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THE HANGTOWN HARLOTS

O mal está solto, ceifando


impiedosamente vidas
nem tão inocentes, ou tão
merecedoras...

© 1983 BY CODY MARTIN


THE HANGTOWN HARLOTS
(as meretrizes de cidade Estrondo)
Tradução: Rui Boal
Editora Globo (Editora Rio Gráfica Ltda.)
150502
CAPITULO 1

A velha diligência chegou ao topo da colina aos arrancos


e começou a descida, os quatro cavalos dando tudo de si; a
sua aproximação, os dois cavaleiros que seguiam à frente
apressaram-se em lhe dar passagem na estrada. O cocheiro
fez estalar o chicote com mais força e o veículo desceu a
ladeira entre um ruído confuso de cascos, o relinchar de
animais e os rangidos das molas enferrujadas.
— Ora, mas que diabo é isso? — vociferou Tom Penrod,
quando uma nuvem de poeira o envolveu, cegando-lhe os
olhos e fazendo seu cavalo refugar, inquieto.
Jared Bolt, o outro cavaleiro, cerrou os olhos
rapidamente e ergueu seu lenço de pescoço, cobrindo o
nariz e a boca; a poeira levantada pela diligência também
recobriu a ele e a seu cavalo, Nick, com uma fina camada
de terra vermelha.
— Droga — disse ele, a voz abafada pelo lenço.
Penrod fustigou o cavalo, aproximando-se com a mão
pousada sobre o coldre; seu rosto estava coberto de poeira.
— Acho que vou derrubar aquele bastardo — disse ele.
— Calma, Tom. Não se pode matar um cara só porque
está com pressa.
— Quase nos atropela.
— Pois é.
Ficaram olhando a diligência que começava escalar uma
nova elevação do terreno, enquanto o cocheiro mais uma
vez desferia chicotadas em diagonal sobre as parelhas. Bolt
abaixou o lenço do rosto e respirou fundo, enquanto franzia
a testa.
— Não é assim que se trabalha com cavalos — foi tudo
o que disse.
Tom largou a coronha do revólver e murmurou:
— Eu não queria nada demais. Apenas acertar-lhe um
tiro no tornozelo, algo assim.
O rosto de Bolt mudou de expressão.
— Veja, está parando.
O cocheiro tinha acabado de puxar as rédeas, chegando
ao alto da colina. Uma nuvem de poeira subiu em redor do
veículo quando ele parou, sacolejando para os lados; o
homem puxou os freios e saltou para o chão, abrindo a porta
num movimento rápido. Bolt percebeu que duas pessoas
desciam, embora a diligência e a poeira lhe atrapalhassem a
visão.
— Não acredito que vá descer ninguém ali — disse
Penrod.
— Espero que tenham parado pra descansar.
O cocheiro foi até a traseira do veículo e desamarrou
duas valises, jogando-as no chão sem maiores cuidados;
subiu novamente para a boléia e sacudiu as rédeas, fazendo
o veículo descrever um semicírculo e retornar na direção de
onde viera.
— Lá vem ele de novo! — exclamou Tom. — Desta vez
não escapa.
Os passageiros que haviam descido continuaram ocultos
pela poeira, à medida que a diligência se aproximava. Bolt
tornou a erguer o lenço sobre o rosto e conduziu Nick para
fora do caminho, advertindo:
— É melhor sair da frente, Tom.
O outro pareceu não ouvir e arrancou o chapéu da
cabeça, fazendo sinais enérgicos para a diligência que se
aproximava.
— Pare! Pare aí, seu maldito filho da puta!
Ouviram-se sucessivos estalos do chicote, e o veículo
passou estrugindo entre os dois cavaleiros, que só puderam
divisar um vulto confuso no meio da poeira, as narinas
dilatada dos animais, os dentes amarelados mordendo os
freios cobertos de espuma.
A poeira foi assentando aos poucos e o silêncio voltou,
enquanto a diligência sumia do outro lado da colina,
pegando a trilha que levava à vizinha cidade de Jackson.
— É, não deu — comentou Tom, recolocando o chapéu
e cuspindo de lado.
— Parece muito apressado — disse Bolt. — E deixou
dois passageiros aqui, no meio da estrada, a quilômetros de
distância da cidade mais próxima. Por quê?
Os dois homens trotaram para adiante, na direção da
colina onde estavam os viajantes. Bolt os avistou primeiro e
segurou as rédeas. Não estava acreditando no que seus
olhos viam, eram duas mulheres...
O sol havia amolecido sua maquilagem, dando um ar
fatigado aos rostos jovens e atraentes. Seus vestidos
estavam cobertos de terra desde os decotes até a barra das
saias; e a poeira vermelha da estrada tinha grudado naqueles
cabelos loiros. Carregando aos tropeções suas valises sujas
e pesadas, pareciam duas pessoas que tivessem acabado de
fazer a pé a travessia de um deserto.
— Posso ajudar em alguma coisa? — perguntou Bolt,
examinando-as com curiosidade. Penrod juntou-se a ele um
instante depois, e murmurou:
— Que o diabo me leve. Um par de moças! Jared, eu lhe
disse que devíamos ter derrubado aquele cara.
O olhar das duas lembrava o de crianças largadas numa
cidade estranha; uma delas começou a chorar, e as lágrimas
traçaram riscos em seu rosto empoeirado.
— Calma, moças — disse Bolt. — Não vai lhes
acontecer nada.
— N-não posso evitar — soluçou ela, tentando limpar o
rosto com o lenço, conseguindo apenas piorar as coisas. —
Eles nos humilham, nos insultam e depois nos largam aqui,
neste fim de mundo...
— Meu nome é Jared Bolt, e este é meu amigo Tom
Penrod. Se nos disserem o que aconteceu, talvez a gente
possa ajudá-las.
— Sou Lyda Sims — disse a moça, fungando. — Esta é
Nellie Ruggles. Nós estamos vindo de Sacramento, e nunca
pensei que iríamos ter uma viagem tão desagradável e as
pessoas fossem tão grosseiras.
— Tiraram-nos da diligência em Jackson — completou
Nellie, a mais alta das duas, e que apesar de visivelmente
irritada mantinha-se calma. — Estávamos nos comportando
bem, nem sequer tiramos nossos chapéus, mas uma madame
sentiu-se ofendida com nossa presença, e em Jackson
tivemos que descer. Não quiseram nos admitir no hotel. Os
homens de lá ficam de braços dados com as esposas,
insultando-nos com a boca e devorando-nos com os olhos.
— Aí um cocheiro ofereceu-se para trazer vocês — disse
Bolt. Nellie fez uma careta de desprezo.
— Disse que queria nos ajudar. Cobrou vinte dólares de
cada uma de nós, e nos largou aqui, depois de roubar o
restante de nosso dinheiro.
Lyda protegeu os olhos com a mão e varreu o horizonte
com o olhar, procurando inutilmente algum sinal de vida.
— A cidade mais próxima, Quartzburg, fica a dezesseis
quilômetros — advertiu Bolt. — Mais ou menos a mesma
distância até Jackson. Se nos disserem para onde estão indo,
talvez possamos ajudá-las.
— Não temos dinheiro — queixou-se Lyda.
— Não queremos dinheiro.
Nellie ergueu os olhos e encarou Bolt com desconfiança.
Apanhou a valise que tinha pousado no chão e anunciou:
— Agradeço a oferta, mas acho que podemos caminhar.
Vamos, Lyda, estamos nos atrasando.
— Como quiserem. — Bolt encolheu os ombros,
trocando um olhar com Tom. — Mas jamais chegarão a
Quartzburg antes de amanhã. De qualquer modo, nós
também estamos atrasados.
Bolt fustigou o cavalo com o joelho, e este começou a
marchar ladeira abaixo. Tom também fez seu cavalo andar,
rodeou as moças e foi atrás do amigo; a meio caminho
virou- se e advertiu:
— Procurem um lugar abrigado quando forem parar para
dormir, aqui venta muito durante a noite.
— Espero que tenham lençóis — comentou Bolt quando
Tom o alcançou. — Afinal, estão pensando o quê? Que
vamos pegá-las à força ou exigir alguma coisa só porque
demos uma carona?
— Seria muito arriscado deixá-las aqui. Não vamos
deixá-las.
Cavalgaram em silêncio, sem olhar para trás; minutos
depois os cavalos começavam a enterrar os pés na areia
solta no sopé da encosta seguinte. Eles já estavam quase no
alto da elevação quando escutaram um grito aterrorizado, de
gelar o sangue nas veias. Um instante depois ouviram a voz
de Nellie Ruggles:
— Sr. Bolt! Sr. Bolt! Espere!
Ele segurou as rédeas e fez Nick virar-se lentamente.
Seus olhos avaliaram a corrida desajeitada das duas moças
ladeira abaixo, equilibrando-se em suas botas de salto alto e
tentando dominar o peso das valises. Lyda, que vinha mais
à frente, acabou tropeçando e rolando pelo chão, enquanto
sua valise descia repicando até o pé da ladeira, e a caixa de
chapéus descrevia uma trajetória complicada até prender- se
a uma moita de espinhos.
Bolt e Tom aproximaram-se devagar.
— Machucou-se, madame? — A voz de Bolt era de
genuína preocupação, mas seus olhos pareciam prestes a
gargalhar. Tom olhou para os lados, disfarçando.
— Não se preocupe com isso — rebateu Lyda,
erguendo-se e limpando o pó do vestido.
— E, antes, o que foi que aconteceu? — perguntou Tom.
— Um lagarto passou correndo a nossa frente. — Foi
Nellie quem se adiantou e respondeu. Olhou para a amiga e
sua boca se contraiu num meio sorriso. — Lyda deve ter
pensado que era uma cobra. — Virou-se para Bolt e
informou: — Resolvemos aceitar sua oferta de ajuda, sr.
Bolt. Não sei para onde estão indo, mas nós precisamos
chegar o quanto antes em Placerville, estamos atrasadas.
— Nós estamos indo para Placerville, mas a verdade é
que não estamos nem um pouco atrasados. — Bolt disse
isso enquanto descia do cavalo, tomava a valise das mãos de
Nellie e principiava a prendê-la atrás da sela, usando
algumas tiras de couro.
— Que ótima coincidência. — Nellie sorriu. — Talvez
possa nos fazer companhia, então.
— Gostaria que chegassem lá sem problemas —
assegurou Bolt. — Vão trabalhar em quê, por lá?
— Quem disse que estamos indo trabalhar? —
perguntou Lyda, em guarda, enquanto Nellie dizia:
— Não sei por que precisamos dizer-lhe.
— Não precisam — retrucou Tom. — Já sei. Só não sei
ainda para que bordel estão indo.
Saltou do cavalo, apanhou a caixa de chapéus de Lyda e
a trouxe até seu próprio cavalo.
— Oh, muito gentil de sua parte — disse Nellie. —
Estou vendo que ambos são cavalheiros finíssimos.
— Não entre nessa, Nellie — advertiu Bolt. — Não
temos nada contra bordéis, e achamos uma prostituta algo
tão normal quanto um vaqueiro. Para falar a verdade, eu
próprio sou dono de duas dessas casas, e garanto que são
lugares dos mais agradáveis.
— Verdade? — Nellie abriu os olhos verdes,
surpreendida, e sua expressão passou da agressividade ao
interesse. — Onde ficam? Em Placerville?
— Não, mas estamos indo visitar um que fica lá e que
pertence a uma amiga nossa. Só por isso perguntei sobre o
trabalho de vocês. Se fossem duas professoras, não era da
minha conta.
Nellie aceitou a explicação e, endireitando os ombros,
disse:
— Estamos indo trabalhar para Jenny Mason, no
American Dance Hall.
Bolt olhou para Tom, que se voltou para Lyda e disse:
— Que mundo pequeno, hein, garota?
— Jenny é uma velha amiga nossa — disse Bolt,
subindo para a sela e olhando para Nellie. — Estamos indo
para Placerville a convite dela, mas já começo a pensar que
vocês duas devem mudar de idéia e seguir direto até
Sacramento.
— Por quê? — indagou Lyda, ajudando Tom a prender a
valise à sela. — A srta. Mason nos fez uma boa oferta.
— Talvez nós não estejamos à altura do padrão
requisitado pela amiga dele, Lyda — sugeriu Nellie, e seus
olhos fixaram-se em Bolt como se fossem perfurá-lo.
Bolt a encarou enquanto mudava de posição na sela,
apoiando-se mais sobre a perna esquerda. Perguntou:
— Ouviram falar nas duas mortes que houve na casa de
Jenny?
— Não.
— Uma mulher que trabalhava no American Dance Hall
foi assassinada há dois meses, e uma outra no mês passado.
Ambas eram dançarinas e prostitutas.
— Não sabemos de nada disso — disse Nellie. — E
estamos indo trabalhar, não a um passeio de férias. Se não
quiser correr algum risco por estar em nossa companhia,
podemos alugar um transporte em Quartzburg e a srta.
Mason nos pagará, quando chegarmos.
Bolt mudou de posição mais uma vez.
— Não está com medo?
— Não — disse ela.
— Duas mulheres desarmadas?
— Sr. Bolt, tenho 25 anos e a maioria das mortes que vi
foi de homens armados.
Ele ficou avaliando-a em silêncio; depois disse apenas:
— Está bem, vamos levar vocês até lá.
— Agradeço muito — disse Nellie. — Poupa-nos o
trabalho de ir a pé.
— Podemos passar a noite em Quartzburg, se nos
apressarmos — disse Bolt. — Descansaremos esta noite.
Amanhã alugamos uma carroça ou um par de cavalos, e
antes do amanhecer estaremos em Placerville. Espero que se
dêem bem por lá.
— Trabalhar numa cidade pequena, cheia de mineiros,
deve ser melhor do que trabalhar em Sacramento — disse
Nellie.
Lyda, ainda hesitante, perguntou:
— Mas, e essas garotas?.
Nellie falou num tom quase maternal:
— Lyda, prefiro decidir sobre isso lá mesmo, e não aqui
no meio das cobras e dos lagartos.
— E dos ursos — completou Bolt, sorrindo ao ver a
expressão de susto com que Lyda olhou em redor.
Estendendo o braço, ele puxou Nellie para cima, apertando-
se na sela para dar-lhe espaço atrás de si. Nellie alojou-se
ali com alguma dificuldade, acomodando as longas saias.
Bolt agitou as rédeas, pondo Nick em movimento, e sentiu
os seios firmes de Nellie pressionando suas costas. Ajeitou-
se mais uma vez na sela, com um movimento dos quadris.
Com o peso adicional que carregava, o cavalo começou
num passo lento, ainda pisando a areia fofa da subida; mas
do lado oposto a estrada prosseguia em solo duro, onde as
patas de Nick levantavam uma fina e constante nuvem de
pó, fazendo com que Tom e Lyda se mantivessem vários
metros atrás.
O sol do meio da tarde, forte e num céu sem nuvens,
castigava seus rostos, tornando a viagem ainda mais lenta.
Com o passar das horas suas sombras foram se alongando, e
as montanhas a oeste se tornavam mais escuras e mais
recortadas com o declínio do sol. Pararam algumas vezes
para não exigir muito dos cavalos. Bolt percebeu que as
duas moças não estavam acostumadas a longas cavalgadas
nessas condições e retardou o trajeto que tivera em mente,
fazendo várias paradas curtas que atrasariam sua chegada
em apenas uma ou duas horas.
Começava a escurecer quando chegaram a Quartzburg:
três ruas, alguns currais, alojamentos de mineiros. No
começo da primeira rua ficava o estábulo, onde apearam.
Bolt ajudou Nellie a descer e segurou a rédea do cavalo de
Tom enquanto este ajudava Lyda. Entraram. O estábulo era
úmido, abafado, e desprendia um cheiro forte.
— Boa noite — disse Bolt a um velho que removia um
monte de palha misturada com esterco. — Gostaríamos de
deixar nossos cavalos por esta noite.
O homem largou a pá e examinou Bolt através de um par
de óculos miúdos e redondos. Depois dirigiu o olhar para
Tom e, em seguida, examinou as duas moças; finalmente
olhou para o lado de fora.
— São dois?
— Sim, e estão muito cansados. Precisam comer, beber
e passar a noite.
— Um dia quente para viajar assim — disse o velho,
passando por Bolt e indo buscar os cavalos. Bolt o
acompanhou.
— Tem razão. Precisamos de mais dois cavalos para
prosseguir viagem.
— Tenho dois que devem servir, embora sejam de
carroça. Vinte e cinco dólares cada. São vagarosos, mas são
mansos e levam você a qualquer lugar. Selas?
— Sim.
— Dez cada — disse o velho, apontando para um monte
de selas usadas e sujas, amontoadas ao longo de uma
prateleira.
— Escolha as melhores para nós, então. Poderia ter tudo
pronto logo de manhã? Está muito quente e quero sair o
mais cedo possível.
— Quando o sol sair estará tudo pronto. Desculpem a
pergunta, mas costumo fazê-la a todos. Para onde vão?
— Placerville. Trinta e dois quilômetros, não é isso?
— É, é quase isso. — O velho voltou a olhar para Nellie
e Lyda, que se mantinham a um canto, e disse: — Não estou
tão velho que não saiba somar dois mais dois. As senhoritas
estão indo a Placerville, certamente, para substituir duas
moças que foram assassinadas.
Bolt e Nellie trocaram um olhar rápido, enquanto Lyda
empalidecia e Tom voltava os olhos para o monte de palha
mais próximo. Foi Bolt quem respondeu:
— Estas moças estão indo assumir um emprego. Quanto
aos dois crimes que houve lá, já sabemos a respeito.
— Claro que sabem, o que não sabem é que sábado
passado foi morta uma terceira, do mesmo jeito que as
outras. Não me meto na vida de meus fregueses, mas vocês
me parecem gente tranqüila, que gosta de ficar longe de
problemas. Placerville é problema.
— Também gostamos de resolver problemas — disse
Bolt levando a mão ao bolso. — Mas obrigado pelo aviso.
Quanto lhe devemos?
— Bem, deixe ver, são cinqüenta, sessenta, setenta,
setenta e cinco ao todo.
Bolt pagou e encaminhou-se para a porta, mas foi
interrompido pelo homem:
— Mais uma vez não quero ser intrometido, mas garanto
que não conseguirão lugar no hotel.
— Está lotado?
— Não, mas não receberão essas duas moças, pelos
motivos de sempre.
Bolt olhou para o velho e fez a pergunta inevitável:
— Qual a outra opção?
— Minha irmã Bessie tem uma casa de quartos no fim
dessa rua. Hospeda viajantes sem perguntar o que fazem,
contanto que não lhe dêem trabalho. Tem um bom banheiro
também.
A última frase foi dita com os olhos postos nas moças,
examinando-as em detalhe.
Bolt pegou Nellie pelo braço, agradeceu e saíram.
Quando alcançaram a rua, ele percebeu que Nellie tinha o
queixo contraído e respirava forte.
— O que aconteceu?
— Idiota — disse ela, soltando a respiração, com raiva.
— Todos os homens, todos os mesmos idiotas.
— Pois é, está falando com dois deles.
— Você e Tom são diferentes, e estou muito agradecida
a ambos.
Bolt parou, sem soltar-lhe o braço; sorriu.
— Somos diferentes, é? Obrigado. E qual de nós dois é
mais diferente?
Os olhos verdes de Nellie dançaram dentro dos dele;
depois voltaram a se recolher, readquirindo a expressão
zombeteira e desafiadora de sempre; mas ela disse:
— Você. Você é uma coisa muito diferente.
Bolt balançou a cabeça, sorrindo.
— E vamos à casa de Bessie, não é mesmo?
— Boa sugestão, jamais teria me ocorrido.
— Eu preciso é de um bom banho quente.
— Eu também.
Bolt passou os braços sobre os ombros de Nellie e
saíram caminhando. Pela rua passavam homens a cavalo,
mineiros bêbados, crianças brincando de tiroteio, carroças,
mulheres conduzindo cestas. A lua já estava brilhando
montanha acima, uma lua imensa.

CAPÍTULO 2

Um terceiro crime? A notícia não podia ser pior. Ao ler


a carta de Jenny Mason, dias atrás, ele se permitira a
esperança de que não passasse de coincidência, mas o n.° 3
marcava uma certeza. Um maluco estava à solta em
Placerville. Ou haveria outra razão por trás dessa matança?
Jenny não relatara as circunstâncias das mortes, nem se
já havia algum suspeito. Falara apenas de seu medo e do de
todas as garotas; na verdade, já não precisava de apenas
duas substitutas, pois nessa altura várias das moças deviam
ter arrumado suas coisas e saído da cidade.
Bolt ia a Placerville contando com a boa recompensa
que Jenny estava oferecendo a quem pegasse o criminoso;
mas também esperava ajudar Jenny e a si mesmo. Sabia
muito bem que prostitutas são um alvo fácil para um
criminoso, porque ninguém se sente ameaçado por algo que
as ameace. Nellie e Lyda Sims já tinham experimentado,
naquela viagem, um pouco do tratamento que os homens
daquela região dispensavam às “profissionais”. Talvez, em
algum daqueles tipos rudes e violentos, houvesse
ressentimento ou hostilidade sexual contra elas; talvez tudo
fosse obra de algum psicopata moralista, com a idéia fixa de
acabar com a prostituição exterminando todas as prostitutas
do mundo. Bolt conhecia bem tanto os homens quanto as
mulheres e sabia do que são capazes.
— Espero que haja mesmo lugar — disse Nellie quando
subiram os degraus de madeira da casa de Bessie.
— Se não houver, pagaremos por um banho e
dormiremos ao ar livre — retrucou Bolt. — Vai fazer uma
bela noite.
Ele e Tom tinham deixado sua bagagem no estábulo,
trazendo apenas uma muda de roupa. Com a valise de Nellie
na mão, Bolt cruzou a porta da casa e logo os quatro foram
envolvidos pelo cheiro de carne cozida, de café forte, de
bolo recém-saído do forno; o estômago de Bolt fez um
ruído, e ele se deu conta de que estava faminto.
A sala onde entraram tinha pinturas na parede, um porta-
chapéus perto da entrada, um banco comprido com
almofadas coloridas; uma mesinha com um vaso de flores
ficava próxima à outra porta, que dava para a parte interna
da casa.
— Boa noite — Bolt falou alto, junto à porta. — Sra.
Bessie?
Instantes depois surgiu uma mulher baixinha, gorducha,
com cabelos grisalhos, limpando as mãos no avental que
cobria seu longo vestido.
— Boa noite — disse ela. — Desculpem, estou na
cozinha e me esqueci da porta. Vão jantar ou querem
quartos?
— Dois quartos — disse Bolt. — Seu irmão...
— Oh, sim, já sei que foi ele que os mandou. Gus pensa
que não posso sobreviver sem a ajuda dele. Bem, tenho dois
bons quartos lá em cima, um deles tem uma cama espaçosa
e pode servir para as moças. Você e seu amigo podem ficar
no quarto menor, que tem duas camas.
— Também queremos um banho.
— Claro. Vocês parecem ter acabado de matar um urso.
São 25 centavos a mais por cada banho. O banheiro fica
aqui embaixo, na parte de trás, e só há uma banheira, de
modo que terão que se revezar. Há um fogão de lenha com
bastante água quente.
— Podemos jantar, ou chegamos muito em cima da
hora?
— Não. Primeiro vou servir meus hóspedes permanentes
e depois sirvo quem for chegando. Também há bolo e
alguns biscoitos para vocês.
— Obrigado.
— Seus quartos são o de n.° 6 e o de n.° 9. Meu Deus, os
biscoitos!
Correu para dentro, enquanto eles iam para a escada que
levava ao andar de cima. Caminhando ao longo do corredor,
Bolt abriu a porta do quarto n.° 6; tinha duas camas
estreitas, e ele jogou sobre uma delas as roupas que
trouxera. Saiu novamente e levou a valise de Nellie até o
outro quarto. Ao entrar, acendeu a lanterna a carvão.
— Boa pessoa, a Bessie — comentou ele.
— Gostaria que houvesse mais gente como ela — disse
Nellie.
O quarto era limpo e as janelas tinham cortinas
amarelas, estampadas, iguais à colcha que cobria a vasta
cama de casal.
— Vocês estão instaladas confortavelmente — observou
Bolt. — Quem vai primeiro ao banho?
— Vocês — disse Nellie, no instante em que Tom e
Lyda entravam no quarto. — Primeiro vamos ter de limpar
nossas valises e escolher umas roupas. Vão vocês dois
primeiro.
— Eu não vou tomar banho com Bolt — disse Tom,
fazendo uma careta de desagrado.
— Bem, alguém devia ir — disse Nellie, debruçada
sobre a valise, sem encará-los. — O sr. Bolt é muito seguro
de si, mas tem cara de quem não sabe esfregar as próprias
Costas.
Tom olhou para Bolt, mas no mesmo instante Lyda
queixou-se:
— Não consigo abrir esta coisa, parece que o fecho
quebrou. — Ela olhava a valise com um cansaço resignado.
— Deixe que eu a ajude — disse Tom, abaixando-se e
começando a trabalhar no fecho.
— Bem — disse Bolt —, já que estão todos ocupados,
vou eu primeiro.
Nellie não lhe deu ouvidos; estava retirando da valise
um longo robe azul-claro, que estendeu sobre a cama. Só
então voltou a encarar Bolt. Seus olhos verdes brilhavam.
— Vá — disse ela. — Nós aqui tiraremos a sorte para
ver quem vai depois.
Bolt passou pelo quarto, apanhou as roupas e desceu. Ao
empurrar a porta do banheiro, foi envolvido pelo cheiro
agradável do espesso vapor que subia de dois grandes
caldeirões sobre o fogão de lenha no centro do aposento.
Uma larga tina de madeira estava vazia, a pequena
distância. Bolt despiu-se, pendurou suas roupas
empoeiradas num gancho da parede. Derramou na banheira
alguns baldes de água fria, de um tonel que havia no centro,
depois esvaziou dentro dela um dos caldeirões cuja água já
fervia. Depois de voltar a enchê-lo e colocá-lo no fogo, ele
experimentou a temperatura da água. Olhou ao redor.
Algumas prateleiras de tábua ao longo da parede tinham,
toalhas limpas, sabonetes, linimentos e óleo. Ele apanhou
uma toalha e a colocou sobre suas roupas limpas, em cima
de uma cadeira; apanhou um sabonete com cheiro de
lavanda e entrou na banheira.
Mergulhou o corpo na água quente, lavou o rosto e usou
um jarro de latão para derramar água sobre os cabelos.
Começou a ensaboar-se, os ombros, o peito, o pescoço, o
corpo todo, sem pressa. Depois se recostou, relaxando aos
poucos.
Ouviu o leve ruído que a porta fez ao se abrir, mas não
se voltou. A porta fechou-se novamente, a pequena tranca
de madeira foi colocada, e ele escutou os passos leves e
descalços que se aproximavam.
— Parece que cheguei a tempo de esfregar suas costas.
A voz de Nellie estava levemente rouca. Ela rodeou a
banheira e parou na frente de Bolt, sorrindo. Estava usando
o robe azul; seu cabelo loiro, antes amarrado num coque,
agora caía solto sobre os ombros. Ela lançou um olhar de
avaliação pelo banheiro, enquanto se despia. Bolt ficou
observando o robe deslizar para baixo, mostrando os
ombros alvos, os bicos dos selos rosados. Ela pendurou o
robe na parede e virou-se para Bolt, completamente nua;
seu corpo era delgado, de curvas suaves, quadris fortes e o
pequeno tufo de pêlos entre suas pernas era quase loiro.
Bolt sentiu que seu membro endurecia dentro d’água.
— A sorte caiu para você, então — disse ele.
— Acertou.
Ela agachou-se do lado de fora da banheira, tomou o
sabonete de suas mãos e começou a esfregar-lhe os ombros
e o peito, cobrindo-o de espuma, massageando-o com mãos
experientes. Bolt fechou os olhos e relaxou o corpo,
deixando que os dedos dela aliviassem pouco a pouco o
cansaço de seus músculos. Abaixou a cabeça, de modo que
seu queixo tocasse o tórax, e Nellie correu os polegares ao
longo de sua nuca, em movimentos rítmicos e precisos.
Algum tempo depois, ela afastou as mãos, pôs-se de pé e
rodeou a banheira; de frente para Bolt ela mergulhou uma
perna na água, depois a outra, e ficou alguns instantes de pé
diante dele, com o monte de pêlos dourados a poucos
centímetros de seu rosto. Bolt ergueu a mão de dentro da
água e tocou-lhe a coxa, subindo ao longo dela numa carícia
que terminou em seu monte-de-vênus; ela suspirou quando
os dedos de Bolt abriram caminho entre seus pêlos e afastou
um pouco as pernas, para que ele a tocasse mais fundo.
Nellie abaixou-se e sentou-se na banheira, de frente para
Bolt, fazendo derramar um pouco d’água. Usou o jarro para
molhar os cabelos, que depois ensaboou com cuidado.
Quando ela terminou de lavar o rosto, Bolt ficou
surpreendido ao ver que suas feições eram mais jovens e
delicadas do que ele pudera supor sob a maquilagem e a
poeira. Os cabelos loiros, molhados, caindo sobre os
ombros, também a faziam parecer uma menina. Ela
terminou de enxaguá-los, apanhou o sabonete e começou a
ensaboar o pescoço e os seios.
— Deixe que eu faça isso — disse Bolt.
Inclinando-se para frente, ele a acariciou com
delicadeza, massageando-lhe os seios duros e redondos,
com movimentos circulares. Ela fechou os olhos e entregou-
se às mãos de Bolt, respirando fundo. Ele trouxe-lhe a
cabeça para perto e a beijou, cobrindo-lhe a boca com a sua,
percorrendo sua face, seu queixo gotejante, voltando a
tocar-lhe os lábios, introduzindo a língua em sua boca.
Nellie passou os braços pelo pescoço dele e beijou-lhe a
língua, envolvendo-a com os lábios e fazendo pequenos
movimentos para frente e para trás; isso deixou Bolt ainda
mais excitado, como se fosse o seu próprio membro, ereto
dentro da água quente, que estivesse rodeado pelos lábios
dela. Ele afastou o rosto e a fitou.
— Vamos subir.
— Por quê? — perguntou Nellie. Os olhos verdes
estavam trêmulos de desejo.
— Daqui a pouco Lyda e Tom vão descer e começar a
bater na porta.
— Não se preocupe. Tom é desses rapazes impacientes;
quanto a Lyda eu já a conheço bem. Deixei-os no quarto
tirando a roupa um do outro. Não vão aparecer por aqui tão
cedo.
— Então, melhor.
Bolt sorriu, atraindo-a outra vez para si. Voltou a beijá-
la enquanto a mão dela mergulhava na água e segurava seu
membro, acariciando-o, correndo as unhas de leve ao longo
das veias. Bolt apoiou-se nas bordas da banheira e moveu os
quadris para cima, ritmicamente, enquanto ela apertava e
relaxava os dedos que o envolviam. A mão de Bolt tateou
por sob a água e tocou as coxas dela, acariciando-as,
fazendo com que se abrissem suavemente. Bolt cerrou as
mãos sobre seus pêlos, brincando com eles, retorcendo-os
de leve, descendo até a abertura onde os dedos encontraram
o pequeno botão túrgido e o desembainharam da pele,
acariciando-o, pressionando-o. Nellie inclinou-se para
frente, afundou o rosto no pescoço de Bolt, com os lábios e
a língua colados a ele. Seu corpo se enrijeceu, movendo-se
de encontro à mão de Bolt. Daí a pouco ela arquejou e
deixou escapar a respiração num lento gemido.
— Pare — disse ela. Depois de alguns instantes, ergueu
o rosto para Bolt e pediu: — Fique de pé.
Ele pôs-se de pé, gotejante. Seu membro apontava direto
para o rosto dela. Nellie encheu as mãos em concha e
derramou água sobre ele, retirando a espuma, acariciando-o
com as pontas dos dedos, fazendo-o latejar. Envolveu-o
com a boca, e depois o percorreu lentamente com os lábios,
várias vezes. Daí a pouco Bolt voltou a sentar-se na
banheira.
— Venha aqui .— disse ele.
Com alguma dificuldade, e voltando a derramar água,
ela agachou-se no colo dele e passou os braços ao redor de
seu pescoço. Bolt a segurou pelos quadris, abaixando-a
devagar, movendo-a até que seus corpos se encaixassem e
ele a penetrasse um pouco. Aí foi a vez de Nellie mover-se,
os músculos da perna contraindo-se de encontro aos braços
dele. Ela fez movimentos circulares e vagarosos, cada um
deles terminando com um pequeno impulso das ancas, que a
fazia enterrar-se um pouco mais, até que ela se viu
totalmente penetrada, e iniciou uma série de golpes bruscos
para a frente, enquanto sua boca se colava com fúria à de
Bolt, que não pôde mais se conter e deixou que seu corpo se
jogasse ao encontro do corpo quente dela. Apesar do espaço
pequeno, os dois corpos iam e vinham numa carícia
extrema- mente sensual. Ao perceber que não podia mais se
conter, ele segurou firme os quadris de Nellie e soltou o
líquido quente dentro daquela vagina que se contraía e
apertava o membro de Bolt. Não demorou muito para que
ela atingisse o orgasmo.
Depois Nellie separou seu corpo do dele e voltou a
sentar-se. Apanhando o jarro, derramou água sobre o rosto,
esfregou os olhos. Bolt a ajudou a enxaguar o cabelo mais
uma vez, em silêncio.
— Você cavalga bem — disse ele, ao se enxaguar.
Nellie sorriu.
— Só quando encontro um cavalo dócil.
Bolt soltou uma risada curta e divertida. Depois disse:
— Olha, você pode não acreditar, mas eu estou
morrendo de fome.
— Eu também — disse ela, e beijou-o no rosto.
CAPITULO 3

