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Trocando em miúdos a teoria e a prática

Linguagem e letramento e m fo c o
Práticas na sala de aula
de línguas estrangeiras

Carmen Zink Bolognini


Doutora em Linguística — IEL/Unicamp
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© Cefiel/IEL/Unicamp
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Básica. A Rede é formada pelo MEC, Sistemas de Ensino e Centros de Pesquisa e
Desenvolvimento da Educação Básica.

Impresso em fevereiro de 2008.


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Sumário

Apresentação / 5

Atividade 1 ■ Linguagem, história, ideologia e cultura – Provérbios na


aula de língua estrangeira / 7
Introdução / 7
Objetivo da atividade / 9
Justificativa / 9
Pressuposto para a análise / 12
Algumas observações / 15

Atividade 2 ■ Provérbio e escola – Sobre ensino e aprendizagem / 18


Introdução / 18
Objetivo da atividade / 19
Justificativa / 20
Algumas considerações / 22

Atividade 3 ■ Sujeito e linguagem – Da tradução para o sujeito/24


Introdução / 24
Objetivo da atividade / 26
Justificativa / 26
Considerações finais / 30
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Atividade 4 ■ Língua materna e língua estrangeira – “O churrasco


é ao meio-dia” / 32
Introdução / 32 ■ ■ ■

Objetivo da atividade / 33
Justificativa / 33
Para terminar / 34
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Apresentação

O fascículo teórico intitulado Línguas estrangeiras no Brasil: histó-


ria e histórias, da coleção “Linguagem e Letramento em Foco”,
conta, como seu próprio nome diz, histórias a respeito da chegada
de línguas estrangeiras ao Brasil. O objetivo dos autores naquele
fascículo foi promover, com o profissional que trabalha com o ensi-
no de línguas estrangeiras, reflexões a respeito da constituição do
Brasil, um país que nasceu a partir de uma relação com o estran-
geiro: o português.
Este fascículo, por sua vez, tem por objetivo demonstrar que
qualquer atividade em sala de aula implica trabalhar com concei-
tos de linguagem e de sujeito. Para tanto, apresentamos ativida-
des, convidamos os professores a executá-las, e os envolvemos
nas discussões que as acompanham.
Bom trabalho!

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■ Atividade 1

LINGUAGEM, HISTÓRIA, IDEOLOGIA E CULTURA


Provérbios na aula de língua estrangeira

Introdução

A cultura entrou como tema de discussão no ensino de língua


estrangeira principalmente a partir de meados dos anos 1970,
quando pesquisas na área da linguagem a relacionaram a questões
sociais. Nessa época, ganhou força entre os pesquisadores volta-
dos para o ensino/aprendizagem de língua estrangeira o ensino
comunicativo. Baseado em parâmetros que privilegiavam a intera-
ção entre sujeitos, e reconhecendo a importância de questões cul-
turais e das funções da linguagem para o sucesso da comunicação,
o foco do ensino de língua estrangeira mudou. A estrutura da língua
— sua gramática — deixou de ser o foco principal do ensino.
Essa mudança introduziu novos tópicos na aula de língua
estrangeira. Deixando de ser elemento norteador das unidades
didáticas, a gramática passou a ser ensinada como decorrência do
tópico da unidade. E os tópicos foram sendo escolhidos por sua
importância como acervo cultural do país e dos sujeitos falantes
da língua-alvo. Dessa maneira, provérbios passaram a ser utiliza-
dos por professores, na sala de aula de língua estrangeira, normal-

. 7.
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mente para alunos de níveis mais avançados, como mais um dos


aspectos culturais a serem ensinados, assim como alimentação,
vestimentas, festas típicas, entre tantos outros.
Concordamos que o ensino de provérbios é uma forma de fazer
o aluno, aprendiz de uma língua estrangeira, entrar em contato
com o acervo cultural do grupo falante da sua língua-alvo.
Entretanto, gostaríamos de ressaltar o fato de que, dentro da pers-
pectiva teórica da Análise de Discurso1, com a qual estamos tra-
balhando, os provérbios não são um efeito da cultura de um grupo,
mas, sim, contribuem para constituir a cultura de um povo.
Essa questão é básica. A cultura inexiste fora da linguagem, e
grande parte dela é constituída pela língua. E os provérbios estão
nessa dimensão: na dimensão da língua. Dessa maneira, por
constituírem o acervo cultural de um povo, consideramos, sim,
importante trabalhar com provérbios. Entretanto, e principalmente,
também consideramos o trabalho com provérbios interessantíssi-
mo para trabalhar questões relativas à história e à ideologia de um
grupo falante da mesma língua.
É desse aspecto que trataremos aqui. Principalmente porque
consideramos que a tarefa do professor de língua estrangeira tem
uma dimensão muito especial: o professor não só atua na relação
de seu aluno com o estrangeiro, sua história, sua ideologia, sua cul-
tura; o professor atua na relação de seu aluno com seu próprio
grupo social, sua ideologia, sua história. Esse dado não é novo. Ele
já é conhecido desde quando os europeus passaram a olhar para
si próprios após o contato com os outros – os asiáticos, os africa-
nos, os americanos. Guardadas as devidas proporções, a sala de
aula de língua estrangeira funciona como o lugar no qual a alterida-
de é trabalhada e, esperamos, constitutiva dos alunos aprendizes.

