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Liberalismo ou Democracia?

Carl Schmitt e a Democracia Apolítica


Por Dr. Tomislav Sunic
Traduzido por Gabriel Miquelan

A crescente imprecisão na linguagem do discurso politico tornou a todos virtualmente


em democratas ou, pelo menos, em aspirantes a democrata. Leste, Oeste, Norte Sul, em
todos os cantos do mundo, políticos e intelectuais professam o ideal democrático, como
se seu tributo retórico pela democracia pudesse substituir a má demonstração de suas
instituições democráticas[1]. Democracia liberal – e essa é a que expomos como nosso
critéro de “melhor de todas as democracias – significa mais ou menos participação
política, e como se explica que os interesses eleitorais da democracia liberal têm
declinando há anos? Julgando por participação eleitoral, quase em todo o Ocidente
quase todo o funcionamento da democracia liberal esteve acompanhado por
desmobilização política e recuo da participação poítica[2]. Pode ser que, consciente ou
inconscientemente, os cidadãos de democracias liberais percebam que suas cédulas de
voto não podem afetar de maneira substancial a forma em que suas sociedades são
governadas, ou pior, que os ritos da democracia liberal são uma elegante cortina de
fumaça para a ausência do autogoverno?

Parêntese Liberal e o Fim do Estado Musculado


Esse artigo irá argumentar que nem a democracia é necessariamente uma caracteristica
do liberalismo e que democracia liberal pode ser frequentemente o exato oposto do que
democracia supostamente significa. Através dos argumentos de Carl Schmitt, eu devo
demontrar que: 1) democracia pode ter um significado diferente numa sociedade liberal
quanto numa sociedade não-liberal, 2) a despolitização da democracia liberal é o
resultado direto da descrença do eleitor na classe política liberal, e 3) a democracia
liberal em países multiétnicos pode encarar sérios desafios no futuro.
Durante o período dos últimos cinquenta anos, as sociedades ocidentais
testemunharam um rápido eclipse da política “dura”. O fanatismo teológico, a
ferocidade ideológica e a política do poder, que até recentemente abalaram os estados
europeus, tornaram-se coisas do passado. A influência de partidos e ideologias radicais
de esquerda ou de direita diminuiu. A política “alta”, como um processo tradicional de
ação e interação entre os governantes e os governados e como um guia para o suposto
destino nacional, parece ter se tornado obsoleta. Com o colapso do comunismo no
Oriente, as democracias liberais modernas no Ocidente aparecem hoje como as únicas
formas alternativas de governo na estéril paisagem política e ideológica. Além disso, em
vista do recente colapso das ideologias totalitárias, a democracia liberal parece ter
ganhado ainda mais legitimidade, tanto mais que acomoda com sucesso pontos de vista
políticos divergentes. A democracia liberal ocidental, acreditam as pessoas, pode
satisfazer opiniões diversas e díspares, e pode continuar a funcionar mesmo quando
estas não são democráticas e anti-liberais.
Para Schmitt, a tolerância liberal em relação a visões políticas opostas é enganosa. Em
todos os seus trabalhos,
e particularmente em Verfassungslehre e Die geistesgeschichtliche Lage des heutigen
Parlamentarismus, ele aponta para as diferenças entre o liberalismo e a democracia,
afirmando que o liberalismo, por sua natureza, é hostil a todos os projetos políticos. Na
democracia liberal, escreve Schmitt, “A política longe de ser a preocupação de uma
elite, tornou-se o negócio desprezado de uma classe de pessoas bastante duvidosa.” [3]
Pode-se acrescentar que a democracia liberal não parece precisar de projetos políticos:
com sua vasta infra-estrutura tecnológica. e a rede de livre mercado, argumenta Schmitt,
a democracia liberal não tem dificuldade em tornar todas as crenças conflitantes e
ideologias opostas inofensivas, ou, na pior das hipóteses, ridículas [4].

