Dissertação de Mestrado
Nathalie Guerra Castro Albuquerque
Orientadora: Profa. Dra. Sylvia Cavalcante
Co-orientadora: Profa. Dra. Karla Patrícia Ferreira Martins
FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR
Vice-Reitoria de Pós-Graduação – VRPG
Programa de Pós Graduação em Psicologia
Mestrado em Psicologia
Fortaleza,
2018
NATHALIE GUERRA CASTRO ALBUQUERQUE
Fortaleza,
2018
NATHALIE GUERRA CASTRO ALBUQUERQUE
Dissertação apresentada à
Coordenação do Programa de Pós-
graduação em Psicologia, do Centro
de Ciências da Saúde da
Universidade de Fortaleza como
requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profa. Dra. Sylvia Cavalcante
Universidade de Fortaleza
________________________________________
Profa. Dra. Karla Patrícia Ferreira Martins
Universidade de Fortaleza
________________________________________
Profa. Dra. Normanda Araújo de Morais
Universidade de Fortaleza
________________________________________
Profa. Dra. Suzann Flávia Cordeiro de Lima
Universidade Federal de Alagoas
AGRADECIMENTOS
“Eu só tenho duas palavras:
Obrigada Deus.”
(Yara Guerra Silva)
A esse Deus maior que eu, fonte de minhas fortalezas.
Aos meus pais, Rosângela e Marcus Castro, e meus sogros, Edice e Franzé Albuquerque, que me
apoiaram nessa trajetória, oferecendo suporte emocional e operacional na conciliação das várias
obrigações assumidas por mim. Sem vocês nada seria possível.
Ao meu esposo, Eliezer Rodrigues Albuquerque, em especial, que se fez pai e mãe da nossa
pequena Gabriela, quando precisei por vezes me ausentar dos momentos em família para dedicar-me a
este estudo. Sem falar de sua inspiradora maneira de enfrentar a vida com positividade e esperança,
motivando-me sempre. Obrigada por ser, além de tudo, meu melhor amigo.
À minha filha, Gabriela Albuquerque, que faz jus ao significado de seu nome, demonstrando que
foi enviada por Deus para ser luz e alegria. Tê-la em minha história mudou a forma de ver o mundo, me
enchendo de forças para lutar em busca de uma realidade melhor.
À minha irmã, Nayanne Guerra Castro, que sempre se mostrou tão interessada em minhas
aventuras acadêmicas e profissionais, e me ofereceu atenção e suporte emocional em muitos momentos
dessa trajetória.
À minha orientadora Dra. Sylvia Cavalcante que demonstrou por tantas vezes, em choros
engasgados, compartilhar dos meus sentimentos de inquietação diante dos achados desta pesquisa. Sem
falar que levarei para a vida o seu exemplo de pessoa e professora que me mostrou que muito mais
importante do que os resultados, é o que se aprende no caminho.
À professora Dra. Normanda Araújo, com suas contribuições não somente enquanto avaliadora
deste trabalho, mas também se fazendo peça essencial para meu crescimento enquanto pesquisadora.
Obrigada pelas suas aulas em metodologia de trabalho científico e pelos seus direcionamentos ao longo
de todo esse percurso.
À professora Dra. Suzann Cordeiro, por sua receptividade e disponibilidade de sempre em
esclarecer as minhas dúvidas. Obrigada pela missão que assumiu ao se especializar nessa área de estudos
sobre o ambiente penal, se tornando uma referência de vida pra mim. Quando eu crescer, quero ser igual a
você.
À professora Dra. Karla Martins, por sua maneira sábia de lidar com questões delicadas da vida.
Obrigada pelo apoio que me foi oferecido e pela sua positividade inspiradora.
Ao Laboratório de Estudos das Relações Humanas e Ambientais (LERHA) e todos os seus
integrantes, que me acolheram desde antes da seleção para o mestrado, se fazendo essenciais para o meu
crescimento pessoal e profissional.
À minha grande amiga e professora Me. Marília Diógenes, por compartilhar comigo momentos
de alegria, ansiedade e frustração. Obrigada por ler os rascunhos dos capítulos dessa dissertação e fazer
observações sempre pertinentes. Obrigada por sua amizade, ela é preciosa pra mim.
À Universidade de Fortaleza, por me oferecer oportunidade de formação e por, principalmente,
ser referência nacional de ensino e pesquisa no país. Sou muito orgulhosa de fazer parte dessa história e
de levar comigo sua herança.
À Coordenação de Arquitetura e Urbanismo, representada hoje pelos colegas Profa. Dra. Camila
Girão e Prof. Me. Marcos Bandeira, pela confiança em me acolher como professora do curso e pelo apoio
que me foi dado para alcançar esse desafio do mestrado.
À Deus, novamente, que dá sentido a tudo isso. Obrigada, Deus.
Lista de
FIGURAS
5. CONSIDERAÇÕES 127
REFERÊNCIAS 139
APÊNDICES 153
RESUMO
Albuquerque, N. G. C. (2018). O que é uma prisão? Percepções ambientais em uma
penitenciária (Dissertação de Mestrado em Psicologia). Universidade de
Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil.
This study was a search for environmental perceptions from a penitentiary unit users:
prison inmates and staff. The interest to identify and comprehend people environmental
relations, from the Environmental Psychology studies, induced this research through
multimethods investigation techniques: documentary survey, research field observation,
exploratory interviews and narrative interviews. This research was at the Francisco
Hélio Viana de Araújo Ceará State Prison, in Brazil, where the field data collection was
accomplished from November to December, 2017, having as participants a total of 16
inmates and 15 agents. Content analyses were accomplished and their results evidenced
that spatial and social crowding overlap prison environment nowadays, from the
inmates complaints, when they expressed claims for space – territoriality. Complaints
also expressed by staff that, despite they are in supervision spot, they are submitted to
exposure of themselves to the permanent observation from supposedly dangerous
people. The research also evidenced that the environment acts over people state of mind
and, indeed, over their behavior, indicating that working and educational activities leads
to a positive meaning of sentences, because they permit a symbolic removal of the state
of mind of imprisonment. Therefore, this work exposes that prison prosecute a complex
social function, and it is a delation about the Brazilian social segregation that also
presents from inside its penal institutions, promoting the detachment of sentences from
the humanization and people social recovery reformative goals. The maintenance of
this social isolation strategy by the imprisonment must be changed in many aspects. For
such, it is necessary to rethink human activities in those places.
INTRODUÇÃO
Uma vez li que o pesquisador é o primeiro objeto de seu estudo (Benevides,
2008). Por que pesquisa o pesquisador? Para quem pesquisa? A que se dedica? Decidi
então começar a introdução deste trabalho escrevendo aqui um pouco de mim, na
certeza de que a minha história de vida me trouxe até aqui e não foi por acaso.
Além disso, de 2013 até 2018, a crise da segurança pública e dos presídios só
aumentou, o que alimentou uma atração pelos estudos sobre prisões, me fazendo sentir
conectada e induzida ao tema. Quem sabe, no futuro, outras justificativas apareçam
mais obvias do que esta. Por ora, este é o início da história de uma pesquisadora.
Zanella e Sais (2008) numa reflexão sobre o ato de pesquisar afirmam que este é
um processo de criação ético, estético e político num diálogo estabelecido com a
realidade e com a própria (cons) ciência. E posso dizer com convicção que cresci muito
nesse processo. Cresci e me descobri em muitos aspectos, numa busca incessante de que
ainda há esperança para essa realidade que envolve o sistema penal e os seus
integrantes.
Nesse processo de estudos, digo com certeza que a melhor fase foi aquela em
que entrei em campo. Foi instigante observar a realidade, pois me senti ali como uma
verdadeira cientista. Por mais que eu tivesse lido a respeito da força do contato com a
realidade sobre o pesquisador, me surpreendi com o impacto que essa experiência me
causou.
Confesso, e adianto, que muito dessa minha atração pelo ambiente penal tem a
ver com a descoberta de um mundo que não está tão distante assim, formado por
pessoas humanas quanto qualquer um de nós. Por inúmeras vezes, ao ouvir os diferentes
relatos sobre histórias de vida de alguns respondentes desta pesquisa, pensei comigo:
provavelmente eu faria o mesmo e poderia ser igual a qualquer um deles, se tivesse
vivenciado experiências semelhantes. Ao estudar sobre as percepções ambientais de
outros, eu descobri também um pouco de mim neles.
Esta pesquisa, portanto, teve seus objetivos delineados numa investigação sobre
as percepções acerca dos ambientes penitenciários. Pelo referencial teórico da
Psicologia Ambiental, este trabalho constitui uma tentativa de apreender o significado
desses lugares para os seus usuários ao dar-lhes voz para exprimirem seus afetos e
significações. O interesse pela identificação e compreensão das relações pessoa-
ambiente direcionou a inclusão dos presos e dos agentes penitenciários na análise, na
expectativa de compreender a realidade estudada de forma abrangente.
São 306 presos para cada 100 mil habitantes. Em comparação à média mundial
de 144 presos, esse número, junto aos demais dados apresentados, demonstra que há
uma grande disposição em prender por parte do Estado Brasileiro. E quem são os presos
do Brasil?
A história pode explicar a origem dessa abordagem humanista sobre a ação dos
indivíduos. No período da Idade Média até o final do século XVIII, o crime era
considerado uma afronta ao poder do soberano, autoridade maior representada pelo rei e
operada pela Igreja. Na época dos suplícios, quando os corpos dos criminosos eram
castigados em demonstrações públicas por meio de mutilações, enforcamentos,
decapitações etc., inspirar o medo era o resultado desejado pelo poder, como meio do
controle social (Foucault, 1975). Porém, essas ações incitavam protestos e revoltas. Se a
execução era considerada injusta o criminoso deveria ser libertado e os oficiais
perseguidos, assim, poderia haver facilmente um distúrbio social como resultado dessas
demonstrações de castigo ao corpo (Dreyfus, 1995).
A aparição das prisões com funções correcionais não ocorreu sem predecessores
na época da reforma humanista. Até então, locais similares cumpriam funções
provisórias de isolamento, no intuito de assegurar o indivíduo à condenação e à
execução da pena, que se restringia a ser corporal ou capital (de morte). Mas em meados
do século XVIII, várias casas de correção holandesas haviam incorporado um sistema
de reabilitação social e individual baseado em imperativos econômicos. Os internos não
eram necessariamente criminosos, mas indigentes, prostitutas e pessoas de
11
comportamento inadequado, que então eram aprisionados e forçados a trabalhar para
pagar a sua correção, como contrapartida econômica aos custos desse tipo de instituição
(Dreyfus, 1995).
Foi no século XIX que surgiram as primeiras prisões com celas individuais e
oficinas de trabalho, e com tipologias arquitetônicas destinadas a cada tipo de pena. No
Brasil, o código penal de 1890 destituiu as penas perpétuas e coletivas, limitando-se às
restritivas de liberdade individual de 30 anos, no máximo, em prisão com celas, com
trabalho obrigatório e disciplinar (Cordeiro, 2005).
Dessa forma, o código penal brasileiro (Brasil, 1940) corrobora com a mesma
base advinda da reforma humanista do final do século XVIII e início do século XIX.
São instituídas condições ambientais e arquitetônicas específicas para o cumprimento de
cada tipo de pena, demonstrando que houve uma preocupação em assistir os condenados
13
conforme a sua necessidade particular e a sua individualidade. Ademais, a possibilidade
de progressão de regime ao longo do tempo até o regime aberto, incita uma condenação
fundamentada na disciplina e na remissão do erro, que fecha seu ciclo oferecendo ao
recuperando oportunidade de demonstração de confiança em um período de parcial
liberdade – no regime aberto – que antecede a liberdade total, após cumprimento da
pena.
A Lei de Execução Penal (LEP) (Brasil, 1984) também afirma essa concepção
humanista quando descreve o seu objetivo:
Considera-se que todo lugar está envolvido por uma conjuntura social, cultural e
histórica e, sendo assim, o ambiente em questão vai além do espaço físico. Uma
15
complexidade de componentes que se estendem para os aspectos não físicos do espaço,
mantem uma relação recíproca na qual o lugar modifica e é modificado em múltiplas
dimensões. Bronfenbrenner (1996) define essas dimensões em microssistemas (como as
percepções imediatas da pessoa dentro de suas limitações fisiológicas, culturais, sociais,
históricas etc. no âmbito das relações interpessoais), mesossistemas (na qual os
microssistemas são influenciados pelos vínculos familiares e sociais imediatos),
exossistemas (envolvendo as interrelações com a comunidade institucional) e
macrossistemas (capazes de refletir nas demais dimensões pelos contextos políticos,
econômicos, culturais etc.).
Nesse tocante, Carrus et al. (2005) ressaltam que em estudos sobre percepção
ambiental, é possível identificar três perspectivas sobre o lugar: aquelas dos usuários
(habitantes), as dos técnicos (ou projetistas) e as dos gestores. Segundo os autores, em
avaliações sobre os ambientes, aqueles que possivelmente poderão falar com maior
propriedade sobre os espaços, são os usuários do lugar.
Propõe-se aqui, portanto, dar voz às pessoas e suas percepções sobre o ambiente
prisional, na suposição de que os significados atribuídos a esses lugares, por parte de
seus usuários, poderão colaborar para melhor apreender as relações pessoa-ambiente
que se constroem ali. As percepções ou interpretações de significados atribuídos pelas
pessoas a seu ambiente podem viabilizar a compreensão de seus comportamentos no
tocante ao entorno em que vivem (Kuhnen, 2011), e, quem sabe, lançar uma luz sobre
as práticas projetuais e de gerência do sistema penitenciário vigente.
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
17
Capítulo 2
FUNDAMENTAÇÃO
Neste capítulo são introduzidos os principais conceitos usados para fundamentar
as análises desta pesquisa. A partir da problematização, são apresentados importantes
conceitos da Psicologia Ambiental para a apreensão do ambiente prisional. Em seguida,
são expostas algumas experiências de pesquisas internacionais que buscaram adentrar o
mundo restrito das unidades penais para compreendê-lo. Tendo em vista os achados da
revisão, observa-se a arquitetura penal no Brasil e suas especificidades culturais e
sociais, dando enfoque, por fim, nas suas gerências, com suas superpopulações
prisionais e repercussões.
O autor Urie Bronfenbrenner (1996) detalha ainda que essas simbologias dos
espaços têm a ver com as relações de trocas entre pessoa e ambiente em dimensões
complementares. Como já colocado na contextualização, a primeira dimensão é
identificada por microssistema, no qual o ambiente em questão é o imediato e
diretamente relacionado com as características físicas e materiais específicos. Além
disso, as atividades exercidas pela pessoa, o seu papel e as relações interpessoais
constituem os elementos desse microssistema. A segunda dimensão é o mesossistema,
que, em resumo, é um sistema de microssistemas. De maneira mais ampla, o
mesossistema considera os vínculos com a comunidade imediata, como amigos e
familiares próximos. A terceira dimensão é o exossistema, que considera as relações de
vizinhança, trabalho externo, e vida social, como as entidades institucionais. A última
dimensão é ainda mais expandida, tendo sido designada por macrossistema. Nesta
última dimensão de relações, a pessoa está sujeita à influência dos eventos que agem no
nível da cultura e sociedade, dos sistemas de crenças e ideologias.
A busca foi realizada na base SCIENCE DIRECT, nos periódicos CAPES e nas
publicações da editora SAGE. Seu início foi em dezembro de 2016, e seu último acesso
às fontes ocorreu nos dias 22 e 23 de novembro de 2017, na rede de acesso público da
Universidade de Fortaleza. O procedimento de busca nas fontes supracitadas se deu, em
um primeiro momento, pelo uso do descritor ‘prisão’, escrito em Português e Inglês. Em
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
A busca nessas três fontes e a seleção dos artigos através dos critérios de
inclusão/exclusão pré-estabelecidos, resultou em um total de 12 trabalhos, que
constituiu o escopo desta revisão de literatura. Os trabalhos selecionados foram
categorizados em dois grupos: o primeiro foi nomeado de vertente negativa e o segundo
de vertente positiva, classificados assim de acordo com a influência dos espaços sobre
os usuários como explicados a seguir.
1
Operadores booleanos de pesquisa relacionam as palavras ou grupos de palavras no processo de busca
em bases on-line. Esses operadores são AND, OR e AND NOT, e os seus usos contribuem para recuperar
revistas cujos títulos ou temas contenham as palavras/termos da pesquisa.
23
A vertente positiva agrega trabalhos sobre características ambientais que
colaboram para o equilíbrio comportamental e fisiológico das pessoas em ambientes
prisionais.
Figura 3 – Artigos revisados, ordenados de 1970 a 2020 em linha do tempo, destacando graficamente a
metodologia de cada pesquisa.
O primeiro trabalho dessa vertente foi publicado em 1980, por Wener e Olsen,
no qual focam os projetos arquitetônicos dos espaços prisionais e suas influências. Os
objetivos deles foram avaliar o partido arquitetônico, as diretrizes projetuais e,
posteriormente à ocupação, os resultados de efetividade arquitetônica das unidades
correcionais de Nova Iorque e Chicago, considerando a percepção das pessoas naqueles
espaços através de entrevistas com detentos e funcionários. Utilizaram também a técnica
de observação do espaço por meio de mapas comportamentais.
Em seu estudo, Tartaro (2003) faz uma revisão dos três tipos de instituições
penais mais comuns nos país. São eles:
Figura 5 – Imagens da segunda geração de estabelecimentos penitenciários dos EUA. À esquerda, figura
em planta baixa representa o esquema espacial dessa tipologia. À direita, fotografia da penitenciária
Super-Max de Thompson.
Fonte: Ornstein (1989) e Wener (1993) apud Agostini (2002, pp.26).
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Concluiu-se no estudo de Tartaro (2003), que prisões com mais agentes por
número de internos têm menos suicídio, assim como prisões nas quais os agentes
passam mais tempo transitando nos espaços penais em contato com os presos e de
forma proativa – e não reativa – desempenhando suporte psicossocial aos internos. O
estudo teve sua hipótese inicial confirmada – relação entre suicídios com aspectos
físicos e de gerência do ambiente penal –, pois reforçou a importância da arquitetura no
apoio psicossocial ao interno, demonstrando que prisões do tipo modular, com
31
supervisão direta, não só reduzem o estresse do ambiente penal, como refletem o menor
número de suicídios nesses lugares.
Wener, em 2006, também publicou sobre ambientes prisionais com uma revisão
de literatura, enquadrada também na vertente positiva deste trabalho. Dessa vez, o
objetivo foi analisar pesquisas que avaliaram a efetividade do sistema prisional de
supervisão direta, usado para nortear os projetos e as gerências de instituições prisionais
da terceira geração de tipologias penais – as MCCs citadas anteriormente são incluídas
nessa tipologia. As pesquisas evidenciaram que os projetos construídos e gerenciados
por esse tipo de sistema prisional apresentaram níveis reduzidos de violência, baixos
índices de vandalismos, melhor relação entre detentos, melhoria em níveis de estresse,
redução de fugas, de incêndios, entre outras ocorrências.
Nesse estudo empírico quantitativo, 2500 fichas de detentos com mais de três
anos de reclusão concluídos foram avaliadas. O critério de escolha dos participantes,
segundo os autores, teve base em estudos anteriores que identificaram que nos primeiros
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Dessa forma, pode-se dizer, em conclusão a esta revisão, que os artigos que a
compõe evidenciaram estudos sobre ambiente prisional em duas vertentes: a primeira,
denominada negativa, é representada por D’atri (1975), MacCain et al. (1976), Atlas
(1984), Schaeffer et al. (1988), Lennox (1990), Lahm (2008), Morris et al. (2012) e
33
Worrall e Morris (2012). Nesta, os autores voltaram sua atenção para doenças
fisiológicas e reações comportamentais, relacionando-as às condições ambientais
desequilibradas, cujas necessidades de privacidade não são supridas. A segunda
vertente, denominada positiva, tem como alvo o estudo das características arquitetônicas
como colaboradoras, em certo grau, com o trabalho psicossocial dos agentes e o
equilíbrio psicológico e fisiológico das pessoas nesses lugares. Explorado por Wener e
Olsen (1980), Tartaro (2003), Wener (2006) e Morris e Worrall (2014), esse flanco de
estudos retrata condições diversas adotadas nos projetos arquitetônicos e nas gerências
das instituições prisionais e suas influências observadas.
Nesse tocante, o estudo de Atlas (1984) que fez correlação isolada de variáveis
físico-ambientais com o comportamento, foi refutado. Ele buscou relacionar a
temperatura com o grau de agressividade e irritação das pessoas, e os resultados foram
negados, encontrando relações muito mais complexas que envolviam variáveis físicas,
mas também pessoais e sociais. Diante disso, conclui-se que somente estudos
interdisciplinares e de métodos variados poderão melhor aproximar-se da realidade para
compreendê-la de forma abrangente.
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
CELAS
PÁTIO
PÁTIO PÁTIO
PÁTIO PÁTIO
Figura 8 – Ilustração da tipologia arquitetônica Linear ou Espinha de Peixe. À direita, esquema espacial
do padrão, com destaque em vermelho para a localização das celas. Ao centro, imagem da Penitenciária
do Estado de São Paulo. À esquerda, foto aérea da Penitenciária de Itirapina.
Fonte: Esteca (2017, p.42); http://www.sap.sp.gov.br/common/museu/museu.php; GoogleMaps (2018).
Os projetistas, ao que parece, têm sido direcionados a não focar nos presos e
funcionários, e suas necessidades nesses lugares. Desvirtua-se assim, a possível
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Há quem possa pensar que não faz sentido prover mais conforto para criminosos
do que para servidores do exército, por exemplo, que dividem alojamentos sem
compartimentação (Sommer, 1974, p.7-8). Mas Sommer (1974),psicólogo americano e
41
estudioso das relações pessoa-ambiente, contrapõe-se a esse pensamento, abordando a
importância das celas individuais em unidades penais de ressocialização de pessoas, ao
reforçar que não é viável comparar as necessidades de um indivíduo preso, com os que
vivem em outras tipologias de instituições totais, como o caso dos alojamentos
militares. Ataques de violência e/ou sexuais são muito mais frequentes em prisões do
que no exército. Diante dessa especificidade, celas individuais podem ser justificadas
para contribuir com a redução da pressão psicológica de um ataque violento, além de
possibilitar certo controle individual sobre o espaço particular e a sua personalização
por parte do indivíduo (Sommer, 1974).
Como foi visto, os estudos de MacCain et al. (1976), Schaeffer et al. (1988),
Wener e Olsen (1980) e de Wener (2006) evidenciaram a importância do controle
espacial, em certo grau, por parte do interno, como fator de influência para redução do
nível de estresse dentro de instituições penais. Com efeito, unidades penais que fizeram
essa experiência apresentaram redução de ocorrências de violência, fugas, reclamações
por doenças etc., corroborando a atenção que Sommer (1974a) destinou em defesa das
celas individuais como contribuintes para isso, na medida em que elas permitem que a
pessoa se recolha no momento desejado e tenha certo controle sobre esse local – como,
por exemplo, ligar ou desligar a luz, permitir ou não a entrada de outros, organizar
pertences etc.
Augusto Esteca (2010) também contribui com visão similar a este respeito,
quando diz:
Ainda, é importante ressaltar que esses sintomas não atingem apenas as pessoas
internadas. O trabalho de Greco (2011), por exemplo, quando estuda sobre os efeitos
negativos psicossociais em agentes socioeducadores de uma unidade penal do Rio
Grande do Sul, demonstra que esses sintomas atingem também os funcionários desse
tipo de estabelecimento, pois ao prestarem serviço a essas instituições, se colocam tão
sujeitas aos efeitos do ambiente quanto os demais usuários do lugar.
De acordo com Sommer (1974), as autoridades que seguem as regras das arquiteturas à
prova de vandalismo estão se iludindo. O autor alerta que The harder the architecture,
the greater it’s potential as a weapon if it’s used against the authorities2. Ele destaca
que experiências com esse tipo de arquitetura têm demonstrado ineficiência, na medida
em que o ser humano sempre encontra uma forma de destruir coisas que são física e
espiritualmente opressoras.
Não se pode, portanto, ignorar que a arquitetura dos estabelecimentos penais tem
seu grau de influência na adequação dos espaços aos objetivos estabelecidos para eles.
Por esse motivo, todos esses questionamentos são aqui colocados na certeza de que
ainda há muito a se fazer em prol da melhoria da qualidade de vida e trabalho nos
estabelecimentos penais e na adequação desses com a almejada recuperação do
indivíduo (Esteca, 2010). Para tanto, é preciso se colocar diante do que tem sido feito,
na esperança de que os projetos arquitetônicos penais do futuro não se tornem apenas
repetições inquestionadas do passado.
2
Tradução: Quanto mais dura a arquitetura for, mais poderosa ela será quando usada como arma
contra as autoridades.
45
A arquitetura penal não pode ser estudada fora do seu contexto, portanto,
entender os tipos de gerências e as problemáticas que envolvem as prisões no Brasil
requer olhar também para as suas populações prisionais e suas condições de vivência.
No Brasil, os dados publicados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (2017),
coletados em junho de 2016, revelam que há um déficit de 358.663 vagas.
3
Os estabelecimentos de tratamento ambulatorial, centros de observação e triagem e de patronato,
que constam como tipologias penais na legislação vigente, não aparecem no levantamento nacional de
informações penitenciárias atuais, pois esses estabelecimentos foram escassos.
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
OBJETIVOS E MÉTODOS
4.1 Objetivos de Pesquisa
4.2 Métodos
Figura 10 – Imagem do muro externo da Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo, sob a
perspectiva do observador na única rua de acesso, denominada Estrada Quibal – Pacatuba, CE . A
imagem destaca a existência de residências particulares nas proximidades do muro da unidade penal.
Fonte: Google Earth, 2016.
É possível avaliar que a PFHVA foi projetada tendo como partido a dureza de
sua arquitetura e a impermeabilidade de seus acessos. A começar pelos muros de seis
metros de altura, com passarelas elevadas e guaritas em cada esquina (ver figura 10).
Não obstante, é exposto pela administração do lugar que não há eficiência de suas
condicionantes arquitetônicas no que tange à segurança da unidade, corroborando o que
Sommer, em 1974, já relatava sobre a ineficácia desse tipo de arquitetura. Mesmo com
todos os artifícios usados para evitar o contato dos internos com pessoas do lado de
fora, os muros da PFHVA não impedem os frequentes arremesses de objetos ilícitos
para o pátio interno.