1
Toda a discussão teórica da Análise de Discurso está baseada nas reflexões de Eni
Orlandi.

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Objetivo da atividade

Conforme mencionado anteriormente, o trabalho com provérbi-


os na sala de aula de línguas estrangeiras é justificado pela sua
relação com os aspectos culturais. Pretendemos demonstrar,
entretanto, que relacionar provérbios a um acervo cultural é dizer
pouco a seu respeito. Isso porque – merece ser salientado – toda
e qualquer manifestação cultural se dá por meio de uma forma de
linguagem. Portanto, é imprescindível que, antes que questões
relativas à cultura sejam discutidas, a linguagem, sua concepção
e seu funcionamento sejam objeto de reflexão.
O exemplo de uma análise de provérbios feita aqui terá por
objetivo argumentar a favor do fato de que eles, por serem objetos
simbólicos que acontecem na língua, contam e fazem uma histó-
ria. Porque, ao contarem uma história, eles a trazem de volta cada
vez que são enunciados, e estabilizam também sua ideologia.
Confira comentário da página 21 do fascículo Línguas estran-
geiras no Brasil: história e histórias2.

Justificativa

O trabalho do professor de língua estrangeira (LE) é o de colo-


car em contato dois ambientes históricos e ideológicos, duas so-
ciedades, por intermédio de duas línguas: a língua materna do
aluno e a língua estrangeira que ele está aprendendo.
Os aspectos históricos e ideológicos envolvidos no ensi-
no/aprendizagem de língua estrangeira têm menos espaço de dis-
cussão do que o reconhecimento da importância das atividades de

2
O fascículo Línguas estrangeiras no Brasil: história e histórias será, aqui, simplesmente
chamado de “fascículo teórico”.

. 9.
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sala de aula de LE como um lugar no qual no mínimo duas cultu-


ras entram em contato. O foco na cultura é colocado por pratica-
mente todos os autores de materiais didáticos produzidos a partir
da década de 1980, comprometidos com a proposta comunicativa
de ensino. Essa tarefa é apresentada nos materiais didáticos a
partir da proposição de atividades que contrastem costumes de
diversas sociedades, como nos exemplos já citados acima – fes-
tas típicas, atividades de lazer, alimentação etc.
Concordamos que essas propostas são importantes e que con-
tribuem para a formação do aluno. Entretanto, queremos demons-
trar que questões culturais sempre estão presentes quando traba-
lhamos com a linguagem. Isso porque partimos do pressuposto de
que a cultura não existe fora da linguagem. Se concordamos que a
linguagem é histórica e é ideológica, concordaremos que as mani-
festações culturais são histórica e ideologicamente determinadas.
Além de trabalharmos com o pressuposto de que todas as
manifestações culturais se dão pela linguagem, e que são, portan-
to, determinadas pela história e pela ideologia, também trabalha-
mos com o pressuposto de que os objetos simbólicos têm seu
sentido dado pela história e pela ideologia.
Sendo assim, na condição de objeto simbólico da linguagem
verbal, da língua, um provérbio conta uma história. Uma história,
como todas as outras, ideológica. Argumentaremos, portanto, no
sentido de que a história e a ideologia produzem os efeitos de sen-
tido dos objetos simbólicos, entre eles, os provérbios. E procurare-
mos demonstrar que esses efeitos de sentido determinam com-
portamentos e as manifestações culturais de uma determinada
comunidade linguageira.

Confira comentários sobre língua e cultura na página 51 do fas-


cículo teórico.
Vejamos, portanto, como os processos históricos, ideológicos

. 10 .
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e culturais acontecem na materialidade da linguagem, a partir de


uma análise de dois provérbios: um em língua inglesa e outro em
língua portuguesa.

1º passo

Procure a tradução para o português do provérbio “The early bird


catches the worm”.

Observação: Uma das dificuldades desta atividade está situa-


da no conceito de tradução com o qual se trabalha. Como estamos
falando em tradução de provérbios, é importante refletirmos sobre
duas características dos provérbios: a primeira diz respeito a sua
forma. Partimos do pressuposto, na Análise de Discurso, de que a
forma, a estrutura, produzem efeitos de sentido. Portanto, o fato
de os provérbios possuírem uma estrutura fixa, atravessando gera-
ções sem sofrerem alterações, garante a estabilidade de seus
efeitos de sentido; a segunda característica dos provérbios é o
fato de que, justamente por atravessarem gerações com a mesma
estrutura, sua força argumentativa é muito forte. A conseqüência
dessas duas características para o tradutor de um provérbio é que
ele deve procurar por outro provérbio. A elaboração de uma frase
não seria ideal, porque ela não teria os dois componentes citados:
uma frase não teria uma forma fixa, imutável, nem teria a força
argumentativa de um provérbio3.

3
Os provérbios também permitem jogos de linguagem. Por exemplo: “Quem espera sem-
pre alcança” pode surgir como “Quem espera se cansa”. Esses enunciados, entretanto,
têm seu poder argumentativo por estarem em uma relação interdiscursiva com os
provérbios. Portanto, eles não negam a existência do provérbio, nem a sua verdade. Eles
se sustentam no fato de reconhecerem o poder argumentativo dos provérbios.

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Para encontrarmos um provérbio em português que possa ser


considerado a tradução mais próxima de um provérbio em inglês,
seria interessante:
a) verificar palavras ou expressões que estejam presentes nos
dois provérbios;
b) observar qual é o efeito de sentido que ele está produzindo.

Ou seja, a procura pela tradução do provérbio já se configura como


um início de análise. Essa primeira etapa pressupõe a procura
pela semelhança entre os provérbios. Dito de outra maneira, para
encontrar a tradução é interessante localizar, nos dois provérbios,
elementos que sejam importantes para a produção do efeito de
sentido comum a ambos.
E então? Encontrou o equivalente? A proposta “Deus ajuda
quem cedo madruga” parece boa?
Nós a consideramos boa por dois motivos:
a) porque estamos estabelecendo uma relação entre os dois pro-
vérbios por meio da palavra cedo/early; e
b) porque essas palavras produzem, nos dois provérbios, o efeito
de sentido de que há vantagens em se levantar cedo.

