JUSTIFICATIVA
Durante todo o Curso “Educar na Sociedade da Informação” os professores conduziram
os temas fazendo inúmeras referências aos opostos; às contradições e divergências , aos
aspectos similares e harmônicos que acompanharam os processos de formação e expansão do
território brasileiro e sua oficialização.
A proposta de trabalho do professor Dr. Istvan Jancsó centrando as discussões nas
polaridades; unidade e diversidade , centro e periferia, cooperação e conflito e, especialmente
sua proposta de releitura dos clássicos, entusiasmou-me a reler Formação do Brasil
contemporâneo de Caio Prado Júnior e Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda usando
o método comparativo afim de levantar similaridades e divergências.
Na releitura dos clássicos podemos resgatar, discutir e até iniciar discussões muito
pertinentes afim de promover um estudo aprimorado da História do Brasil colonial. Peter
Burke citando Skinner resume : “(...) o objetivo fundamental de tal estudo é concebido em
termos da recuperação das “perguntas e respostas atemporais” colocadas “nos grandes
livros”, e assim demostrar sua continuada “relevância”, não deve ser apenas possível, mas
essencial, que o historiador se concentre, simplesmente se concentre naquilo que cada um dos
escritores clássicos disse a respeito de cada um desses “conceitos fundamentais e “questões
permanentes”.1
Os dois livros escolhidos abordam o período colonial e discutem problemas
semelhantes e próprios da fase. Raízes do Brasil analisa a sociedade e a economia colonial de
uma maneira clara, concisa com uma propriedade até psicológica, enquanto Caio Prado Jr , com
sua posição marxista e, talvez seguindo o paradigma da história total perseguida pelos Analles,
faz o seu estudo com uma problemática que ele mesmo se coloca: “ a chave preciosa e
insubstituível para se acompanhar e interpretar o processo histórico posterior e resultante dele
que é o Brasil de hoje”2.
1
BURKE , Peter (org.) A escrita da História : novas perspectivas, São Paulo: Editora UNESP 1992, p.274
2
PRADO, Caio Jr. Formação do Brasil contemporâneo: Colônia,: São Paulo: Brasiliense; Publifolha 2000;
Grandes nomes do pensamento brasileiro, p.1
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PAPER
No Brasil Colônia tudo surgiu ou foi estabelecido com o intuito de construir uma
unidade fornecedora de produtos comercializáveis para a Europa; não havia a preocupação de
constituir uma sociedade, de organizar uma administração modernizada mas, apenas uma
feitoria comercial, uma colônia que desse lucros.
Na releitura dos dois livros : Raízes do Brasil e Formação do Brasil contemporâneo
destacamos quatro eixos ou focos sobre os quais estão assentados todo o desenvolvimento do
período colonial : a finalidade da colonização, o povoamento, a escravidão e a mineração.
Através dessas balizas e comparando a dialética dos autores podemos ter uma visão ampliada das
características mais importantes do período colonial brasileiro e do processo de expansão
colonial.
A- FINALIDADE DA COLONIZAÇÃO
Os dois autores enfatizam o objetivo do estado português no processo de colonização
brasileiro e aproximam-se de um ponto único: a busca dos lucros, do enriquecimento fácil, da
exploração exagerada de nossas riquezas naturais sem a preocupação de se formar uma
sociedade organizada com administração eficiente e raízes fortes.
Sérgio Buarque de Holanda ressalta a busca desenfreada pela riqueza e por prestígio ou
“nome” sem trabalho árduo; “a ânsia de prosperidade sem custo, de títulos honoríficos, de
posições e riquezas fáceis, tão notoriamente característica da gente de nossa terra...”. Explica
que o gosto pela aventura moveu o português a se deslocar para o Brasil , adaptando-se às
condições climáticas, à alimentação (“onde lhes faltasse o pão de trigo, aprendiam a comer o da
terra.” ) , aos costumes ( “dormir em redes à maneira dos índios (...) o modo de cultivar a terra
ateando primeiramente fogo aos matos” ), à arquitetura das casas, à necessidades , enfim. O
português, desde o século XV, acostumado aos altos lucros com as especiarias indianas,
adaptou-se rapidamente certo de que o capital acumulado compensaria a distância e as
dificuldades que ele enfrentaria
No capítulo sobre o espírito da expansão portuguesa e analisando a preferência dos
portugueses pelo litoral, Buarque insere as reclamações de Padre Manuel da Nóbrega em cartas
escritas ao rei de Portugal. O padre refere-se ao pouco envolvimento afetivo dos colonos com
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a terra e diz que o único objetivo dos portugueses no Brasil era enriquecer e levar tudo para
Portugal. Quase numa análise psicológica, podemos concluir que o homem português que
colonizou o Brasil não se envolveu com a terra e nem com seus habitantes preferindo levar todo
o resultado do seu trabalho para Portugal.
