo
e movimento.
Muito do que foi exposto acima estará também na dissertação final, mas a seguir
adiciono mais reflexões e criações de autoteoria, autoetnografia e revisão bibliográfica.
CHUCA8
8
Designação, na cultura gay, para a lavagem anal, geralmente realizada por homens homossexuais enquanto
preparação para a atividade sexual na qualidade de parceiro passivo no ato.
9
O balé clássico contemporâneo é talvez o maior exemplo deste legado colonial europeu.
74
imaginário. Este livro cênico está sendo escrito por uma pessoa bailarina(o), aparentemente
cis-gênero, nas meditações de suas andanças de salto alto. Reitero: a figura do colonizador é a
berro.
75
O que quero dizer com “perversão combativa”? PC é uma maneira de usar conteúdos
deveras coloniais - que também são veículos de opressão - como manifestações decoloniais
de emancipação e insurgência, exemplos: balé clássico, modalidade de dança no salto alto
com nomes anglolátricos e estigmatizadores (Femme Style e Heels Class, por exemplo), e
outros elementos da cultura queer, do capitalismo rosa, etc. Pretendo perverter esses
elementos e essas informações em favor de um projeto de descolonização subjetiva (e a
preparação para a descolonização objetiva que levará mais de 700 anos); perverter a
referência cultural branco-europeia, e por meio da minha dança, colocar esses conteúdos em
tensão com essas danças, subjetividades, agora não mais reverenciando o repertório
informacional colonial que me foi exposto ao longo de toda minha vida, mas colocando esta
formação identitária em xeque, na busca de um corpo outro, resgatando memórias, histórias,
10
Paisagem sonora, “Berro” - Heavy Baile feat. Tati Quebra Barraco & Lia Clark (2017) Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=NzILPU8PG2s>.
76
Tenho uma identidade borrada, sou um vulto dançando, um rostidade que oscila,
uma presença que assinala um não lugar, que não pertence a lugar bem definido, mas existe.
A história que vou contar brilha exatamente na primeira vez em que calço sapatos de
salto alto, e começo a aprender essa nova dança. Em 29 anos de vida, nunca me senti tão feliz
dançando. Esse fato merece muito a minha atenção, pois ao me montar em cima do salto,
instantaneamente desmontei muitas noções sobre o meu corpo (étnico, humano) e a minha
dança (contemporânea? política!). Doravante, desconstruía-se uma trajetória de vida, de
afetos, de carreira profissional, a biografia de um eu-artista, bailarino clássico, pianista
erudito, estudante de relações internacionais, tecnólogo em comércio exterior, que desejava
formar uma família, ter um marido e adotar um filho. Muitos pilares desabando, demolição
risonha e corrosiva. A experiência de uma dança que começa quando subo no salto e rolo na
derrocada da condição heteronormativa de vida social homoerótica paulistana. Mas esse não
é o único início da história...
77
3) MEIA-PATA | FEMINILIDADE
4) COTURNO | MASCULINIDADE
8) PATINS | AUTÔMATO
11
Drama de acordo com o pajubá da cúpula gay é um misto de comédia e tragédia, ou só baixa auto-estima e
necessidade de chamar a atenção mesmo. Irene é uma bicha na casa dos 30 anos.
12
Talvez aqui tenha começado minha história borrada, após a brutalidade e a crueldade quase alucinógena de
um linchamento de um menino negro que presenciei na praia de copacabana, em plena queima de fogos.
78
AQUECIMENTO
Articulação dos pés, torção, equilíbrio, inclinações
É um desejo de narrar uma história, que não poderia ser contada por ninguém senão
eu mesmo, o Paulinho. Uma metagrafia de experiências eminentemente corporais e
imaginativas. Processos de criação, inscrições de experimentação e acontecimentos de
fruição. Ou seja, uma autoetnografia performativa.
79
espaços onde ocupo, habito, comunico e atravesso; entre meu corpo, meu pensamento e meu
inconsciente.
Por isso este assunto - e este elã - não pode ser disciplinar, tampouco interdisciplinar
ou multidisciplinar, somente transdisciplinar. Ratificando a atitude decolonial já bradada.
Com efeito, ofereço uma autoetnografia performativa decolonial transdisciplinar.
13
Informações obtidas no Relatório de pessoas LGBT mortas no Brasil em 2017 do Grupo Gay da
Bahia. Disponível em: <https://homofobiamata.files.wordpress.com/2017/12/relatorio-2081.pdf>.
82
AQUECIMENTO 2
Cloches
Dançar de salto alto não é uma tarefa fácil, requer treinamento, bastante habilidade e
equilíbrio.
oral”, onde, mesmo quando não há uma manifestação de fácil intelecção racional, ali se dá
um fenômeno de “inscrição ou intenção de imprimir um traço, mesmo quando este é mera
garatuja”.
Articulando bem os pés, passando pela meia ponta, calcanhar proeminente acima para frente
das nossas narrativas cotidianas não lineares? De qual teatralidade necessitamos para
decolonizar?
Pelo intercâmbio muito íntimo entre teatro e dança, sobretudo no século XXI, é
demasiado importante pensar as naturezas das dramaturgias aplicadas à dança, mesmo que
sejam "não dramatúrgicas", com a luz/escurecimento do teatro pós-dramático, por exemplo.
Vou representar uma pessoa branca, rica, caucasiana, de descendência europeia? Pintar
minha cara de preto? Dançar um balé cortês? No Brasil? Na favela do Rio de Janeiro? Nas
ruas centro de São Paulo? Nas orlas das praias da Bahia? No carnaval de Recife? Nas festas
do interior? Com botas gaúchas? Com fantasia? Nu(a)? Por quê? Para quem?
muitos anos. Butler, ao trazer a ideia de gênero performativo, nos lembra da potência do
corpo em devir seus desejos, transformando a si e o mundo. Em seu ensaio “Corpos que
Por que nossos corpos deveriam terminar na pele? Ou por que, além
dos seres humanos, deveríamos considerar também como corpos,
quando muito, apenas outros seres também encapsulados pela pele?
(Donna Haraway, O Manifesto Cyborg)
Se pensarmos realmente no corpo como tal, não existe nenhum
possível contorno do corpo como tal. Existem pensamentos sobre a
sistematicidade do corpo, existem codificações que atribuem valores
ao corpo. O corpo como tal não pode ser pensado e eu, certamente,
não posso acessá-lo. (Gayatri Chakravorty Spivak, "In a tvord"
entrevista com Ellen Rooney)
Não existe natureza alguma, apenas efeitos de natureza:
desnaturalização ou naturalização… (Jacques Derrida, Donner le
temps) (BUTLER, 1993)
Eduardo Viveiros de Castro (2015) grifa com assertividade que a tarefa
contemporânea da antropologia: “assumir sua verdadeira missão de ser a teoria-prática da
descolonização permanente do pensamento”. Mas, como bradado no início, aqui não se trata
de antropologia, mas sim…
A N T R O P O D O L O G I A.
88
Viver em São Paulo é não conseguir fruir todo o contingente artístico-cultural que a
megalópole oferece, a dança contemporânea produzida aqui é extremamente diversa,
dificilmente delineável ou classificável por meio de definições e características comuns a
89
todos os fazeres… Ao se misturar com outros suportes das artes, embotar a dança
contemporânea em uma categorização se torna cada vez mais difícil e contraproducente. No
entanto, discutir a natureza dos corpos e suas ações no âmbito da dança contemporânea me
parece uma tarefa necessária e possibilitadora de noções que sirvam como denominadores
comuns dos atributos que concernem a cultura local de uma determinada comunidade que
cria dança. Ou seja, considerando que a dança contemporânea é subsequente aos rituais
dançantes da antiguidade, do balé clássico, da dança moderna e muitas formas de
movimentos corporais produzidas por alguns séculos anteriores ao século XX, precisamos
sempre discutir se a dança contemporânea é de fato contemporânea, ou se é uma
continuidade de lógicas que não são mais condizentes com o tempo e o espaço do nosso
mundo. Ou, minimamente, assegurar que um exercício de produção de arte não seja mais
um motor de veiculação, propagação e introjeção de práticas culturais rastejantes que
invisibilizam, desconsideram, hierarquizam, oprimem ou rechaçam modos de se fazer arte
que não sejam condizentes com padrões e tradições eurodescentendes, do hemisfério norte.
Hipoteticamente, André Lepecki (apud BARDET, 2014) lança a ideia de que “ a dança
contemporânea é muito mais definida pela presença de seus dançarinos do que pelos
movimentos dos corpos”. Marie Bardet desenrola esta ideia cotejando duas noções de
presença antitéticas: a) como conexão mágica, transcendente, de totalidade plena e
ecumênica e b) uma atenção, um esforço, no presente… um sonho acordado? (Idem)
Em seu ensaio “O Corpo Utópico”, Michel Foucault ele diz que o nosso corpo é o
contrário de uma utopia:
Despossuir-se.