Faremos a seguir uma análise detalhada dos dois provérbios,


e, caso tenha pensado em outro provérbio em português, seria
interessante que você procedesse a uma análise dele também.

Pressuposto para a análise

Não existe nada fora da materialidade da linguagem. Fala-se,


popularmente, em ler nas entrelinhas, ou em ler o que está por trás
das palavras. Dentro da concepção teórica com a qual estamos tra-
balhando, os efeitos de sentido não estão nas palavras, ou entre

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linhas, ou por trás das palavras. Os efeitos de sentido são produzi-


dos porque um símbolo estabelece relação com outros, enunciados
em outros momentos, anteriores. Dessa maneira, os efeitos de
sentido de um objeto simbólico são dados pela sua história.
A relação de um objeto simbólico com outros é uma relação
entre discursos, ou seja, é uma relação interdiscursiva. E é ela que
produz os efeitos de sentido dos objetos simbólicos, e estabelece
a sua relação com a história – e com a ideologia. Ou seja, não é
que os efeitos de sentido estejam fora da língua, fora da linguagem,
entre linhas, ou por trás das palavras. Os efeitos de sentido estão
e são produzidos na relação de um símbolo com outros.

Confira a definição de interdiscurso na página 23 do fascículo


teórico.

2º passo

Para iniciarmos a nossa argumentação, e trabalhando com o pres-


suposto de que os acontecimentos estão na materialidade da lin-
guagem, propomos uma análise sintática dos dois provérbios.

The early bird catches the worm.

É um período simples:
P sujeito: The early bird

P adjunto adnominal: early

P predicado: catches the worm

P verbo transitivo: catches

P objeto: the worm

Nota-se que o adjunto adnominal ocupa aqui o espaço de uma


oração adjetiva: early, nessa oração adjetiva, funcionaria como

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adjunto adverbial do verbo to wake up. Dessa forma, o provérbio


teria o seguinte formato The bird, that wakes up early, catches the
worm. Mas isso não é suficiente: a ação de levantar cedo só é jus-
tificada se ela tiver uma finalidade. No caso do provérbio, a finali-
dade está colocada no predicado: catches the worm4. Worm é o ali-
mento do sujeito da ação, bird. Portanto, levantar cedo significa ter
alimento, em uma ação descrita pelo verbo to catch. Esse verbo
demanda uma atuação do sujeito do enunciado: to catch exige
esforço, exige trabalho.
Por um processo metafórico, o sentido proposto pelo provérbio
é que se trabalha para que se tenha alimento. Pela análise, obser-
va-se que o sujeito do enunciado, the early bird, é recompensado
pelo fato de poder ser caracterizado como early: ele catches the
worm, isto é, ele não passará fome. O sujeito do provérbio é aque-
le que executa a ação, e é imediatamente recompensado pelo seu
esforço, tanto o de levantar cedo, como o de trabalhar. O provérbio
em inglês indica o que o sujeito deve fazer (levantar cedo para tra-
balhar) para viver bem (não passar fome).
Para fins de análise, é importante ressaltar ainda que, nesse
provérbio, a relação entre o esforço e o benefício é direta; ela é
estabelecida por meio de um verbo transitivo direto.

3º passo

Observemos a análise do provérbio em português:

Deus ajuda quem cedo madruga.

4
Como se sabe, o provérbio em língua inglesa trata da questão de relacionar o trabalho,
levantar cedo e a recompensa a partir de uma metáfora que envolve o pássaro (bird)
que pega (catches) a minhoca (the worm).

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É um período composto:
P oração principal: Deus ajuda

P sujeito da oração principal: Deus

P predicado da oração principal: ajuda quem cedo madruga

P verbo da oração principal: ajudar (um sujeito ajuda alguém, que

é o objeto direto)
P objeto do verbo ajudar – oração subordinada substantiva: quem

cedo madruga
P sujeito da oração subordinada: quem

P verbo intransitivo da oração subordinada: madrugar

P advérbio: cedo

Pode-se observar que, no provérbio em português, o sujeito que


faz a ação de levantar cedo para trabalhar não tem controle sobre
os benefícios que receberá por executar tal ação. A sua relação
com o sujeito da oração principal (Deus) é de subordinação. O
sujeito da oração principal (Deus) irá ajudá-lo, com certeza – o pro-
vérbio diz isso. Mas não se sabe de que maneira essa ajuda se
processará, ou qual será essa ajuda.

Algumas observações

Os provérbios, conforme comentado anteriormente, por serem


compostos por objetos simbólicos, têm todas as características da
linguagem: são estabilizadores de ideologias, ou seja, de valores,
de relações de poder, que constituem os sujeitos de uma comuni-
dade. Além disso, eles atravessam gerações, estabilizando sua
ideologia e fazendo história. Como vimos, seu poder argumentati-
vo reside justamente no fato de que, ao estabilizarem uma ideolo-
gia e uma história, estão fazendo história também: espera-se que
aquele que os ouve atue na direção dos efeitos de sentido que

