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DNA Educação

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DNA Educação

DNA Educação

Ivanio Dickmann
(organizador)

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DNA Educação

CONSELHO EDITORIAL

Ivanio Dickmann - Editor Chefe - Brasil


Aline Mendonça dos Santos - Brasil
Fausto Franco Martinez - Espanha
Jorge Alejandro Santos - Argentina
Miguel Escobar Guerrero - México
Carla Luciane Blum Vestena - Brasil
Ivo Dickmann - Brasil
José Eustáquio Romão - Brasil
Enise Barth Teixeira - Brasil

FICHA CATALOGRÁFICA
_______________________________________________________
D553v Dickmann, Ivanio
v. 3 DNA educação 3 / Ivanio Dickmann (org). – São Paulo:
Dialogar, 2018. (Coletânea de artigos da educação, 3).

ISBN 978-85-93711-40-4

1. Educação. I. Título.

CDD 370.1
_______________________________________________________

Ficha catalográfica elaborada por Karina Ramos – CRB 14/1056

EDITORA DIÁLOGO FREIRIANO


dialogar.contato@gmail.com

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DNA Educação

Ivanio Dickmann
[organizador]

DNA EDUCAÇÃO
Volume III

Diálogo Freiriano
São Paulo – SP
2018

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DNA Educação

ÍNDICE

EDUCAÇÃO – NOSSO COMPROMISSO.


Ivanio Dickmann ................................................................................. 6
O ESPAÇO DA POBREZA NO CURRÍCULO: O CASO DA
ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE MARILÂNDIA
Felipe Junior Mauricio Pomuchenq, Rosangela Stacul, Andrea Brandão Locatelli
........................................................................................................ 8
A IMPORTÂNCIA DAS AÇÕES DO GESTOR ESCOLAR
PARA UMA GESTÃO PARTICIPATIVA E DEMOCRÁTICA
EM UMA ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA.
Francisco Adriano de Freitas Ribeiro ...................................................... 28
A CONSCIÊNCIA COMO POSSIBILIDADE DE UM VIR A
SER EM PAULO FREIRE E CARL R. ROGERS
Gabriel Viana Ouriques de Oliveira ....................................................... 43
APRENDIZAGENS ORIUNDAS DO ESTÁGIO NA
DISCIPLINA DE DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR:
VISÕES DE PROFESSORES E ALUNOS
Gabriela Brum de Deus, Dieison Prestes da Silveira, Diego Pascoal Golle ........ 63
A FILOSOFIA COMO POSSIBILIDADE DE NATALIDADE:
UMA EXPERIÊNCIA DE CAFÉ FILOSÓFICO NO ENSINO
MÉDIO
Gilberto Oliari ................................................................................... 75
A ESCOLA E SEU PAPEL DE DESCONSTRUÇÃO DO
PRECONCEITO, DISCRIMINAÇÃO E RACISMO NA SALA
DE AULA.
Hélis Cristina Alves de Lima ................................................................ 91
DE CROMOSSOMOS A COMO SOMOS:
RESSIGNIFICANDO O ESTUDO DA FISIOLOGIA PARA
PSICOLOGIA
Igor Iuco Castro-Silva, Jesús Alberto Perez Guerrero, Jacques Antonio Cavalcante
Maciel ............................................................................................ 107
EDUCAÇÃO, LITERATURA E DIREITO COMO TELA DOS
CONFLITOS ATUAIS
Isaura Cleide Laurindo de Omena ........................................................ 126