Na democracia liberal, em que a maioria dos projetos coletivos já foi deslegitimada


pela crença no individualismo e na busca privada do bem-estar econômico, “não se pode
exigir, de qualquer ponto de vista pensável, que alguém dê a vida, no interesse do
funcionamento sereno [desta sociedade.] “[5] Pouco a pouco, a democracia liberal torna
todos os projetos políticos pouco atrativos e impopulares, a menos que apelem para os
interesses econômicos. A democracia liberal, escreve Schmitt, parece estar preparada
para um ambiente racional e secularizado no qual o Estado é reduzido a um “vigia
noturno” que supervisiona as transações econômicas. O estado se torna uma espécie de
mini-estado inofensivo ["Minimalstaat"] ou stato neutrale [6]. Poder-se-ia quase
argumentar que a força da democracia liberal não reside em sua postura agressiva de seu
ideal liberal, mas na renúncia a todos os ideais políticos, inclusive o seu.

Até certo ponto, essa inércia apolítica aparece hoje mais forte do que nunca, já que
nenhum concorrente válido para a democracia liberal aparece no horizonte. Que
contraste absoluto com a época anterior à Segunda Guerra Mundial, quando ideologias
radicais de esquerda e de direita conseguiram atrair apoio substancial das elites políticas
e intelectuais! Será que o "Entzauberung" da política chegou ao ponto de contribuir para
o fortalecimento da democracia liberal apolítica? Muito revelador, de fato, aparece a
mudança no comportamento das elites modernas nas democracias liberais; esquerda,
direita e centro dificilmente diferem em suas declarações públicas ou em seu
vocabulário político. Seus estilos podem diferir, mas suas mensagens permanecem
praticamente as mesmas. O discurso "suave" e apolítico dos príncipes liberais
modernos, como escreveu recentemente um observador francês, leva o "liberal-
socialista" a exclamar: "Eu vou morrer amando seus lindos olhos Marquise". E a isso o
"liberal socialista". responde: "Marquise, de amar seus belos olhos, eu vou morrer." [7]
agendas de esquerda são tão frequentemente manchadas com retórica de direita que eles
parecem incorporar princípios conservadores. Por outro lado, os políticos de direita
soam como esquerdistas desiludidos em muitas questões de política interna e externa.
Na democracia liberal, todos os partidos em todo o espectro político,
independentemente de suas diferenças declaratórias, parecem concordar em uma coisa:
a democracia funciona melhor quando a arena política é reduzida ao mínimo e as esferas
econômicas e jurídicas são expandidas ao máximo.

Parte do problema pode resultar da própria natureza do liberalismo. Schmitt sugere que
as noções de liberalismo e democracia “devem ser distinguidas umas das outras para
que o quadro de retalhos que compõe a moderna democracia de massa possa ser
reconhecido”. [8] Como Schmitt observa, a democracia é a antítese do liberalismo,
porque “democracia … Tenta realizar uma identidade dos governados e dos
governadores, e assim confronta o parlamento como uma instituição inconcebível e
antiquada. ”[9]

Democracia Orgânica vs. Democracia Apolítica

A verdadeira democracia, para Schmitt, significa soberania popular, enquanto a


democracia liberal e o parlamento liberal visam controlar o poder popular. Para Schmitt,
se a identidade democrática é levada a sério, somente o povo deve decidir sobre seu
destino político, e não os representantes liberais, porque “nenhuma outra instituição
constitucional pode contrapor-se ao exclusivo critério da vontade do povo, por mais que
seja expressa”. A democracia liberal, argumenta Schmitt, não é senão um eufemismo
para um sistema que consagra o fim da política e, assim, destrói a verdadeira
democracia. Mas surge uma pergunta: por que, dada a história de tolerância do
liberalismo e sua propensão a acomodar diversos grupos, Schmitt rejeita
categoricamente a democracia liberal? O liberalismo, sobretudo à luz de experiências
recentes com “ideologias musculosas”, não provou sua natureza superior e humana?