53
RESIDÊNCIA
RESIDÊNCIAS
Figura 11 – Imagem aérea da Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo, mostrando as residências
que se instalaram nas proximidades da instituição penal.
Fonte: Google Earth, 2016.
Figura 12 – Ilustração das margens limitantes da unidade penal PFHVA, mostrando, à esquerda, a
condição atual, em que os muros limites ficam vulneráveis à aproximação pela parte externa,
possibilitando arremesses de objetos para o setor interno. Á direita, ilustração da condição desejada pela
administração do estabelecimento.
Fonte das informações: Secretaria de Infraestrutura, 2004. Ilustração: Autora.
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Distribuição
de circulações
tipo ‘Espinha
de Peixe’
Figura 13 – Planta de situação da PFHVA. Destaca-se nesta figura a distribuição espacial das atividades
no terreno designado para a penitenciária.
Fonte: Secretaria de Infraestrutura, 2004. Ilustração: Autora.
As celas Tipo 1 têm 8,40 metros quadrados, e foram projetadas, cada uma, para
uma pessoa em cumprimento de pena privativa de liberdade – no projeto original elas
são nomeadas de celas individuais. Com efeito, constam de uma única cama de base de
alvenaria, uma bancada de apoio, um vaso sanitário estilo turco, um chuveiro, um
lavatório suspenso e uma parede de 1,60 metros de altura – que funciona como divisória
da área molhável para a área seca. Ainda, em cada cela há duas aberturas, de 50x50cm,
a 1,80 metros do chão, com grades de ferro para isolamento, que funcionam para
ventilação e iluminação natural.
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
CORTE CORTE
Figura 14 – Plantas baixas e cortes das celas Tipo 1 e Tipo 2 revelando as suas distribuições espaciais e
equipamentos, conforme indicação em projeto arquitetônico da PFHVA.
Fonte: Secretaria de Infraestrutura, 2004. Desenho: Autora.
As celas Tipo 2 tem 17,11 metros quadrados e são localizadas nas alas B, C, D e
E – figura 15. Elas foram projetadas originalmente para alojar seis pessoas, cada. São
compostas de seis camas de bases de alvenaria, sendo do tipo beliche, com três camas
em baixo, e três camas em cima das demais. As bases de suporte das camas elevadas
também são de alvenaria. Igualmente à cela Tipo 1, cada cela Tipo 2 tem uma bancada
de apoio, um chuveiro, um lavatório suspenso, um sanitário tipo turco, dois vãos de
ventilação natural para o exterior fechados por grade e porta de acesso de grade de ferro.
57
‘
ALA A
ALA B
ALA D
ALA C
ALA E
CELAS TIPO 1
VIVÊNCIA 7
VIVÊNCIA 5
VIVÊNCIA 3
VIVÊNCIA 1
CORREDOR
CELAS TIPO 1
CENTRAL
VIVÊNCIA 8
VIVÊNCIA 6
VIVÊNCIA 4
VIVÊNCIA 2
Figura 15 – Planta de situação da PFHVA destacando as circulações de acesso às celas pelo corredor
central, e a distribuição das alas e vivências.
Fonte das Informações: Secretaria de Infraestrutura, 2004. Desenho: Autora.
Outro destaque é para o módulo das visitas íntimas, que nunca funcionou
conforme planejado. A diretoria alega que a transferência de um determinado indivíduo
ao setor externo onde se localiza esse módulo requer recursos que são escassos – como
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
4.2.2 Instrumentos
O primeiro método foi inspirado pela pesquisa etnográfica (Sato & Souza,
2001), com abordagens a pessoas avulsas dentro da unidade penitenciária, por meio de
entrevista exploratória de uma única pergunta: “O que é a prisão para você?”. O uso
59
dessa técnica se justificou visando estabelecer um rapport para construção de vínculo e
confiança entre pesquisadora e participantes (Sato & Souza, 2001) na certeza de que
essas entrevistas poderiam oferecer material para a configuração do roteiro de
entrevistas narrativas e aprofundamento do estudo na fase posterior.
Tendo por base o estudo de Flick (2004), cada entrevista narrativa foi conduzida
em três etapas, como mostra o exemplo de roteiro apresentado na tabela 2. A primeira
etapa se deu por meio de uma questão gerativa narrativa, cujo objetivo foi estimular a
narrativa principal do entrevistado; a segunda aconteceu por meio de questões de
complementação de fragmentos, que visaram preencher lacunas das narrativas, antes
não detalhadas, e que demonstraram relevância para a pesquisa na medida de se evitar
desvios de interpretação; a terceira etapa é identificada pela fase do equilíbrio ou
significação, na qual as perguntas direcionam os entrevistados a dar significado ao
objeto investigado.
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Questão gerativa Gostaria que me falasse sobre a sua experiência aqui na Penitenciária! A melhor maneira de
narrativa você fazer isso seria começar pelo seu primeiro dia, e então, contar as coisas que
aconteceram até o dia de hoje. Não precisa ter pressa, e também pode dar detalhes, falar
dos lugares, das coisas e das pessoas, e o que achar importante, porque tudo o que for
importante pra você me interessa.
Complementação Você falou sobre (algo importante), você pode me contar essa parte da história com um
de fragmentos pouco mais de detalhes?
Complementação Você falou muito sobre (esse lugar), é lá que você passa mais tempo? Como se sente lá?
de fragmentos
Complementação Que atividades você realiza (nesse lugar)?
de fragmentos
Complementação Quantas pessoas dividem espaço com você (nesse lugar)?
de fragmentos
Complementação Como se sente quanto a isso?
de fragmentos:
Equilíbrio/significa Que mudanças poderiam ser feitas para você se sentir melhor (nesse lugar)?
ção:
Equilíbrio/significa Que mudanças poderiam ser feitas na Penitenciária (Prisão) para você se sentir melhor
ção: enquanto estiver aqui?
O diário de campo também foi usado como recurso para esta Fase 2. Em um
caderno de bolso foram tomadas notas diárias imediatamente após cada visita de campo,
com registros de observações sobre o comportamento dos participantes, o ambiente
penal e as impressões da pesquisadora sobre a experiência vivenciada. O uso do diário
foi de fundamental importância para posterior consulta e complementação dos dados.
Figura 16 – Planta de situação da PFHVA a distribuição espacial das edificações e os locais onde foram
realizadas as entrevistas – trabalho de campo.
Fonte: Autora.
Assim, tanto com os internos como com os agentes, a técnica usada para
abordagem foi a mesma. Aproximou-se daqueles que se mostraram dispostos a
contribuir com uma breve apresentação e indicação do objetivo da presença da
pesquisadora ali. Propositalmente, sem muitas informações adicionais, cada
participante, no ato, foi convidado a responder individualmente a uma pergunta: “O que
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
é a prisão pra você?”. Veja a seguir exemplo de roteiro das entrevistas exploratórias
realizadas com os dois grupos de colaboradores.
Para registro das respostas, usou-se lápis e prancheta com Ficha de Registro de
Respostas (Apêndice A) e diário de campo. A coleta de dados na fase da entrevista
exploratória foi encerrada quando se alcançou quase que a totalidade da população que
vivenciava os pavilhões acessíveis para pesquisa.
4.2.4 Participantes
O perfil dos presos na PFHVA não diverge dos demais constatados nos censos
do sistema penitenciário brasileiro. Na unidade, a maioria de sua população é de negros,
pobres, jovens, de baixa escolaridade, e o motivo mais recorrente de condenação é o
envolvimento com drogas.
65
Mas, é importante destacar que as condições dadas aos internos que participaram
desta pesquisa são diferenciadas. Eles são os únicos da unidade escalados em trabalhos
laborais, prestando serviços à penitenciária. A saber, os colaboradores da pesquisa
trabalham na cozinha, na padaria, no almoxarifado e nas áreas externas cuidando da
manutenção do lugar. Além disso, estão acomodados em celas tipo 1, dividindo espaço
com apenas mais uma pessoa, em comparação com os demais presos que dividem celas
coletivas tipo 2 com um número muito maior de internos – segundo relatos, entre 10 a
12 pessoas.
Para leitura das análises deste trabalho, é importante também expor que não
houve, antes das entrevistas, investigação prévia de históricos individuais nem dos
internos, nem dos agentes. Propositalmente, optou-se por não realizar tal ação para não
se gerar pressuposições ou pré-julgamentos dos participantes, antes de se ouvir as suas
próprias percepções ambientais. Além disso, depois das entrevistas narrativas, essa ação
se tornou desnecessária, na medida em que, mesmo sem serem diretamente
questionados, a maioria dos entrevistados mencionaram espontaneamente a respeito de
suas histórias de vida anteriores à experiência na PFHVA.
Para as análises, o material textual original transcrito foi revisado para correção
de erros de coerência verbal e pontuação, exclusão de vícios linguísticos e
uniformização de siglas (como por exemplo, de Lei de Execução Penal para LEP).
Além disso, foram excluídos alguns trechos das falas dos participantes, como frases que
se dirigiram à entrevistadora, trechos de histórias de vida de terceiros, e conteúdos não
relevantes para as análises sobre o ambiente penal. Ainda, muitos relatos de
experiências de vida coletados incluíram indicações de participação ou rivalidade dos
internos com grupos criminosos ou até mesmo com pessoas conhecidas publicamente
(como políticos, por exemplo). Por esse motivo, visando a sua publicação, o material
67
textual também foi trabalhado, sob o cuidado de ocultar qualquer informação que
comprometesse a identificação do participante ou a sua segurança pessoal.
foram subdivididas em dois grupos: o primeiro grupo é formado pelos discursos dos
internos (presos), que se referiram à prisão como Castigo (Classe 1, com sete
respondentes), Aprendizado (Classe 2, com seis respondentes) e Resposta da
Sociedade (Classe 3, com dois respondentes). O segundo grupo é formado pelo
discurso dos agentes penitenciários, que se referiram à prisão como Paradoxo (Classe
4, com quatro respondentes), Resposta à Sociedade (Classe 5, com três respondentes),
Falta de Liberdade (Classe 6, com quatro respondentes) e Lugar (Classe 7, com cinco
respondentes). Essa organização pode ser visualizada na figura 17.
A classe 1 é a primeira das três classes da qual fazem parte o discurso dos
internos. Esta classe traz interpretações sobre a prisão como castigo por ato acometido.
As palavras “angústia”, “tristeza”, “ruim”, “pagar”, “saudade”, que emergem de suas
falas corroboram essa interpretação, como nos exemplos a seguir:
Goffman, em 1961, detalha a sua visão sobre a prisão, dentre outras instituições
totais. Por mais antiga que pareça a obra do autor, ela se mostra ainda muito próxima da
realidade em que vivemos hoje. O autor destaca que as instituições totais mantêm um
tipo de tensão entre o mundo doméstico e o mundo institucional, como uma força
estratégica no controle de pessoas por meio de sistemas de privilégios e castigos.
Percebe-se, a partir das falas desta classe, uma vinculação da prisão a estratégias
de controle impostos pela sociedade aos seus integrantes. Nesse tocante, também é
possível relacionar essa percepção com a teoria ecológica de Bronfenbrenner (1996),
adaptada ao ambiente penal por Suzann (2009), quando identifica as relações ambientais
estabelecidas entre pessoas e os lugares penais em múltiplas dimensões: macrossistema
(relações com a sociedade externa), mesossistema (relações com o espaço institucional e
seus integrantes) e microssistema (relações particulares referentes ao espaço dentro das
celas).
Tendo por base essas definições, a relação ambiental percebida na classe 1 pode
ser caracterizada em macrossistema, ou seja, o sistema de privilégios e castigos é
determinado pela sociedade à qual o estabelecimento penal é submetido. A partir do não
cumprimento das regras sociais, impõe-se ao infrator limitação de privilégios, no caso a
liberdade, interpretada como castigo. Ver figura 18.
AÇÃO
INFRATOR SOCIEDADE
CASTIGO
A primeira vez que eu entrei aqui, eu achei a pior coisa que tem. Depois, vi que
aqui é o aprendizado pra vida (Colaborador 11 – Interno).
73
Nesta classe, as respostas dos entrevistados também fazem alusão à prisão como
um sistema de privilégios e castigos. Mas aqui, suas falas referem-se ao espaço
institucional, numa dimensão menor de interrelações que pode ser relacionada ao
mesossistema de relações ambientais (Cordeiro de Lima, 2009; Bronfenbrenner, 1996).
Ver figura 19.
AÇÃO
PRESO INSTITUIÇÃO
PRIVILÉGIOS
/ CASTIGOS
Figura 19– Gráfico ilustrando o mesossistema de relações ambientais, em que a instituição impõe
privilégios ou castigos ao preso, a depender de suas ações enquanto interno do estabelecimento.
Fonte: Autora.
É inevitável a reflexão sobre esses privilégios à luz da LEP (Brasil, 1984), que
nada mais são do que os próprios direitos básicos dos apenados, que passam então a ser
usados como ferramentas de “docilização” (Foucault, 1975) dos internos nos
estabelecimentos do tipo.
Robert Sommer (1974) também expõe uma visão similar dessa realidade de
adaptação, de manutenção de poder, de privilégios e castigos, e que pode justificar
muitas falas “quase decoradas” – destacadas em negrito – que compõem a classe 2:
Não quero mais isso pra minha vida. Na prisão eu trabalho, e o trabalho me
fortalece. É para me regenerar (Colaborador 10 – Interno).
1
Des-individuação foi traduzida de De-individuation.
2
Desculturação foi traduzida de Disculturation.
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Além disso, Hall (1977) também enfatiza a relação entre a linguagem e a cultura,
ao destacar que a linguística descritiva não alcança a complexidade significativa das
expressões programadas por cada grupo social. Em outras palavras, há situações que
não podem ser traduzidas para outras línguas, pois estas são limitadas pela percepção de
mundo de cada povo. A linguagem “não é apenas um meio de expressão do
pensamento, mas é um elemento importante na formação do pensamento” (Benjamin
Whorf apud Hall, 1977).
Sob esse olhar, pode-se dizer que o domínio da linguagem também é fator
influenciador na percepção de mundo dos indivíduos. No Brasil, a disparidade de acesso
à educação básica promove uma desigualdade social que vai além da financeira,
atingindo aspectos culturais e linguísticos entre grupos da população. Não obstante, em
vários trabalhos acadêmicos que envolvem a população prisional de baixa escolaridade,
é necessário haver um dicionário de termos usados por essa população específica e
pouco compreendida pela comunidade científica. Neste trabalho você pode encontrá-lo
nas páginas pré-textuais.
Perceber (...) é ver jorrar de uma constelação de dados um sentido imanente sem
o qual nenhum apelo às recordações seria possível (Merleau-Ponty, 1999, pp.
47-48).
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Por suas queixas a respeito do sistema penal, pode-se inferir que esses
participantes também compartilham das mesmas sensações dos demais internos que se
colocaram diante da pergunta da entrevista com seus sentimentos mais profundos –
tristeza, angústia etc. Contudo, as percepções reveladas nas suas falas foram mais
amplas, demonstrando uma visão de mundo expandida ao macrossistema de relações
ambientais. Essa consideração leva à reflexão de que não há como excluir a
subjetividade dos sujeitos de uma análise – seja ela qualitativa ou quantitativa,
apontando-se, mais uma vez, a necessidade de aplicação de multimétodos de
investigação que permitam um aprofundamento na complexa realidade estudada.
O que chama a atenção é que, sem exceção, todos os internos que participaram
da pesquisa exercem uma função laboral na unidade PFHVA. Contudo, enquanto no
79
exercício de sua função, os discursos dos respondentes sobre a prisão foram
esperançosos. Em contrapartida, a totalidade das falas dos presos, em seus momentos de
ociosidade nas celas, referiram-se à prisão com significados de tortura, opressão ou
frustração por meio de palavras do tipo: ansiedade, angústia e saudade. Aprecia-se, aqui,
uma comprovação de que o ambiente – incluindo as relações e atividades que se
estabelecem nele – exerce influência direta sobre o estado da mente das pessoas e seus
comportamentos (Canter & Craik, 1981).
Percebeu-se ainda que quando estavam fardados com roupas de serviço (avental,
botas, tocas etc.), as posturas e imposição de voz dos respondentes demonstraram pouca
inibição diante da presença da pesquisadora. Comportamento completamente oposto ao
daqueles que estavam ociosos em celas, com destaque para os que estavam algemados,
de mãos para trás, e que, quando abordados, curvaram-se, baixando o olhar. Muitos
desses algemados, inclusive, recusaram-se a responder à pesquisa. Essa linguagem
corporal dos presos, portanto, dá força aos significados das falas desta pesquisa.
Sobre isso, cabem duas reflexões. A primeira diz respeito aos procedimentos de
pesquisa com pessoas presas. Os internos demonstraram constrangimento e recusa em
contribuir com qualquer pesquisa enquanto algemados, fato que leva a ponderações
sobre a autoimagem do indivíduo para realização desse tipo de investigação. A segunda
reflexão diz respeito à importância do trabalho para o bem-estar psicossocial dos
internos que, a partir da atividade laboral, percebem a própria realidade com mais
esperança e revelam satisfação pela função produtiva que exercem. Essa interrelação
demonstra ser fator relevante para estudos vindouros, além de sinalizar possibilidades
de melhorias para o sistema penal e seus integrantes.
A palavra paradoxo tem sua origem nos sentidos do ilógico, da falta de nexo, do
contraditório, tendo surgido como a palavra ideal para nomear esta classe, na qual os
discursos focam os problemas e a falta de sentido da função da prisão. Esta é a primeira
classe de discursos dos agentes penitenciários. Segundo esses agentes, a prisão não
cumpre sua função por vários motivos: falta de efetivos e, principalmente, falta de
vontade e condição de recuperação dos presos.
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
A prisão é um local que não funciona. Por vários motivos, por falta de efetivos,
agentes, por conta também dos presos, que não querem melhorar. Eles
destruíram tudo, eles quebraram a escola que tinha aqui. Eles quebram tudo
(Colaborador 22 – Agente).
A prisão deveria ser um local de punição, pra eles (presos) refletirem sobre o que
fizeram. Mas não é. Atualmente, a prisão só serve pra armazenar pessoas. Só.
Não ressocializa porque, na verdade, eles nunca foram socializados. Eles não são
socializados. Eles não sabem nem falar o que querem (...) (Colaborador 3 –
Agente).
Eu queria que saísse todo mundo daqui. Que só ficassem os agentes pra fazer o
serviço direito. Esses caras (os presos) têm muitos direitos, aí vem serviço
social, médicos, psicólogos defender os direitos humanos deles. Prisão é lugar
pra preso e agente penitenciário, pronto (Colaborador 26 – Agente).
Como já dito, os discursos impessoais sobre a prisão persistem nas falas dos
agentes, que não expõem seus sentimentos íntimos – como fazem muitos internos. Em
lugar disso, nesta classe esses discursos tomam um viés descritivo de punição,
identificado assim pelas palavras como “punição” e “punir”.
Entretanto, observa-se que esse viés punitivo dos discursos não vem da
sociedade, mas é direcionado da instituição para o preso como uma resposta que esta dá
à sociedade. Essa percepção dos agentes é interessante – e consideravelmente inédita –
pois muitas das referências que estudam a temática prisional destacam a prisão como
uma resposta da sociedade (Cordeiro, 2010) (Goffman, 1961) (Foucault, 1975)
(Ezeokeke, 2013), e não à sociedade. Esses agentes que se comparam aos soldados em
missões de defesa dos civis, se imbuem de tal maneira desse ofício que percebem que a
prisão deve retornar alguma contribuição à sociedade. Ver figura 20.
PERCEPÇÃO DOS
PRESOS
PRISÃO SOCIEDADE
PERCEPÇÃO DOS
AGENTES
A prisão é o recolhimento. É você tirar a liberdade de alguém. Ele não vai ter
mais liberdade (Colaborador 18 – Agente).
- Pois bem, eles (os presos) quebraram esses refletores. Eles quebram tudo
(Agente).
- E pra quê eles foram instalados? Eles ficam ligados a noite toda?
(Pesquisadora).
- Sim, foi pra isso que foram colocados. Pra gente poder vigiar o que eles fazem
de noite (Agente).
- E nas celas, têm lâmpadas? Eles têm acesso aos seus interruptores?
(Pesquisadora).
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
- Sim. Sim.
- Eles quebram essas lâmpadas também? (Pesquisadora).
Ele respondeu que não, e fez cara de quem nunca havia pensado no motivo para
isso.
Esta classe foi interpretada como aquela cujas respostas descrevem a prisão
como um lugar determinado para uma finalidade específica. Das falas dos agentes,
aparecem palavras como “ambiente físico”, “aqui dentro”, “local para”, “lugar onde”.
Apesar da função da prisão ter sido citada, o ponto forte dos discursos dessa classe é o
lugar, como nos exemplos:
É importante lembrar que se optou por oferecer poucas informações iniciais aos
participantes antes da coleta das entrevistas exploratórias (Fase 1). Tal postura foi
adotada propositalmente a fim de buscar significações ambientais e evitar influência nas
respostas. Uma apresentação prévia e detalhada sobre a pesquisa em questão poderia
induzir outros vieses sobre a funcionalidade dos espaços, estética, construção etc.
Essa estratégia teve sua eficiência reforçada por alguns participantes quando,
depois de terem respondido a pergunta inicial foram informados que se tratava de uma
pesquisadora arquiteta com interesses em espaços penitenciários. A partir desta
informação, alguns respondentes abriram novas discussões a respeito do espaço físico,
destacando principalmente pontos negativos da arquitetura como algumas
inadequabilidades de espaços e atributos físicos para realização de algumas atividades.
Nesta sessão são apresentados e discutidos os dados colhidos por meio das
entrevistas narrativas (Fase 2). O material coletado foi divido em dois grupos distintos,
sendo o primeiro grupo formado pelos discursos dos internos e o segundo pelos
discursos dos agentes penitenciários. Este material coletado foi submetido à análise de
conteúdo (Bardin, 1977), acrescido de discussões que tomam por base o referencial
apresentado.
Como dito, os discursos dos internos (presos), assim como dos agentes, é
composto pelas seguintes categorias principais: Ambientes, Experiências, Sentimentos e
Anseios. No caso dos internos, a partir delas, surgem as seguintes subcategorias
(classes):
Figura 21 – Classificação dos discursos dos internos destacando a proporção de entrevistados com falas
interpretadas em categorias.
Fonte: Autora.
Esta é a primeira das três classes que compõem a categoria Ambientes, da qual
emergem discursos sobre as relações que os participantes desenvolvem com o espaço
penal. Como já mencionado, Suzzan Cordeiro (2009), a partir da teoria ecológica de
Urie Bronfenbrenner (1996), são identificadas dimensões nas relações ambientais das
pessoas no ambiente penal. O microssistema é referente às interrelações situadas no
espaço privado das celas. O exossistema é compreendido nas relações ambientais com a
comunidade imediata, ou seja, expandido às vivências coletivas e aos espaços de
atividades laborais, educacionais e recreativas. O mesossistema refere-se às relações
institucionais e seus integrantes. O macrossistema é expandido às relações extramuros,
com a sociedade externa.
Na sua fala, o Aviador demonstra uma visão que se estende para além das suas
percepções imediatas relativas à prisão, alcançando uma dimensão maior da realidade, o
que justifica a classificação de seu discurso nesta ramificação da análise – ambientes
macrossistêmicos. Sua percepção pode ser explicada por seu grau de escolaridade
superior e seu histórico de vida, que incluiu a convivência com outras culturas. O
Aviador se diz ter múltiplas nacionalidades, experiências em tempos de guerra em
Bagdá e um matrimônio anterior com filhos no Iraque. Sua apreensão confirma que a
capacidade humana de se relacionar com os lugares é influenciada por experiências de
vida, pela cultura particular e pela sociedade à qual pertence (Pinheiro & Elali, 2011).
(...) as regras (...) dentro da prisão, as regras, em aspas, estipuladas por presos,
(...) têm uma rota de colisão muito grande. Elas se desviam, assim, 180 graus
uma da outra. (...) Por exemplo, dentro de unidades prisionais, as pessoas que
aqui se encontram são pessoas de uma educação muito pequena. Eu não vou
93
generalizar, seria hipócrita, mas (...) 95% das pessoas que aqui se encontram são
analfabetas (Aviador).
Nesta sua fala, o Aviador tenta explicar o motivo pelo qual há tantos problemas
relacionais entre os internos e as suas próprias regras grupais de convivência, como por
exemplo, o pertencimento, ou não, em facções criminosas. Ele comenta que o
analfabetismo os coloca em condição vulnerável de participação nesses grupos e, em
muitos casos, não há como escapar dessa submissão.
Em seguida, ele também aponta que esses problemas são ainda agravados pelas
condições de superlotação do estabelecimento penal, repercutindo inclusive no mau
relacionamento entre internos e agentes:
Por exemplo, a LEP determina que você tenha um espaço único para você, de no
mínimo 6 metros quadrados, com arejamento ideal. E dentro desses metros
quadrados você tem que ter uma cama, você tem que ter uma escrivaninha, você
tem que ter um banheiro. Quando você chega nesse lugar, eles te colocam dentro
desse espaço não dos 6 metros (cela Tipo 1), mas dos 12 metros (cela Tipo 2)
que deveriam ter [seis] pessoas, [mas] eles colocam 17 (...) Então, pro Estado é
muito prático, faz um depósito, enche de preso. Se olhou feio, o guarda vai lá
joga spray de pimenta nele, pega uma munição de borracha ou de sal, atira nele.
É “lindo” (Aviador).
Porque eu analiso o espaço físico, por exemplo: o espaço físico tem tudo a ver, a
verdade é essa. Quando [a administração] bota 8, 10, 12 pessoas, que
delinquiram juntas, todas elas vão absorver um pouco das outras (Estrangeiro).
Ademais, apesar do Aviador não ter exemplificado, em sua fala ele faz
referência indireta às regras estabelecidas pela própria população prisional, quando diz
que “(...) as regras (...) estipuladas por presos, (...) têm uma rota de colisão muito
grande”, indicando que estas nem sempre são racionais. Há entre os usuários do lugar,
diferenças de culturas, de educação e de percepção do ambiente. Condição ainda
agravada por ser, por vezes, percebido pelos agentes sob um olhar banalizado para as
condições do lugar.