Caio Prado Júnior destaca o “sentido da colonização” de maneira mais ampliada
desenvolvendo uma comparação entre os tipos de colonização empreendidos pelas metrópoles
européias nas América, diferenciando pormenorizadamente a colonização inglesa da
ibérica. Direciona a análise para o processo econômico político e social europeu e sua
necessidade de expansão mercantil cuja conseqüência principal foi a montagem da exploração
colonial. Categórico afirma:
“se vamos á essência de nossa formação veremos que na realidade nos constituímos
para fornecer açúcar , tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes;
depois algodão; em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isso.(...) Virá
o branco europeu para especular, realizar um negócio(...)”
Então, toda organização da produção e do trabalho e a concentração de riqueza proporcionada
pelo esquema servirá para fortalecer o comércio exterior e suas respectivas metrópoles, no
nosso caso, Portugal.
Os dois escritores destacam que a agricultura ancorada, no trabalho escravo, no
latifúndio e na ânsia de lucros não criou nem ofereceu progressos técnicos: houve pura e
simplesmente o uso de enxada; “não se usa arado nem fertilizantes” como diz Sérgio Buarque.
Ao invés de impor regras ou desenvolver um sistema mais efetivo para uma agricultura
em larga escala o português não o fez e ainda, adaptou-se ao tipo de agricultura rudimentar
usado pelos índios e negros. É novamente ressaltado o caráter de adaptação do português à lei
do menor esforço: usa o que encontra, não há esforço modernizador.
Caio Prado enfatiza: usou-se técnicas indígenas , a enxada e a coivara , não se usou
fertilizantes e simplesmente abandonaram as regiões quando estavam esgotadas ou quando
faltava lenha para os engenhos. Os aparelhos de moagem eram antiquados, não se introduziram
novas variedades de cana., no máximo de sofisticação usou-se o monjolo, instrumento medieval.
Isso caracteriza para Caio Prado o sentido predador da nossa agricultura e a justificativa para
isso é o sentido da nossa colonização: o foco no lucro e não na expansão modernizadora da
terra do ponto de vista humano, cultural e social.
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B- ESCRAVIDÃO
A escravidão foi restabelecida na Idade Moderna em função dos impérios coloniais
resultantes do processo de expansão marítima. Os europeus não dispunham de efetivo
populacional que pudessem transferir para as colônias porque o objetivo principal era manter a
balança comercial favorável, atendendo os objetivos da política mercantilista e do estado
absolutista. Os dois livros fazem um diálogo interessante quanto a essa instituição inaugurada
na América, pelos europeus.
No livro Raízes , Sérgio Buarque de Holanda faz uma análise da incapacidade de
adaptação do indígena ao trabalho metódico e rotineiro na plantação da cana devido à sua
tendência expontânea a atividades menos sedentárias e mais livres.
O negro, trazido em grande quantidade , assim como o estabelecimento do latifúndio
não foi uma saída, mas uma exigência do próprio esquema colonial. Para se produzir em larga
escala para o comércio exterior foram necessários mão de obra e terra em abundância. Os
negros vieram à força da África e a terra era abundante no Brasil.
Sérgio Buarque de Holanda retrocede no tempo analisando o período anterior à
instalação da escravidão no Brasil e diz que em Portugal, durante o processo de expansão
marítima, “pululavam” escravos ( negros e mouros) para fazer todos os serviços manuais e eram
tratados como bestas de carga. Essa proximidade proporcionou uma mistura das raças, a despeito
das leis que pretendiam impedir aos negros a proximidade com os brancos e a ascensão
social. Há , para o autor uma tendência a aproximação das classes sociais em Portugal neste
período e essa tendência foi estendida ao Brasil, porém o autor deixa claro que o escravo,
numa escala social seria colocado no último degrau numa posição de “vítima, submissa ou
rebelde” , atrás do índio que, pelo seu comportamento ocioso e imprevidente foi comparado a
antigos cavaleiros e fidalgos medievais. Oficialmente, os relacionamentos eram, no caso de
casamentos, estimulados para índios com portugueses e rejeitados para brancos com negros.
Conduz a análise da escravidão no Brasil, mais do ponto de vista das relações sociais e de suas
implicações nas diversas camadas da sociedade do que do ponto de vista econômico fazendo
pouca referência ao lucro com o tráfico e ao cotidiano canavieiro.