O cerne da postura de Schmitt reside na sua convicção de que o conceito de


"democracia liberal" é um absurdo semântico. Em seu lugar, Schmitt parece sugerir
tanto uma nova definição de democracia quanto uma nova noção de política. De acordo
com Schmitt, “a democracia requer, primeiro, homogeneidade e segundo - se surgir a
necessidade - eliminação ou erradicação da heterogeneidade”. [11] Homogeneidade e a
eliminação concomitante da heterogeneidade são os dois pilares da democracia de
Schmitt, algo que contrasta fortemente com os sistemas partidários democráticos
liberais e a fragmentação do corpo político. A homogeneidade democrática, de acordo
com Schmitt, pressupõe uma memória histórica comum, raízes comuns e uma visão
comum do futuro, todas as quais podem subsistir apenas em uma política onde as
pessoas falam com uma só voz. “Enquanto um povo tem a vontade de existir
politicamente”, escreve Schmitt, “ele deve permanecer acima de todas as formulações e
crenças normativas... O caminho mais natural da expressão direta da vontade do povo é
por aprovações ou desaprovações da multidão reunida, isto é, a aclamação ”. [12] Com
certeza, com sua definição de democracia homogênea que resulta da vontade popular,
Schmitt aparece manter o valor da comunidade tradicional acima do da sociedade civil
que, no último século, tem sido a marca da democracia liberal. [13] Pode-se, portanto,
questionar até que ponto a democracia “orgânica” de Schmitt pode ser aplicada às
sociedades altamente fragmentadas do Ocidente, quanto mais a uma América
etnicamente fragmentada.

Schmitt insiste que “o conceito central de democracia é o povo (volk), não a


humanidade (menscheit)... Pode haver – se a democracia assume uma forma política –
apenas democracia popular, mas não democracia da humanidade [Es gibt eine
Volksdemokratie und keine Menscheitsdemokratie].”[14] Naturalmente, essa visão de
demcoracia “étnica” colide com a moderna democracia liberal, um dos propósitos, dos
quais seus defensores clamam, é transcender diferenças étnicas em sociedades
pluralistas. A democracia “étnica” de Schmitt deve ser vista como a reflexão da
singularidade de um determinado povo que se opõe às imitações de sua democracia por
outros povos ou raças. Já que a democracia de Schmitt se assemelha à antiga
democracia grega, os críticos devem se perguntar o quão viável essa demcoracia pode
ser hoje. Transplantado no Século XX, esse anacronismo democrático pode parecer
problemático, até porque ele lembrará alguns de ambos o estados corporativos fascistas
e estados do terceiro mundo com suas estritas leis sobre homogeneidade étnica e
cultural. Schmitt confirma essa preocupação quando afirma que “uma democracia
demonstra sua força política quando sabe como recusar ou manter à distância algo
estranho e desigual que ameaça sua homogeneidade...[das Fremde und Ungleiche . . . zu
beseitigen oder fernzuhalten]”.[15] Qualquer defensor da democracia liberal nas
modernas sociedades multiculturais pode se queixar que a democracia de Schmitt exclui
todos aqueles cujo nascimento, raça ou afiliação religiosa e ideológica consideradas
incompativeis com uma democracia restrita. O “externo”* pode ser uma ideia de
“externo” que é considerado como uma ameaça a democracia, e um estrangeiro pode ser
visto como alguém que é inapto a participar do corpo político por causa de sua raça ou
credo. Em outras palavras, pode-se facilmente suspeitar Schmitt de endossar o tipo de
democracia que se aproxima do “estado total”.

Schmitt tampouco é simpático com os príncipios liberais de legalidade. Em seu ensaio


“Legalitat und Legitimitat”, Schmitt argumenta que a democracia liberal cria a ilusão de
liberdade por distribuir entre cada grupo político uma certa quantidade de liberdade de
expressão bem como um caminho legal para realizar seus objetivos de maneira
pacífica.[16] Uma atitude como essa é contrária a noção de democracia e eventualmente
leva à anarquia, argumenta Schmitt, porque legalidade em uma democracia real deve ser
sempre a expressão da vontade popular e não a expressão de interesses faccionais. “Lei
é a expressão da vontade do povo (lex est quod populus jubet)”, escreve Schmitt, [17] e
de forma alguma a lei pode ser a manifestação de um representante anônimo ou de um
parlamentar que só preza pelos interesses limitados de seu eleitorado. Prossegue
Schmitt, um povo etnicamente homogeneo e histórico possui todos os pré-requisitos
para defender a justiça e permanecer democrático, de que isso sempre afirme sua
vontade.[18] Claro, pode-se argumentar que Schmitt tinha em mente uma forma de
democracia populista remanescente de ditaduras plebiscitária dos anos 30 que se
abstiveram de partidos parlamentares e eleições organzidas. Em seu Verfassungslehre,
Schmitt ataca eleições parlamentares livres por criarem, por votação secreta, um
mecanismo que “transforma o cidadão (citoyen) que é, especificamente uma figura
política e democrática, num indivíduo que apenas expressa sua opinião particular e dá
seu voto.”[19] Aqui Schmitt demonstra ser consistente com suas observações acerca de
homogeneidade étnica. Para Schmitt a vaidosa “opinião pública” que os liberais igualam
à noção de tolerância política é, na verdade, uma contradição em termos, porque um
sistema que é obcecado em individualidade, inevitávelmente foge da abertura política.
A democracia verdadeira e orgânica de acordo com Schmitt é ameaçada pela votação
secreta liberal, e “o resultado é a soma de opiniões individuais.”[20] Schmitt segue
dizendo que “os métodos contemporâneos de eleições populares [Volkswahl] e de
referendos [Volksentscheid] na democracia moderna, de forma alguma é um processo de
eleições populares genuínas; ao invés, eles organizam um processo para a eleição de
indivíduos baseado na soma toma de cédulas de votação independentes.”[21]