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eles indicam. Eles sempre têm o mesmo formato, a mesma estru-


tura, o mesmo léxico, ou seja, eles têm estabilidade na materiali-
dade da sua linguagem. Essa qualidade garante a estabilidade dos
efeitos de sentido que eles produzem.
Ao analisarmos as diferenças entre os provérbios em portu-
guês e em inglês, notaremos que a mais substancial está na maior
ou menor influência que o sujeito tem sobre os benefícios que terá
com a sua ação: ele faz o que se espera dele (levanta cedo e tra-
balha), mas a recompensa, em inglês, está explicitada no provér-
bio (alimento), enquanto, em português, a recompensa não é
expressa, e está vinculada a Deus, ao qual ele é subordinado.
Essas diferenças marcam posições ideológicas distintas para os
sujeitos: ser responsável pela sua qualidade de vida, ou comparti-
lhar essa responsabilidade com Deus. É interessante observarmos
que são vários os interdiscursos aos quais esses dois provérbios
podem ser ancorados. A título de curiosidade, temos trabalhos
escritos que relacionam o capitalismo à religião protestante. Como
se sabe, essa religião, diferentemente da religião católica, valoriza
tanto o acúmulo de riqueza, como o esforço individual para atingir a
riqueza. E esses dois itens fornecem as bases para o capitalismo.
Se você for professor de outra língua estrangeira que não o
inglês, seria interessante se você procurasse o provérbio equiva-
lente nessa língua, e o analisasse.

4º passo

Quais seriam as conseqüências desses dois provérbios na forma-


ção de falantes de português e falantes de inglês?

A resposta a essa pergunta depende da relação que considera-


mos existir entre sujeito e linguagem, ou seja, depende da concep-

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ção de sujeito com a qual trabalhamos. Esse


Se você gostou de
será o assunto da Atividade 3.
analisar provérbios, e
Entretanto, antes de passarmos a discutir a quiser saber mais so-
concepção de sujeito, gostaríamos de propor bre o assunto, procure o
artigo de James Obelkevich,
mais uma análise de provérbios. Como estamos
intitulado “Provérbios e His-
todos envolvidos com a escola, e com proces- tória Social”, publicado no
sos de ensino/aprendizagem, seria interessante livro História social da lingua-
gem (Unesp e Cambridge
se trabalhássemos com um provérbio que faz
University Press, 1996).
referência a esse processo. Sobre a relação entre
protestantismo e capitalis-
mo, há o livro de Max Weber,
intitulado O espírito protes-
tante e as origens do capita-
lismo. (Uma parte desse
livro está publicada na cole-
ção “Os pensadores”, da
Editora Abril.)

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■ Atividade 2

PROVÉRBIO E ESCOLA
Sobre ensino e aprendizagem

Introdução

Se estamos trabalhando com ensino de línguas estrangeiras,


estamos desenvolvendo a percepção para outras histórias, outras
ideologias e, conseqüentemente, outras culturas. Isso se dá por-
que, com todos os estudos que vêm sendo realizados a respeito
da linguagem e suas diversas formas, não há mais como descon-
siderar que o fato de a língua estrangeira ter, em sua materialida-
de, uma estrutura diferente, remete a acontecimentos diferentes,
e faz acontecimentos serem diferentes também.
Um dos grandes acontecimentos da história da humanidade foi
a institucionalização do ensino, por meio das escolas. Sabemos
que elas nem sempre existiram da maneira como as idealizamos:
um lugar a ser freqüentado por todas as crianças de uma comuni-
dade, no qual circulam os conhecimentos que uma determinada
sociedade considera indispensáveis a todos os seus membros.
Da definição de escola, em grego, já podemos observar a gran-
de diferença: seu significado é “sala de banho”! Porque os gregos
que tinham posses, e tinham escravos para realizarem o serviço
braçal, se reuniam nas salas de banho, para conversar. E essas

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conversas eram consideradas formativas e informativas. Daí o


nome “escola” para as nossas instituições atuais.
Para o Brasil, as escolas foram trazidas pelos jesuítas, que fun-
daram os primeiros colégios. O seu objetivo era ensinar a religião
cristã aos habitantes nativos do país. Isso ocorreu bem mais tarde
se comparado ao surgimento das primeiras escolas na Europa, por
exemplo. E essa diferença faz diferença. A relação dos brasileiros
com a escola é diferente da relação dos europeus com a escola,
porque, entre outros motivos, historicamente as duas instituições
nasceram de maneira diferente nos dois países. A necessidade da
institucionalização do ensino na Europa se deu muito antes do que
no Brasil. Na verdade, a escola, como instituição, foi trazida pelos
europeus para cá.
Mas, atenção! O fato de não existirem escolas, não significa
que não houvesse ensino e aprendizagem no Brasil. Os habitantes
nativos do país ensinavam e aprendiam. De outra forma.

Objetivo da atividade

Conforme discutimos na Atividade 1, os provérbios, antes de


fazerem parte do acervo cultural de um grupo de falantes da
mesma língua, contam e fazem a história desse grupo. Procu-
ramos demonstrar que, cada vez que são enunciados, os provér-
bios trazem de volta uma história e a estabilizam, constituindo
sujeitos dentro daquela história. A análise da maneira pela qual
a escola é contada em provérbios fornecerá subsídios interessan-
tes para a compreensão das diferenças entre grupos falantes de
línguas diferentes.

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Justificativa

A instituição escola não é igual em todas as comunidades –


nem é esperado que o seja. Ela não é igual em sua estrutura, ou
seja, na quantidade de anos que uma criança precisa, obrigatoria-
mente, passar nela para ser considerada formada e informada por
um grupo social. Tampouco os conteúdos são os mesmos.
Analisaremos alguns provérbios, verificando a maneira pela qual
o ensino e a aprendizagem são ali retratados, observando que dife-
rentes perspectivas de ensino, diferentes perspectivas de aprendi-
zagem implicam ancoragem a diferentes concepções de sujeito.

1º passo

Vamos começar a Atividade 2 de maneira diferente daquela usada


para começar a Atividade 1: vamos começar pelo português.

