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Resposta à réplica de MacKinnon
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Por que a liberdade acadêmica?
“Hoje em dia, a expressão "liberdade acadêmica" evoca imagens e associações
diferentes das que evocava há trinta anos, talvez há meros dez anos. Na época,
quando ouvíamos essa expressão, pensávamos em professores esquerdistas,
legisladores macartistas, juramentos de fidelidade e reitores universitários
covardes e corajosos. Todos os liberais e radicais eram a favor da liberdade
acadêmica. Muitos conservadores a consideravam uma coisa sem importância ou
mesmo parte da conspiração para pintar de vermelho os Estados Unidos.
Atualmente, é o partido da reforma que diminui a importância da liberdade
acadêmica, ao passo que os conservadores a chamam de um dos pilares da
civilização ocidental. Hoje em dia, as palavras "liberdade acadêmica" nos
lembram de professores insensíveis e de regulamentos de expressão que podem
proteger os alunos contra essa insensibilidade. Ficamos a nos perguntar se a
liberdade acadêmica exclui uma tal proteção e se, nesse caso, ela é mesmo tão
importante quanto os liberais pensavam no passado.” (p. 390)
“(...) se hoje as dimensões e metas da liberdade acadêmica parecem incertas, é
importante tentar redefini-las. Temos de elaborar uma nova explicação da
liberdade acadêmica, uma explicação que atenda a dois critérios. Em primeiro
lugar, ela tem de se encaixar suficientemente bem na compreensão geral das
exigências da liberdade acadêmica, de tal forma que não se postule um valor
completamente novo, mas uma nova interpretação de um valor já estabelecido.
Em segundo lugar, tem de justificar o melhor possível essa compreensão geral;
tem de evidenciar o motivo por que a liberdade acadêmica é um valor, de tal modo
que possamos julgar o quanto ele é importante e saber quando deve, se é que deve,
ceder lugar a valores concorrentes.” (p. 392)
“Evidentemente, a liberdade acadêmica tem relação com um valor político mais
geral e mais conhecido, que é a liberdade de expressão; e vários tribunais norte-
americanos já consideraram que as formas fundamentais de liberdade acadêmica
são protegidas pela Primeira Emenda da Constituição. Por isso, talvez pareça
natural tratar a liberdade acadêmica como a simples aplicação desse direito mais
geral ao caso específico das instituições acadêmicas. Porém, essa idéia deixa no
escuro aquilo que a liberdade acadêmica tem de especial. A liberdade de expressão
é um direito moral - e, nos Estados Unidos, também um direito legal - de todos.
Porém, não garante para todos o que a liberdade acadêmica garante para os
acadêmicos. Exceto em circunstâncias muito especiais, a liberdade de expressão
não é o direito de se falar o que se quiser quando se ocupa um cargo mantido e
sustentado por outras pessoas. Do ponto de vista jurídico, como todos sabem, a
Primeira Emenda só se aplica ao Estado: não é violada quando as instituições
privadas impõem restrições à expressão como condição para a ocupação de um
cargo profissional.” (p. 395)
“A justificação convencional da liberdade acadêmica a trata como um instrumento
essencial para a descoberta da verdade. Segundo esse ponto de vista, um sistema
de instituições acadêmicas independentes, com pessoas independentes dentro
dessas instituições, é o que, coletivamente, nos proporciona as melhores
oportunidades de chegar à verdade acerca de uma larga gama de assuntos em
ciência, arte e política. Temos assim, segundo essa teoria, uma probabilidade
maior de descobrir a verdade se deixarmos que, na maior medida possível, nossos
acadêmicos e suas instituições fiquem livres de todo controle externo.” (p. 396)
“Não obstante, temos de admitir que, em muitas ocasiões, uma certa restrição da
liberdade acadêmica pode ser ainda mais eficiente enquanto estratégia de
descoberta da verdade, particularmente quando o que nos interessa não é descobrir
somente o que é verdadeiro, mas também o que é útil ou importante.” (p. 397)
“Toda violação da liberdade acadêmica é frustrante e danosa para certas pessoas
porque frustra a possibilidade de se fazer jus a certas responsabilidades; e é
perigosa para todos porque enfraquece a cultura da independência e avilta o ideal
protegido por essa mesma cultura.” (p. 400)
“Os professores e outras pessoas que ensinam e estudam nas universidades têm
uma responsabilidade ainda mais geral e inalienável: têm o dever paradigmático
de descobrir e ensinar as coisas que lhes parecem importantes e verdadeiras; e
esse dever, ao contrário do que ocorre com a responsabilidade do médico, não
pode ser abrandado nem mesmo em função dos interesses das pessoas com quem
os acadêmicos falam. Trata-se de uma pura responsabilidade para com a verdade;