Previsívelmente, a visão de Schmitt sobre igualdade democrática é dependente de sua


crença de que democracia precede de homogeneidade social, uma ideia que Schmitt
desenvolve de forma mais completa em “Verfassungslehre” e em “A Crise da
Democracia Parlamentar”. Apesar da democracia liberal defender a igualdade legal de
indivíduos, ela ignora a igualdade de cidadãos enraízados. A democracia liberal trabalha
apenas para a igualdade de indivíduos atomizados cujos vínculos étnicos, culturais ou
raciais são tão fragilizados ou diluídos a ponto de não mais poderem ser vistos como
herdeiros de uma memória cultural comum e de uma visão comum de futuro.
Indubitávelmente, igualdade e democracia para Schmitt são inseparáveis. Igualdade
emu ma democracia genuinamente orgânica sempre acontece entre “iguais da mesma
natureza (Gleichartigen).”[22] Isso harmoniza com às declarações de Schmitt de que
“direitos iguais fazem sentido onde a homogeneidade existe.”[23]. Poderia-se deduzir à
partir dessas breves descrições de igualdade democrática que em uma sociedade étnica
ou ideologicamente fragmentada a igualdade nunca pode ser alcançada? Pode-se
argumentar que transferindo o discurso politico de liberdade para a esfera jurídica, a
democracia liberal mascarou elegantemente a desigualdade gritante em outra esfera – a
econômica. Pode-se concordar com Schmitt que a democracia liberal, tanto quanto
proclama “direitos humanos” e igualdade legal e orgulhosamente vangloria “igualdade
(econômica) de oportunidade”, encoraja disparidades materiais. De fato, a desigualdade
na democracia liberal não desapareceu e, de acordo com as "observações sobre as
mudanças na esfera política" de Schmitt, "outra esfera na qual prevalece desigualdade
substancial (hoje, por exemplo, a esfera econômica), dominará a política. Não admira
que, tendo em conta a sua abordagem contraditória da igualdade, a democracia liberal
tenha estado sob constante fogo da esquerda e da direita [24].

Em resumo, Schmitt rejeita a democracia liberal em diversos pontos: 1) liberal.


Democracia não é “demo-krasia” porque ela não promove a identidade dos governados
e dos governantes, 2) democracia liberal reduz a arena política e isso cria uma sociedade
apolítica e 3) ao defender a igualdade legal, e de acordo com sua busca constante pela
riqueza que lhe dará apoio, a democracia liberal resulta em flagrante desigualdade
econômica.

O Poder do Povo ou o Poder de Indivíduos Atomizados?

Do ponto de vista etimológico e histórico, a crítica de Schmitt à democracia liberal


merece atenção. Democracia significa o governo do povo, um povo específico com uma
etnia em comum, e não um povo construído, à maneira de algumas democracias liberais,
como a aglomeração atomizada que flui de um “caldeirão” cultural. Mas se assumirmos
que um
novo tipo de homogeneidade pode se desenvolver, por exemplo, a homogeneidade
causada pelo progresso tecnológico, não se pode contestar a funcionalidade de uma
democracia liberal em que os cidadãos homogeneizados permanecerão completamente
apolíticos: Hipoteticamente falando, as questões políticas nas próximas décadas podem
não ser mais etnia, religiões, estados-nações, economia ou mesmo tecnologia, mas
outras questões que poderiam "homogeneizar" os cidadãos. Se a democracia no século
XXI será baseada em um consenso apolítico ainda é algo a ser visto. Schmitt receava
que o apolitismo de "Democracia liberal global" sob a égide dos Estados Unidos
poderia se tornar um perigoso dilema para todos, levando não à paz global, mas à
servidão global. [25] Ainda hoje, no entanto, a democracia liberal ainda serve como um
conceito normativo para muitos países, mas se isso continuará assim é uma questão em
aberto.