José Gil considera o corpo não somente um fenômeno, mas um metafenômeno. Que
vai além. Percebido concretamente em sua materialidade, visível, virtual ao mesmo tempo.
“Um interior orgânico e ao mesmo tempo solúvel à superfície.” (Ibidem) Receptáculo que
abre e fecha, que se conecta sem cessar com outros corpos e com a natureza.
do famoso balé trocadeiro de Montecarlo, onde bailarinos e bailarinas trocam seus papéis de
gênero e encenam de maneira cômica os mesmos balés de repertório com as devidas
alterações. Notemos que neste casos, a transição entre gêneros é abordada apenas de maneira
sarcástica, em tons pejorativos, por meio do humor, da sátira, beirando a sensação de uma
aberração muito engraçada, por ser aberrante.
Notemos, ainda, que, no balé clássico, nas escolas, academias, estúdios, teatros e
companhias do mundo todo, há uma predominância de bailarinos homens gays, há inclusive
uma cultura queer, da qual homens heteros e mulheres também participam. São maneiras de
fala, de gesto, de atitude, de gosto, que foram construídas socialmente por pensamentos e
ações genuinamente homossexuais, próprias da cultura LGBTQIA. No entanto toda essa
cultura se restringe, velada nos bastidores e nunca deve ir para a cena! É a cena do palco
italiano é aquela que legitima os padrões patriarcais de uma casal formado por um homem
belo, forte e provedor, e por uma mulher magra bela, e geralmente branca.
Um segundo recorte, ainda queer, pode ser identificado no “Passinho”, oriundo das
favelas cariocas na década de 90, ao som do funk:
14
https://ciadual.files.wordpress.com/2018/06/lanternas-no-caos1.pdf
94
95
Terceiro recorte queer: O Jazz Funk (palavras americanas globalizadas, o funk, aliás
passa por uma radical transformação brasileira, tornando-se muito diverso da música norte-
americana, é o caso do Funk Carioca) uma dança absolutamente contemporânea, largamente
disseminada com o aparato de redes sociais digitais como o instagram, é uma das vertentes
das danças urbanas, uma expressão similar é a dança em salto alto, também divulgada como
Stiletto (palavra italiana) ou simplesmente Heels (palavra inglesa).
grupo, verifico ainda, pares de uma comunidade interpretativa que compartilha de alguns
valores em comum e que podem explorá-los coletivamente, a saber, mulheres e gays.
A primeira violência colonial foi a imposição de vestimenta aos índios. Corta. Eu nem
era nascido. Eu devia ter dois ou três anos e me lembro de uma cena dentro de uma loja de
brinquedos, me vejo sozinho num corredor, peguei um microfone da Xuxa, levei uma das
mãos pra cima, a outra segurava o microfone perto da boca, eu devia balbuciar alguma
canção e ensaiava uma dancinha. Corta. Meu pai me deu um tapa na cabeça quando eu tinha
6 anos por que eu disse que ele era meio preto. Corta. Após uma festa de Natal na casa da
minha avó, meu pai brigou com minha mãe e mandou ela me dizer que eu era muito
feminino quando frequentava as festas de família, no jeito de sentar, falar e agir. Ela disse
que aquele não era eu. Eu já tinha uns 14 anos. Corta. Aos 18 anos, fiz minha primeira aula de
balé clássico. Meu pé era muito ruim, e até hoje, a curvatura do colo do meu pé e minha
flexão plantar não se adequam ao padrão ideal exigido pela técnica clássica. Assim como a
rotação lateral dos meus membros inferiores está muito aquém do esperado pelas
convenções desta arte que remonta às óperas da corte italiana renascentista do século XV, lá
acredito que as bailarinas e bailarinos devessem ser brancas(os). Esta digladiação com meu
próprio corpo me assombra cotidianamente. Corta. Uma vez, durante uma discussão, com
um ex-namorado, eu tinha uns 22 anos, eu tinha me recusado a ir a uma sauna gay com ele,
porque não estava a fim de sexo grupal naquele dia. Mudamos de assunto. E ele ficou
espantado quando eu disse já ter me relacionado sexualmente com um de nossos conhecidos
em comum, outro bailarino, ele disse: "Sério?! Nossa, mas ele é mais feio que você!". Depois
ficou se desculpando e disse que não era aquilo que ele queria dizer. Corta.
vida, numa dimensão mais íntima do que no passado da história da dança ocidental.
Intrinsecamente política.
Acredito que no Brasil e em outros países do hemisfério sul, haja uma hegemonia das
epistemologias e dos ditames eurocentrados, toda lógica de ensino produção de
conhecimento e formas de pensar, fazem remissão ao que foi transmitido e outorgado pelas
leis e violências culturais epistêmicas dos colonizadores europeus.
Este trabalho é chutado com uma introdução de imagens, através das quais podemos
apreender uma leitura poética, uma fruição, ou não. A minha intenção ali é a produção de
conhecimento das-nas-com-pelas-a partir de imagens, mas é só a minha atenção, o que
advém disso é arte.. São imagens estanques, porém dançantes de um corpo (ou corpos), são
manchas e rabiscos que inscrevo por onde eu passo, num mundo onde meu corpo é um risco
(de)ambulante. Especialmente no Brasil de 2019, plena crise do Estado Democrático de
Direito, no qual as sexualidades estão no fulcro dos debates políticos. Minha dança é
feminina e esta natureza feminina, pode ser, inclusive, expandida. Há um momento em que
um gesto sexual, um gemido, uma batida de cabelo, uma caminhada altiva, uma celebração
das curvas e uma exacerbação das mobilidades da coluna e do quadril, numa releitura e
exploração de movimentos dados como sexuais, se tornam constructos de cultura, uma
cultura gay, trans, feminista, algo anticolonial, anti cis, anti hetero, antinormativo e a fim de
liberdade de expressão. Habitando a contradição da mestiçagem em mim, eu autoetnografo
aparições de um corpo indo/europeu que se automutila por dentro, de sangue azul e
vermelho. Estou criando arte a partir do cotidiano, e repensando maneiras de criação
artística da coreografia que meu corpo desenha por onde desfila. Neste breve caminho já
encontrei muitos obstáculos, que são os vórtices da discussão: estranhamento, criação de
significado, patrimônio cultural, censura, direitos humanos, assunção étnica e delicadeza. É o
giro de tradução da heterocisnormatividade brancas pelos corpos mestiços Ch’ixi, que agora
não mais devem traduzir, mas garatujar para que vocês traduzam. Mas… o que é Ch’ixi?
Taboua, amada? Bebeu água de chuca? Eu hein, amiga. To ótima, ridícula! Prestenção.
103
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Passando pela primeira posição, segurando o quadril, grifando a diagonal frente a cada
passagem, como se a perna fosse um compasso
Ch’ixi é uma palavra da língua dos póvos Aimarás, com diversas conotações. Silvia
Rivera Cusicanqui, em sua obra já citada no início deste relatório, entende que esta palavra
traduz mais adequadamente a nomeação de mestiças que nós latino americanas somos
geralmente chamadas. Mas o conteúdo que esta palavra carrega vai um pouco além da
mestiçagem. Literalmente a palavra significa a cor “cinza”. Mas não é qualquer cinza… é algo
que é e não é ao mesmo tempo, na lógica de um terceiro incluído. Uma cor cinza ch’ixi é
branco e não é branco ao mesmo tempo, é branco e também é negro, o seu contrário.
(CUSICANQUI, 2010. p. 69)
Ch’ixi conjuga o mundo indígena com o seu oposto, sem nunca se fundir com ele. A
possibilidade de uma reforma cultural profunda depende da descolonização dos nosso
gestos, dos nossos atos e da língua com a qual nomeamos o mundo. (Idem). Aí verifico um
chamado para que eu incorpore o Pajubá da Cúpula LGBT do Vale dos Unicórnios neste
texto acadêmico manifesto-dançante.
BATIDA DERRETIDA
Em suma, o salto alto foi criado por homens, na Ásia, e logo incorporado por monarcas e
aristocratas ociosos. Quando a modernidade traz o paradigma do racionalismo, o salto alto
passa a ser considerado inútil e fútil, a racionalidade passa a ser um atributo masculino, a
irracionalidade, o devaneio…. A histeria, algo feminino. Coisas fúteis e inúteis ficam para as
mulheres doravante.