desse modo, é uma responsabilidade profissional que se aproxima o mais possível
da responsabilidade ética fundamental que, segundo os ideais do individualismo
ético, incumbe a cada ser humano: a responsabilidade de levar a vida de acordo
com as convicções que lhe parecem as mais verdadeiras.” (p. 402)
“Acabamos de sublinhar um elemento da justificação ética da liberdade
acadêmica: a instituição protege as pessoas que ocupam determinadas posições -
professores e estudantes- dos danos morais que adviriam da impossibilidade de
arcar com suas responsabilidades especiais.” (p. 402)
“A educação pública liberal, a liberdade de expressão, de consciência e de religião
e a liberdade acadêmica fazem parte do apoio que nossa sociedade dá a uma
cultura da independência e constituem bastiões que ela erige para defender-se
contra uma cultura da conformidade. A liberdade acadêmica representa aí um
papel especial, pois as instituições educacionais são elementos essenciais dessa
empreitada. São essenciais porque, em primeiro lugar, é muito fácil transformá-
las em berços da conformidade, como perceberam todos os regimes totalitários;
e, em segundo lugar, porque nelas as pessoas adquirem boa parte da determinação
e das capacidades necessárias para levar uma vida baseada nas convicções
individuais.” (p. 403)
“(...) mesmo que eu esteja errado e que só uma minoria creia atualmente na
importância ética da liberdade acadêmica, isso é um sinal de que o argumento
ético deve merecer mais, e não menos, atenção da nossa parte. Afinal de contas,
queremos que as melhores formas de educação sejam acessíveis a uma parcela
cada vez maior da comunidade; e os ideais da convicção pessoal, da integridade
intelectual e da independência ética são essenciais para esse objetivo.” (p. 405 )
“Podemos voltar agora ao critério fundamental ao qual, como eu disse, qualquer
interpretação competente da liberdade acadêmica tem de atender. Esse ideal
implica certas distinções que, como afirmei, podem parecer estranhas à primeira
vista. A principal distinção, tal como a formulei, se dá entre o poder dos políticos
e dos administradores universitários de projetar as instituições e nomear os
acadêmicos - que a liberdade acadêmica permite - e o poder de controlar o que
esses acadêmicos fazem depois de nomeados - o que ela proíbe. Essa distinção
poderia, com efeito, parecer estranha se pensássemos que a liberdade acadêmica
só atende ao objetivo instrumental de estimular as descobertas científicas. Se
pensássemos assim, teríamos de admitir que, se os administradores podem nomear
um acadêmico com base numa idéia preconcebida de o que esse acadêmico pode
fazer, não haveria nada de errado em que eles também corrigissem possíveis erros,
advertindo um acadêmico já nomeado. Porém, a partir do ponto de vista ético que
acabamos de desenvolver, essa distinção não só é sensata como é essencial. O
princípio da responsabilidade individual não é transgredido quando os políticos
escolhem um reitor universitário ou quando o reitor escolhe os professores com
base numa opinião coletiva ou institucional acerca de onde está a verdade.” (p.
405)
“O argumento de princípio (...), porém, vai muito além da justificação dessas
restrições limitadas à liberdade de expressão. Exige a proibição de toda expressão
que tenha a possibilidade razoável de envergonhar alguém, diminuir a auto-estima
de alguém ou fazer com que alguém perca o respeito por si mesmo. A idéia de que
as pessoas têm esse direito é absurda. É claro que seria muito bom se todas as
pessoas gostassem urnas das outras e se respeitassem mutuamente. Porém, não
podemos reconhecer a existência de um direito ao respeito, ou de um direito a se
ver livre dos efeitos de urna expressão que torne menos provável que os outros
manifestem esse respeito. Se os reconhecermos, estaremos subvertendo
totalmente os ideais centrais da cultura da independência e negando o
individualismo ético que essa cultura protege. As opiniões e preconceitos
populares de qualquer sociedade sempre serão injuriosos para alguns de seus
membros.” (p. 414)
“Na verdade, a cultura da independência praticamente exige que isso aconteça.
Não há dúvida de que temos o dever de respeitar e tolerar uns aos outros, e todo
dogmatismo é desprezível. Porém, se efetivamente viéssemos a pensar que
estamos violando os direitos alheios quando expressamos opiniões sinceras que
denigrem outras pessoas quer aos nossos olhos, quer aos olhos delas mesmas,
comprometeríamos assim a nossa própria noção de um viver sincero. Temos de
encontrar outras armas, menos suicidas, para lutar contra o racismo e o sexismo.
Como sempre, temos de botar nossa fé na liberdade e não na repressão.” (p. 415)