Em vista do aumento da fragmentação étnica e das contínuas disparidades econômicas


no mundo, parece que a análise de Schmitt contém um grão de verdade. A experiência
americana como democracia liberal tem sido tolerável até agora: isto é, os EUA
demonstraram que ela pode funcionar numa sociedade multiétnica heterogênea, mesmo
quando, contrariamente aos temores de Schmitt, os nível de consciência política e
histórica permanece muito baixa. No entanto, o experimento democrático liberal em
outros lugares tem sido menos bem sucedido. Tentativas recentes de introduzir a
democracia liberal em estados multiétnicos da Europa Oriental têm, paradoxalmente,
acelerado sua dissolução ou, na melhor das hipóteses, enfraquecido sua legitimidade. Os
casos da multiétnica União Soviética e de países da extinta Iugoslávia em lutas
intermináveis para encontrar legitimidade permanente são muito reveladores e
confirmam as previsões de Schmitt de que a democracia funciona melhor, pelo menos
em alguns lugares, em sociedades etnicamente homogêneas. [26] À luz do colapso do
comunismo e do fascismo, é tentado a argumentar que a democracia liberal é a onda do
futuro. Ainda, ideais americanos exportados irão variar de acordo com os países e os
povos entre os quais eles se enraízam. Mesmo os países europeus altamente
americanizados praticam uma marca diferente de
democracia a partir do que se encontra na América.

Schmitt observa que o liberalismo, ao se concentrar nos direitos particulares dos


indivíduos, contribui para o enfraquecimento do senso de comunidade. A democracia
liberal tipifica, para Schmitt, uma política que prejudica o senso de responsabilidade e
torna a sociedade vulnerável a inimigos tanto de dentro quanto de fora. Em contraste,
sua ideia de democracia orgânica não é esboçada para indivíduos que anseiam em
reduzir a atividade política em busca da felicidade particular; mais propriamente,
democracia orgânica, clássica significa “a identidade dos governadores e dos
governados, dos comandantes e dos comandados, daqueles que recebem ordens e
daqueles que as cumprem. ”[27] Em tal política, leis e até mesmo a constituição em si
pode ser alterada em um curto espaço de tempo porque o povo, agindo como seu
próprio legislador, não emprega representantes parlamentares.

A democracia de Schmitt poderia facilmente passar para o que os teóricos liberais


identificariam como um desagradável ditadura. Schmitt objetaria a isso? Dificilmente.
De fato, ele não desconsidera a compatibilidade da democracia com o comunismo ou
mesmo o fascismo. “Bolchevismo e Fascismo”, escreve Schmitt, “pelo contrário, são
como todas as ditaduras, certamente antiliberais, mas não necessariamente
antidemocráticos”. [28] Tanto o comunismo quanto o fascismo lutam pela
homogeneidade (mesmo que tentem ser homogêneos à força) banindo todos oposição.
O comunismo, para o qual o intransigente anti-bolchevique Schmitt não tinha simpatia,
pode certamente ser democrático, pelo menos em seu estágio normativo e utópico. A
“ditadura educacional” do comunismo, observa Schmitt, pode suspender a democracia
em nome da democracia, “porque mostra que a ditadura não é antitética à democracia”.
[29]. Em uma democracia verdadeira, a legitimidade deriva não de manobras
parlamentares, mas de aclamação e referendos populares. “Não há democracia e nem
estado sem opinião pública, nem estado sem aclamação”, escreve Schmitt [30]. Por
outro lado, a democracia liberal com seus principais pilares, a liberdade individual e a
separação de poderes, opõe-se à opinião pública e assim, deve se apresentar como o
inimigo da verdadeira democracia. Ou, estamos lidando aqui com palavras que se
tornaram equivocadas? De acordo com Schmitt, “democracia
os princípios significam que o povo como um todo decide e governa como um
soberano. ”[31] Poder-se-ia argumentar que a democracia deve ser uma forma de
“kratos”, um exercício, não um limite de poder. Julien Freund, um francês schmittiano,
concorda que "a democracia é um 'kratos'. Como tal, pressupõe, assim como qualquer
outro regime, a presença e a validade de uma autoridade." [32] Com sua separação de
poderes, a atomização do corpo político e a neutralização da política, a democracia
liberal se desvia desse modelo.