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BATIDA GOLPEADA
15
Disponível em: <https://vimeo.com/262888147>. Acesso em julho de 2019
107
RODA DA PERNA NO AR
Segurando a coxa, desenho de um semi-círculo para fora com as tíbias e fíbulas de uma
perna erigida a 90 graus. Depois fazendo o mesmo girando para dentro. Sem levar nunca o
pé para trás. Acento fora.
O salto alto está presente nas performances das Drag Queens, na indumentária da
travesti brasileira, na advogada entrando e saindo dos tribunais e escritórios, no Pole Dance,
com mulheres e homens sensualizando, no samba de gafieira, no tango, na salsa, na valsa
vienense, na rumba, no mambo, no zouk, na lambada, no vogue, no waacking, no stiletto,
femme style, na dança contemporânea. Em São Paulo já existem muitos locais que sediam
encontros de dança de salão para casais LGBT.
Nesse ínterim de danças que exalam feminilidade, em corpos cis, trans, homem,
mulher, temos o pajúba, o código indígena das mana, mais uma língua marginalizada e
proibida. Mas o funk proibidão de opressão a mulher continua rolando solto...
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16
LENTO
16
Matéria sobre o veto de palavras do Pajubá LGBT e o “Dicionário da Censura” disponível em:
https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2019-04-26/bolsonaro-veta-palavras-do-vocabulario-lgbt-de-
campanhas-estatais-diz-site.html. Acesso em Julho de 2019.
109
PEQUENAS BATIDAS
Elevação das pernas com flexão dos joelhos, pequenos desenvolvimentos da perna cortando
o ar, batida pequena sobre o pescoço do pé
18
17
Matéria sobre Egberto disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=NUoEOaB-rbA>. Acesso em julho
de 2019.
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19
GRANDE BATIDA
Os homens persas inauguraram o uso do sapato de salto alto, na montaria, para que o pé não
escorregasse do estribo. Por volta do século XV, a monarquia europeia importou da cultura
18
Um exemplo de um dos primeitos sapatos de salto alto, como os que os persas usavam para que o pé não
escapasse do estribo.
19
Um sapato de salto alto Stiletto, salto agulha, com meia pata.
111
oriental a adoção do salto na indumentária para a corte renascentista. Catarina de Medici era
de baixa estatura e usava salto alto. O rei Luís XIV, inventor de vários aspectos de moda e
luxo, da ideia de Paris como berço da moda para o mundo inclusive, criou a moda de uso do
salto alto vermelho. O Rei Luís XV popularizou a indumentária do salto alto para homens e
mulheres. Após a Revolução Francesa, final do século XVIII, o salto caiu em desuso para os
homens, as mulheres mantém o costume mas com alturas menores. No início do século de
XIX o salto alto foi associado à meretriz. Na passagem para o século XX que o salto alto,
mais baixo ou mais alto, foi paulatinamente voltando. Em 1930 foi inventado o salto
Plataforma por Salvatore Ferragamo, tipo de salto muito usado por Carmem Miranda. Após
a 2ª Guerra Mundial, o Stiletto (salto agulha) foi inventado por Roger Vivier e Cristian Dior.
No Brasil Fernando Pires é um nome bastante conhecido de designer de sapatos de salto alto
artesanais feitos sob medida. O salto alto é um traço de poder? 20
21
20
Fonte audiovisual não acadêmica: https://www.youtube.com/watch?v=xa2jNePwkGU; Outras piratarias:
https://www.modices.com.br/estilo/a-nova-tendencia-da-plataforma-de-carmen-miranda/
& https://www.clubelatino.com.br/timetable/event/stiletto/. Acesso em Julho de 2019.
21
Um par de Chopines, sapatos plataforma do Renascimento, a corte usava, dizem que sua criação se deu
pensando na função de evitar pisar em merda ou cadáveres.
112
ALONGAMENTO
Neste dia eu nem imaginava que eu chegaria a usar salto alto e que isso chamaria
tanto a minha atenção, emoção e motivação. Apenas sentia que precisava iniciar minha
descolonização pelo começo, pela nudez.
22
Momento final da performance “Eu Arfante” disponível em: https://vimeo.com/258303801. O vídeo também
pode ser acessado por meio da leitura do código QR acima,
113
BATIDAS NO CENTRO
Batidas esticadas, lançadas, Passo do Bourré, valsa, giro, elevação, pivotada, etc
ADAGIO NO CENTRO
Fernando Pires é um artista que faz sapatos de luxo sob medida. Ele deu um sapato
de presente para a uma bixa que não tinha sapatos no programa da Xuxa, Rede Record.
Saullo Berk, conhecida
como a Diva dos
Tijolos (de acordo
com Marcos Mion).
Ele é de Juazeiro do
Norte. E essa não é
uma informação
trivial.
114
PIRUETAS NO CENTRO
Giros sob apoio unipodal, para fora, para dentro, com a perna retirada, em arabesco, em
atitude, etc.
En dehors Divina Raio-Laser, meu crush é uma Drag Queen!! Foi mágico me relacionar com
uma pessoa e descobrir que ele se monta, A Divina é a comandante de um concurso
chamado Cover Girl, um bapho!
En dedans Pesquisa via whats app: Você me lê “negro de pele clara ou branco de pele
escura?” Um total fracasso racista. Teve gente que disse que eu era branco porque estudava
na USP, outras me disseram que se eu já sofri racismo eu sou negro, outras que sou indígena,
outras se recusaram a responder.
Attitude Algumas gays chamam o vírus HIV de “A boneca”; Muitas gays votando em
Bonossauro. “você é aquele rejeitado por todos”, disse uma bixa desconhecida para mim (ela
nem me conhecia) mas algum motivo havia pra ela me dizer aqui; Estava com um ex amigo,
ex amigo de um dos meus ex-namorados, fomos prestigiar o show da Drag Hellena Borgys,
pesquisa antropológica na Blue Space, uma danceteria da esquina de casa. Pretendo
futuramente entrevistar o Uatila Coutinho, o bailarino por trás de Hellena.
PEQUENOS SALTOS
Artistas propositoras:
Paulo Cavalcanti;
Anna Carolina Longano
Docente responsável:
Professora Doutora Marília Velardi
Segunda-feira 23-07-18
UM ENCONTRO
Paulo Cavalcanti
Larissa Eric
Mica Lavínia
Thaís Leo
Lari Alice
Gabrielle Cida
Mara Maíra
Angelita Cacá
Marcela Alessandra
Mariana Gustavo
Daniel Anna
Renatinha Paulo
Ari
Após uma breve fala individual de cada pessoa sobre si. Eu fiz algumas perguntas:
Quem aqui é branca(o)? Quem é negra(o)? Quem é heterossexual? Quem é
homossexual? Trans-gênero? Cis-Gênero? As perguntas poderiam se estender muito
mais, no entanto já foi o suficiente para instaurar uma atmosfera de desconforto
entre todas nós. Como você se sente? Como você é lida(o) pela sociedade? Mestiça?
Mulata? Parda? Morena? Ocidental? Oriental? A discussão estava posta. Fato é que, a
maioria ali era branca, mulher, heterossexual, cis-gênero. De 21 pessoas, apenas 3
negras. Esse cenário sistêmico, não ignoremos, tem sim relação com afinidade e
talvez uma questão de perfil de pessoas que se interessem em dança e temas
contemporâneos. Mas o componente branco-hetero-cis é um reflexo da sociedade, a
única maioria esmagadora que pudemos diluir aqui foi a maioria masculina. E que
bom.
Lembremos que:
Destarte, propus que realizássemos uma versão destas mesmas falas, porém,
agora por meio dos corpos, numa dinâmica que não fosse mais eminentemente verbal
e oralizada. A proposta era simples: Nós dançaríamos do nosso próprio jeito, com
nossa bagagem, nossa memória, nosso desejo, nossa habilidade, nossas idiossincrasias
corporais, e, com essa presença, exibição e percepção, todo o coletivo expressaria
esse contágio, mimetizando este corpo, experimentando as singularidades e
particularidades de outrem em si. Não se trataria, pois, de uma tentativa literal de
imitar e reproduzir o movimento alheio, ainda que isso tenha acontecido bastante por
instinto, impulso ou obviedade.