95
Essa situação pode ser melhor compreendida à partir da teoria dos sistemas de
privilégios e castigos de Goffman (1961), em que os grupos de usuários do lugar
buscam incessantemente o controle (ou poder) social a partir de regras estabelecidas por
eles, tanto pelos agentes quanto pelos presos. Isso reafirma os achados da primeira fase
desta investigação de que essas regras sociais penetram forçosamente o ambiente penal,
desconsiderando as barreiras físicas dos muros e legislativas da instituição. Um
exemplo disso é a persistência da cultura desses grupos criminosos, por meio de suas
ações, dentro das unidades penais de todo o país. Quanto aos agentes, há a permanência
da cultura punitiva herdada da sociedade externa.
Mesmo não sendo o alvo deste estudo, também é inevitável não pensar que
muitas dessas relações estabelecidas entre os habitantes das unidades penais e a
sociedade externa, são facilitadas pelos meios de comunicação da atualidade –
telefones, televisão etc. Sem dúvida, a decadência das instituições como ferramentas ou
técnicas de controle social advindas da antiguidade (Hardt, 2000), têm tido contribuição
da evolução das tecnologias das comunicações da atualidade.
ambiente penal indicam relações com o espaço privado, dentro das celas, pelas trocas e
transformações de ordem individual (Bronfenbrenner, 1996; Cordeiro de Lima, 2009).
Seguem exemplos:
Então eu passei muito sofrimento, agora eu consegui comprar uma cela pra
morar, porque na cadeia a gente compra. (...) Na cadeia a gente compra a cela, a
gente compra televisão, compra ventilador, tudo se compra. Divide a cela eu e
outro rapaz. (...) Porque um interno ficar o dia 24 (a Véspera de Natal), 48 horas
dentro de uma cela (Tipo 1) com 4 ou 5 pessoas é complicado (...) (Motorista).
Além disso, não ficou claro o motivo pelo qual o Vigilante foi submetido a
quatro meses de isolamento. Qual seria a justificativa para tanto já que ele estava se
afastando da suposta facção criminosa. É possível suscitar a interpretação de que a cela
de isolamento, assim como o não fornecimento de certos recursos básicos, são
dispositivos operadores de penalização em vista da docilização de indivíduos. Contudo,
são apenas suposições que merecem investigações futuras.
Portanto, apesar desse tipo de condição não ter sido identificada nesse estudo de
caso específico, a análise da arquitetura das celas de isolamento e de triagem somente
pelo aspecto de servir a um indivíduo é considerada imprópria para sua adequação, ou
não, como estratégia projetual. Outras agravantes como a falta de controle sobre o
espaço pessoal, a ausência de aberturas de iluminação, ventilação inadequada,
alimentação e higiene insuficientes, aliadas à longa permanência em estado de
ociosidade no lugar, devem ser considerados pelas análises, bem como foram feitos por
D’atri (1975), Schaeffer et al. (1988), Morris et al. (2012) e por Wener e Olsen (1980).
Eu tirei minha camisa, não sou mais [da facção], graças a Deus. (...) Aí, a partir
do momento que eu tirei a camisa, eu comecei a ser feio aqui dentro. Eu não
podia descer em mais nenhuma vivência, que eles [me] tiravam, ganhei muita
inimizade, inimigos. Passei quatro meses no isolamento, sem contato com a
família, sem contato com meus filhos, sem visita (Vigilante).
Porque não é só pedir a Deus nem cobrar da justiça também não, e como eu
sempre tive um bom comportamento, nunca me envolvi com nada ilícito, nunca
usei nada de coisa assim, nunca me envolvi com nada, não tem nada no meu
prontuário, nunca desobedeci nenhum agente penitenciário, nenhum diretor,
vice-diretor, nunca fui chamado atenção por nenhum deles, esse tempo todinho
(Filho Querido).
O Filho Querido foi identificado por suas falas quando se avalia como boa
pessoa, bom trabalhador e bom filho. Ao expor repetidas vezes sobre seu “bom
comportamento”, o participante revela um conflito interior de identidade. É possível
interpretar, assim, que a prisão age como instrumento de opressão de uma identificação
que ele não reconhece, como de homem preso e infrator.
Por outro viés, essa percepção do ambiente penal também pode ser interpretada
pelos estudos de Sommer (1974a), quando detalha os sintomas do cuidado institucional
103
no comportamento dos indivíduos. Na fundamentação teórica é exposto que pessoas que
vivem em instituições totais podem produzir comportamentos reflexos do isolamento e
da rotina rígida institucional (Sommer, 1974). Dentre esses sintomas descritos, é
possível relacionar as falas do Filho Querido, com dois deles: a des-individuação, que
está pautada na rígida rotina e na falta de espaço para pensamentos ou ações
independentes; e a des-culturação do si, ou seja, a adoção de valores culturais
institucionais, que se sobrepõem à cultura individual anterior. Portanto, assim como na
fase 1 desta pesquisa, os relatos sobre a vida na prisão nos discursos da fase 2, revelam
uma espécie de “docilização” do indivíduo preso, como elucidadas nas falas do Filho
Querido.
penais. É curioso destacar que o Estrangeiro foi condenado à prisão de 150 anos por
crime hediondo, envolvendo mortes sob uma ação meticulosamente planejada por ele.
Essa sua característica pode explicar algumas visões abrangentes, e consideravelmente
inteligentes, sobre o sistema penal brasileiro e seus paradoxos – que são detalhadas em
outros trechos de seus discursos enquadrados nas classes 2 e 7.
Nesse tocante, também se destaca a fala do Motorista, que demonstra que a ação
que o levou ao aprisionamento não o determina como sujeito, o que refletiu na sua
relação com a sociedade representada pelo advogado que não o defendeu.
Não sei por que me julgaram num latrocínio, que é a cadeia de 28 anos. O que
eu tinha eu gastei com o advogado e ele não fez nada por mim (...) (Motorista).
Mas eu só tenho muito é o que lamentar, sabe? Eu sinto muita saudade da minha
mãe, porque eu sou o braço direito da minha mãe (Filho Querido).
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Mas ali no Isolamento [na cela de isolamento] o sofrimento é muito grande, ali a
gente tem que procurar Deus. Acho que a gente prefere a morte do que ficar ali
(Vigilante).
Pra mim eu preferi estar preso assim normalmente do jeito que eu estou, porque
aqui eu estou livre. (...) A gente está o dia todinho ali solto, conversando,
capinando (Vigilante).
Além disso, é inevitável não perceber a relação desses sentimentos positivos com o
exercício da atividade laboral na unidade penal, o que conduz à mesma percepção
obtida durante a análise investigativa da fase 1, de que a atividade laboral nos presídios
acende conduz uma possível transformação positiva do sistema penal e seus integrantes.
O discurso dos internos demonstrou ainda anseios e desejos por mudanças. Por
unanimidade, todos os respondentes desejam mais apoio psicossocial e educacional,
indicando aspirar por oportunidades de trabalho e educação, não só para si, mas para
todos.
Mudanças que devem ser feitas pra eu me sentir melhor, é como vai ter agora o
colégio. Pretendo estudar, o colégio vai voltar às atividades. Além de eu
trabalhar, eu queria participar também dos estudos e ocupar cada espacinho que
eu tiver, ocupar minha mente no trabalho, no estudo, qualquer coisa
(Cozinheiro).
As subcategorias encontradas nas falas dos agentes não são as mesmas que
aquelas encontradas nas falas dos internos. Serão, portanto, detalhadas na descrição das
classes a seguir.
A classificação das falas dos agentes sobre o ambiente penal, também tomou
como base a teoria ecológica de Bronfenbrenner (1996), adaptada ao ambiente penal por
Cordeiro (2009), que compreende as relações estabelecidas com o ambiente
penitenciário em dimensões consideradas aqui por: Macrossistema, Exo/mesossistema e
Microssistema.
Nos discursos dos agentes foram identificadas relações com o ambiente penal
em duas dessas dimensões citadas, sendo esta classe distinguida, especificamente, por
exo/mesossistêmica (Cordeiro de Lima, 2009). A partir das falas do agente identificado
como Ex-Policial (cf. item 4.2.2), aqui são relatados confrontos dos agentes
penitenciários e da administração do estabelecimento com o ambiente-prisão
(instituição), assim como são expostas relações ambientais com os internos
(comunidade imediata), sejam elas de caráter individual ou grupal.
Nesta unidade só existe uma facção e aqueles da massa (presos que não fazem
parte de grupos criminosos). (...) Então, mesmo separando, fazendo essa triagem
por facção, ainda há muitos registros de homicídios. Há um código
organizacional que muitas vezes aquele cara que morreu, [foi porque] ou furtou
alguma coisa dentro da cadeia, [ou] porque ele é um doente. (...) E no código
deles lá eles não aceitam. Ou então [foi porque] ele destratou uma visita de
alguém, e aí vai. Ou seja, é uma série de problemas que nós temos que
administrar de imediato (...) (Ex-Policial).
Além disso, a partir de sua fala, percebe-se que há diferença nas formas de lidar
com os presos pertencentes à facção. Há certo respeito, ou mesmo receio, em intervir
quando se trata de pessoas envolvidas com as ações do grupo criminoso.
As relações dos agentes com o ambiente penal pelas trocas individuais são
identificadas nesta classe. Esse tipo de relação ambiental foi percebido nas falas de
todos os agentes, com exceção das do Ex-Policial. Aqui foram relatados os processos de
adaptação, as impressões do lugar físico e de seus integrantes, e também foram
destacadas transformações bidirecionais entre pessoa e ambiente penal.
A lei diz que presos condenados deveriam ser colocados em celas individuais.
[Mas] aqui tem cela com 10 presos, [até] 13, em condições degradantes. Na
estrutura daqui também foi feita uma parte hidráulica. Os esgotos, em (...) quase
todos os plantões aqui, os esgotos de todas as vivências (celas coletivas Tipo 2)
dos pavilhões, ficam entupidos. Todo dia tem uma vivência, ou duas, que está
com problema de esgoto entupido. O que acontece é que as fezes, essas coisas
todas, retornam pra dentro das celas. Fica aquela sujeira, aquela catinga, que
incomoda a eles e incomoda as visitas (Cientista).
superlotação, inclusive para a saúde dos usuários do lugar – tanto de internos quanto de
funcionários.
(...) quando a gente recebeu essa unidade, quando era nova, havia dentro das
vivências coisas que você não poderia ter ali. Como por exemplo, mangueira de
incêndio, extintor de incêndio, quadro de luz que eles [os presos] teriam acesso.
Coisas que você tem que botar na parte externa, pra eles não terem acesso
(Experiente).
113
É curioso enfatizar o quão mutável é a maneira como as propriedades do
ambiente são percebidas por diferentes pessoas. A experiência desse participante, nesta
e em outras unidades penais, afirma esse apontamento de que as observações e
mudanças sugeridas por ele no espaço físico provavelmente não seriam notadas por
outro profissional. É preciso um certo tempo de convivência com tais problemáticas
para percebe-las.
Tem tanta coisa que pode ser levada em consideração, tipo assim, uma coisa que
eu acho que seria essencial, que eu já vi até em outros presídios, é a própria
[porta da] cela (...). Tem presídios que (...) o preso mesmo bate a cela [e] ela já
tranca. Quando ele encosta, ela tranca automático. A gente não precisa correr o
risco de ir lá, fechar a grade (Idealizador).
Hoje nós temos vários atendimentos (...), como dentista, médico [e] assistente
social (...). Já tivemos agora de manhã o banho de sol, em que toda a equipe fica
no corredor, armada. A gente tenta fazer da melhor forma possível,
[acompanhando os dois grupos] sempre junto com a coordenação (...)
(Experiente).
O Experiente também relata sobre ações para evitar ou interromper brigas dentro
dos pátios ou de alguma cela:
Porque antes você entrava na vivência, você passava por três portões. Pra você
dominar qualquer ação, briga dentro dos pátios ou dentro de uma cela, você
ficava muito exposto. Isso na minha visão. Hoje da forma como está sendo feito
[em que todos ficam presos durante o dia inteiro], você limita mais o espaço do
preso, você tem o controle maior do espaço, e tem como você fazer uma
intervenção melhor (Experiente).
Todos os dias tem uma dentista. Praticamente todos os dias. Só não em dia de
visitas [aos domingos] fazendo esse atendimento. Mas médico só 1 a 2 vezes na
semana. Eu acho muito pouco isso. São várias funções, nós somos divididos
aqui em vários postos, então [diariamente] tem uma rotatividade. Tem dias que
eu estou lá embaixo, nas chamadas vivências. Tem dias que eu estou ali na
entrada da penitenciária que é o posto chamado linha, na recepção. Têm dias que
a gente está aqui no quadrante, da onde é distribuído todo o trabalho de
atendimento, atendimento psicológico, atendimento jurídico, tudo isso é feito
aqui, então a gente [os agentes] tem uma rotatividade (Administrador).
Para esse grupo de usuários do lugar, a rotina no ambiente penal é tão rígida
quanto para os internos, corroborando a descrição de Foucault (1975) a respeito de
instituições consideradas totais. Os agentes penitenciários trabalham em regime de
plantões de 24 horas, com 72 horas de folga, ou seja, um dia de trabalho para três de
descanso. No caso da PFHVA, a unidade conta com 48 agentes no total. Distribuindo
essa quantidade pelos regimes de plantões de 24/72h, a unidade dispõe de apenas 12
agentes por dia, o que resulta numa proporção de um agente para cada 50 presos, como
já dito antes. Sem sombra de dúvidas, esse fator é influente na percepção ambiental dos
agentes, e por consequência, em seus comportamentos.
O efetivo (...) era pra ser [de] no mínimo 40 agentes trabalhando internamente,
[mas] trabalha com oito ou com 10. Dá aquele baque.(...) Eu me sinto frustrado,
porque a nossa função é essa de segurança e disciplina. Se, de alguma maneira,
por algum evento externo, a gente não consegue fazer, a gente se sente frustrado
(Idealizador).
Nós somos o elo fraco, nós não temos apoio da sociedade, isso é fato, nós não
temos apoio do Estado. Não temos apoio do Estado e nós somos o Estado. Nós
somos o braço forte, a personificação, o servidor em exercício do seu dever, da
117
sua função. O Agente Penitenciário é a personificação do Estado, mas nós não
recebemos apoio, por quê? (Ex-Policial).
A sociedade em si não sabe o que é o sistema prisional. Ela ouve falar, mas com
muita brevidade. (...) É um local de trabalho insalubre, perigoso, que, querendo
ou não, eu não aconselho um filho meu a entrar. Eu entrei mesmo por uma
necessidade, não sou de família rica, então entrei por uma necessidade
(Administrador).
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Nem todo mundo merece ser massacrado. Uma visão que eu acho que nem todos
os agentes têm aqui. Temos que separar: o que ele (o preso) fez lá fora é uma
coisa, o que ele faz aqui dentro é outra. (...) Enfim, você lida com [o preso] com
educação, com respeito. Educação é, enfim, a lei do retorno. Você dá o bem,
você paga o bem, você recebe o bem (Polivalente).
Pra gente, não sei.(...)Pra gente não muda muita coisa não (Cientista).
Entretanto, toda essa discussão reforça que a história de cada indivíduo justifica
a percepção ambiental particular e suas interrelações com o universo ao qual pertence.
A visão do Ex-Policial pode ser justificada por sua identificação com a atividade
anteriormente exercida, cuja missão, supostamente, é defender os bons cidadãos de
pessoas más. Além disso, falar de uma obra científica tão conhecida diante de uma
pesquisadora também pode ser interpretada como tentativa de aproximação e conquista
de confiança entre entrevistado e entrevistadora.
O que a gente sente realmente hoje é a falta de agentes por plantão, que é o que
emperra mais pras coisas funcionarem direito, e pra entrar esses projetos como
querem que tenham, tipo escola e tal (Experiente).
Eu acho que precisa mais de equipamentos. Poderiam ter mais equipamentos nas
unidades prisionais, em termos de armamento pra segurança do profissional e
até mesmo do interno. Eu acho que atendimento também, por que faltam
profissionais. Deveriam ter mais profissionais nas unidades trabalhando porque
eu acho que existem poucos pros internos (Administrador).
penitenciários, marcam esta classe, cujos discursos são mencionados pelo Cientista,
Polivalente, Ex-policial e pelo Administrador. Os seus exemplos podem ser vistos a
seguir:
Disciplina tem que existir, mas disciplina com educação, não precisa estar
xingando, não precisa estar tratando de forma ignorante. (...) Tem muito agente
aqui que teria pressa de um acompanhamento psicológico. Acho que seria
importante esse lado psicológico do agente, [pra que] de certa forma, ele [possa]
ser ouvido, e, até certo ponto, [pra que ele possa] mudar um pouco a opinião
dele sobre o sistema (Polivalente).
É importante observar os discursos desta classe, que clamam por apoio para
melhor realizar a missão para a qual foram designados: ressocializar. Muitos desses
discursos são antecedidos de lamúrias – que compõem a classe 4, dos sentimentos
negativos – sobre a insatisfação em tentar frustrantemente cumprir uma função sem as
ferramentas operacionais, psicológicas e sociais adequadas. Concordando com esses
apelos, reflete-se aqui sobre a importância do acompanhamento psicológico aproximado
desse grupo de profissionais, cuja missão incumbida vai muito além da segurança do
lugar físico e de seus integrantes, mas inclui o cuidado humano e o tratamento
psicossocial por meio das suas interrelações.
Não obstante, é exposto (Smith, 2015) que as profissões que envolvem ações
policiais e ressocialização de presos estão entre as 20 ocupações que mais produzem
estresse em seus trabalhadores ao redor do mundo. Isso corrobora a visão da
necessidade urgente em apoiar e acompanhar psicologicamente essas pessoas – sem
falar de seus familiares. Sabe-se que as Secretarias da Justiça de todos os estados do
país disponibilizam profissionais da área para atendimentos psicológicos de agentes e
policiais em crise. Mas, diante do exposto, percebe-se que é insuficiente para a
prevenção de danos que este trabalho, por suas especificidades, pode proporcionar.
123
A partir da categoria Ambientes, das falas dos presos identificam-se três classes
distintas: ambientes macrossistêmicos, mesossistêmicos e microssistêmicos. Já nos
discursos dos agentes, foram apontadas apenas duas vertentes, meso e microssitêmicos,
não tendo sido encontradas alocuções sobre os macrossistemas de relações ambientais.
Além disso, a menção ao mesossistema ambiental foi feita por apenas um agente – o
Ex-Policial.
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Por ora, esta pesquisa precisa ser fechada e a esperança nela depositada está nas
possibilidades de contribuições futuras para com as pessoas envolvidas no sistema
penal. Mas não posso fechar este trabalho sem falar que ele foi fruto de minhas
inquietações, considerando o meu papel subjetivo de ser humano em constante
transformação, e que foi incomodado quando posto em contato com o ambiente
estudado – em todas as dimensões aqui consideradas. Aliás, essa mistura entre o “eu”,
“o que eu queria saber” e “o que eu apreendi”, revelou muito mais de mim – e para mim
– do que de outros.
Este trabalho, portanto, é um estudo cujo objetivo foi entender o que é uma
prisão, a partir do olhar dos usuários do lugar: internos (presos) e agentes penitenciários.
A pesquisa foi realizada na Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo, no Ceará,
onde a coleta de campo aconteceu entre novembro e dezembro de 2017, e teve como
participantes um total de 16 presos e 15 agentes penitenciários.
Ainda, apesar do meu trabalho final de graduação ter sido projeto de uma
colônia penal, o meu contato com a realidade da prisão à época foi mínimo. Portanto,
mesmo motivada em continuar a estudar o tema, o meu lugar como pesquisadora
sempre foi de estranhamento. Foi necessário, então, desempenhar grande esforço para
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
compreensível, pois está relacionada ao papel que assumem no lugar investigado, cujo
efeito age sobre a forma como percebem o ambiente penal.
O fato é que aqui no Brasil essas celas são usadas para outro propósito:
isolamento, castigo ou proteção de alguns detentos de maior poder aquisitivo, ou que
ocuparam cargos importantes. Há quem diga que as celas coletivas configuram reflexo
característico da cultura brasileira, ou ainda, que se trata de uma estratégia projetual
para economizar. Mas digo que essa condição é uma legitimação da segregação social
que também se apresenta dentro das prisões.
Além disso, não posso deixar de pautar sobre o descompromisso das autoridades
políticas em olhar para o sistema penal como uma importante ferramenta de recuperação
social. Ao contrário disso, o que há é a negligência, que pode ser percebida pela rejeição
em oferecer aos detentos o mínimo necessário para se sentirem humanos, e aos seus
funcionários o mínimo em termos operacionais e psicossociais. É compreensível que se
pense em segurança, mas ao não oferecer talheres para as refeições, colchões para as
camas, sabonetes, escovas de dente, barbeador e produtos de limpeza para as celas, o
Estado dá força à mensagem do quão insignificante é a pessoa presa para esta
sociedade, a ponto de sequer merecer um banho.
É preciso dar outra solução para isso, pois o reflexo se vê na formação de outros
tipos de organizações sociais, as conhecidas facções, por exemplo, que se mostram para
essas pessoas como a única opção para sobrevivência. Elas oferecem aos usuários do
ambiente penal nada mais, nada menos, do que os recursos que a sociedade nega. E, é
claro, em troca desses recursos, há a lealdade e o serviço dos beneficiados – presos e
agentes. Sem sombra de dúvidas a sobrevivência vem em primeiro lugar.
Diante do exposto, pode-se dizer que esse tipo de abandono pelo poder público
contribui para a reprodução inquestionada de soluções arquitetônicas e gerenciais do
passado, e para a manutenção do distanciamento das penas privativas de liberdade dos
alvos reformistas de humanização e recuperação de pessoas. Pelo contrário, a
permanência da desconsideração do papel das arquiteturas e de suas gerências fará com
que as edificações penais continuem sendo testemunhas da degradação do humano,
conferindo-lhe a certeza de sua insignificância social.
Que fique bem claro que humanizar uma arquitetura não é pintar suas paredes de
colorido. Faz-se necessário repensar as atividades humanas nesses lugares, e refiro-me,
mais uma vez, a todos os humanos, não só aos presos. Repensemos o tipo de gerência
dos ambientes penais, seus objetivos e seu público da atualidade, tendo a arquitetura
como resultante e coparticipante de tudo isso. A permanência dessa estratégia de
isolamento social em arquiteturas penais deve ser alterada em vários aspectos.
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Assim, deixo aqui mais perguntas para pesquisas futuras: o que é de fato
humanizar uma arquitetura penal? Até onde podemos humanizá-la sem ferir outros
princípios ou limitações jurídicas? O que são as prisões humanizadas no mundo afora e
o que as difere? E no Brasil, como elas funcionam?
Como arquiteta, não foi fácil acolher essa constatação de que a prisão, pela sua
configuração atual, não alcança o seu alvo maior de ressocializar. Percebi que mesmo a
melhor das prisões, continua sendo prisão, imersa numa lógica de ruptura social forçada
do indivíduo preso, causando-lhe perda de sua identidade grupal. O resultado disso é
dramático e envolve sentimentos de vingança, segregação e injustiça social, que
alcançam não só o apenado, mas também os funcionários do lugar e a sociedade, com
efeito.
O que fazer no lugar disso, então? Que outras soluções poderiam ser dadas? O
que projetar no lugar de prisões para (res) socializar pessoas sem causar nelas o efeito
colateral do aprisionamento?
O importante é que haja uma reconfiguração das penas e dos espaços destinados
a seu cumprimento. É preciso considerar o trabalho e a educação como mecanismos
estratégicos para ressocialização de pessoas e, sobretudo, é preciso que os agentes
penitenciários sejam inclusos nesses programas. Sob a perspectiva holística da
Psicologia Ambiental, na qual cada pessoa em um lugar constitui ambiente para outro
(Rivlin, 2003), uma formação humana dos profissionais designados a cuidar dos
apenados é condição sine qua non para mudanças positivas.
vezes que pensei em desistir dele. Todavia, os resultados e discussões advindas dessa
aproximação com a realidade do sistema penal, e sua disposição aos leitores desta
pesquisa, alimentaram uma esperança de que as percepções ambientais da prisão –
fundamentadas pelos teóricos e interpretadas aqui – possam refinar pesquisas e debates
futuros em prol de ações transformadoras da realidade em questão – sejam elas políticas
ou psicossociais, e com reflexos em mudanças funcionais, projetuais e construtivas.
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151
153
APÊNDICES
Apêndice A
Ind. __
Ind. __
Ind. __
Ind. __
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Apêndice B
Prezado(a) Participante,
Você está sendo convidado(a) a autorizar a sua participação nesta pesquisa, desenvolvida por
Nathalie Guerra Castro Albuquerque, aluna de pós graduação, que irá conhecer a rotina do
ambiente prisional da Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo ,bem como a relação dos
internos com os agentes e de ambos com os espaços. Nós estamos desenvolvendo esta
pesquisa porque queremos saber o significado desses lugares para os seus usuários – internos
e agentes penitenciários –, ao dar-lhes voz para exprimirem seus afetos e significações.
Assinatura do pesquisador_________________________________________________
Assinatura do participante________________________________________________
O convite para a sua participação se deve pela importância de sua fala para esta pesquisa,
considerando que poderá contribuir para entendermos melhor o cotidiano e a percepção das
pessoas nessas instituições.
Ao participar desta pesquisa, você irá responder a uma entrevista individual sobre sua vida na
penitenciária, respondendo a algumas perguntas feita pela pesquisadora e com isso estará
contribuindo para a conclusão de uma pesquisa importante. Lembramos que a sua
participação é voluntária, isto é, ela não é obrigatória, e você tem plena autonomia e liberdade
para decidir se quer ou não participar. Você pode desistir da sua participação a qualquer
momento, mesmo após ter iniciado a entrevista sem nenhum prejuízo para você. Não haverá
nenhuma penalização caso você decida não consentir a sua participação, ou desistir dela.
Contudo, ela é muito importante para a pesquisa. A qualquer momento, durante a pesquisa ou
posteriormente, você poderá solicitar do pesquisador informações sobre sua participação e/ou
sobre a pesquisa, o que poderá ser feito através dos meios de contato explicitados neste
Termo.
Todos os dados e informações que você nos fornecer serão guardados de forma sigilosa.
Garantimos a confidencialidade e a privacidade dos seus dados e das suas informações, e nem
o seu nome, nem a sua imagem serão associados à sua fala nos registros documentados.