O sol ainda não nascera quando desceram, no dia


seguinte; Bessie já estava de pé, com um farto café da
manhã a esperar por eles. Bolt e Nellie haviam dormido no
quarto com as duas camas, deixando a cama de casal para
Tom e Lyda.
— Bessie, desse jeito vou virar seu hóspede
permanentemente — anunciou Bolt, enchendo a xícara de
café. — Isso aqui está delicioso.
Bessie limpou as mãos no avental e disse:
— Talvez fosse mais seguro do que ir até Placerville.
Bolt percebeu que ela estivera aguardando uma deixa para
tocar no assunto, mas ele não queria discutir a respeito,
naquela hora. Por mais grave que a situação pudesse parecer
à primeira vista, as informações eram ainda muito escassas,
e ele não queria perder tempo fazendo suposições com
dados insuficientes. Além disso, já percebera que Lyda
estava apavorada e só não voltava para Sacramento por
causa da decisão de Nellie de que deviam correr o risco.
Bolt tentara dar razão a Lyda, mas Nellie voltou a declarar
que iria sozinha para Placerville, se fosse o caso. Bolt
estava acostumado a enfrentar os problemas medida que
eles surgiam não, se sentia preocupado apenas alerta.
— Quando chegarmos lá vamos ficar de olhos bem
abertos, Bessie — assegurou ele.
Bessie ficou uns instantes em silêncio; depois disse:
— Preparei uns sanduíches para vocês.
Bolt terminou seu café e levantou-se; Bessie já vinha de
volta com um embrulho quente e de cheiro agradável, que
entregou a ele.
— Não precisava se incomodar, Bessie.
— Elas vão precisar disso mais tarde.
Ele pagou a despesa total e deu mais uma boa gorjeta,
juntou-se aos outros na sala, despediram-se de Bessie e
apanharam as bagagens. O sol estava despontando quando
chegaram ao estábulo, onde o velho Gus terminava de
arrear um cavalo, enquanto os outros três, já prontos,
estavam amarrados do lado de fora. Bolt e Tom prenderam
as bagagens às selas e ajudaram as moças a montar. Quando
se acomodaram em seus próprios cavalos, ouviram a voz do
velho:
— Ainda há tempo para mudarem de idéia.
— Não, não há — respondeu Bolt.
A viagem até Placerville foi mais longa do que Bolt
tinha imaginado. Os velhos cavalos de tração mostraram-se
lerdos, como Gus os advertira; além disso, Lyda não estava
muito acostumada a cavalgar, e Bolt se pôs a duvidar se ela
teria sido capaz de montar um animal mais veloz, caso
tivessem conseguido um.
Os quatro seguiram em fila indiana ao longo da trilha
poeirenta. Tom cuidava da retaguarda, enquanto Bolt ia à
frente, às vezes adiantando-se tanto que perdia os outros de
vista e precisava parar para esperá-los. Nick não estava
acostumado a um ritmo tão lento e Bolt era forçado a
mantê-lo sob controle, embora às vezes tivesse a impressão
de que iria muito mais rápido se estivesse caminhando a pé.
Os dois velhos cavalos que as moças montavam tinham
dificuldades para enfrentar ladeiras, e assustavam-se com
qualquer coisa. Depois de certo tempo, Bolt ordenou uma
parada e transferiu as bagagens das moças para seu cavalo e
o de Tom; talvez isso pudesse ajudá-los a ganhar
velocidade.
As moças insistiram em parar outra vez logo adiante,
quando surgiu um riacho e algumas árvores pequenas que
davam um pouco de sombra. Enquanto comiam os
sanduíches preparados por Bessie, Bolt, apesar de
impaciente com a lentidão da viagem, manteve-se tranqüilo
e até brincalhão; sentia que o medo das duas aumentava à
medida que se aproximavam de Placeville, e não queria
forçá-las em demasia. O dia estava quente, muito mais
quente que na véspera, e a viagem prosseguiu devagar.
O sol foi descendo, fazendo esmaecer o colorido
brilhante da paisagem, mas abrandando o calor; quando seu
disco dourado tocou a linha do horizonte, uma brisa fresca
começou a soprar, pela primeira vez durante todo o dia. Já
estavam perto da cidade e aceleraram o ritmo das montarias.
Galgaram uma derradeira colina, e lá estava: Placerville,
as silhuetas cinzentas das construções espalhando-se diante
deles, as luzes alaranjadas das casas, que começavam a se
acender com o cair da noite, contrastando com o azul-
violeta carregado do céu e com a poeira avermelhada da
estrada que descia a encosta, serpenteando, até se dividir em
várias ruas que davam entrada à cidade.
Bolt segurou o cavalo e esperou pelos outros.
— Estamos chegando — anunciou ele.
— Ainda bem — disse Lyda. — Eu estava começando a
pensar que íamos dormir ao ar livre, no meio das pedras.
“Talvez fosse mais seguro”, pensou Bolt, mas disse
apenas:
— É melhor continuarmos. Esses cavalos de vocês não
estão acostumados à noite. Eu não me admiraria se daqui a
pouco eles simplesmente se estirassem no chão e se
preparassem para dormir.
Foram descendo devagar a encosta, enquanto os rumores
da cidade, a uns quatrocentos metros de distância, já
começavam a se fazer ouvir: a música alegre que vinha dos
saloons, o relincho dos animais, estalos de chicotes, gritos
roucos de homens que comemoravam com estardalhaço a
chegada de mais uma noite de sábado.
As ruas de Placerville eram iluminadas com lampiões, e
havia luzes acesas em todas as casas, o que dava à cidade
um aspecto mais festivo e menos soturno do que o de
Quartzburg. Como era fim de semana, as ruas estavam
repletas de mineiros barulhentos, que lotavam os salões de
dança, as casas de jogos e os bares. Bolt guiou Nick através
da rua congestionada de pedestres, cavalos e carroças, até
parar ao lado de um mineiro alto e empoeirado que
amarrava sua égua em frente a um armazém. Bolt tocou a
aba do chapéu em cumprimento.
— Boa noite, amigo. Sabe onde fica o American Dance
Hall?
O homem deu uma cusparada escura para o lado, mudou
o pedaço de fumo de posição na boca e lançou um olhar
avaliador para Bolt. Depois respondeu:
— Sei, sim. — Seus olhos foram até as duas moças,
paradas atrás de Bolt, parecendo mais cansadas do que os
cavalos que montavam. — Estão indo pra lá?
Bolt confirmou com um aceno de cabeça e ficou à
espera.
— Sigam essa rua até o fim — disse o homem, depois de
limpar os lábios na manga da camisa, já coberta de manchas
escuras. — Lá na frente ela se reparte em duas, vocês vão
pela esquerda. Dá para ouvir o barulho que fazem. Hoje é
sábado e o lugar deve estar cheio, mesmo depois do que
aconteceu.
Pareceu ficar à espera de que Bolt fizesse uma pergunta,
mas ele disse apenas “obrigado” e fez menção de puxar as
rédeas. O homem advertiu:
— O lugar deve estar muito cheio, mas eu não teria
surpresa se houvesse outro crime por lá hoje à noite.
Bolt ergueu as sobrancelhas.
— Por quê? Sabe alguma coisa?
— Que nada. Conheço as pessoas, só. Hoje é lua cheia.
— O homem voltou a cuspir de lado, e sorriu para Bolt.
Metade de seus dentes eram falhos, a outra metade estava
escurecida pelo tabaco. — Tem gente que fica agitada
quando é lua cheia. Gente que não é boa da cabeça.
Bolt agradeceu e prosseguiu seu caminho, seguido pelos
outros. Quando chegaram na frente do American, tiveram
algum trabalho para amarrar seus cavalos, devido à grande
quantidade de montarias em frente do local. Bolt e Tom
pegaram as valises das moças e empurraram as portas do
salão, O ruído era ensurdecedor; durante o trajeto até ali
tinham passado por outros bares e salões de dança, mas o
American era, de longe, o mais cheio de todos.
O salão era espaçoso, cheio de homens barulhentos.
Mineiros em roupas empoeiradas, vaqueiros com calças de
brim e largos chapéus, proprietários de terras com suas
inconfundíveis jaquetas escuras e camisas brancas, todos
bebendo lado a lado. A maioria estava de pé; todas as mesas
estavam repletas, e havia muita gente ao longo do comprido
balcão de madeira. Uma densa nuvem de fumaça era
continuamente alimentada pelas dezenas de cigarros e
charutos acesos; o ruído das vozes também parecia
recrudescer a cada instante, fazendo com que os homens
gritassem uns com os outros para serem ouvidos.
Na extremidade oposta à entrada, o chão da sala se
elevava para formar um palco, ao fundo do qual um pianista
fornecia notas isoladas para que o violão e a rabeca fossem
afinados; a um canto, outro homem corria os dedos
negligentemente pelo teclado de um acordeom, enquanto
um baterista se ajeitava num pequeno banco por trás de seu
instrumento.
O dancing quadrado em frente ao palco estava vazio, a
não ser por alguns fregueses que o cruzavam de vez em
quando, com drinques na mão. As dançarinas estavam
espalhadas pelo salão, bebendo, conversando com os
fregueses, sentando-se no colo de um e de outro. Seus
vestidos acetinados, de cores vivas, eram justos e apertados
no busto, com largos decotes que destacavam seus seios
arredondados. Mesmo através de todo o comprimento do
salão Bolt podia perceber a pesada maquilagem que cobria
seus rostos, e podia sentir, a distância, o perfume carregado
que usavam, misturado à fumaça e ao cheiro de bebida
derramada.
Bolt correu os olhos pela multidão à procura de Jenny
Mason. Não a encontrando, começou a abrir caminho em
direção ao balcão do bar, usando a valise de Nellie para
abrir passagem a sua frente. Seguido pelos outros,
conseguiu chegar até o balcão, onde com um gesto chamou
a atenção do barman.
— Que noite! — exclamou o homem, que era pequeno e
barrigudo. — O que vão querer?
— Falar com Jenny Mason.
O homem só então pareceu focalizar os olhos no rosto
de Bolt e de seus acompanhantes. Perguntou com cautela:
— Da parte de quem?
— Meu nome é Jared Bolt. Jenny está a minha espera.
Mal acabou de falar, a banda atacou o primeiro número
musical, tornando o recinto ainda mais barulhento, o
homem teve que se debruçar sobre o balcão e quase gritar
junto ao rosto de Bolt:
— Ela está no escritório. Aquela porta ali. — Indicou
com um gesto uma porta além da outra extremidade do
balcão.
Bolt agradeceu e encaminhou-se para lá, fazendo um
sinal a Tom para que o seguisse com as moças. Quando
chegaram à frente da porta, Bolt deu três pancadas fortes
com os nós dos dedos; sem esperar resposta, abriu a porta e
entrou.
Jenny Mason, uma mulher ruiva, de trinta e poucos anos,
ergueu a cabeça quando a sala foi invadida pelo ruído do
salão; ao reconhecer Bolt, seu rosto se iluminou num largo
sorriso e ela ergueu-se de trás da escrivaninha onde estava.
Usava um vestido de cetim azul que combinava com seus
olhos azul-claros.
— Bolt! Até que enfim. — Os dois se abraçaram. Jenny
afastou-se, acariciou de leve o rosto de Bolt e só então
olhou por sobre seu ombro. — Tom! Que bom ver você de
novo.
— Temos aqui duas garotas para você — disse Bolt,
fazendo as apresentações. — Nellie Ruggles... Lyda Sims.
— Ótimo — disse Jenny. — Também estava aguar
dando a chegada de vocês. Espero que tenham feito boa
viagem.
— Nem tanto — disse Lyda. — A verdade é que...
— Bolt e Tom nos ajudaram bastante — interrompeu
Nellie. — Foi uma viagem ótima.
— Imagino que sim — disse Jenny, examinando com
olhos argutos as duas. — Não sei se estão muito cansadas,
mas gostaria que vocês duas começassem a trabalhar
imediatamente. Como devem ter visto, estou com poucas
moças no salão. Houve mais um desses...
Ela se interrompeu, e seus olhos procuraram Bolt.
— Sim, ouvimos falar — disse ele. — Sábado passado,
não foi isso?
Ela confirmou.
— Estou com dois guarda-costas de olho no salão,
controlando os movimentos de cada uma das garotas, mas
ainda não sei se vai ser o suficiente. Em todo o caso, agora
temos você e Tom.
— Podemos começar agora — anunciou Nellie. — É só
o tempo de nos instalarmos e trocarmos de roupa. E também
gostaria de acertar logo os detalhes: pagamento, comissões
etc. Como é que vocês trabalham aqui?
— Vocês ganham 5 por cento sobre as bebidas e os
tickets de dança que os homens consumirem — disse Jenny.
— Se usarem os quartos, recebem metade.
— Está bem — disse Nellie.
— Pagarei as despesas de viagem e mais 25 dólares a
cada uma. Quanto ao alojamento, podem ficar aqui se
quiserem; a maioria das garotas mora aqui. Caso prefiram
outro lugar, há algumas pensões nas proximidades, e um
guarda-costas irá levá-las até lá depois do trabalho.
Alimentação é por conta de vocês. Se quiserem comer aqui,
são 25 cents a refeição. Mais alguma coisa?
— Com quem pegamos os tickets?
— Com o barman; o nome dele é Curly.
Nellie agradeceu e saiu, acompanhada por Lyda. Jenny
fechou a porta e voltou-se para Bolt, que tinha acabado de
pendurar o chapéu num cabide.
— Jenny, você está cada vez mais bonita — disse ele. —
Qual é seu segredo?
Tomando-a nos braços, Bolt deu-lhe um beijo demorado.
Quando suas bocas se separaram, Jenny disse:
— Obrigada. É para isso que servem os amigos: para
fazerem com que a gente se sinta menos acabada.
— Acabada?! Você está irresistível — disse ele.
A voz de Tom se fez ouvir:
— Olha, pessoal, se vocês vão direto para a cama eu vou
dar uma volta lá fora. Jenny, foi bom ver você de novo.
— Calma, espere aí — disse Bolt sorrindo. — Jenny,
olhe bem para a cara desse sujeito. O que você acha que
mudou nele?
— Quase nada — sorriu Jenny.
— Absolutamente nada! — exclamou Bolt. — Continua
o mesmo de sempre, só que a cada ano vai ficando mais
feio.
— Vocês continuam os mesmos — riu Jenny. —
Sempre dizendo bobagens um para o outro. Não crescem
nunca.
— Mas estamos ficando velhos — disse Tom. — Bolt,
quando toma dois uísques, começa a falar dos “bons e
velhos tempos”.
— Eu também — disse Jenny. — E nem preciso de dois
uísques.
Bolt beijou-a nos lábios; ela suspirou, afastou-se dele e
sentou numa poltrona próxima, alisando as dobras da saia.
Depois de certo silêncio, disse:
— Vocês nem imaginam como me Sinto bem com vocês
aqui. Esses últimos tempos têm sido de arrasar qualquer
pessoa.
— Faça um resumo do que houve — pediu Bolt,
subitamente sério.
— É a coisa mais absurda que você pode imaginar.
Todas as três garotas foram mortas no meio do salão,
durante uma dança. E ninguém sabe quem foi.
— Não é possível.
— Mas foi assim. Todas as três foram apunhaladas
enquanto dançavam, com um punhal pequeno e muito fino,
uma espécie de estilete. Tudo que se sabe é que o salão
estava cheio de gente dançando e de repente uma garota
caiu, apunhalada, e no meio da confusão ficou impossível
saber quem fora. Em todo o caso, ninguém saiu do salão
após o crime; fez-se o possível para revistar as pessoas, mas
nenhum sinal de arma, ou de manchas de sangue, nada. Foi
como se o estilete tivesse vindo sozinho pelo ar, e depois
desaparecido.
Bolt sentiu os pêlos da nuca se arrepiarem num calafrio,
como se uma pena fosse passada muito de leve sobre sua
pele. Não um sinal de medo, mas uma advertência de
perigo, que ele já conhecia bem.
— Não é muito — disse ele. — Mas vamos fazer o
possível.
— Tenho pensado que o assassino sabe que teve uma
sorte inacreditável, e talvez tenha decidido parar enquanto é
tempo — disse Jenny. — Você não acha que faz sentido?
— É, pode ser. Mas acho mais seguro a gente partir da
hipótese de que ele vai atacar outra vez.
Jenny baixou os olhos e ficou em silêncio. Bolt pousou
as mãos sobre o cinto de onde pendia o coldre com a arma;
era um gesto maquinal que lhe transmitia uma certa
segurança, mas seus olhos estavam fitos na janela ao fundo
do escritório, por onde entrava a lua cheia.

CAPÍTULO 4

— Vão querer um drinque? — perguntou Jenny.


— Claro — respondeu Tom. — Estou com a garganta
cheia de poeira.
Jenny ergueu-se da poltrona e caminhou até um canto do
escritório, onde havia uma mesinha com copos e bebidas,
mas Bolt a interrompeu com um gesto:
— Acho que seria melhor bebermos no salão — disse
ele. — Quero ir acostumando os olhos com o local.
— Tem razão — disse Jenny. — Venham comigo, vou
apresentá-los a Curly.
— E um salão muito interessante — comentou Bolt,
apanhando seu chapéu. — Está com ele há quanto tempo?
— Quase um ano. É o maior daqui de Hangtown.
— Hangtown? — Bolt franziu as sobrancelhas. —
“Cidade da Forca”? Belo nome.
— O nome original daqui era Dry Diggin’s, “Poço
Seco”, quando começou a mineração, por volta de 1848;
dizem que ganhou esse nome por causa da escassez de água.
Mas pouco tempo depois o lugar ficou conhecido como
Hangtown, depois de alguns linchamentos. O primeiro deles
foi de dois mexicanos e um americano que mataram um
francês para roubar-lhe o ouro; foram enforcados numa
árvore, no outro extremo da cidade. Meses depois foi a vez
de um cara que esfaqueou outro por causa de uma briga de
jogo. Era uma cidade violenta, naquela época.
— Não parece ter mudado muito — observou Tom.
— O nome de Hangtown ficou valendo durante vários
anos, até que o mudaram para Placerville — continuou
Jenny. — Isso coincidiu com o esgotamento das minas, de
modo que a cidade ainda continua sendo chamada pelo
nome antigo.
— E as minas? — indagou Bolt. — A impressão que
estou tendo é de muito movimento.
— Ainda existe muito minério para que a cidade
continue funcionando — retorquiu Jenny —, mas ninguém
pode esperar fazer uma grande fortuna por aqui; para os que
estão à procura de fortuna, há outras alternativas. O pessoal
que procura ouro por aqui é do tipo paciente, sem pressa.
Gente que gosta de se divertir.
A algazarra das vozes e da música os envolveu quando
Jenny abriu a porta e os três saíram para o salão.
Caminharam até o bar, acotovelando-se por entre a
multidão; Jenny passou para a parte interna do balcão,
gritou alguma coisa ao ouvido de Curly e voltou daí a um
instante, com dois drinques nas mãos.
— A bebida é por conta da casa — anunciou ela. —
Como já os conheço bem, sei que não vão me dar prejuízo.
Podem pedir a Curly tudo que quiserem.
— Está ótimo — disse Bolt, recebendo o copo.
— Posso pegar cadeiras para vocês, aqui no escritório.
— Não, não se incomode. Prefiro ficar circulando.
— Então, está bem. Fiquem à vontade. Vou terminar um
trabalho e estarei aqui dentro de meia hora.
Bolt tomou-lhe a mão e beijou-a de leve:
— Está bem. Começamos a trabalhar agora.
Bolt e Tom ficaram recostados na parede, observando o
movimento do salão. Daí a alguns minutos, quatro homens
ergueram-se de uma mesa próxima, e mais que depressa os
dois ocuparam duas das cadeiras deixadas vazias. Um
pouco mais tarde, Curly aproximou-se com uma bandeja:
— Mais dois, ou uma garrafa?
— Dois drinques — disse Bolt. — E um pouco de água.
Voltaram a correr os olhos pela multidão que se
comprimia no recinto e Bolt começou a compreender como
era possível a um assassino matar alguém ali sem ser
notado.
Havia o barulho, o movimento incessante de gente que
cruzava o salão, mais o fato de que quase todos os presentes
bebiam sem parar. Bolt imaginou a cena: um grito, um
corpo caindo e logo em seguida um empurra-empurra de
pessoas, uns querendo aproximar-se, outros querendo abrir
caminho... bastava ser rápido e esperto.
— Viu alguém com cara de suspeito, Tom? —
perguntou ele.
— Ainda não — respondeu Tom. — Primeiro estou
olhando as garotas.
— Tem razão — disse Bolt, com uma risada. — Além
do mais, como vamos adivinhar quem é o assassino? Todo
mundo aqui é mal-encarado.
— Alguns dos piores assassinos que já vi eram sujeitos
extremamente simpáticos — disse Tom.
— Talvez esse detalhe tenha escapado a Jenny e aos
outros — concordou Bolt. Esvaziou seu copo ao perceber a
aproximação de Curly com os dois drinques que tinham
pedido. Tom também esvaziou o copo e o colocou sobre a
bandeja; nesse momento a música parou, sob os aplausos de
todos.
— Ora essa, eu estava criando coragem para ir dançar
um pouco — queixou-se Bolt.
— Você estava de olho naquela de vermelho — disse
Tom.
— Qual? Olhei para todas.
— Aquela ali, com os peitinhos quase escapando para
fora do vestido.
— Tom, eu avalio uma mulher pelos tornozelos. Mas, já
que você notou, ela realmente tem uns peitinhos
magníficos. Acho que vou dar uma olhada neles mais de
perto.
Nesse mesmo instante, Nellie rodeou a mesa e surgiu à
frente dos dois, seguida por Lyda. As duas ainda usavam as
mesmas roupas da viagem e seus rostos sem maquilagem as
faziam parecer pálidas e descoloridas em comparação com
as outras dançarinas.
— Algum dos rapazes está pensando em dançar? —
perguntou Nellie, sorridente.
— Estou avaliando as opções — disse Bolt, e ergueu o
copo em saudação. — Guarde uma dança para mim quando
a música recomeçar.
— Combinado — disse Nellie, e estendeu-lhe um ticket.
São dez centavos.
— Você é uma mercenária, Nellie — queixou-se Bolt,
remexendo nos bolsos em busca de moedas.
— No momento, sou uma profissional — disse ela
sorrindo e recebendo o dinheiro. — A próxima dança é sua,
cavalheiro.
Bolt observou com um sorriso como Lyda estendia o
ticket, sem uma palavra, e Tom pagava os dez centavos,
igualmente mudo. Depois disso, as duas seguiram pelo
salão, à procura de outros fregueses.
Bolt aproveitou, enquanto elas estavam próximas, para
examinar as reações dos homens que compravam os tickets;
mas não viu nada de anormal. Alguns estavam bêbados,
outros tinham a aparência de sujeitos cansados em busca de
um pouco de divertimento; um ou outro soltava piadas ou
apalpava os seios ou as nádegas das garotas, que davam
gritinhos ou se esquivavam com um gesto firme e um
sorriso; tudo em ordem, pensou Bolt. Nenhum sujeito
caolho, vestido de preto, com um punhal atravessado nos
dentes. .. Nada; apenas o que se poderia esperar em um
lugar como aquele, numa noite de sábado.
Os músicos começaram a se reagrupar no palco,
experimentando os instrumentos; um homem pequeno,
magro, de roupa escura, subiu ao palco e anunciou, numa
voz surpreendentemente forte, capaz de se superpor ao
barulho do ambiente:
— Vamos lá, pessoal, vamos comprar os tickets de
dança! Quem tiver sua garota favorita que se apresse,
porque isso aqui está cheio de marmanjos!
A banda atacou uma música alegre e saltitante; Bolt e
Tom ergueram-se da mesa e daí a um instante
encaminhavam- se para o dancing com as garotas. Bolt
dançou o primeiro número com Nellie, o segundo com
Lyda, e quando se iniciou o terceiro, afastou-se e voltou a
examinar o ambiente, agora sob outro ângulo. Seus olhos
localizaram a garota de vestido vermelho, que dançava com
um rapaz moreno, forte e visivelmente cheio de uísque. Os
movimentos dela eram suaves e graciosos, e quando a
canção acabou Bolt aproximou-se.
— Está livre para a próxima? — perguntou ele,
sorridente.
— Oh, sim, claro — disse ela, retirando do decote um
dos tickets. Os olhos de Bolt acompanharam seu gesto,
fitando os seios alvos, que o vestido justo comprimia; acima
da linha do decote, apareciam parcialmente as orlas escuras
dos mamilos. Ela ergueu os olhos para Bolt, e quando
estendeu o ticket seu sorriso foi iluminado por duas
covinhas: — Dez centavos.
Bolt pagou e conduziu-a para o salão, pois a música
recomeçara. Tomando-a nos braços, ele tentou guiá-la por
entre os pares que se entrechocavam no espaço repleto.
Sentindo o calor e a flexibilidade do corpo dela de encontro
ao seu, Bolt conseguiu conduzi-la para uma das
extremidades do dancing, onde tinham mais espaço para
dançar e era possível conversar, ainda que fosse preciso
gritar ao ouvido.
— Como é seu nome? — perguntou ele.
— Anne Dalton — respondeu ela; e completou com um
sorriso: — E o seu é Bolt.
— Como sabe? — perguntou ele, surpreso.
— Jenny está esperando um cara com esse nome, e disse
a todas nós que era um cara bonitão, de olhos azuis.
— Havia um ar malicioso no rosto dela. — Vi quando
você entrou no escritório e quando saiu.
— Você é esperta.
— Faz parte do trabalho.
— Então, quer dizer que eu sou um bonitão — disse
Bolt, depois de um intervalo.
— Você tem olhos azuis — foi sua única resposta.
Bolt olhou muito de perto os lábios vermelhos, úmidos,
os dentes miúdos e brilhantes. Pressionou mais seu corpo
contra o dela e, mergulhando o rosto em seus cabelos loiros
e encaracolados, aspirou o perfume; era um perfume barato,
usado pela maioria das dançarinas, mas que em cada uma
adquiria nuanças diferentes. Continuaram dançando e ela
roçava as unhas na nuca de Bolt, até que a música parou.
— Logo agora — queixou-se ele. — Me dá outro ticket.
Ela riu e acariciou-lhe o rosto:
— Agora não dá, já estou comprometida para as
próximas. Depois.
— Guarde dois tickets pra mim.
— Claro.
— Estarei por perto.
Bolt inclinou-se e beijou-a de leve, experimentando-lhe
os lábios; sorriu e afastou-se. Localizou Tom sentado numa
mesa ao lado de Jenny Mason, e aproximou-se.
— Você é rápido, hein, rapaz? — foi tudo que Tom
disse.
Bolt fez uma expressão de surpresa, enquanto se
sentava.
— Ora, as garotas estão aí para quem chegar primeiro.
— Piscou o olho para Jenny. — Tom não tem muita sorte
com danças. Lembra-se daquele baile a fantasia em São
Francisco?
Durante a meia hora seguinte, os três distraíram-Se
recordando episódios passados; em nenhum momento
falaram sobre os crimes, mas Jenny, de costas para o salão,
percebia que os dois amigos estavam atentos a tudo quanto
acontecia em redor. Os olhos de Bolt tentavam discernir o
mínimo gesto ou a mínima movimentação que pudesse
sugerir algo de anormal, mas nada encontravam; de vez em
quando, ele avistava por entre os vultos dos casais a silhueta
esguia e os cabelos loiros de Anne Dalton, que dançava
sucessivamente com vários homens. Daí a pouco, Nellie
aproximou-se da mesa e estendeu um ticket para Tom.
— É sua vez — disse ela.
— Ora, Nellie, não quero dançar agora. Venha bater um
papo com a gente — disse Tom.
— Se eu fosse você, eu iria — disse Bolt. — Primeiro,
porque Nellie dança muito bem. Segundo, porque você
vigiaria o movimento mais de perto. Estamos aqui a
trabalho.
Tom concordou e levantou-se, mas o modo como
abraçou Nellie pela cintura sugeriu que o trabalho não era
seu principal interesse no momento.
— Sinto-me mais segura com vocês por aqui — disse
Jenny.
— Espero que sim — disse Bolt. — Mas o fato é que até
agora não vi nada que pudesse nos dar uma pista. Estamos
na estaca zero.
— Bem, a noite está quase acabando — disse Jenny,
com um suspiro. — Daqui a pouco vai dar meia-noite e
teremos a última dança. Aí vamos poder ficar tranqüilos.
Todas as noites eu agradeço aos céus por não ter ocorrido
nenhum... nenhuma coisa desagradável.
Bolt voltou a sentir o calafrio perpassar-lhe pela espinha.
— Hoje é lua cheia — disse ele.
— E daí? — O sorriso voltou ao rosto de Jenny. — Meu
Deus, Jared Bolt está ficando romântico.
— Não é isso. Estive pensando em voz alta — disse ele.
Nesse instante o homem baixinho voltou a subir ao
palco, anunciando:
— Atenção, pessoal! Meia-noite, e vamos ter a última
dança! Comprem seus tickets! Corram atrás de sua garota
preferida, antes que um barbado qualquer passe na frente!
Comprem seus tickets!
— Quem é o cara? — perguntou Bolt.
— Ben Sneed — respondeu Jenny. Trabalha comigo há
algum tempo e é uma espécie de “homem dos sete
instrumentos”. Ajuda na administração, apresenta os
cantores, quando vem algum de fora, e às vezes faz
números de malabarismo. Sem ele não sei o que faria.
Bolt anotou mentalmente a informação; ia fazer outra
pergunta a Jenny, mas nesse instante a banda atacou uma
canção esfuziante, e foi como se todas as pessoas do salão
estivessem querendo dançar ao mesmo tempo. Cadeiras
foram arrastadas para trás, alguns copos rolaram para o
chão quando alguém deu um encontrão numa mesa
próxima; o lugar onde estavam sentados ficava próximo ao
balcão, e logo a visão dos dois estava tomada por duas filas
de homens que se empurravam e se acotovelavam, uns indo
para o dancing, outros vindo renovar seus drinques. Bolt
começou a sentir uma tensão quase palpável no ambiente,
uma inquietude mais acentuada nos homens; mas pensou
que estivesse errado; o fato de saber que era a última dança
talvez o estivesse predispondo a ver agressividade ou
ameaça em tudo o que não passava de impaciência para
procurar uma garota, para encher mais um copo de uísque.
Bolt ficou de pé e aproximou-se do dancing; viu a distância
Tom dançando com uma garota, viu Anne Dalton que
rodopiava nos braços de um vaqueiro, e por fim viu Nellie
que se aproximava.
— Sua vez — disse ela simplesmente, tomando-o pelo
braço. Enquanto dançavam, Bolt procurou permanecer
alerta e esquecer o corpo firme de Nellie colado ao seu. Por
um breve momento os dois cruzaram com Anne Dalton,
agora nos braços de um mineiro magro, de bigode grisalho;
os olhos dela cruzaram com os de Bolt e ela sorriu de leve,
fazendo com os ombros um gesto de consolo, como se
dissesse: “Fica para outra vez”. Os pares se afastaram,
envolvidos pelos outros, enquanto Ben Sneed, de pé na
borda do palco, não parava de animar a todos:
— É isso aí, pessoal! Última dança da noite, e a casa não
permite que ninguém fique sentado! Todo mundo
dançando!
— Até que enfim descobri uma coisa mais barulhenta do
que essa banda — gritou Nellie ao ouvido de Bolt.
— Não sei de onde ele tira esse vozeirão todo —
observou Bolt.
— Este é o American Dance Hall, rapaziada, o lugar
mais quente de Hangtown! Agradecemos a presença de
todos, e agora vamos apresentar nossos músicos. No piano,
um “cobra” já conhecido de todos vocês: Bobby Johnson!
O salão aplaudiu, enquanto o pianista se desdobrava em
dedos sobre o teclado.
— Na bateria, Dave Rizetto!
Mais aplausos. O baterista fez um rápido improviso, sem
perder a cadência, sem quebrar o ritmo dos casais que
giravam.
— No violão, Benjamin Smi...
Nesse instante, uma voz surgiu do meio do dancing;
gritando mais alto que Ben Sneed, ela se sobrepôs à música
e à algazarra; era uma voz de homem, enrouquecida de
horror:
— Não! Não! Parem! Parem já!
A música parou; houve um instante de perplexidade,
mas logo em seguida uma voz de mulher começou a gritar,
um grito estridente, longo, histérico, que cortou o ar,
ecoando por todo o salão. Houve um movimento confuso,
um entrechocar de corpos, no momento em que a multidão
abria um círculo no meio do dancing, afastando-se de algo
que jazia lá no centro.
Tudo isso durou quatro ou cinco segundos; o grito da
mulher mal começara a soar e Bolt, empurrando Nellie para
o lado, atirou-se sobre a multidão, abrindo caminho aos
empurrões. Ao chegar ao centro do dancing, a primeira
coisa que viu foi o vestido vermelho e brilhante de Anne
Dalton, caída aos seus pés. Ele ajoelhou-se no chão. Nas
costas dela, surgia o cabo fino de um estilete; o sangue que
minava da ferida encharcava o vestido e já se alastrava
numa enorme mancha. Bolt soltou um arquejo seco de raiva
e incredulidade.
— Meu Deus — disse ele num tom de voz quase
inaudível.
O corpo de Anne estava caído de lado; ele tomou-lhe a
cabeça, erguendo-a de leve, procurando com a outra mão
sentir a pulsação da veia em seu pescoço. Mas ele já vira,
várias vezes, pessoas com aquele olhar que vai se vidrando
aos poucos; já vira aquela palidez fatal que se espalhava
pelo rosto e pelos braços. Seus dedos pressionaram a veia
de Anne, mas nada sentiram. O corpo dela teve umas
pequenas convulsões, umas borbulhas de sangue brotaram
entre seus lábios, e foi tudo.
Bolt pousou a cabeça dela sobre o chão e ergueu-se. A
mulher já tinha parado de gritar; em todo o salão ouvia-se
um vozerio confuso de perguntas e imprecações, mas o
círculo de pessoas em redor do cadáver estava mudo. Bolt
ouviu a voz de Ben Sneed pedindo que chamassem um
médico e o xerife. Sentiu o toque da mão que se cerrava
nervosamente sobre seu braço; era Jenny Mason, mordendo
os lábios, tentando controlar-se. A proximidade de Jenny
fez com que Bolt experimentasse de forma ainda mais
aguda a sensação de impotência diante de um fato já
consumado. Precisava fazer alguma coisa. Seus olhos
correram ao longo do círculo de rostos horrorizados e
acabaram localizando um rosto moreno, de bigode grisalho.
Você aí — disse ele. — O que aconteceu?
— Não sei — disse o homem, com voz trêmula. Não vi
nada. A gente estava dançando. Olhei para o palco, para os
músicos, aí de repente ela caiu com o rosto no meu peito;
foi como se alguém tivesse esbarrado nela por trás, mas não
vi ninguém assim tão perto. Levantei o rosto dela, e quando
vi o rosto eu tentei... tentei segurá-la. Aí minha mão tocou
nisso aí, nas costas dela.
O homem ergueu a mão trêmula, manchada de sangue, e
completou:
— Mas não fui eu, juro que não fui eu.
Bolt olhou o homem bem nos olhos, e seria capaz de
jurar que não tinha sido ele, de fato. Mas, então, quem? E,
principalmente, como?
CAPÍTULO 5