Faz um destaque especial para o processo de banalização do serviço manual que se deu
a partir do uso do trabalho escravo na colônia e que, apesar de não haver uma hierarquia entre as
diferentes categorias de trabalhos manuais, na prática, tanto nos serviços urbanos quanto nos
rurais o que se procurava obter em primeiríssimo plano era o ganho fácil. Por isso havia
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grandes índices de mudança de profissão principalmente para “servir aos cargos públicos” o que
proporcionava salário , “status” e pouco trabalho. Cita o costume do “escravo de ganho” onde
escravos faziam pelos brancos os seus próprios trabalhos. Essa “terceirização” da mão de obra
no período colonial estabeleceu o desprestígio e o envilecimento de todo tipo de trabalho no
Brasil, especialmente do manual, e fez com que as manufaturas, por não serem valorizadas,
não se desenvolvessem satisfatoriamente.
A participação da sociedade colonial nos trabalhos coletivos como mutirões , procissões
, etc. se dava mais pela distinção social do que pela “prestância”. O privado ; as relações
pessoa/pessoas e entre agregações foram mais importantes para o dia a dia da sociedade
canavieira do que as relações administrativas e regulamentares “exatamente o contrário do que
parece convir a uma população em vias de organizar-se politicamente.” 3 Neste privado os
negros ganharam espaço e invadiram, com sua brejeirice e com a “moral das senzalas” toda a
vida econômica, administrativa, cultural , religiosa e social e de maneira morosa e devagar como
convém a quem não tem liberdade de ação foram influenciando o governo, as relações políticas
e sociais, a cultura.
Caio Prado Júnior analisando o tema escravidão fez referência às três raças formadoras
da etnia brasileira: o branco, o índio e o negro. O negro participou da história da colonização
como escravo e fez parte da formação da etnia brasileira através da superioridade populacional
( 1/3 da população colonial no século XVII era formada por negros) e da menor proporção de
mulheres( especialmente brancas) nesta sociedade fazendo crescer os casos de casamentos
interétnicos , uniões ilegais e imorais. Esses fatores conjugados fazem da mestiçagem , quer
para atender ao apetite sexual do português , quer para elevar o número de braços na lavoura
monocultora, uma característica excepcional e original da sociedade brasileira , característica
que pode ser observada até os nossos dias e é de grande importância para o estudo da nossa
cultura.
O negro , no esquema colonial, foi introduzido para atender à necessidade do branco
português que migrou para o Brasil com o objetivo de lucrar e não de trabalhar. No capítulo
denominado Organização social dá ênfase, à enorme influência do escravismo na economia,
na sociedade, nos padrões materiais e morais da nossa sociedade. Discute e critica primeiramente
o renascimento da escravidão na Idade Moderna em contrariedade com os padrões morais e
3
HOLANDA, Sérgio Buarque, Raízes do Brasil, Biblioteca básica brasileira vol.10; Brasília; Editora Universidade
de Brasília 4ª ed., 1963
7
Prado inicia uma caracterização do indígena colocando que ; após o contato com o branco o
índio reelaborou o seu estilo de vida afastando-se da sociedade colonial clássica e vivendo nos
quilombos ou desgarrados, nos sertões. Cita também os agregados da elite colonial moradores
dos engenhos e fazedores de pequenos trabalhos , e ainda os “desocupados permanentes”,
“vadios”.
Concluindo pudemos perceber que os dois historiadores analisaram a escravidão
destacando o seu caráter puramente mercantil e a sua conseqüência mais importante e grave
que foi o desprestígio do trabalho na sociedade brasileira ;uma característica que permanece
ainda hoje na nossa sociedade permeando as ocupações liberais ou empregatícias, as escolas, o
governo, a política e acarretando um atraso econômico crônico que precisa ser rompido com
eficiência.
C-POVOAMENTO
As características da expansão portuguesa, de acordo com Sérgio Buarque de Holanda
estão centradas na colonização litorânea. O litoral é o foco português pois assim, evitou-se
guerras com os indígenas interioranos, gastou-se menos com transporte e os lucros são
imediatos. Nas cartas de doação das capitanias hereditárias e no Regimento de Tomé de Sousa o
governo português proíbe terminantemente a entrada para o interior, preservando e incentivando
a formação de colônias no litoral afim de que os produtos não se encarecessem ao serem
transportados do interior. A Coroa aplicava a estratégia de povoar em primeiro lugar o litoral,
deixando o interior para quando aquele já estivesse lotado. O que facilitou esse trabalho para os
portugueses foi que o litoral era habitado, em toda a sua extensão, pelo mesmo grupo indígena
tupi-guarani, dos quais os portugueses aprenderam e domesticaram prontamente a língua
gerando mais um instrumento de dominação.