155
Os depoimentos serão gravados em áudio e transcritos de maneira que atenda com rigor à
sequência natural e imediata das palavras e frases, porém somente será realizada se você
autorizar as gravações. Essas gravações serão necessárias para que a pesquisadora possa
consultar posteriormente e viabilizar a realização do relatório. O material da pesquisa, com os
seus dados e informações, será armazenado em local seguro e guardado em arquivo por pelo
menos 5 anos após o término da pesquisa. Qualquer dado que possa identificá-lo será omitido
na divulgação dos resultados da pesquisa.
Se você necessitar de algum encaminhamento por se sentir prejudicado por causa da pesquisa,
ou se o pesquisador descobrir que você tem alguma necessidade de encaminhamento para
tratamento psicológico, você será encaminhado pela pesquisadora para atendimento
assistencial na própria unidade Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo, localizada no
município de Pacatuba, no Estado do Ceará, situada à rua João Cavalcante Filho, s/n – bairro
Alto São João, CEP: 60.870-000, com intuito de garantir seu restabelecimento emocional.
Caso você aceite participar da pesquisa, não receberá nenhuma compensação financeira. No
caso de algum gasto resultante da sua participação na pesquisa e dela decorrentes, você será
ressarcido, ou seja, o pesquisador responsável cobrirá todas as suas despesas.
8. ESCLARECIMENTOS
Se você tiver alguma dúvida a respeito da pesquisa e/ou dos métodos utilizados nela, pode
procurar a qualquer momento o pesquisador responsável.
Se você desejar obter informações sobre os seus direitos e os aspectos éticos envolvidos na
pesquisa, poderá consultar o Comitê de Ética da Universidade de Fortaleza. O Comitê de Ética
tem como finalidade defender os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade
e dignidade, e tem o papel de avaliar e monitorar o andamento do projeto, de modo que a
pesquisa respeite os princípios éticos de proteção aos direitos humanos, da dignidade, da
autonomia, da não maleficência, da confidencialidade e da privacidade.
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade de Fortaleza – COÉTICA
Av. Washington Soares, 1321, Bloco M, sala da DPDI. Bairro Edson Queiroz, CEP 60811-341.
Horário de Funcionamento: 08:00hs às 12:00hs e 13:30hs às 18:00hs. Telefone (85) 3477-3122, Fortaleza-CE.
9. CONCORDÂNCIA NA PARTICIPAÇÃO
11. CONSENTIMENTO
__________________________________________________
___________________________________________________
Assinatura do pesquisador
__________________________________________________
Impressão dactiloscópica
157
Apêndice C
Colaborador 1 - Agente
A prisão não é como deveria ser. Ela não tem caráter ressocializador. O que eu acho
mesmo é que ela tem que ser punitiva mesmo, primeiramente. Só depois que se
ressocializa. Mas, assim, tem que ser humanizada, porém, quando você dá o que o preso
acha que tem direito, já não dá certo.
Colaborador 2 - Agente
Colaborador 3 - Agente
A prisão deveria ser um local de punição, pra eles refletirem sobre o que fizeram. Mas
não é. Atualmente, a prisão só serve pra armazenar pessoas. Só. Não ressocializa,
porque na verdade, eles nunca foram socializados. Eles não são socializados. Eles não
sabem nem falar o que querem. O que desejam.
Colaborador 4 - Interno
Colaborador 5 - Interno
Colaborador 6 – Interno
Colaborador 7 - Interno
Colaborador 8 – Interno
Colaborador 9 – Interno
Colaborador 10 – Interno
Não quero mais isso pra minha vida. Na prisão eu trabalho, e o trabalho me fortalece. É
pra me regenerar.
Colaborador 11 – Interno
A primeira vez que eu entrei aqui, eu achei a pior coisa que tem. Depois, vi que aqui é o
aprendizado pra vida.
Colaborador 12 – Interno
A prisão é uma coisa isolada, não tem futuro. Pra mim, a liberdade é muito importante,
e eu estou lutando pra isso.
161
Colaborador 13 – Interno
Colaborador 14 – Agente
A prisão é o local onde você tem que pagar pelo que fez. Mas na verdade, ela funciona
em parte.
Colaborador 15 – Agente
Colaborador 16 – Agente
Colaborador 17 – Agente
Colaborador 18 – Agente
A prisão é o recolhimento. É você tirar a liberdade de alguém. Ele não vai ter mais
liberdade.
Colaborador 19 – Agente
A prisão é um ambiente físico de autoria do Estado. Pessoas pagam as suas penas aqui
dentro. É um local pra tentar ressocializar essas pessoas.
Colaborador 21 – Agente
Colaborador 22 – Agente
A prisão é um local que não funciona. Por vários motivos, por falta de efetivos, agentes,
por conta também dos presos, que não querem melhorar. Eles destruíram tudo, eles
quebraram a escola que tinha aqui. Eles quebram tudo.
Colaborador 23 – Agente
Colaborador 24 – Agente
Colaborador 25 – Agente
Colaborador 26 – Agente
Eu queria que saísse todo mundo daqui. Que só ficassem os agentes pra fazer o serviço
direito. Esses caras têm muitos direitos, aí vem serviço social, médicos, psicólogos
163
defender os direitos humanos deles. Prisão é lugar pra preso e agente penitenciário,
pronto.
Colaborador 27 – Interno
Colaborador 28 – Interno
Colaborador 29 – Interno
Colaborador 30 – Interno
Prisão é tudo de ruim. Prisão é sofrimento, é saudade. Aqui você deve pagar pelos seus
erros. Nada é como a nossa liberdade.
Colaborador 31 – Interno
Prisão é pra gente não aprontar mais. Aqui eles mostram que o crime não tem valor.
Prisão é angústia, tristeza. Apesar de que aqui tem uns irmãos pra confortar a gente.
Porque pra gente como eu, que não tem família, é muito ruim. Serve pra aprender, e não
fazer mais.
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Apêndice F
O Cientista (Agente)
O Experiente (Agente)
O Vigilante (Interno)
Pra começar, naquele dia que a senhora me perguntou o que era prisão. A prisão é de
antes de Cristo. Naquele tempo já existia os presídios pra quem fazia coisa errada. Creio
eu que estou aqui pra pagar o que eu cometi lá fora. Muitas vezes a gente erra, não de
cometer um crime, mas muitas vezes dentro de casa com a mãe ou com o irmão. Às
vezes com palavras a gente magoa, aí a gente vai preso, por aquilo que a gente cometeu,
e aqui dentro a gente vai pensar em tudo isso. Faz três anos que eu estou aqui dentro.
Cheguei aqui em 2014, eu era [da facção] quando eu cheguei aqui. Até lá não tinha
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
guerra entre facção. Passei três anos, perdi o convívio dentro da cadeia, porque aqui só
são eles [da facção]. Eu tirei minha camisa, não sou mais [da facção], graças a Deus.
Tenho dois filhos, aí tomei a decisão de tirar a camisa. Aí, a partir do momento que eu
tirei, eu comecei a ser feio aqui dentro. Eu não podia descer em mais nenhuma vivência
[coletiva], que eles [me] tiravam, ganhei muita inimizade, inimigos. Passei 4 meses no
isolamento, sem contato com a família, sem contato com meus filhos, sem visita. Então
pra mim foi uma das coisas mais piores do mundo. Pra mim eu preferi estar preso assim
normalmente do jeito que eu estou, porque aqui eu estou livre. Eu estou preso, mas aqui
dentro a gente se sente liberto, porque a gente pode fazer as coisas que a gente quer.
Veio a oportunidade de eu trabalhar, aí comecei a trabalhar e as coisas melhoraram.
Daqui pra frente é só trabalhar, pra ganhar minha remissão de pena e ir embora. Eu
capino. No sol quente que eu trabalho, mas é bom. A gente está o dia todinho ali solto,
conversando, capinando. E a gente ganha a remissão de pena. Cada capinada que a
gente dá, o suor que cai ali, vale muito pra nós. Eu gosto muito desse trabalho. No
isolamento eu não sei nem distinguir o sofrimento lá dentro. Eu ficava sozinho, são 16
celas. E um em cada cela, sem direito a nada. Sem direito a visita. Se o familiar traz as
coisas, as coisas não entram. Então ali a gente tem que se virar. Pra conseguir um
sabonete, barbeador, as coisas higiênicas, a gente pedia pros caras (presos) que
trabalham aqui também, que faz as quentinhas e aí a gente pedia pra ajudar. Mas ali [na
cela de isolamento] o sofrimento é muito grande, ali a gente tem que procurar à Deus.
Acho que a gente prefere a morte, do que ficar ali. E a transferência que eu passei ali [na
cela do] isolamento não quero nem pro meu inimigo. Aquele bicho é muito ruim. Antes
do isolamento passei três anos na vivência. Lá era cela normal. Seis pessoas dividiam a
cela, no máximo quatro. Pra mim, uma cela se cabe quatro, ali se torna família. Mesmo
se tiver apertado, e chegar mais gente pra cela, a gente ainda recebe. É igual coração de
mãe, sempre cabe mais um. Pra nós é normal. Se eu soubesse que era tão bom trabalhar,
pela remissão de pena, e com comida melhor, eu tinha vindo mais antes. Pra mim, eu
não tenho o que reclamar não, está sendo melhor agora do que três anos atrás. Há três
anos atrás, eu era um dos caras [da facção]. Porque, você sabe, cada bairro tem um cara
pra comandar. No começo não era assim como hoje, quando a gente entrou [na facção]
era por conta de uma promessa, não era pra ganhar dinheiro e ficar rico não. Era pros
nossos filhos, futuramente poderem ir pro colégio tranquilo, sem ter roubo perto de
casa. A ética no crime era trazer paz pra sociedade. Então, assim, há três anos atrás, eu
era esse cara, que por telefone, mandava mensagem no whatsapp pra eliminar. Aí eu fui
pensando, tive filhos, aí fui pensando e desisti. Não me arrependo não. A partir do
momento que eu desisti, eu fui decretado, aí lá fora, quando eu sair daqui, eu não vou
ter mais convívio, onde tiver [a facção], vou ter que correr distante deles. Foi muito
complicado, foi muito sofrimento. Meus pais sofreram muito com isso, mas hoje eu sou
uma nova pessoa. Eu já confessei meus pecados ali, eu não sou crente não, mas Deus
conhece meu coração, e eu creio que Ele me perdoou.
O Estrangeiro (Interno)
Acho que a doutora no momento está conversando com uma das pessoas mais críticas
do sistema_penitenciário. Já estou aqui há mais de 16 anos. Nesse tempo já conheci
várias penitenciárias, várias estruturas físicas. E então realmente, pra mim foi um
grande impacto o primeiro dia. E eu não esperava, aliás, eu não sabia o que esperar. Eu
169
entrei num ambiente inóspito, cheio de vícios, numa cultura nova, diferente, numa
cultura que de alguma forma rebaixa o ser humano. Que influencia negativamente em
muitas outras coisas, como o uso de drogas, a violência, vários tipos de violência. É
muito complexo. O sistema_penitenciário em si tem uma complexidade enorme.
Quando eu fui preso, adentrei no IPPS, que está praticamente desativado hoje. Está
funcionando praticamente como uma triagem. É um lugar, que pra mim, é o único lugar
que para mim, e para a proposta que eu apresentei, seria ideal para fazer uma escola de
formação profissional na área da construção civil e obras públicas, que era denominado
Selva_de_pedras. Lá realmente tinha uma estrutura física capaz de ser reformada para
esse fim. Mas não me deram ouvidos, aliás, nunca me dão ouvidos. Naquele tempo,
estava superlotado, assim como todas as unidades estão, e estava já completamente
depredada toda a sua estrutura. Inclusive, usava-se um termo condenada. Que a
estrutura estava condenada já há alguns anos. Então, ou seja, depois disso tudo, se
passaram anos. Inclusive eu tenho um livro que retrata tudo isso que eu passei na
penitenciária. Eu sou uma pessoa que, no momento, me julgo multicultural. Então, eu
nasci em outro país, eu vivi em outras culturas, trabalhei com outras pessoas de culturas
diferentes. O lugar em si, me coloca em um patamar diferente dos demais detentos,
porque eu nunca analiso a situação, seja ela qual for, da visão caótica dos detentos. E
sim dos vários segmentos envolvidos. Eu vejo o lado dos detentos, eu vejo as
dificuldades dos agentes_penitenciários, eu vejo o que os coordenadores do sistema
penal e como eles, de alguma forma, tentam resolver os problemas. Como que a SEJUS
se compõe. Quem entra na SEJUS. Como que o governo do estado do Ceará, como que
a sociedade vê, como que o Ministério Público vê. Ou seja, eu tento analisar de vários
enfoques, e não apenas querendo me vitimizar. Como eu sou diferente dos demais
detentos, eu vejo de forma diferente, e muito diferente. Porque eu analiso o espaço
físico, por exemplo, o espaço físico tem tudo a ver, a verdade é essa. Quando a doutora
bota 8, 10, 12 pessoas, que delinquiram juntas, todas elas vão absorver um pouco de
outras. É o mesmo que um filho seu se comportar de uma forma diferente do que a
senhora espera dele. A senhora pega o seu filho e coloca junto com as pessoas que
também cometeram erros. Ou seja, o que a doutora está fazendo é provocar no seu filho
um conhecimento, uma aquisição de conceitos completamente diferentes do que a
doutora quer. E é isso que ocorre, quando a pessoa chega aqui porque cometeu um
crime por algum motivo, ela passa a se graduar no mundo do crime absorvendo várias
disciplinas. O que pra mim, o Estado, no caso, que se torna responsável por influenciar,
ou de alguma forma, empurrar um criminoso, um indivíduo, que cometeu um crime em
um determinado momento da vida. Eu acho que o governo fica impulsionando, quer
dizer, não faz por querer, mas indiretamente é isso que faz. Coloca várias mentes
criminosas juntas e isso provoca um aperfeiçoamento, entre aspas, do crime, e o crime
ao invés de diminuir, só vai aumentar. Não existe uma gestão que consiga compreender
a cultura do sistema_penitenciário. O que é que acontece, o que ocorre, por partes, a
estrutura física é inadequada? É! Mas muitas vezes precisamos conviver com o que
temos pra melhor viver, e isso não é feito. Começamos pela estrutura física onde se
coloca várias pessoas dentro do espaço. Essas pessoas vão viver a ociosidade doentia. E
aí vamos para os aspectos subjetivos. Eu tenho uma família, o outro tem uma família, e
ninguém vê, ninguém olha pra base de cada indivíduo, ninguém olha pra base de cada
indivíduo. Nós não deixamos de ser indivíduos com bases distintas. O que ocorre?
Quando eu chego numa penitenciária, eu não tenho um emprego, eu não tenho uma
remuneração. A minha família lá fora, que de alguma forma depende de dinheiro, fica
desestruturada. Existe um clamor pessoal de querer de alguma forma ajudar a família e
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
querer ser ajudado pela família. E tudo isso fica comprometido dentro do sistema. O que
é que o detento dentro do sistema vai tentar fazer, das poucas opções que tem? Ou vai
tentar fugir, ou vai entrar no mundo do tráfico de drogas para conseguir recursos pra ele
e pra família. E muitas vezes para o advogado. E pra mim essa é uma das profissões
mais antiéticas que existem pois ele vive do dinheiro do crime. Que me desculpem os
advogados, eles não gostam de ouvir isso, mas é a minha opinião. Os advogados
criminais vivem com o dinheiro do crime. O criminoso rouba, trafica pra pagar o
advogado. Outros não conseguem aguentar, se viciam em drogas, e nós temos formada
uma cultura repudiante, horrível, que provoca na sociedade um impacto gigantesco.
Porque mais dia, menos dia, os presos vão ser devolvidos piores. E falar mal é muito
fácil, que é só o que estou fazendo. Mas resolver, o que tem que ser feito? Penso que a
doutora não possa fazer muito para mudar o sistema. Talvez possa até um dia, nas suas
atividades laborais, lançar uma sementinha. Talvez possa um dia. E tudo o que vier em
prol do sistema_penitenciário é lucro. Mas pelo menos eu gostaria de, no meu ponto de
vista, abrir um pouco a mente, acerca do que realmente poderia ser feito. Primeiro,
precisava ter mais salas de aula, precisava de ter escolas de formação profissional para
profissões atuais. Porque um detento chega aqui sem profissão definida, e ele se gradua
no tráfico e vai pra fora, continua sem uma profissão definida e sabe traficar. A partir da
altura que lhe oferecerem uma profissão, eu tenho passado a ter duas opções, trabalho
lícito e o trabalho ilícito. Até então eu só tinha o trabalho ilícito. Se você dá uma
segunda opção, quando você oferece uma profissão, um curso profissionalizante a um
detento, um acesso à educação de alguma forma, você dá uma segunda opção. Enquanto
isso ele só tem uma, delinquir. Precisamos que entre um delinquente, e saia no mínimo,
um delinquente profissionalizado numa área legal, pra que ele realmente tenha duas
opções. Então, escolas de formação profissional, opções de empreendedorismo, como
por exemplo, montagem de empresas de pequeno porte, microempresas dentro do
sistema_penitenciário. Por exemplo, um espaço ocioso, cheio de mato que está aqui,
poderia ter uma [pequena] granja que forneceria ovos e frango pra unidade. Outro
espaço poderia fornecer verdura pra unidade, outro espaço poderia ter um banquinho de
flores para comercialização. Então, tudo isso daria pra fazer. Daria pra ter uma oficina,
por exemplo, disporia de alumínio, outra de marcenaria, enfim. Nós temos um leque
vasto do que poderia ser feito. Só que nós vamos encontrar um muro enorme impedindo
isso. E o nome desse muro nós podemos chamar que é cultura. É uma questão que
continua sendo cultural. Uma questão que não muda. Preso tem que ser sempre assim,
agente tem que ser sempre assim, e não há transformação. Eu posso dizer, por exemplo,
que eu fui militar da marinha, e agora nós vamos avançar um pouquinho e falar da
questão humana. Existe uma forma que as forças armadas encontraram com o excessivo
de contingente de homens, que é os serviços serem chamados, nas forças armadas de
quartos. E esses serviços, de alguma forma, não sei quando nem onde, chegaram ao
sistema_penitenciário. Os agentes penitenciários não vão falar da polícia militar, pois
fazem parte desse contingente. Os agentes_penitenciários têm uma escala de serviço de
24 por 72. Trabalha 24 horas e descansa 72 horas. E como tanto a doutora quanto a
sociedade sabe, os agentes_penitenciários são poucos para o número de presos. Ora, se
eles são poucos para o número de presos e não é humanamente possível trabalhar 24
horas seguidas, porque isso gera um cansaço enorme, ainda mais num ambiente inóspito
como uma penitenciária. Não temos número suficiente de agentes, porque adotar uma
escala militar, que existe pela questão mesmo do número do contingente ser grande, e
por isso essa escala, trabalha 24 horas e descansa 72, ou seja, ele sabe que naquelas 24
horas devido ao número enorme de militares que existem, eles podem trabalhar por
171
quartos, trabalham 4 horas, descansam 12, trabalham mais 4 descansam o restante e vão
embora, pelo menos dormiram, descansaram. Eles aqui fazem a mesma coisa, são
poucos e tem uma escala dessas, o que seria ideal, tendo em conta que nem eles são
militares nem o contingente permite tal sistema de plantões. O certo seria eles terem a
mesma escala de serviço que a maioria das empresas tem, 8 horas diárias. Então, vamos
dividir o dia de 24 em três plantões de 8 horas, cada plantão trabalha 8 horas e a unidade
penitenciária trabalha com agentes_penitenciários descansados. As 8 horas que, na
verdade, se tornariam 6 ou 7 por conta do almoço, ou seja, seria uma condição adequada
de trabalho, mas, talvez, não tão confortável pra eles, porque é muito bom trabalharem
24 horas, em que dormem descansam durante essas 24 horas, e depois ficam 3 dias em
casa e podem usá-los para uma segunda atividade e para dedicar a família. Então, apesar
de ser uma situação confortável pra eles de [passarem] 72 horas em casa, nas 24 em que
estão no serviço, não se pode se [fazer pois] o contingente [de presos], como lhe falei, é
grande (...). Então, aqui, logo já, a primeira coisa que está errada é essa questão do
horário dos plantões dos agentes_penitenciários. Depois, precisamos fazer os presos
saírem da ociosidade doentia e nós temos salas de aula, nós temos seis ou sete salas de
aula, só que nós chegamos a ter um turno com 12 alunos e três professoras lecionando,
enquanto lá fora tem professora que leciona pra mais de 20 alunos. Nós temos aqui três
professoras pra 8 a 12 presos. Se torna vergonhoso, se a sociedade visse, se o
Ministério_Público visse, tivesse esse conhecimento, talvez não fizesse nada, mas, pelo
menos, ficaria abismado, boquiaberto com essa situação. Então, nós precisamos acabar
com essa ociosidade doentia, tirar os alunos das celas e colocá-los na sala de aula.
Metodologias teriam que ser aplicadas diferentes das atuais, claro, incentivos teriam que
existir, não tenho respostas pra todos esses incentivos, não sei até quando que eu vou ser
chato. Muitas vezes a droga não permite que eles o façam sem incentivos. Muitas vezes,
a culpa não é só dos agentes, não é só do sistema em si, a culpa é dos presos também,
então, a culpa é dos dois lados. Se o indivíduo está viciado, de alguma forma,
delinquindo dentro da cela, ele não vai querer deixar de ganhar o dinheiro dele, não vai
querer deixar de usar a droga dele, para adentrar numa sala de aula, porque a mente dele
não consegue ver isso. Ele está completamente cego, por isso eles devem ter um
estímulo. Se tivermos que comparar um preso, por exemplo, a uma criança, nós
podemos. Se quisermos comparar um preso a um cachorro, nós podemos. Às vezes o
cachorro, para que o ensine, é preciso lhe dar um docinho para que ele aprenda a dar a
patinha, então essa é a questão. O incentivo de redução da pena por dia de aula ou de
curso não é suficiente para motivar, mas é bom. Todo esse incentivo é bom. O incentivo
dessa questão da pessoa através das 12 horas de estudo galgar um dia na remissão da
pena, é importantíssimo. No trabalho também, agora nós estamos vivendo mudanças
constantes. Nós agora estamos com um problema enorme, essa questão das guerras de
facções. Precisamos frear isso, porque se nós não conseguirmos, se o Estado não
conseguir colocar um freio nisso, fica complicado, porque, repare, [se] você está
remindo a pena de alguém, agora nós não estamos falando do lado do preso, então, você
está remindo a pena de um preso, está fazendo pelo fato de uma questão de mérito. Ora,
ele está tendo um comportamento objetivo e subjetivo. É assim que a execução da pena
fala. Está cumprindo essa situação e vamos beneficiá-lo por um dia a menos, por um
mês a menos, por um ano a menos. Nós temos que ver até que ponto um indivíduo, que
está aqui preso que entrou por ter roubado um som de um carro, ingressa numa gangue
da qual ele vai receber ordens, ou seja, a partir da altura que ele ingressa numa gangue
ele passa a viver do crime e para o crime. Se passa a viver do crime e para o crime, o
que fazer para beneficiar esse indivíduo? Se o deixo aqui, ele vai delinquir. Se eu coloco
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
lá fora, ele vai delinquir, porque está vivendo do crime e para o crime. Recebe ordens e
tem que cumpri-las. Estamos vivendo num Estado Islâmico da vida. Então são situações
complexas que precisamos dividir. Mas vamos isolar um pouquinho as facções e falar
das pessoas que não estão ligadas a nenhuma gangue, como incentivá-las, por exemplo?
Como tê-las em salas de aula, já que temos salas de aula com [espaços para] 120 alunos
em cada turma e nós aí podemos ter seis turmas de quatro horas. Porque podemos,
muito bem, com os agentes_penitenciários em escalas de 8 horas, colocarmos essa
fábrica para funcionar diuturnamente, ao contrário de hoje que nós temos aulas de 2
horas, poucos alunos e 2 horas apenas por turma. Porque a troca de plantão se faz 8:30
da manhã. Durante essa troca de plantão mais o café da manhã, aí a professora que
chegou às 8:30 da manhã junto com a gente vai começar a lecionar entre 9:30 e 10
horas. Vai terminar entre 11:30 e meio-dia. Nós temos 2 horas, ou seja, um aluno com 2
horas por dia vai precisar de 6 dias pra dar 12 horas para ter 1 dia de remissão de pena.
Está certo isso? Está correto? Os alunos lá fora estudam 4 horas, existe um forte apelo
para o estudo integral e uma aluno preso estuda 2 horas e o professor está aqui com a
carga horária dele garantida pelo Estado, mas não pode fazer nada porque é limitado
pela segurança do sistema_penitenciário, ou seja, pela desorganização do
sistema_penitenciário. Vamos fazer isso? Primeiro aquela [mudança] dos
agentes_penitenciários trabalharem em turnos de 8 horas nas 24 horas, aulas começando
no mesmo horário lá de fora, que começa de 7 às 11 [horas], o aluno que realmente está
estudando podemos dar uma visita a mais. Na vivência onde estão os alunos, podemos
lhe dar uma visita a mais, um pernoite uma vez por mês, porque ele está estudando. [É
como oferecer] aquele docinho que se dá aos cachorros. Pode ter uma alimentação um
pouquinho diferente, melhorada, porque, a comida que tem, tem qualidade suficiente
para fazer isso, tem uma qualidade muito razoável e são pequenos incentivos que nós
podemos dar, além da remissão, que já passarão a ter uma remissão diferente porque já
estudarão no mínimo 4 horas diárias. Em três dias vão ter direito a um dia de remissão
de pena. Difícil fazer isso? Não acredito que isso seja difícil de fazer, isso é uma
questão cultural, mudar o sistema, mudar a forma de agir contra o sistema. Eu sou
estudante [à distância] de pedagogia, estava no terceiro semestre de pedagogia e
segundo de letras_inglês. Infelizmente, por conta dessa mesma má organização do
sistema, no momento eu estou impedido de estudar com uma previsão, uma promessa,
de, a partir de janeiro, poder retornar aos meus estudos. Eu pago e o sistema nada fez
por mim. O sistema nunca incentivou nada. Eu cheguei na penitenciária, no IPPS, no
começo de 2002, com a 7ª série e hoje eu estou fazendo pedagogia a distância e
letras_inglês. Não estou, está trancado, mas, estou com previsão de recomeçar em
janeiro. Funciona assim, eu comprei um notebook e eles fornecem apenas a internet, o
resto eu que me viro, só me dão espaço físico e internet. O resto tudo custeado por mim
e por minha família. Então, estudo a distância. Você conhece com certeza o sistema
EAD. Pode até não ter participado, mas já ouviu falar. Eu, com certeza, terei algumas
dificuldades no estágio, quando for pro estágio. Um estágio ou outro poderei até fazer
na escola da unidade prisional, mas outros estágios, não poderei fazer. Então sei que um
dia encontrarei algumas dificuldades, tentarei superá-las através de pedidos à justiça.