Deixando Tom e Jenny Mason ao lado do cadáver, para


evitar que alguém o tocasse, Bolt abriu caminho entre a
multidão, na direção da porta. Ao se aproximar dela,
reparou que Curly e um dos guarda-costas contratados por
Jenny já guardavam a saída.
— Ninguém saiu? — perguntou ele.
— Ninguém — garantiu Curly, limpando o suor do lábio
superior. — Assim que ouvi os gritos, corri para cá, como
Jenny nos instruiu. Não saiu ninguém.
— Muito bem — disse Bolt. — Continuem aí, de olho
aberto. Ninguém sai.
Voltou ao centro do salão e puxou Jenny Mason pelo
braço.
— Quem está no andar de cima?
— Acho que ninguém — disse ela. — Talvez uma das
garotas tivesse subido com um freguês, mas estou
conferindo, e acho que estão todas aqui embaixo, agora.
— Onde fica a porta traseira?
— Depois da cozinha, mas nos últimos tempos nós a
mantemos fechada e trancada pelo lado de dentro. No
banheiro há outra porta que dá para fora, um terreno onde
há o poço de onde tiramos nossa água. Mas também deve
estar trancada por dentro, temos feito isso desde... desde as
primeiras mortes.
— O que mais há aqui embaixo?
— Meu quarto é aquela porta, ao lado do escritório.
Pode revistar o que achar necessário. Já mandei um dos
empregados chamar o xerife McCracken.
Bolt chamou Tom com um gesto e os dois se afastaram
do ajuntamento, indo até a escada que levava ao andar de
cima.
— Tom, você olha lá em cima. Veja todos os quartos,
dentro dos armários, embaixo das camas; veja se há janelas
abertas, por onde alguém possa ter escapado.
Tom subiu e Bolt dirigiu-se para o escritório de Jenny.
Já conhecia o aposento e fez apenas uma inspeção rápida:
era uma peça pequena, com poucos móveis e absolutamente
nenhum lugar onde uma pessoa pudesse estar escondida.
Ele saiu, fechou a porta e encaminhou-se para a porta
seguinte.
O interior do quarto estava iluminado por uma lanterna
cujo pavio baixo lançava uma mistura de luzes e sombras
por todos os recantos, dando uma aparência fantasmagórica
aos objetos. Bolt respirou fundo e reconheceu o perfume de
Jenny. Aumentando o pavio da lanterna, lançou mais luz
pelo ambiente; era um quarto de estar agradável, decorado
com pinturas ao longo das paredes, um divã coberto de
almofadas coloridas e uma escrivaninha de tampa corrediça
encostada à parede. Bolt caminhou pelo quarto; tudo tinha
aparência normal. Apanhando a lanterna ele se dirigiu para
a porta ao lado do divã, que dava para o quarto de dormir.
Um ruído o fez parar. Ele imobilizou-se, contendo a
respiração, o coração pulsando forte. Então, o ruído se
repetiu e ele ouviu distintamente a queda de um objeto, o
barulho de vidro partindo-se. Sua mão direita segurou
prontamente o Colt, engatilhando-o, enquanto ele deslizava
para o lado, afastando-se da moldura da porta. Caminhou ao
longo da parede e, junto à porta, estendeu o braço com a
lanterna, direcionando seu halo de luz para o interior do
outro quarto. Nada aconteceu. Num gesto rápido ele esticou
a cabeça e voltou a escondê-la; esse breve relancear de
olhos pelo outro aposento bastou para mostrar-lhe que este
se encontrava vazio.
Bolt cruzou o umbral da porta, a lanterna erguida bem
acima da linha dos olhos, espalhando o máximo de luz, o
revólver acompanhando o olhar em seu rápido
esquadrinhamento do terreno. O cheiro de perfume era
muito mais forte, e ele acabou por avistar um vidro
espatifado aos pés da penteadeira. Muito bem, pensou Bolt,
vidros de perfume não caem sozinhos, e aqui não há
correntes de ar. Seus olhos passearam pelo aposento. Havia
apenas dois lugares onde uma pessoa podia estar escondida:
debaixo da cama ou no interior do armário, no lado oposto,
vedado por uma cortina. Bolt colocou a lanterna sobre uma
mesa e, sem perder de vista o armário, aproximou-se da
cama, abaixou-se. Com um gesto rápido puxou a colcha,
que descia até o chão: não havia nada.
Quando ele se pôs de pé, seus olhos captaram um
movimento na direção do armário. Ele permaneceu quieto,
evitando mover a cabeça ou os olhos, à espera de que aquilo
se repetisse. Daí a alguns instantes, aconteceu outra vez: a
cortina que vedava o armário moveu-se muito de leve,
como se um pequeno sopro de brisa viesse lá de dentro.
Com o revólver apontado para lá, Bolt caminhou naquela
direção, com passos macios, o dedo já começando a
pressionar o gatilho, pronto para disparar. Todos os seus
músculos estavam contraídos.
Parou em frente ao armário. Escutou. Não ouviu nada.
Pronto para atirar, puxou a cortina com violência para o
lado.
No mesmo instante, um enorme gato cinzento saltou do
interior do armário, como uma flecha, arrepiado, emitindo
um miado agudo de pavor; durante um instante confuso, ele
não foi mais do que uma mancha escura e arrepiada que
pulou na direção de Bolt e, evitando o choque com o corpo
dele, correu a refugiar-se num canto do aposento.
Bolt praguejou em voz alta; o susto quase o fizera
disparar a arma. Revistou com cuidado o interior do
armário. Havia vários robes pendurados: coloridos, sedosos,
todos de acordo com o gosto habitual de Jenny. Casacos,
pares de sapatos, vestidos e um baú de madeira, do tipo que
se usa para guardar documentos e objetos de valor.
Apanhando a lanterna, Bolt passou novamente para o
quarto vizinho. Dois olhos verdes fosforesceram na
escuridão, ao serem iluminados pela luz mortiça da chama.
Ele sentou-se no sofá e apanhou o gato no colo,
acariciando-o, até que as batidas de seu coração, pouco a
pouco, voltassem ao ritmo normal, até acalmar-se por
completo. Jenny tinha um carinho especial pelos gatos, e era
de esperar que um deles andasse à solta pelo quarto.
Bolt verificou as janelas, que estavam trancadas por
dentro, e, fechando a porta do quarto, dirigiu-se para a
cozinha. Examinou os armários, que eram espaçosos; depois
checou a pequena despensa onde havia enlatados, sacos de
farinha, açúcar e cereais, vidros de geléias e compotas, um
caixote cheio de batatas. Não havia espaço para ocultar
ninguém.
A porta traseira que dava para os fundos do prédio
estava trancada por dentro, como Jenny dissera. Os outros
aposentos do andar térreo eram a sala de jantar e o banheiro,
que também não ofereciam condições para esconder uma
pessoa. Ao sair do banheiro, ele deu de cara com Tom, que
descia do andar de cima.
— Alguma coisa?
— Nada. Os quartos estão vazios e as janelas fechadas.
— Não haverá nenhum espaço pequeno que tenha
passado despercebido?
— Havia um armário no corredor, cheio de roupas.
Olhei tudo lá dentro, mesmo com pouca luz. Havia casacos,
botas, um par de xales. Mais nada.
— Então podemos ter certeza de uma coisa: o assassino
ainda está lá embaixo. No momento do crime, Curly tomou
conta da porta, e desde então ninguém pôde sair. Vamos até
lá.
Quando Tom e Bolt retornaram ao salão, três homens
acabavam de entrar pela porta da frente. Bolt avistou a
estrela de prata no peito de um homem enorme, que usava
um chapéu Stetson e um bigodinho fino.
— Quem são? — perguntou Bolt a um homem que
estava encostado ao balcão.
— O xerife Pug McCracken; o outro ao lado dele é
Henry Flackman.
— E o outro, mais atrás, o magro?
— Doc Blevins, o agente funerário.
Bolt cruzou o salão, onde as pessoas ainda se
aglomeravam em volta do corpo de Anne Dalton. Procurou
ficar numa posição de onde pudesse observar tudo sem
chamar a atenção sobre si; sabia que cartazes com seu rosto
tinham sido espalhados por aquela região, poucos anos
atrás, e não queria correr o risco de ser reconhecido. O
xerife McCracken tinha olhos vagarosos e atentos e dava a
impressão de poder guardar um rosto na memória durante
muito tempo.
McCracken caminhou na direção do cadáver, enquanto
as pessoas se afastavam para abrir-lhe caminho. Ele olhou o
corpo, abaixou-se a seu lado, tomou-lhe o pulso. Com um
gesto de desânimo, girou um pouco o corpo inerte de Anne
e examinou o cabo do estilete que se projetava de suas
costas. Finalmente ficou de pé, cofiou o bigode e anunciou:
— Está morta.
Tom sussurrou para Bolt:
— Parece que o xerife é muito esperto.
— Não erra uma — concordou Bolt.
McCracken puxou uma caderneta e um lápis do bolso.
— Não movam o corpo até que eu conclua meu
relatório. Doutor, quero que a arma do crime seja enviada
para meu escritório assim que for possível. Agora, Miss
Mason, gostaria que me contasse o que aconteceu. — Ele
ficou com o lápis parado no ar e os olhos em Jenny,
aguardando.
— Alguém a apunhalou enquanto dançava. É tudo o que
sei — disse Jenny.
— Talvez saiba um pouco mais — retrucou o xerife,
com um olhar de suspeita sobre ela. — Não tem idéia de
quem pode ter sido?
— Não.
— Ora, vamos, srta. Mason. Vai me dizer que foi a
mesma coisa outra vez: alguém apunhala a moça num salão
cheio de gente e ninguém viu nada?
— É, foi mais ou menos isso.
— Quem dançava com ela?
— Eu!
O mineiro alto e grisalho deu um passo à frente; o xerife
virou-se para ele.
— Você? Bem, e o que pode nos dizer?
— Eu estava dançando com ela e de repente ela caiu
sobre mim, e já estava com a arma cravada nas costas.
— E quem me garante que não foi você?
— Eu garanto. Muita gente aqui me conhece. Nunca
matei ninguém e não iria matar uma moça que podia ser
minha filha.
— Em todo o caso, você fica sob suspeita. Alguém mais
tem alguma coisa a declarar?
Nos minutos seguintes, McCracken interrogou os
homens que estavam mais próximos, averiguando onde eles
se encontravam no momento do crime; depois interrogou as
outras dançarinas, tentando conseguir informações sobre
alguém que tivesse motivos para matar Anne Dalton.
Rabiscou algumas anotações em sua caderneta, guardando-a
no bolso, e virou-se para Jenny.
— Bem, srta. Mason, lamento informar que terei de
tomar medidas, conforme lhe expliquei da última vez. E o
quarto crime que se dá aqui em seu salão e vou ser forçado
a proibir seu funcionamento.
— A culpa não é minha — replicou Jenny, pálida. — Há
dois meses que isso vem acontecendo e caberia ao senhor
evitar que os crimes continuassem. Por que não mandou um
de seus homens ficar de serviço aqui?
— Este local está fora da cidade, portanto fora da minha
jurisdição.
— Então o senhor não pode me obrigar a fechá-lo.
— Tenho certeza de que o juiz me dará razão, quando
vier. Este lugar é uma ameaça à segurança das pessoas.
O xerife girou nos calcanhares e marchou para fora do
recinto, enquanto o agente funerário chamava dois homens
para ajudá-lo a preparar o corpo. Jenny atravessou o salão,
com a cabeça erguida, mas havia lágrimas em seus olhos
quando ela passou à frente de Bolt e de Tom, rumando
direto para o escritório. Os dois a seguiram e, depois de
entrar, fecharam a porta.
— Não agüento mais — explodiu Jenny, soluçando com
o rosto entre as mãos. — Pobre Anne, ela não merecia isso,
nenhuma delas merecia.
— Vamos achar o cara, Jenny — prometeu Bolt,
abraçando-a. — Prometo que vamos.
— Mas como, Bolt? — disse ela, limpando as lágrimas
do rosto. — E a quarta vez que isso acontece, exatamente
do mesmo modo. Ninguém viu nada. Este lugar é maldito, é
mal-assombrado.
— Deve haver uma explicação lógica para tudo isso. E,
quanto a fantasmas, eles não existem, embora seu gato
tenha me pregado um susto.
— É minha gata. — Jenny conseguiu sorrir. — Eu devia
ter lhe avisado que ela estava lá. O nome dela é Smokey.
— Há um assassino à solta, Jenny, e não podemos
perder tempo. Você vai ter que me contar tudo. . tudo que se
relacione com as garotas, com os crimes, com este local,
com a cidade. Qualquer informação pode ser útil; eu acabo
de chegar e não conheço nada aqui. Como foram os crimes?
Todos exatamente do mesmo modo?
— Todas foram apunhaladas pelas costas, no meio da
multidão, e sempre durante a última dança da noite. O
primeiro crime pegou todo mundo de surpresa, é claro. O
segundo também, porque jamais iríamos imaginar que algo
semelhante voltaria a acontecer. Mas, na semana passada e
hoje à noite, fiquei de olho o tempo inteiro, vocês também,
assim como Curly, Ben, os guarda-costas, as outras
garotas... e ninguém viu nada.
— O assassino é hábil, mas parece gostar de correr
riscos. Talvez isso facilite nosso trabalho.
— Durma aqui hoje à noite, Bolt. Eu me sentiria muito
mais segura.
— Claro que dormirei aqui. Tom, você pode dormir
numa das pensões da cidade. Veja o que pode descobrir,
mantendo a boca fechada e os olhos e ouvidos bem abertos.
— Já tinha pensado nisso — concordou Tom. — Pelo
que vi aí fora, não vai haver outro assunto na cidade
enquanto houver alguém acordado. Posso recolher algo
interessante.
Tom deixou o escritório e, ao sair, cruzou com os
homens que, com esforço, conduziam um caixão simples de
madeira com o corpo de Anne Dalton. No escritório, Jenny
tocou o braço de Bolt e pediu, com uma expressão ansiosa
nos olhos:
— Bolt, quero que durma em meu quarto hoje à noite.
— Não tem medo de mim? — sorriu ele.
— De você, não.
— Então está combinado. Como nos velhos tempos?
Ela deu um sorriso amargo.
— Não estou tão velha assim, estou?
— Que nada — disse ele, e beijou-a. — Parece melhor
do que nunca.
CAPITULO 6

No silêncio acolhedor do quarto de Jenny, eles


finalmente puderam esquecer em parte o horror daquela
noite e aliviar a tensão que ainda os dominava. Ao sair do
escritório, Jenny ordenara uma rodada de drinques por conta
da casa, para os poucos fregueses que permaneceram no
recinto após a retirada do corpo de Anne.
— Talvez o xerife esteja certo — disse Jenny ao entrar
no quarto, colocando a lanterna sobre a mesa. — Talvez
fosse mais seguro fechar isso aqui por algum tempo.
— Isso não traria de volta as garotas que foram mortas
— observou Bolt.
— Não, mas poderia evitar outros crimes.
— A única coisa que pode evitar outros crimes é a prisão
do assassino.
— E isso, no momento, me parece impossível —
suspirou Jenny.
A pequena gata cinzenta entrou no aposento, roçando-se
contra as saias de Jenny, que a apanhou no colo e começou
a acariciá-la.
— Foi essa garota que me pregou um bom susto hoje —
disse Bolt, estendendo os braços para brincar com as
orelhas da. gata.
— Gostaria de ter visto essa cena — disse Jenny rindo.
— Bolt, o valente, de arma em punho contra uma
gatinha inofensiva.
— Você não vai achá-la tão inofensiva quando vir o que
ela fez com seu vidro de perfume.
— Ela o quebrou, não foi? Senti o cheiro quando
entramos.
Bolt caminhou pelo quarto, tocando num e noutro
objeto, pensativo. Havia algo pressionando sua mente, algo
que ele chegara a pensar horas atrás, mas que tinha sido
varrido de sua lembrança; uma idéia, uma suspeita, uma
inquietação. .. Ele parou em frente a Jenny.
— Jenny, existe alguém nesta cidade que pudesse
desejar que você fechasse o salão? Alguém que teria
vantagens com isso?
— Não posso imaginar. Os fregueses gostam daqui.
— E os concorrentes? A cidade é cheia de bordéis e de
bares.
— Tenho boas relações com todos, e além do mais não
faltam fregueses: quando o American está cheio, os outros
também estão repletos. Não creio que seja um golpe para
me afastar da concorrência.
Jenny recostou-se na cama e colocou a gata em seu colo;
Smokey queria brincar e saltou para o chão, correndo entre
as pernas de Bolt. A um canto do quarto, começou a brincar
com a própria sombra projetada pela chama bruxuleante da
lanterna.
— E quanto a seus empregados? — perguntou Bolt. —
Podem ter alguma coisa contra você
— Não, nenhuma.
— Ben Sneed? Curly? Os músicos da banda? Alguma
das garotas?
— Se alguma dessas pessoas não gosta de mim, sabe
ocultar muito bem. A única pessoa que me hostiliza é Pug
McCracken, como você deve ter percebido há pouco. Ele
pensa que é o dono da cidade. Não gosto dele.
— Nem eu.
Bolt estirou-se na cama ao lado de Jenny, tombando o
chapéu sobre a testa. Estendeu a mão e, num gesto
carinhoso, afastou as mechas de cabelo cor de cobre que
caíam sobre o rosto dela.
— O tempo passa, não é, Jenny?
— Quantos anos? — perguntou ela. — Quatro, cinco?
— Mais ou menos.
— Aconteceu muita coisa.
— Você não parece um dia mais velha do que quando
trabalhava para mim. E a voz, como está? Continua
cantando?
— Às vezes. — Jenny rolou o corpo na cama e ficou
com o rosto de frente para Bolt. — Ficou muito zangado
comigo quando larguei o trabalho?
— Não — disse ele. — Você ia casar, não ia? No
máximo fiquei com um pouco de ciúme.
— Por sua vontade eu teria ficado ali durante anos,
cantando para os bêbados e indo para a cama com os mais
suportáveis.
Bolt deu uma risada.
— Vai me dizer que você não gostava?...
— Gostava — disse ela. — Gosto muito de homens.
Mas chega um dia em que uma garota tem que pensar em
casamento.
— Fale um pouco do seu.
— Você não chegou a conhecer Richard. Ele tocava
piano. Quando larguei o trabalho com você, fui para São
Francisco e lá nos casamos. Trabalhamos juntos fazendo
apresentações em teatro, bares... Richard morreu num
acidente, um ano depois.
— Sinto muito.
— Ele me deu o ano mais feliz de minha vida, e não
tenho nada do que me queixar.
— Você parou de cantar?
— Ainda canto de vez em quando, mas não é mais a
mesma coisa. E você, Bolt? Chegou a se casar?
— Não. Continuo fora do alcance das possíveis noivas.
— Você nunca vai mudar.
— Espero que não.
— Eu também — disse ela, pousando a cabeça em seu
peito. — Você não tem jeito para marido.
— É, deve ser. — Bolt beijou-lhe os cabelos. Jenny
ergueu o rosto para ele e correu um dedo ao longo de seu
queixo.
— Você não mudou nada. — Continua com a mesma
covinha quando sorri.
Bolt sorriu. Jenny aproximou os lábios dos dele e
começou a mordiscá-los de leve. Ele sentiu seu hálito
quente, perfumado.
— Você está pedindo — disse ele.
— Sim — disse ela.
Bolt a tomou nos braços e beijou-a com força. Sua
língua percorreu os lábios úmidos de Jenny, que se abriram
para recebê-la. Ele acariciou-lhe os seios, sentindo-os
firmes sob o cetim macio do vestido. Jenny tomou-lhe a
boca com a sua, num ímpeto de desejo. Bolt sentiu seu
membro endurecer-se no interior apertado das calças,
dobrado num ângulo esquisito, enquanto o súbito afluxo de
excitação o fazia duplicar de tamanho. Ajeitou-se na cama,
mudando de posição, e jogando o corpo de encontro ao de
Jenny. Beijou-a com força, cada vez mais excitado ao ver a
impaciência que ela demonstrava; sua mão desceu ao longo
das saias e voltou a subir, acariciando-lhe o joelho e a coxa,
tocando o montículo quente e sedoso entre suas pernas.
Jenny abriu-se para ele, enquanto tomava-lhe o rosto nas
mãos e continuava a beijá-lo, de olhos fechados, os quadris
movendo-se devagar. Nesse momento Bolt sentiu uma dor
aguda na perna esquerda.
— Maldita gata — exclamou ele. — Outra vez?!
Smokey saltara sobre a cama e, com as unhas enterradas no
pano da calça de Bolt, equilibrava-se sobre o corpo dele.
Bolt apanhou-a. pelo pescoço, com delicadeza; a gata
cravou as unhas com mais força, mas por fim ele conseguiu
desprendê-la de si e colocá-la de volta ao chão.
— Parece que todas gostam de você — disse Jenny,
provocando-o. Bolt não lhe deu atenção. Apontando o dedo
em riste para a gata, ordenou: — Fique aí! Não queremos
você aqui agora, entendeu?
A gata abriu os olhos verdes para ele, fechou-os com
força, abriu-os novamente, sacudiu a cabeça e, depois, num
gesto preguiçoso, deitou-se no chão, sem perder Bolt de
vista.
— Meu Deus — disse Jenny. — Parece que todas o
obedecem, também.
— Falar com animais é uma questão de jeito — disse
Bolt.
Recostada nos travesseiros, Jenny aspirou
profundamente o ar carregado de perfume. Bolt fez o
mesmo enquanto voltava a deitar-se de encontro a ela.
Disse, em tom provocativo:
— Gosto desse perfume. Perfume de puteiro.
— Que bom — disse Jenny, com os olhos semicerrados.
— Talvez isso deixe você excitado.
— Já estou. — E voltou a abraçá-la e beijá-la com força.
— Você sempre foi fácil de excitar. — A mão de Jenny
desceu pelo corpo dele e cerrou os dedos sobre seu sexo,
por cima do pano áspero da calça, apertando-o de leve,
várias vezes, sentindo-o avolumar-se.
— E você sabe o que fazer com um homem — disse
Bolt, com a boca percorrendo o pescoço de Jenny.
— Gosta de mim, Bolt? — perguntou ela com voz
enrouquecida.
— Você é a melhor de todas. A melhor piranha que já
tive. Você sabe disso.
Jenny livrou-se dos braços de Bolt e ficou de pé. Bolt
também se levantou e, ficando por trás dela, começou a
desabotoar a parte de trás de seu vestido. Quando terminou
de libertar os pequenos botões das presilhas, ele a ajudou a
tirar o vestido por cima dos ombros. Jenny retirou as longas
luvas que vinham até acima dos cotovelos e começou a
desamarrar as anáguas, deixando-as cair ao chão com um
ruído macio e farfalhante. Ela deu um passo para o lado e
virou-se de frente para Bolt, coberta apenas por uma
camisola fina, rendada, e calcinhas leves, que deixavam
entrever os pêlos escuros de seu sexo. Com gestos rápidos,
ela desabotoou a camisola e livrou-se do resto das roupas,
ficando parada diante de Bolt, quase nua, a não ser pelas
botas de couro, de cano longo, que lhe iam quase até o
joelho.
— Você é sempre linda, Jenny — disse ele, sem tirar os
olhos de seus seios firmes e alvos.
Tomou-os nas mãos, acariciando-os, e abaixou a cabeça
até tocá-los com os lábios, provocando-os com a ponta da
língua, até deixar os mamilos retesados. Jenny suspirou.
Bolt deixou as mãos correrem ao longo do corpo dela e
cerrou os dedos sobre seu monte-de-vênus, acariciando a
penugem escura e suave que o cobria. Ajoelhou-se diante
dela, beijou-lhe as coxas. Introduziu o rosto entre as pernas
de Jenny, afastando-as com delicadeza e procurando com a
língua a fenda úmida e quente que se abriu para ele. Jenny
cerrou os dedos sobre os cabelos de Bolt, suspirando,
movendo-se de encontro ao rosto dele. Então ela disse:
— Venha, Bolt. Agora.
Bolt ficou novamente de pé, desafivelou o cinto com o
revólver e o colocou sobre a mesa. Sentando-se na beira da
cama, tirou as botas, enquanto Jenny fazia o mesmo. Sem
perder tempo, Bolt despiu-se, enquanto Jenny retirava a
colcha da cama e se deitava sobre o lençol branco.
— Quer que abaixe a luz? — perguntou Bolt, colocando
suas roupas sobre a mesa, ao lado do revólver.
— Não — disse Jenny. — Quero ver se seu corpo ainda
está do mesmo jeito.
— Isso é o que eu ia dizer agora mesmo.
Bolt virou-se e não conteve um sorriso ao ver que Jenny
apanhara seu chapéu e o pousara sobre o púbis. Ele sentou-
se na beira da cama e perguntou:
— Está escondendo alguma coisa?
— Minha mãe me ensinou que as garotas devem manter
sempre as pernas bem fechadas e cobrir esta parte — disse
ela sorrindo.
— Claro concordou Bolt. Seus dedos foram se
introduzindo devagar por sob a aba do chapéu. — E devem
usar calcinhas limpas, pois podem cair do cavalo ao voltar
da Igreja.
— Certo — riu ela, quando Bolt retirou o chapéu e ficou
brincando de leve com seus pêlos.
Jenny estendeu a mão e segurou o membro rijo de Bolt,
acariciando-o com as pontas dos dedos, tocando-lhe as
veias. Comentou:
— Acho que ele cresceu, Bolt. Não era tão grande assim.
— Gosta dele grande? — perguntou ele, ainda
acariciando seus pêlos.
— Sim. E quero-o agora.
— Deixe-me brincar aqui mais um pouco — disse Bolt,
com os dedos percorrendo de alto a baixo a fenda úmida de
seu sexo.
— Não! Quero agora. Quero que ponha tudo isso dentro
de mim, quero sentir cada pedaço dele no instante que entra,
e quero que mexa, mexa gostoso.
— Jenny, você me deixa maluco.
— Quero que me foda, Bolt, como fazia antes.
A respiração dela saía em arquejos, e seus olhos tinham
uma expressão quase maníaca quando ela puxou Bolt para
cima de si.
Ele deitou-se sobre o corpo nu dela, que tinha um brilho
dourado sob a luz incerta da candeia. Afastou-lhe as pernas
e foi se abaixando aos poucos, com seu membro duro
apontado para frente, como uma seta procurando o alvo.
Com um movimento cuidadoso, ele se encaixou entre as
dobras quentes e macias do sexo de Jenny; lentamente, Bolt
projetou seu corpo para frente, penetrando-a, sentindo-a
crispar-se e gemer debaixo de si; quando ela gemeu mais
forte, ele interrompeu o movimento.
— Mais — disse Jenny, num fio de voz.
Ela estendeu os braços e, agarrando-o pelas nádegas,
puxou-o de encontro a seu corpo, fazendo-o penetrá-la mais
fundo. Bolt iniciou uma série de movimentos rítmicos, com
o corpo colado ao de Jenny, as peles suadas esfregando-se
uma na outra, o membro duro e ansioso variando o ângulo
de penetração, tocando-a por dentro, pressionando-se contra
o osso de seu púbis, fazendo-a arquear-se e jogar as ancas
de encontro a ele, dando, pedindo. Jenny era como um tigre
selvagem sob o corpo dele, acompanhando o ritmo
cadenciado que ele imprimia a seus movimentos, correndo
as unhas por suas costas. Quando Bolt começou a arquejar
com mais força, ela parou de se mexer e fez com que ele
parasse, segurando-o pelos quadris.
— Pare — disse ela. — Ainda não. Demore mais um
pouco.
— Você me parou bem na hora — disse Bolt.
Procurando mover-se o menos possível, ele inclinou a
cabeça e beijou Jenny na boca, longamente. Beijaram-se
durante algum tempo, enquanto ela acariciava o peito de
Bolt, tocando-lhe os músculos, beliscando com as unhas
seus mamilos. De repente, Bolt sentiu algo estranho
roçando-lhe a coxa. Ao virar a cabeça, não conteve uma
risada:
— Temos companhia — disse ele.
Smokey havia subido na cama mais uma vez e agora
lambia a perna de Bolt com sua língua pequena e áspera.
Jenny deu uma gargalhada:
— Ora, parece que você a deixou excitada.
Sem afastar seu corpo do de Jenny, Bolt apanhou a gata
pelo pescoço e soltou-a no chão; ao perceber que ela
armava o salto para subir outra vez, ele a afugentou:
— Cai fora! Cai fora!
A gata retrocedeu, bocejou e caminhou preguiçosamente
para fora do quarto. Bolt voltou a debruçar-se sobre Jenny e
a beijou na boca, no pescoço, nos seios, enquanto os quadris
dela voltavam a fazer movimentos circulares e o desejo
voltava a crescer entre os dois. Bolt introduziu a língua
entre os lábios de Jenny, movendo-a para dentro e para fora
ao mesmo ritmo das estocadas, cada vez mais profundas,
que desferia no interior de sua vagina sequiosa. Desta vez
ele não procurou dominar a excitação; quando já não
agüentava mais, deixou que acontecesse. O orgasmo foi se
avizinhando, até que ele, num impulso mais forte, se
enterrou no corpo de Jenny e soltou um gemido rouco, ao
sentir os espasmos e seu líquido derramando-se dentro dela.
— Bolt, você continua gostoso — disse Jenny, daí a
pouco.
— Você também — foi a resposta.
— Pensei muito em você durante estes anos — disse ela.
— Você foi o único cara que conseguiu mexer de fato
comigo. Você e meu marido.
— Mas por quê? Uma garota como você devia ter uma
porção de caras.
— Não quero.
— Por quê?
— Você sempre foi especial para mim, Bolt. Não sei se
algum outro homem poderia me fazer sentir o mesmo.
— É sempre diferente, Jenny, ainda que com o mesmo
parceiro. Ora, não estou dizendo que volte a se casar. Ma
você não pode passar sem sexo.
— É verdade — disse ela, e seus olhos brilharam. Sua
boca procurou a de Bolt, seu corpo quente e perfumado
colou-se ao dele. E recomeçaram...