As poucas cidades estabelecidas pelos portugueses não seguem nenhum método ou rigor
são aglomerados de casas e de comércio de maneira desorganizada. A própria capital , Salvador
foi edificada numa colina escarpada, mesmo tendo terreno apropriado em local próximo. Tão
influente foi este prestígio do litoral que, ainda hoje, o termo interior serve para designar uma
região escassamente povoada , não desenvolvida e atrasada. Faz uma extensa comparação entre
o tipo de colonização portuguesa e espanhola chegando à conclusão de que os portugueses,
desleixados, eram mais liberais e corajosos do que os espanhóis , mais organizados e
empreendedores.
9
5
Caio Prado Júnior , pág. 27
6
Fernando Braudel , mestre fundador do movimento Analles , escreveu a obra “O Mediterrâneo” onde analisa a
influência da geografia na formação social e econômica da Europa mediterrânea.
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D-MINERAÇÃO
Os dois autores fizeram um destaque especial da mineração praticada no Brasil no
século XVIII admitindo-a como uma fonte de economia colonial especial, submetida a
regimes de administração diferenciados das outras áreas coloniais e gerando conseqüências
muito extensas e internas .
O século XVIII concentrou o auge da mineração principalmente em Minas Gerais, Mato
Grosso e Goiás locais onde pioneiramente o ouro foi encontrado O foco irradiador foi São
Paulo dali estendendo-se para Minas Gerais, para a bacia do rio Paraguai, e para os campos do
sul. São Paulo na verdade sofreu, no dizer de Caio Prado, uma verdadeira sangria de homens , de
alimentos e de recursos, já que todo interesse estava voltado para a região e os lucros da região
mineradora. Caracteriza a administração criada pela metrópole, especialmente para a zona
aurífera, como uma minuciosa e rigorosa ação disciplinadora e fiscalizadora instituída desde os
primeiros anos do século XVIII através da Intendência das Minas; órgão administrativo e
fiscalizador “responsável pela cobrança do quinto e pela fiscalização dos descaminhos do ouro”
12
Esse órgão recebia a notícia do achamento dos metais , efetuava a demarcação das datas e sua
distribuição, fazia a fiscalização do trabalho de extração e das Casas de Fundição. Nada
interessava mais à Coroa do que a cobrança do quinto e o ouro dele auferido.
Destacou ainda o Distrito Diamantino com sua legislação especial mas ressaltando que o
papel do diamante na economia era secundário, obviamente colocado após a cana e o ouro. No
Tejuco ou Demarcação Diamantina a legislação rigorosa e especial proibia penetrar ou sair da
área demarcada sem prévia autorização A extração foi feita, diretamente pela Coroa, através da
Junta da Administração Geral dos Diamantes, como diz no texto do livro página 182.
... “verdadeiro corpo estranho enquistado na colônia, o Distrito vivia
isolado do resto do país, e com uma organização sui generis, não havia
governadores, câmaras municipais, juizes, repartições fiscais ou
quaisquer outras autoridades ou órgãos administrativos. Havia apenas o
Intendente e um corpo submisso de auxiliares, que eram tudo ao mesmo
tempo, e que se guiavam unicamente por um Regimento que lhes dava a
mais ampla e ilimitada competência. Dispensam –se comentários.”
isso criou uma legislação especial; para o Distrito Diamantino. Nesta região, demarcada
oficialmente, cresceram as delações misteriosas, as calúnias, as vinganças particulares afim de
mobilizar os recursos para os privilegiados, principalmente o corpo de administradores
portugueses, mantendo o poder e o lucro sem maiores trabalhos. Toda essa repressão
organizada e oficial é dirigida mais para auferir os grandes lucros do que para edificar ou
ordenar melhor a colônia no sentido de desenvolvimento econômico.
Os dois autores concordam que, com a mineração a vida da colônia modificou-se
completamente do ponto de vista da formação da população e de seu deslocamento pela
geografia brasileira.
privado. O Estado torna–se por conseqüência, ineficaz e lerdo em ações públicas porque está
focado no privado.
Caio Prado Júnior, através do determinismo geográfico, analisa os processos de rompimentos
da ordem metropolitana através da ação do homem brasileiro colonial que, desvinculado da
proposta governamental , agindo individualmente ou em agrupamentos, embrenhou-se pelos
campos interioranos e sertões, criando uma nova fisiologia populacional e quebrando a
estrutura monocultora litorânea e exportadora, numa resistência social própria das classes
excluídas.
BIBLIOGRAFIA
BURKE , Peter (org.) A escrita da História : novas perspectivas, São Paulo: Editora UNESP 1992, p.274
HOLANDA, Sérgio Buarque, Raízes do Brasil, Biblioteca básica brasileira vol.10; Brasília; Editora Universidade
de Brasília 4ª ed., 1963
PRADO, Caio Jr. Formação do Brasil contemporâneo: Colônia,: São Paulo: Brasiliense; Publifolha 2000 ( Grandes
nomes do pensamento brasileiro, p.1