Enfim, tenho alguns pensamentos, algumas ideias a cerca de como tentar. Inclusive
agora tramitou no Senado, ninguém sabe se a Câmara_dos_Deputados se vai aceitar, o
que é que o Presidente vai vetar ou não, mas eu sei que tem umas coisas que eu vi que
realmente que poderão ser-me úteis nessa questão educacional. Colaborei na escola,
trabalhei na escola, sempre colaborei com os professores dentro do
sistema_penitenciário. Participei como colaborador, eu trabalhava na escola (...) para
173
dar apoio ao espaço físico (...), só que como sou uma pessoa que me considero
empreendedora, eu sempre ia mais além. Por minha conta sempre ficava mais um
pouco. Por melhorias, e isso não é bem visto. Procurar melhorias no
sistema_penitenciário (...) não é bem visto. Nem de um lado, nem do outro. Os presos
não acham bom, a maioria dos presos não considera a pessoa que trabalha como uma
pessoa adequada para o convívio entre os presos. A direção e os agentes_penitenciários
sempre desconfiam do preso e quando o preso quer, de alguma forma, luta por algo
mais justo, isso dá trabalho. Então, a pessoa acaba sempre ficando (...) embarreirada,
digamos, entre um lado e outro, preso nas trincheiras, é muito complexo. Hoje eu estou
trabalhando no almoxarifado, como responsável do almoxarifado. Um almoxarifado
falido que não tem nada, só tem ferramentas e pouca coisa, estou trabalhando lá nesse
almoxarifado, todos os dias da semana, só que nos dias de visita eu subo e desço quando
a minha visita entra. Mas afora isso, todos os dias eu estou lá. Se mandarem você fazer
um trabalho, do qual, além de não se identificar, não vê qualquer tipo de produção no
que está fazendo, como que (...) vai se sentir? Então os presos ficam desmotivados, a
pessoa vem pra ganhar remissão de pena, a única vantagem é a vivência em si, ou seja, a
ala em que nós estamos, as celas que são individuais, então tem duas pessoas por cela,
ou seja, existe na visita um conforto maior, você tem uma privacidade diferente com
uma só visita e um casal em cada cela. Então vem um filho naquele ambiente, não fica
exposto. Muitas vezes, as mazelas do sistema entram e ninguém vê quem está fumando
droga. Então, o benefício maior é a remissão de pena e o espaço em que a pessoa está
morando, digamos, está aprisionada. A cela em si. São esses os benefícios maiores.
Porque salário passam-se anos sem ver. O Estado, pra pagar os últimos salários que eu
recebi foi em 2015 e foi 400 e poucos reais cada mês. Pois é assim. Então, (...) quem vai
trabalhar na chamada capina, pega numa força, vai ficar ali no sol quente, capinando,
para depois, logo em seguida, não existir uma manutenção preventiva, porque o Estado
não tem manutenção preventiva, nem aqui nem em hospitais, nem escolas, não existe
uma manutenção preventiva. Logo em seguida, cresce, deixa crescer, fica tudo sujo.
Então, a pessoa se sente desmotivada, principalmente eu, que gosto de empreender,
dizia: Poxa, me deem aquele espacinho ali pra mim. Eu dali faço uma granja, dali eu
faço, coloco ali qualquer coisa naquele espaço ali, mantenho ele bem limpinho,
qualquer visita que venha a unidade vai ver que aquilo ali é um espelho e existe uma
manutenção preventiva, mas isso aí não tem como. E se ocorresse? Depois nos fazemos
essa pergunta: Estrangeiro, e se você conseguisse ali aquele espaço de tantos metros
quadrados para você empreender? Aí vinha, seguido, voltamos a cultura, aí vinha o
agente_penitenciário que queria uma galinha, aí vem o outro que viu aquele levar e
também queria uma. Aí vem o outro que queria um cheiro verde. Aí vem um preso que
queria os tomates e aí vem um outro preso que queria se beneficiar em cima daquelas
verduras para trocar por droga. Tudo complexo se não existir uma mudança cultural
radical. Infelizmente, o país Brasil, que é um país maravilhoso, mas que encontra na
cultura corrupta, não é (só) os governadores corruptos não, é uma corrupção
generalizada, infelizmente. Ah, mas a minha mãe não é corrupta, você está doido, está
me ofendendo! Pois é, mas se a sua mãe visse um caminhão de Coca-Cola tombar numa
estrada e visse as pessoas ir lá pegar os fardos de Coca-Cola, será que não ia lá pegar
uma Coca-Cola pra botar na geladeira? E será que se visse alguém deixar cair uma
cédula de 50 reais não colocaria o pé em cima? E se pudesse fazer um gato na energia
para reduzir? E se trabalha no hotel, não levaria de vez em quando uma manteiga ou
uma toalha? A questão é a mesma, é a mesma coisa, e quando é o Estado, o Estado é
uma mamata, como chamam aqui, o termo. Então o que é do Estado é tudo pra roubar,
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
porque as pessoas não conseguem se convencer que quem paga o Estado, quem faz a
máquina estatal funcionar é o povo. As pessoas não conseguem se convencer disso,
então o roubo aqui, em todo o sistema_penitenciário, é enorme. Nós temos aqui hoje 20
e poucos funcionários de uma empresa, trabalhando numa unidade, quando existem
mais de 600 homens na ociosidade. Se justifica estar pagando uma empresa pra
reformar um presídio com tanta mão-de-obra ociosa? Mas, por quê? É complexo. Eu
que consigo ver os dois lados, pra mim é muito mais difícil absorver, aceitar que pros
demais, parece que as pessoas já se acostumaram. É assim e pronto, e eu não consigo
me acostumar, não consigo me acostumar, nem ver a situação dos presos do lado que
eles veem. Nem ver o outro lado. Eu sou questionador, eu questiono e vou questionar
sempre. Faz parte de mim. A minha mulher manda eu ficar calado, [mas] eu não
consigo, eu queria, seria muito mais feliz se eu conseguisse ficar calado, se eu
conseguisse ficar quieto, se eu conseguisse ver os erros e não me incomodar. Eu não
consigo, não faz parte de mim. É complicado. Eu gostaria de ver o presídio funcionando
diuturnamente, com todas as pessoas, todos os detentos trabalhando e estudando, sendo
remunerados, tendo trabalho, recebendo o benefício da remissão de pena tanto na área
laboral como educacional. Gostaria que grande parte da LEP fosse cumprida, e que os
presos pudessem receber uma parte de seu salário em uma conta pra quando saíssem da
unidade não saíssem desestruturados, [tendo] um apoio financeiro para começar uma
nova atividade. Gostaria que os presos que saíssem da unidade tivessem o apoio do
estado para serem engajados em atividades laborais. Dentro do sistema existem coisas
que eu gostaria de ver que ninguém concorda, os dois lados não concordam, como por
exemplo, a LEP prevê que exista um estabelecimento comercial dentro da unidade para
vender aos demais internos aquilo que realmente é permitido e eu vejo nisso aliado a
outras situações, uma vantagem enorme. Como por exemplo, as visitas [que] vêm aqui
pra unidade (...) precisam ser vistoriadas, as coisas que elas trazem tem que ser
vistoriadas e nós sabemos que a entrada de ilícitos não é só pelas visitas, é de várias
formas, não vamos comentar sobre isso, mas é de várias formas. Então repare, se a
visita não precisasse trazer nada, porque isso seria comercializado dentro do presídio, a
visita entraria mais facilmente, não precisariam tantos agentes_penitenciários para
vistoriar as coisas e a diminuição da entrada de ilícitos por parte das visitas seria óbvia,
essa é uma das situações. Outra situação, que eu fui transferido por isso, por dizer isso,
virtualização das visitas, da visitação, como virtualizar. Nós hoje vivemos num mundo
digital, não tem mais retorno ao passado. Se nós tivermos um programa no computador,
se a visita, ou através do telefone, ou através do aplicativo ou através do site, agenda a
visita para o próximo domingo. No dia anterior, por exemplo, é agendado hoje para
quarta-feira, na terça-feira a partir das 8 horas da noite, a visita sabia a que horas
adentrava a unidade porque o programa do computador sabe que entra uma visita de 2
em 2 minutos, de 3 em 3 minutos, e colocaria aquela visita, de uma forma justa. Ou
seja, a visita que vem uma vez por mês, entraria primeiro que a visita que vem todos os
meses, ou todas as visitas, assim. Então, o próprio computador fazia isso, a visita não
precisava dormir na unidade, e é horrível. Imagine-se vindo dormir na porta de um
presídio, isso aqui não é uma vida digna. Não há necessidade, se a visita sabe que vai
entrar às 10 horas da manhã, chega aqui às 9:45, quando for às 10 horas da manhã entra.
Entrava sem nada, comida pedia aqui dentro, os biscoitos, o cigarro, essas coisas que
são lícitas dentro do sistema, poderiam ser adquiridas aqui. Não precisariam tantos
agentes_penitenciários para fazer as vistorias das visitas. O controle seria bem maior,
porque o que vinha para o estabelecimento comercial seria encomendado por um
agente_penitenciário direto de uma autoridade, pelo gestor da unidade. Então, existe
175
muita coisa que pode ser feita, só que não é feita por falta de vontade, ou uma preguiça
terrível, uma cultura de mesmice, ou a única coisa que se faz, a única coisa que se luta é
por uma opressão cada vez maior. É um encarceramento cada vez maior, coloca lá pra
dentro, fecha. Fechado não dá problemas, só que dá. Pode não dar para o presídio em si,
para a unidade em si, mas dá para a sociedade. Então, a unidade penitenciária, hoje em
dia, só está funcionando, aliás as pessoas, os sociólogos, os antropólogos, pessoas que
de alguma forma estudam o sistema_penitenciário, já viram que este depósito humano,
ele é uma faculdade do crime. As pessoas aqui se graduam e isso passa pra sociedade e
o crime, a tendência é cada vez aumentar mais. Essas gangues não teriam aumentado,
porque elas nasceram, cresceram e continuam crescendo dentro das unidades
penitenciárias, angariando um número cada vez maior de adeptos e o Estado está vendo,
está permitindo, está incentivando pelo fato de não fazer, da omissão. É triste. Isso vai e
isso passa pra sociedade. Acho que a sociedade não quer isso, infelizmente, acho que o
governo não quer isso, só que não fazem nada pra mudar. Um coordenador do
sistema_penitenciário, os dois coordenadores, o coordenador e o vice-coordenador, são
agentes_penitenciários que já sofreram o começo do sistema_penitenciário, que já
sofreram sanções disciplinares anteriormente. Ora, amanhã eles saem da coordenadoria
e vem pra aqui e ali fechar cadeados. Eles vão querer mudar alguma coisa? Vão querer
ir contra os próprios colegas de trabalho? Vão querer mudar? Não vão querer mudar,
não tem força. Um coordenador e um vice-coordenador nunca poderiam ser
agentes_penitenciários. O Secretário_de_Justiça não conhece nada do
sistema_penitenciário. Um cargo que vem do Governador que sabe. Então, não tem
como, dessa forma, sai secretário entra secretário, nenhum tem conhecimento, os
coordenadores que estão é que vão orientar o Secretário_de_Justiça, vão ensinar o
Secretário_de_Justiça como é. Então, não vai mudar, não muda nada, só muda quando
quebra, quando há rebelião, tragédias anunciadas, em que nada é feito enquanto não
ocorrer uma tragédia, enquanto não ocorrer rebelião. Presos, como tiveram no ano
passado, se armando e eles vendo os presos se armando e vendo os agentes saindo de
dentro das cadeias porque tinham medo de entrar, e nada. Enquanto não morreu um lá
em Manaus, não fizeram nada aqui. É complexo, eu gostaria, de conseguir falar, de
conseguir provar, mostrar às pessoas que tem o poder na mão, os erros. Só que,
infelizmente, não vejo vontade de mudar, eu vejo vontade de resolver o aumento da
criminalidade com mais polícia, com mais viaturas, ou seja, pode ser até uma resposta
imediata, mas mínima, porque não resolveu o problema, não foi ao fundo, não foi ao
alicerce da situação. Então é só uma resposta preventiva, bem fraquinha. É só pra
mostrar a polícia à população, mas quando sai volta tudo de novo. Complicado, então.
O Idealizador (Agente)
Antes de entrar aqui a gente tem uma imagem bem diferente, eu achava que uma
penitenciária era um local bem seguro, onde tinha muita gente pra fazer a segurança,
onde existia disciplina e, quando a gente chega aqui, meu primeiro dia, bateu logo um
desânimo. Você vê uma penitenciária que é considerada de segurança máxima, a
muralha totalmente desguarnecida, onde eram pra ter 16 pessoas trabalhando, só tem
três no horário. O efetivo que era pra ser no mínimo de 40 agentes trabalhando
internamente, trabalha com oito ou com 10. Dá aquele baque. Mas você vai se
acostumando a trabalhar assim, mesmo com as dificuldades. Vai fazer cinco anos que
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
eu trabalho aqui em março. (...). Eu acho assim, o preso, ele deixou de descumprir as
leis lá fora, aqui dentro tem que ser implantada uma forma de trabalhar que ele consiga
cumprir a lei, que ele entenda que as leis existem e que ele tem que cumprir. Se ele fizer
alguma coisa que fuja a lei aqui dentro, ele tem que ser punido, não pode deixar passar.
Não estou falando de tortura, de maus tratos, não. Eu estou falando de disciplina, pra
que ele entenda que quando ele sair daqui, ele vai ter que cumprir as leis lá fora. Às
vezes, isso não ocorre por falta de efetivo. A gente tem uma cadeia com 1000 presos e
10 agentes. É difícil. Nosso maior entrave aqui é a falta de efetivo. Eu me sinto
frustrado, porque a nossa função é essa de segurança e disciplina. Se, de alguma
maneira, por algum evento externo, a gente não consegue fazer, a gente se sente
frustrado. A primeira mudança necessária é o efetivo. É primordial o aumento do
efetivo. Não dá pra trabalhar garantindo a assistência que a lei garante pro preso com o
efetivo que a gente tem. E outra, a estrutura, a logística não ajuda a gente também. Além
do efetivo, falta de equipamento de segurança, pra que garanta a segurança do próprio
preso, nós temos que ter um equipamento bem amplo, pra que a gente siga os padrões
de segurança, a força, até o último caso que é o disparo. A gente tem spray de pimenta,
e essas coisas pra, de início. A gente tenta sempre mediar o conflito verbalmente, a
gente tem que seguir as etapas, pra isso a gente precisa de uma logística e não tem. Já
que você é uma arquiteta, vou falar um pouco da estrutura das cadeias. Quando eu vim
pra cá, essa cadeia, eu achava ela inviável pra trabalhar, levando em consideração a
segurança. Quando teve a rebelião, os presos quebraram agora, acho que ouviram até a
gente. Foi levado em consideração o nosso trabalho e a forma da cadeia ser construída,
influencia muito quando a gente vai entrar numa rua (ala). A estrutura, o pátio, tem toda
uma estrutura pra garantir a nossa segurança. O que eu quero dizer é que antes das
cadeias serem construídas, eu não sei, pode ser até que ocorra, que as pessoas que
trabalham no sistema elas fossem ouvidas. Tem tanta coisa que pode ser levada em
consideração, tipo assim, uma coisa que eu acho que seria essencial, que eu já vi até em
outros presídios, é a própria cela que quando os presos entram, a gente pede pra eles
entrar, tem presídios que quando você bate a cela. O preso mesmo bate a cela, ela já
tranca. Quando ele encosta ela tranca, automático. A gente não precisa correr o risco de
ir lá, fechar a grade. O próprio preso bate, então, assim que ele encostou, ela
automaticamente fecha, eu sei que pro Estado é difícil. Aqui já deu problema a de
correr, era de correr aqui. Ela emperra muito, acaba facilitando o estudo (estratégias de
fugas) dos presos. Se fosse nesse caso, na reportagem eu achei a seguinte, o interno
mesmo entrava pra cela e puxava a grade, e quando ele batia a grade, ela trancava
automaticamente. Eu não sei qual era o dispositivo que ela usava, mas eu achei
excelente.
O Polivalente (Agente)
Antes de entrar no sistema, eu tinha uma, acho que a visão que a maioria das pessoas
tem, de que o presídio é só desgraça. O que a gente acompanha em telejornal,
principalmente, em telejornais que trata desse assunto, então só tinha era tragédia, era
ruim. Minha mulher perguntava por que eu estava estudando pra esse concurso se só
tem risco de vida, só coisas realmente negativas. E, realmente, assim quando eu entrei,
foi 20 de março de 2013, eu realmente fiquei um pouco nervoso. Até um momento que
eu nunca vou me esquecer, foi quando eu fui pela primeira vez abrir o cadeado [de
177
umacela]. Eu me tremia demais, eu ficava me tremendo todinho, fiquei até pálido, até
um colega meu chegou e disse: Nome_do_participante_ocultado, vai dar certo. Até os
presos ficavam olhando pra mim. Isso foi a princípio, o primeiro dia foi assim, com
nervosismo. Com o passar do tempo eu fui passando a ter uma visão diferente do
sistema que não é só essa desgraça de que o preso não tem recuperação. Realmente, eu
acredito que 90% não têm. Mas têm aqueles 10% que realmente querem alguma coisa,
que querem trabalhar, querem estudar, você percebe quando a gente tem uma conversa
mais profunda, e realmente eles querem. Fizeram o que fizeram, mas estão querendo
mudar né, assim, acho que foi isso, o primeiro impacto que tive foi esse, aquela visão de
medo do sistema, que aos poucos eu fui vendo que não era isso. Nem todo mundo
merece ser massacrado. Uma visão que eu acho que nem todos os agentes tem aqui.
Temos que separar o que ele fez lá fora é uma coisa, o que ele faz aqui dentro é outra. O
comportamento lá fora você tem que esquecer. Aqui dentro o comportamento dele é o
que vale. Não o que vale lá fora, o que vale é o que ele faz aqui dentro. Infelizmente, a
visão que o agente_penitenciário, em geral, tem é de só querer massacrar. Enfim, você
lida com ele com educação, com respeito. Eu tento evitar até chamar o interno de preso,
tento chamar pelo nome, ele já começa a te olhar de uma maneira diferente. O
Nome_do_participante_ocultado é educado, o Nome_do_participante_ocultado trata a
gente diferente, até já cruzei com 2 ou 3 presos lá fora que quando me viram apertaram
a minha mão e disseram: Nome_do_participante_ocultado, ainda está lá na Pacatuba?
Alguns falam: não, você é um agente gente boa, 10 anos, do jeito que eles falam. É isso,
eu comecei a ter uma visão diferente de quando eu entrei dentro do sistema que,
repetindo, às vezes a gente não consegue fazer essa separação de comportamento lá
fora, do crime, com o que ele faz aqui dentro. Acho que essa é a visão que eu tenho, de
uma maneira geral, do sistema é essa. Realmente, tem uns que eu vejo que tem jeito,
que aquele lance da ressocialização, quando se trata com educação, sem perder a
disciplina, lógico. Disciplina tem que existir, mas disciplina com educação, não precisa
estar xingando, não precisa estar tratando de forma ignorante. Se você tratar ele com
educação, muitas vezes aqui, até nos procedimentos, pelo simples fato de eu olhar pra
ele e fazer um movimento ele me obedece. Enfim, se você trata a pessoa com educação,
não é 100% de certeza não, mas a chance de eles lhe tratarem com educação e lhe
obedecerem é grande. Então, eu acho que essa é uma visão geral do primeiro dia, do que
eu tinha lá fora e do que eu estou vivendo hoje é essa. Educação é, enfim, a lei do
retorno. Você dá o bem, você paga o bem, você recebe o bem. Acho que a visão geral
do sistema que eu tenho e que seria interessante eu falar, seria isso. Se a gente conseguir
pelo menos 1 ou 2, é vitória. Eu me considero um polivalente, eu sei mexer na parte
hidráulica, eu sei mexer na parte elétrica daqui de ligar muralha, não sou sub-chefe, nem
chefe, mas eu faço relatório quando eles tiram férias. Eu fui sempre uma pessoa
chamado Zero_Três, que sempre fica pra cobrir o chefe ou o sub-chefe. Então aqui eu
me considero um polivalente, sei mexer com arma, sei mexer com esse trato com o
preso, isso que eu te falei, com educação, chamar pelo nome. Então eu acho que a visão
do agente tem que ser essa, tem que ser fazer tudo e sempre, como eu falo, com
educação, não precisa estar com essa ignorância com ninguém. Eu acho que o caminho
não é esse não, eu acho que o caminho é você tratar com respeito e sempre com
disciplina, com disciplina e respeito acho que as coisas vão fluir bem. Na verdade é,
uma coisa que começa de cima. Já começa errada e vem, chega no agente_penitenciário
e chega até o preso. Primeiro, não é dado condições estruturais, físicas e psicológicas
pro preso ter esse papel da ressocialização, aí vem o lance do agente. Não tem unidade
suficiente, no máximo que eu acharia que poderia ter era 5 presos por cela. Já tem 10 o
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
nosso contingente. Nós temos hoje aqui 9 de plantão, então não é o ideal. Nós temos
mais de 600 presos pra 9 agentes, então é desumano. 9 pessoas tomarem conta de 500 a
600. E isso é aqui, porque tem outras unidades que são piores, com mais de 1000 presos
pra 10 a 15 agentes. Então, infelizmente, é uma coisa já nossa, que começa já de cima,
que é pra ser dado uma estrutura de trabalho, de tudo isso e quem acaba pegando é o
agente. Chega no preso, chega na família do preso, enfim, é uma bola de neve que,
infelizmente, acontece, mas não era pra acontecer. Eu acho que é isso, é uma questão de
estrutura, do trato pessoal mesmo que poderia ser mudada, mas, infelizmente a realidade
do nosso país é essa. Falta de estrutura, tanto física como de pessoal. Isso poderia ser
mudado, aos poucos a gente tenta. Eu acho interessante isso que você está fazendo na
sua pesquisa, porque às vezes, realmente, tem muito agente aqui que teria pressa de um
acompanhamento psicológico. Porque o agente é carrasco, é mal-educado, o agente é
isso, é aquilo. Sinto que a visão que o pessoal tem é essa. Mas agente, às vezes, quando
vai conversar com uma pessoa. vê que tem uma história de vida ali. Tem algum motivo
que talvez leva a pessoa a ser assim. Nem todo mundo consegue ter essa visão que eu e
a maioria das pessoas tem da educação, de tratar o preso que fez determinado crime. Eu
tenho que esculachar ele? Tenho que bater? Não, não é assim. Você tem que saber
separar as coisas, e acho que esse tratamento psicológico, esse acompanhamento social,
eu acho que poderia ser importante. Porque tem o tratamento psicológico e social aqui
pro preso, mas não tem pro agente. O preso realmente precisa. Talvez precise mais que
a gente, só que como a gente tá na linha de frente ali, também precisava. A gente até
tem a SEJUS, mas é difícil o pessoal sair daqui ou sai de casa e ir lá pra SEJUS algum
dia. Em dias de plantão, como hoje, deve ficar até mais fácil, deslocamento, tudo,
acompanhamento. Acho que seria importante esse lado psicológico do agente, de uma
certa forma, ele ser ouvido, e, até certo ponto, mudar um pouco a opinião dele sobre o
sistema. Eu acho que, infelizmente, é que muito agente ainda tem aquela visão arcaica
de ser o carrasco, não consegue separar as coisas, eu acho que poderia ser mudado isso,
em relação ao agente.
O Ex-Policial (Agente)
Não existe mais nenhum agente novato no sistema. A gente está iniciando agora um
novo concurso. A gente já viveu muita coisa dentro do sistema_penitenciário. Ele é bem
ímpar, nada que você imagine conhecer realmente se aproxima da realidade. Antes de
eu ingressar no sistema_penitenciário eu era policial e achava que conhecia alguma
coisa, na verdade nada. Ele é bem peculiar, mas pra mim tentar te explicar o que é o
sistema_penitenciário em si, é difícil. Ele é muito melindroso, ele é muito injusto,
principalmente com os profissionais que trabalham nele, por incrível que pareça.
Pessoas de diversos tipos de doença. Você já estudou Foucault? Você já viu o estudo
dele sobre o apenado, o delinquente? O Foucault faz um estudo que mais se assemelha a
uma realidade. Ele foi um filósofo francês que realmente conseguiu tentar descrever o
delinquente e a penitenciária. Na obra dele, vigiar e punir, ele faz esse paralelo com as
prisões e as penas de outrora até o contemporâneo. Antigamente era mais pena e hoje
em dia é mais vigilância. Ele começa o livro dele falando sobre as torturas em praças
públicas. Eu sou formado em outra área e sou bacharelando em Direito, eu me
aprofundei um pouco sobre ele. Estudei e quem me ajudou muito foi
Nome_de_professor_ocultado. Ele é o maior sociólogo do estado do Ceará. Ele é
179
professor da UNIFOR também. Ele é uma pessoa muito inteligente, mas paciência zero.
Ele se acha muito também, na verdade ele é, mas ele se acha muito. Pois bem, Foucault
separava o delinquente, nós estamos falando aqui de delinquentes, são pessoas que
cometem, são marginais, aqueles que estão a margem da sociedade. Ele não faz um
paralelo, uma distinção, ele não divide, ele não estuda o social. Ele estuda o
delinquente. Ele separava o delinquente em PS e SP. PS é aquele delinquente que se
perdeu da sociedade e SP é aquele delinquente que a sociedade perdeu. O próprio
Foucault afirmava que existem pessoas que por qualquer problema, por más influências,
por adrenalina, por testosterona, se perdia da sociedade. É aquele bobão muitas vezes,
que comete um delito, mesmo que seja grave. Mas ele só havia se perdido da sociedade.