Conclusão: A "Ditadura do Bem-Estar" Liberal

Se assumirmos que a “democracia total” de Schmitt exclui aqueles com visões


diferentes e origens étnicas diferentes, não poderíamos argumentar que a democracia
liberal exclui em virtude da aplicação de um campo central “apolítico”? Através da
economia apolítica e da censura social, a democracia liberal gera paradoxalmente uma
cultura de consumo homogênea. Esta não é uma forma de punição “suave” imposta
àqueles que se comportam incorretamente? Há muito tempo atrás, em suas observações
sobre a democracia na América, Tocqueville apontou os perigos da “democracia
despotista”.“ Se o despotismo fosse estabelecido entre as nações democráticas de nossos
dias, poderia assumir um caráter diferente; seria mais extenso e mais suave; degradaria
os homens sem atormentá-los. ”[33] Talvez este “despotismo democrático” já esteja em
ação nas democracias liberais. Uma pessoa hoje em dia pode ser efetivamente silenciada
sendo atacada como socialmente insensível.

A democracia liberal contemporânea demonstra amplamente até que ponto as


necessidades econômicas e espirituais dos cidadãos se tornaram homogêneas. Os
cidadãos agem cada vez mais indistintamente em uma nova forma de “ditadura do bem-
estar”. [34] Certamente, essa homogeneidade na democracia liberal não provém da
coerção ou da exclusão física, mas sim do sentimento de futilidade do eleitor. A censura
oficial não é mais necessária, já que o ostracismo resultante da incorreção política torna-
se cada vez mais óbvio. Os cidadãos parecem cada vez mais apáticos, sabendo com toda
probabilidade que, independentemente de sua participação, a atual estrutura de poder
permanecerá intacta. Além disso, os democratas liberais, tanto quanto se queixam da
intolerância de outros, freqüentemente se mostram desdenhosos daqueles que duvidam
das doutrinas liberais, particularmente as crenças no racionalismo e no progresso
econômico. O pensador francês Georges Sorel, que influenciou Schmitt, observou há
muito tempo que protestar contra a ilusão do racionalismo liberal significa ser
imediatamente considerado inimigo da democracia. [35] É preciso concordar que,
independentemente de sua relativa tolerância no passado, a democracia liberal parece ter
seus próprios conjuntos de valores e reivindicações normativas. Seus adeptos, por
exemplo, supostamente acreditam que a democracia liberal opera inteiramente por lei.
Julien Freund detecta no legalismo liberal “um conceito irênico” do direito, “uma utopia
jurídica. . . que ignora os efeitos reais das relações políticas, econômicas e outras. ”[36]
Não admira que Schmitt e seus seguidores tenham dificuldade em aceitar a visão liberal
do estado de direito, ou em acreditar que tal visão possa“ suspender tal batalha
ideológica através de discussões intermináveis. ”[37] Em sua busca por uma sociedade
perfeita e apolítica, a democracia liberal se desenvolve de tal maneira que “a discussão
pública torna-se uma formalidade vazia”, [38] reduzida a um discurso superficial em
que diferentes opiniões não são mais debatidas. Um político liberal moderno se
assemelha cada vez mais a um “artista” cujo objetivo não é persuadir o oponente sobre a
validade de seus programas políticos, mas prioritariamente obter maiorias eleitorais.

[39] À posteriori, não deve parecer estranho que a democracia liberal, que afirma estar
aberta a todos os tipos de "revoluções" tecnológicas, econômicas e sexuais, permaneça
oposta a qualquer coisa que questione seu status quo apolítico. Não é surpresa, portanto,
que mesmo a palavra “política” seja cada vez mais suplantada pela palavra mais
anódina “diretriz/norma”, assim como os primeiros-ministros das democracias liberais
são cada vez mais recrutados entre economistas e empresários.