A proposta é que você pense em provérbios em português que


tratem de questões relativas à escola, ao processo de ensino
e/ou aprendizagem.

Observação: Trabalharemos aqui com os mesmos pressupostos


teóricos já apresentados anteriormente a respeito de provérbios.

Você deve ter pensado em vários, não é? A nossa proposta é


iniciarmos a análise por dois provérbios: “É de pequenino que se
torce o pepino” e “Pau que nasce torto nunca se endireita”.

2º passo

Vamos verificar as semelhanças entre os provérbios?

. 20 .
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Brasil rural: Uma questão que diz respeito especificamente ao


Brasil é o fato de os dois provérbios terem suas origens no Brasil
rural. Fala-se de ensino e ou aprendizagem por meio de metáforas,
cujas origens remontam a ambientes nos quais a produção agríco-
la tem grande importância. Esses provérbios remetem, portanto, a
interdiscursos que fazem referência a um período da história do
Brasil e trazem essa história de volta, cada vez que eles são enun-
ciados. Pois, como se sabe, o Brasil foi um país predominantemen-
te agrícola até meados do século XX, quando teve início o proces-
so de industrialização mais intenso. Esse processo redundou no
crescimento das cidades e na evasão do campo.
O pronome se: No primeiro provérbio, o pronome se faz referência
a um agente da ação, ou seja, há alguém que irá ensinar, educar,
formar. No segundo provérbio, o pronome se é ambíguo: não se
sabe se ele é reflexivo, ou se ele faz referência a um sujeito, agen-
te da ação, como no caso anterior. Essa é uma questão importan-
te, porque remete à responsabilidade pela educação: no primeiro
caso, a ausência de ambigüidade deixa evidente a necessidade de
alguém responsável pela ação (pais, professores etc.). No segundo
caso, a responsabilidade, dada a ambigüidade, não é definida:
pode ser atribuída a educadores, mas também ao próprio sujeito.

3º passo

Vamos analisar, agora, qual a grande diferença, em termos de con-


cepção de aprender e ensinar, entre os dois provérbios?

É de pequenino que se torce o pepino.

Esse provérbio parte de uma concepção de sujeito segundo a


qual a aprendizagem é constitutiva do sujeito. O aluno pode apren-
der, desde que seja ensinado quando criança.

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Pau que nasce torto nunca se endireita.

Aqui a concepção de sujeito é outra: ele nasce de uma forma,


e não aprende a ser diferente. E o foco está naquilo que não é
valorizado na sociedade, pois “nascer torto” produz o efeito de
sentido de “ser errado”. Ser errado se opõe a “ser direito”.

Essas duas concepções tão distintas de sujeito são fundamen-


tais para nós, professores e educadores. Acreditarmos na possibi-
lidade da educação é o princípio básico de nossa atividade como
professores, e, dessa maneira, partir do pressuposto de que um
sujeito nasce de uma determinada forma, e não é passível de dei-
xar de ser assim, elimina a nossa possibilidade de atuação social.

Algumas considerações

Embora os dois provérbios em português façam referência ao


Brasil rural, e não à educação formal tal qual praticada na escola,
uma instituição da sociedade, eles tratam do assunto educação e
formação de sujeitos – de maneiras distintas, pois partem de pres-
supostos diferentes sobre a possibilidade de atuação do educador.
Há ainda, entretanto, uma outra questão que merece ser obser-
vada: caso no primeiro provérbio o pronome se seja interpretado
como reflexivo, entra em cena a responsabilidade do sujeito pela
sua formação.
A ambigüidade se torna, assim, um elemento importante no
provérbio, pois a responsabilidade pela educação, formação de um
sujeito não reside apenas no ato de ensinar, mas também no ato
de aprender.

. 22 .
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4º passo

Procure, agora, provérbios equivalentes aos dois anteriores, e


analise-os. Verifique qual história eles contam e com qual concep-
ção de ensino/aprendizagem eles trabalham.

Um dos elementos que merece muita aten-


A respeito da história
ção é o verbo existente no provérbio: ele trata de do ensino no Brasil
ensinar ou de aprender? Ele trata da responsa- há diversas obras. Algumas
bilidade de quem durante o processo? tratam desse assunto mais
diretamente, outras indireta-
mente. Vale a pena procu-
Já conversamos indiretamente sobre concep- rar, para verificar como é
ções de sujeito. Vamos discutir esse assunto contada essa parte da his-
tória do Brasil.
agora mais diretamente?

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■ Atividade 3

SUJEITO E LINGUAGEM
Da tradução para o sujeito

Introdução

Uma das questões mais importantes que se coloca quando se


está trabalhando com a linguagem gira em torno da concepção de
sujeito a ela ancorada. Há, por exemplo, quadros teóricos que não
promovem uma relação constitutiva entre linguagem e seus falan-
tes. Uma das conseqüências dessas teorias é que a linguagem e
suas diversas formas, entre elas a língua, traduzem pensamentos,
idéias, valores que o falante já tem. Pressupor, por exemplo, que as
pessoas nascem gostando ou não das coisas, achando alguns
comportamentos certos e outros errados, é estar comprometido
com teorias deterministas. Elas vêem a linguagem como um instru-
mento de comunicação de algo existente fora dela, e independente
dela. Algo que existe no indivíduo, que lhe é inerente.
Mesmo reconhecendo a força dessas teorias, pois elas estão
colocadas em cena cada vez que falamos algo do tipo “Fulano nas-
ceu para...”, ou, no caso do provérbio analisado anteriormente,
“Pau que nasce torto...”, estamos trabalhando com outra concep-
ção de sujeito: com a concepção de que ele é constituído pela lin-
guagem. Ou seja, tal qual trabalhado na atividade anterior, consi-
deramos que não existe nada fora da linguagem. Nem o sujeito.

