PRÉ-ALAS BRASIL
Introdução
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Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará-UFPA e em Ciências da Religião pela
Universidade do Estado do Pará-UEPA. Especialização em Gestão Hídrica & Ambiental pelo Instituto de
Geociências-IG/UFPA. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFPA-PPGCS. Bolsista
pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-CAPES.
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Pós-Doutorado em Ética na Universidad Pontificia Comillas (Madrid/Espanha). Doutorado em Ciência Política
pela Universidade de São Paulo-USP. Professor Associado da Universidade Federal do Pará. Coordenadora do
Projeto de Extensão Universitária Peregrinos da Paz. Coordenadora do Projeto de Formação em Ética para o
Diálogo/Programa Novos Talentos/CAPES na UFPA. Bolsista de Produtividade do CNPQ.
Projeto Ética para o Diálogo: Nossa Proposta e Nossa História3
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Essas e outras informações podem ser encontradas em <www.pereginosdapaz.ufpa.br> e
<http://pererinosdapaz.wordpress.com.br>. Ou pelo email peregrinosdapaz@gmail.com
Todos esses trabalhos desenvolvidos têm sua fundamentação filosófica e
teórica na pesquisa envolvendo pensadores do século XX que contribuíram para a
reflexão sobre a paz, seja de forma direta ou indireta, seja analisando o diálogo ou
os motivos de sua impossibilidade, como Martim Buber, Franz Rosenzweig,
Rabindranath Tagore, Leon Tolstoi, Gandhi, Emmanuel Mounier, Emmanuel
Levinas, Paul Ricoeur, etc. Todos, por vias distintas e em diversos campos, tanto na
filosofia, na antropologia, na sociologia ou na literatura, deram sua contribuição para
a reflexão sobre a ética e sobre o diálogo.
Em especial, o Projeto de Extensão Universitária Peregrinos da Paz
(www.peregrinosdapaz.ufpa.br) e agora o Curso Ética para o Diálogo, viabilizado
pelo Programa Novos Talentos da CAPES, tem como objetivo fomentar uma Cultura
de Paz e Não Violência entre os alunos da rede pública de ensino e a capacitação
de professores do ensino público. Ao longo desses anos, com poucos recursos e um
sistema de voluntariado, o projeto fez parcerias com Associação Palas Athena e
com o VIVE-Vivendo Valores na Escola, da Organização Brahma Kumaris. O projeto
surgiu em 2006 e desenvolveu-se até 2009 diretamente com os alunos na capital
paraense, Belém, na Escola Estadual de Ensino Fundamental Tiradentes I e na
Escola de Aplicação da UFPA- NPI, no município de Abaetetuba na Escola São
Francisco Xavier. Em 2009, nos municípios de Tailândia e Moju, o projeto vem
atuando na formação de professores e líderes comunitários multiplicadores.
Atualmente nele atuam como voluntários professores da UFPA, alunos da Pós-
Graduação em Ciências Sociais e alunos da graduação em Ciências Sociais e em
Serviço Social da UFPA. Parte-se do principio da importância da educação na
formação de um caráter humanitário e de uma ética voltada não só para os valores
universais pregados pela UNESCO, mas também de uma ética orientada para o
diálogo.
O despertar da consciência ética é uma diretriz que acompanha um
movimento mundial de cultivo a vida e desarme da violência, visto que, o processo
de mundialização em curso trouxe consigo um aumento vertiginoso da violência,
propagando um vazio ético e uma ruptura dos laços de solidariedade. A educação
para valores, também, apresenta-se como uma nova proposta pedagógica de
aplicação prática em sala de aula, corroborando a emergência de um novo
paradigma que implica na construção de um processo dialógico no qual os alunos e
professores interagem a partir de uma relação de confiança mútua. O projeto é
realizado através de aulas expositivas, oficinas e atividades lúdico-artísticas para os
alunos e professores, tendo como conteúdo não só uma educação voltada para
valores, mas o conhecimento teórico e reflexão sobre as filosofias do diálogo e da
pessoa. Esse trabalho tem tido grande aceitação porque vem proporcionando aos
jovens e aos educadores um contato com as experiências de ideias pacifistas e
humanistas de Martin Buber, Emmanuel Levinas, Emmanuel Mounier, Mahatma
Gandhi, Paul Ricoeur e outros.