Ao ingressar no sistema_penitenciário, essa pessoa buscava sua ressocialização. Então,
pra Foucault, esse indivíduo, esse delinquente, é aquela pessoa que tem jeito. E o
próprio Foucault afirmava que não há ressocialização por parte do Estado e nem deve
haver. A ressocialização parte da pessoa, porque, na verdade, nem a salvação, se a
pessoa não quiser, Deus só vai dá para aquela pessoa, se aquela pessoa permitir. Porque
assim Deus deu o livre arbítrio. Então o Estado, nós, eu, particularmente, como
servidor, ao falarmos de ressocialização que é, vamos dizer assim, é o que todos
imaginam e os especialistas dizem que o Estado é o responsável e não ressocializa
ninguém. Na verdade, não são especialistas. Na verdade são especialistas de algo
errado, que não é possível. Então não adianta aquela pessoa. Aquele indivíduo que a
sociedade perdeu em algum ponto da vida dele ou até da sua genética, a gente vai tocar
Lambrousi, falar da genética do crime, você deve ter estudado sobre Lambrousi, ele é
bem conhecido, em algum ponto da sua vida, da vida daquele indivíduo que a sociedade
perdeu, ele se quebrou e não voltará mais. Ele teve algum evento na vida dele que
mudou ele, de certa forma, que fez com que a sociedade tenha perdido aquele indivíduo,
ou familiar, ou tenha sofrido um estupro na infância, um homem, um adolescente, uma
criança, sei lá, 10 anos sofreu um estupro do próprio pai. Caso recente daquele cantor do
Linkin Park que se matou, por conta disso, quando ele era adolescente ele havia sido
estuprado por um amigo. Ou do próprio Estado muitas vezes, ele se quebrou. Aquele
indivíduo ele não tem, ele nunca mais vai voltar pra sociedade. No Brasil ele volta, mas
ele não vai estar inserido na sociedade. Não tem jeito. O Foucault defendia nesses
aspectos a pena de morte, porque não adiantava do Estado ficar investindo, tentando
ressocializar uma pessoa que não tem jeito. No próprio estudo dele, ele afirmava isso.
Pois bem, o papel da ressocialização, eu, particularmente, como servidor, trabalho a
ressocialização do apenado pela minha postura, pela minha conduta ética e moral, ao me
portar ao interno ele, teoricamente, assim eu imagino, que ele me enxergue como uma
pessoa, um espelho, pra quando ele, se ele quiser voltar pra sociedade, ele seja uma
pessoa correta. Porque ao meu entendimento, o profissional que não tenha postura, que
não seja ético nem moral, no seu ambiente profissional, não serve de exemplo para os
nossos clientes, vamos dizer assim. Então eu, particularmente, contribuo assim.
Voltando pra um ambiente penitenciário, ele é muito complicado. Como eu já falei, nós
tratamos de pessoas doentes, então são pessoas que a sociedade determinou que aquele
não serve pra conviver em sociedade. Nós estamos aqui para mediar conflitos, nós
trabalhamos todo dia, mediação de conflito, seja numa truculência respondida
educadamente ou, vamos dizer, moralmente falando, impondo respeito. Olha, não é
assim que funciona, você está errado por isso e por isso. Muitas vezes eles acertam
também, e no que ele pede, só pelo olhar dele ele informa. Porque muitas vezes o
interno quando está sendo ameaçado, quando está sendo agredido, quando ele está
sendo acuado, ou então quando outro preso da cela está extorquindo ele porque ele ter
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
dinheiro. Ele responde só pelo olhar e esse sentimento os profissionais só terão com a
experiência. Então, quando ele te olha, você sabe que tem alguma coisa errada com
aquele interno. E todo dia nós salvamos vidas aqui dentro, todo dia. Por quê? Porque
todo dia há conflito aí dentro, uma cadeia que é tranquila, com 100% de gentileza para
conosco, tem alguma coisa errada nela. Vou te dar um exemplo. Eu tirei um extra em
outra unidade. Não aqui, mês passado. Eu estava num pavilhão que era problemático.
Problemático por ter pessoas que não tem educação. Internos que, popularmente, a
gente fala que é pirangueiro. Aquele interno que veio da sociedade, das camadas mais
baixas da sociedade, que não tem instrução, que não tem senso de ética e moral,
educação, ou seja, nem em casa ele recebeu isso. Quando eu estava lá, era dia de visitas
e passou o plantão todo na maior gentileza. Seu agente, senhor, por gentileza, e eu falei
pro chefe de equipe: cara, fica atento porque tem alguma coisa errada nesse pavilhão.
Os internos eles não querem problema, eles estão muito educados. Quando foi a noite, o
chefe de equipe ficou naquela, observou aquilo ali e fez uma ronda e escutou só a
batida. Resumindo, era um túnel. Porque os internos não queriam que a gente entrasse
nas vivências. Eles não queriam problema de jeito nenhum pra não descobrirem o túnel
que estava pra sair, estourar. Então, todo dia nós mediamos conflitos, todo dia. Todo dia
nós salvamos vidas dentro do sistema_penitenciário, não é brincadeira. Porque? Você
vê que o estado do Ceará fez uma separação de facções nas unidades. Nesta unidade só
existe uma facção e aqueles da massa. Da massa são aqueles que não escolheram ainda,
que não tem facção. Então, mesmo separando, fazendo essa triagem por facção, ainda
há muitos registros de homicídio. Você vê, recentemente saiu no jornal. Não estou
falando nenhum segredo, porque muitas vezes, o papel da SEJUS eu até entendo, é não
passar pra sociedade. Porque as tragédias podem criar pânico. O papel do Estado é esse,
muitas vezes. Então você vê na CPPLII, atearam fogo em tantos na CPPLIII que são só
PCC. Tantos, e quase todo dia há registros. E é porque são da mesma facção porque
dentre eles há um código também. Há um código organizacional que muitas vezes
aquele cara que morreu, ou furtou alguma coisa dentro da cadeia, porque ele é um
doente. Às vezes ele rouba sem necessidade alguma. Tem casos também de pessoas
ricas, vamos supor, mas as vezes é dele. E no código deles lá eles não aceitam. Ou então
ele destratou uma visita de alguém, e aí vai. Ou seja, é uma série de problemas que nós
temos que administrar de imediato, para com eles e para conosco também. Porque se eu
chegar pra quebrar uma cadeia dessa aqui é fácil. Pra você quebrar uma cadeira dessa
aqui basta você pegar esse equipamento aqui, você proferir palavras de baixo escalão e
meter dois tiros dentro de uma cela. Você quebra a cadeia inteira. E agora,
principalmente, que são da mesma facção. Porque é uma voz só, na hora que eles
quiserem quebrar isso aqui, eles quebram, basta só um telefonema. Eu estava aqui na
tentativa de resgate do Alemão, os filmes americanos passaram foi mal. Você sabe o
que é 35 minutos de tiro de fuzil contra a gente? Você escuta uma troca de tiro que dura
1 minuto a pessoa já fica assustado, e 35 minutos? A perícia veio no outro dia e sabe
esses tambores de lixo azul? A perícia saiu com um tabor daquele ali cheio de cartuxo
encontrado só de 762 e 556. E nós muitas vezes fazemos plantão aqui com 6 agentes,
mas a sociedade em si, discrimina o agente_penitenciário. O gestor aqui do
sistema_penitenciário sofre essa discriminação da sociedade, porque nós estamos
acuados pela sociedade, porque a sociedade muitas vezes, sem fazer distinção nenhuma,
acha que nós somos corruptos, somos despreparados, somos espancadores de internos.
Eu cito é um exemplo pra ti, se eu tiro um interno, e espanco um preso, num instante
uma cadeia dessa quebra. Nós somos o elo fraco, nós não temos apoio da sociedade,
isso é fato, nós não temos apoio do Estado, não temos apoio do Estado e nós somos o
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Estado, nós somos o braço forte, a personificação, o servidor em exercício do seu dever,
da sua função. O agente_penitenciário é a personificação do Estado, mas nós não
recebemos apoio, por quê? Por causa das camadas de esquerda e de direitos humanos.
Na verdade, os diretos humanos ele foi criado pra isso que é exercido aqui, praticado no
Brasil. Diretos humanos aqui no Brasil, infelizmente, só serve pra defender bandido,
isso é fato. Um pessoa que discorda dessa minha afirmação, ou ela é alienada, uma
pessoa louca, desequilibrada, ingênua, ou ela ganha com isso. E ela recebe, ela é
fomentada pelo crime organizado. Porque o crime organizado é um poder paralelo,
então de experiência no sistema_penitenciário, nós temos muitas mesmo, porque todo
dia nós aprendemos algo novo, na vida e no sistema_penitenciário muito mais. É muito
difícil eu tentar te explicar. Porque nós temos que ser uma rocha, porque aqui nós
lidamos com pessoas doentes.Eu percebo que você é inteligente, mas desculpa te
derrubar do cavalo. É porque você pode tentar se aproximar como Foucault fez. O que
eu realmente espero da minha categoria, eu até escolhi ela, outrora eu passei pra
escrivão da Polícia Civil, ingressei na Polícia Militar e hoje sou agente_penitenciário.
Eu vejo realmente como uma profissão do futuro, e eu não espero da sociedade
reconhecimento, muito pelo contrário, eu, na verdade, nem digo o que eu sou na minha
profissão, e nem faço questão. Eu só espero reconhecimento dos meus pais, porque nós
precisamos de reconhecimento dentro da nossa instituição, porque quando você exerce
um bom serviço você espera promoções. Mas não espero da sociedade. Eu tenho o
apoio incondicional da minha família e isso que me importa, psicologicamente. E,
psicologicamente, eu também sou uma rocha, eu já passei muita dificuldade na minha
vida, já cheguei a passar fome e nunca fiz essa vitimização que muita gente faz quando
não tem nada. Lógico, eu estou num trabalho que ninguém rico entra num trabalho
como o nosso. Veja, uma pessoa rica ela não vai prestar um concurso como esse nosso.
Então, os agentes_penitenciários vem da classe média. Não vou dizer vêm da miséria.
Até porque, hoje em dia, você vê nesse nosso último concurso, foram 68.000 inscritos e
a concorrência foi absurda. Então você tem que ter um nível de conhecimento, até
porque tem muitos do direito. Tem muitos do administrativo, dos estatutos, do
português e é muito difícil passar. Você tira pelos outros estados. O Piauí, que é o
estado que paga 7.000 reais inicial, já é nível superior, você vê que o nível é
estratosférico. Uma pessoa que está na miséria não vai conseguir passar num concurso
desses como o nosso. Mas eu acho que uma pessoa que seja rica não vai prestar
concurso pra essa nossa profissão. Mas eu espero coisas boas, porque eu acredito nesse
nosso país porque nós estamos vivendo épocas de trevas nesse nosso país. Mas em
algum momento, não é querendo ser de direta não, e nem fanático, muito pelo contrário,
eu pondero os dois lados, mas eu acho que se uma boa parte desses deputados aí e o
Nome_de_político_ocultado entrasse, eu acho que já começaria a melhorar. Eu me sinto
uma rocha, no dia_a_dia também. Mas sobretudo, o nosso trabalho é muito difícil,
porque nós aqui pegamos casos. Eu vou citar pra ti uma única vez que eu me arrepiei do
dedão do pé até o fio de cabelo da cabeça. Fui guardar um interno, eu trabalhava em
outra unidade. Eu fui guardar um interno dentro da cela e ele era novo na unidade.
Porque lá, na verdade, éramos porta de entrada. Eu trabalhava no CETOC, no Centro de
Triagem e Observação Criminológica. Então fui guardar ele na cela, e falei. Cara, tu
está aqui por quê? Está respondendo o quê? Qual teu artigo? Ele falou assim. Sr. agente,
eu estuprei a minha filha. Eu sou pai de menina. Você tem noção do que é isso? Eu acho
que uma pessoa assim, desequilibrada, e aquele indivíduo ali tinha algo muito mal
dentro dele, ele falava aquilo ali numa naturalidade que a rua dele quase quebrou. Os
presos querendo sair pra matar ele. E ele falou aquilo ali como se fosse algo natural,
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
como se fosse um demônio falando pela boca dele. Aqui nós recebemos de tudo. O
Casim, que estuprou duas crianças e a Alanis, que ele tirou todas as unhas dela, cortou
ela toda, estuprou. É como Foucault, que eu falei, você acha que um indivíduo desse, o
Casim, que ficou enclausurado dentro do sistema_penitenciário, saiu e fez a mesma
coisa, você acha que ele é um indivíduo que se perdeu da sociedade ou que a sociedade
perdeu? Não tem ressocialização pra ele. Se o teu ser humano gritar mais alto que o teu
profissional, tu parte ele ao meio. Nós recebemos casos assim, recebemos o cara que
estuprou e jogou a meninazinha dentro do poço em Itaitinga e tem vários e vários, e
você tem que receber aquele interno. Você sabe que Comissão_de_Direitos_Humanos
vai vir no outro dia, eu também sou contra a tortura, muito pelo contrário, se eu não
fosse eu não estaria aqui. Até porque a pessoa que não se controlar, se ela não for um
bom profissional, ela se enrola, ela é expulsa, e é assim que tem que ser, é ou não é?
Existe uma frustração pela impunidade. Se você desse uma surra nele durante a primeira
semana, e ele saísse 4 anos depois, não valeria de nada. Porque o que nós queremos é ou
pena de morte pra um indivíduo desses, pro Estado não gastar recursos com ele, até
porque ele, dentre outros, ao sair, vão fazer a mesma coisa. Ou havia uma pena de
morte, ou uma prisão perpétua, ou que a família dele sustentasse o período que ele
ficasse dentro, um período maior enclausurado. Até porque no estudo de Foucault sobre
o estabelecimento prisional, ele fala que uma penitenciária tem que ser ruim. Muita
gente dos direitos humanos ou de esquerda acham que não, que aqui tem que ser bom
porque tem que ressocializar ele, porque tem que ser mais próximo da sociedade. Não, a
penitenciária deve ser ruim. Por que ela deve ser ruim? Pra que ele não cometa novos
delitos pra não retornar pra lá, porque se lá for bom, não me interessa. Numa tese de
doutorado do Alexandre_Carneiro, ele citava até o exemplo bem prático que,
antigamente, é bem folclórico, mas dá pra entender bem. Ele dizia o seguinte, que,
antigamente, uma mãe quando descobria que o filho dela estava cometendo crime,
estava andando com gente que não prestava, ia na delegacia, no distrito, ia falar com o
delegado e dizia. Sr. Delegado, o meu filho está usando drogas, ele está andando com
gente que não presta. Queria que você chamasse ele aqui e desse uma bronca nele. E
assim era feito. O delegado chamava o indivíduo lá e falava. Nós fizemos uma
investigação, descobrimos que você está usando drogas, andando com quem não presta
e cometendo crimes. Próxima vez que você fizer isso nós vamos te prender. E pra uma
criança, pra um adolescente ou pra um adulto que escutava isso, pensava, eu não quero
fazer mais não. Por quê? Porque eu não quero que a polícia me pegue, porque eles vão
me bater, eu vou pra penitenciária e lá é ruim. A penitenciária, pra Foucault, tem que
cumprir esse papel social de ser um local indesejado. Eu acredito nisso. Eu não culpo a
SEJUS, até porque ela recebe várias influências, dessas forças ocultas. Mas que ela
desse um maior amparo, um amparo legal ao profissional, não só ao
agente_penitenciário, mas ao profissional de segurança pública. De modo geral, ele se
sente acuado. Não sei se você percebeu, mas o policial militar não aborda mais. Pode
abordar essa turma nova que foi entrando. Quando você entra é outra coisa. Quando eu
entrei no sistema_penitenciário era outra coisa, você quer mudar o mundo e quando a
ficha dele cai, que quem derruba essa ficha é o próprio estado, ele se transforma. Vou
citar um exemplo pra você. Um daquele profissional que abordou a filha do
Nome_de_Político_ocultado. Ele recebeu, ele estava na viatura, e recebeu via CIOPS
pelo TMD da viatura um caso de possível compra de voto ali perto do CEFET ali da 13
de Maio. Acho que foi lá. Falou as características da moça, ela estava comprando votos,
porque lá era um, o pessoal que estava votando lá. Ele recebeu via CIOPS, e a
composição dele era ele e mais 2 ou era ele e mais 1. Parou e foi justamente nessa
183
mulher e essa mulher era filha do Nome_de_político_ocultado, e disse. Recebi uma
ocorrência. Ela já histérica, aqueles loucos do grito, da esquerda e tudo mais, que, na
verdade, não estuda, não se prepara, não tem conhecimento de nada e chama a pessoa de
torturador de não sei o que, fascista, fascista. Pois bem, disse. Nós recebemos uma
denúncia de compra de votos e pediu pra olhar a bolsa dela, que era uma busca normal,
aquilo ali. A bolsa dela num possível crime que ela estava cometendo ali. Ele tem o
poder legal de fazer uma vistoria, não precisa de um mandato de justiça, mandato
judicial. Não, ele não precisava não. Uma revista nela, na bolsa dela, ele podia fazer.
Ela começou a fazer um escândalo. Em pouco tempo chega o
Nome_de_político_ocultado e, do mesmo jeito, ele negou. Em nenhum momento ele foi
grosso, a APS até divulgou algo dele e tudo mais. Então, o que acontece, esse
profissional, mesmo sendo perfeito na sua ação, ele foi afastado, recebeu processo, ficou
sem receber o seu salário, sem colocar comida em casa pra alimentar sua esposa, seu
filho ou seus filhos. Não me recordo o tempo exato, mas eu acho que uns 6 meses. Eu te
pergunto, esse profissional faz parte da sociedade, ele não é um robô não, nem vem de
outro planeta, esse profissional, ele voltou. Como você acha que ele vai agir? Vou te dar
outro exemplo, uma composição policial abordou um traficante, um Alemão desses da
vida. Um traficante poderoso. Abordou e disse que ele está preso, por vários mandados
de prisão. Então, o traficante fala assim. Sr. Policial, eu dou 100.000 pra cada um se me
soltar. Eu dou 100.000 pra cada um, e isso acontece muito. 100.000 só pra vocês
fingirem que não estão aqui. Então o policial correto, até porque ao entrar na
coorporação ele é um social, um indivíduo ilibado, porque nós passamos por
investigação social. Durante toda nossa vida nós não cometemos um delito sequer e a
investigação social é bem rigorosa, até se seu vizinho disser, que gosta de fumar uma
maconha, você está cortado. Então, aquele profissional ali prende o traficante. Eu não
sou corrupto e prende. Ele vai pra delegacia, com dois dias, na audiência de custódia, o
juiz manda ele pra casa, e aquele mesmo traficante que ofereceu propina pra ele pra
deixar ele ir embora, vai voltar pra rua. O que tu acha que o traficante vai mandar fazer?
Traficante manda ameaçar logo a família dele, se não mandar matar ele. E como é que
você fica? Muitas vezes, se ele for famoso e a mídia cair em cima, se a imprensa cair em
cima, ele fica preso, mas ele não fica preso muito tempo não. Assim que a sociedade e a
mídia esquece, ele volta, porque o tráfico aqui, no nosso Código_Penal é equiparado a
crime hediondo. Você teria que passar um tempo maior, o regime inicial é fechado e um
tempo maior na cadeia, porque a progressão de regime é mais rigorosa. Você deve
entender um pouco de lei, sabe o que eu estou falando. Isso é teoricamente, mas na
prática a gente sabe que não existe. No máximo, dois anos ele tá na rua. Quando ele
voltar pra rua, além dele estar com raiva do policial que não soltou ele, ele está com
raiva pelos dois anos que ele passou na cadeia. Então, como é que você acha que esses
profissionais se sentem? Isso é muito complexo. De melhoria lógica assim, financeira,
também. Lógico, porque o nosso trabalho não é nada fácil, lógico que eu quero ganhar
mais, todo mundo quer ganhar mais, é natural. Mas o que você faz pra você ganhar mais
é o que te determina como um indivíduo ou um delinquente. Porque a diferença de nós
dois para de muitos que aí estão, não digo todos lógicos, mas de muitos que estão aí
enclausurados, é que nós procuramos ganhar dinheiro pelos meios legais. Eu tenho uma
formação, estou me formando em Direito. Penso em fazer pós-graduação, mestrado,
doutorado, porque eu ainda sou novo, apesar dessa cara acabada, mas eu sou novo. A
partir da minha formação eu vou exigir um pagamento melhor, porque eu sei que, assim
como profissionais do setor privado, dentro do serviço público, eu acho que ainda é
pior. A pessoa quando entra ela se acomoda e ela não faz nada pra merecer ganhar mais.
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Na verdade, a mais_valia dela é negativa porque ela não produz nada e recebe do
Estado. Então é isso, nós procuramos muita gente dentro do sistema_penitenciário,
muitos profissionais aqui, buscam a melhoria do sistema_penitenciário, com a própria
formação, a postura e tudo mais. Você tem que punir o servidor? Tem. Mas você tem
que punir o servidor que merece ser punido. Porque a nossa classe, assim como todas as
classes, veio da sociedade. Nós somos produtos do meio, nós sofremos também, nós
temos nossas mazelas também. Não vou dizer que tenha corrupto dentro do
sistema_penitenciário, trabalhando com farda preta. Tem. Estou aqui pra dizer que tem.
Muitos? Não. Pra ser sincero, eu já me desapontei com muitas pessoas. Jurava que
aquela pessoa ali não fosse colocar um celular pra dentro. Quebrei minha cara.
Acontece. Mas eu te digo uma coisa, eu sou sincero que a esmagadora maioria são de
pessoas do bem, e uma hora ou outra, essa pessoa que está cometendo ilícito, fingindo
ser o braço forte do Estado, vai cair. Ele cai, um hora ou outra, ele cai. A pessoa pode
estar fazendo isso há anos, mas uma hora ela cai. Infelizmente, no nosso país, o crime
compensa, infelizmente. Então, de melhoria, que eu acharia que mudaria essa questão
do Estado, a filosofia do Estado, de não ser rigoroso com certos atos legais de
funcionários. Sobre esse policiais que eu falei, sobre esse do caso da filha do
Nome_de_político_ocultado, por exemplo. Cuidado pra não publicar essa gravação e eu
falar do Nome_de_político_ocultado, e ele mandar me prender. Já imaginou? Então,
pois é, é isso. A segurança pública também é desviada. Às vezes está acontecendo uma
coisa. E a questão é salarial, lógico, mas também pela valorização e a busca pelo
reconhecimento do profissionalismo.
O Administrador (Agente)
O Aviador (Interno)
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
Eu era detentor de uma vida regrada, na vida societária. Eu sou comandante de aviação,
tenho empresa de táxi_aéreo, e, infelizmente, eu fui contratado pra fazer um trabalho
meio fora do meu padrão. Ressaltando que tenho a origem como oficial na FAB, e aí eu
fiz um voo com uma quantidade de drogas e, infelizmente, o resultado foi esse.
Ressalte-se que o fato é claro. Pra que você saiba, se você cometer um erro fora das
regras da sociedade, você vai pagar por isso. Se cometer um pecado capital, você vai
pagar por isso, e a pena é essa reprimenda corporal, a qual eu estou passando no
momento. No momento da chegada dentro da unidade prisional, existe aquele receio de
você ter sido militar em épocas passadas e dentro das prisões existem grupinhos. Essas
pessoas que vivem dentro da prisão através de siglas, que não aceitam muito a coisa que
você é dentro da vida social, mas pra mim foi tranquilo. Eu fui recebido com carinho,
com tranquilidade, sem ameaças, sem nada. Estou cumprindo essa reprimenda,
guerreando pra que ela caia pra que eu tenha liberdade num tempo próximo,
obviamente. Agora em março do ano que vem eu estou saindo. Mas as regras tanto
administrativas, como dentro da prisão, as regras, em aspas, estipuladas por presos, elas
têm uma rota_de_colisão muito grande. Elas se desviam, assim, 180 graus uma da outra.
É uma questão de entendimento, isso eu posso afirmar com veemência, é uma questão
de entendimento. Por exemplo, dentro de unidades prisionais, as pessoas que aqui se
encontram são pessoas de uma educação muito pequena. Eu não vou generalizar, seria
hipócrita, mas 90 ou 95 porcento das pessoas que aqui se encontram são analfabetas. Eu
nunca tinha visto um analfabeto na minha vida, eu vou fazer 58 anos, eu nunca tinha
visto um analfabeto. Eu vim ver aqui no Ceará. Eu moro em São Paulo, não sou daqui,
eu moro em São Paulo, à distância da família. Eu tenho filhos pequenos, no primeiro
casamento que tive, eu casei no Iraque. Por incrível que pareça, eu casei no Iraque, na
guerra. Quando tinha guerra Irã-Iraque, morava em Bagdá. Então eu casei no Iraque e a
minha primeira família se encontra em Roma, mora em Roma. Desse casamento eu
tenho dois filho. Separamos. Aqui no Brasil casei novamente e tenho dois filhos
pequenos. Uma vida inteira confortável na sociedade, algo sem nada a necessitar, sem
sofrer uma necessidade tanto financeira, com um salário muito elevado, com um
trabalho digno, normal. Eu recebia em torno de 100.000 a 150.000 reais todo mês. Eu
quis pular pra 1.500.000 reais por mês e o resultado foi esse. No momento da prisão eu
perdi tudo, perdi tudo. Carro, helicóptero, levam tudo, mesmo o que você adquiriu com
dinheiro lícito. Normal, eles vem e pegam. Quanto à vida interna, ela é monótona. Ela é
protelatória, ela é injusta, ela hipócrita, ela é nojenta. Se você não tiver controle
emocional, você vai ter problemas. O controle emocional deve ser muito grande. Então
você tem que saber leis, você é obrigado a saber leis pra poder conversar com a diretoria
administrativa, pra você saber conversar com agentes_penitenciários. Eles vão fazer a
parte deles, se você achar que alguma coisa está errada, você tem que se dirigir a um
juiz de execução, expor dentro de uma lei, dentro de um artigo, dentro de um parágrafo,
aí você vai poder se defender. Ressaltando que vai haver o troco disso aí por parte dos
guardas, eles não vão aceitar, não aceitam. Então, quando você sabe muito, é um
problema. Quando você sabe pouco, é um problema. Cheguei no Ceará e não encontrei
advogado, infelizmente o estado do Ceará é um estado que não possui advogados.