Agenciando e mimetizando os corpos, ocorrem misturas, decorrem
reconhecimentos, devém uniões e elãs. Neste exercício de alteridade, como um jogo
de metacorifeu, um corpo exibe e manifesta a sua corporeidade e os outros corpos
mimetizam e recriam uma versão imediata do outro. Ora me impressiono com a
diferença do outro, ora visto perfeitamente a outridade deste disparo num lugar
comum e familiar, ora só posso conferir o estranhamento do corpo que mexe comigo e
me modifica por um átimo de segundo. A ideia foi justamente aprofundar o lugar de
conhecimento entre cada uma das pessoas presentes, reconhecer as outridades,
contar sua própria história atualizada naquele dia, naquele momento, privilegiando
uma expressão sensorial corporal, sinestética e cinestésica, em vez de uma fala bem
pensada ou um currículo… Traduções, leituras, releituras, transposições, inversões,
montagens, bricolagens, mosaicos, retalhos, malhas, intenções, a propedêutica para
uma pequena comunidade interpretativa que já germinava...
Registro em vídeo do final da prática e conversa subsequente:
https://drive.google.com/file/d/1O3jKgC1xmGLouhGRdamFxsvSWd9DdH-
v/view?usp=sharing
Encerramos o primeiro dia. Fizemos muito, mas ainda era muito pouco, era só
uma breve apresentação, a preparação de um terreno, a instauração de um campo
criativo para encenarmos nossas vidas com dança.
119
MEDITAÇÃO
Essa estratégia meditativa de criação não tem a ver necessariamente com
práticas corporais e/ou espirituais/religiosas que se relacionam com conexão entre
corpo, mente e espírito, como comumente verificamos em práticas de concentração e
introspecção que visam o esvaziamento da mente e das tensões, que acalmam, que
“elevam”, nada disso. A decolonialidade requer tensão, dureza, urgência, ainda que
isso possa ser delicado e sereno. Apenas não proponho aqui relegarmos o corpo por
um estado de espírito e pensamento pleno e não carnal, muito pelo contrário,
diametralmente o contrário. Trata-se de se pôr a pensar com o corpo, por meio do
corpo, nos meandros do corpo, através do corpo, além do corpo, a partir do corpo,
para o corpo, no próprio fluxo da sua prática, exercício, materialidade, sobre
questões subjacentes a esse corpo, mas, especialmente sobre as memórias e marcas
desse corpo, na busca pelo resgate dos resquícios, das cicatrizes e das tatuagens
abstratas que foram impingidas e impressas ontogeneticamente nesta pele, neste
tecidos, nesses órgãos, nestas vísceras. Essa meditação ocorre antes durante e depois
do repouso corporal, é a escrita cartográfica de uma partitura de movimentos. Seu
presente, seu passado e sua intenção/intuição de futuro elaborados num tempo
acrônico, numa topia singular, heterotópica, denunciando a ilusão do tempo
presente, a efemeridade da vida e a celebração da tessitura existencial que coincide
todas as dimensões de tempo e espaço, algo sem fim, que ultrapassa nossas
capacidades racionais. Este lugar não-racional pensante me interessa. Um
inconsciente decolonial. Utilizei como exemplo a feitura de uma partitura de Z.
Kodàly, “Meditação sobre um motivo de C. Debussy”.
Temos então uma meditação que foge da ordem do religioso, que se baseia
mais na definição do dicionário, da etimologia latina, ou mesmo de um significado
inventado. Um pensamento, reflexão e prática ao mesmo tempo, meditação musical,
memorial, ruidosa, afetiva, uma feitura e transformação de lembranças. Na prática
de ioga por exemplo, geralmente somos instruídos a estar num estado de consciência
e atenção plana que permita que os pensamentos nos atravessem, que cheguem e que
deixemos eles partirem, proponho o contrário, proponho capturarmos e celebrarmos
cada pensamento que apareça, por mais incômodo e inapropriado que ele pareça, por
mais óbvio, por mais trivial que seja… Com isso temos na materialidade do corpo e do
tempo que nos envolve (como se o tempo pudesse ser material… acho que pode) todo
o contingente estético e expressivo necessário para uma criação autêntica, legítima,
libertadora, sincera.
Grafia: escrever, produzir uma imagem, performar uma ação que eu criei, ou que
você criou;
Terça-feira 24-07-18
Intuição. Feeling. Instinto feminino. Até agora não consigo nomear direito como
cheguei na minha proposta do encontro de terça. Segundo dia de encontro.
Disse ao Paulo que eu queria trabalhar quadril e coluna, partes do corpo muito
significativas no universo feminino. O quadril pode rebolar. Pode parir. Pode trepar.
Pode guardar a pureza de uma mulher ou pode ser violado. A coluna, como sua
continuidade, ajuda no balanço dos quadris, na sua exibição ou na sua camuflagem. A
coluna, como ligação do quadril ao crânio, liga o sexo ao cérebro. Une a razão ao
desejo. O racional ao primitivo. O pensamento ao instinto.
Claro que, ao propor trabalhar quadril e coluna, pensei apenas na ligação com
o universo feminino. Isto, naquele momento, era o que eu conseguia expressar.
A aula deste dia foi preparada após saber da demissão injusta de um professor
colega de trabalho. Por uma “confusão” (a falta de informações precisas é proposital,
para preservar as pessoas envolvidas), meu colega, um profissional sério, envolvido,
121
Ao preparar a aula, minha preocupação foi focar nas duas extremidades dessa
relação: quadril e olhar. O quadril que guia o corpo e o movimento. O olhar que
realmente vê e se contamina pelo mundo. E, ligando os dois, a coluna.
Preparei um aquecimento, alongamentos e movimentações que focassem em
conscientizar, sensibilizar, fortalecer a região do quadril e da coluna. Pedi que as
alunas fizessem os exercícios e que guardássemos a fala apenas para o final do
encontro. Todas concordaram e começamos.
No teatro, a roda tem inúmeras funções. A que mais gosto é que, em roda, a
gente perde a noção espacial de liderança já que todas as pessoas ocupam igual
posição na estrutura. E, em uma roda perfeita, também conseguimos enxergar todas
as pessoas, o rosto de cada uma. Gosto muito da roda.
Mas a roda não cabe em qualquer espaço. A roda não preza pela melhor
distribuição espacial dos corpos. A roda não permite que corpos mais tímidos se
escondam e/ou protejam. Então, para que não esqueçamos que as melhores reflexões
são sempre as mais complexas, nessa aula aboli a roda e assumi a frente da sala. Eu
faria os movimentos, enquanto guiaria as alunas também vocalmente, desenvolvendo
uma série de exercícios.
Respira. Alonga. Aquece. Abre um lado, fecha outro. Ísquios, ilíacos, cóccix,
sacro e púbis. Senta, rola. Vence a gravidade. Deixa a gravidade vencer. Empurra o
chão. É importante saber o que pode fazer força para te sustentar. É sempre
importante saber em quem você pode se apoiar para se sustentar.
“Desde que comecei a dar aulas percebi que o quadril é o lugar mais difícil de
soltar das minhas alunas, e p mim é o lugar mais importante é necessário de se
movimentar. Só que a sociedade vai podando a gente desde sempre e nos ensinando q
esse lugar deve ser escondido, deve ser limitado a meu ver ao parto e olhe lá....
Querem nos privar de umas das coisas mais vivas e dançantes: o quadril. Sempre digo
que "rebolar" é tão, ou mais, importante do que os exercícios de força na academia
😂😂😂 Veja, tem gente com tanto medo, o pudor é tanto que um simples
agachamento se tornar difícil, porque soltar o quadril não fora permitido...”
123
Intuição. Feeling. Instinto feminino. Até agora não consigo nomear direito como
cheguei na minha proposta do encontro de terça. Mas ela aconteceu, comunicou e
contagiou. Ainda restam três dias. Ao final da quinta-feira irei entender.
Quarta-feira, 24-07-18
AO COLONIAL, DECOLONIAL
AO ENCONTRO; DE ENCONTRO…
Paulo Cavalcanti
Inspirado pelo livro de Yoshi Oida, o ator invisível, propûs que o nosso exercício
cênico hoje começasse com um jogo, um jogo de limpeza do nosso ambiente-espaço.
Lembremos que se trata de um espaço público. A limpeza de um lugar causa certa
apropriação e propicia ocupação e presentificação de quem limpa e ali habita. Aqui se
trata da apropriação coletiva de um espaço público, a Universidade de São Paulo,
campus Leste.
Com no máximo três panos e três garrafas de água de 600ml, nós revezamos na
função de passar o pano no chão da sala, e em alguns móveis. Pedi para que
realmente nos conectassemos, e, tal como num jogo, percebêssemos a hora de entrar
e sair na “cena”, pegar o pano, dar para outra pessoa, que percurso fazer, por onde
começar, para quem devo passar o pano agora, onde jogo a água, que estado de
atenção é esse, que espetáculo é esse?
O jogo não deu certo como eu previa, mas aconteceu como deveria acontecer.