CAPÍTULO 7

Na manhã seguinte, Bolt acordou com um sobressalto ao


sentir que algo se movia na cama. Sentiu o calor do corpo
nu de Jenny a seu lado e ao abrir os olhos viu que ela ainda
dormia, envolta no aconchegante cobertor escuro; seu
cabelo ruivo se espalhava em desalinho sobre a fronha
branca do travesseiro.
Bolt sentiu mais uma vez que algo se movia aos pés da
cama. A luz matinal que se filtrava pelas cortinas foi
suficiente para revelar o pequenino vulto cinzento de
Smokey, o dorso arqueado, a cabeça projetada para trás,
pronta para atacar a saliência que o pé de Bolt fazia sob o
lençol.
Bolt mexeu com os dedos do pé. Num bote mais rápido
que os olhos, Smokey saltou ferozmente sobre aquela forma
estranha que parecia provocá-la; Bolt puxou o pé para fora
de seu alcance e com a boca emitiu um pfffrrr que fez
Smokey saltar para o chão, o pêlo arrepiado, e sumir como
um raio pela porta entreaberta.
Jenny não acordou; apenas resmungou um pouco,
mergulhada no sono, e mudou de posição. Bolt levantou-se,
tomando cuidado para não fazer mais barulho, e vestiu-se
rapidamente. Quando abriu a porta que dava para o
corredor, empurrou Smokey para trás, com o pé, evitando
que ela também saísse. Seguiu na direção da cozinha,
guiado pelo som alegre de alguém que assobiava uma
canção; era o único som de presença humana na casa, que
parecia estranhamente quieta após o alarido da música e o
tumulto gerado pelo crime da noite anterior. Bolt imaginou
que a maioria das garotas estaria dormindo nos quartos do
andar de cima. Ao se aproximar da porta da cozinha, o
aroma de bacon frito invadiu suas narinas e ele lembrou-se
de que não havia jantado na véspera.
O homem que assobiava estava de costas para a porta,
em pé diante do fogão, e atirava ovos para o ar, apanhando-
os e atirando-os de novo com impressionante facilidade.
Bolt reconheceu Ben Sneed, não apenas pelo talento no
malabarismo, mas por sua compleição miúda, franzina, e
pelo cabelo escuro, liso, que lhe cobria a gola da camisa.
Havia mais alguém; Bolt teve certeza disso. Percebeu
que, no momento em que cruzava a porta da cozinha,
alguém desaparecia pela saída oposta; alguém que
certamente teria ouvido o ruído de suas botas se
aproximando. Mas não teve tempo de ver quem era, e ficou
com a impressão nítida de que seria uma das garotas,
porque houve no ar algo como um farfalhar de saias
femininas que logo se extinguiu, deixando apenas o assobio
despreocupado de Sneed. Quanto a este, pareceu não
perceber a chegada de Bolt; inteiramente concentrado em
seu número, acabava de juntar mais um ovo aos três que
subiam e desciam. Teve que reconhecer que o homem era
muito hábil naquilo; não era a agilidade exibicionista de um
amador, mas a eficiência quase desdenhosa de um
profissional que poderia estar realizando uma façanha bem
mais complicada. Bolt aproveitou o fato de não estar sendo
visto para avaliar melhor o tipo de Sneed: percebeu que,
apesar de sua pouca estatura e de suas mãos delicadas, era
um homem forte, com ombros sólidos e braços musculosos
que denotavam exercício.
Bolt adentrou a cozinha com o passo despreocupado de
alguém que acabou de acordar e está em busca de um
desjejum. Procurou não demonstrar que, nesse instante,
tinha acabado de experimentar a mesma sensação fugidia
que tivera na noite anterior, e que cada vez mais associava a
Ben Sneed; não sabia o que era, pois não conhecia direito o
outro, mas algo em suas impressões não estava se
encaixando direito.
Sneed virou-se. Encerrou seu breve número apanhando s
ovos, de um em um, e colocando-os sobre a mesa. Só
depois de recolher o último ele encarou Bolt.
— Gostei de ver — disse Bolt. — Você é bom.
— Tenho que praticar o tempo todo — disse Sneed. —
Mesmo num domingo de manhã. Treinamento é tudo.
— Tem razão.
— Acho que você está procurando um café. Aliás,
somos dois. Todo mundo está dormindo.
“Mentira número um”, pensou Bolt. Sneed parecia
querer ocultar deliberadamente a presença de mais alguém
na cozinha, antes da chegada dele. Estendeu a mão.
— Meu nome é Bolt.
— Já sei — disse Sneed, cumprimentando-o. — Você é
o amigo de Jenny.
— Sim. E quanto ao café?
— Vamos ter que improvisar alguma coisa. O cozinheiro
não veio hoje e em minha opinião está assustado por causa
dos crimes. Jenny vai levantar agora?
Bolt ergueu os sobrolhos.
— Isso é algo que não sei. — Mudou de assunto. — E
você? Mora aqui?
— Não, mas nas últimas semanas tenho dormido aqui
algumas vezes, pois Jenny tem andado assustada. Mas acho
que agora posso ir dormir em casa, já que você chegou.
Bolt sentiu uma ponta de sarcasmo na voz do outro.
Seria ciúme? Ou queria apenas testá-lo?
— E quanto ao barman?
— Curly? Ele tem mulher e um monte de filhos. Vai
para casa assim que o último freguês sai pela porta.
Bolt andou pela cozinha, olhando em redor como se
procurasse algo. Durante o curto diálogo Sneed não o tinha
olhado de frente uma única vez sequer, e ele não queria dar
a impressão de estar fazendo um interrogatório; tentou
manter sua voz no tom casual de dois indivíduos com
interesses em comum e que acabam de se conhecer.
— Sabe alguma coisa sobre esses crimes? — perguntou.
— Apenas o que todo mundo sabe — replicou Sneed. —
E quanto ao de ontem, talvez você mesmo saiba mais do
que eu. Afinal, você estava dançando bem próximo de Anne
na hora em que ela foi apunhalada. E esteve a noite inteira
observando o salão com Jenny.
Havia algo de agressivo na voz dele, pensou Bolt. Desta
vez soava como ciúme. Mas ciúme de quem? De Jenny? De
Anne Dalton? Bolt tentou ser jovial.
— Ora, ora, parece que você estava de olho era em mim.
— E estava — foi a resposta pronta de Sneed. —
Sempre fico de olho quando aparece alguém de fora. —
Sneed voltou a evitar os olhos de Bolt, e colocou mais umas
fatias de bacon na frigideira. Mas Bolt não desistiu.
— O fato é que você estava em cima do palco na hora do
crime, e esse era o melhor lugar para ver o que aconteceu.
— Pode ser. Mas não vi nada.
— Você estava no mesmo lugar, nos outros crimes?
— Sim.
— Não viu nada?
— Não.
— Conhecia bem as outras garotas que foram mortas?
— Olhe aqui, Bolt — disse Sneed, ainda sem encará-lo
—, eu não tenho nenhuma pista sobre esse caso. Se alguém
aqui tivesse um pequeno indício que seja, Jenny não teria
mandado buscar você. Mas, já que está aqui, desejo-lhe boa
sorte. Só que eu não sei de nada.
Bolt encolheu os ombros, fingindo não notar a
hostilidade, agora sem disfarces, na voz do outro.
— E alguém tem alguma hipótese?
— Claro que sim. O criminoso é o Matador Fantasma.
Um maluco. Ë o que todos dizem.
— É, deve ser. Um sujeito que mata mulheres dessa
forma é um anormal, um depravado.
O tom de voz empregado por Bolt foi de desprezo, mas
não surtiu efeito; Ben Sneed voltou a assobiar com
despreocupação, mexendo o bacon com um garfo e
parecendo ter dado a conversa por encerrada. Bolt saiu da
cozinha sem pressa, como se preferisse dar uma volta
enquanto o café ficava pronto. Encaminhou-se até o quarto
com a intenção de pegar seu chapéu, mas receou acordar
Jenny, de modo que mudou de direção e dirigiu-se para o
salão de danças.
O salão estava varrido e limpo e um cheiro penetrante de
detergente recendia no ar. As mesas estavam forradas, as
cadeiras arrumadas em volta; copos reluzentes estavam
enfileirados por trás do balcão, e até as escarradeiras de
latão tinham sido lavadas e polidas.
“Quem faria aquela limpeza?”, pensou Bolt. Não tinha
sido Jenny, nem tampouco devia ser Curly, a julgar pelo
que Sneed dissera. Talvez fosse o próprio Sneed. Talvez
esse trabalho extra, e bastante cansativo, fosse o
responsável pelo aborrecimento e agressividade que ele
acabara de demonstrar.
Saindo pela porta principal, Bolt rodeou o casarão e foi
até o curral ao lado, onde deixara Nick na noite anterior. Ao
perceber sua presença, o cavalo empinou as orelhas e
sacudiu a cabeça em sua direção. Bolt colocou sobre ele a
manta e a sela, apertou os arreios, montou e seguiu a passo
lento para a rua principal.
Placerville estava extraordinariamente tranqüila, em
comparação com a noite anterior. Ainda era muito cedo, e
as pessoas que freqüentam a igreja ainda não tinham
deixado suas casas. Bolt seguiu devagar, anotando
mentalmente os edifícios que se alinhavam ao longo da rua;
o armazém principal, com as janelas cobertas de anúncios e
placas manuscritas de propaganda; o escritório do xerife;
um casarão desconjuntado ostentando as placas da
lavanderia de Wing Chew, da barbearia Beacon e de uma
galeria de arte no andar térreo; o primeiro andar tinha
cortinas floridas nas janelas e um cartaz: QUARTOS PARA
ALUGAR. Perto dali havia um outro salão de dança, o
Hangtown Saloon, e ao lado o Cary House, o hotel que
Jenny indicara a Tom. A maior parte das lojas e casas de
negócios estava fechada.
Bolt queria trocar idéias com Tom, mas primeiro
resolveu tomar seu café. Ao ver um homem varrendo a
calçada em frente ao Dry Gulch Saloon, ele pensou em
perguntar onde poderia comer algo, mas no mesmo instante
avistou um pequeno café aberto, no lado oposto da rua.
Amarrando Nick do lado de fora, ele entrou e pediu um café
da manhã reforçado. Enquanto esperava, um casal jovem e
simpático entrou no recinto e sentou-se numa mesa
próxima; o cozinheiro aproximou-se para atendê-los.
— Bom dia, Barney — disse o homem, que estava bem
vestido e tinha uma voz educada.
— Bom dia — disse Barney. — Parece que vamos ter
um domingo tranqüilo.
— Espero que sim, mas acabei de saber que houve mais
um crime ontem, no American.
— Sim — confirmou Barney, limpando as mãos no
avental. — Uma coisa horrível. Sinto muito pela Jenny; isso
está prejudicando muito o trabalho dela.
— Fico espantado em ver como o xerife não toma
nenhuma providência — prosseguiu o homem.
— O xerife está tão perplexo quanto nós — disse
Barney, encolhendo os ombros.
Desta vez foi a mulher que falou:
— O xerife devia colocar alguns homens a serviço no
próprio local dos crimes. Será que isso é tão difícil assim?
— Não é tão fácil quanto parece, Beth — respondeu o
cozinheiro. — Ontem houve uma briga feia no Dry Gulch e
o xerife McCracken andou muito ocupado.
— Uma briga? — O homem pareceu interessado. —
Fale-me a respeito.
— A coisa de sempre. Um jogo de pôquer.
— E, nada de novo — disse o homem com uma risada.
Mas os olhos da mulher faiscaram com uma expressão
de raiva que não escapou a Bolt.
— Uma briga de jogadores não me parece algo mais -
sério do que a morte de uma mulher — disse ela.
— Ora, ora, Beth — disse o homem, tomando-lhe a
mão. — Dançarinas de cabaré morrem todo dia.
— Jogadores de baralho também — disse ela. — Aliás,
não vejo como se pode comparar uma briga de dois
trapaceiros bêbados com o assassinato a sangue-frio de uma
moça, não importa qual seja sua profissão. Não sou
puritana, e acho que um xerife também é pago para proteger
prostitutas.
— Não têm nenhuma pista nova sobre o assassino? O
homem dirigiu-se outra vez a Barney.
— Não. A mesma coisa das vezes anteriores, segundo as
pessoas com quem já falei. Ninguém sabe o que está se
passando e já começam a chamar o criminoso de o Matador
Fantasma.
Bolt acabou seu café, limpou a boca com um
guardanapo e deixou um dólar sobre a mesa. Montando em
Nick, refez o caminho rua acima e foi até o Cary House,
onde Tom estava hospedado. O porteiro o informou que o
sr. Tom Penrod estava no quarto n.° 22, no primeiro andar.
Bolt subiu e bateu à porta, uma, duas vezes. Ouviu o som de
pés descalços no interior do quarto.
— Quem é? — A voz de Tom estava pastosa e
sonolenta.
— O lobo sanguinário das montanhas — disse Bolt.
Tom abriu a porta e voltou para a cama, passando os
dedos pelos cabelos em desalinho e bocejando.
— Que horas são? — perguntou ele.
— Hora de levantar — disse Bolt.
— Como posso me levantar? — perguntou Tom,
voltando a mergulhar sob o lençol. Nem acordei ainda. Por
que não vem aqui depois que amanhecer?
— Ora, Tom. Já está quase na hora da missa.
— Diga que podem começar sem mim — retrucou Tom,
cobrindo os olhos com o braço.
Bolt soltou uma risada. Sentando-se numa cadeira,
estirou as pernas e apoiou as botas na borda de uma
mesinha ao canto do quarto.
— Tom, vamos trabalhar. O que você andou fazendo
ontem à noite?
— Andei pelos salões, conversando com uns e outros.
Nenhuma novidade, a não ser uma informação interessante
sobre nosso xerife. Seu verdadeiro nome não é Pug, e sim
Paul McCracken, e é voz corrente na cidade que ele tem a
firme intenção de fechar o salão de Jenny.
— Por causa dos crimes?
— Não, e aí está o detalhe. Jenny recusa-se a pagar a
“taxa de proteção” que todas as outras casas da cidade
pagam a nosso amigo, e é por isso que ele faz vista grossa a
qualquer coisa que aconteça lá dentro.
— Taxa de proteção? — Bolt franziu a testa.
— Sim, a coisa de sempre. Todos pagam: lojas, cabarés,
bares.. . Parece que o sr. McCracken ganha uma grana
respeitável com esse imposto particular.
— E o pessoal paga sem reclamar?
— Uns têm medo de McCracken, outros estão
simplesmente acostumados. Ele está no cargo há um ano e
até agora somente Jenny tem mostrado resistência, e é claro
que isso tem a ver com os crimes, ao menos, indiretamente.
— Tem razão, Tom. A questão agora é: ele está apenas
deixando o criminoso impune ou estará por trás de tudo?
— Bem, pessoalmente ele não poderia ter cometido os
crimes, uma vez que não estava lá. Pode ter sido um de seus
homens.
— E agora, o que fazemos? — perguntou Bolt.
— Vamos trabalhar — respondeu Tom, pulando da
cama e procurando as roupas. — Temos uma semana antes
do próximo sábado à noite, e dessa vez o Matador Fantasma
terá de ser muito esperto, mas muito esperto mesmo.

CAPÍTULO 8

Meia hora depois, Bolt estava sentado com Jenny numa


das mesas do salão do American, tomando uma xícara de
café. Todas as garotas já tinham levantado e saído, com
exceção de Nellie Ruggles e Lyda Sims.
— É uma pena — disse Bolt. — Gostaria de interrogá-
las o mais cedo possível.
— É dia de folga delas e não tive como obrigá-las a ficar
aqui — disse Jenny. — Estão apavoradas. Quanto a Nellie e
Lyda, ainda estão dormindo; a viagem de vocês foi muito
cansativa.
— E as outras, quando voltam?
— O salão está fechado hoje, de modo que só voltarão
tarde da noite, ou amanhã pela manhã. Acho que a maioria
delas vai ficar longe daqui o mais que puder.
— Tem razão — concordou Bolt.
— Eu também ficaria — disse Jenny com um suspiro.
— Não sei o que é pior aqui dentro: se ver esse salão
vazio ou estar nele no meio de uma multidão onde pode
haver um assassino.
— Onde está Ben Sneed agora?
— Deixou o café pronto e saiu, logo que as garotas
começaram a descer. O cozinheiro foi embora hoje de
manhã.
— Estou sabendo.
— Quem lhe disse? — perguntou Jenny, com surpresa.
— Sneed. Acordei cedo hoje de manhã, embora você
tenha feito o possível para me deixar esgotado — disse Bolt
com um sorriso cheio de malícia. — Encontrei Sneed na
cozinha e conversamos alguns minutos, enquanto ele fritava
bacon e jogava ovos para o ar.
Jenny ficou calada por alguns instantes e depois ergueu
um par de olhos ansiosos para Bolt.
— Bolt, por que não vamos dar um passeio hoje?
Poderíamos preparar uma cesta de piquenique e cavalgar
um pouco fora da cidade. Se eu ficar aqui o dia inteiro
respondendo às mesmas perguntas, vou acabar ficando
louca.
— Imagino que você conheça um bom lugar para
piquenique — comentou. — Um riacho, árvores, muita
sombra e uma grama macia onde duas pessoas possam
deitar... e rolar à vontade.
— Sei de um lugar que é exatamente assim — disse
Jenny, sorrindo e correndo as unhas ao longo do braço dele.
Bolt acariciou o braço macio pousado sobre a mesa, mas
acabou sacudindo a cabeça.
— Não, Jenny, acho que temos que deixar isso para
depois. Acabei de chegar à cidade e preciso agir rápido.
Preciso falar com uma porção de gente.
— Sim, mas como? E domingo e você só vai poder
encontrar as pessoas à noite, quando os outros salões
abrirem. Podemos ter o dia só para nós dois.
— Veremos. Enquanto isso, conte-me alguma coisa
sobre o nosso antipático xerife e sobre essa história de “taxa
de proteção”.
— McCracken é um canalha. As pessoas que pagam
essa taxa, ou melhor, essa chantagem, não recebem
nenhuma proteção extra; para falar a verdade, estão tão
desprotegidas quanto eu. E, já que é assim, vejo cada vez
menos motivos para pagar.
— Ele poderia ser o responsável pelos crimes?
— Posso estar errada, mas acho que não. Ele é um
chantagista; não tem “tutano” para ser um assassino.
— Talvez não pessoalmente, mas pode dizer a alguém:
vá lá e acabe com aquela festa.
— Não sei — disse Jenny, abanando a cabeça. — Talvez
ele fosse capaz de mandar alguém me matar, em represália;
mas matar garotas que nada têm a ver com a questão? Oh,
Bolt, não é possível.
— É — concordou Bolt. — Também não gosto dele,
aias não consigo vê-lo como sendo o Matador Fantasma.
— Meu Deus, já criaram até um nome — lamentou-se
Jenny. — Quando as coisas chegam a esse ponto, não sei
onde vão parar.
Bolt circulou o olhar pelo salão limpo e reluzente, tomou
um gole do café. Só depois perguntou:
— Quem fez a limpeza do salão? Sneed?
— Por que pergunta?
— Uma impressão que tive. Quando falei com ele ainda
há pouco, ele não estava de muito bom humor. Talvez fosse
por causa de minha presença aqui. Talvez por causa de
alguma tarefa que ele foi obrigado a executar, algum
serviço que ele considera inferior: cozinhar, varrer... Estava
de mau humor e só faltou me perguntar diretamente se
dormimos juntos ontem.
— Não é da conta dele.
— Talvez ele ache que seja. E quanto ao salão?
— De fato, não é uma das tarefas de Ben. Tenho uma
garota que faz isso todas as manhãs. Quanto à curiosidade
dele... bem, eu não diria que ele jamais demonstrou
interesse por mim, mas não me surpreenderia se acabasse
tendo. Ben é muito dissimulado. Às vezes me trata com
uma aspereza inexplicável... mas não quero tirar conclusões.
— Nem eu. Mas, se tenho de investigar algo, geralmente
começo por quem está mais próximo.
Jenny ficou de pé e estendeu as mãos para Bolt:
— Está bem, mas depois a gente continua. Vamos ao
nosso passeio, certo? Vou preparar algo para nós.
Ele tomou-lhe as mãos sem se erguer da cadeira e não
teve tempo de esboçar nenhum protesto; Jenny beijou-o
rapidamente na boca e deixou o salão, na direção da
cozinha. Bolt ficou um pouco desconcertado, mas depois
refletiu que durante o passeio poderia extrair dela mais
algumas informações de que precisava. E também poderia
se divertir um pouco, pensou, espreguiçando-se, satisfeito.
— Posso sentar?
Ele olhou por sobre o ombro e deu de cara com Nellie
Ruggles, que vestia um robe cor-de-rosa e tinha os pés
descalços.
— Oi, Nellie, bom dia. Sente aqui e tome um café. —
Ele apanhou uma xícara limpa sobre o balcão e a encheu
com o café fumegante do grande bule de metal pousado
sobre a bandeja. — Dormiu bem?
— Não muito — respondeu ela, sentando-se. Durante.
um rápido momento o robe entreabriu-se, deixando entrever
seu corpo nu.
— Cansada? Ou preocupada com o que aconteceu?
— Nem uma coisa nem outra! — Nellie ergueu a xícara
até os lábios e sorveu um gole de café. Pousando a xícara
novamente, ela olhou direto nos olhos de Bolt. — A
verdade é que fiquei esperando que você viesse para meu
quarto, e demorei a pegar no sono.
Bolt de certa forma já imaginava aquilo, e respondeu:
— Não pude.
— Eu sei. Você dormiu no quarto de Jenny, não foi?
— Foi.
— Ben Sneed me disse, quando desci para a cozinha
uma hora atrás. — Ela tomou outro gole de café. — Talvez
não tenha sido muito correto, mas eu perguntei por você e
ele respondeu.
— Não foi correto da parte dele — disse Bolt, sentindo
que sua irritação contra Sneed aumentava. — Mas o fato é
que vim aqui a pedido de Jenny, e para ajudá-la.
— Espero que a tenha ajudado bastante — retrucou
Nellie. Em sua voz havia ironia, ciúme e um ressentimento
meio infantil. Bolt fingiu não notar.
— É verdade, fiz o possível. Afinal, Jenny e eu somos
velhos amigos.
— Imagino que passaram a noite relembrando os velhos
tempos — continuou ela, sem encará-lo. Matando as
saudades... divertindo-se.
Bolt percebeu que os olhos dela estavam úmidos.
Tomou-lhe as mãos e disse:
— Ora, Nellie, que é isso? Logo você?
Ela abaixou a cabeça e duas lágrimas rolaram por seu
rosto. Daí a pouco ela fungou, limpou o rosto com as costas
da mão e deu uma risada um pouco amarga.
— Desculpe. Não quero parecer uma boba. Mas ontem
eu estava morta de cansaço, e mataram aquela garota
poucos metros de onde eu estava. Fui me deitar naquele
quarto no escuro, e comecei a sentir medo. Só havia uma
pessoa nesta cidade que eu queria ter perto de mim.
Adivinhe quem era.
— Deixe ver... — Bolt fez um ar pensativo e recordou
algumas imagens da noite anterior. — Talvez aquele
vaqueiro gordo com quem você dançou ontem e que ficava
com o rosto à altura de seu decote. Ou aquele outro que
tinha uma perna manca e que você tinha de segurar o tempo
todo para que não caíssem os dois.
Nellie soltou uma gargalhada; seus olhos voltaram a
brilhar e ela apertou a mão de Bolt na sua.
— Oh, Bolt, você é gozado. Além de muito observador.
— Fiquei de olho em você, é claro.
— E, agora, o que vai acontecer?
— Preciso conhecer a cidade, as pessoas, reunir
informações. Tenho que fazer alguma coisa para evitar
outro crime.
— Percebi que você e Jenny vão fazer um passeio. —
Não havia mais sarcasmo na voz dela; mas Bolt ainda
percebeu um resquício de ciúme e tentou ser o mais
diplomático possível.
— Jenny está muito tensa. Se você se sentiu apavorada
ontem, imagine o que ela tem passado nessas últimas
semanas. Preciso fazer com que ela relaxe um pouco,
inclusive porque tenho de saber tudo sobre os outros crimes.
É o único modo de descobrir algo.
— Tem razão — concordou Nellie. — Mas vai ser um
dia muito entediante aqui.
— Tom vai chegar daqui apouco. Por que vocês dois e
Lyda não fazem um passeio?
— Acho que vou fazer isso. Preciso comprar umas
roupas, e no fim da tarde posso ir para a cozinha preparar
alguma coisa para nós. Gosto muito de cozinhar.
— Faça isso — incentivou Bolt, e beijou-lhe a mão. —
Não fique pensando bobagens.
Nellie ergueu-se da cadeira e beijou-o no rosto. Nesse
exato momento Jenny entrava no salão; as duas mulheres se
entreolharam e, sem uma palavra, Nellie encaminhou-se
para a escada com o passo firme de quem não tem
satisfação a dar a ninguém.
— Está pronto? — A voz de Jenny era totalmente
normal, como que determinada a não dar a menor
importância ao que vira. Bolt se levantou e notou que ela
tinha posto um vestido leve, amarelo, e um chapéu largo,
amarrado com uma fita de seda também amarela.
— Onde está a cesta do piquenique? — perguntou Bolt,
olhando-a de alto a baixo. — Embaixo do chapéu?
— Engraçadinho — disse Jenny com um sorriso. — A
cesta está na cozinha. Vamos sair pela porta lateral e você
vai atrelar o cavalo à charrete. Ah, ia me esquecendo.
— Jenny rodeou o balcão e escolheu uma garrafa de
vinho entre as que estavam enfileiradas na prateleira.
— Vai me embriagar? — perguntou ele, recebendo a
garrafa e olhando o rótulo.
— Nós vamos nos embriagar! E beijou-o na boca.
Quando cruzaram o salão, rumo à parte dos fundos, Bolt
não pôde evitar uma olhada na direção da escada que levava
ao andar superior, mesmo sabendo que Nellie não estava
mais ali. Saber-se disputado por duas mulheres como Jenny
e Nellie não era propriamente uma das situações mais
cômodas. Mas ele sorriu e refletiu que é preferível duas
mulheres disputando um homem do que dois homens
disputando uma mulher.
Chegaram à cozinha e Bolt guardou a garrafa de vinho
na cesta de piquenique que Jenny deixara sobre a mesa. Ao
fazê-lo, sentiu o aroma agradável de carne assada e pastéis.
Acompanhou-a, mas ao contrário do que esperava não
saíram pela porta da cozinha. Jenny o conduziu até o
banheiro, onde a banheira de tábuas ficava bem ao centro,
com dois tonéis de água colocados ao lado da porta. Ela
abriu-a com uma chave que trazia consigo e deixou que
Bolt saísse conduzindo a cesta; depois voltou a trancá-la
pelo lado de fora.
— Alguém mais possui esta chave? — perguntou Bolt.
— Somente a garota que faz a limpeza. Ela entra e sai
por aqui. Por quê?
— Nada, só tive uma idéia. Verifiquei essa porta ontem
à noite e fiquei imaginando por que razão não havia
ferrolhos pelo lado de dentro, como nas outras.
— Nós usamos esta porta o tempo todo.
— Mas você não acha arriscado deixá-la sem ferrolhos
internos?
— Não! Penso que se alguém quiser entrar à força ele
tentará a porta da frente ou a de trás, mas não esta aqui.
— E ontem à noite, estava fechada?
— Sim, e bem fechada.
— Onde mora a garota da limpeza?
— Naquela casinha ali atrás — respondeu Jenny,
indicando uma pequena casa de troncos a uma certa
distância.
— É uma boa garota e muito bonita também. Ela não se
demora muito por aqui, apenas o suficiente para fazer a
limpeza, depois que todo mundo vai embora. — Deu um
sorriso malicioso. — E tenho a impressão de que Ben Sneed
lhe faz umas visitas de vez em quando.
— Entendi.
Quando Bolt parou para examinar a casinha a distância,
teve a impressão de que uma cortina se movia, como se
alguém estivesse a observá-los; mas não pôde ter certeza.
Seguiu Jenny até o pequeno estábulo por trás do casarão,
perto do local onde deixara Nick na noite anterior.
— Ora — disse ele, quando chegaram lá. — Alguém já
pôs o cavalo na charrete.
— É verdade. Pedi a Ben que o fizesse, antes que ele
saísse logo é cedo.
Bolt sorriu.
— Parece que você estava bastante segura de que eu iria
concordar com o passeio.
— Eu sempre estou segura do que faço.
— E se eu tivesse recusado?
— Eu acharia alguém melhor do que você para me fazer,
companhia — retrucou ela, olhando em frente, num tom
desafiador.
Bolt a ajudou a subir na boléia da charrete, saltou para
seu lado e segurou as rédeas.
— Aonde vamos, madame?
— Primeiro à esquerda, pegando a estrada que leva ao
bosque. Vou lhe mostrar um lugar diferente de tudo o que
você já viu, em toda a sua vida. Há uma pequena cachoeira
que deságua numa piscina, onde podemos nadar e depois
tomar nosso lanche sob as árvores.
— Muito bem — disse Bolt, fazendo as rédeas
estalarem. O cavalo arrancou meio preguiçosamente, mas
daí a pouco foi apertando o passo, quando pegaram a trilha
principal. Durante vinte minutos, eles seguiram através da
floresta, cercados por cedros imensos e por altos pinheiros.
— Estamos chegando — anunciou Jenny, quando
desembocaram numa clareira. Ela apontou a cachoeira a
distância. — Ali está. Acha romântico?
— Romantismo não é meu forte — disse ele com um
sorriso —, mas não tenho nada contra. Ë um lugar lindo.
— Acho que vamos ter que parar e subir a colina a pé. Já
vim aqui antes, mas nunca de charrete, e não sei se o cavalo
vai agüentar essa subida.
— Ora, então vamos testá-lo.
Sacudindo as rédeas, ele forçou o cavalo ao longo da
trilha tortuosa que, galgando a escarpa, dava para uma
ravina alta e abrupta. À medida que subiam, podiam avistar
a água azul da piscina natural formada pelo represamento
das águas da cachoeira. Não ficava muito distante, mas o
cavalo teve que fazer um certo esforço para escalar a
ladeira. Com as narinas arfantes e salpicando suor em torno,
ele lutava para arrastar até o alto o peso da charrete.
— Talvez tivesse sido melhor subir a pé — disse Bolt.
Mal acabou de falar quando ouviram um estalo. Ele
sentiu que a charrete estacava e começava a rodar para trás,
descendo a ladeira, enquanto o cavalo, subitamente livre,
dava um salto para frente.
— O que foi, Bolt? — gritou Jenny.
— Os tirantes se partiram. Droga!
Bolt se virou para olhar para trás. A charrete começava a
descer aos solavancos, por entre as pedras e os arbustos, na
direção da borda da ravina. Numa fração de segundo Bolt
avaliou as possibilidades de saltar e tentar deter o veículo
com as mãos, mas logo percebeu que era impossível.
Tinham uma única chance: que a charrete acabasse se
chocando com uma das árvores; mas as poucas que havia
estavam distantes e a beira do precipício se aproximava
cada vez mais.
— Bolt, faça alguma coisa! — exclamou Jenny,
aterrada, segurando-se na boléia.
Bolt sabia que era preciso fazer alguma coisa, mas
percebeu também que sua única esperança era a de que a
charrete batesse em algum obstáculo que a freasse e a
impedisse de chegar à borda do barranco, O veículo
continuava descendo aos solavancos, as rodas chocando-se
com pedras e pequenos arbustos, que o faziam sacolejar,
mas não interrompiam sua trajetória rumo ao abismo.
PARTE II
CAPÍTULO 9

Tudo foi muito rápido, mas a quantidade de impressões


superpostas na mente de Bolt deu-lhe a sensação de que
aquilo durou muito mais tempo. Jenny agarrou-se a Bolt
enquanto a charrete parecia ganhar velocidade após cada
choque com uma pedra ou saliência do terreno; os dois
oscilavam violentamente de um lado para outro. Não havia
como tomar impulso e saltar para o chão.
E de repente a charrete parou, com um estrépito. Uma
das rodas traseiras havia se chocado com alguma coisa, e
por alguns instantes ela balançou, com a outra roda já
escorregando na direção do abismo; mas acabou se detendo,
embora num equilíbrio instável onde o menor movimento
poderia ser fatal.
— Fique parada, Jenny — disse Bolt, firmando-se com
as mãos e evitando qualquer gesto brusco. Virou a cabeça e
tentou avaliar a posição em que se encontravam. Percebeu
que a roda havia ido de encontro a alguma coisa que os
fizera parar; a charrete se inclinava para o precipício do
lado em que ele estava e sua única salvação seria sair pelo
lado de Jenny.
— Preste atenção — disse Bolt. — Vamos nos mexer
bem devagarzinho, certo? Não faça movimentos bruscos.
Vamos transferir nosso peso para seu lado.
— Está bem — disse Jenny, com voz fraca.
— Mova-se devagar. Estique o braço e vá se apoiando
nele aos poucos... sim, assim. Passe todo o seu peso para o
braço. Não volte a se sentar! Sim, continue. Agora vá
deslizando para a ponta do banco.
À medida que Jenny obedecia às suas instruções, a
charrete, que estava suspensa num ângulo perigoso sobre o
barranco, foi gradualmente se nivelando; Bolt acompanhou
Jenny, tentando sincronizar seus movimentos com os dela e
evitar que o veículo oscilasse, o que poderia ser-lhes fatal.
Quando Jenny atingiu a ponta do banco, ele já estava numa
posição em que seu peso poderia compensar a ausência
dela.
— Agora pule, mas sem tomar impulso. Deixe-se cair no
chão.
Jenny fez como ele ordenara; passando as pernas para o
lado de fora, ela deixou seu corpo rolar para o chão, onde
caiu em segurança. A perda de seu peso fez a charrete
balançar um pouco, mas Bolt já deslizara para a
extremidade do banco. Com os mesmos cuidados nos
movimentos, ele passou suas pernas para fora e, apoiando-
se com as mãos nas bordas do banco, conseguiu finalmente
descer o corpo até tocar com os pés o chão firme. Livre do
peso, a charrete voltou a oscilar; mas manteve-se firme em
sua precária posição.
— Foi por pouco — disse Bolt, estendendo a mão para
ajudar Jenny a levantar-se.
— Bolt, você salvou minha vida — disse Jenny, ficando
de pé e abraçando-o.
— Nós salvamos nossas vidas — disse ele. Abaixou-se e
espiou por baixo da charrete. A roda havia se chocado com
uma pedra grande, que não apenas interrompera a queda
como também tinha proporcionado o instável equilíbrio que
os salvara.
— Tivemos sorte — disse Bolt. — Aliás, nunca tive
tanta sorte em minha vida. Parece que hoje vai ser um dia
excelente.
— Não sei como você ainda consegue brincar — falou
Jenny, ainda muito pálida, ajeitando as dobras amassadas do
vestido.
— Ora, o perigo já passou, não é mesmo? Agora temos
de achar um jeito de tirar a charrete daí.
— Ora, esqueça. Não vale a pena.
Bolt olhou em redor. As árvores mais próximas estavam
a menos de dez metros.
— Será que você tem uma corda na parte traseira da
charrete?
— Não, e mesmo que tivesse não iria deixar que você
subisse aí — respondeu ela.
— Então posso descer de novo até a cidade e trazer
Tom, os cavalos e uma boa corda.
— Bolt, esqueça essa maldita charrete, por favor. A
única vontade que tenho é de empurrá-la lá para baixo e não
vê-la nunca mais em toda a minha vida. Bolt, afaste-se daí!
Bolt havia caminhado até a charrete e, inclinando-se
sobre a boléia, regressou triunfante com a cesta de
piquenique nas mãos:
— Bem, pelo menos vamos fazer nosso lanche.
— Você é um maluco. Ainda pode pensar em comer,
depois do que aconteceu?
— Ora, não aconteceu nada, e vamos comemorar
exatamente isso. Seria bom acharmos seu cavalo, ou então
vamos ter uma longa caminhada pela frente.
Jenny enfiou dois dedos na boca e soltou um assobio
agudíssimo; esperou um pouco e repetiu o assobio mais
duas vezes. Instantes depois, o cavalo aparecia no meio das
árvores, meio desorientado, trotando em sua direção. Jenny
o recebeu com afagos, e Bolt aproveitou para se abaixar ao
lado da charrete. Estendendo os braços ele apanhou os
tirantes de couro que pendiam sobre o chão e examinou
suas extremidades. O que viu não lhe causou espanto, mas
fez com que um frio se lhe espalhasse pela boca do
estômago. As extremidades das tiras de couro não estavam
gastas e desfiadas como seria normal que estivessem;
haviam sido cortadas a partir das bordas por uma faca
afiada, e a parte central fora se rompendo aos poucos pelo,
excesso de peso. Bolt foi até o cavalo e examinou as outras
extremidades dos tirantes, encontrando os mesmos sinais:
bordas cortadas com faca e o centro rompido.
— Isso não foi um acidente, Jenny.
— O que quer dizer com isso?
— Olhe aqui, esses tirantes foram cortados a faca.
— Tem certeza?
— Já vi isso antes, mais de uma vez. Alguém sabia que
íamos subir esta encosta e teve essa brilhante idéia.
— Mas, quem? Quem poderia ser?
— Alguém que sabia que viríamos para cá. Você vem
aqui com freqüência, não é? Quem sabe disso?
— Todo mundo. Sempre comento com as pessoas que
este é meu passeio predileto.
— Quem aprontou a charrete hoje?
— Ben. Mas é claro que não foi ele.
— Por quê?
— Bolt, será que você não entende? Ben é meu amigo.
Seria ridículo pensar que.
— Está bem. Mas mesmo que ele não tenha cortado os
tirantes, vai ter de me explicar como é que preparou a
charrete e não reparou nisso. O que estou achando é que ele
não quer ser meu amigo. Talvez ele tenha medo do que eu
possa vir a descobrir sobre os crimes.
— Ora, você sabe que não pode ter sido Ben. Em todos
os crimes ele estava em cima do palco, perto dos músicos, à
vista de todos. Não poderia ter descido e apunhalado as
garotas. E Ben não é um assassino. Tenho certeza.
Bolt não tinha certeza de nada; mas cada vez que
lembrava os olhos esquivos e as mãos ágeis de Ben Sneed,
não podia evitar uma impressão desagradável como se algo
o estivesse prevenindo: cuidado; perigo.
***
Durante todo o tempo em que estiveram sentados sob as
árvores, comendo e bebendo vinho, Bolt evitou falar sobre o
“acidente” e sobre os crimes acontecidos no American; não
queria que Jenny continuasse mergulhada no estado de
espírito pessimista que começava a se apoderar dela.
Conversaram, tomaram vinho, ficaram algum tempo
deitados na relva, abraçados, apenas olhando para o céu
azul — ouvindo o farfalhar das folhas nas árvores — e para
as nuvens que de vez em quando ocultavam o sol e
suavizavam o calor do dia.
Quando retornaram ao American, Bolt apanhou no
estábulo algumas cordas, um novo jogo de tirantes e
retornou acompanhado por Tom. Levaram algum tempo
amarrando as cordas às árvores e depois à charrete, para
mantê-la a salvo de cair; depois atrelaram o cavalo e
puderam rebocá-lo com segurança. Ao regressarem, as
garotas haviam acabado de preparar um jantar para todos.
Jantaram na cozinha e, enquanto elas lavavam a’ louça, Bolt
retornou ao dancing para testar umas hipóteses. Acendeu
várias lanternas que proporcionaram uma iluminação
razoável, enquanto Tom ia servir drinques para eles. Bolt
subiu ao palco e parou no lugar onde Ben Sneed estivera no
momento da morte de Anne Dalton. Olhando lá de cima,
localizou o lugar onde Anne estava no momento do crime.
Levando a mão à nuca, ele imitou o movimento de alguém
que apanha uma adaga oculta na gola e a arremessa para
frente, num único gesto, rápido, certeiro. Executou várias
vezes esse movimento, avaliando a distância e a força que
seriam necessárias para fazer com que a arma se encravasse
profundamente na vítima. Achou que era possível. Iria
requerer muita prática e muita habilidade; mas era possível.
Ao examinar o corpo de Anne, Bolt havia percebido que
o estilete estava encravado de cima para baixo em suas
costas, num ângulo semelhante ao do ponteiro de um
relógio ao marcar duas horas. Ele tocara o estilete e vira que
estava cravado com firmeza, de modo que essa posição não
podia ser atribuída a alguma tentativa, da parte do mineiro
que dançava com Anne, de retirar a arma num gesto
instintivo, ao vê-la ferida.
Havia duas possibilidades. A primeira era de que alguém
apunhalara Anne ao cruzar por ela durante a dança; mas
nesse caso seria de esperar um golpe de baixo para cima,
que teria muito mais possibilidades de passar despercebido,
com tanta gente por perto. Se o estilete estava cravado
daquele modo, Bolt tinha todos os motivos para supor que
ele fora arremessado de longe... e do alto.
Quando Bolt repetiu mais uma vez o gesto de arremessar
uma lâmina, Tom vinha se aproximando, com dois
drinques, e lançou para ele um olhar de curiosidade.
— Que diabo você está fazendo? — perguntou.
— Pare aí, Tom. Não se mexa.
Tom parou no meio do dancing e aguardou instruções.
Já estava habituado aos modos meticulosos de Bolt.
— Dê dois passos para a esquerda — pediu Bolt. — Dê
mais um. Agora ande um pouco para cá... sim... está bom.
Pare.
— Posso tomar um gole?
— Pode. — Os olhos de Bolt foram de Tom até a
escada, depois para a balaustrada do balcão no andar
superior. — E, acho que sei.
— Também acho que já sei o que está pensando — disse
Tom.
Bolt saltou do palco para o dancing e caminhou na
direção de Tom. Pegando seu copo, ele sorveu a bebida de
um trago, ainda olhando para o balcão e o palco, avaliando
posições e distâncias.
— Veja bem, Tom — disse ele. — O homem que estava
dançando com Anne ficou parado exatamente aqui, onde
estou agora e virado para lá. Certo?
— Certo. Ele comentou depois que, quando Anne foi
apunhalada, estava de frente para o balcão.
— Deixe-me mostrar-lhe. — Bolt Colocou seu copo
vazio no chão e ficou de frente para Tom; tomou-lhe a mão
com sua mão direita e passou o. braço esquerdo sobre seus
ombros, na posição de uma mulher que dança.
— Preste atenção; eu sou Anne, você é o cara que
dançava Com ela. Se ele estava de frente para o balcão, era
para lá que ela estava dando as costas, e só poderia ter sido
atingida por alguém que estivesse no andar de cima.
— Ou apunhalada de perto.
— Sim, mas isso é uma possibilidade mais remota. Em
todo o caso, Sneed jamais poderia alvejar as costas dela
nesta posição, pois ela estaria de lado para ele.
Nesse momento ouviram-se passos, e uma voz feminina
soou da porta, zombeteira.
— Vejam só, garotas — dizia Jenny. — Os rapazes
estão dançando um com o outro.
Ao ouvir isso, Tom largou a mão de Bolt como se fosse
um feno em brasa, e afastou-se dele exclamando:
— Ora, não sejam bobas!
— Não vamos atrapalhar — disse Nellie, irônica. —
Podem continuar a festinha de vocês. Só queremos ficar
olhando.
Bolt riu também e provocou:
— Ora, Tom, vem cá. Eu compro outro ticket.
Todos deram uma, gargalhada com a careta de
desagrado de Tom. As garotas aproximaram-se deles, e no
instante seguinte Jenny tomou o braço direito de Bolt
enquanto Nellie fazia o mesmo pela esquerda e o
rebocavam até a mesa mais próxima. Ainda com o
pensamento voltado para a investigação do crime, ele
sentiu-se momentaneamente encurralado pela rivalidade
crescente entre as duas, apesar das fisionomias sorridentes
delas. Sentando-se à mesa, ladeado por Jenny e Nellie, ele
esperou que Tom puxasse uma cadeira para Lyda e se
sentasse a sua frente. Resolveu continuar em voz alta sua
investigação, enquanto decidia o que fazer.
— Pois é, Tom, acho que a coisa melhorou um pouco.
— Eu acho que voltamos à estaca zero — disse Tom.
— Pelo contrário. Agora temos um indício concreto.
Precisamos investigar isso melhor. — Nesse momento,
ocorreu-lhe uma maneira de evitar um confronto direto com
Nellie e Jenny. — Acho que hoje dormirei com você no
hotel, Tom.
Só depois de falar, Bolt percebeu o duplo sentido do que
dissera, porque as três mulheres dispararam numa
gargalhada uníssona.
— Meninas, acho que estamos sobrando aqui — disse
Nellie. — Eles só querem saber um do outro.
Tom sorriu para Bolt:
— Oh, Bolt, eu sabia que você não me deixaria dormir
sozinho duas noites seguidas. — E atirou-lhe um beijo.
Foi a vez de Bolt fazer uma careta, enquanto elas
voltavam a rir. Jenny tomou-lhe a mão, enquanto Nellie
correu os dedos por seu cabelo, numa carícia meio casual.