Schmitt previu corretamente que mesmo a derrota do fascismo e o recente colapso do


comunismo não impediriam uma crise política na democracia liberal. Para Schmitt, essa
crise é inerente à própria natureza do liberalismo, e continuará recorrente mesmo que
todas as ideologias anti-liberais tenham desaparecido. A crise na democracia
parlamentar liberal é o resultado da contradição entre liberalismo e democracia; é, na
linguagem schmittiana, a crise de uma sociedade que tenta ser tanto liberal quanto
democrática, universal e legalista, mas ao mesmo tempo comprometida com o
autogoverno dos povos.

Não é preciso ir longe em busca de campos que possam politizar e depois polarizar a
democracia liberal moderna. Eventos recentes na Europa Oriental, a explosão de
nacionalismos em todo o mundo, confrontos raciais no Ocidente democrático liberal -
estes e outros desenvolvimentos “disruptivos” demonstram que a fé liberal pode ter um
futuro tempestuoso. A democracia liberal pode ser vítima de seu próprio senso de
infalibilidade se concluir que ninguém está disposto a desafiá-la. Isso seria um erro.
Pois nem o fim do fascismo nem o recente colapso do comunismo deram início a uma
época mais pacífica. Embora a Europa Ocidental e a América estejam agora desfrutando
de um descanso confortável da política do poder, novos conflitos entraram em erupção
em suas sociedades, no multiculturalismo e nos direitos humanos. O fim da democracia
apolítica liberal e o retorno de políticas “duras” podem estar ocorrendo dentro das
sociedades democráticas liberais.

Notas:

1. See Giovanni Sartori, Democratic Theory (Detroit: Wayne State University Press,
1962), 3. “In a somewhat paradoxical vein, democracy could be defined as a high-flown
name for something which does not exist.” See, for instance, the book by French
“Schmittian” Alain de Benoist, Democratie: Le probleme (Paris: Le Labyrinthe, 1985),
8. “Democracy is neither more ‘modern’ nor more ‘evolved’ than other forms of
governance: Governments with democratic tendencies have appeared throughout
history. We can observe how the linear perspective used in this type of analysis can be
particularly
deceiving.” Against the communist theory of democracy, see Julien Freund, considered
today as a foremost expert on Schmitt, in Politique et impolitique (Paris: Sirey, 1987),
203. “It is precisely in the name of democracy, designed as genuine and ideal and
always put off for tomorrow that non-democrats conduct their campaign of propaganda
against real and existing democracies.” For an interesting critique of democratic theory,
see Louis Rougier, La Mystique democratique (Paris: Albatros,1983). Rougier was
inspired by Vilfredo Pareto and his elitist anti-democratic theory of the state.

2. See, for instance, an analysis of U.S. “post-electoral politics,” which seems to be


characterized by the governmental incapacity to put a stop to increasing appeals to the
judiciary, in Benjamin Ginsberg and Martin Shefter, Politics by other Means: The
Declining Importance of Election in America (New York: Basic Books, Inc., 1990).

3. Carl Schmitt, The Crisis of Parliamentary Democracy, trans. Ellen Kennedy


(Cambridge: MIT,1985), 4.

4. The views held by some leftist scholars concerning liberalism closely parallel those
of Schmitt, particularly the charge of “soft” repression. See, for instance, Jurgen
Habermas, Technik und Wissenschaft als Ideologie (Frankfurt: Suhrkamp, 1968). See
also Regis Debray , Le Scribe: Genese du politique (Paris: Grasset, 1980).

5. Carl Schmitt, Der Begriff des Politischen (Munchen und Leipzig: Duncker und
Humblot, 1932), 36. Recently, Schmitt’s major works have become available in
English. These include: The Concept of the Political, trans. G. Schwab (New
Brunswick: Rutgers University Prress, 1976); Political Romanticism, trans. G. Oakes
(Cambridge: MIT Press, 1986); and Political Theology, trans. G. Schwab (Cambridge:
MIT Press; 1985). There may be some differences between my translations and the
translations in the English version.