Talvez a minha formação ortodoxa de ensino disciplinar sempre goze quando eu me
deparo com estruturas metodológicas bastante formatadas, organizadas, com início,
meio e fim, com bastante concentração e quietude, e produtividade. A vida não é
sempre assim, e não pode ser. Naturalmete depois de aproximadamente 2 minutos,
muitas pessoas já estavam dispersas daquela tarefa, conversas paralelas dispararam,
afinal havia uma espera pelo pano, ou a ideia de que a sala já estava limpa, não
precisava mais limpar, enfim, n razões, isso não é o que importa realmente. A minha
intenção era que houvesse um comprometimento coletivo e a intenção e
disponibilidade de estar dentro de um ritual, um jogo enquanto ritual, celebrando
aquele ato de limpeza, que favoreceria a todos. Ok. Não há nenhuma razão para
desaprovar ou corrigir a conduta de ninguém, ninguém estava errada(o) e eu não
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mandei ninguém fazer nada, eu propus, e a coisa aconteceu como teria que
acontecer.
Quando a sala já estava limpa, outra energia, outra atmosfera, eu bradei:
“Aula de Dança Contemporânea, liguei o som alto com uma música gringa, com baixo
repetitivo, bpm acelerado, um estilo de música eletrônica. Coloquei-me a frente das
pessoas, diante do espelho, e comecei a fazer pequenos saltos no lugar, dando a
indicação corporal para que me imitassem. Isso aconteceu. Nos próximos 5 minutos,
eu executei os movimentos mais comuns que já vi se repetirem em aulas de dança
contemporânea ao longo da minha vida, havia movimentos em pé, agachado, deitado,
elevação das pernas, rotação das pernas, contrações, torções, cloches, ondulações da
coluna, giros, flexões, extensões, deslocamentos. Com isso pudemos acelerar nossa
frequência cardíaca e experimentar diferentes caminhos de movimento e lançamento
do corpo no espaço. Pausei a música.
Desabafei um pouco dizendo que aquela era uma aula ruim pra mim, beirava
quase o débil e infantil em alguns aspectos, um modelo de corpo em movimento a ser
reproduzido, e aquilo não pode ser chamado de dança contemporânea.
A dança contemporânea é uma dança contemporânea, uma dança do tempo
presente, hoje, ontem, amanhã, e não pode ser o rótulo de um amálgama arquetípico
de jeitos, passos e códigos que grupos de pessoas - notadamente brancas e de elite -
convencionaram ser. Uma linguagem e estética muito plural e controversa que surgiu
de âmbitos europeus e norte-americanos no século XX. Pelo menos a maioria dos
coreógrafos (porque as coreógrafas também são minoria) bebeu desta fonte e ainda
faz remissão ou reproduz o legado de uma dança que sempre celebra a europa
pinabauschiana belga flemish wave conceito e a américa-do-norte pós-moderna.
Essas referências absolutas não devem ser absolutas.
Existe muito mais a ser descoberto sobre a dança na ancestralidade das pessoas
negras, da África, dos Índios, do Oriente - ainda que haja uma oblação ao arquétipo
de serenidade, austeridade e transcendência do Butoh, do Yoga, isso é influente na
dança mundial, mas isso é branco -. Não obstante, o Brasil circunscreve corpos íbero-
negro-indígenas, essa é questão, nossa dança precisa olhar pra isso, não é mais tempo
de permitir a invisibilidade das culturas, dos valores e das emergências territoriais,
regionais, das questões que subjazem. E não adianta fazer uma Ópera chamada “O
Guarani” para lotar o Theatro Municipal de pessoas brancas e ricas; não adianta
transformar toda e qualquer manifestação artística dissidente em uma alegoria
zoológica - nada contra os animais -. E, sobretudo, NÃO ADIANTA LEVAR BALÉ
CLÁSSICO ORIUNDO DA CORTE DO LUIS XIV PARA AS COMUNIDADE PERIFÉRICAS.
Precisamos é difundir, escutar, amplificar, ramificar e ecoar as centralidades
periféricas. Seria mais legal estudar o Passinho, e continuar levando o passinho para
os centros. Doravante, perscrutando tantas outras emergências artísticas que ainda
devem estar escondidas, ou que acontecem plenamente e mal sabemos, nós
privilegiados das grandes metrópoles.
O que poderia vir a ser uma dança? Uma dança contemporânea? Uma dança
contemporânea contextualizada e encarnada pela opção, ação e pensamento
decolonial? Como empreender a decolonialidade na dança. Como disparar
decolonialidade com dança, como destruir e construir (e não desconstruir)
125
Maíra entra em cena, veste uma saia florida e passeia pela sala com sua dança
intuitiva, curiosa, experimental, inteira, tentando descobrir alguma coisa, com sua
bagagem de balé clássico, de jazz e de tudo o mais que já viu e fez na vida. Antes de
começar a dançar sua fala trouxe estes aspectos do seu apreço enorme pela dança
clássica e ao mesmo tempo o seu anseio por conquistar uma habilidade que ela
admira: causar estranhamento com o corpo, formas imprevistas, inusitadas e
estranhas mesmo.
Donina, realizou uma dança cênica de Orixás, muitas pessoas pediram que ela
encenasse Oxum, mas ela preferiu o orixá Omulu Obaluaê. Foi lindo.
Daniel ao final propôs que nós ressignificassemos a questão do pudor e nos
tocássemos, fizemos três duplas espontâneas, o encontro terminou de uma maneira
muito sensível, na simbiose, contemplação e dialogia de alguns corpos, Mica,
Angelita, Leo, Mariana, Daniel e eu. Corpos no mundo. Uma música desfechava o dia
com o refrão que se repetia na frase:“E a palavra amor cadê?”.
126
127
Quinta-feira, 25-07-18
Para meu segundo dia – quarto dia das alunas – eu e Paulo combinamos que
minha parte seria apenas a de aquecer aqueles corpos para uma Jam. Teríamos a
apresentação de uma performance, feita por uma música que também era uma das
alunas do curso, seguida de uma Jam.
Porém, o Paulo atrasou. Tinha número ímpar de alunas e eu tive que conduzir e
fazer exercício junto com uma aluna. A música precisava de mais tempo do que
precisava para arrumar sua performance. A Jam quase não aconteceu. Calma.
Aquece, respira, alonga. ALINHAMOS NOSSO CORPO NO MUNDO PRESENTE E NÃO NO
MUNDO IDEAL. As alunas já possuem intimidade. No encontro de hoje, não há
necessidade da relação frontal professora/alunas. No quarto encontro, não temos
mais a necessidade de reforçar nossa individualidade. Podemos trabalhar em duplas.
Com o toque, com a pele, com o tato, com o cheiro, com o peso, com o calor do
corpo da outra.
Tentamos dar cara definida aos nossos inimigos? Apenas homens agridem
mulheres? Apenas homens héteros agridem? Apenas homens héteros e brancos? Apenas
homens héteros brancos e ricos? E quem são as pessoas agredidas? Apenas mulheres?
Apenas mulheres negras? Apenas mulheres negras e pobres? E nós já estivemos na
posição de agressoras? E de agredidas? O poder é patriarcal. A violência é patriarcal.
Qualquer pessoa na posição de poder está pronta para assumir uma atitude violenta
patriarcal. É necessário despatriarcalizar para decolonizar.
Mas como começar? Como faremos isso se, apenas na leitura desse relato,
soubemos que duas mulheres foram estupradas? Duas mulheres reais, e a Medusa da
ficção. Como começar algo com nossos quadris ignorados, nossa coluna enrijecida,
nossos olhos ignorando nosso redor? Como sair do chão que nós limpamos para o chão
que é nosso? Os corpos estavam pesando. Os corpos estavam pensando. Os corpos
precisavam reagir.
Cacá então improvisou com seu cello. Nós improvisamos com nossos corpos. O
encontro acabou.
Saio da sala apressada, atrasada para meu próximo compromisso. As alunas
estão em êxtase. As alunas estão conversando. Mulheres sorrindo, conversando, se
ajudando. Mulheres dobrando panos, carregando peso, auxiliando umas às outras.
Uma aluna oferece carona. Mulheres estão conversando. Mulheres estão se ajudando.
Os corpos estão pensando. Os corpos estão vivendo. Os corpos estão dançando. Os
corpos estão reagindo. Os corpos estão se despatriarcalizando. Intuição. Feeling.
Instinto feminino.
129
Sexta-feira 27-07-2018
“ÚLTIMO” ENCONTRO
Paulo Cavalcanti
23
Um pouco da fala dele pode ser ouvida neste link: Disponível em:
<https://drive.google.com/file/d/1Jh1XV3ktQ21HJgWwuSYtEWYmKxtOFrta/view?usp
=sharing>
Todos ficamos muito felizes com a vinda do Lucas, trata-se de uma presença
que evoca e rutila a negritude e a representatividade LGBTTQIA+.