CAPÍTULO 10

Somente na segunda-feira à tarde Bolt conseguiu falar


com as outras garotas que trabalhavam para Jenny. Ele e
Tom tinham ficado até tarde no American, na noite anterior,
conversando com as garotas e tomando drinques, mas Bolt
insistira em ir dormir no Cary House, percebendo o sutil
jogo de rivalidade entre Nellie e Jenny e tentando manter-se
afastado na medida do possível. Mas Tom decidira dormir
no American, para ficar de guarda contra alguma possível
surpresa.
Quando ele voltou no dia seguinte, Jenny o recebeu com
um beijo no rosto.
— Senti sua falta esta noite — disse ela.
— Que bom — sorriu Bolt, beijando-a. — As garotas já
estão aí?
— Sim, voltaram todas. Mas uma delas resolveu ir
embora hoje. Tamara Arkin. Ainda bem que é só uma. Acho
que as outras acreditaram em mim quando eu disse que
você iria resolver todo esse problema nos próximos dias.
— Isso aumenta minha responsabilidade — observou
Bolt. — Gostaria de falar com elas agora.
— Estão se vestindo lá em cima. O salão abre dentro de
uma hora. Espere aqui.
Daí a alguns minutos Jenny voltou a descer para o salão,
desta vez acompanhada por Nellie e Lyda. Os olhos de
Nellie procuraram os de Bolt, com ansiedade.
— Bom dia, Bolt — disse ela, dando-lhe um beijo forte
e rápido na boca.
— Oi, Nellie. Oi, Lyda.
— Acho que você não vai precisar de nós três — disse
Jenny. — Vamos sair para fazer compras.
— Tudo bem. Onde está Tom?
— Dormindo. Quer que o chame?
— Não, não precisa.
Depois que as três saíram, as dançarinas começaram a
descer para o salão. Cumprimentaram Bolt e foram se
sentando perto da mesa onde ele estava; a maioria o olhava
com curiosidade, um pouco de dissimulação, um pouco de
interesse. Via-se que estavam todas tensas e cansadas.
— Tenho algumas perguntas a fazer, para o bem de
vocês mesmas — principiou Bolt. — Primeira coisa: estão
satisfeitas trabalhando aqui?
As garotas se entreolharam e uma delas resolveu falar.
— Gostamos daqui. O único problema são esses crimes.
— O que acham de Jenny?
— Todas nós gostamos dela — respondeu a moça, que
se chamava Sandra Coster. — É por isso que preferimos
continuar.
— Alguém na cidade poderia querer prejudicá-la?
— Só o xerife McCracken. Ele não gosta de Jenny e tem
feito o possível para prejudicar o American.
— De que modo?
— Oh, através de uma série de coisas. Uma vez ele
acusou Jenny de estar aliciando menores de idade, embora
todas nós tenhamos mais de dezoito anos. Depois ele disse
que tínhamos doenças venéreas, o que é uma grande
mentira. Nunca houve doenças por aqui, e Jenny insiste em
que um médico nos examine uma vez por semana. Agora o
xerife está se valendo desses crimes para tentar fechar o
American.
— É, deu pra notar. Alguém mais pode estar envolvido
nisso?
As garotas voltaram a se entreolhar e sacudiram a cabeça
negativamente.
— E quanto a Ben Sneed? — inquiriu Bolt.
— Ben às vezes se torna irritante, mas não é uma pessoa
violenta — respondeu Sandra.
— Ele é um cara muito vaidoso — disse Beatrice, que
estava sentada ao lado de Sandra. — Acha que temos a
obrigação de ir para a cama com ele, só porque trabalha pra
Jenny.
— Ele nunca forçou ninguém?
— Não. Ele apenas fica nos dando cantadas o tempo
todo; até que a gente se queixa a Jenny, e ela o faz parar.
Bolt pensou um pouco.
— As garotas que morreram já recusaram cantadas de
Sneed?
Sandra deu uma gargalhada.
— Acho que todas nós já recusamos suas cantadas pelo
menos uma vez.
Ouviram-se passos descendo a escada e Bolt virou-se
para ver quem era. Uma garota de cabelos negros vinha
descendo, usando um vestido cheio de rendas e um chapéu.
Trazia uma valise na mão. Bolt ficou de pé e encaminhou-se
para ela, alcançando-a antes que atingisse a porta da frente.
— Tamara Arkin?
— Sim — disse ela, sem se deter.
— Gostaria de falar com você.
— Pode falar.
— Será rápido — disse Bolt. Tinham acabado de atingir
a porta e Bolt a abriu para dar passagem à moça. — Sabe de
alguma coisa que possa ter relação com esses crimes? Algo
que envolva Jenny ou o American?
Saíram para a rua; Curly, o barman, esperava-a do lado
de fora, segurando as rédeas de um cavalo atrelado a uma
pequena charrete. Apanhou a valise da mão de Tamara e a
jogou sobre a boléia.
— Não sei de nada — disse a moça, voltando-se para
Bolt. Encarou-o por alguns instantes e por fim encolheu os
ombros. — Bem, talvez tenha a ver com Amanda Gibbons.
Uma coisa que aconteceu há um ano atrás.
— O que foi?
Curly, já sentado na boléia, estendeu a mão para a moça,
que ergueu a barra do vestido e subiu, acomodando-se no
assento. De lá ela voltou a encarar Bolt.
— Olhe, não me pergunte, porque eu mesma não sei
nada sobre isso. Estou indo pegar a diligência para
Sacramento e já estou atrasada.
— Me dê uma pista — pediu Bolt.
— Willow — disse ela, enquanto Curly fazia estalar o
chicote e punha o veículo em movimento. — Pergunte a ela.
Uma casa pequena, vizinha à tenda do ferreiro, na rua
principal.
Com mais um estalo do chicote, a charrete distanciou-
se, erguendo uma nuvem de poeira.
Bolt retornou ao salão e perguntou às garotas sobre
Willow e Amanda Gibbons, mas nenhuma delas as
conhecia; todas estavam ali há menos de seis meses, e o
máximo que tinham ouvido é que duas garotas com esses
nomes haviam trabalhado no American e se envolvido
numa briga. Sentindo que essa pista era promissora, Bolt
dispensou as moças e, montando em Nick, dirigiu-se para a
rua principal de Hangtown.
Havia uma casa vizinha à tenda do ferreiro, mas estava
com portas e janelas trancadas e as cortinas corridas.
Mesmo assim Bolt apeou e bateu à porta. Um minuto depois
esta se abriu; não muito, apenas o suficiente para que Bolt
enxergasse o vulto de uma mulher de cabelos longos, com o
rosto coberto por um véu que só lhe deixava de fora os
olhos escuros e desconfiados.
— Sim?.. . — disse ela.
— Boa tarde. Meu nome é Bolt. Você é Willow?
— Sim. — O aposento por trás dela estava escuro e
silencioso. Bolt ficou a perguntar-se por que ela usaria
aquele véu no interior de uma casa toda fechada.
— Posso entrar para conversarmos? — pediu ele.
— Não.
— É muito importante.
— Por favor, diga o que quer. Ou então vá embora.
— Quero lhe falar a respeito de Amanda Gibbons.
Quando você trabalhava no...
Ela bateu a porta com força, sem esperar que Bolt
concluísse a frase. Praguejando em voz baixa, ele voltou a
bater novamente.
— Willow, por favor.
— Vá embora! — disse ela.
Bolt ouviu o barulho de um ferrolho sendo corrido pelo
lado de dentro e depois passos que se afastavam. Não teve
outro remédio senão montar novamente em Nick e
continuar rua afora, avaliando o pouco que conseguira.
Parou em frente ao Dry Gulch, amarrou Nick e entrou.
Havia poucos fregueses no salão. Dois velhos jogavam
dominó numa mesa, com um grupo pequeno e silencioso
acompanhando o jogo. Alguns mineiros conversavam
noutra mesa, ao redor de uma garrafa de uísque. Outro
homem bebia em silêncio sentado ao balcão.
Bolt caminhou para a extremidade oposta do balcão,
sentou-se e pediu uma cerveja.
— Vai ser um dia quente — disse o barman, ao servi-lo.
— Conhece uma mulher chamada Willow? — perguntou
Bolt.
O homem hesitou e disse apenas:
— Sei quem é.
Bolt percebeu que o outro homem sentado ao balcão
tinha mudado de posição ao ouvir o nome da mulher.
— Pode me dizer algo sobre ela?
— Depende do que for.
— Conhece Amanda Gibbons?
— Conheço.
— Soube que as duas tiveram uma briga, tempos atrás.
O homem parecia muito ocupado em limpar com um
pano sujo umas pequenas marcas de espuma sobre o balcão,
e disse apenas:
— É, ouvi falar.
— E foi mesmo?
— Boatos — disse o homem. — Não gosto de comentar
boatos. Só falo do que vi.
— Onde posso encontrar Amanda?
— Não faço a menor idéia.
— Ela ainda mora na cidade?
— Sei lá. Pode ter ido embora. Pode até ter morrido.
Quem se interessa?
O homem do balcão oposto pediu outro drinque e o
barman, parecendo aliviado, foi atendê-lo. Bolt pagou sua
despesa e saiu. Era visível a relutância das pessoas em falar,
mesmo sobre fatos acontecidos há muito tempo. Más,
embora nenhuma explicação lógica pudesse ainda reunir
todos os fatos, alguma coisa começava a se delinear. Duas
garotas tinham brigado no American, há um ano. Uma delas
continuava vivendo na cidade, usava um véu que lhe cobria
o rosto e batia a porta na cara de quem quer que lhe falasse
a respeito da outra. Talvez nada disso tivesse conexão com
os crimes. Talvez tivesse.
Bolt não estava impaciente. O Matador Fantasma tinha
estabelecido um padrão para si próprio: as garotas eram
mortas com o mesmo tipo de estilete, e sempre durante a
última dança do sábado à noite. Se esse padrão fosse
mantido, isso lhe daria ainda uns cinco dias de investigação
pela frente; cinco dias para extrair informações das pessoas
esquivas e reticentes de Placerville.
Bolt retornou ao American e esperou Jenny voltar das
compras. Foi com ela até o quarto, onde se estirou numa
confortável poltrona, recostando a cabeça para trás e
fechando os olhos.
— Gosta deste vestido? — perguntou Jenny.
Bolt abriu os olhos.
— Bonito.
— Você parece cansado.
— Não, estou apenas distraído. Pensando. Conte-me
alguma coisa sobre Amanda Gibbons e Willow.
— Isso foi há muito tempo — disse Jenny.
— O que houve?
— Ninguém sabe exatamente o que aconteceu entre elas,
porque não há testemunhas e as duas se recusaram a contar
o fato em detalhes. Aliás, não foi aqui no American que se
deu a briga. Elas apenas trabalhavam para mim naquela
época. — Jenny fez uma pausa e continuou: — Para falar a
verdade, Willow só trabalhou aqui por uma noite e depois
saiu, dizendo que não tinha vocação para prostituta. A briga
entre as duas foi uns dois meses depois que ela largou o
trabalho.
Bolt ficou de pé e apanhou o chapéu, resmungando:
— Que diabo! Cada vez que penso ter conseguido uma
pista as pessoas insistem em que nada disso tem a ver com o
caso.
— Bolt, essas garotas não aparecem aqui há muito
tempo. Talvez essa seja a direção errada.
— Vamos ver — disse ele.
Deu-lhe um beijo rápido e saiu.
***
Durante aquela noite e todo o dia seguinte, Bolt e Tom,
cada qual por seu lado, fizeram o possível para conseguir
dos habitantes de Placerville alguma informação que
pudesse lançar um pouco de luz sobre o mistério.
Conversaram com comerciantes, vaqueiros, barbeiros,
garçons. Bolt cavalgou até o acampamento dos mineiros e
fez uma série de perguntas. Foi aos outros salões da cidade,
falou com os proprietários, com as garotas, tentando
descobrir algum indício de rivalidade, de tentativa de
sabotagem contra o American; não encontrou nada.
No final da tarde, ele entrou no Dry Gulch e sentou-se
ao balcão. Percebeu que boa parte dos fregueses evitava
olhá-lo de frente, enquanto os outros assumiam uma atitude
francamente hostil. Seu rosto começava a ser conhecido na
cidade. Não era bom sinal. E o pior é que estava se tornando
vulnerável e ainda não tinha reunido as informações de que
precisava.
Estava terminando de tomar sua primeira cerveja quando
as portas de vaivém do bar foram empurradas e o xerife Pug
McCracken entrou no recinto. Quando seus olhos
localizaram Bolt, ele empinou o tórax num gesto agressivo
e encaminhou-se em sua direção, retorcendo a ponta do
bigode com dedos tensos. Parou a dois metros de distância.
Bolt podia sentir o cheiro de loção de barbear que emanava
do homem.
— Boa tarde — disse ele.
— Boa tarde. — Bolt ficou à espera.
— Posso saber seu nome?
— O meu? — perguntou Bolt.
— Sim. O seu.
— Bolt.
— Bolt de quê?
— Apenas Bolt.
— Bolt, você anda fazendo uma porção de perguntas
pela cidade.
Bolt encolheu os ombros.
— É chato beber sozinho. Gosto de puxar conversa.
— Qual é seu interesse no salão de Jenny Mason?
— Isso é assunto particular meu.
— É assunto meu também.
O tom inamistoso da resposta de Bolt foi respondido à
altura pelo xerife, que abriu o casaco, deixando à vista o
coldre pendurado no cinto. Suas mãos pousaram sobre a
fivela, prontas para sacar. Algumas cadeiras foram
arrastadas no salão quando os fregueses acharam mais
prudente se manter fora de uma possível linha de fogo; em
seguida, o silêncio voltou ao ambiente, só que carregado de
tensão.
— Tenho a impressão de que seu rosto me é familiar —
disse o xerife.
— Isso aí é problema seu — retrucou Bolt.
O rosto de McCracken avermelhou-se de raiva, e sua
mão moveu-se inquieta ao longo do cinto. Bolt mudou de
posição no banco onde estava sentado. Sabia que
dificilmente o xerife sacaria primeiro contra ele, mas não
queria correr o risco. Manteve sua mão pronta para sacar,
pousada sobre a coxa, bem próxima ao coldre.
Os olhos de McCracken se contraíram até se
assemelharem a duas fendas. Ele deu a impressão de querer
dizer algo, mas mudou de idéia; suas mandíbulas se
contraíram e ele finalmente avisou:
— Vou checar umas informações. Enquanto isso procure
se manter na linha e evitar se meter em assuntos que não
são de sua conta.
O xerife girou nos calcanhares e saiu do recinto. Bolt
ficou olhando suas costas largas desaparecerem pela porta,
depois girou o olhar pelo ambiente. Os fregueses evitaram
encará-lo e voltaram a se concentrar no que estavam
fazendo.
Quando o zunzum das conversas e das piadas voltou ao
normal, Bolt terminou sua cerveja, deixou uma moeda sobre
o balcão e saiu sem olhar para trás. Montou em Nick e saiu
pela rua principal, na direção do American.
Não tinha ainda percorrido vinte metros quando ouviu
um tiro; e algo como um zumbido de uma abelha passou
perto de seu rosto, com um sibilo ameaçador.

CAPITULO 11

O cavalo relinchou e empinou-se nas patas traseiras,


sentindo a proximidade do perigo. Num movimento rápido,
Bolt deixou-se cair para o lado oposto à direção do tiro,
mantendo uma perna sobre a sela e o resto do corpo
pendurado, abrigando-se por trás do cavalo. Sacando o
revólver, ele deu um puxão nas rédeas, guiando Nick para o
lado da rua de onde o tiro fora disparado. Ao chegar
embaixo da marquise de madeira de uma loja, ele apeou
rapidamente, o revólver engatilhado, e avaliou sua posição.
No instante do tiro, ele olhara naquela direção, antes de se
abaixar, e pudera ver o agitar de uma cortina no andar
superior do casarão onde funcionava a lavanderia de Wing
Chew. Seguindo ao longo do piso de tábuas que servia de
calçada, Bolt atingiu a porta do casarão, onde se abrigou.
Examinou rapidamente a construção. Do lado esquerdo,
viu uma janela por onde um chinês assustado o encarou,
com um varal cheio de roupas brancas penduradas por trás
dele. A porta principal, onde o letreiro anunciava a galeria
de arte Grudzinski, estava coberta de telas retratando
unicórnios, árvores, cavalos brancos galopando entre a
névoa. Do outro lado da porta, avistava-se a parede
envidraçada de uma barbearia.
Do lado oposto da rua já começava a se ajuntar um
grupo de pessoas, embora nenhuma delas se atrevesse a sair
a céu aberto. Com uns poucos passos rápidos Bolt estava
diante da porta da frente de onde partira o disparo.
Empurrou-a e entrou. Suas narinas captaram uma mistura de
aromas: sabonete e loção de barbear; detergente; tinta a
óleo. O pequeno chinês surgiu no corredor e parou de súbito
quando viu a arma na mão de Bolt.
— Onde é a escada? — perguntou Bolt.
— Atrás — respondeu o outro, apontando, sem se mexer
de onde estava.
Bolt seguiu ao longo do corredor, e ao passar diante da
porta da galeria de arte lançou um olhar para dentro. Uma
jovem pintora, loura, miudinha, estava parada diante de uma
tela com as mãos e o avental manchados de tinta, segurando
um pincel. Ficou olhando para Bolt sem um movimento e
sem dar uma palavra. Ele seguiu adiante na direção da parte
traseira da casa, colado à parede, mantendo os olhos e os
ouvidos bem atentos. Aproximou-se da escada e ouviu um
ruído no andar superior. Uma porta foi aberta e logo depois
fechada.
Bolt ergueu o braço com o revólver.
Um rumor de passos veio se aproximando; passos lentos
e pesados; os passos de alguém que caminha com
dificuldade, não os de alguém que foge ou tenta se
esconder. Aproximaram-se dos degraus superiores da
escada e nesse instante Bolt recuou, ficando abrigado no
umbral da porta, de onde podia avistar os degraus de baixo.
Ele esperou enquanto os passos, chegando ao topo da
escada, iniciavam a descida. Bolt calculou mentalmente
quantos degraus a escada deveria ter. Quando os passos
atingiram mais ou menos a metade, ele emergiu de seu
esconderijo, a arma apontada para o homem que descia.
Era um velho de costas recurvas, quase corcunda.
Possuía uma barba grisalha e uma boca que deixou entrever
poucos dentes quando ele falou, erguendo as mãos para o
ar:
— Espere, rapaz, eu não fiz nada.
— Fique quieto — ordenou Bolt.
O homem manteve as mãos erguidas, mas apoiou as
costas no corrimão da escada, enquanto seus olhos míopes
esquadrinhavam o rosto de Bolt e desciam daí para o cano
do revólver. Bolt deu dois passos para o lado e espreitou o
trecho visível do andar de cima. Não percebeu nada de
estranho. Virou-se para o velho.
— O que você estava fazendo lá em cima?
— Hein? — O velho inclinou a cabeça. — Fale mais
alto.
O homem não estava fingindo; seu gesto fora maquinal,
de alguém que está há muitos anos acostumado a ouvir com
dificuldade. Bolt elevou a voz:
— O que você estava fazendo lá em cima?
— Ora, eu moro aqui. Meu nome é Floyd Duncan. Pode
perguntar a qualquer um.
— Quem mais mora aqui?
— Nettie Pyles, a viúva. Quer dizer, não mora comigo.
Mora no quarto dela e eu no meu. — O homem deu um
sorriso cheio de gengivas. — E o velho Hank Rossiter
alugou um quarto aqui, mas saiu na semana passada. Ele
estava a fim da viúva. Mas a viúva não quer nada com ele.
Quer comigo. — Deu uma risada fanhosa.
— Quem está lá em cima agora?
— Ninguém, eu acho.
— Viu alguém sair?
— Não. Pensei que tinha ouvido um tiro e resolvi descer
para ver o que era. Não me meto em brigas, mas quando
tem uma eu gosto de ver de longe.
Bolt abaixou a pistola e passou a mão pelo queixo,
pensativo. Admitiu que o velho devia estar falando a
verdade. Quem quer que tivesse disparado contra ele, teria
tido tempo de descer a escada correndo, sem ser visto, e
escapar por alguma saída. Mas em todo o caso ele teria que
subir para verificar.
— Obrigado — disse ele; ignorando o velho, subiu a
escada e caminhou com cautela ao longo do corredor, até
deparar com uma porta aberta. Olhou para dentro e
percebeu que era aquele o quarto onde vira a cortina
balançando logo após o tiro. Entrou com cuidado, olhando
ao redor. O aposento estava cheio de jornais velhos, caixas
empoeiradas, roupas, garrafas vazias, tudo denotando um
abandono de muito tempo. Os jornais estavam roídos por
ratos e a um canto havia mesmo um ninho de roedores, que
correram assustados pelo quarto, guinchando, ao sentir a
aproximação de Bolt. O cheiro do quarto era de mofo,
sujeira e comida estragada.
Bolt caminhou ao longo do quarto, puxou a cortina para
um lado e olhou para a rua através da janela. Avistou o
trecho da rua onde quase tinha sido alvejado minutos atrás.
A distância não era muito grande e o ângulo fazia dele um
alvo fácil. Daquela posição, mesmo um atirador mediano
não teria muita dificuldade em matá-lo, se fosse essa a
intenção.
Andou pelo quarto, olhando para o chão, até que seus
olhos deram com algo que brilhava entre o lixo acumulado
no assoalho. Bolt abaixou-se e ergueu o objeto entre os
dedos. Era um cartucho vazio de calibre 44-40, e quando
Bolt o levou às narinas sentiu o cheiro acre e quente de
pólvora recém disparada. A arma utilizada devia ter sido um
rifle: um Winchester ou talvez um Henry.
Guardou o cartucho no bolso e desceu. Na porta da
frente já havia um agrupamento de pessoas: o chinês da
lavanderia, de braços cruzados sobre o peito e olhar
inquieto; o velho Floyd Duncan explicando algo à jovem
pintora loira, da galeria; um barbeiro e um freguês com
metade do rosto ensaboado e a toalha amarrada ao pescoço.
Todos olharam para Bolt com um misto de receio e
curiosidade.
— Viu alguém sair daqui? — perguntou Bolt ao chinês.
— Não, senhor — foi a resposta.
— Você é Wing Chew?
— Sim, senhor.
— Não viu ninguém passando por aqui com um rifle,
entrando ou saindo do prédio?
— Não, senhor. Alguém atirou de rifle?
— Sim.
— Por quê?
Bolt percebeu que o chinês estava curioso e, de certa
forma, disposto a ajudá-lo, talvez pela sensação de sentir-se
metido num fato fora do comum.
— Não sei ainda, Wing Chew. Você é o dono do prédio?
— Não, senhor. Alugo espaço. Trabalho lavanderia.
— E os outros? — Bolt fez um gesto em redor.
— Mesma coisa.
— Quem mais mora aqui?
— Viúva Pyles. Mora andar de cima, mas está longe
hoje. Visitando filha em São Francisco. Duas semanas
agora.
O barbeiro adiantou-se um passo.
— Isso mesmo. Somos apenas os inquilinos — disse ele.
— Não há mais ninguém além de nós e da sra. Pyles.
Bolt passeou o olhar pelos rostos de todos. Nenhum
tinha aparência de criminoso. Concentrou-se no homem
com o rosto cheio de espuma de barba.
— Você ouviu o tiro?
O homem passou a ponta da toalha sobre os lábios antes
de responder.
— Ouvi, sim. Estava fazendo a barba, e a primeira coisa
que pensei foi que alguém tivesse atirado para dentro da
barbearia. Só depois percebi que o tiro tinha vindo do andar
superior.
Bolt o observou com cuidado. Talvez fosse ele o
responsável pelo disparo. Teria tido tempo suficiente para
descer correndo, sentar na cadeira e ensaboar o rosto...
desde que contasse com a cumplicidade do barbeiro, é claro.
Bolt registrou a observação e virou-se novamente para o
chinês.
— Algum estranho apareceu por aqui hoje? Alguma
pessoa que não freqüenta a casa?
— Nenhum estranho — respondeu Wing Chew. — Hoje
só pessoas conhecidas.
— Quem é o dono do prédio?
— Uma senhora rica. Sra. Victoria Bedford.
— Onde posso achá-la?
— Mora em grande, grande casa, na colina, na saída da
cidade.
Bolt teve uma idéia.
— Perto do American Dance Hall?
— Não, senhor. Outro lado da cidade. — Bolt sentiu
uma ponta de desapontamento e o chinês prosseguiu,
indicando com o dedo. — Senhor segue esta rua. Passa café,
passa ferreiro, passa casa pequena. Vira esquerda. Vê
grande casa em colina. Sra. Bedford mora lá.
— Obrigado.
Bolt voltou a guardar seu revólver no coldre e caminhou
para o lado de fora, na direção de Nick. Sentia-se invadido
pela mesma sensação de impotência que o acometera ao ver
o corpo de Anne Dalton caído no chão a seus pés. O
Matador Fantasma não era certamente um fantasma: usava
estiletes de aço e cartuchos de rifle, mas parecia ter o poder
de se dissolver no ar sem deixar vestígios. Esta emboscada
dava lugar a uma série de novas questões: o assassino
visava apenas as garotas e o tiro contra Bolt tinha apenas a
intenção de intimidá-lo, ou era realmente um maníaco,
disposto a matar quem quer que fosse?
Nick o esperava pacientemente, de orelhas baixas. Bolt
montou, deu umas palmadinhas no pescoço do animal,
acompanhadas por palavras tranqüilizadoras, e partiu rua
afora. A pequena multidão de curiosos começou a se
dispersar.
A primeira idéia de Bolt foi investigar a proprietária.: do
prédio, e ele não teve dificuldade em localizar a casa que
Wing Chew descrevera. Maior do que a grande parte das
casas de Placerville, ela ficava no topo de uma colina, um
pouco isolada do resto da cidade. À medida que Nick
galgou a estrada que levava à casa, Bolt percebeu uma
pequena charrete parada diante da porta. A parte fronteira
da casa era coberta por um gramado bem cuidado, e cercas
vivas corriam ao longo da parte lateral.
Quando apeou diante da casa, uma mulher com um
longo vestido escuro saía pela porta da frente. Outra mulher,
esta num vestido de um azul vivo e agradável, estava parada
no umbral, como se despedindo da outra. Foi só depois de
amarrar Nick ao mourão e tirar o chapéu da cabeça que Bolt
reconheceu, na mulher de escuro, os traços de Willow: a
silhueta alta e esguia, as roupas pesadas, o véu cobrindo a
face.
A princípio ela não o notou, atarefada em guardar algo
dentro da bolsa. Só ergueu os olhos para ele quando ouviu-
lhe a voz:
— Willow, posso falar com você um instante?
O som da voz de Bolt assustou-a, e ela virou-se
apressada, tentando subir na charrete, mas a pressa a fez
falsear o pé. Ao tentar segurar-se para não cair, a bolsa
escapou-lhe e caiu ao chão. As notas de dinheiro que ela
estivera guardando rolaram pela grama.
Vendo-a desequilibrada, Bolt correu a ajudá-la. Ficou
surpreendido ao ver como era leve e quanto seu corpo era
flexível. Quando ela voltou a firmar-se de pé, Bolt agachou-
se e apanhou a bolsa entreaberta e as notas espalhadas. Ela
as recebeu com um agradecimento seco e brusco e
perguntou:
— Seguiu-me até aqui?
— Não — disse Bolt. — Vim para ver a sra. Bedford,
mas já que a encontrei gostaria de falar-lhe um pouco.
— O senhor é um homem inconveniente, sr. Bolt. Será
que não pode respeitar minha privacidade?
— Willow, quatro mulheres foram assassinadas. Isso é
mais importante do que qualquer outra coisa.
Willow ajeitou-se na boléia e, tomando as rédeas nas
mãos,- disse com voz amarga:
— As que morreram tiveram muita sorte.
Sacudiu as rédeas, e a charrete se pôs em movimento a
caminho da cidade. Bolt ficou olhando enquanto ela se
afastava, até que escutou o barulho de uma porta sendo
batida com força. Virou-se para a casa. A mulher de vestido
azul desaparecera. Ele caminhou até a porta e bateu.
Quando a mulher surgiu novamente no umbral, ele
surpreendeu-se ao ver que de perto ela parecia mais velha,
um tipo quase maternal, roliço e com seios fartos a estufar-
lhe o corpo do vestido. Seu rosto também revelava esse
curioso contraste: enquanto os cabelos negros e cacheados
davam-lhe um ar adolescente, ao cair soltos sobre os
ombros, as rugas nos cantos dos olhos e da boca,
abrandadas pela pesada maquilagem, não conseguiam
disfarçar sua idade.
— Sim — disse ela cautelosamente.
— Sra. Victoria Bedford?
— Sou eu.
— Meu nome é Bolt, Jared Bolt. Gostaria de falar-lhe
durante cinco minutos.
— A respeito de quê?
— Podemos entrar? É assunto reservado.
Ela o olhou de cima a baixo. Não com o olhar de uma
dona-de-casa recebendo a visita de um estranho, mas como
se tivesse sido tirada para dançar e estivesse calculando se
valia à pena.
— Sim, vamos entrar — disse ela por fim, dando um
passo para o lado.
Bolt seguiu-a através da sala, observando o modo como
ela caminhava, o rosto orgulhosamente voltado para frente e
o volumoso traseiro oscilando a cada passo. Ao lançar um
olhar em redor, ele se surpreendeu ao constatar que a
mobília, apesar de limpa e bem conservada, era pouca e
nem de longe correspondia à impressão que a casa produzia
pelo lado de fora. Ao sentar no sofá em frente à mulher,
observou pequenos e quase invisíveis remendos no vistoso
vestido que ela usava. Ela sorriu para Bolt, acentuando as
rugas em redor dos olhos. Era visível seu desejo de
impressioná-lo.
— Willow é amiga sua? — perguntou ele, em tom
casual.
— Eu já ia lhe perguntar a mesma coisa — disse ela
rindo. — Vi vocês dois conversando e pensei que você
tivesse vindo para encontrá-la. Sim, sou amiga dela. Por
quê?
— Perguntei por perguntar. Ela parece ser uma pessoa
muito solitária.
— E é. Não gosta de estranhos e não gosta de gente que
olha muito para ela. — A mulher suspirou. — E tem razão,
a coitada. Com aquele rosto...
— É verdade — comentou Bolt, cuidadosamente. —
Nunca a vi com o rosto descoberto.
— Ninguém a vê — disse Victoria Bedford. — Por
causa da cicatriz.
— Cicatriz?!
O dedo da mulher fez um gesto sobre o próprio rosto,
correndo a unha do alto da testa até o meio da face.
— Aquela coisa horrível que lhe fizeram com uma faca.
Tenho arrepios só em pensar.
Bolt também sentiu um arrepio; e teve a impressão de
que seus passos cruzavam mais uma vez com as pegadas do
Matador Fantasma.