. 24 .
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A concepção de sujeito da Análise de Discurso, que o conside-


ra como tendo sido constituído pela linguagem, tem suas origens
na psicanálise, afirma Orlandi (1999)5. Como se sabe, Freud pos-
tulou a existência do inconsciente. E Lacan, tendo estudado as
contribuições de Freud, e as contribuições de lingüistas como
Jakobson e Saussure, postulou que o inconsciente é constituído
como uma linguagem. Além disso, ele propôs a supremacia do sig-
nificante (símbolo) sobre o significado, ou seja, que o símbolo
determina a maneira pela qual os significados são atribuídos ao
mundo.
É a partir desses postulados que é possível afirmar que o pen-
samento, as idéias, os valores de um sujeito apenas existem por-
que ele está inserido no mundo linguageiro. Partimos, assim, do
pressuposto de que gostar ou não de algo, considerar um compor-
tamento certo e outro errado, são valores constituídos no sujeito
pela linguagem. Conforme discutido na Atividade 1, estamos traba-
lhando com um quadro teórico que considera a linguagem “histó-
rica” e “ideológica”. Se concordarmos que o sujeito é constituído
pela linguagem, estaremos trabalhando com uma concepção de
sujeito histórico e ideológico também.
As implicações disso para o ensino de uma língua estrangeira
são imensas. Vimos, nas atividades anteriores, a exemplo dos pro-
vérbios, que objetos simbólicos diferentes contam histórias dife-
rentes, e, portanto, colocam em cena ideologias diferentes.
Pretendemos demonstrar, agora, que línguas diferentes constitu-
em sujeitos de forma diferente. Porque as histórias são diferentes,
bem como as ideologias.

5
Orlandi, E. Análise de Discurso. Princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 1999.

. 25 .
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Objetivo da atividade

Discutir, a partir da tradução de uma palavra do inglês falado


nos Estados Unidos para o português falado no Brasil, a maneira
pela qual os sujeitos são constituídos de forma diferente pelos
objetos simbólicos de suas línguas.

Justificativa

É importante que reflexões a respeito de concepções de sujei-


to sejam desenvolvidas sempre que trabalhamos com ensi-
no/aprendizagem. Essa importância deve-se ao fato de que teóri-
cos envolvidos em pesquisas que propõem técnicas a serem
empregadas em sala de aula estão sempre pressupondo uma con-
cepção de sujeito. Essa concepção nem sempre é explicitada, ape-
sar de ser determinante para todos aqueles que trabalham com
processos de ensino/aprendizagem.
A título de ilustração, pensemos em duas teorias que tiveram
grande influência na sala de aula: o comportamentalismo e o
determinismo. De acordo com o comportamentalismo, o indivíduo6
aprende mediante a repetição. Ao repetir comportamentos consi-
derados desejáveis, o indivíduo recebe reforço positivo do grupo
social, enquanto, se repetir comportamentos considerados indese-
jáveis, ou se cometer um erro, recebe reforço negativo. Portanto, o
indivíduo, tal qual concebido pelo comportamentalismo, é vazio de
conhecimentos. Eles são adquiridos por meio da repetição de com-
portamentos aos quais o indivíduo está exposto. Em sala de aula
de língua estrangeira, algumas técnicas empregadas são: a repe-
tição, o elogio e a correção do erro.

6
Esse é o termo utilizado no comportamentalismo.

. 26 .
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O determinismo, por sua vez, já parte de outra concepção de


indivíduo: assim como o próprio nome diz, há uma predisposição
inata que possibilita a aquisição/aprendizagem. No campo da lin-
guagem, considera-se que existe um Dispositivo de Aquisição da
Linguagem, postulado por Chomsky, que basta ser ativado para
que a aquisição/aprendizagem de uma língua ocorra. Na sala de
aula de língua estrangeira, dentro dessa linha teórica, algumas téc-
nicas empregadas são: exposição do indivíduo à língua-alvo, para
acionar o Dispositivo de Aquisição da Linguagem; considerar o erro
um indício de que hipóteses a respeito da estrutura da língua-alvo
estão sendo elaboradas.
A nossa proposta, aqui, é apresentar argumentos que contri-
buam para defender outra perspectiva de sujeito: aquela compatí-
vel com a concepção de linguagem discutida acima. Procuramos
demonstrar que todo objeto simbólico é histórico e ideológico.
Argumentaremos que todo sujeito é constituído pela linguagem e
que, portanto, todo sujeito está ancorado a uma história e a uma
ideologia.
Também é importante ressaltar que a tradução é uma prática
que faz parte do cotidiano da sala de aula de língua estrangeira.
Alguns teóricos, principalmente aqueles comprometidos com o ina-
tismo chomskiano, postulam a possibilidade de se trabalhar na
sala de aula de língua estrangeira sem o apoio da língua materna,
considerando que a aquisição de uma língua estrangeira pode ser
semelhante à aquisição da língua materna. Consideramos esse
pressuposto questionável, principalmente devido à ancoragem da
Análise de Discurso à psicanálise: se o inconsciente é constituído
como uma linguagem, esse seria composto pelas formas existen-
tes no primeiro ambiente linguageiro no qual o sujeito está inseri-
do. E a língua materna faz parte desse ambiente. Dessa forma, a
língua materna é um dos elementos mais fortes na constituição do
sujeito, de seus valores, de suas referências.

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1º passo

Qual é a tradução da palavra soccer para o português? Seria


futebol?