Chega então Aline Lima, trazendo sua experiência com senhoras da
comunidades de M’Boi Mirim, numa brincadeira de roda, com música e dança da
cultura popular.
Para o encerramento, assistimos ao espetáculo Duo Para Dois Perdidos, da Dual
Cena Com no Contemporânea, no vão dos Auditórios da EACH-USP. Os bailarinos Ivan
(também diretor da Companhia) e Hélio, conversaram conosco após a apresentação
sobre a poética só trabalho e o processo criativo do grupo.
23
Registro do conversa com o Psicólogo e Mestre em Psicologia Lucas Veiga.
131
24
24
Registro do excerto da obra “Duo Para Dois Perdidos” da Dual Cena Contemporânea com os bailarinos Ivan
Bernardelli e Helio Feitosa. No encerramento do curso de Extensão de Práticas de Dança Contemporânea e
Decolonialidade. EACH-USP, 2018.
132
A despedida se deu com afeto, com desejo de continuidade e gratidão. Foi uma
semana intensa, cansativa, provocadora e muito feliz!
LITERATURAS
MÚSICAS
Elza Soares: https://www.youtube.com/watch?v=Kw9ke8zt7XA
Ludmilla: https://www.youtube.com/watch?v=RNVLCr-Y7rQ
Anitta: https://www.youtube.com/watch?v=kDhptBT_-VI
Seleção de outras músicas selecionadas para trilha sonora das práticas disponível em :
<https://open.spotify.com/user/paulocorpo/playlist/61s0ejnhz4Jfrtyg4NxHYH>
VÍDEO
https://www.youtube.com/watch?v=Jhhd_tEaJEQ
25
25
Créditos na própria imagem. Fonte: Google.
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QUALITATIVAS (DCTRD)
Novamente, eu, Anna e Marília propusemos um novo curso, dessa vez seriam apenas
3 dias, um pouco mais longos, Anna ministrou um encontro e eu ministrei os outros dois,
desta vez eu estava mais imbuído e mergulhado da poética de dança com sapatos de salto
alto, elemento que sequer figurava na minha pesquisa na época do primeiro curso proposto
no inverno. Havia apenas um rapaz, gay, e várias moças, foram encontros muito profícuos e
dos pés, no salto e fora dele, pensamos numa dança inspirada por LGBTs, onde empinar a
MÉDIOS SALTOS
BATERIA
Epílogo do livro “Pelo Cu” (por mim editado), oriundo de uma tradução de Ginsberg,
Allen. A queda da América. Porto Alegre: LPM, 1987. (SAEZ & CARRASCOSA, 2016 p.183)
por favor meu amo deixa eu contemplar o teu ventre de dourados pelos
por favor meu amo deixa eu desnudar tuas coxas para meus olhos
por favor meu amo deixa eu tirar minha roupa sob a tua cadeira
por favor meu amo deixa eu beijar teus tornozelos tua alma
por favor meu amo deixa eu colar meus lábios na tua coxa dura lisa musculosa
por favor meu amo deixa eu lamber tua virilha de pelos louros e macios
por favor meu amo deixa eu tocar com a língua teu cu violeta
por favor meu amo, por favor, olha nos meus olhos,
por favor meu amo põe tuas mãos ásperas no meu crânio careca cabeludo
por favor meu amo aperta a minha boca contra o coração do teu pau
por favor meu amo aperta o meu rosto contra o teu ventre,
me puxa lentamente com teus polegares fortes até tua dureza muda chegar a minha garganta
até eu engolir & sentir o gosto do teu pau-tronco cheia de veias carne quente delicada
por favor meu amo empurra meus ombros me olha bem nos olhos & me faz debruçar sobre
a mesa
por favor meu amo agarra minhas coxas e levanta minha bunda até a tua cintura
por favor meu amo tua mão áspera no meu pescoço palma da outra mão na minha bunda
por favor meu amo me levanta, meus pés apoiados em cadeiras, até meu cu sentir o hálito do
por favor meu amo manda eu dizer Por Favor Meu Amo Me Fode agora Por Favor Meu amo
por favor meu amo unta teu caralho com cremes brancos
por favor meu amo encosta a ponta do teu pau nas pregas do buraco do meu eu
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por favor meu amo enfia devagar, teus cotovelos envolvendo o meu peito teus braços
por favor meu amo mete em mim um pouco, mais um pouco, mais um pouco
por favor meu amo enfia esse troco no meu cu bem fundo & por favor meu amo meu faz
rebolar para entrar a pica-tronco até o fim até minhas nádegas aninharem tuas coxas, minhas
costas arqueadas, até eu ficar só solto no ar, tua espada enfiada latejando dentro de mim
por favor meu amo enterra fundo outra vez, e tira fora até a cabeça
por favor
por favor meu amo me fode outra vez com o teu ser, me fode
Por Favor Meu amo enfia até machucar o meu macio o Macio
por favor meu amo faz amor com meu cu, da corpo ao centro
& enterra no meu ventre o mesmo doce lenho quente que dedilhaste em tua solidão em
por favor meu amo entra em mim com teu veículo, corpo de gotas de amor, suor de foda
por favor meu amo me faz gemer sobre essa mesa Gemer O meu amo
por favor me fode assim nesse teu ritmo de roça-enfia & tira-e-roça
& enterra até o fim até meu cu ficar mole cachorro sobre mesa ganindo de terror prazer de
ser amado
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& fode mais violento, meus olhos escondidos por tuas mãos que agarram meu crânio
& enterra fundo com forca brutal arrebentando a macieza úmida de peixe
& mais & mais, enfiando fundo enquanto eu grito o teu nome ah eu te amo
(Allen Ginsberg)
iludir, fantasiar, fingir, sentir dor, o que isso tudo têm a ver com a dança?
Quando eu nasci, o porta precisou ser feitos às pressas porque creio que eu tenha defecado
dentro da barriga da minha mão, se eu engolisse aquele material fecal isso seria muito
perigoso, corria algum risco de vida. Parece que deu tudo certo... parece.
DIAGONAL
Conheci Mica: Micaella e Micael. Em 2018, durante uma das minhas aulas de Balé
Clássico na academia Bodytech Vila Olímpia, surge na sala um Sr. Mais velho, cabelo
grisalhos curtos, barbudo, trajando um micro shorts de dança e uma camiseta regata, ele
relatou que já tinha alguma experiência com balé clássico. Notei que ele aparentava ter
aproximadamente 60 anos. Tratava-se de uma aula intermediária, e Micael não conseguiu
acompanhar muito bem, devido a muitas limitações técnicas e físicas, absolutamente
esperado. Ele nunca mais retornou para minha aula de balé.
Nosso segundo encontro foi bem diferente, ofereci uma aula especial naquele mesmo
lugar, em celebração ao dia internacional da mulher. Era uma aula de Stiletto, de dança
sensual com sapatos de salto alto, coreografei uma música da Britney Spears chamada
“Breathe on me” para a ocasião. Foi muito impressionante a cena de Mica tentando (e muitas
vezes conseguindo) acompanhar a coreografia, ao lado de moças tão mais jovens que ele.
Eram movimentos nada triviais, alguns bem complexos, nos níveis alto, médio e baixo, com
giro, torção, contração, queda, contra-tempo, equiulíbrio...
Pois bem, ao término da aula Mica me abordou, disse que fora o dia mais feliz da vida
e que gostaria de iniciar aulas particulares de dança no salto alto comigo. Eu disse que, sim,
claro.
Iniciamos as aulas, foi um processo muito rico, de muita subjetivação, para mim era
um enorme desafio, prazer, oportunidade de diálogo e conhecimento. Nossas aulas não
foram regulares por muito tempo, mas foram muito emocionantes, apesar de todas as
dificuldades do contexto. Em pouco tempo tivemos que interromper o processo pois Mica
sentia fortes dores na região dos tornozelos, na região do tendão calcâneo. Foi necessária
uma cirurgia, e alguns meses de recuperação.
Não chegamos a retomar as aulas pois acabamos nos desentendendo por questões de
outra ordem, infelizmente. Mica foi uma das surpresas e arrebatamento que me fizeram
eleger o fenômeno da utilização do salto alto como baluarte do meu trabalho de mestrado.
148
26
Quem antes foi o Sr. Micael Cimet hoje é a Sra. Micaella Cimet.
26
Eu e Mica tomando um café após uma sessão de aula particular de dança no salto.