CAPÍTULO 12

— Então isso explica por que ela usa aquele véu, mesmo
dentro de casa — disse Bolt.
— Ela o recebeu em casa?! — Havia uma grande
surpresa na voz de Victoria.
— Não propriamente; apenas me recebeu na porta, mas
não quis falar comigo — respondeu Bolt, decidido a
manter-se próximo à verdade.
— Ela se mostra muito suscetível a esse tipo de coisa —
continuou a mulher. — Não posso condená-la. Nenhuma
mulher gosta de causar horror ou piedade à simples visão de
seu rosto.
— Como foi que aconteceu?
— Willow teve uma briga com uma mulher chamada
Amanda Gibbons. Isso é tudo que se sabe.
— Foi Amanda quem cortou o rosto dela?
— Willow se recusa a falar a respeito, e Amanda não
Vive mais aqui.
— O que Willow estava fazendo aqui em sua casa?
— Sou a única amiga que lhe resta. Dou-lhe uma
pequena ajuda financeira de vez em quando; gosto dela e
não vejo motivos para não ajudar os menos afortunados que
eu. Mas foi para falar sobre Amanda que você veio?
— Não, foi uma coincidência.
— Desculpe pela mobília — disse a mulher, sentando-se
ao lado dele. — Meus móveis novos ainda não chegaram da
Inglaterra. Esse transporte marítimo é uma Coisa horrível,
demora séculos para chegar, mas eu faço questão de ter o
que há de melhor, de modo que vou me arranjando com
estes. Não faria muito sentido comprar outra mobília
enquanto espero, não é mesmo?
Bolt sabia que ela estava mentindo, pelo modo como ela
evitava encará-lo. Era evidente que ela tinha uma desculpa
já pronta para justificar os móveis desconjuntados, o tapete
puído e a ausência de enfeites na sala: não havia quadros
nas paredes, estantes, armários com bibelôs, cristais ou
porcelana. Mesmo os vidros das lanternas eram lisos e
transparentes, em vez dos pintados a mão que seria de
esperar numa casa como aquela. Bolt comentou
diplomaticamente:
— Não ligo muito para mobília. Desde que os móveis
sejam confortáveis.
Isso não pareceu deixar a mulher muito à vontade.
— Sei que este sofá não oferece muito conforto —
reconheceu ela. — Mas é por pouco tempo.
Ela levantou-se, como quem quer mudar de assunto, e
caminhou até um pequeno bar de madeira com tampa
corrediça, que abriu, retirando dois copos e uma garrafa
cujo rótulo Bolt não conseguiu discernir. Serviu duas doses
de um líquido cor de âmbar, guardou novamente a garrafa e
retornou.
— Experimente um pouco desse uísque — disse ela,
estendendo um copo para Bolt. — É meu preferido.
— Oh, muita gentileza — disse ele, imaginando que ela
teria uma garrafa de bom uísque guardada há anos, apenas
para servir a visitas especiais.
— Gostaria de ter um conhaque de boa qualidade ou
algo parecido para oferecer-lhe — continuou Victoria. —
Mas no momento estou em falta. Preciso lembrar-me de
trazer algo assim quando for fazer compras na cidade.
— Ora, não se incomode por minha causa — disse Bolt
sorrindo. — Não precisa provar nada para mim.
— Claro — disse a mulher, voltando à carga. — Não
preciso provar nada a ninguém. Sei que muita gente na
cidade não gosta de meu estilo de vida, mas tudo que tenho
herdei de meu falecido esposo, e não posso mudar para
agradar a eles. Tenho meu estilo de vida e pouco me
importa se gostam ou não.
Ela bebericou de leve de seu copo e voltou a sentar ao
lado de Bolt; o velho sofá rangeu sob seu peso.
— O que fazia seu marido? — indagou Bolt, erguendo o
copo.
Tomou um gole cauteloso e sentiu o odor forte de uísque
barato invadir-lhe as narinas, quase fazendo as lágrimas
virem aos seus olhos. O gole desceu como fogo por sua
garganta. Bolt conhecia aquele uísque; era o tipo de uísque
caseiro feito pela maioria dos donos de bares daquela região
da Califórnia, misturado com tabaco e pimenta para
disfarçar o gosto do álcool ordinário usado na fabricação.
— Martin foi um mineiro que teve sorte. Encontrou um
filão e juntou um bom dinheiro. Eu era quase uma criança
quando nos casamos e mesmo naquela época eu tinha
certeza de que seríamos ricos um dia. Martin morreu seis
meses atrás.
— Sinto muito — disse Bolt, imaginando até que ponto
a mulher estaria dizendo a verdade. O fato é que ela era
dona da maior casa que ele vira em Placerville, mas não
parecia possuir mais nada além disso. — Soube que você é
dona da casa onde funciona a lavanderia chinesa, na rua
principal.
— Sim. É uma de minhas propriedades.
— Você deve ganhar um bom dinheiro com esses
aluguéis.
— Não vivo disso — respondeu a mulher, encolhendo
os ombros com desdém.
— Sabe de alguém que poderia estar rondando pelo
quarto vazio, aquele que dá para a rua?
Os olhos dela viraram-se rapidamente para Bolt.
— Por que pergunta isso?
— Porque uma hora atrás alguém me deu um tiro,
exatamente daquela janela.
Ela baixou os olhos, respirou profundamente e depois
voltou a encará-lo, com cautela.
— Não. Não sei de nada. Aquele quarto está desocupado
há mais de um mês, e ninguém tem nada a fazer ali. Nem
mesmo os outros inquilinos.
— Andei falando com todos eles e acho que de fato nada
têm a ver com isso. Mas alguém me deu um tiro e errou por
uma questão de centímetros.
Victoria encolheu os ombros.
— As pessoas em Placerville não são modelos de boa
conduta. Se andam atirando uns nos outros não é da minha
conta; mas posso lhe assegurar que ninguém tinha minha
permissão para estar naquele quarto.
Ela esvaziou o copo de um gole e o pousou em cima de
mesinha. Bolt admirou-se em ver como o uísque barato nem
sequer a fazia piscar os olhos.
— Parece que você não gosta muito das pessoas de
Placerville.
— Não — confirmou ela. — Consigo me dar bem com
uns três ou quatro, mas o resto não vale um níquel. Ladrões.
Trapaceiros. Assassinos. Não gostam de mim por causa de
meu dinheiro, de modo que fico aqui em minha casa sem
me misturar com eles. Enquanto me deixarem em paz, eu
também não os incomodo.
— Você falou em assassinos. Sabe de alguém que
poderia ter matado as garotas do American Dance Hail?
— Deus meu, não! — disse a mulher, erguendo as mãos.
— Não sei de nada sobre coisas desse tipo. Não me misturo
com essa gente.
— Que gente? Os assassinos?
— Não, as prostitutas. Nem sequer falo com elas. — A
mulher parecia incomodada pelo rumo que a conversa
estava tomando. — Quer mais um drinque?
— Não, obrigado. — Bolt não permitiu que ela se
esquivasse. — Mas qual é o problema com as prostitutas,
Victoria? Não são diferentes de nós dois.
— Desculpe, mas o que está querendo dizer?... —
perguntou ela, enrubescendo violentamente.
— São pessoas, como eu e você. Prestam serviços
profissionais e serviços muito importantes, por sinal. Você
também presta serviços quando aluga sua casa ao chinês e
ao barbeiro.
— Ora, isso é diferente — protestou.
— Não muito. Se sua casa ficasse sem alugar, não
causaria problema para ninguém. Mas pense só no que seria
Placerville sem prostitutas. Haveria estupros diariamente e
as pessoas respeitáveis como você não teriam um instante
de paz.
— Você parece gostar de prostitutas — disse Victoria,
com a voz mantendo o tom de dignidade ofendida, mas os
olhos passando de esguelha pelo corpo de Bolt, descendo
até abaixo de seu cinto.
— É, tenho certa afinidade com elas.
— Imagino. É casado?
— Não.
— Não? Ora, você é um homem bonito. Como é que
nenhuma garota ainda conseguiu fisgá-lo?
— Talvez eu seja do tipo que não gosta de casamento.
Talvez eu goste de prostitutas. Quem sabe? — A malícia
proposital que ele imprimiu à voz acendeu um clarão nos
olhos de Victoria e ele fez menção de erguer-se. — Bem,
acho que preciso ir andando.
A mulher o interrompeu com um gesto tão decidido que
ele voltou a sentar-se.
— Espere — disse ela. — Nunca recebo visitas, e às
vezes... bem, sinto falta de alguém com quem conversar.
— Sinto muito. Só não quero tomar seu tempo.
Victoria ergueu para ele dois olhos onde já não havia a
falsa arrogância de antes; apenas tristeza e desejo.
— Você já formou uma opinião a meu respeito, não é
mesmo, Bolt? Por isso quer ir embora.
— Não sei do que está falando.
— Sou uma mulher velha e não sou mais bonita como
antes. Se eu fosse mais atraente, não teria dificuldade em
fazê-lo ficar aqui mais tempo.
— Não é uma questão de idade — disse Bolt, sentindo-
se meio idiota ao completar: — O que vale é o espírito da
pessoa.
— Posso ser honesta com você? Pelo menos uma vez?
— Preferiria que fosse honesta o tempo todo.
— Está bem. Sou uma mulher muito sozinha. Ninguém
gosta de mim nesta cidade, porque pensam que sou muito
rica. Eu não sou. Mas ao mesmo tempo não posso deixar
que saibam disso.
— Por quê?
— Não sei. Talvez por terem passado tanto tempo me
detestando por causa de minha riqueza agora tenho medo do
que fariam se soubessem a verdade. É por isso que sou
amiga de Willow. Tanto eu quanto ela temos alguma coisa a
ocultar.
Havia sinceridade na voz da mulher e Bolt falou com
suavidade:
— Victoria, talvez você esteja enganada a respeito das
pessoas. Seja você mesma e eles a aceitarão. Por que toda
essa farsa?
— Por causa da memória de Martin. Ele ficou mesmo
rico, pouco antes de morrer. Acontece que eu perdi os
direitos sobre a mina, numa briga jurídica logo após a morte
dele; eu era muito ingênua e assinei papéis que não devia.
Isso foi há seis meses, e não agüento mais essa situação.
— O dinheiro não é tudo — disse Bolt.
— Não é só dinheiro — retrucou ela, rapidamente, e o
encarou. Em seus olhos havia uma ansiedade crescente e ao
mesmo tempo uma determinação que fascinou Bolt.
— É... é a solidão. Pode parecer vergonhoso dizer isso,
mas sinto falta de um homem. Esses vagabundos de
Placerville só se interessariam por mim por causa de meu
dinheiro, mas você é outro tipo de homem. Você parece ser
dos que procuram numa mulher aquilo... aquilo que ela
pode lhe dar.
A mão dela tocou o braço de Bolt, apertando os
músculos sólidos por sob o pano da camisa. Quando ela
deslizou para mais perto, o cheiro agradável do perfume que
usava envolveu-o por completo; os lábios vermelhos e
carnudos da mulher estavam entreabertos, a poucos
centímetros de distância dos dele. Ele não se afastou;
durante uma fração de segundo desejou aquela boca sensual
e no mesmo instante a mulher o beijou, segurando-lhe o
rosto com as mãos. Ele aceitou o beijo, sentindo-se excitado
pela impulsividade do gesto de Victoria. Daí a alguns
instantes, quando ela afastou o rosto, ele disse:
— Ora, que é isso?
— Quero você, Bolt — disse ela, arfante, com os olhos
brilhantes de desejo. — Preciso de você. Preciso de um
homem de verdade. Será que estou tão feia assim?
— Você é atraente — disse ele, roçando os dedos pela
face dela.
— Sim... e sou tão boa na cama como qualquer outra —
disse, abraçando-o e pressionando seus seios redondos e
firmes de encontro ao corpo dele.
Bolt a envolveu com o braço e voltou a beijá-la.
Percebia em Victoria uma mulher sensual que se vira
subitamente privada de um marido e demasiado orgulhosa
para se oferecer a qualquer um. Não era propriamente
vaidoso, mas notara desde o início o quanto sua aparência
física tinha impressionado Victoria, levando-a talvez a
exagerar seus modos de “grande dama” com o intuito de
impressioná-lo. Ao ver que não conseguira, ela resolvera
despir de vez esses artifícios e mostrar-se a ele como era de
fato: uma mulher que gostava de sexo, que não o praticava
há bastante tempo e cuja sensualidade fora despertada
abrupta- mente pela presença de um macho que lhe
agradava. Colada ao corpo de Bolt, chupando-lhe a língua
com deleite, ela demonstrava que o tinha desejado desde o
início e que não o deixaria partir sem satisfazê-la até o fim.
Bolt não era do tipo que se deixasse arrastar por
qualquer mulher apenas por uma questão de orgulho
masculino; dava-se ao luxo de escolher. Naquele momento,
porém, ele percebia em Victoria algo que sempre o deixava
excitado, que lhe fazia circular nas veias aquele calor: a
sensualidade feminina reduzida a sua expressão mais
elementar, a de simples fêmea no cio, despertada por sua
presença. Ele sentiu as mãos de Victoria desabotoando sua
calça e trazendo para fora o seu membro pulsante, que ela
acariciou com dedos quentes e ágeis.
— Você me quer — sussurrou ela, a língua percorrendo
a orelha de Bolt, causando-lhe arrepios. — Claro que me
quer. Olhe isto aqui como está.
— Quero, sim — disse ele, movendo-se dentro da mão
dela, provocando-a.
— Vamos para meu quarto.
No quarto de Victoria, como na sala, os móveis eram
poucos e velhos, mas o ambiente era limpo e o cheiro
agradável dos lençóis recendia por todo o ambiente. Ele
despiu-se rapidamente e seus olhos não abandonavam o
corpo de Victoria enquanto ela também tirava suas roupas.
O corpo dela não era gordo; era roliço, mas sólido, envolto
pela luz dourada do entardecer, que se filtrava pela janela.
Suas coxas eram cheias; a pele muito alva, sem manchas,
parecia a de uma adolescente. Bolt aproximou-se dela e
tomou nas mãos seus seios redondos, acariciando-os;
prendeu o mamilo róseo entre o polegar e o indicador,
balançando-o de leve, sentindo-o intumescer, enquanto ela
descia a boca por seu tórax, pelos músculos de sua barriga.
Deixou-a sentar-se na cama, com o rosto a poucos
centímetros de seu membro rijo, e tomá-lo nas mãos.
— Como é grande — murmurou ela, com a garganta
contraída. Seus lábios percorreram a glande luzidia e úmida,
que ela introduziu na boca com um gesto suave. Seus dedos
brincavam com os pêlos de Bolt e ele fechou os olhos,
sentindo a carícia quente de seus lábios, sentindo a suave
pressão dos dentes enquanto ela mordiscava de leve toda a
extensão de seu membro.
— Deite-se aí — ordenou ele.
Victoria obedeceu, deitando-se de costas na cama, o
corpo alvo brilhando na semi-escuridão do quarto, o tufo de
pêlos negros avultando entre suas coxas. Bolt curvou-se
sobre ela, percorrendo com a boca toda a sua pele, sentindo
o perfume agradável misturado ao cheiro forte que se
desprendia de seu corpo. Desceu a boca por seus seios,
brincou com seu umbigo, correu a língua ao longo da fenda
entreaberta, enquanto ela afastava as coxas o mais que
podia, soltando gemidos de prazer. Bolt debruçou-se e,
aproximando o rosto do dela, voltou a beijá-la na boca.
— Você é uma mulher e tanto — murmurou, enquanto
Victoria corria as mãos por seus ombros, por seu tórax,
sentindo os músculos contraídos pela posição.
— Meta agora — gemeu ela. — Venha, quero tudo,
quero que meta tudo.
Ele não a penetrou de vez; primeiro fez com que seu
membro duro percorresse de cima a baixo, várias vezes, os
lábios molhados de seu sexo, enquanto ela se contorcia sob
ele, implorando, procurando-o com sua vagina, até que
finalmente, num movimento hábil dos quadris, ele encravou
de baixo para cima e deslizou para dentro num único e
longo movimento que a fez arquejar de prazer. Uma vez
dentro, Bolt passou a mexer-se, ora em movimentos
circulares, ora em estocadas fundas que faziam Victoria
gemer e cravar as unhas em suas costas.
— Sim, sim, assim — pedia ela, jogando as pernas ao
redor da cintura dele, usando os calcanhares para
pressionar-lhe as nádegas e fazê-lo penetrar mais fundo.
Bolt deu tudo que ela pedia, atendeu ao apelo animal das
ancas que se contorciam de encontro a ele, castigou-a com
golpes medidos e implacáveis, até que sentiu contrair-se
cada vez mais, arquejar mais e mais forte. Quando ela
estremeceu em convulsões e gemeu de gozo embaixo dele,
deixou que seu prazer se consumasse e despejou-se em
golfadas no interioi daquela vagina sequiosa e ardente.
Minutos depois ele rolou para o lado, a respiração
voltando ao normal, o corpo banhado de suor. Ficaram os
dois deitados lado a lado, sem falar, fitando o teto. Quando
Bolt sentou-se na cama e olhou na direção de suas roupas,
Victoria disse:
— Bolt, não vá agora.
— Preciso ir — disse ele. — Alguém tentou me matar
agora há pouco e preciso saber quem foi.
— Por que não fica para jantarmos juntos? — propôs
ela. — Depois, poderíamos...
— Não — disse ele, já se vestindo.
— Bolt, você não pode ir embora assim sem mais nem
menos. Não depois de ter-me feito sentir tudo isso que senti
agora.
— Voltarei aqui noutro dia — disse ele, calçando as
botas. Victoria desistiu e, levantando-se com um suspiro,
sentou-se em frente à penteadeira e começou a escovar os
cabelos, de frente para o espelho. Quando Bolt terminou de
afivelar o cinto com o coldre, aproximou-se dela por trás e
beijou-a ao lado do pescoço. Ao fazer isso, percebeu o
brilho da aliança de ouro que ela usava. Achou que a
aliança era nova demais para uma mulher que dizia estar
casada desde que era quase uma menina, mas logo em
seguida refletiu que o marido de Victoria tinha ficado rico
apenas pouco tempo antes de morrer e talvez a aliança
datasse dessa época.
Quando Bolt voltou a se endireitar, preparando-se para
deixar o quarto, seus olhos deram com algo que chamou sua
atenção.
— Para que serve isso? — perguntou ele, intrigado,
indicando quatro bolas vermelhas enfileiradas sobe o tampo
da penteadeira.
Pousando a escova, Victoria sorriu; apanhou três das
bolas e começou a jogá-las para o ar com destreza.
— Uma brincadeira para passar o tempo — disse ela,
enquanto as bolas subiam e desciam, as mãos alternando-se
em rápidos e experientes movimentos.
— Oh, muito bem — disse Bolt, forçando um sorriso.
Uma idéia assaltou-lhe a mente. — Victoria, você conhece
um cara chamado Ben Sneed?
Os olhos dela se alargaram de surpresa, depois piscaram
e emitiram uma chispa de ódio que ela não fez nenhum
esforço para disfarçar. Bolt jamais havia visto tamanha
expressão de ódio no rosto de uma mulher.

CAPÍTULO 13

— Claro que conheço Ben Sneed — respondeu Victoria


num tom de voz que se pretendia casual, mas cujo tremor
não escapou aos ouvidos atentos de Bolt.
— Amigo seu? — perguntou ele.
Ela virou-se e olhou para ele diretamente, em vez de
falar com seu reflexo no espelho.
— Por que quer saber?
— Ora, por nada. Ele faz números de malabarismo e eu
apenas associei uma coisa com a outra.
— Ben é meu enteado — disse ela. — De outro
casamento.
Os olhos dela evitaram os dele ao dizer isso e ele
ponderou se ela estaria dizendo a verdade. Com Victoria era
algo difícil de garantir. Bolt tinha prática de ler o olhar das
pessoas, mas Victoria parecia uma dessas que chegam a
acreditar nas próprias mentiras. Na dúvida ele registrou a
informação e passou adiante.
— Enteado? Curioso. Nesse caso o sobrenome dele
deveria ser Bedford, não é mesmo? Ou você casou com
alguém antes de Martin?
Ela não respondeu logo e quando o fez foi ainda sem
encará-lo de frente.
— Na realidade, Ben é enteado de Martin. Martin tinha
sido casado antes de nos conhecermos e Ben era filho de
sua primeira mulher. Quando ela morreu, Martin o tomou
sob sua responsabilidade.
— Parece uma história complicada — comentou Bolt.
— E Ben? Morava aqui, com você e seu marido?
— Às vezes. Quando era menino, morou por algum
tempo com uma tia solteira. Martin não tinha muito afeto
por ele. Eu gostava dele e ele chegou a morar uns meses
comigo depois da morte de Martin, mas agora vive por
conta própria.
Havia um tom de tristeza tanto em sua voz quanto em
seus olhos, que não passou despercebido a Bolt.
— Você o ajuda financeiramente, como faz com
Willow?
— Um pouco. Não muito. Ben sabe cuidar de si próprio.
— Apenas com o que ganha no American?
— Ele tem outro trabalho.
— Qual?
— Não sei exatamente. Ele não comenta essas coisas
comigo.
— Onde ele vive agora?
— Não sei. Há tempos que não o vejo.
— Ele já morou na casa onde funciona a lavanderia?
— Não. Certa vez eu lhe pedi que cuidasse da casa para
mim, morando lá de graça, mas ele não se interessou. E é
melhor você ficar sabendo que não vejo Ben há uns dois
meses.
— Em todo o caso, obrigado — disse Bolt, curvando- se
e beijando-a na boca. Ela agarrou-lhe a mão.
— Volte hoje à noite. Você não se arrependerá.
— Não prometo nada. Mas ainda vamos nos ver.
Bolt saiu, sem lhe dar mais chances de tentar detê-lo. Ao
conduzir o cavalo pela estrada que descia a colina, de volta
à cidade, ele tentou avaliar as informações que tinha colhido
durante sua permanência na casa de Victoria. O fato de Ben
Sneed ser seu enteado colocava uma série de novas
questões, mas não contribuía para esclarecer nenhuma
delas. Sneed, aliás, não era mais seu principal suspeito,
depois da experiência que fizera no palco do American,
provando que ele não poderia ter arremessado o estilete
contra Anne Dalton.
O que não significava que não fosse Ben a pessoa que
disparara sobre ele da janela, pensou Bolt. Mas tentou
concentrar-se novamente nos crimes do Matador Fantasma.
Poderia ter sido Victoria? Afinal de contas, ela também
demonstrara habilidades para números de malabarismo e
poderia ter arremessado uma adaga a distância; além disso,
expressara de viva voz seu desprezo pelas prostitutas.
Mas não. Bolt já conhecera mulheres assassinas e sabia
que Victoria não tinha a energia necessária para tanto.
Ao cavalgar ao longo da rua principal, manteve a mão
próxima ao coldre e os olhos atentos a tudo que se passava
ao redor. Tentando não chamar a atenção no meio dos
outros cavaleiros que trotavam em várias direções, ele
esquadrinhou com atenção cada metro da rua, cada
cavaleiro ou carroça que passavam, alerta ao mínimo
movimento estranho. Já tivera sua dose de surpresas para
aquele dia.
O cavalo de Tom estava amarrado diante do Cary
House, e ele apeou ali. Quando entrou, localizou Tom sem
dificuldade, sentado numa mesa do refeitório.
— Chegou a tempo para o jantar — disse Tom sorrindo.
— Estou caindo de fome — anunciou Bolt, jogando o
chapéu sobre uma cadeira e sentando-se de frente para o
companheiro. — Como foi seu dia?
— Fraco — disse Tom, examinando o amigo. — Bem
menos divertido do que seu dia. Que tal ela?
— Ela quem? — perguntou Bolt surpreendido.
— A garota que você acabou de comer — disse Tom
com um sorriso matreiro.
— Ora, que é isso? — Bolt esticou as pernas sob a mesa,
espreguiçou-se e soltou uma risada. — Quem lhe disse?
Parece que as notícias circulam rápido por aqui.
— Ninguém me disse — replicou Tom, com certo ar de
triunfo na voz. — Mas basta estar a meio metro de você
para sentir cheiro de perfume, maquilagem e... bem, cheiros
femininos em geral. Por outro lado sua camisa está
abotoada errado e não estava assim quando nos separamos,
no começo da tarde.
— Ponto para você — aplaudiu Bolt. — Com um
ajudante assim, vou acabar virando xerife de Hangtown.
— Quem era ela? — insistiu o outro.
Bolt cruzou as mãos atrás da nuca e fez um ar de
mistério.
— Quem era não interessa muito, mas... rapaz, que
mulher!
— As mulheres daqui são quentes — concordou Tom.
— Eu mesmo não estou encontrando tempo para dar
conta de tudo que aparece. Que tal sua namorada
misteriosa?
— Sabe aquelas mulheres — disse Bolt — que
gostariam de trepar umas três vezes por dia. .. e são
forçadas a passar seis meses em jejum?
— Sei como é. Aí, um belo dia, aparece um cara e ela
procura compensar o atraso.
O garçom apareceu e eles fizeram o pedido. Antes de os
pratos serem servidos, Tom anunciou:
— Tenho más notícias.
— O quê?
— O xerife mandou um emissário a Sacramento para
pedir informações sobre nós dois. Deverá ter a resposta
antes do fim de semana.
— Droga!
— Pois é. Você acha que ainda existem cartazes com
nossa cara por lá?
— Mesmo que não existam, o juiz Wilkins reconhecerá
nossos nomes ou a descrição de nossas fisionomias. Você
sabe que ele não descansará enquanto não nos pegar, depois
que matei seus dois filhos. Toda aquela história não vai ser
esquecida facilmente.
— Ora, tudo que fizemos foi tomar de volta o dinheiro
que era nosso.
— Vá dizer isso a ele. Mas, em todo caso, o fato é que,
se McCracken mandou pedir informações, é porque ainda
não se sente à vontade para agir contra nós, o que nos dá um
pouco mais de tempo.
— Ainda estamos na terça-feira.
— Sim, mas para cada lado que me viro dou de cara com
uma parede. Vamos chegando perto do próximo sábado e
nada de respostas. E quanto a você?
— É uma coisa incrível. Ninguém sabe de nada,
ninguém quer dizer uma palavra a respeito do assunto. Não
sei se estão acobertando o Matador ou se têm medo de
represálias.
— Ouviu falar no nome de Victoria Bedford por aí?
— Claro que não. Quem é?
— A proprietária de uma casa nesta rua, de cuja janela
alguém tentou me acertar com um tiro hoje à tarde.
— Você está brincando.
Bolt extraiu do bolso o cartucho de rifle.
— Aqui está. O cara atirou de um lugar privilegiado. Ou
era muito ruim ou estava apenas querendo me assustar.
— Nenhuma pista de quem foi?
— Andei falando com a proprietária da casa, mas vou ter
de voltar lá e fazer umas perguntas ao chinês da lavanderia.
Descobri que Ben Sneed é enteado da mulher e vou tentar
seguir essa pista.
— É bom ter cuidado, Bolt. Já é a segunda vez que
alguém tenta matá-lo.
— Torno a repetir: ou o sujeito é muito incompetente ou
está apenas tentando me manter afastado. Em ambos os
casos, não me causa nenhum medo; pelo contrário, quanto
mais ele se aproximar, mais chances tenho de pegá-lo.
Tom fez uma cara de dúvida.
— Não sei. O criminoso não precisa fazer isso pessoal-
mente. Ele pode pagar um mercenário para cuidar de você e
com isso desvia as atenções de si próprio.
— Ora, vamos arriscar.
Quando terminaram a refeição e saíram para a rua, Bolt
anunciou:
— Vou dormir com Jenny hoje à noite. Acho mais
seguro do que pensar que o Matador só voltará a atacar no
sábado.
— Encontro você lá, mais tarde.
Do lado de fora já era quase noite. A rua fervilhava de
atividades, com a chegada dos mineiros vindos do trabalho
e com o movimento de pessoas fechando as lojas e
encaminhando-se para os bares e os restaurantes. Bolt
cavalgou lentamente ao longo da rua e ao se aproximar da
lavanderia viu que esta estava fechada e às escuras.
Praguejou baixinho ao perceber que só poderia falar com o
chinês na manhã seguinte. Mudou de direção e seguiu para
o American Dance Hall. Quando amarrou Nick no mourão e
entrou, percebeu que mais da metade das mesas estava
ocupada e logo avistou Jenny sentada sozinha em uma
delas.
— Ainda bem que você voltou — disse ela, sorrindo e
beijando-o no rosto. — Estava preocupada. O que andou
fazendo?
— Andei investigando por aí — respondeu, sentando- se
de frente para ela. Percebeu que Jenny continuava inquieta.
Resolveu não dizer nada sobre a emboscada que sofrera,
para não preocupá-la mais ainda.
— Posso dormir aqui hoje?
— Só se for em meu quarto.
— Essa era .minha idéia.
Jenny sorriu. Nesse instante Ben Sneed subiu ao palco e
começou a estimular os presentes a comprar tickets de
dança das garotas. Bolt contraiu os maxilares e seus olhos
se estreitaram enquanto ele olhava a distância para o
homem que batia palmas e gritava a plenos pulmões. A
visão de Sneed produzia nele uma impressão desagradável,
como a de um giz que arranha um quadro-negro. Bolt não
sabia a razão disso, mas tinha o hábito de confiar em sua
intuição; e esta lhe dizia que era melhor manter Ben Sneed
sob vigilância.
***
Na manhã seguinte, pouco depois das dez horas, Bolt
entrou na lavanderia chinesa.
— Senhor achou homem que disparou tiro? —
perguntou Wing Chew quando o viu.
— Ainda não.
— Senhor falou com sra. Bedford?
— Sim, mas ela disse que não tem nada a ver com o que
acontece por aqui. Diz ela que aluga sua casa para pessoas
decentes.
— Senhora está certa.
— Você conhece um homem chamado Ben Sneed?
— Sim.
— Ele aparece por aqui às vezes?
— Vem toda semana. Recebe dinheiro aluguel para sra.
Bedford.
— É mesmo? — Os olhos de Bolt se abriram,
subitamente atentos.
— Sim. Ben enteado sra. Bedford. Recebe aluguel e faz
limpeza, mas não está fazendo limpeza. Ben preguiçoso.
— Ele veio aqui ontem?
— Sim. Uma hora antes de o senhor aparecer.
— Por que não me disse antes? — perguntou Bolt,
tentando controlar sua impaciência diante da ingenuidade
do chinês.
— Senhor perguntou se estranhos tinham vindo. Ben não
estranho. Ben enteado sra. Bedford. Recebe aluguel e...
— Sei, sei — interrompeu Bolt e comentou em voz alta:
— Fico imaginando se Victoria já viu a cor do dinheiro
desses aluguéis.
— Sra. Bedford não se queixa — informou o chinês.
— Sabe onde posso encontrar Sneed?
— Não, senhor. Por favor, senhor não dizer a Ben o que
Wing Chew falou. Não dizer ninguém.
— Está bem, Wing Chew. Você me ajudou bastante.
— Ben mata Wing Chew se souber.
— Não se preocupe, Ben não vai matar ninguém aqui.
— Senhor pensa que foi Ben que atirou ontem?
— Penso, sim.
Bolt deixou a lavanderia com a garganta contraída de
tensão. Talvez não fosse Sneed o assassino das garotas, mas
não havia a menor dúvida de que fora ele o autor do disparo
da tarde anterior. E Bolt não estava disposto a conceder-lhe
uma segunda chance.
CAPITULO 14