Há ainda que acrescentar que várias e constantes palestras são
ministradas pelos membros da equipe, a pedido de diversas escolas e instituições
no interior e na capital.
O referido projeto tem ainda canalizado para a pós-graduação novos
talentos no campo da educação para ética. Atualmente quase que a totalidade da
equipe desta proposta que ora se apresenta está na pós-graduação (Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais, vinculada às várias linhas de pesquisa e
também ao Projeto de Pesquisa Violência e Diálogo: Investigações em torno da
Sociologia da Ética (Produtividade CNPq e Estágio Sênior CAPES 2010). Ao
mesmo tempo, os membros da equipe estão atuando no Projeto Peregrinos da Paz,
tanto na formação de crianças quanto de professores, campo onde vimos atuando
nos últimos tempos.
Foi construída nesses anos uma sólida vinculação da graduação e da
extensão com a pós-graduação através das atividades acima descritas. Neste
momento nossa preocupação é mais com a formação de professores multiplicadores
por dois motivos principais:
- Pelo sucesso que tivemos nas experiências no interior do Pará, atendendo
regiões carentes onde formamos grupos de professores multiplicadores nesta
perspectiva da ética e do diálogo.
- Pela construção no decorrer desses anos, no processo de amadurecimento
e vivência da equipe do projeto, de uma metodologia de abordagem das questões
éticas em que são mesclados conhecimentos filosófico-teóricos com dinâmicas de
grupos, material de vídeo e musica arte, etc. que possam conduzis não só à
reflexão, mas que possam ser usados posteriormente pelos multiplicadores
- Pelas observações consistentes (inclusive com dissertações em andamento)
e com um pós-doutorado em 2007 focalizando o tema do papel fundamental do
professor na formação do caráter do aluno e, portanto, na possibilidade de redução
da violência. Mais do que todos, o professor é aquele que passa a maior parte do
tempo com os alunos em sala, inclusive, mais do que as atividades de extensão, as
quais ocorrem uma vez na semana. Logo, educar o professor para o olhar para a
ética é fundamental.
- Pela possibilidade de junto aos professores estarmos trabalhando
tematicamente o que foi desenvolvido em dois pós-doutorados financiados pela
CAPES (para a coordenação do Projeto em 2007 e 2010) no campo da ética, sendo
que em 2007 foi explicitamente sobre ética e educação.
- Pela possibilidade de todas as pesquisas que estão sendo desenvolvidas
pelos professores-pesquisadores, pelos mestrandos e pelos doutorandos vinculados
ao projeto poderem estar sendo partilhadas junto ao público alvo.
Marcos Teórico-Filosóficos
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Movimento comunitário místico-judaico surgido na Polônia na primeira metade do século XVIII, teve
como fundador Israel Bem Eliezer, o Baal Schem Tov (Mestre do Bom Nome). Baseado na tradição
do ensinamento religioso espiritual através de narrativas na convivência entre os mestres tzadkins e
seus discípulos, os hassidins.
frente ao homem (interpessoal), ao mundo (natureza) e aos seres espirituais
(Deus(es)):
Uma palavra princípio é o par Eu-Tu. A outra é o par Eu-Isso no qual, sem
que seja alterada a palavra-princípio, pode-se substituir Isso por Ele ou Ela.