149
CODA
Este não é um trabalho sobre mim e minhas memórias e delírios, é sobre usar a mim,
minhas memórias e delírios em serviço de cenários e cenas que vejo acontecerem, do micro
ao macro, participo e vivencio desde 1989, da história que as pessoas dissidentes do âmbito
artístico e sexual LGBT+ vem construindo, descontruindo e reconstruindo. Como Sísifo,
como Frankenstein, como Deusas.
REVERÊNCIA
Pra quem?
Para minha mãe, capoeirista, branca do cabelo crespo, para meu pai, machista do
cabelo liso, de pele mais escura, com traços indígenas, para minhas famílias, para minha
comunidade. Para meus pares de dança e meus amores que me colocam em combustão. De
São Paulo à Brasília, Itápolis, Guarulhos, Sorocaba, Porto Alegre, Florianópolis à Caruaru. Da
militância até a Polícia Militar.
27
2727
Meme biaxado do Instagram.
151
Esta tarefa só poderia ser empreendida por meio de uma investigação qualitativa um
pouco mais radical em relação a produção científica hegemônica que devém da ciência
moderna, eurodescendente. Uma autoetnografia performativa, baseada em arte, uma
epistemologia estética, ética e poética. Verificando a validade do fazer artístico enquanto
produção de conhecimento , performance de dados e manifestação política. A própria
investigação já pode ser considerada uma obra: processo, experiência, mediação, fruição,
evento, acontecimento, estranhamento, manifesto.
Por se tratar de uma autoetnografia, este trabalho deverá ser escrito eminentemente
em primeira pessoa do singular.
152
inconsciente, uma série de estruturas, a história da razão”. (Ibid.) Butler e Foucault nos
mostram os limites da concepção fenomenológica do sujeito. E ela explica que, “a relação
com o si-mesmo é uma relação social e pública, sustentada inevitavelmente no contexto de
normas que regulam as relações reflexivas: como poderíamos e deveríamos aparecer?” (p.
147).
Quem sou eu que vos escreve? Creio que eu seja uma pessoa inclinada ao fazer
artístico e aos movimentos sociais, especialmente aos movimentos do corpo que dança. O
meu corpo, intelecto, espírito e emoção é gay, cis, mestiço, jovem, sem muito dinheiro,
ideologia de esquerda, filho de pai alagoano e mãe brasiliense, paulistano, brasileiro,
habitante do hemisfério sul, bailarino clássico, contemporâneo, professor, educador físico,
gosto de piano, de prazer e não gosto de injustiça. Está é uma descrição pífia e insuficiente.
Uso meu corpo, minha escrita e minha sexualidade para criar as mitologias necessárias a
criação de alguma dramaturgia de dança. Uma autoetnografia. O corpo é a solução.
Relatando a mim mesmo, mediando meus processos de subjetivação e dialogando esses
processos com outras subjetividades, pela alteridade e pelo dissenso, presentificar meu corpo
e minha historiografia latente, presente e premente dentro da minha cultura e do meu
mundo coletivo. Buscando uma autoetnografia coletiva, singular, pública e particular,
reticular, informe, queer, feminista, transdisciplinar, performativa, libertadora, que possa
germinar e florescer nos meandros das dificuldades e normatividades do sistema colonial
que ecoa até o final desta segunda década do século XXI.
Este método é uma composição que imbrica revisão de literaturas, processo criativo
de dança em estúdio, práticas individuais e coletivas de dança, autoetnografia, performance
de dados, performances e intervenções em espaços públicos e elaborações de produção de
conhecimentos em diferentes formatos além da escrita, como imagem e vídeo, por exemplo.
A metodologia (o estudo e a maneira de pensar sobre esses procedimentos) é radicalmente
qualitativa e transdisciplinar, e uma autorização e questionamento constante, uma
metalinguagem.
Para ratificar o caráter qualitativo desta pesquisa, grande atenção será reservada para
relatos de experiência pessoal do autor enquanto arte-educador e intérprete-criador na área
da dança contemporânea, considerando seu fazer artístico durante a vigência do programa
de mestrado e seu memorial de vida profissional. Tal estratégia se alinha com os estudos
qualitativos de Arts Based Research e Practice as Research.
4) Performances e intervenções;
5) Videografias e fotografias.
28
EU ARFANTE. Vídeo da performance anticolonial do mestrando Paulo Cavalcanti na EACH USP em 2018.
Disponível em: <https://vimeo.com/258303801>.
155
Esta é um trabalho de arte, disparado pela intenção de uma escrita poética para
encenar e ensaiar pensamentos e entendimentos a respeito da dança, especialmente a dança
vista e vivida no século XXI, no hemisfério sul, na América Latina, no Brasil. Se, de acordo
com Eduardo Viveiros de Castro (2016), “a tarefa da antropologia contemporânea é a
descolonização do pensamento”, destarte, vislumbra-se aqui uma tentativa de mediação de
tal pensamento ANTIdecolonial por meio do movimento, a encarnação das teorias,
antropofagia, fruição de ideias, instauração de sensações, ambiências e o desabrochar de
sentimentos no corpo. Por meio da elucubração, da criação, da dialogia, da intertextualidade,
do estranhamento, da abstração e da experiência, espera-se que as ações corporais inspiradas
pelas ideias dos textos lidos e produzidos neste percurso possam suscitar transformações
mentais, físicas, emotivas e sociais, portanto, transformações éticas e estéticas: políticas.
Antes de resultantes, processuais; disparadores e devires.
CRONOGRAMA
jan/1 mar/ abr/1 mai/1 jun/1 jul/1 ago/1 set/1 out/1 nov/1 dez/1
Atividade/
8 fev/1 18 8 8 8 8 8 8 8 8 8
Mês 1º ano
8
Revisão x x x x x x x X
Bibliográfic
Análise do x x x
Material
Cumprime x x x x x x X X
nto de
créditos de
disciplinas
Reflexões x x X x x X
no
contexto
157
Pesquisa de x
campo
Produção x x x X x
de Texto
jan/1 mar/ abr/1 mai/1 jun/1 jul/1 ago/1 set/1 out/1 nov/1 dez/1
Atividade/
9 fev/1 19 9 9 9 9 9 9 9 9 9
Mês 2º ano
9
Revisão x x x X
Bibliográfic
Análise do x x x X
Material
Cumprime
nto de
créditos de
disciplinas
Qualificaçã x
Produção x x x x X x x x
artística
Produção x x x x x x x X x
de Texto
158
29
29
Festa de aniversário de 30 anos de Paulo Cavalcanti, 8/2/2019. “Carnaval da Manchete”. Selfie no espelho.
Ateliê André Bétio.
159
30
Aula especial de Stiletto na Bodytech Unidade Eldorado, em comemoração ao dia internacional da mulher,
30
março de 2019.
160
161
31
31
Aula especial de Estilo Feminino no Estúdio Anacã Unidade Pinheiros, em comemoração ao dia
internacional da mulher. Março de 2019.
162
32
32
Performance na Semana de Arte e Cultura na EACH USP em Outubro de 2018. Dança no Salto Alto. Foto de
Ann,
a Carolina Longano.
163
164
33
34
33
Oficina de Dança no Salto na Escola de Aplicação da USP em novembro de 2018.
34
Aula particular de Dança no Salto Alto para Sabrina Almeida.
165
166
167
168
169
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171
172
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174
175
35
35
Durante o Canaval, gravaram um vídeo meu andando pelo viaduto do Chá, este vídeo foi postado na
internet, pelo Instagram, e fui alvo de muitos comentários com discurso de ódio, havia também muitos
comentários positivos ou achando engraçado. O problema era que eu estava usando um suporte de balé, o que
deixava minhas nádegas a mostra.
176
36
36
Com Tiffany Bradshow, após um show no qual a Drag fez cover da Britney Spears.
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37
37
23ª Parada do Orgulho LGBTQ de São Paulo, Brasil, 30 de junho de 2019. Com o estilista André Betio.
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38
38
Carnaval da manchete.
184
39
39
Cartaz de divulagação do filme de Pedro Almodovar, em português, “De Salto Alto”.
185
186
187
188
189
O desenho do meu trabalho começa com a transposição de uma visão. A minha ótica
subjetiva ao longo dos meus trinta anos de vida, de 1989 a 2019, possibilitada pela interface
da minha memória e das meditações dentro do que consigo elencar e resgatar. Eu posso
também ser uma prova viva do processo de transição e evolução do meu enterno político em
termos de Direitos Humanos, racismo, homofobia, discriminação e preconceito à respeito
das corporeidades dissidentes e suas existências em libertação, desde. Na década de 20 do
século XX ser LGBT ainda era um grandissíssimo tabu no Brasil, em São Paulo, e era
bastante convencional e engraçado humilhar e satirizar gays. “Quantas namoradas você tem?
hahaha”. Somente no século XXI começamos a perceber as consequências e efeitos mais
tangíveis de toda a militância que vem sendo realizada pelas bixas mais radicais desde muito
antes de Stonewall. A insurgência queer e a militância da comunidade LGBTTQIA+ já ocupa
muito mais espaço, sem medo, mas ainda correndo risco de vida.