Existem pessoas com a carteira da OAB e essas pessoas quando você cai na prisão eles
fazem um leilão em cima de você. Então todos chegam pra te defender pedindo 200.000
ou 150.000. Nenhum abaixa o preço, todos olham o crime que você caiu e vêm fazer
esse leilão em cima de você, financeiro. Você vai vendo, obviamente com o
conhecimento jurídico que eu tenho, eu sou cânon em dizer, o meu recurso fui eu que
fiz, porque não teve advogado que conseguisse fazer. Eu tenho um advogado agora que
187
me cobrou 1 milhão de reais pra fazer um recurso pra mim no STJ e não conseguiu
fazer nada. Perdeu 60.000, se encantou com 60.000 reais, eram 135.000, aí eu dei
metade do dinheiro. Aliás, nem metade, dei 60.000 reais. Ele se encantou com esses
60.000 reais e foi pros Estados_Unidos passar as férias. Então, você vai vendo que é
infrutífero, tudo aqui. Eu não sei se é a educação, por exemplo, você é uma menina que
está estudando, batalhando, é notório que você tem um futuro, uma linha de educação,
obviamente, se vê logo que você vem de uma família nobre, que te deu uma educação
excelente. Mas a grande maioria é terrível, você através da televisão, vê que o estado do
Ceará, a capital do Ceará, Fortaleza é hoje a cidade em primeiro lugar do mundo em
homicídio para jovens. É uma coisa muito triste, é uma coisa muito triste isso. Porque é
um lugar bonito, que vive de turismo, infelizmente, nós temos problemas de ordem
geográfica pois é a posição do estado dentro do planeta, que está na mesma linha de
desertos. Então você vai ter esse problema de seca. A educação também, ela é muito
fraca. A educação no Ceará é pra poucos. É um número muito pequeno de pessoas que
vai estudar numa escola_particular da vida. Muito pequeno. O resto vai depender de um
ensino público. Acerca de espaço físico dentro da unidade prisional, ela é totalmente
fora das determinações legais. Por exemplo, a LEP determina que você tenha um espaço
único para você de, no mínimo 6 metros quadrados, com arejamento ideal e dentro
desses metros quadrados você tem que ter uma cama, você tem que ter uma
escrivaninha, você tem que ter um banheiro. Quando você chega nesse lugar, eles te
colocam dentro desse espaço, não dos 6 metros, mas dos 12 metros que deveriam ter
duas pessoas, eles colocam 17, 35. Então você cai naquela coisa de pessoas que usam de
drogas. São pessoas insanas, você passa por uma situação horrível, eu não passei pelas
delegacias, eu passei pela Polícia_Federal. Em razão da minha profissão eu poderia me
dirigir pro Corpo_de_Bombeiros, pra ficar preso no Corpo_de_Bombeiro. Eu, besteira,
não fui. Não, eu fico aqui. Eu moro bem, por estar preso, eu moro bem. Eu moro com
duas pessoas, moro com duas pessoas. Mas eu faço jus a isso. Não tenho
rota_de_colisão nenhuma com os guardas, com os diretores administrativos, com
julgadores, essas coisas. Então fui preso, acabou. Você é comandante_de_aviação e vai
cumprir a sua prisão, vai guerrear pra que ela caia, pra que, em um tempo curto, você
obtenha a sua liberdade, eu faço isso. Alimentação, aqui ainda ela é sadia em razão da
cozinha que você tem aí. Os pães, eu trabalho na padaria, trabalho na padaria, então, eu
sei o que eu estou fazendo. Fantástico. Agora, quando você pega uma custódia como
aquele Carrapicho, nessas CPPLs da vida, é terrível, é terrível. Comida azeda,
apodrecida, e pra você que vem de uma linhagem do bom e do melhor, é muito difícil.
Eu, graças a Deus, tive um convívio de 4 anos e meio num país em guerra, e soube dar
esse equilíbrio. Então você passa a analisar, sai daquela vida nobre e vai pra miséria,
que é um país em guerra, qualquer país em guerra passa por isso, eu fiquei 4 anos e
meio. Então, eu, graças a Deus, isso aqui, tirei de letra. Foi muito fácil, é muito
tranquilo. Quanto às regras, infelizmente, o poder público é ausente. Se você notar, no
estado do Ceará, são 5 anos que eu estou aqui, agora que eu estou escutando falar de
indulto, indulto natalino. Essas coisas que o Presidente_da_República assina, somente
agora eu estou escutando falar em comutação de pena. Então você vê pessoas que, 99%
das pessoas que estão presas nesse sistema_penitenciário cearense são detentoras de
pequenos furtos, crimes de pequena monta. Então você vê que essas pessoas não têm
um estudo. Essas pessoas não têm um trabalho. O tempo ócio dessa pessoa se faz de uso
de drogas dentro de uma unidade celular, da cela. Você vê pessoas se entorpecem com
aquela revolta da prisão. Ninguém quer prisão. Eu estou falando de um modo geral.
Todo mundo quer justiça, desde que o réu não seja um parente, um irmão, um pai, uma
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
mãe, namorado, um filho, uma filha. Então, isso já é uma hipocrisia da vida societária.
Queremos justiça, muito bem, você é um infrator, infringiu o limite de velocidade numa
estrada você vai ser punido com uma prisão, eu estive, conheço muitos países. Falo 5
idiomas e eu estive no Canadá. Em uma ocasião nós ultrapassamos o limite de
velocidade e o condutor, imediatamente, foi levado pro juízo. Desse juízo ele já foi pro
aeroporto e foi embora, pra não ficar preso. Então, eu queria ver se isso fosse da mesma
forma aqui no Brasil. Quero justiça. Se você assiste aos jornais, você veria que
inúmeras, talvez, eu não sei se você dirige, mas, certamente, você já excedeu o limite de
velocidade no seu carro. Coloque-se nesse lugar. Excedeu a velocidade, cárcere, vai ser
condenado, ninguém vai querer isso. Vivemos num momento tétrico no país, com a
política brasileira, onde todo mundo quer sair com o rosto pintado, batendo panela, em
razão dos nossos legisladores, nosso Presidente. Só que quem colocou isso lá foram
vocês, eu não voto, eu pago 3 reais, eu não voto, pago 3 reais, mesmo na rua, mas eu
não voto, eu não vou ser conivente com essa ilegalidade. Eu tinha um apartamento no
mesmo prédio do Ex-presidente_da_República. A filha dele é amicíssima minha,
Nome_ocultado, lá em São Bernardo do Campo, São Paulo. A filha dele é amicíssima
minha, quer dizer, você olha pra mim, pensa, mas esse cara está preso. Normal, mas a
minha vida é tranquilíssima, ela é tranquilíssima. Fiz besteira, vim preso. Eu mais um
na cela, uma pessoa dorme no chão, eu durmo na cama. Me sinto constrangido muitas
vezes, é ridículo. Você perde, claro, é excelente porque você tem uma pessoa pra
conversar, distrair, mas, mesmo porque a pessoa que mora comigo é do Mato Grosso e
ela foi presa no mesmo artigo que eu, na mesma situação. Então a gente tem muito
assunto, eu voei 2 anos com tráfico de drogas, eu fui o primeiro piloto no país a voar
com helicóptero, voei pra políticos, voei pra senadores. Então, os donos da droga no
Brasil são pessoas grandes, não vá pensando você que é o Zezinho_do_morro. Nós
estamos prestes a obter uma lei, vai ser decretada uma lei, através do
Presidente_da_República, aonde ele vai terminar com essa condenação definitiva em
segundo grau. Vai deixar que você tenha o trânsito em julgado da sua sentença após
decisão do STF. O STF chega a levar 20 anos pra julgar um processo, você não vai ficar
20 anos preso, obviamente. Você vai sair por presunção de inocência e excesso de prazo
pra apresentação da culpa. Enquanto o STF não julga, você não é culpado, então você
vai pra rua. Eles estão fazendo isso, o pessoal do Lava_Jato. Direito a esse pessoal,
então, você vai ver, é uma hipocrisia tão grande e você vê todo mundo gritando aos
quatro ventos que tem que tirar os políticos, mas quem colocou foram vocês. Eles
representam vocês, vocês são coniventes com essa baixaria que está ocorrendo. Mas nós
fomos enganados. Não sei. Se uma pessoa tivesse junto comigo nessa operação de
tráfico de drogas seria associado a mim. Então, vocês são associados a eles. Eu estou
bem. Eu estou bem. Ressalte-se, faço jus pra isso. Não uso drogas, não bebo, não fumo,
não jogo. Não tenho vida noturna. Dentro da prisão, qual é seu libertador? Jornal, jornal,
jornal, leitura, leitura, leitura, jornal, jornal, jornal. Levanto 5 horas da manhã, tomo
banho, venho trabalhar, fico até às 15 ou 16 horas. Retorno, tomo banho, durmo 7 horas,
levanto, assisto jornal, essa é minha vida, monótona. Mas é a vida que tem que ser.
Vamos lá, apreendeu o indivíduo? Imediatamente, deveria existir uma assistente social,
já na delegacia no distrito, na delegacia de polícia. A partir do momento que a
autoridade policial determinou que essa pessoa fosse colocada em custódia, essa
assistente social iria na casa da pessoa, falar sobre o marido estar sob a custódia do
Estado. À partir desse momento, como assistente social representando o estado, vou
tomar conta do seu filho. 6 horas da manhã estou aqui pegando seu filho pra levá-lo pra
uma escola, ele vai tomar o café da manhã, ele vai estudar o dia inteiro, até às 18 horas,
189
obviamente. Com recreação, sabendo fazer a colocação para educação de uma criança,
estudo, ensino, diversão, essas coisas. Por quê? Vou te falar porque, muitas famílias
pobres não têm o que fazer a partir do momento em que o marido ou a pessoa que
sustenta esse lar é colocado em custódia. A mulher não tem o que fazer, não tem
dinheiro, com filhos pra criar, muitas vezes, ela chega a se prostituir pra poder dar o que
comer para o filho. Se o Estado fizesse isso, o carro buscava as crianças levasse pra uma
creche, passasse o dia inteirinho. A mãe tivesse uma cesta básica e um salário mínimo
que o seu marido vai ter que ficar o dia inteiro na prisão, nem se for pra pintar isso aqui
10 vezes por semana, ele vai pintar, mas ele vai fazer com que o Estado seja ressarcido
do que ele está fazendo. Eu vou falar uma coisa pra você, melhoraria muito, muito,
muito. A reincidência criminal é muito grande aqui no Ceará. No Brasil em geral, a
reincidência é muito grande. Uma pequena faixa da sociedade, as pessoas menos
abastardas financeiramente, não têm o que fazer. Vê um carrão, vê então o jovem ele se
ilude com uma moto, com um bom carro, uma prancha de surf, uma roupa bonita de
marca. Muitas vezes ele não tem como obter isso. Ele vai pegar um revólver, vai
assaltar, vai te roubar, sem saber como reagir, ele vai ceifar a sua vida se você efetuar
algum movimento contra ele. É isso que está acontecendo. Você vislumbra o que no
futuro? Pioras. Quem é o culpado disso? A mídia. A mídia televisiva, porque na mídia
televisiva o moleque tem uma televisão na casa dele. Ele vê uma moto linda, é a moto
do seu sonho. E pra encantar aquela namorada. O mundo perdeu o rumo, tá sem norte, o
mundo tá perdido, eu posso te falar com veemência. Eu tenho uma idade, eu vivi a
época da ditadura militar no Brasil, como militar, eu vivi como militar, como social,
como comando, e eu posso te falar isso com veemência. Eu vivi, eu vivi. Eu podia sair
na rua despreocupado. Eu não seria assaltado, eu não seria morto por um ladrão. Hoje
eu ando de carro blindado, eu ando de carro blindado, eu ando de helicóptero pra baixo
e pra cima em São Paulo, e ainda assim eu tenho medo quando meus filhos vão pra
escola. Medo de sequestro, o meu maior medo é o sequestro. Até me desespero porque
eu não sou rico, eu não sou rico. Eu trabalho, mas eu tenho um helicóptero, o
helicóptero é uma máquina, uma ferramenta de trabalho, como uma caneta para um
advogado, como um projeto pra você. Então, eu tenho medo, e essas pessoas, esses
moleques, não estão nem aí pra vida deles. Por que hoje o índice de criminalidade maior
do planeta é aqui? Porque eles tão com medo. O sistema_penitenciário não vai recuperar
nada, isso é conto da Carochinha, isso é conto da Carochinha, isso não existe. O Estado
não faz nada pra isso. É muito lindo o Estado receber 2 a 3 mil reais por mês por cada
preso e colocar no cofre dele. Gasta 500 reais e fica com 2 e meio. Muito bonito, lindo,
maravilhoso. É assim que funciona. Certo, mas está preso, mas desse preso se sustenta
uma administração pública, polícia, juízes, promotor, todo mundo. Se não tivesse o
preso, esses caras morreriam de fome, puxariam carrinho de papelão. Eu falei pra um
juiz que ele tinha que puxar carinho de papelão, ele me deu 20 anos de condenação sem
eu fazer nada, sem eu fazer nada. Eu não fiz nada, eu não fiz nada, eu não fiz nada. Eu
fui condenado pela Justiça_Federal, me deram 35 anos, onde o máximo é 15, pra
aparecer na mídia, pra passar no jornal, em todo lugar do mundo, fui. Ganhei, ganhei.
Pronto, se ele está achando que eu não vou sair, vou pôr no jornal, eu compro uma
página na revista_Veja e arrebento tudo. Falo tudo que eu tiver que falar. Eu faço isso,
muito simples, dinheiro. Vem 9 mil. Então, pro Estado é muito prático, faz um depósito,
enche de preso. Se olhou feio ou o guarda vai lá joga spray de pimenta nele, pega uma
munição de borracha ou de sal, atira nele, e lindo. É assim que ele vê o resultado. Ele
tem que parar pra pensar que se ele continuar nessa toada, uma criança que tem 10 anos
e vê o pai preso hoje, que vai ter que ficar 10 anos. Daqui a 10 anos que o pai vai sair,
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
ele vai ter 21. Com 13 ou 14, dependendo da companhia, onde a mãe vai ter que sair pra
trabalhar e vai deixar ele sozinho dentro de uma favela com más companhias, vai cair na
droga. Vai se passar por bonitinho, vai começar com pequenos delitos, homicídios.
Revoltado com a prisão do pai, quando esse pai sair, nós não teremos mais só o pai que
era um meliante, nós temos o pai e o filho. Anualmente, você vai dobrando,
diariamente, você vai dobrando esse número de sentenciados. Em 2012, se não me
engano, nós tínhamos aqui no estado do Ceará, 12 mil presos. Nós estamos com 26 mil.
Em 5 anos, 5 anos esse número de 12, subiu pra 26. Faça um cálculo, daqui a 5 anos pra
frente, essa situação societária que vocês vivem, tétrica, horrenda, não sabe se volta.
Deve existir um estudo profundo nessa questão de execução penal. Eles deveriam
vivenciar mais isso, tomar mais conhecimento das leis penais. As leis não estão só
contidas num livro, não, ali é um diploma legal. Aquilo tem que ser acatado e as pessoas
não tem conhecimento. O preso desconhece, o guarda desconhece, a administração
penitenciária desconhece, não sabe nada. Hoje, o que existe é apenas a repressão. Olhou
feio, bate nele, mata ele. Desse jeito. Não tem ressocialização, não existe
ressocialização. Isso é um conto da Carochinha, é conto da Carochinha. Não existe
ressocialização. Lógico, se existir uma política nobre por parte de administradores, isso
muda num piscar de olhos. Desde que haja empenho do Governo e o Governo hoje quer
saber só do dinheiro dele. Infelizmente, a vítima somos nós mesmos. E segue o curso.
Eu vou ser claro pra você, pra você caminhar 1000 quilômetros, você tem que dar o
primeiro passo e é dessa forma que você vai ajudar.
O Motorista (Interno)
A gente aprende muita coisa dentro da cadeia também. Quando eu cheguei aqui, porque
eu já vim de outro presídio pra cá, vim da CPPLII. Lá eu não fazia nada. Depois de 1
ano que eu estava preso lá na CPPLII, eu consegui trabalhar no corredor que é pra
merenda dos outros internos. Eu trabalhei pra direção fazendo a faxina e pegando toda a
merenda, almoço e a merenda da tarde e da manhã. Depois de 1 ano e meio que eu
estava lá, eu fui transferido pra cá, pra Pacatuba e aqui está sendo melhor, porque eu
estou trabalhando, estou ganhando minha remissão e estou aprendendo mais. Porque
aqui é um lugar complicado, tudo bem, é muito complicado, mas só que a gente
aprende. Eu, com certeza, eu, com a idade que eu já tenho, 45 anos, eu não vou querer
voltar nunca mais pra cadeia, porque não é lugar pra ninguém não. A gente tem altos e
baixos, mas não é lugar, e cada dia que se passa, cada tempo que se passa, as coisas são
difíceis, tanto lá fora como dentro da cadeia. Mas aqui eu estou aprendendo, como se
fosse uma faculdade. Você sai ruim se quiser, mas querendo ter o coração melhor,
querendo ter apoio também, você recebe. Porque aqui é complicado, muito complicado.
Eu estou aqui já por 3 anos que eu estou aqui na Pacatuba. A minha cadeia toda vai
fechar agora em março, vai fechar 6 anos. Sou julgado 28 anos e 6 meses, eu estou
respondendo um processo que eu não fiz. Aliás eu estou envolvido na complicação que
eu estou, nessa história aí, nessa cadeia, mas eu não fiz, eu fui pego com o carro da
vítima, por causa do rastreador. Então, o policial que fez a apreensão deu até entrevista
na televisão e está na internet essa gravação que eu recebi a camioneta como se fosse o
pagamento de uma conta. Então, o advogado disse eu ia responder pelo artigo 180.
Então, pelos motivos eu era pra ser um 180. Não sei porque me julgaram num
latrocínio, que é a cadeia de 28 anos. Eu sei que logo no começo foi um quebra-cabeça.
191
O que eu tinha eu gastei com o advogado e ele não fez nada por mim, fui transferido de
Aracati pra cá, pra Fortaleza, CPPLII, da CPPLII estou aqui na Pacatuba. Mas, assim eu
vou levando o dia_a_dia. Eu não posso fazer mais nada, o que eu posso fazer é
trabalhar, ganhar remissão, pra um dia ganhar minha liberdade e não voltar nunca mais.
Mas que é complicado, é muito complicado a cadeia. Aí não tenho visita, porque não
sou daqui, sou de Recife, no Pernambuco. E longe da família e assim vai, a gente vai
aprendendo. Eu trabalho na cozinha, eu me sinto bem. Porque na cozinha a gente te
mais chance de comer melhor do que quem tá lá embaixo. A refeição é melhor, e a
gente tem o melhor tratamento dos agentes que eles tratam a gente tudo bem. Agente é
agente, e o agente_penitenciário é uma coisa e o interno é outra. Mas só que eles tem
também o respeito pela gente e a gente tem por eles. Então, seguindo os passos, é assim,
cada dia que se passa eu vou aprendendo mais e está tudo bem. O que eu posso fazer é
trabalhar pra ganhar minha remissão, porque são quatro meses de remissão que a gente
ganha por ano e a assistente social falou pra mim que eu vou ter direito de ganhar
regime aberto só em 2022. Estamos em 2017, pode ser que, logo_logo eu ganhe a
liberdade pra responder lá fora. Mas o meu sistema é saber se eu estou preparado pra
trabalhar lá fora e viver minha vida. Porque já depois que eu estou aqui dentro, eu perdi
minha mãe, que era o que eu mais eu queria e perdi. Não tenho ninguém por mim, só
Deus mesmo, somente. E na cadeia é cada um por si, se você tiver uma cela pra morar,
você tem apoio dos outros presos. Se você não tiver, vai morar de favor. Então eu passei
muito sofrimento, agora eu consegui comprar uma cela pra morar, porque na cadeia a
gente compra. Tem gente que não acredita, pensa que a cadeia é assim. Chegou, está
preso e vai responder o processo e ficar ali porque é do Governo. Não, na cadeia a gente
compra a cela, a gente compra televisão, compra ventilador, tudo se compra. Divide a
cela eu e outro rapaz. Eu me sinto bem, porque o motivo de eu não ter visita e ele tem.
Aos domingos e às quartas ele tira a visita dele enquanto eu estou trabalhando. Quando
eu tinha visita, aí era uma semana minha e outra semana dele, agora como eu não tenho,
só quem tem é ele. Mas dá pra dividir o espaço. A cadeia está lotada. Passou por uma
reforma agora, e a gente está também passando por uma reforma na vivência que a
gente está. Mas dá pra levar, dá pra levar. É tão complicado que nem eu estou dizendo,
você vê aí na televisão, você assiste jornal, com certeza, você é uma pessoa que está
querendo conseguir seu espaço aí. Mas você tem que ver que as cadeias estão sempre
lotadas e as complicações são grandes. Eu não me envolvo com nada. Meu negócio, eu
tenho uma vantagem, às vezes eu olho pra mim e me espelho, eu tenho uma vantagem,
porque eu não me drogo, eu não me drogo, porque a droga lá fora já é complicada.
Dentro da cadeia é pior. Então, eu não me drogo, eu não tenho vício com nada, então é
trabalhar, comer, dormir e viver, até ganhar minha liberdade, só isso mesmo. Aqui
dentro, aqui o que tá faltando mais pra completar os dias passar rápido, porque trabalhar
não passa rápido, tudo bem. Porque um interno ficar o dia 24, 48 horas dentro de uma
cela com 4 ou 5 pessoas é complicado e quando é só ele e outro, essa vivência que eu
moro é só duas pessoas em cada cela. Resumindo, se eu conseguisse ao menos estudar,
era melhor também. Porque eu sou analfabeto, queira não queira tem gente que se
engana, pensa que eu sei de alguma coisa. Não, tenho um pouco de inteligência porque
a gente aprende, por causa de altos e baixos que a gente passa nessa vida. Mas eu, com
certeza, sou analfabeto, eu gostaria de estudar, porque todo presídio tem estudo e aqui
tinha. Então teve uma quebradeira, parou o estudo. Mas se voltar, de preferência, eu
quero estudar também, trabalhar e estudar. Eu acho, assim, eu sou um pouco analfabeto,
como eu acabei de falar pra você, eu continuo a dizer, de novo. Eu acho que, assim, um
preso mesmo por ele praticar alguma coisa errada pra estar respondendo, que nem eu
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
acabei de falar ainda agora. Eu não pratiquei, mas eu estou respondendo, tudo bem, por
quê? Porque eu fui preso com mais 4 companheiros. Eram 3 caras comigo. Só que fui
pego, no processo eu fui pego com a caminhoneta da vítima e os caras fizeram um
latrocínio. Então, um dos caras era muito colega meu e ficava com o carro pra andar.
Então eu emprestava a chave do carro a ele, e nesse dia que eu pedi a caminhoneta
emprestada. Ele disse que era do patrão dele, eu não sabia que eles tinham feito isso.
Então eu viajei com a caminhoneta sem saber que eles tinham cometido um crime. Por
coincidência, eu fui pego na Paraíba, em João Pessoa, com a caminhoneta, por causa do
rastreador. Eu fui pego, eu não sabia de nada, e então o delegado disse que se eu tivesse
um advogado bom iria sair logo. Porque isso aqui é um artigo 180. O policial que deu a
entrevista disse que era um 180, então foi tudo misturado assim. Foi um negócio que eu
não entendo. É que nem tem aquele ditado, a justiça é cega, porque o preso ele é julgado
28 anos e 6 meses, ele vai puxando quase 6 anos, vamos dizer que vai puxando 6 anos
de cadeia já, vai fazer 6 anos. Então, ele está trabalhando, eu acho que a população, o
juiz, o promotor podiam abrir mais a mente e ver que esse interno, ele tem uma chance.
Porque ele não tem vício com nada, o negócio dele é trabalhar, comer e dormir, assistir
televisão, nem televisão direito eu assisto, porque a gente chega cansado. Eu assisto,
não vou dizer que não assisto, assisto jornal, que eu gosto muito de ver televisão pra
assistir o jornal. Mas alguma programação assim, às vezes, eu não assisto porque estou
com sono. Então resumindo, a gente trabalhando, tem um comportamento bom, o
advogado da casa, a assistente social, ela vê o processo, ela vê ali o dia_a_dia e o chefe
de disciplina. O diretor da cadeia sabe o comportamento do interno, então, eu acho que
o juiz poderia olhar assim, que está preso, está respondendo, já vão fazer 6 anos, eu
acho que merece uma chance pra sair lá fora. Porque lá fora, eu vou dizer, a coisa está
complicada, mas pra quem quer ficar na complicação. Porque se a pessoa quer sair pra
trabalhar, pra viver, a pessoa vive. Eu tenho profissão boa, de motorista. Eu sou uma
pessoa que tem vícios de nada, então, acredito em mim mesmo que quando eu sair,
99%, eu vou sair recuperado. Porque dentro da cadeia a gente aprende muita coisa,
muita, muita, muita. Então, é assim, devia melhorar esse negócio, porque 28 anos, pra
tirar 16 anos. Com 10 anos fechados e 6 meses, é que eu vou ter o regime aberto.
Resumindo, estou trabalhando, já vou fazer 1 ano que eu estou trabalhando, e já
trabalhei na outra cadeia que foi no CPPLII. Minha remissão foi pra SEJUS e não me
deram mais resultado nenhum. Eu fiquei também naquela, então acho que falta melhorar
isso. Porque às vezes a pessoa tira 15 anos de cadeia de um latrocínio. 15 anos. Ele não
vai na rua, mas quando sai, com uma semana está de volta, está de volta. Um colega
meu foi preso lá em Recife por um latrocínio. O que foi que aconteceu? Ele passou 14
anos preso, quando ele saiu ele não passou 8 dias. Porque ele foi atrás de emprego
ninguém deu chance a ele. Ele saiu com outro colega pra beber, que ele não estava nem
podendo beber, mas ele foi tomar alguma coisa e fez outro latrocínio e voltou. Está na
cadeia de volta. Então é assim a justiça. Tem que ver quem é que tem um bom
comportamento. Ontem mesmo eu estava assistindo televisão, aqui de Fortaleza,
televisão local. Eu vi um colega meu que saiu ano passado daqui, ele estava aqui com
outros processos. Eu não sei como foi que ele teve chance do advogado levar ele. O cara
voltou pra cadeia porque tava se passando por policial e assaltando. Então é
complicado, cada caso é um caso, é uma história diferente. Eu estou aqui pra te
responder e te dizer, a justiça é muito lenta, mas se a justiça trabalhasse mais preparada
pra ver que o interno tem chance. Porque 99% dos internos voltam. A tornozeleira não
está dando conta. Tem um colega meu que saiu há 1 ano, mas o rapaz que trabalha
comigo aqui, que é do bairro_liberdade, que vem um dia e outro me disse que botou um
193
negócio, uma gambiarra na tornozeleira e saiu de moto. Então, ele está aprontando e a
qualquer momento ele pode voltar. Então, a tornozeleira não está dando certo. Eu quero
trabalhar, eu quero viver mais, eu quero me recuperar, que eu já estou me recuperando.