Concordamos que soccer se traduz para o português como


futebol.
Observação: Com o intuito de preparar essa atividade, em uma
aula de inglês como língua estrangeira, o professor, questionado
sobre o significado da palavra soccer, fez mímica. Ao final da aula,
foi feito um levantamento nos cadernos e livros dos alunos, e todos
que haviam anotado alguma coisa escreveram a palavra futebol ao
lado da palavra soccer. Isso indica que a tradução (da língua
estrangeira para a língua materna do aluno) ocorre constantemente,
mesmo que o professor se preocupe em apresentar o significado do
símbolo questionado por meio de outras formas de linguagem.

2º passo

Para continuarmos refletindo sobre uma concepção de sujeito,


seria interessante que você fizesse um levantamento de tudo
aquilo a que a palavra futebol remete. Para tanto, faça uma lista de
palavras, frases, expressões associadas ao futebol.

É importante que esse levantamento seja feito, independente-


mente de você gostar ou não do esporte. O elemento a ser levado
em consideração é a relação da grande maioria dos brasileiros
com o futebol.
Vejamos se você pensou em paráfrases de:
a) futebol é o esporte mais praticado e assistido no Brasil;
b) o Brasil foi diversas vezes vencedor de campeonatos internacio-
nais de futebol;

. 28 .
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c) jogadores brasileiros ocupam posição de destaque se compara-


dos com jogadores de outros países;
d) futebol é um dos assuntos que mais mobilizam os brasileiros.

A título de curiosidade, e funcionando como argumento a favor


dos itens levantados acima, pesquisas realizadas em jornais
impressos e eletrônicos em língua inglesa e em língua alemã indi-
caram que os tópicos mais abordados quando o Brasil é notícia
são: futebol, carnaval e violência. Isso é um indicativo de que o
futebol constitui a identidade dos brasileiros tanto internamente
quanto no exterior.

3º passo

Você considera que a palavra soccer mobiliza os mesmos elemen-


tos elencados anteriormente?

Evidentemente, tendo sido constituídos pelo português falado


no Brasil, temos muito poucos elementos para fazermos um levan-
tamento dos enunciados e palavras que um estadunidense relaci-
ona à palavra soccer. Entretanto, tomando como base o que é
escrito na mídia impressa e eletrônica brasileira a respeito dos
Estados Unidos, pode-se dizer que soccer não é um tópico freqüen-
temente relacionado ao país.
Vejamos se você pensou em paráfrases de:
a) é um esporte praticado por poucos;
b) é um esporte assistido por poucos;
c) poucos jogadores de soccer são considerados bons;
d) esse esporte nunca teve atuação de destaque em torneios
internacionais.

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4º passo

O que as diferenças entre os dois países indicam, no que diz res-


peito a soccer e futebol?

Sempre que um brasileiro estiver presente em uma conversa


com pessoas de qualquer lugar do mundo, haverá uma tendência
a colocá-lo na posição discursiva daquele que tem algum tipo de
relação com futebol. Por sua vez, um estadunidense nunca ocupa-
rá essa posição. Haverá surpresas se o brasileiro não gostar e/ou
não jogar futebol, e haverá surpresas se o estadunidense gostar
e/ou jogar futebol.
Quais são as implicações disso? Se pensarmos nas palavras
futebol e soccer, poderemos considerar que cada uma delas está
ancorada a discursos diferentes, que mobilizam o sujeito de
maneiras diferentes. Todos os discursos aos quais a palavra fute-
bol está ancorada são constitutivos dos sujeitos que falam o por-
tuguês do Brasil como língua materna, e formam esse sujeito den-
tro da história e da ideologia presentes nesses discursos. Essa
história coloca o brasileiro entre os melhores do mundo. E isso é
importante para a constituição da identidade do sujeito. Essa posi-
ção de estar entre os melhores do mundo é ocupada por estadu-
nidenses em vários outros lugares, como, por exemplo, esportes,
economia, poderio militar, mas não em soccer. Esse é mais um ele-
mento que coloca o brasileiro em uma posição especial. Ocupar
posições especiais significa que, em algum lugar, ocupa-se uma
posição de poder. E isso é ideologia.

Considerações finais

Esta atividade demonstrou que temos sujeitos inseridos, pelo


discurso, em uma história e ideologia que já existiam antes deles,

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e que são colocadas em movimento por eles toda vez que falam.
Independentemente da língua que falam. Estamos, assim, traba-
lhando com a concepção de sujeito constituído pelo discurso e
comprometido histórica e ideologicamente.
Para a aula de língua estrangeira, as implicações disso são, no
mínimo, duas.
Em primeiro lugar, devemos sempre desconfiar das traduções
fáceis, porque a língua não é transparente. Ela não tem significa-
dos deslocados e separados da história e da ideologia. Cada pala-
vra carrega consigo uma história e uma ideologia.
Em segundo lugar, as implicações para nos-
sos alunos são muito fortes. Ao falarem uma lín- Se você gostou de
discutir questões
gua estrangeira, eles estão entrando em outra
relativas à identida-
história e outra ideologia. Mas eles são constitu- de do brasileiro, ou de dis-
ídos pela sua Língua Materna – e significados cussões relativas à identi-
dade e sua relação com a
por ela.
língua estrangeira, e quer
Isso tem relação com a identidade do sujeito aprofundar seu conheci-
e tem implicações para as relações de contato mento desse assunto, pro-
cure livros que relacionam
que ele estabelece com falantes de outras lín-
psicanálise, discurso e
guas. A pergunta a ser colocada, aqui, é: quan- ensino/aprendizagem de
do deixamos de falar a nossa língua materna língua materna e/ou de lín-
com palavras na língua estrangeira? Quando gua estrangeira.

entramos no discurso da língua estrangeira?