Bolt passou o resto da manhã e boa parte da tarde à


procura de Ben Sneed. Sabia que ele não tinha dormido no
American na noite anterior; ninguém mais o vira depois de
o salão fechar de madrugada. Ao interrogar Jenny, ficou
surpreendido ao verificar que nem ela mesma sabia do fato
de Sneed ser enteado da viúva Bedford.
Bolt e Tom, em separado, esquadrinharam Placerville à
procura de Sneed, procurando fazer o máximo para não
despertar mais suspeitas. Mas não havia traços: o
malabarista desaparecera no ar.
Bolt pediu a Tom que o esperasse no Hangtown Saloon,
vizinho ao hotel, e foi ao American à procura de Jenny.
— Não é de admirar que você não tenha encontrado Ben
— declarou Jenny. — Ele não é do tipo beberrão e não tem
nenhum motivo para andar pelos bares a essa hora do dia.
— E onde estaria então?
— Ninguém sabe onde vive. Ele é metido a
conquistador, e mesmo que minhas garotas não queiram
nada com ele, outras querem. Aposto como ele dorme cada
noite num lugar diferente. E aposto que esta noite virá
trabalhar como todos os dias, e aí você poderá falar com ele.
— Espero que sim. — Ele não parecia convencido.
— Não sei por que você implicou com Ben.
— Jenny, estou investigando. Investigar é falar com as
pessoas, fazer-lhes perguntas e prestar atenção no que
dizem. — Ele pegou seu chapéu. — Estarei de volta assim
que o salão abrir.
— Posso pedir a Ben que o procure, se ele aparecer mais
cedo.
— Não, não precisa. Não comente nada com ele.
— Bolt, você está estranho. — O rosto de Jenny tinha
uma expressão inquieta.
Ele disse apenas: — Estou me lembrando do sábado à
noite.
— Não vai acontecer de novo.
— Eu não estou dizendo que vai. Até logo.
Bolt beijou-a no rosto e saiu.
O cavalo de Tom não estava amarrado na frente do
hotel. Ele seguiu adiante sem pressa. Seguiu até o fim da
rua, fez Nick dar meia-volta e regressou. Amarrou o cavalo
em frente do hotel e caminhou para o Hangtown Saloon.
Começava a anoitecer.
Suas botas rangeram sobre o piso de tábuas até a porta
do salão; ele a empurrou e deu dois passos para dentro.
Algumas cabeças se viraram em sua direção e houve uma
oscilação no ruído das conversas; vários pares de olhos
fixaram-se em Bolt. Alguns daqueles rostos já começavam a
se tornar familiares para ele. Passou um olhar indiferente,
mas atento, pelo salão, a mão próxima ao coldre. Ouviu as
suas costas um tilintar abafado de esporas; e logo em
seguida as dobradiças da porta rangeram. Ele virou-se
rápido, a mão na coronha da arma.
— Oi, parceiro. Um drinque? — Era Tom.
— É bom — disse Bolt. — Vim com essa intenção.
Tom seguiu à frente, um pouco à direita; Bolt manteve
sob vigilância o lado esquerdo da sala até que se sentaram
numa mesa do canto. O ruído da sala já tinha voltado ao
normal, mas Bolt sabia que estavam sob atenção.
Espreguiçou o corpo longo e ajeitou o cinto com o coldre.
— Você bebe o quê? — perguntou.
— Depende de quem vai pagar — foi a resposta de Tom,
esticando as pernas sob a mesa.
— Pago o primeiro.
Tom chamou o barman e ordenou: — Dois uísques, do
melhor que tiver.
Quando o homem se afastou, Bolt voltou a examinar o
ambiente. Dois homens numa mesa próxima ainda estavam
a espiá-los; quando seus olhos se cruzaram, eles os
desviaram e começaram a conversar em voz baixa.
O barman trouxe os drinques e Bolt pôs uma moeda na
bandeja. Bebendo devagar, examinou os dois homens.
Usavam calças sujas, camisas com o colarinho manchado.
A brilhantina de seus cabelos estava endurecida de poeira.
Mas do coldre de um deles, visível daquela posição, pendia
uma arma nova, reluzente, de boa qualidade. Nenhum dos
dois parecia um matador profissional. Eram talvez bons de
gatilho, mas pouco espertos, arrogantes, prontos a fazer
qualquer coisa por dinheiro. Do tipo que vira caçador de
recompensas.
— Você está nervoso — disse Tom. — Quase atirou em
mim quando entrei.
— E verdade que estou inquieto — foi a resposta de
Bolt. — Mas você sabe que não atiro por qualquer motivo.
— Espero que não.
— Ouvi suas esporas se aproximando. Mas você abriu a
porta como se quisesse me pegar de surpresa.
— Ia fazer o quê? Você estava parado a meio metro da
porta. Eu não ia empurrá-lo para dentro. Talvez devesse ter
falado antes.
— Sim, faça algum ruído. Se você se aproxima de um
cara pelas costas, faça-o saber que está chegando, que não
tem por que se esconder.
Ficaram em silêncio, bebendo o uísque em pequenos
goles, até que Bolt falou: — Mesmo assim, acho que vamos
ter encrenca.
— Por quê?
Não olhe agora. Mas ontem estivemos falando em gente
que executa trabalhos sujos para os outros e acho que tem
dois desses tipos sentados ali adiante.
— O que você sugere? — Tom não se virou, mas mudou
de posição com naturalidade, pousando o copo na mesa e
ficando em guarda.
— Sugiro sairmos daqui e voltarmos para o American.
Lá estamos em casa. E podemos jantar enquanto
aguardamos a chegada de Sneed.
Bolt esvaziou o copo e o colocou sobre a mesa, mas foi
como se esse gesto servisse de sinal. Os dois homens se
levantaram ao mesmo tempo e, rodeando as mesas,
aproximaram-se deles.
— Tarde demais — disse Bolt. — Vamos ver o que
acontece. Fique pronto.
Os dois homens pararam perto da mesa, sem tirar os
olhos de Bolt e Tom. O mais alto deles ficou parado com as
pernas bem afastadas uma da outra e balançava-se
ligeiramente para frente e para trás. Bolt olhou para ele e
depois para o menor, que tinha olhos miúdos e brilhantes.
— Parece que vocês andam fazendo perguntas demais
aqui na cidade — disse o baixinho, numa voz áspera e
fanhosa.
— Isso é assunto nosso — retrucou Bolt.
— Vocês são de fora e não devem se meter onde não são
chamados — disse o homem mais alto. Tinha dois dentes
falhos na frente.
Houve uma agitação na sala quando os homens das
mesas vizinhas perceberam o início da alteração. O
baixinho, que tinha uma cicatriz avermelhada na face
esquerda, completou: — E isso mesmo. Esses caras se
metem onde não são chamados, não é mesmo, Mont?
— Claro, Randy — disse o outro. — Eles não sabem
onde estão se metendo.
— Está nos ameaçando? — perguntou Bolt com
cuidado, cravando no outro um par de olhos frios e azuis.
— Estou avisando para caírem fora daqui — disse Mont,
estufando o peito musculoso por dentro da camisa.
Movendo-se devagar, Bolt ficou de pé, com a mão perto
do coldre, sem fazer movimentos bruscos que pudessem dar
aos outros a impressão de que iria sacar. Tom também se
pôs de pé, virado de frente para os estranhos. Pelo salão
inteiro, homens se ergueram apressadamente, cadeiras
foram empurradas para trás.
— Não estamos querendo problemas — disse Tom,
encarando sucessivamente os dois.
— Então por que não pegam suas coisas e dão o fora da
cidade? — perguntou o baixinho. — Não gostamos de
almofadinhas, nem de gigolôs de prostitutas.
— Vá devagar, cara — disse Bolt, sem pestanejar. Você
não nos conhece.
— Parece que vamos ter de dar-lhes uma lição — disse
Mont, cuspindo para o lado. — Não é, Randy?
— E mesmo, Mont — concordou o baixinho. — Neles e
naquele chinês mentiroso.
— Vocês não dão lição em ninguém — respondeu Bolt.
— Não são homens pra isso.
Bolt sabia que a intenção dos dois era irritá-los e forçar
que ele ou Tom atirasse primeiro. Só que não iria funcionar:
tanto ele quanto Tom só sacavam a arma em defesa própria
e não eram ingênuos a ponto de aceitar provocações. Bolt
tinha certeza de que, se prolongassem a situação, um dos
dois mal-encarados acabaria perdendo a paciência.
Os quatro homens se encararam durante alguns tensos
segundos, sem mover um músculo. Bolt sabia que, caso
houvesse tiroteio, teria que enfrentar Randy, que não tirava
os olhos dele, e sabia que Tom cuidaria de Mont. Randy
parecia ser o mais perigoso dos dois e Bolt encarou
firmemente o baixinho. Em situações desse tipo, sempre
olhava direto nos olhos e era capaz de saber quando o outro
homem ia sacar. Alguns piscavam, um segundo antes.
Outros contraíam os olhos ou os arregalavam um pouco. Ele
ainda não sabia a que tipo pertencia Randy, mas estava à
espera de um sinal.
Subitamente, os olhos de Randy saltaram para o lado,
trocando um sinal instantâneo com Mont. Bolt percebeu que
tinha chegado a hora. Randy sacou primeiro; Mont, um
instante depois. Suas pistolas emergiram dos coldres num
movimento mais rápido que o olhar, mas que mesmo assim
não foi rápido o suficiente. Bolt puxou seu revólver e atirou
da altura do quadril, atingindo Randy no cotovelo; o
revólver de Tom soou um instante depois. Sua bala atingiu
o ombro direito de Mont.
Randy soltou um grito de dor; seus dedos se abriram
soltando o revólver no chão e ele se encolheu sobre si
próprio, o rosto contraído, os lábios praguejando. Ao
mesmo tempo, a pistola de Mont caía a seus pés, enquanto
ele levava a mão ao ombro ferido e uma expressão de
incredulidade se instalava em seu rosto. No salão houve um
ruído confuso de gritos, exclamações, empurrões e depois
um murmúrio de admiração.
Dando um passo à frente, Bolt chutou para longe as duas
armas caídas no chão e depois recuou, deixando bastante
espaço entre si próprio e os dois homens feridos.
— Muito bem — disse ele. — Quem pagou a vocês para
fazerem essa palhaçada?
Um silvo como um whish cortou o ar, e logo a seguir ele
se repetiu, whishh... os olhos dos dois pistoleiros
arregalaram-se de surpresa e ambos caíram ao chão, os
corpos sofrendo convulsões de agonia. No peito de cada
um, brilhava o cabo metálico de um estilete e o sangue
minava da ferida.
Estupefato, Bolt olhou ao redor, mas foi como se a
queda dos dois corpos tivesse quebrado um encanto. O
salão virou uma balbúrdia onde todos se empurravam,
tentando ver o que tinha acontecido, entre gritos e
instruções para que se chamasse o xerife ou o dono do
salão. BoIt e Tom foram agarrados por indivíduos que
queriam apenas perguntar quem tinha atirado primeiro, ou
quem tinha arremessado os estiletes.
No meio da confusão, Bolt procurou com os olhos uma
porta lateral que tinha avistado ao entrar, uma vez que
sempre anotava as alternativas de saída, quando chegava
num ambiente pouco conhecido. Agarrando Tom pelo
braço, ele gritou a seu ouvido.
— Fique aqui, para não pensarem que estamos fugindo.
Vou dar uma checada lá fora.
— Está bem.
Bolt abriu caminho entre a multidão de curiosos e, pela
porta lateral, lançou-se para fora, ainda em tempo de avistar
um vulto que dobrava uma esquina. Partiu em sua
perseguição, com a arma engatilhada. Ao rodear o prédio,
contudo, algo emergiu das sombras e o golpeou na cabeça
com um objeto pesado e rombudo; uma vertigem fez suas
pernas fraquejarem e ele tombou desacordado. A pessoa que
o derrubara arrastou seu corpo pelos pés até uma parte mais
sombria da rua e, engatilhando um rifle, apoiou o cano à
testa de Bolt.

CAPÍTULO 15

Ouviu-se um tropel de passos na rua e alguns gritos de


alerta. O atacante de Bolt pareceu mudar de idéia e,
colocando o rifle debaixo do. braço, desapareceu num beco
estreito que separava dois prédios, no mesmo instante em
que Tom dobrava a esquina e avistava o vulto inconsciente
de Bolt. Ajoelhando-se ao lado do amigo, ele tomou-lhe o
pulso e começou a dar-lhe tapas no rosto.
— Bolt! Bolt! Você está bem?
Demorou alguns segundos até que ele se mexesse,
emitindo sons inarticulados através da garganta, e, depois,
abrisse os olhos, fazendo uma careta de dor.
— O que... o que aconteceu?
— Ainda bem — suspirou Tom. — Ainda bem que não
foi nada grave.
Bolt apoiou-se num cotovelo, tentando erguer-se. O
mundo parecia rodar em torno dele. Ao tentar focalizar os
olhos em Tom, tudo lhe pareceu nublado.
— Alguém me derrubou — grunhiu ele, apalpando a
cabeça. Um galo enorme já começava a surgir em sua
têmpora, e sua cabeça latejava como se alguém ainda
continuasse a bater-lhe. Tom o ajudou a ficar de pé; ele
apoiou-se no ombro do outro até recuperar o equilíbrio.
— Viu quem foi? — perguntou, logo que se sentiu
melhor.
— Não deu — disse Tom. — Você teve sorte.
— Tive mesmo. Só acho uma pena que não tenha dado
tempo para ver nada.
— Ouvi que alguém se afastava correndo. Mas não
alcancei nem a sombra. — Fez uma pausa. — Tive medo de
encontrar você com uma lâmina daquelas nas costas.
— E, não ia ser fácil para você ter que explicar tudo isso
sozinho. E o xerife?
— Já está lá, mas não me viu sair. Acho bom a gente
voltar.
Bolt passou a mão pela testa: por sorte, não estava
sangrando. Bateu a poeira e os dois retornaram ao salão.
Entraram pela porta lateral e se misturaram à multidão de
mineiros bêbados que se empurravam todos para chegar
perto do canto, insultando-se, trocando informações
desencontradas, acotovelando-se com copos cheios na mão.
O salão não estava muito lotado, afinal era meio de semana;
mas era daquelas noites em que só existe o batalhão de
bêbados contumazes, que passam a noite embriagando-se e
jogando cartas, ansiosos por algum acontecimento diferente.
Bolt e Tom abriram caminho e logo fizeram parte do
precário círculo formado em torno dos corpos, onde o xerife
McCracken tentava cofiar o bigode e fazer anotações na
caderneta ao mesmo tempo. Quando o xerife os avistou,
aproximou-se de Bolt.
— Ah, vocês estão aí. E então, sr. Bolt, que história me
conta?
— Tínhamos acabado de ter uma discussão com esses
caras quando alguém os matou com essas coisas aí — disse
Bolt, indicando com o queixo os dois vultos apunhalados.
— E mesmo? — escarneceu o xerife. — Que Curioso!
Alguém chegou e acertou esses dois arremessos, sem que
ninguém o visse? Não acha isso muito curioso?
— Para ser sincero, acho esquisitíssimo — concordou
Bolt, sem pestanejar. — Mas deve ser porque sou de fora.
Ao que tudo indica é uma velha tradição local.
McCracken retornou à ponta do bigode e lançou um
olhar em volta, até deparar com um homem alto, de roupa
escura.
— Retire esses estiletes e os leve para meu escritório —
ordenou ele.
— Está bem — disse o homem, abaixando-se junto aos
corpos. Bolt e Tom trocaram um olhar; McCracken estava
escrevendo em sua caderneta e Bolt dirigiu-se a ele.
— Mais alguma coisa, xerife?
— Claro que sim. — O homem voltou-se, entre
espantado e aborrecido. — Não pense que o dispensei. Nem
chegamos a conversar ainda.
— Também acho — disse Bolt.
— Para começar, como foi essa troca de tiros?
— Estávamos bebendo e eles e aproximaram. Foi uma
provocação, como todo mundo aqui pode testemunhar.
Acabaram eles mesmos perdendo a paciência. Atiramos em
legítima defesa, e nem sequer matamos ninguém, não havia
motivo.
— Vocês parecem ser muito rápidos.
— Oh, que nada, somos amadores. Mas quando é
preciso, o cara tem que acertar, não é mesmo? Senão eu não
estaria aqui agora.
A história contada pelos mineiros e pelo dono do salão
parecia não desmentir a versão de Bolt, uma vez que o
xerife guardou a caderneta e mudou de interlocutor.
Encarando Tom ele perguntou: — Qual de vocês dois atirou
primeiro?
— Sei lá — disse Tom. — Eu acho que fui eu, mas Bolt
é metido a esperto, diz que foi ele.
O xerife manteve os olhos em Tom e voltou à carga: —
Mas você acha que foi você, não é? Foi mais ligeiro do que
o cara?
— Não — retrucou Tom, impassível. — Ele sacou
primeiro, mas eu consegui me recuperar.
— Onde você estava na hora dos tiros?
— Parado aí ao lado — disse Tom.
— E você, Bolt? — perguntou o xerife, ainda com os
olhos fitos em Tom.
— Bolt estava mais ou menos onde está agora —
respondeu ele.
McCracken virou-se na direção de Bolt: — Em qual dos
dois você atirou, Bolt?
Foi novamente Tom quem respondeu: — No baixinho.
Parece que seu nome é Randy.
— Penrod, quer deixar o sr. Bolt responder? — retrucou
o xerife irritado.
— Desculpe.
— Em quem você atirou, Bolt?
— No baixinho — respondeu Bolt, muito sério.
Percebeu que Tom, sentindo-se dispensado, caminhava até
o canto da sala, onde alguns grupos ainda conversavam, de
pé, e parava ao lado do ponto onde o assistente do xerife
tinha colocado os dois estiletes retirados dos corpos,
envoltos numa toalha do bar. Aproveitando o fato de que a
retirada dos corpos estava atraindo as atenções de todos
para a porta da frente. Tom, num gesto rápido, enfiou a mão
entre as dobras da toalha e retirou um dos estiletes,
deixando o outro na mesma posição; guardou-o na bota e
deu dois passos para o lado, de costas para Bolt e o xerife.
O xerife afastou os olhos dos corpos que saíam
carregados e voltou a encarar Bolt.
— Estou precisando de mais informações sobre você,
Bolt. Você andou se envolvendo em muita coisa desde que
chegou aqui.
— Se precisar de informações pode me perguntar. Estou
aqui para ajudar a lei.
— A lei sabe se ajudar a si própria — cortou
McCracken. — Só peço que você colabore, em vez de
atrapalhar.
Bolt ficou calado. O xerife continuou: — Vocês tiveram
sorte. Esses dois sujeitos são muito conhecidos em
Placerville e ninguém gostava deles. São pistoleiros de
aluguel e não apareciam aqui há muitos anos. Não acha isso
interessante? Um tempo atrás esta cidade estava cheia de
cartazes com as caras deles.
— Não deviam ser cartazes muito bonitos —. foi o único
comentário de Bolt.
— Havia muita gente aqui ansiosa pelos quinhentos
dólares de recompensa, sabia? — O xerife estava com os
polegares enfiados no cinto, ao lado dos coldres. — Mas o
pessoal aqui não se atreveu a arriscar. Melhor ficar vivo,
não é? Só um cara muito bom mataria esse tal Randy. Um
caçador de recompensas.
McCracken tentava colocá-lo em xeque, mas Bolt tinha
boas cartas.
— Atirei para desarmá-lo, não para matar — declarou
ele. — Procure o tal atirador de facas e pode entregar os
quinhentos dólares.
— São quinhentos por cada um — disse McCracken.
Sentido que voltava à estaca zero, ele girou os olhos
em torno e avistou o vulto de Tom, que tomava um drinque
a alguns passos de distância, enquanto dois vaqueiros
bêbados contavam-lhe o que tinha acontecido. O xerife
tornou a olhar para Bolt.
— Muito bem, já encerrei. Pode ir andando.
— Mas eu não encerrei ainda — disse Bolt, sentando a
perna direita sobre a mesa. — Já que o senhor é o
representante da lei na cidade, quero saber que história é
essa de “taxa de proteção” que o comércio local tem que
pagar.
O xerife não esperava por aquilo, mas reagiu rápido.
— Com que direito o senhor me faz uma pergunta idiota
como esta?
O tom de voz, ofendido, pomposo, deu a Bolt a pista de
como poderia partir para o ataque.
— Ora, xerife, eu conheço muitas outras cidades além de
Hangtown. E por lá isso é proibido, sabia? Os xerifes desses
lugares são pagos para botar na cadeia as pessoas que fazem
esse tipo de coisa.
O rosto de McCracken estava avermelhado de raiva, mas
ele foi forçado a falar no mesmo tom de Bolt.
— Sei disso, mas não é esse o caso. Aqui não acontece
nada de ilegal.
— Ora, vamos, xerife. — Bolt simulou um tom meio
paternal, amigável. — É só sair na rua e perguntar à
primeira criança que passar correndo. Todo mundo aqui
paga seu impostozinho ao xerife. Menos Janny Mason, não
é?
McCracken pareceu refletir por alguns instantes e
finalmente arriscou: — Ora, ninguém é obrigado a nada.
Tenho meu trabalho como xerife. Mas essa cidade dá muita
dor de cabeça, a um sujeito que ganha mal e tem poucos
ajudantes.
— Quer dizer que, quando eles precisam de proteção,
pagam a você.
— Sim, porque sou de confiança. Sou um bom xerife, i,
sabia? Pergunte a qualquer criança, também. — McCracken
tomou uma respiração funda e continuou: — Esta cidade
vive cheia de bêbados de todos os tipos. Brigam por causa
de ouro, d mulheres, de jogo, de cavalos; ou brigam sem
motivo, porque tudo que sabem fazer é trabalhar e brigar.
Eu não posso estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
Tenho que escolher. Então escolho cuidar dos problemas de
quem me paga, e de quem me paga melhor.
Mas Bolt não estava disposto a ceder terreno.
— Ainda que fosse assim estaria errado, porque essas
pessoas já lhe pagam, porque pagam impostos caros, e não
têm culpa se seu salário é pequeno — disparou ele. — Mas
não foi essa a história que andei ouvindo por aí. A história
que circula na cidade é de que todo mundo paga para que os
amigos do xerife não venham lhes causar complicações.
— Olhe aqui, sr. Bolt, esta é uma cidade decente e eu
sou o xerife. E não admito que...
— E por que exige pagamento de Jenny Mason, se o
salão dela está fora de sua jurisdição?
McCracken não tinha mais paciência para continuar
fingindo. Com a mão próxima ao coldre falou: — Se ela
pagar, estará sob minha jurisdição. Agora pode ir andando e
leve o recado para ela!
— Claro que levarei — Bolt não se deu por achado.
— Mas acho que a proposta não interessa à Jenny. Ela
está mais bem protegida do que o resto da cidade.
Bolt fez um cumprimento e girou nos calcanhares. Ainda
ouviu a voz do xerife as suas costas: — Não se afaste da
cidade nem se meta em outro tiroteio, senão vai dormir na
cadeia. — A voz de McCracken tinha assumido novamente
o tom fanfarrão que usava em público; mas ninguém parecia
estar prestando atenção.
Tom acompanhou Bolt até o lado de fora.
— E então? — perguntou.
— Nenhum perigo sério por esse lado — informou. —
Mas precisamos ter mais cuidado, Tom.
— Sair das confusões antes que aconteçam.
— Isso mesmo. Bem, continuamos com sorte. — Fez
uma careta e apalpou a cabeça. — Ainda bem que ele não
me mandou tirar o chapéu.
Cavalgaram devagar até o American Dance Hall.
Mesmo assim, a cabeça de Bolt doía a cada movimento.
Apearam e entraram no salão espaçoso e ainda quase vazio,
se bem que daí a uma hora o ambiente já devesse estar
intransitável.
— Onde está Jenny? — perguntou Bolt debruçando-se
no balcão e atraindo a atenção de Curly.
— Se não estiver jantando, está no quarto dela —
informou o barman.
A sala de jantar estava vazia. Tom encaminhou-se para a
cozinha enquanto Bolt ia bater à porta de Jenny.
— Ainda bem que chegaram — disse ela. — Entrem
aqui.
Bolt entrou, seguido por Tom, que chegava da cozinha
trazendo na mão um pano úmido, enrolado.
— Jenny, quero que olhe uma coisa — disse Bolt,
fazendo um gesto. Tom desenrolou o pano revelando o
brilho do estilete de aço recém lavado. — Reconhece isso?
Ela o olhou de longe e sacudiu a cabeça.
— Não. E maior que os outros. Os outros tinham lâmina
mais estreita e um cabo mais fino. Onde arranjou esse aí?
— Esse e outro mataram dois caras no Hangtown Saloon
há uma hora — respondeu Bolt. — Mas tive a impressão de
que não foram arremessados pela mesma pessoa que matou
as garotas, e ao que parece estou com a razão. Alguém
começou a imitar o Matador Fantasma.
— Não é possível.
— Pelo contrário. Acontece com muito mais freqüência
do que você pode imaginar.
— Ninguém viu quem foi?
— Mais uma vez, não. Os estiletes pareceram vir do ar.
Mas tinha acabado de haver um tiroteio e estava todo
mundo meio zonzo, de modo que ninguém viu nada.
Só então Jenny pareceu perceber algo de estranho.
— Bolt, você está pálido. O que houve?
— Nada — disse ele, tirando o chapéu e mostrando o
inchaço nas têmporas. — Alguém me deu uma pancada, só
isso.
— Meu Deus! — Jenny passou os dedos pelo local,
provocando uma careta de Bolt. — Como aconteceu isso?
— Não tenho a menor idéia.
— Bolt, por favor.
— Estou falando sério. Dobrei uma esquina perseguindo
um cara. Me deram uma pancada antes que eu pudesse ver
qualquer coisa.
— Tom, ele está dizendo a verdade?
— Sim. Acho que a pessoa que o atacou fugiu ao me
ouvir chegar. Também não pude ver nada.
Ela olhou para um e para outro e deu um suspiro.
— Espero que não estejam me escondendo nada.
— Por que faríamos isso?
— Não sei. Em todo caso, você vai para a cama agora
mesmo.
Ela empurrou Bolt, que caiu de costas sobre os
travesseiros; abaixando-se ao lado, Jenny começou a tirar
suas botas.
— Ei, espere aí! — Mas ele sentiu que realmente estava
tonto; a cavalgada até o American não tinha sido muito
agradável. Durante o percurso, ele ficou imaginando se não
estaria com uma fratura.
— Preciso falar com Ben Sneed — disse ele.
— Deve chegar daqui a pouco — replicou Jenny. —
Ainda não são nem oito horas.
Ela terminou de tirar as botas, a calça e a camisa de Bolt,
e trouxe-lhe uma dose de conhaque.
— Beba isso, vai lhe fazer bem.
Bolt virou o copo; o calor do conhaque lhe provocou
lágrimas nos olhos e fez com que sua cabeça doesse com
mais força. “Estou meio fraco”, reconheceu ele, deitando-se
na cama e estirando as pernas. Jenny deu-lhe um beijo no
rosto.
— Descanse um pouco. Eu e Tom estaremos lá embaixo.
— Chame-me quando Sneed chegar.
Jenny voltou a beijá-lo e saiu sem mais uma palavra,
seguida por Tom. Bolt fechou os olhos e começou a
repassar na mente os acontecimentos daquele início de
noite. O sono foi dominando-o aos poucos; e, quando
chegou à cena em que virava a esquina em perseguição ao
desconhecido, foi como se algo o atingisse de novo, e ele
voltou a deslizar, desta vez sem dor, para a escuridão.

CAPITULO 16

O sol entrava pela janela do quarto quando Bolt acordou.


Sentou-se na cama no mesmo instante, e só ao sentir a
pontada de dor na têmpora foi que recordou os
acontecimentos da noite anterior. Lançando um olhar para a
cama, deu pela ausência de Jenny; apenas um pouco do
perfume dela permanecia no ar. Bolt olhou através das
cortinas floridas que ladeavam a janela; a manhã já ia alta,
embora ele não pudesse adivinhar que horas seriam.
Jenny entrou no quarto no momento em que ele acabava
de vestir-se. Havia um brilho tranqüilo e luminoso em seu
vestido amarelo e em seus olhos.
— Bom dia — disse ela, com voz carinhosa. — Como se
sente?
— Faminto.
— Pensei nisso. Tenho um desjejum pronto para você.
Espere que vou buscá-lo.
— Ora, não se incomode.
— Melhor tomarmos café a sós aqui no quarto. Temos
que conversar. — Passou os dedos pela testa dele. — Como
está?
— Melhor.
— Volto já.
Bolt lavou o rosto e as mãos e estava penteando o cabelo
quando Jenny retornou trazendo uma bandeja repleta e a
colocou sobre a mesinha do quarto. Ao retirar o pano que a
cobria, ele soltou um assobio ao ver os ovos mexidos com
bacon, suco de laranja, bolo e biscoitos, além de café preto
fumegante.
— Toma café comigo? — perguntou ele sentando-se.
— Já tomei, mas ficarei uns instantes com você.
— Que horas são? — Bolt experimentou o suco.
— Dez e meia.
— Não devia ter me deixado dormir tanto.
— Você estava precisando.
— Onde está Ben Sneed?
— Veio ontem à noite, trabalhou normalmente e foi
embora quando fechamos.
— Onde posso encontrá-lo?
— Aqui, logo mais, à noite. Bolt, procure descansar.
Ele manejou os talheres com cuidado, partindo o bacon e
misturando-o aos ovos.
— Jenny, não posso ficar deitado enquanto o criminoso
continua à solta. Hoje já é quinta-feira.
— Só peço que tenha cuidado. — A expressão
preocupada havia retornado ao rosto dela. — Contaram-me
o que aconteceu ontem. Você podia ter morrido.
— De modo algum. Aqueles caras eram muito vagarosos
para sacar. Quem lhe contou? Tom?
— Todo mundo. Esta cidade é pequena. — Ela pareceu
querer mudar de assunto. — Você ainda acha que Ben tem
alguma coisa a ver com os crimes?
— Não sei. Por isso mesmo quero falar com ele.
— Estou com medo...
— Também estou com um pouco.
— Não é só isso. Quero que tenha cuidado quando sair.
Curly me disse que três homens procuraram por você ontem
à noite.
— E mesmo? — Bolt franziu a testa. — Quem eram?
— Ele não sabe. Disse que eram três sujeitos enormes,
do tipo que ele não gostaria de encontrar num beco escuro.
Todos três usavam armas.
— E o que Curly disse a eles?
— Que você estava hospedado no Cary House e que só
aparecia aqui de vez em quando, para uns drinques.
— Fez bem. Sujeito vivo esse Curly.
— Sim, sr. Bolt. Tenho casa de minha mãe numa cidade
— Ele é muito útil.
Bolt comeu o último biscoito, tomou mais um gole de
café e anunciou: — Bem, vou sair agora. Não se preocupe
comigo: ficarei a distância de todos os grupos de sujeitos
enormes e armados que houver na cidade.
Procurou manter a voz num tom despreocupado, mas a
notícia o deixara surpreso. A pessoa que mandara Randy e
Mont contra ele na noite anterior não tinha esperado muito
tempo para contra-atacar. Ou seria tudo uma coincidência?
Beijou Jenny e prometeu-lhe mais uma vez que tomaria o
maior cuidado possível. Estava dizendo a verdade.
***
Ao desmontar em frente à lavanderia de Wing Chew,
Bolt sentiu um certo alívio ao perceber que o chinês se
achava lá dentro. Desde a véspera que não tinha saído de
sua memória a referência feita em voz alta por Randy a
respeito do “chinês linguarudo”. Esse detalhe precisava ser
verificado.
— Boa tarde, sr. Bolt. — O chinês curvou-se, sorridente.
— Wing Chew, quero que você feche sua loja e passe o
dia fora da cidade.
— Por quê? — O rosto amarelo tomou-se de espanto.
— Sua vida corre perigo. Acho que alguém ficou
sabendo de nossa conversa de ontem sobre Ben Sneed.
— Mas quem? Somente eu e o sr. Bolt sabendo dessa
conversa.
— Pois é. Mas ao que tudo indica alguém estava nos
espionando; talvez o próprio Sneed. E uns sujeitos mal-
encarados tentaram me matar ontem à noite. Se as duas
coisas tiverem alguma relação entre si, você também corre
perigo.
— Fecho loja e volto para casa — afirmou o chinês...
convencido.
— Você tem família?
— Tenho boa esposa, linda filha e filho esperto.
— Então seja esperto também, ponha todos eles numa
carroça e vá para outra cidade até que as coisas se acalmem
por aqui.
— Sim, sr. Bolt. Tenho casa de minha mãe numa cidade
próxima.
— Faça isso. Bem, até logo, e boa sorte.
— Agradecido, sr. Bolt. Muito agradecido.
Apertaram-se as mãos e Bolt voltou a montar em Nick,
seguindo ao longo da rua. Fez uma parada em frente a um
armazém e outra num café; durante cada uma delas
examinou com cuidado tudo que estava ao alcance da vista,
admitindo que provavelmente não estava sendo seguido.
Eram umas cinco horas da tarde quando Bolt deixou o
cavalo amarrado a alguns metros de distância da tenda do
ferreiro e caminhou para a pequena casa onde morava
Willow Lane. Ao bater à porta trazia na mão um ramalhete
de flores e uma caixa de chocolates sob o braço, amarrada
com uma fita de seda.
— Quem é? — perguntou a voz pelo lado de dentro.
— Bolt.
— Vá embora, por favor.
— Abra um pouco. Sabe que quero apenas falar um
instante com você.
A porta entreabriu-se, apenas uma fresta, mas o bastante
para que ele pudesse ver o rosto velado e os olhos, que se
arregalaram um pouco ao deparar com as flores que ele lhe
estendia.
— Tome — disse e sorriu. — Para demonstrar minhas
boas intenções.
— Por favor. — A voz da mulher era suave, mas
carregada de uma tensão quase insuportável. — Será que
não pode me deixar em paz?
— Dê-me dez minutos — pediu Bolt.
Ela hesitou e finalmente abriu a porta, deixando-o entrar.
Uma sensação opressiva o envolveu quando deu alguns
passos para o interior do aposento. As duas janelas que
davam para a rua estavam cobertas por cortinas pesadas e
escuras. A sala estaria totalmente sombria, não fosse o
brilho da lanterna acesa a um canto e a nesga de sol que
entrava pela abertura da porta da frente. Os olhos de Bolt
precisaram de algum tempo para se acostumar àquela
penumbra, que se tornou mais acentuada quando Willow
fechou a porta e aproximou-se dele.
— Isto é para você. — Bolt estendeu-lhe as flores.
— Muito obrigada — disse ela, recebendo o buquê.
— E aqui são chocolates. Gosta de chocolates?
— Muito. Como adivinhou?
— Não adivinhei. Eu gosto muito e calculei que se você
não gostasse eu poderia comê-los sozinho.
Willow soltou uma risada, O som de sua voz era
cristalino e agradável, e já não demonstrava a mesma
hostilidade que Bolt tinha percebido até aquela hora.
— Sente-se — disse ela.
Ele localizou o sofá escuro no meio da penumbra e
sentou-se. Willow desmanchou o laço que prendia a caixa
de chocolates.
— Quer um?
— Obrigado. Aceito.
Ela lhe estendeu um chocolate e pegou outro para si.
— Posso aumentar um pouco a lanterna? — pediu Bolt.
Ao sinal afirmativo dela, ele ergueu o pavio, que lançou
mais luz sobre a sala. Os móveis eram pesados, e a mesa
estava coberta por uma toalha escura. Tudo muito limpo,
mas sombrio. O único toque alegre era dado pelos diversos
quadros pendurados nas paredes. Bolt os examinou com
cuidado.
— Você tem bom gosto — disse ele, após olhar de perto
os quadros, que mostravam paisagens e naturezas- mortas.
— Onde consegue os quadros?
— Eu os pinto.
Bolt ficou verdadeiramente surpreso.
— É mesmo? Incrível. Faz muito tempo que não vejo
quadros tão bons. Os da galeria Grudzinski não chegam
nem aos pés destes aqui.
— Obrigada.
Ele voltou-se e, ficando de pé de frente para ela,
perguntou: — Sabe por que vim até aqui?
— Para ver meu rosto — respondeu Willow com
simplicidade.
— Talvez. Mas para mim o mais importante é ouvir sua
história.
— Todos aqui sabem minha história. Você pode
perguntar a qualquer um.
— Quero que você me conte. Quero saber tudo que
houve entre você e Amanda Gibbons.
Ela começou a falar numa voz lenta e calma, enquanto
Bolt voltava a se sentar no sofá, olhando-a muito de perto.
Willow falava como alguém que conta fatos sucedidos a
outras pessoas há muito tempo; mesmo ao falar de si
própria, sua voz tinha um distanciamento do tipo que só é
conseguido através de muita dor e muita aceitação da dor.
— Devem ter-lhe dito que eu trabalhei no American
Dance Hall, de Jenny Mason. Para falar a verdade só
trabalhei uma noite. Eu estava muito amedrontada, pois
nunca tinha ido para a cama com um homem e tinha medo
de que me violentassem. Meu primeiro freguês foi um
homem chamado Ben Sneed.
— Sei quem é. — Bolt conseguiu ocultar sua surpresa.
— Ben percebeu que eu era virgem e foi muito delicado
comigo. Passamos a noite juntos e nos apaixonamos um
pelo outro. Ben disse que não deixaria que eu continuasse
trabalhando ali, pois não suportaria a idéia de ver outro
homem me tocar. Vim morar nesta casa, ajudada por ele, já
que eu tinha acabado de chegar à cidade. Ben prometeu que
se casaria comigo assim que tivesse dinheiro suficiente para
nos manter. Uma semana depois Amanda Gibbons chegou à
cidade e foi trabalhar no American. Era uma mulher
experiente, muito procurada pelos homens, acostumada a
explorá-los, jogá-los uns contra os outros. Como Ben
trabalhava para Jenny Mason, ele e Amanda passaram a se
ver constantemente e ela sentiu-se atraída por ele. Ben a
recusou por minha causa. Isso a enfureceu. Amanda era
uma mulher de gênio terrível, não admita a idéia de ser
recusada por um homem.
Willow fez uma pausa. Suas mãos descansavam
placidamente sobre o colo, e o único sinal de tensão que
permanecia em seu corpo eram os ombros eretos, o tronco
muito empertigado, por dentro do vestido escuro.
— Uma noite — prosseguiu ela —, Amanda apareceu
aqui em casa. Eu estava preparando um café, esperando por
Ben. Ela pediu para entrar e conversar comigo; vim com ela
até a cozinha, sem suspeitar de nada. Ela começou a me
insultar. Pedi que saísse. Antes que eu entendesse o que
estava acontecendo, ela puxou um punhal e me cortou no
rosto, um único corte, de cima para baixo. Eu apanhei a
chaleira com água fervendo e a joguei no rosto dela. Ela
saiu gritando pela porta afora. No dia seguinte foi embora
da cidade.
Bolt aguardou em silêncio alguns instantes, depois
perguntou: — Onde ela vive agora?
— Não tenho a menor idéia.
— E quanto a Ben?
— O tempo passa, não é? Eu já tinha descoberto que
Ben se apaixonava de vez em quando e que eu não era a
primeira nem seria a última. Depois do que aconteceu ele se
afastou de mim. Não o censuro. Os homens querem uma
mulher que tenha um rosto bonito, que eles possam
apresentar aos amigos e orgulhar-se dela. — Bolt não
respondeu e ela continuou: — Quer ainda ver meu rosto,
Bolt?
— Sim — disse ele.
Willow abaixou a cabeça até tocar no peito com a ponta
do queixo e desatou o laço que prendia o véu por trás da
cabeça, retirando-o a seguir. Ergueu o rosto para Bolt, um
rosto onde não havia vergonha, medo ou ódio. Apenas dois
olhos límpidos, um nariz delicado, uma boca de lábios bem
desenhados e sensuais, e uma cicatriz em ziguezague que
descia da testa, passando ao lado dos olhos, rodeando a
maçã do rosto e indo sumir perto da linha do queixo. O
rosto dela brilhava à luz bruxuleante do pavio da lanterna.
— Você é linda, Willow — disse Bolt, e estava falando
a verdade.
— O homem que cuidou de mim disse a mesma coisa —
disse ela, com uma voz distante. — Era um barbeiro, e fez o
possível para costurar isto aqui. Mas não foi nada fácil.
Ele ficou de pé e tomou as mãos dela nas suas, fazendo-
a erguer-se. Levantou seu queixo com suavidade, trazendo-
lhe o rosto para perto do seu.
— Você é linda — repetiu ele.
Os olhos de Willow, fitos nos dele, tinham uma
expressão de súplica, uma súplica calma, como se ela
estivesse a ponto de pedir-lhe algo, mas sem saber como ele
reagiria. Antes que ela dissesse qualquer coisa, Bolt tomou-
a nos braços e beijou-a. O corpo dela era leve e flexível,
aninhado de encontro a ele, e ela tinha uma boca
deliciosamente macia. Quando Bolt a soltou, ela disse: — Ë
a primeira vez que um homem me beija depois daquele dia.
Bolt voltou a beijá-la, desta vez com mais paixão,
acariciando com a mão o seio delicado que se ocultava por
entre as dobras ásperas do vestido. Willow respondeu com
um ardor longamente guardado e abraçou-se a ele como se
fossem amantes antigos que acabassem de se reencontrar. .