Mas, uma coisa eu te digo, se chegar pra botar a tornozeleira, eu prefiro sair no
livramento condicional, porque tem aquele ditado, a tornozeleira também não está
dando aquele resultado porque tem muito interno, muito ex-presidiário morrendo.
Porque a tornozeleira tem um sistema de 500 metros, que vai dividir ali pelo processo.
Vai pelo conteúdo do processo, aí tem cara que é uma isca pra morrer também. Se ele
aprontou ali, voltou, está com a tornozeleira na liberdade e o inimigo mora perto, vai e
mata ele. Porque ele não pode correr. Quando ele vai dizer que travou a tornozeleira, é
complicado. Muita gente não quer saber de tornozeleira, bota a tornozeleira quando sai
na SEJUS, vai embora já tora. Eu não quero que aconteça isso, isso não vai acontecer
comigo, jamais. Eu quero responder, no processo que eu estou respondendo, eu quero
terminar esse ponto aí, mas eu não quero sair com tornozeleira. Eu prefiro que daqui pra
2022 já tenha mudado alguma coisa. É assim, é assim, o dia_a_dia é esse aqui. Todo dia
eu venho trabalhar, é de 6 as 15 da tarde e é de domingo a domingo e não tem feriado
não. Eu acho que o juiz deve ter conhecimento, assistente social, esse pessoal aí, pra ver
o comportamento dos internos. Você sabe, aliás, você não sabe, você apesar que é da
liberdade, está aqui me entrevistando, eu te digo, a pessoa que está puxando uma cadeia,
que não tem visita, é duas cadeias que ele tira, é duas cadeias, por quê? Porque dia de
visita ele está trabalhando ou ele está só ali, todo mundo está com visita e ele está ali.
Então, ele está pagando uma pena que é dobrada. É o meu caso, mas eu vou recuperar
tudo isso, mas é complicado viu, muito complicado. Eu espero melhorar agora depois
dessa reforma que estão fazendo aqui no colégio, aqui dentro da Pacatuba, eu espero
que o diretor peça a SEJUS, que mande os professores virem. Tem muita, muito interno
querendo estudar e a gente estudando ganha remissão. Eu trabalhando ganho, porque eu
sei que, com certeza, vai melhorar. O que eu exergo, estudar é o que está faltando,
porque estudar. No ano de 2015 eu estava estudando aqui, em 2016 começou a
reviravolta dentro das cadeias, porque, você sabe, tem muita facção agora. Esse negócio
está complicando muito, e eu não participo, não entrei, graças a Deus. Eu tenho meus
motivos de continuar tirando minha cadeia no meu canto, isolado mesmo. Mas eu te
digo com toda certeza, não é futuro, porque fica aquele negócio de expulsar preso de
outra vivência e mandar pra outra cadeia. Complica o preso que já está preso e complica
a direção. Então isso aí não dá certo, o que dá certo é vir professor e estudar, começar
de novo, a gente levar pra frente e estamos aí.
O Cozinheiro (Interno)
O que eu achei mais importante aqui foi esse trabalho pra mim, pra diminuir a minha
pena, progressão de regime. O que eu tenho a falar é sobre isso. Pra mim até hoje, de
importante aqui é o trabalho. Trabalho na cozinha, fazendo serviços gerais, tudo. No
meu trabalho eu me sinto bem, eu me sinto muito bem. É lá que eu passo a maior parte
do tempo, só vou pra cela pra dormir. Na cela mora eu e outro companheiro. É até
melhor do que você estar só, porque aí você começa a pensar coisa negativa. Você com
um companheiro na cela começa a conversar, se distrai mais um pouco. A cela tem
espaço pros dois, uma cama, mas aí coloca o colchão no chão, do lado. Vou ser bem
sincero, não se sente bem não por um ter que dormir no chão. Bem mesmo a gente sente
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
quando está com a família da gente, com os filhos, a esposa. Isso aqui, pela minha
experiência de vida, isso aqui não é vida pra ninguém não. Lógico que eu estou pagando
pelo erro que eu fiz no passado, isso há 16 anos atrás. Estou pagando pelo que eu fiz,
mas não por morte. Mas voltar pra cá, Deus queira que não. Mudanças que devem ser
feitas pra eu me sentir melhor, é como vai ter agora o colégio. Pretendo estudar, o
colégio vai voltar às atividades. Além de eu trabalhar eu queria participar também dos
estudos, me ocupar, cada espacinho que eu tiver, ocupar minha mente no trabalho, no
estudo, qualquer coisa. O importante é estar sempre ocupado, porque você estando
trabalhando ali o tempo passa. Você não relembra muita coisa negativa do passado. A
forma de mudar aqui é assim. Se eles não trabalham. Precisam do estudo, espero que
agora, como estão dizendo que o colégio vai voltar, vai ter mais trabalho, que dê essa
oportunidade, tem muita gente que merece.
A partir do momento que eu comecei a trabalhar nessa unidade, pra mim é muito
importante porque é aonde eu venho ocupando a minha mente. Tendo uma grande
responsabilidade no dia_a_dia, que eu não tinha, até mesmo por falta de uma
oportunidade. Já que eu tive essa oportunidade de trabalho, desde o dia 6 do 3, pra mim
está sendo ótimo demais, está sendo muito. Não tenho nem palavras, só tenho muito que
agradecer a Deus, a oportunidade dos demais da unidade. Inclusive eu tive essa
oportunidade de trabalho, é onde eu tenho a cada dia que se passa pra mim. Eu só tenho
muito o que agradecer a Deus, porque nesse trabalho, o que é importante pra mim é
minha remissão. Por isso que eu tenho um pouco disso. A partir do momento que eu
chego nessa unidade, das 6 da manhã às 4 da tarde e todos os dias, eu espero que Deus
me ajude cada vez mais. Mas eu tenho que fazer minha parte. Também, no esforço que
eu vou fazendo todos os dias, cumprindo, desde aquele padrão, não me envolvo com
nada que venha a prejudicar meu trabalho. Nem pretendo. Nem passa pela minha
cabeça. Pra mim se envolver me envolver num caso desse, dá um motivo pras pessoas
virem me prejudicar, de maneira alguma. Então é o seguinte, esse trabalho, como eu já
estou tendo, vão completar 8 meses que eu já estou trabalhando na unidade, e cada dia
que se passa eu vou aprendendo coisas a mais. Experiências que eu nunca tive na minha
vida, nunca tinha tido essa oportunidade. Agora estou tendo. Hoje o que é importante
pra mim esse trabalho na unidade, é porque eu fui julgado 47 anos, réu primário. Mas é
um crime hediondo com latrocínio e pra mim, é muito importante pra mim. Porque
durante esse tempo todo que estou na unidade, eu nunca tive a oportunidade de abraçar,
dar a benção à minha mãe, abraçar ela, conhecer ela, ver ela pessoalmente, porque até
mesmo porque eu não sou daqui, sou de Paracuru, e fica muito difícil pra minha família
se mover pra cá. Por qual motivo que é difícil? Porque a minha mãe não vive com meu
pai, vive separado um do outro, e quando o casal chega num ponto desse, praticamente,
não é legal, atrapalha a convivência com os filhos, o dia_a_dia com os filhos.
Principalmente quando a gente está no sistema. No meu caso, eu cometi esse erro e
estou aqui no sistema desde 2009, desde de o dia 12 de 2009. Pra mim, é o que eu
queria mais. O que é mais importante pra mim é que eu gostaria que a justiça me desse
uma oportunidade, através desse trabalho, do meu esforço também. Porque não é só
pedir a Deus nem cobrar da justiça também não, e como eu sempre tive um bom
comportamento, nunca me envolvi com nada ilícito, nunca usei nada de coisa assim,
195
nunca me envolvi com nada, não tem nada no meu prontuário, nunca desobedeci
nenhum agente_penitenciário, nenhum diretor, vice_diretor, nunca fui chamado atenção
por nenhum deles, esse tempo todinho. Nem pretendo, respeito, inclusive, eu tenho
muito respeito por eles. Todos os dias eu oro, não só por mim, mas pela minha família,
pros demais que me deram a oportunidade, por aquelas pessoas que estão orando lá fora
por mim. Eu só tenho o que agradecer por essa oportunidade e que Deus me permita que
eu conseguindo essa vitória, não vou fazer, me envolver com certas amizades. Porque,
até mesmo, eu era um cidadão antes de vir pro sistema. A sociedade é que não vai
comprar, no meu caso, eu como um cidadão mais, porque eu sou fichado, de qualquer
forma eu sou, vou ficar fichado, eu sou fichado no sistema. Eu não posso me comparar
com um cidadão mais, mesmo eu me comparando, mas a sociedade não vai, ou mesmo
que eu não tenha feito mal aquelas pessoas da minha região e de outras localidades. Mas
eu cometi um erro grave, porque não foi eu que tirei a vida de cidadão nenhum, mas eu
estava no lugar errado, na hora errada, eu reconheço a minha participação. Mas eu só
tenho muito é o que lamentar, sabe? Eu sinto muita saudade da minha mãe, porque eu
sou o braço direito da minha mãe. Eu tenho infelizmente, eu tenho uma hérnia. Muitos
dos agentes_penitenciários aqui da unidade falam: Nome_próprio_ocultado, não pega
esse peso, não é apropriado pra você. Mas, obrigado pela compreensão, porque eu
preciso desse trabalho, ele é muito importante. Eu me sinto bem, porque é um trabalho
com muita responsabilidade. Inclusive, o meu objetivo de trabalhar nessa unidade, é
porque minha advogada na época falou assim: Nome_próprio_ocultado, você está aqui
no carrapicho já por 2 anos e 4 meses. Eu vejo seu comportamento, é uma pessoa que eu
conheço que não era pra você ter se envolvido nessa. Mas errar é humano, portanto, eu
vou trabalhar no seu caso, eu vou colocar você pra PFHVA. Lá vai ter uma
porta_de_emprego pra você. Na época era a Nome_da_advogada_ocultado aqui, nessa
unidade, que era a diretora, e não tive aquela oportunidade porque existiam muitos mais
atrasos no trabalho que benefícios. Mais atraso que eu quero dizer em termos de
benefícios, porque era uns se envolvendo com coisa ilícitas, envolvendo o setor de
trabalho e prejudicava pessoas que não tinham nada a ver. Então eu passei por muitos
papeizinhos escritos, e cheguei pra ela. Então foi o tempo que terminou o tempo dela
como diretora, passou pra outro senhor, depois chegou até o senhor
Nome_do_Atual_Diretor. Eu cheguei pra ele e disse que já tinha meu conhecimento
desde o dia que ele passou a assumir essa unidade. Tem outra pessoa que trabalha na
cozinha já, mas eu vou dar seu nome pro Nome_de_agente_ocultado e tenho certeza que
você vai trabalhar com a gente. Você merece cara, pois nunca vi você se envolver em
discussão com ninguém, com droga, com nada ilícito e você vai trabalhar com a gente.
Eu não pensei duas vezes, a partir do momento que eu cheguei no trabalho, no domingo,
na segunda-feira eu dei início ao trabalho. Eu nem falava sobre a minha saúde, que eu
tinha uma hérnia. Não, eu cheguei e disse, qual meu setor de trabalho? É serviços
gerais? Eu não fui querer prioridade no trabalho ali não. Meu filho, eu estou aqui pra
trabalhar e eu agradeço muito pela oportunidade, eu falando pro gerente, pro
Nome_do_agente_ocultado. Portanto, qualquer setor de trabalho que você me colocar
eu estou aqui pra colaborar. E foi até hoje. Inclusive é lamentável, assim cometido um
erro desses, como eu falei. Mas eu estou muito satisfeito com o meu trabalho com essa
oportunidade, pela colaboração dos demais dessa unidade. Inclusive, você está de
parabéns, também, por me dar essa atenção. Também, me desculpa aí por eu (chorar), é
porque mãe é mãe. E o que mais peço a Deus todos os dias é que Deus me dê
oportunidade de eu alcançar minha mãezinha com vida com saúde. Apesar de já ser uma
senhora de idade, seus 60 e poucos anos, hoje eu estou com 46 anos. Mas graças a Deus,
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
eu não estou aqui só pensando no meu lar, na minha vida, na minha saúde. Não, eu,
Ave_Maria, eu divido o pouco que eu tenho no dia_a_dia, o pouco que eu ganho até
com o trabalho. Eu recebo 800 reais por mês, é um direito que a gente tem. Por
remissão e recebe aquele valorzinho ali, eu divido com a minha família, de 800 reais, eu
fico com 200 reais pra comprar só minhas coisinhas de higiene que é o básico. 600 reais
fica pra minha familiazinha, serve pra pagar um papel de luz, serve pra comprar um gás,
serve pra comprar o alimento. Mas eu, Ave_Maria, triste de mim se não fosse essa
oportunidade de trabalho e essa oportunidade também que a gente tem. É
impressionante esse trabalho pra mim. É tanto que eu estou com uma cirurgia marcada
agora pro dia 12 de janeiro e eu já fui 3 vezes fazer cirurgia e foi remarcado. Remarcado
não por eu ter problema de saúde, mas, sim porque é um procedimento longo. Mas tem
possibilidade de chegar lá, e eu estou pensando até de desistir, por que minha saúde é
em primeiro lugar, mas o meu trabalho. Eu não estou querendo, porque eu ia ficar 2
meses sem trabalhar. Pra mim, eu penso assim, meu ponto de vista. Eu trabalhando, e eu
vou ter aumentada minha remissão de pena. Eu vou ter uma forma de conseguir meu
benefício mais rápido, a minha liberdade. Quer dizer, o benefício que eu quero dizer é a
minha liberdade. É porque, eu, aqui, tenho um acompanhamento bem dentro do padrão,
graças a Deus. Eu tenho um acompanhamento de um dentista, de uma assistente social,
eu nunca tive nada dentro dessa unidade pra falar com a assistente social. Mas, no caso,
atendimento médico na hora que eu preciso, no caso de um sintoma de febre, alguma
coisa que posso me sentir prejudicado. Ali eu pego uma refeição e não é apropriado, eu
não me dou com aquela refeição. Quando eu sentir algum problema de saúde, eu chego
e sou atendido de médico e tudo. O que eu pretendia mesmo, que se tinha a
possibilidade, não que eu acho que seja assim seu setor, mas eu acho que pra capacidade
que você tem, assim, eu acredito que posso contar com você também. Eu queria tanto
que a justiça me desse uma oportunidade de até mesmo, já que eu estou desde 2009 no
sistema, eu tivesse a oportunidade de ser transferido pra minha localidade. Porque, se
uma unidade dessa aqui, pra mim tanto faz ter portões, grades e cadeados ou correntes.
Pra mim, tanto faz ter como não, o importante é ter um local só pra mim colocar meu
colchãozinho mesmo. Ter um local pra tomar meu banho, fazer minhas coisas,
necessidades. Mas, porque que digo isso? Porque no interior, o sistema lá, o presídio de
lá, aquela unidade, nunca tem a segurança que aqui tem. Mas pra quem quer fugir, não
importa o local, você vê que aqui já teve várias tentativas de fuga nessa unidade, no
Carrapicho já teve, na minha época. Eu, uma vez, dia de domingo lá, com a minha irmã
lá, conversando com a minha irmã e os meninos fugindo. Eu olhando pelos
cobogózinhos do quintal, das paredinhas, e os meninos: vamos Paracuru, vamos. E eu:
não, meu irmão, vá na fé, que Deus te abençoe. E muitos levando tiro, outros caindo da
laje, outros com perna quebrada, fratura expostas e eu não, só pedindo, conversando
com minha irmã e, meu Deus, Deus abençoe essas pessoas. Que Deus toque o coração
dessas pessoas, que nada de mal aconteça. É por isso que eu digo, eu não tenho planos
de fugir. Eu fui preso no Paracuru, porque minha residência é lá, minha família mora lá,
naquela localidade. A maioria da minha família, e tenho familiares em São Gonçalo,
mas só que como o caso foi na Taíba, pertence a São Gonçalo do Amarante. Em São
Gonçalo do Amarante os policiais que ficam lá, se eu fizer isso ele excede o policial lá.
Eu tirava era prosa com ele, ele falava assim: vamos pessoal, são 4 celas lá, só 4
celazinhas. Isso no São Gonçalo, no Paracuru são mais, são 6 celas, mais ou menos. O
presídio lá é maior, porque é no centro de Paracuru, é vizinho à Prefeitura, central
mesmo. Mas lá em São Gonçalo do Amarante, eu cansava de ter
Nome_de_agente_ocultado dizendo, bora pessoal, fechando, e eu chegava perto dele
197
assim, pegava ele aqui (pelo pescoço) e pegava no revólver dele e ele dizia:
Nome_próprio_ocultado, que é isso rapaz? Limpe a sua cela. Sr.
Nome_do_agente_ocultado, jamais faria nada. Antes de ir pro sistema eu ia todo
domingo no presídio em São Gonçalo do Amarante, levando cesta básica, cesta básica
que eu quero dizer, assim, um refrigerante, cigarro pros meninos, bolacha, um pacote de
leite, um doce, pasta, escova, um creme de axila, não levava pra todos, mas pra 3
amigos que tava lá naquela unidade. Eu ia com os ferros na perna, o fixador nas pernas.
No 2007, eu sofri um acidente de moto no trânsito, na carreata da prefeita lá de
Paracuru, e eu ia com fixador na perna, a minha perna não fazia isso aqui não, trincou o
fêmur, eu tinha fixador no fêmur e na canela fratura exposta. Eu ia com a perna desse
jeito assim, e com muleta e a minha irmã na garupa da moto aqui. A minha irmã com
uma sacola de coisas e chegava lá, com o objetivo de até com 300 reais. Eu ia levando
pra comprar artesanato dos meninos, pra ajudar os meninos, porta_jóia,
árvore_de_natal, muitas coisinhas que os meninos faziam. Eu levava, ainda coca-cola,
palito_de_picolé, cartolina, uma sacola deste tamanho de Totolec que não tinha mais
utilidade. Eu recolhia nos pontos comerciais, com os vendedores que vendiam Totolec.
E assim, antes de eu vir pro sistema eu só tentei ajudar as pessoas, sempre ajudei, seja
no sistema, seja pra pagar um papel_de_luz, um papel_de_energia, um gás, um
papel_de_luz, no caso. Um remédio pra uma criança, só tentei ajudar essas pessoas. Eu
não quero mais não essa vida pra mim, mais não. Quero mais não porque meu erro foi
me envolver com pessoas assim, me envolver, assim, andar e dar confiança pra pessoas
drogadas. Onde eu não estava drogado, eu nunca usei nada, nunca usei um cigarro,
nunca usei nada ilícito, uma bebida alcoólica, nunca usei esse tipo de coisa, eu peço
muito perdão a Deus todos os dias, muito perdão a Deus, porque eu tive muita
oportunidade de ser um evangélico, mas você tem que ver também, que eu acho que não
vai dizer que é mentira, com todo respeito. O evangélico, todos que eu conheço na
minha vida até hoje, tem um testemunho a contar. Sempre passou por uma provação,
por uma tempestade na vida, não importa, nem que ele tenha cometido uma
Maria_da_Penha no passado, mas ele cometeu um erro e ele tem um testemunho longo
a contar sobre como era no passado e como é no presente, porque no presente ele está
com uma bíblia, pregando a Palavra de Deus. Pra ele já é uma vitória, mais que uma
vitória. É o que eu pretendo também. Acho que não é tarde pra mim chegar lá, não.
Obrigado, eu agradeço muito por essa oportunidade. Pra falar a verdade, às vezes eu
conversando aqui com o os agentes_penitenciários, às vezes, quando eu chego pra
contar como tá meu comportamento ou agradecer até mesmo no dia_a_dia, por essa
oportunidade de trabalho, eu me emociono e pra mim eu já tenho uma vida normal.
Porque eu me sinto em uma angústia, porque eu me arrependo demais, demais. Antes de
vir pro trabalho, eu acordava às 4 e 15 da manhã. Eu chego aqui na unidade 6 horas da
manhã, porque os agentes já recolhem todos os trabalhadores 6 horas da manhã pra vir
pro trabalho. Mas 4 e 15 da manhã, muitas vezes eu já estou acordado até mais antes,
por quê? Porque eu vou fazer minha oração, de coração, é um tempo pouco mas pra
mim se torna muito, porque tudo que eu falo é somente a verdade, jamais eu vou usar o
nome de Deus, se eu não tenho Deus no meu coração. E eu acredito que a minha
família, apesar de eu estar no sistema, por esse tempo todo, e por muitas vezes eu ter
decepcionado a minha família dessa forma que eu decepcionei, mas eu acredito que
Deus, que a minha família tem orgulho de mim, que eu nunca dei trabalho a minha
família por nada. Inclusive, eu estou por esse tempo todo no sistema, a minha família
nunca veio deixar nada pra mim, um sabonete pra mim, porque eu falo pra minha
família mesmo, quando vem a minha irmã, as vezes vem as duas, eu digo: olhe, eu vou
O QUE É UMA PRISÃO? Percepções Ambientais em uma Penitenciária
lutar, como sempre lutei, pra mim ter sempre minhas coisas de higiene do dia_a_dia e
tudo o que vocês fariam por mim, que vocês invistam em vocês mesmo. Porque sei que
a situação aí fora está mais difícil do que pra mim aqui dentro, porque aqui dentro eu
tenho o meu café, eu não gosto de café, mas eu tomo, eu tenho meus 2 pãezinhos. Antes
de vir pro trabalho, eu sempre tive o meu benefício de 2 pães, café, tenho almoço, é
simples mas é de coração que a gente recebe. Eu nunca reclamei, eu nunca falei nada,
eu nunca reclamei de nada, tenho meu café uma hora da tarde, no caso é 3 horas da
tarde, tenho minha janta, e tenho meu espaço pra mim dormir e refletir, pra valorizar
aquele pequeno espaço, porque vamos supor que seja 1 metro e meio por 2 metros. Eu
tenho que valorizar como se fosse uns 6 metros quadrados. Eu me sinto feliz ali de
qualquer forma, é melhor do que eu me envolver em coisas ilícitas e me envolver em
certas amizades dentro do sistema e me prejudicar mais ainda. Como eu tava falando
pra você, vamos fazer uma comparação de 2 metros por 3 metros. Eu acho que é melhor
eu valorizar esse espaço do que entrar num buraco_em_saída. Do que 7 palmos de terra
em cima do meu corpo e preso pro resto da vida. Porque eu não me sinto preso, preso eu
acho que é aquele que, infelizmente, alguém vai e tira a vida daquela pessoa, que ali,
querendo ou não ele está preso. Eu, não, eu estou aqui. É um tempo que eu estou aqui
dentro pra refletir que o crime não compensa, eu penso dessa forma, eu acredito que se
todos pensassem da forma que eu penso, e lutassem por seus objetivos, venceriam todos
iguais. Principalmente, porque no sistema você vê como é que está, a gente vê nas
televisões. Às vezes você abre como está Itaitinga 1 e a 2. É fuga, é morte, é um detento
decepando sua face, é braço pra um lado, é só o carvão daquele corpo, daquele ser
humano. Portanto, quem quer passar pelo que certas pessoas passaram, a gente ver as
pessoas passando, alguém tirando a vida daquela pessoa que não se envolve,
principalmente, com essas facções que, hoje em dia, estão vivendo. Eu não me envolvo,
não. Respeito a todos, graças a Deus, todos me respeitam, ninguém é obrigado, se a
pessoa me chamar pra fazer isso, não sou obrigado, ele não vai me obrigar. Quem fala
isso, eu acredito que seja mentira. No sistema, todos nós temos um respeito ao outro,
independentemente, se eu não der algum motivo pra aquela pessoa tirar minha vida, ou
eu tirar a vida dele, jamais. Ninguém é obrigado, ninguém, jamais. Assim, o que eu
queria falar pra você que se, somente se Deus e a justiça, como eu acabei de falar pra
você, me desse a oportunidade de eu ser transferido pra uma localidade, seria
maravilhoso pra mim. Eu só tinha muito que agradecer, inclusive, tem um advogado
que tava ocupado do meu caso, mas ele não é advogado mais, ele é promotor agora. Ele
não pode mais assumir. Ele não pode ser promotor e advogado ao mesmo tempo. Não
pode assumir as duas funções, ou um ou outro. Igualmente, no caso, o delegado pra
passar a ter uma função de advogado ele tem que ser delegado primeiro. Porque meu
advogado ele foi delegado por 30 anos e hoje é advogado. Não é necessário, né? Ele me
explicou assim, levei como se fosse verdade. Porque meu irmão era advogado, ele tinha
34 anos na época, ele foi e falou: Nome_próprio_ocultado, infelizmente, meu irmão, eu
gosto muito de você, nós somos mais do que irmãos, mas eu como advogado da área
criminalista, eu não posso defender a sua pessoa, porque eu sou seu irmão. Mas eu
posso indicar outro advogado, no caso, era o Nome_do_advogado_ocultado. Mas eu
também tive sorte, sorte por um lado, ele também fez muitas coisas a meu respeito, me
beneficiou bem, lutou muito por mim. Mas ele também é advogado e passou a ser
promotor também. No caso, eu estou sem advogado no momento. Eu estou sem
advogado porque, inclusive, hoje o advogado da unidade me procurou. Hoje por volta
de umas 9 horas da manhã, mais ou menos. Me contou como era que estava a situação
do meu processo, eu até falei pra ele. Perguntei pra ele se tinha possibilidade dele fazer
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um pedido de, já que eu estou com esse tempo todo, se tinha possibilidade de eu ser
transferido pra minha região. Ele falou que quando a minha família viesse pra essa
unidade, trouxesse o comprovante de residência e dois registros dos filhos que eu tenho.
Eu estou contando com essa oportunidade, que dê tudo certo. Mas sobre o trabalho,
sobre o atendimento, a presença dos professores da unidade, eu estou sendo bem
acompanhado, graças a Deus.