40
Vídeo de exemplo da dança com tijolos aqui: <https://www.youtube.com/watch?v=j-lVi2GeVkk>. Acesso em
julho de 2019.
41
Videoarte OUVE (Listen) Mix Brasil 2016. Disponível em: <https://vimeo.com/172940600>. Acesso em julhor
de 2019.
42
Videoarte. Caos-Meditação. Meditação sobre um tema de Claude Debussy de Zoltan Kodály, Paulo
Cavalcanti. 2015 Disponível em: < https://vimeo.com/172932357>.
191
como baluarte da transmissão do vírus HIV, da AIDS. Caminhava na Av. Paulista todas as
noites na época em que soubemos da notícia do ataque a um rapaz, por um grupo de
homens homofóbicos com uma lampadada. Hoje o símbolo desta homofobia e de toda a
mácula que pode advir de uma natureza tal, preside nosso país. Eu vivo, desde meu
nascimento a ascensão dos movimentos sociais de corpos dissidentes e abjetos na sociedade
das normatividades coloniais. Hoje assisto ao espetáculo grotesco e bárbaro do retrocesso e
da mortandade. Minha dança é uma digladiação interna e desnudada em hemorragia floral
de luto e esperanças preocupadas de sangue, de barro, de poro. Do prazer à dor ao prazer à
dor ao sexo à morta à vida, confundindo o tempo que não existe. Me ultrapassam.
Seja por meio da arte, da dança, com o salto alto que aperta e machuca, seja com
tijolos, seja com uma ida ao salão de beleza que tenha profissionais sensíveis que saibam
tratar de cabelos cacheados de forma natural, o cuidado de si é uma prática que deve
caminhar lado a lado ao nosso processo de descolonização de cada dia, afinal este é um
processo tão violento...
193
Brighytie Paçoquinha
194
5. BIBLIOGRAFIA
BARDET, M. A filosofia da dança: um encontro entre dança e filosofia. São Paulo: Martins
Fontes; 2014.
BERNARDELLI, I. Lanternas no Caos. Lugar Elástico: São Paulo, 2017. Disponível em:
<https://ciadual.files.wordpress.com/2018/06/lanternas-no-caos1.pdf>.
BUTLER, J. Relatar a si mesmo - Crítica da violência ética. São Paulo: Autêntica, 2015.
LEAVY, P. Method meets art: arts-based research practice. New York: The Guilford Press;
2015.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
RUFINO, L. Fogo no Mato. A ciência encantada das Macumbas. Rio de Janeiro: Mórula,
2018.
SANTOS, Boa Ventura de Souza; MENESES, Maria Paula. (orgs.). Epistemologias do Sul.
São Paulo: Cortez, 2010.
SAEZ, Javier; CARRASCOSA, Sejo. Pelo Cu: Políticas Anais. Belo Horizonte: Letramento,
2016.
NORA, S. (org.) Temas para a dança brasileira. São Paulo: SESC, 2010.
NOVERRE, J. G. Cartas Sobre a Dança. Marianna Monteiro. São Paulo, Edusp/Fapesp, 1998.
OLIVIERI, Cris; NATALE, Edson. Direito, Arte e Liberdade. (org) São Paulo: SESC, 2018.
PRECIADO. Paul Beatriz. Texto Junkie: sexo, drogas e biopoder na era farmacopornográfica.
São Paulo: N-1, 2018
RUFINO, L. Fogo no Mato. A ciência encantada das Macumbas. Rio de Janeiro: Mórula,
2018.
SAFATLE, V. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo. São
Paulo: Autêntica, 2016.
FOTOGRAFIAS
Outras imagens: Pirateadas do Google ou produzidas por meio do meu dispositivo digital,
a maioria capturas de tela do celular ou recuperação de registros do Instagram.
Situações: Aulas coletivas e particulares de dança, 23ª parada do Orgulho LGBT, Festas de
pré-caranaval e carnaval, Festa de aniversário de 30 anos de idade; Performance EACH-
USP, Oficina na Escola de Aplicação na FEUSP;
198
“Se perguntarem a um homem por que razão ele se permitiu abusar de seu semelhante
indefeso, ele dirá: eu fiz porque nada me impediu de fazer.” (Maria Rita Kehl)
E a uma mulher?
“Talvez somente pela experiência do outro, sob a condição de termos suspendido o juízo,
tornamo-nos finalmente capazes de uma reflexão ética sobre a humanidade do outro, mesmo
ANEXO
EU ARFANTE
PAULO CAVALCANTI
Palavras chave
Censura, Cultura, Desobediência Civil, Estado de Direito, Ética, Etnia, Extremismo Religioso,
Feminismo, Gênero, Gentrificação, Justiça, Levante, LGBTQIA, Minorias, Público/Privado,
Violência
Resumo da proposição
4) Amor. Um corpo que ama/existe. Como todas as outras pessoas e seres capazes de
amar/existirem.
Cronograma: De uma a duas apresentações por dia durante a 14ª edição da Verbo Mostra de
Performance Arte, de 3 a 7 de julho de 2018. Duração: 33”
3o mov.: Assassínio de uma princesa defunta (matar alguém já morta).43 Passinhos de uma
dança clássica desconcertante, uma valsa (compasso ternário) no compasso binário da pavana
(?!).
4o mov.: Uma canção de amor, urgente, intenso, pessoal, pungente, arfante. “Eu te amo como
a morte ama a humanidade.”44 Yoga, musculação, improviso, (falta de) ar, respiração, caixa
torácica, ossos, apneia.
43
Referência à peça musical para piano ou para orquestra de Maurice Rave, “Pavana para uma princesa defunta”
(ou “Pavana para uma criança defunta” ou “Pavane pour une infante défunte”), composta em 1899 .
44
Referência à peça musical de Asaf Avidan “Bang Bang” (2015).
202
7o mov.: “Baile de peruas, (...) escolheu a beleza errada. (...) A lantejoula apareceu de novo.
(...) cafonice intrínseca (...) acabou forçando a barra.”46 Aerojazz, look trash 80 fitness, so
fashion, vintage, Kitsch, démodé, Avant garde, lacre.
8o mov.: Funk proibidão, depreciação do feminino. “Safada, cachorra, puta, piranha, quanto
mais tu xinga ela melhor ela é na cama.”47 Paragem.
9o mov.: “A placa de censura no meu corpo diz: não recomendado a sociedade. (...) Pervertido,
mal amado, menino malvado, muito cuidado, má influência, péssima aparência, menino
indecente, viado.”48 Abramos um vinho, celebremos. Foram muitas fantasias. Um sangue de
Cristo presentificado escorrendo até a vagina forjada de um corpo andrógino pseudo trans.
10o mov.: Um corpo que jaz, manifestado, fragilizado, exposto, explícito. Seguro e assertivo
em seu desamparo.
45
Referência à peça musical do grupo NoPorn “Maiô da Mulher Maravilha (2016)”.
46
Referência a peça musical “Baile de Peruas” (2006) do grupo NoPorn.
47
Referência a peça musical “Mega atabaque” (2015) de Mc Didão, Mc DG e Mc WG.
48
Referência a peça musical “Não recomendado” (2014) de Caio Prado.
203
Re ações.
Cor/açâo.
A investigação estética é difusa, um grande novelo que enrola e se desenrola formando uma
tessitura de significados, sensações, impressões, suspeitas e intuições. Uma contracorrente ao
machismo, patriarcado, neoliberalismo, misoginia, homofobia, heteronormatividade,
convenções de beleza, plutocracia, meritocracia, cartesianismo, positivismo, equívoco da arte
enquanto “O Belo”, censura, e, sobretudo, ao colonialismo. Os motes de insurgência são: as
mitologias contemporâneas, as fés, a arte, a educação, a cultura, as grandes minorias, a matriz
afrodiaspórica, a feminilidade, as redes digitais, a performatividade, a subjetivação, o corpo, o
diálogo, e, primeiro, a autoetnografia.
49
Referência a obra de Roland Barthes, “Fragmentos de um discurso amoroso”, sobre a etimologia da palavra
coragem.
204
Doce, delicado?
Abjeto, aberração?
Inútil, ácido?
Lymda, fêiu?
Pelego, subdesenvolvido?
Viadinho, passiva?
Você é homem?
Diva, vagabunda?
Discreto, obsceno?
Violento, violentado?
Você, eu?
Nós?