CAPÍTULO 17

Bolt e Willow passaram na cama o resto da tarde e toda


a noite, esquecidos do que havia do lado de fora. Willow era
a amante mais doce e carinhosa que Bolt já tinha
encontrado em toda a sua vida. Era sensível a seu toque,
experiente e provocante ao excitá-lo, apaixonada nos
momentos certos, quieta e silenciosa enquanto os dois
descansavam entre os lençóis e a brisa fresca da noite
entrava pela janela entreaberta. Era como se ela fosse várias
mulheres em uma só; parecia adivinhar cada pensamento,
antecipar-se a cada um de seus movimentos.
Bolt nem pensou em deixar a casa, depois que fizeram
amor pela primeira vez. Ele sentia que o sábado à noite
estava se aproximando e que dentro em breve iria ter seu
confronto final com o Matador Fantasma. Mas teria que
deixar Placerville, e não queria fazê-lo sem experimentar
até o fim aquela mulher bela e trágica, que escondia por trás
de um véu de silêncio o temperamento fogoso de um animal
jovem e determinado.
Na manhã seguinte, quando ele terminou de vestir-se e
afivelou o cinto com o revólver, ela o acompanhou até a
porta da frente, nua, envolta apenas num lençol. Beijou-o no
rosto.
— Adeus. Você é um homem maravilhoso.
Bolt abraçou-a e beijou-lhe os cabelos.
— Prometa-me uma coisa.
— O quê? — perguntou ela.
— Prometa-me que não vai usar mais aquele véu. Que
não vai mais viver trancada nesta casa.
— Prometo.
— Você é a mulher mais bela de Placerville. Lembre- se
disso. Quando você sair à rua, o primeiro olhar de cada
pessoa vai ser para sua cicatriz. Mas, assim que eles virem
seus olhos, vão esquecer que esta cicatriz existe. Comigo foi
assim.
Ela o abraçou, beijou-lhe os lábios de leve e deu um
passo para trás.
— Sei disso — falou com suavidade. — Sei disso desde
ontem.
***
Na noite de sexta-feira, Bolt e Tom ocuparam uma mesa
no Dry Gulch Saloon e pediram dois drinques. Tinham
ouvido rumores de que os três homens armados
continuavam a perguntar por eles todas as vezes que
apareciam por ali e decidiram que era melhor ir ao encontro
dos desconhecidos do que correr o risco de uma emboscada.
Achavam essa hipótese um pouco remota, pois os homens
não tinham agido às escondidas; pelo contrário: tinham
deixado recados em todos os salões e no hotel, dizendo que
precisavam ter uma conversa com eles dois. A coisa não
cheirava a crime premeditado. Talvez uma manobra
destinada a intimidá-los. Melhor pagar para ver.
Os homens voltariam ali naquela noite, segundo o
barman, de modo que ele Tom ficaram, bebendo devagar
seus uísques, sentados de costas para a parede, num ângulo
de onde podiam avistar ambas as portas, controlando a
entrada e a saída das pessoas. Bolt não sentia nervosismo,
mas por duas ou três vezes verificou se seu Colt deslizava
com facilidade no coldre.
Estavam no segundo drinque quando as portas se
abriram com violência e três homens enormes irromperam
no salão. Estavam cobertos de poeira da cabeça aos pés;
todos tinham cerradas barbas negras, chapéus enterrados até
os olhos; e os cabos de madrepérola de seus revólveres
tinham um brilho ameaçador. Bolt descruzou as pernas e
bebeu o resto do uísque, enquanto Tom, subitamente alerta,
tomava uma respiração funda e ficava em guarda.
— Devem ser esses aí — comentou Bolt.
— São enormes — observou Tom. — Eu não gostaria de
enfrentá-los a soco.
Os três homens caminharam devagar até o balcão,
olhando em redor, mas pareciam não ter notado a presença
de Bolt e de Tom sentados naquela mesa distante.
Sentaram-se, pediram três cervejas e ficaram trocando
algumas frases entre si. Quando o barman trouxe as bebidas,
o maior dos três fez uma pergunta. O homem respondeu
afirmativamente e, com um gesto de cabeça, indicou os
fundos do salão. Bolt se empertigou um pouco quando viu
que os olhos do homem vasculhavam o ambiente e
finalmente se fixavam na mesa onde eles estavam.
— Lá vem, Tom — disse ele.
O homem caminhou através do salão, enquanto seus dois
companheiros o seguiam, alguns passos atrás. Bolt sentiu
um pouco de arrependimento em ter permitido um
confronto naquelas circunstâncias. Os desconhecidos
usavam dois revólveres cada um e pareciam muito à
vontade. No caso de duelo, seriam seis armas contra duas.
Uma perspectiva pouco interessante.
O grandalhão parou a alguns metros de distância,
encarando Bolt. A ponta de um palito emergia de sua
espessa barba escura e movia-se enquanto ele o mastigava
sem pressa.
— Bolt? — perguntou ele.
— Sou eu. — A voz soou firme, mas ele teve a
impressão de que seu estômago estava cheio de formigas.
Pensou que teria de evitar uma briga a todo custo. Preparou-
se para não aceitar qualquer provocação.
O homem afastou os olhos dele e concentrou-se em
Tom.
— Olá, Penrod.
— Olá — respondeu Tom, aparentemente descontraído,
mas com a mão próxima ao coldre.
O homem voltou a encarar Bolt. O palito mexia-se
inquieto no meio da barba. Ele o transferiu para o canto
oposto da boca e falou: — Melhor vocês colocarem as mãos
sobre a mesa, onde eu possa vê-las.
— Por quê? — perguntou Bolt, sentindo algo de
estranho na voz do outro.
— Porque conheço vocês dois muito bem e não passam
de dois grandes filhos da puta.
Os lábios de Tom se contraíram, como se ele já
esperasse um insulto; mas o rosto de BoIt mudou de
expressão pouco a pouco. Falando bem devagar, ele
devolveu: — E você também. E se não me falha a memória
é veado também, desde pequenininho.
A gargalhada estrondosa do homem pegou todos de
surpresa; ele deu um murro na mesa fazendo os copos
saltarem, enquanto Bolt punha-se de pé e o agarrava pela
gola da camisa, dizendo: — Seu grande sacana.
— Teve medo, não teve? — perguntou o barbudo, entre
uma gargalhada e outra.
Os dois se abraçaram; a estatura do homem ultrapassava
a de Bolt em uns cinco centímetros. Tom ficou de pé, sem
entender o que se passava, até que o outro o agarrou
também pela camisa, quase gritando: — E o velho Tommy
quase suja as calças, não foi? Confesse que teve medo!
— Mike! — exclamou Tom, só então reconhecendo o
outro. Trocaram um abraço e ele continuou: — Que diabo
aconteceu com você? Onde arranjou esta barba?
— Comprei num leilão de barbas usadas — disse ele, e
isso foi pretexto para mais uma série de gargalhadas
estrondosas entre ele e Bolt, cada um desferindo socos no
peito do outro. Sentaram-se à mesa e o barbudo fez um
gesto, chamando seus dois companheiros.
— Deixem-me apresentar o pessoal... Este é o Bob
Tucker... Doug Smith. Este aqui é Tom Penrod. E esta coisa
horrível aí é Jared, o cara mais feio de toda família Bolt.
Todos trocaram apertos de mão, pediram mais uma
rodada de uísque, e finalmente Bolt, tendo descarregado a
tensão, perguntou ao outro: — Cara, o que houve com
Você? Quantos anos se passaram?
— Sei lá — disse o outro. — Cinco, seis.
— É muito tempo para dois irmãos ficarem sem se ver
— riu Bolt. — Mas essa barba... olhe, não quero nem
comentar.
— Por quê? — retrucou o outro, cofiando os pêlos
escuros e crespos, cobertos de poeira. — As mulheres
adoram. Tenho uma mexicana baixinha que se pendura aqui
com os dentes e me acompanha por toda parte.
Houve mais uma gargalhada ruidosa e todos brindaram.
— O que está fazendo em Placerville? — perguntou
Bolt, limpando os lábios com as costas da mão.
— Estamos instalando equipamentos numa nova mina
que está sendo aberta a alguns quilômetros daqui. Eu nem
me lembrava mais de que você existia, e de repente os
mineiros começaram a me perguntar se eu sou parente de
um outro Bolt que anda fazendo das suas em Hangtown. Eu
perguntei: “É um sujeito alto como eu, metido a gostosão?”
e eles responderam: “É, sim”; eu disse: “Um cara que anda
sempre cercado de mulheres?” e eles disseram: “É esse
mesmo, mas ele não quer nada com elas, pois é casado com
um tal de Tom Penrod”.
Todos gargalharam mais uma vez e Tom ameaçou jogar
seu uísque na cara de Mike. Este continuou: — Puxa, mas
vocês são difíceis de achar. Estão com medo de alguma
coisa?
— Por que não ,disse quem era?
— Queria fazer uma surpresa.
— E conseguiu. Precisava ver a cara das pessoas quando
vinham me dizer que havia três vagabundos mal-encarados
a minha procura.
— Você tem medo de cara feia?
— Não — disse Bolt, rindo alto. — Nem de espelhos.
Mas me dê notícias do velho.
— Está bem. O mesmo de sempre. Só reclama que você
não dá sinal de vida.
— E sua mulher, Amy? E o garoto?
— Estão bem. Aliás, temos novidades em casa. Gêmeas.
Dois anos e meio.
— Gêmeas? Não acredito. Alguém deve ter dado uma
ajuda.
Todos riram e pediram mais uma rodada, mas antes que
o pedido fosse atendido houve um rebuliço na porta de
entrada do salão. Virando-se para lá, eles perceberam que as
pessoas se punham de pé e corriam para fora, enquanto
gritos de “Fogo! Fogo!” soavam de várias direções ao
mesmo tempo. Bolt e os outros também correram para fora,
mas como estavam numa das mesas mais distantes levou
certo tempo até conseguirem abrir caminho para fora.
Quando chegou à rua, Bolt olhou na direção para onde
corriam as pessoas e seu estômago se contraiu ao ver de
onde vinha o fogo. A pequena casa de Willow Lane estava
transformada num inferno de chamas, com rolos de fumaça
negra subindo aos borbotões para o céu noturno, enquanto
chuvas de fagulhas se elevavam com a queda de cada parte
do telhado. Ele correu naquela direção e chegou a tempo de
ver o final do desmoronamento da casa, num ruir de tábuas
que fez chegar até seu rosto uma lufada de calor quase
insuportável. Alguns homens em fila passavam baldes de
água de mão em mão, mas era evidente que nada poderia
ser feito para salvar a casa.
— Onde está Willow? — perguntou Bolt, agarrando
cada pessoa que observava o incêndio. — Tem alguém lá
dentro?
— Deve ter — respondeu um velho, com o rosto
iluminado pelo clarão rubro e trêmulo das chamas. — A
mulher que mora aí nunca sai de casa.
Bolt largou o homem ,e deu dois passos na direção do
fogo, mas parou. O calor das chamas ressecou sua pele e fez
seus olhos doerem, enquanto ele esquadrinhava com a vista
os destroços chamejantes, procurando algum improvável
sinal de vida no meio daquela fornalha.
— Vamos sair daqui — soou a voz de Mike, a seu lado.
Bolt deixou que o irmão lhe tomasse o braço, trazendo-o
para o lado oposto da rua, onde as pessoas se aglomeravam,
fascinadas pelo espetáculo do fogo. De repente, ouviu-se
um grito: — Bolt! Bolt!
Ele virou-se a tempo de ver a silhueta esguia de Willow
que corria em sua direção. Ela estava quase irreconhecível,
com um vestido branco e leve e à rosto descoberto. Os dois
se abraçaram.
— Pensei que você estivesse lá dentro — disse Bolt,
segurando-a pelos braços e olhando-a bem no rosto, como
para se certificar de que ela estava ali.
— Deveria estar. Oh, Bolt, você salvou minha vida. Eu
nunca saio de casa à noite, e saí hoje, pela primeira vez em
muitos meses.
— O que aconteceu?
— Não sei. Mas já me disseram que foi proposital.
Alguém viu uma mulher jogar óleo pela janela do quarto,
que estava aberta, e atear fogo.
— Quem poderia ser?
— Não sei. — Ela abraçou-se a ele mais uma vez. —
Oh, Bolt... que coisa horrível!
— Seus quadros — lembrou ele. — Perderam-se todos.
— Não tem importância. — Os olhos dela tinham um
brilho de desafio, de confiança. — Pintarei outros. E não
lamento nada. Detesto essa casa. Vou morar noutro lugar,
agora... uma casa alegre, clara, cheia de janelas abertas. E
pintarei montes de quadros.
— Mike, Tom — chamou Bolt, vendo que os dois se
aproximavam. — Quero lhes apresentar uma amiga...
Willow Lane.
Os homens cumprimentaram Willow; seus olhos se
fixaram sem disfarces na cicatriz rubra, mas daí a alguns
instantes eles conversavam normalmente com ela,
reconhecendo que tivera sorte em escapar com vida, e que
não seria difícil descobrir quem tinha ateado fogo à casa.
— Onde vai dormir hoje? — perguntou Bolt.
— Na casa de Victoria. Ela sempre me ajudou e posso
passar uns dias lá.
— Muito bem — disse Bolt. Posso levá-la em meu
cavalo. — Virou-se para o irmão. — Até quando vocês
estão na cidade?
— Essa é que é a questão — respondeu Mike. — Nosso
trabalho está concluído e temos que ir embora amanhã para
Sacramento; Por isso eu tinha pressa em encontrar você.
— Que pena. Bem, então vamos fazer o seguinte: voltem
lá para o salão e me esperem. Vou levar Willow para casa e
encontro vocês daqui a meia hora. Podemos jantar juntos.
Com Willow montada na garupa, Bolt cavalgou estrada
acima, na direção da imponente casa de Victoria Bedford.
Depois de ter conhecido melhor as duas mulheres, estava
curioso para presenciar o encontro entre as duas. Sabia que
Victoria lhe contara mentiras, mas não sabia exatamente o
quê; tinha o vago palpite de que havia algo de oculto em sua
relação com Sneed, que ganhava dinheiro a sua custa, e com
Willow, a quem ela dava ajuda financeira a despeito das
dificuldades que atravessava.
Em todo o caso, a expressão de alívio no rosto de
Victoria quando abriu a porta e viu Willow, foi
inequivocamente sincera. Os olhos dela estavam vermelhos
e inchados, e ela abraçou-se a Willow com fervor.
— Meu Deus, você está viva! Graças, graças a Deus que
não lhe aconteceu nada! Vi o incêndio daqui, foi horrível!
— Estou bem — disse Willow. — Graças a Bolt.
— Ainda bem! — exclamou Victoria. E só então parece
se dar conta. — O seu véu! Você... você está...
— Não — sorriu Willow. — Deixei de usá-lo. E já que
perdi tudo no incêndio, vou mudar de vida de agora em
diante. Só quero vestir roupas coloridas, alegres.
— Que bom — disse Victoria, maternal, tomando-lhe as
mãos. — Pobre criança. — Ela virou-se para Bolt. —
Venha. Jante conosco.
— Sinto muito, mas não posso. Acabei de reencontrar
meu irmão, que não via há anos, e ele está me esperando na
cidade. Bem, Willow, acho que você agora está em
segurança Vejo vocês duas depois.
Ao descer a colina rumo à cidade, um sorriso malicioso
pairava nos lábios de Bolt, quando ele imaginava o
inevitável diálogo que as mulheres iriam ter a seu respeito.
Mas não estava preocupado. Os acontecimentos tinham se
precipitado desde a noite anterior, e ele já podia ver alguma
luz no meio de todo o mistério. Ainda não tinha certeza a
respeito de nada, mas começava a ter confiança de que a
noite seguinte seria o momento da confrontação com o
Matador Fantasma.
Pensou que tinha tentado encontrar Ben Sneed durante
toda a semana e sempre alguma coisa o impedira: pois bem,
poderia esperar uma noite a mais. Iria encontrar-se com
Mike, jantar, tomar uns uísques e contar piadas, como nos
velhos tempos. Se o Matador Fantasma estava de olho nele,
não teria motivos para se preocupar, pois ele iria parecer
totalmente esquecido do motivo de sua vinda a Placerville.
Mas o dia seguinte era sábado; e no sábado à meia-noite, os
dois tinham um encontro marcado durante a ultima dança,
no American Dance Hall.
CAPITULO 18

O salão estava repleto e tão barulhento quanto no sábado


anterior. Parecia que uma certa curiosidade mórbida
empurrava as pessoas de Placerville para o American, nos
sábados à noite: no fundo, todos esperavam que houvesse
mais um crime — fosse pela emoção de presenciar uma
morte violenta, fosse pela esperança de avistar e denunciar
o Matador Fantasma, O fato é que as pessoas bebiam, riam
e dançavam, mas a todo instante Bolt podia ver alguém
olhando um relógio e contando quantas horas faltavam para
a meia-noite e a derradeira dança.
Bolt e Jenny tinham escolhido uma mesa próxima ao
dancing, quase no centro do salão. Tom e Lyda Sims
sentavam-se em outra mesa, do lado esquerdo, de onde
podiam avistar o palco, a escada e o balcão do andar
superior. Bolt tomou a mão de Jenny e sorriu, tentando
inspirar-lhe tranqüilidade. Jenny estava linda, num vestido
de cetim cor-de-rosa, mas havia marcas de fadiga e tensão
em seu rosto. Ela havia passado a tarde inteira tentando
convencer as garotas de que desta vez não aconteceria nada
de grave; uma tarefa nada fácil, mas que a presença de Bolt
ajudara a levar a bom termo.
Ele mantinha um olho na porta da frente; eram quase
nove horas e a primeira dança estava para começar. Ben
Sneed devia aparecer de um momento para outro. Em vez
disso, ele viu o xerife McCracken, que entrava no salão a
passos lentos, olhando sem pressa em redor. Quando seus
olhos deram com Bolt, ele estufou o peito, em seu gesto
característico, e caminhou para ele, desviando-se dos
homens ruidosos que bebiam entre as mesas e o balcão.
“Oh, não”, pensou Bolt. Não queria problemas com o xerife
e logo naquela hora.
McCracken parou diante deles. Tocou na aba do chapéu
ao olhar para Jenny, num cumprimento desdenhoso, e
atacou: — Bolt, acabo d receber notícias suas. Você está
sendo procurado pela justiça do Kansas.
— Talvez — disse Bolt. — Por isso mesmo vim para a
Califórnia. A justiça daqui não tem nada contra mim.
McCracken ficou dando corda na ponta do bigode
enquanto se decidia. Finalmente falou: — Posso muito bem
botá-lo na cadeia, como medida preventiva, e mandar um
recado para o juiz Wilkins. Parece que ele tem muita
vontade de encontrá-lo outra vez.
— Pode ser. Mas há duas coisas que o senhor precisa-
saber. Primeiro: daqui a poucas horas pode haver mais um
assassinato neste salão e eu imagino que o senhor tem tanto
interesse em pegar o criminoso quanto eu próprio. Segundo:
não estou disposto a ir para a cadeia; não há mandato de
prisão para mim na Califórnia e quem tentar me pegar à
força vai ter uma resposta à altura.
O xerife pareceu vacilar um pouco, mas encontrou uma
saída aceitável.
— Não estou lhe dando voz de prisão, mesmo porque
não tenho uma ordem judicial. Estou lhe avisando para sair
da cidade amanhã cedo. Não queremos você na cidade.
Bolt concordou vagarosamente: — Irei embora amanhã.
Tenho a noite toda para terminar meu trabalho por aqui.
Virou-se para Jenny e puxou conversa, ignorando a
presença do xerife, que estufou novamente o peito e deu
meia-volta, rumando para o balcão. Bolt se deu por
satisfeito com o desfecho do encontro, mas logo percebeu
que Ben Sneed tinha subido ao palco, durante seu diálogo
com o xerife, e já estava aos berros, anunciando a primeira
dança da noite.
As horas foram se passando; o ruído no salão
aumentava, a fumaça se tornava mais espessa, e as bebidas
eram servidas sem parar. O ritmo rápido e as melodias
alegres tocadas pela banda pareciam empurrar para segundo
plano o medo e a tensão de todos, e as garotas dançavam,
sorriam, davam gritinhos quando os fregueses as
beliscavam ou as faziam rodopiar com mais força no meio
da dança. Mas para Bolt, que apenas se erguia uma vez ou
outra para observar o recinto de outra posição, havia uma
tensão que se acumulava, como nas vésperas de Ano-Novo,
quando quase todas as pessoas, consciente ou
inconscientemente, estão contando os minutos à espera do
instante em que vão espoucar os fogos de artifício e as
garrafas de champanhe vão derramar sua espuma.
Um pouco antes da meia-noite, quando a banda fez sua
última pausa, Ben Sneed subiu mais uma vez ao palco e
começou seu habitual número de malabarismo, jogando
laranjas para o ‘ar. Os presentes riam alto e aplaudiam a
destreza do homem, e Bolt aproveitou aqueles instantes para
avaliar, da posição em que se encontrava, o modo como a
multidão se comprimia no interior do salão. Ben encerrou
seu número e logo em seguida a banda atacou a última
dança. Bolt percebeu que Sneed continuava na parte
fronteira do palco, a poucos metros de distância das pessoas
que recomeçavam a dançar; com sua voz possante e batendo
palmas freneticamente ao ritmo vertiginoso da música, ele
fazia seu número habitual de animação: — Vamos, pessoal!
Última dança da noite! Última dança! Ainda estou vendo
garotas paradas! Corram, antes que alguém passe a sua
frente! Este é o American Dance Hall, o lugar mais quente
da Califórnia!
Vendo a repetição da cena do sábado anterior, Bolt
começou a analisar com frieza o papel de Sneed. Atraindo
as atenções de todos sobre si, com seus malabarismos e
gritos possantes, ele era automaticamente o primeiro
suspeito de qualquer crime que viesse a acontecer, mas ao
mesmo tempo era a primeira pessoa a ser descartada, uma
vez que estava à vista de todos. Um velho truque usado
pelos mágicos de feira, pensou: faça-os olhar para sua mão
direita, quando sua mão esquerda estiver fazendo algo que
não deve ser visto... Quem seria a mão esquerda do Matador
Fantasma? E onde estaria ela?
Os olhos de Bolt se ergueram devagar até o balcão do
andar superior, a tempo de ver o vulto escuro que se
aproximava da balaustrada, mal iluminado pela luz que
vinha da parte térrea do salão. Viu o vestido escuro, o véu
negro que cobria o rosto. Puxou o revólver.
— O que é isso!? — exclamou Jenny ao ver Bolt erguer
a arma.
Bolt não respondeu; quando apontou o revólver, Jenny
acompanhou o gesto com o olhar e deu um grito de horror:
— Amanda!!! Não!!!
Algo metálico brilhou na mão erguida da mulher de
preto; no mesmo instante o revólver de Bolt estrondou,
uma, duas vezes; houve gritos e empurrões em redor. Jenny
agarrou-se a Bolt, gritando. Na confusão que se estabeleceu,
Bolt teve tempo de gritar: — Tom! Lá vai ele!
Mas Tom já se antecipara à ordem e, engalfinhado com
Ben Sneed, rolava pelo chão, evitando a fuga do
malabarista. As pessoas gritavam e, olhando para cima,
ainda viram o vulto da mulher cambalear e chocar-se com a
balaustrada de madeira, que cedeu; ela veio abaixo e caiu
sobre uma mesa, fazendo-a em pedaços e rolando pelo chão,
enquanto as pessoas se afastavam, em atropelo, gritando
todas ao mesmo tempo.
Bolt abriu caminho naquela direção e foi o primeiro a
chegar junto ao corpo. O sangue fluía às golfadas dos dois
ferimentos a bala em seu peito, e um pequeno estilete de
aço estava caído ao lado do corpo. Por entre os gritos de
surpresa e as imprecações da multidão, Bolt ajoelhou-se ao
lado da mulher agonizante e ergueu seu véu. Seus lábios se
contraíram quando ele viu a pele vermelha, repuxada,
grotescamente deformada pelas queimaduras. Os olhos de
Amanda Gibbons voltaram-se para ele, já começando a se
enevoar.
Bolt ergueu-se e viu a chegada simultânea de Tom, que
torcia o braço de Ben Sneed atrás das costas, e do xerife
McCracken, esbaforido e incrédulo.
— Aí estão, McCracken — disse Bolt, com um gesto. —
Os dois braços do Matador Fantasma. Pode anotar em sua
caderneta.
Virou-se para encarar Ben Sneed, mas o homem não
olhava para ele. Seus olhos fanáticos e raivosos estavam
fixos na mulher que morria pouco a pouco aos seus pés.
— Sua puta — murmurou ele baixo, mas ainda assim
audível no meio do tumulto. — Sua puta desajeitada. Mais
um pouco e teríamos conseguido.
— Parece que o intuito do casal era levar Jenny a desistir
do negócio e ir embora da cidade — disse Bolt. — É claro
que, ao passar adiante o salão, ela daria preferência a
alguém de sua confiança. O principal assistente... e uma
velha amiga, que morava nos fundos do prédio e fazia a
limpeza todas as noites. Não é isso, Jenny?
As lágrimas corriam pelo rosto de Jenny, enquanto ela
fazia forças para conter os soluços, sem tirar os olhos do
corpo caído de Amanda. A mulher voltou a abrir os olhos e
conseguiu sussurrar: — Ben... Ben...
Sua mão trêmula ergueu-se um pouco, na direção do
homem que, ainda seguro à força por Tom Penrod, fez uma
careta de desprezo e cuspiu de lado. A mão de Amanda
tombou novamente e seu rosto ficou imóvel. Bolt afastou os
olhos.
O xerife, disposto a tomar algum tipo de atitude, colocou
a mão no ombro de Sneed e recitou: — Benjamin Sneed,
em nome do povo do Estado da Califórnia declaro-o preso,
sob a acusação de múltiplos assassinatos.
Tom olhou para Bolt e abanou a cabeça, contendo um
sorriso diante do tom pomposo do xerife. Bolt interveio: —
Pode colocar também a acusação de tentativa de
assassinato. Esse rapaz tentou me matar com um rifle, dias
atrás. Sem falar no incêndio da casa de Willow Lane ontem
à noite.
— Não tentei — rosnou Sneed, por entre dentes. — Tive
duas chances, e não o matei. Maldito seja.
— Nosso amigo não tem tarimba para matar a sangue-
frio — concordou Bolt. — Para ele o crime é um jogo, um
jogo de habilidade e pontaria. .. Suponho que tenha
ensinado Amanda a atirar facas e que tudo isso vem sendo
planejado há vários meses. Amanda era talvez a menos
culpada. Nem todas as mulheres têm o rosto desfigurado e
conseguem manter seu juízo perfeito depois disso.
A essa altura, os ajudantes do xerife já tinham chegado
e, com alguma dificuldade, arrastaram Ben Sneed para fora
do salão. As dançarinas e uma boa parte dos fregueses ainda
esboçaram uma tentativa de linchamento; foram necessários
muitos socos e empurrões e alguns tiros para o ar, para
mantê-los a distância, mas Sneed não escapou sem vários
cortes profundos no rosto, feitos pelas unhas das moças
enfurecidas. Ouviam-se gritos: “Para a forca! Para a forca
com ele!”.
— Afinal de contas estamos em Hangtown — disse
Tom, e Bolt concordou, com um sorriso cansado.
O corpo de Amanda foi levado para fora logo em
seguida, e Bolt jogou-se sobre uma cadeira, a um canto do
salão, longe do zunzum das conversas e do alarido excitado
dos fregueses. Jenny sentou-se a seu lado, ainda chorando
de mansinho, com o rosto escondido nas mãos. Tom
também puxou uma cadeira e soltou um suspiro, relaxando.
Lançando um olhar em redor, viu Curly parado como se
aguardasse ordens; e pediu uma rodada de drinques.
Bolt correu a mão pelos cabelos de Jenny, numa carícia
lenta, confortadora.
— Já acabou, Jenny. Não foi algo bonito, mas já acabou.
Ela ergueu o rosto e enxugou as lágrimas. Conseguiu
murmurar: — A culpa foi minha. Toda a culpa.
— Calma, garota — disse Bolt. — Se você tivesse me
dito desde o começo que era Amanda Gibbons a garota que
fazia a limpeza do salão e tinha a chave da porta lateral,
tudo podia ter sido solucionado há mais tempo. Por que não
me disse?
— Éramos amigas — respondeu Jenny, e calou-se.
— Entendo que você tenha ficado com pena dela depois
do que aconteceu e tenha arranjado esse trabalho: limpar o
salão, lavar pratos e copos, arrumar o quarto das garotas.
Mas por que tanto mistério?
— Você viu o rosto dela. Ela não queria ser vista.
— Entendo — disse Bolt, e a imagem do rosto de
Willow Lane passou como um relâmpago por sua mente.
— Eu... eu nunca poderia imaginar que ela e Ben... —
Jenny deixou a frase interrompida. — Éramos tão amigos.
— Os amigos da gente também podem cometer crimes
— replicou Bolt com frieza. — Não são só os amigos dos
outros.
Curly já se aproximava com os drinques. Bolt e Tom
fizeram um brinde silencioso entre si, como se dissessem:
“Missão cumprida”, e Jenny deitou a cabeça no ombro de
Bolt.
— Você vai embora amanhã?
— Tenho essa intenção — respondeu .ele. — Já fiz o
que tinha de fazer aqui.
— Precisamos acertar nossas contas — disse Jenny. —
Quero dizer... profissionalmente.
— Claro — disse Bolt, e ergueu-lhe o queixo com os
dedos. — Só isso?
— Pessoalmente também. — Jenny sorriu e um pouco
de sensualidade voltou a seus olhos. — Estou me sentindo
muito insegura e preciso de um homem forte a meu lado,
esta noite.
Bolt piscou o olho para Tom; e brindaram novamente.
***
Na manhã seguinte, quando Bolt e Tom cavalgavam sem
pressa para fora dos limites de Placerville, avistaram uma
charrete parada a certa distância, como que à espera deles.
Ao se aproximarem, Bolt reconheceu Victoria Bedford, que,
debaixo da sombra de uma árvore, abanava-se com um
leque. Fazendo um sinal a Tom para que continuasse, Bolt
desviou Nick e foi até junto dela.
— Olá, Victoria.
— Gostaria de me despedir de você — disse ela.
— Também acho bom termos uma última conversa.
Acho que você está me devendo isso.
— Sim. — Ela estava com os olhos baixos, sem encará-
lo. — Menti para você.
— Claro que mentiu. Você não é uma boa mentirosa,
sabia? Afinal, qual era sua relação com Sneed? Eram
amantes?
— Sim. — Ela ainda tinha os olhos postos nas mãos, que
fechavam e abriam o leque, com nervosismo. — Já éramos
amantes antes de meu marido morrer. Ben era muito...
muito agradável na cama.
— E perigoso fora dela — completou Bolt.
Victoria assentiu sem uma palavra.
— Por que não se livrou dele? — perguntou.
— Eu o queria — retrucou com firmeza, e pela primeira
vez seus olhos enfrentaram os de Bolt. — Não me
importava se ele andava com outras mulheres, se gastava
meu dinheiro, se mentia para mim. Eu sabia que ele mentia
para mim o tempo todo. Nunca imaginei que fizesse o que
fez, mas sabia que era um canalha, um mentiroso. — Fez
uma pausa. — Mas fazia com que eu me sentisse bonita.
Jovem. Mulher.
Ficaram calados. Os olhos de Bolt acompanharam a
curva sinuosa da estrada que rumava para o horizonte;
contemplou a terra avermelhada, os arbustos ressequidos, as
montanhas azuis recortadas de sombras. A certa distância,
passava um grupo de cavaleiros, acompanhando uma
carroça cheia de minério; ouviam-se os gritos dos homens,
o tropel dos cavalos. Lá ao longe, um pássaro cantou.
Bolt virou-se novamente para Victoria. Ela estendeu a
mão; ele a tomou na sua e deu-lhe um beijo rápido.
— Adeus. — Ele a olhou nos olhos. — E seja uma boa
amiga para Willow. Ela é a pessoa mais bela desta cidade.
Sem olhar para trás, ele galopou de volta à estrada, até
alcançar Tom; os dois prosseguiram lado a lado. Os olhos
de Victoria os acompanharam até que eles não eram mais
do que uma nuvem de poeira vermelha que diminuía
lentamente.

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