Deste modo, o Eu do homem é também duplo. Pois, o Eu da palavra-
princípio Eu-Tu é diferente daquele da palavra-princípio Eu-Isso. As
palavras-princípio não exprimem algo que pudesse existir fora delas, mas
uma vez proferidas elas fundamentam uma existência. As palavras-princípio
são proferidas pelo ser. Se se diz Tu profere-se também o Eu da palavra-
princípio Eu-Tu. Se se diz Isso profere-se também o Eu da palavra-princípio
Eu-Isso. A palavra-princípio Eu-Tu só pode ser proferida pelo ser na sua
totalidade. A palavra-princípio Eu-Isso não pode jamais ser proferida pelo
ser em sua totalidade (BUBER, 2001, p. 53).
Portanto, para Gadamer e Buber – bem como para Paul Ricoeur (1991)
que considera para além dos Outros que me cercam a existência de um Outro em Si
mesmo – a hermenêutica tem uma dimensão ética, pois compreender o mundo leva
à uma autocompreensão, sendo assim, a compreensão não é uma simples intenção
cognitiva-racional, mas, está marcada na experiência transcendental de cada um
com o(s) Outro(s) e, consequentemente, com o próprio Eu-(Tu/Isso).
Em relação à educação dialógica e ética voltada para uma cultura de paz
e não violência nas escolas, Martin Buber deixou a senda para a compreensão e
vivência de sua filosofia dialógica na faina pedagógica:
Dessa forma, em 2012 demos início ao segundo ano do Curso Ética para
o Diálogo com os seguintes módulos:
A educação sozinha ela não vai resolver muitos problemas que estão
postos na sociedade e dentro da escola. Mas, por outro lado, a escola e o
educador tem um papel muito importante e fundamental nesse processo,
né, de mudança de perspectiva, né? Então sozinha, com certeza, a escola
isolada, enfim, não vai resolver muitas coisas. Como coisas que acontece
com a colega né, que aconteceu com ela e que acontece com todos nós,
mas... Agente tem um papel aí, né, agente não pode também dizer: Ah! Não
sou eu, né? Agente tem também um papel fundamental, muito importante
na sociedade. (Informante D).
Ano retrasado eu tinha um aluno que ele tinha, assim, uns dezesseis anos,
e sempre era muito difícil agente lidar com ele. Ele era muito envolvido com
uma série de situações de tráfico, de roubos. Todas as vezes em que eu
tentava falar com ele eu não conseguia. Ele me ofendeu algumas vezes,
né? Me mandou pra longe. E teve um dia que ele agrediu... eu sei que ele
agrediu um aluno dentro da escola. E aí quando fui procurar por ele (aluno
agredido) pra gente conversar, esse aluno foi saindo correndo da escola. O
pai do aluno que foi agredido é policial. E quando ele foi saindo ele avistou
uma viatura que ele conhecia os policiais, né. E aí a polícia entrou na escola
e foi atrás dele (aluno agressor), e quando eles pegaram ele, jogaram ele na
parede e então já iam algemar. Aí foi exatamente o momento em que eu
cheguei. E aí ele me olhou tipo assim, né, pedindo socorro, não falou, mas
pedia pra que eu intervisse. E aí me olhou assim com um olhar de pânico,
com muito medo. E aí eu vi que naquele momento ele confiou em mim. Era
eu... era a mim. E aí foi que eu pedi pra ele não algemar até porque ele era
menor de idade, né? E que não era assim. Agente estava dentro de uma
escola, agente ia resolver de uma outra forma. Aí entra todo mundo...
vamos conversar e tudo. E foi solucionado mais ou menos a questão de
uma maneira mais pacífica. É muito interessante, porque, durante o ano
todo, a nossa relação sempre foi muito difícil. Eu não via a hora de terminar
o ano, eu estou falando muito sinceramente. Não via a hora de terminar o
ano, sabe? Porque era muito difícil pra mim. Era o meu limite já. E aí,
quando chega um momento assim, um momento difícil, apesar dele me
ofender, dele, enfim, gritar comigo, sabe, ele pediu socorro pra mim, ali
naquele momento. (Informante B).