6. Schmitt, Der Begriff, 76.

7. Francois-Bernard Huyghe, La soft-ideologie (Paris: Robert Laffont, 1987), 43

8. Schmitt, The Crisis of Parliamentary Democracy, 8.

9. Schmitt, The Crisis of Parliamentary Democracy, 15.

10. Schmitt, The Crisis of Parliamentary Democrary, 15.

11. Schmitt, The Crisis of Parliamentary Democracy, 9.

12. Carl Schmitt, Verfassungslehre (Munchen und Leipzig: Verlag von Duncker und
Humblot, 1928), 83.

13. See Ferdinand Tonnies, Community and Society (Gemeinschaft und Gesellschaft),
trans.
and ed. Charles P. Loomis (New York: Harper & Row, 1963). Tonnies distinguishes
between hierarchy in modern and traditional society. His views are similar to those of
Louis Dumont, Homo Hierarchicus, the Caste System and its Implications, trans. Mark
Sainsbury and L. Dumont (Chicago: University of Chicago Press, 1980). Dumont draws
attention to “vertical” vs. “horizontal” inequality among social groups.

14. Schmitt, Verfassungslehre, 234.

15. Schmitt, The Crisis of Parliamentary Democracy, 9.

16. Carl Schmitt, Du Politique, trans. William Gueydan (Puiseaux: Pardes, 1990), 46.
Legalitat und Legitimitat appears in French translation, with a preface by Alain de
Benoist, as “L’egalite et legitimite”

17. Schmitt, Du Politique, 57.

18. Schmitt, Du Politique, 58. See also Schmitt’s Verfassungslehre, 87-91:

19. Schmitt, Verfassungslehre, 245.

20. Schmitt, Verfassungslehre, 246.

21. Schmitt, Verfassungslehre, 245.

22. Schmitt, The Crisis of Parliamentary Democracy, 10.

23. Schmitt, The Crisis of Parliamentary Democracy, 13.

24. See, for instance, the conservative revolutionary, Arthur Moeller van den Bruck,
Das Dritte Reich (1923) whose criticism of liberal democracy often parallels Carl
Schmitt’s, and echoes Karl Marx, The Critique of the Gotha Program, (New York:
International Publishers, 1938), 9. “Hence equal rights here (in liberalism) means in
principle bourgeois rights. The equal right is an unequal right for unequal labor.” See
also Schmitt’s contemporary Othmar Spann with a similar analysis, Der wahre Staat
(Leipzig: Verlag von Qnelle und Meyer,1921).

25. See Carl Schmitt, “L’unite du monde,” trans. Philippe Baillet in Du Politique, 237-
49.

26. In some multi-ethnic states, liberal democracy has difficulty taking root. For
instance, the liberalisation of Yugoslavia has led to its collapse into its ethnic parts. This
could bring some comfort to Schmitt’s thesis that democracy requires a homogeneous
“Volk” within its ethnographic borders and state. See Tomislav Sunic, “Yugoslavia, the
End of Communism the Return of Nationalism,” America (20 April 1991), 438–440.

27. Schmitt, Verfassungslehre, 234. See for a detailed treatment of this subject the
concluding chapter of Paul Gottfried, Carl Schmitt: Politics and Theory (Westport and
New York: Greenwood Press, 1990).

28. Schmitt, The Crisis of Parliamentary Democracy, 16,

29. Schmitt, The Crisis of Parliamentary Democracy, 28.

30. Schmitt, Verfassungslehre, 247.

31. Carl Schmitt; “L’etat de droit bourgeois,” in Du Politique, 35.

32. Freund, Politique et impolitique, 204.

33. Alexis de Tocqueville, Democracy in America (New York: Alfred Knopf, 1966),
vol. 2, book fourth, Ch. 6.

34. There is a flurry of books criticizing the “surreal” and “vicarious” nature of modern
liberal society. See Jean Baudrillard, Les strategies fatales (“Figures du transpolitique”)
(Paris: Grasset, 1983). Also, Christopher Lasch, The Culture of Narcissism (New York:
Warner Books, 1979).

35. Georges Sorel, Les illusions du progres (Paris: M. Riviere, 1947), 50.

36. Freund, Politique et impolitique, 305.

37. Carl Schmitt, Politische Theologie (Munchen und Leipzig: Verlag von Duncker und
Humblot, 1934), 80.

38. Schmitt, The Crisis of Parliamentary Democracy, 6.

39. Schmitt, The Crisis of Parliamentary Democracy, 7.

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