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■ Atividade 4

LÍNGUA MATERNA E LÍNGUA ESTRANGEIRA


“O churrasco é ao meio-dia”

Introdução

Conforme vimos nas atividades anteriores, trabalhar com línguas


estrangeiras significa colocar em contato diferentes histórias, dife-
rentes ideologias. Também discutimos que, sendo constituídos pela
linguagem, os sujeitos são constituídos pelas possibilidades exis-
tentes na sua comunidade linguageira. Isso significa que os seus
valores, suas concepções de “certo” e “errado” são determinadas
pelas normas e padrões existentes em seu grupo social.
A nossa sociedade se guia pelo relógio. As línguas que conhece-
mos têm presente, passado e futuro nas flexões verbais, além de
advérbios marcando o que vem antes e o que vem depois. As pre-
posições de tempo têm grande papel na organização dos compro-
missos. São diversas as amarras da língua para fazer com que o
relógio funcione no nosso cotidiano.
Mas, mesmo assim, mesmo pensando que o tempo é algo
exato, que meio-dia, por exemplo, é 12 horas, 12 o’clock, 12 Uhr,
no que diz respeito à administração do tempo, estamos trabalhan-
do com gestos de interpretação, que produzem efeitos de sentido
diferentes, dependendo da língua materna de cada comunidade.

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Objetivo da atividade

Discutir a maneira pela qual concepções de tempo e a adminis-


tração do tempo são constitutivas da identidade dos sujeitos falan-
tes de uma língua. Sendo constitutivos do sujeito, são determinan-
tes da maneira como são estabelecidas suas relações discursivas.

Justificativa

Um dos imaginários que orientam a nossa sociedade é que,


quando falamos de qualquer assunto e o relacionamos a números,
estamos falando de algo exato. É como se os números fossem
impermeáveis a gestos de interpretação. Como se sua presença
garantisse a compreensão universal dos fenômenos a eles relacio-
nados. Nesse grupo se encaixa o tempo. Um ano dura 365 dias,
uma hora tem 60 minutos, uma partida de futebol dura 90 minutos.
Entretanto, os números e a administração do tempo são resul-
tados de gestos de interpretação. Os gestos de interpretação, que
produzem efeitos de sentido, estão relacionados a condições de
produção. Dessa maneira, cabe perguntar: quando meio-dia é 12
horas, 12 o’clock ou 12 Uhr? Ou seja, sob quais condições de pro-
dução o horário indicado pelo relógio produzirá o “meio-dia”?
Se você for convidado para um churrasco, em um domingo, ao
meio-dia, a que horas você chega?
E se você for convidado para um almoço com o diretor da esco-
la, em uma segunda-feira, ao meio-dia, a que horas você chega?
Qual é a diferença?
Imagine agora que você está fazendo o churrasco, em um
domingo, e convida um grupo de estrangeiros para o meio-dia, e
você só abre a porta uma vez, às 12 horas, para todos, que vie-
ram em carros separados. O que isso significa?

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Para terminar

Como essa administração do tempo funciona entre os falantes


da língua estrangeira que você ensina? Qual é a relação disso com
conceitos históricos, ideológicos e relações de poder? Pense
sobre isso, considerando as concepções de linguagem e sujeito
com as quais trabalhamos.

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anotações

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anotações

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anotações

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anotações

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anotações

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Títulos da coleção “Linguagem e Letramento em Foco”

A criança na linguagem: a fala, o desenho e a escrita - Zelma R. Bosco


Meus alunos não gostam de ler... O que eu faço? - Marisa Lajolo
Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e a escrever? - Angela
B. Kleiman
Aprender a escrever (re)escrevendo - Sírio Possenti
Multilingüismo: divisões da língua e ensino no Brasil - Eduardo Guimarães
O trabalho do cérebro e da linguagem: a vida e a sala de aula - Maria Irma
Hadler Coudry, Fernanda Maria Pereira Freire
Línguas indígenas precisam de escritores? Como formá-los? - Wilmar da Rocha
D'Angelis
O índio, a leitura e a escrita: o que está em jogo? - Marilda do Couto
Cavalcanti, Terezinha de Jesus M. Maher
Letramento e tecnologia - Denise B. Braga, Ivan L. M. Ricarte
Manual básico de letramento digital - Denise B. Braga, Ivan L. M. Ricarte,
Carolina Bottosso de Moura, Luiz Henrique Magnani, Rodrigo Martins Sabiá
Línguas estrangeiras no Brasil: história e histórias - Carmen Zink Bolognini,
Ênio de Oliveira, Simone Hashiguti

Títulos da série “Trocando em Miúdos a Teoria e a Prática”

Narrar, desenhar, brincar... fazendo a diferença na Educação Infantil - Zelma


R. Bosco; Silvana Perottino (colaboradora)
Reescrita de textos - Sugestões de trabalho - Sírio Possenti, Jauranice
Rodrigues Cavalcanti, Fabiana Miqueletti, Gisele Maria Franchi (colaboradora)
Os falantes e as línguas - Multilingüismo e ensino - Eduardo Guimarães,
Carolina de Paula Machado, Gabriele de Souza e Castro Schumm, Luciana
Nogueira, Simone de Mello de Oliveira
Cérebro e linguagem “em ação” na sala de aula - Maria Irma Hadler Coudry,
Fernanda Maria Pereira Freire
Formando escritores indígenas - Wilmar da Rocha D'Angelis
Nos bastidores de cursos de formação de professores indígenas - Marilda do
Couto Cavalcanti, Terezinha de Jesus M. Maher
Práticas na sala de aula de línguas estrangeiras - Carmen Zink Bolognini
Você, eles, nós leitores na sala de aula - Márcia Razzini (em preparação)

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