Essa profissão é muito difícil, não é qualquer um que segue. O que faz
agente seguir essa profissão é o amor. Porque se agente não tiver o
amor agente sempre vai esbarrar em obstáculo, dificuldades. Quando eu
entrei e comecei a trabalhar, comecei a trabalhar em escola particular e
depois fui pro Estado. Muita diferença. Estar no Estado, muitas turmas,
muitos alunos; realidade totalmente diferente da escola particular, de
pequeno porte que eu trabalhava. E aí quando eu percebi a importância que
eu tenho pros meus alunos, como qualquer um daqui tem. Eu tenho uma
aluna que ela foi minha aluna na quinta e na sexta, é minha aluna o ensino
médio também lá na escola “D”. Então na quinta-série ela teve um
problema: ela estava sendo abusada sexualmente pelo padrasto dela. Aí
quando eu cheguei na escola, ela estava na frente, ela com as colegas
chorando. Ai eu cheguei... bora falar pro professor de “Y”! Chama ele...,
chama ele..., que ele é bacana... Bora conversar com ele que ele denuncia
teu padrasto. Aí elas chegaram: olha professor venha cá, agente quer falar
com o senhor! Olha a “X” tá chorando! O que foi “X”, quê que tu tens? Ah
professor... eu estava dormindo aí o meu padrasto abusou de mim, quando
acordei... aí o travesseiro... o lençol que era branco estava tudo cheio de
sangue, ele tirou a minha virgindade. Dava pro senhor... eu quero que o
senhor... e chorando assim..., em prantos. Chega dava desespero do
desespero dela: Eu queria que o senhor me ajudasse a denunciar meu
padrasto. Eu disse: não “X”, mas eu temo que; porque se eu denunciar ele
vai me matar ai eu disse: se ele vai te matar ele vai me matar também! Mas
vamos conversar com a diretora. Aí eu levei. Ela relatou que falou pra avó
dela. A avó dela não acreditou nela. Ela disse que ela era uma mentirosa,
queria bater nela. Levei ao conhecimento da diretora. E hoje ela é minha
aluna no ensino médio, ela é... assim, já tá uma moça já; e aí ela me
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agradece até hoje de eu ter ajudado ela, aquilo ali foi muito importante.
(Informante I)
Então, quando eu pude ver agora, depois dela moça, uma moça já formada,
e ela me agradece até hoje de ter ajudado, eu vi a importância que eu tenho
como professor; como eu posso mudar a vida das pessoas, dos meus
alunos, acreditar que eles tem, quer dizer, todo mundo tem falhas, e que
agente é a direção. Deus sempre me ilumina... as vezes eu saio assim e
vejo colegas falando eu vou fazer concurso pra ser outra coisa, eu não
quero mais ser professor; aquilo me dá um desanimo assim : poxa, será que
eu estou seguindo essa profissão? Será que estou errado mesmo? Eu acho
que vou fazer outra coisa. Quem vai fazer isso, pra ficar igual fulano que já
tem trinta anos olha só como ele tá! Só vive reclamando aí. Tu vais
continuar? Ai eu digo: eu vou continuar porque eu gosto, porque eu tenho
amor. Por mais que eu não ganhe tanto. Eu posso até ficar como fulano,
mas eu gosto. Eu gosto disso! Eu continuo por amor. Por saber da
importância que eu tenho pros meus alunos, como todos nós temos.
(Informante I).
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Por questão ética, para preservar a identidade dos informantes, as letras “D”, “Y” e “X” foram
colocadas aleatoriamente para representar escola, professor e aluno(a) que eventualmente foram
citados no relato. Não significa as iniciais dos nomes dos mesmos. (BRITO, 2011).
não sabe como agente é importante pra uma criança. Vai saber depois,
depois de muito tempo o como agente foi importante, quanto agente ajudou
positivamente. Eu acho que o que me mantêm, mesmo com toda a
dificuldade da profissão, é a esperança no ser humano. (Informante J).
Considerações Finais
Referências
VON ZUBEN, Newton Aquiles. Martin Buber: cumplicidade e diálogo. Bauru, SP:
EDUSC, 2003.
WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. São Paulo: Cortez, 2001.