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DNA Educação

INOVAÇÃO PEDAGÓGICA NA APRENDIZAGEM DA


LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS: OS ALUNOS NA
CRIAÇÃO DE VÍDEOS EDUCATIVOS
Jacqueline Deodato Lima.................................................................... 140
A ADOLESCÊNCIA, A ALFABETIZAÇÃO E O PROCESSO
DE IN/EXCLUSÃO SOCIAL: DIÁLOGOS À LUZ DA
PSICOLOGIA HISTÓRICO CULTURAL
Janaína de Souza Silva ...................................................................... 163
A EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO POPULAR FREIREANA:
A VITÓRIA DOS VENCIDOS
Janaina Santana da Costa, Magna Vieira de Sousa, Admário Luiz de Almeida
.....................................................................................................181
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E ORGANIZAÇÃO
DO TRABALHO PEDAGÓGICA: QUESTÕES PARA
DEBATE, DESAFIOS À PRÁTICA PEDAGÓGICA.
Jean Carlos Barbosa dos Santos ........................................................... 207
A ATUAÇÃO DA MULHER NEGRA NA DOCÊNCIA NO
ENSINO DE 1º AO 5º ANO NO MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO
DO SÓTER – MA
Jeilson De Oliveira Moisés .................................................................. 226
A GENÉTICA AUTORITÁRIA NO JORNAL A UNIÃO
ENTRE 1964 E 1969 E A EDUCAÇÃO
João Batista Barbosa da Silva.............................................................. 254
RAIMUNDO CARNEIRO CORRÊA, EDUCADOR-
ESCRITOR-PERSONALIDADE ESPERANTINOPENSE: UM
GIRO POR SUA BIOGRAFIA.
João Israel da Silva Azevedo ............................................................... 272
PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS E CONTEMPORÂNEOS DA
EDUCAÇÃO PÚBLICA NO SISTEMA HEGEMÔNICO DO
CAPITAL: UMA REFLEXÃO MARXISTA
João Luís Coletto da Silva .................................................................. 287

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DNA Educação

EDUCAÇÃO – NOSSO COMPROMISSO.

Com muita alegria e satisfação apresentamos ao você leitor e


leitora nossa nova coletânea de artigos DNA Educação. Como seu
próprio nome sinaliza, é uma seleção de artigos escritos por quem
incorpora no mais íntimo de seu ser o compromisso vital com a educação
no Brasil e dá sua vida para transformar os espaços pedagógicos em
lugares de ensino-aprendizagem onde a mudança se faz pelo fazer destes
educadores e educadoras.
Nossa editora se orgulha de ter escolhido a Educação como luz
que ilumina nosso trabalho! Queremos, como também querem estes
articulistas, que os processos educativos sejam reconhecidos como
fundantes de uma nova sociedade mais justa e inclusiva, que muda a vida
das pessoas, que mudam o mundo a partir de nova visão da realidade
construída a partir da intervenção crítica de professores e professoras
comprometidas com esta nova sociedade.
Não importa o espaço pedagógico que cada um de nós atua,
pode ser uma escola, um sindicato, uma universidade, uma organização
não governamental, uma associação comunitária, todos estes lugares
devem ser entendidos como espaços pedagógicos e não podemos
negligenciar esta perspectiva, sob pena de não dialogarmos sobre como
podemos produzir conhecimento nas relações de ensino-aprendizagem
presentes nos encontros com alunos/as, com os universitários, com o
público atendido na ONG, com os associados/as da entidade de base.
Educação não é uma panaceia. Temos que ter isso presente.
Contudo, sem ela pouco podemos conceber sobre transformações
consistentes em vista de um novo mundo. Essa consciência é
fundamental para sustentarmos a pertinência da educação em nosso
tempo. E quando sustentamos essa ideia – que é uma ideia de prática –
na verdade estamos sustentando tudo o que envolve a complexidade dos
processos educativos, o que inclui – inevitavelmente – as políticas
públicas de educação. Não há processo pela metade, se cremos que a
educação é importante, precisamos estar prontos para contribuir e
debater sobre os processos políticos envolvidos.

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DNA Educação

Além do mais, não há sociedade organizada e que avance sem


uma política pública bem organizadas, e isso passa pelas políticas sociais,
nas quais a educação está inserida. Não estamos projetando um time de
educadores panfletários e que só pensem em política 24 horas por dia,
não é isso. Mas, queremos estimular o envolvimento político de cada
educador/a em espaços onde podem interferir e ajudar a consolidar uma
perspectiva de mundo baseada na participação e no diálogo das
diferentes ideias. Assim, o mundo vai se ajustando e avançando.
Ter o DNA da Educação é ser pleno na sua concepção de
educador e educadora. Quem tem o DNA da Educação assume por
completo sua tarefa histórica de educar. Precisamos de mais gente com
este DNA encrustado na sua base genética. Os autores e as autoras dos
artigos que você vai ler nesta coletânea tem esta marca. São pessoas que,
além de fazer, dispensam tempo para elaborar suas ações, refletir sobre
seu próprio fazer. Mais ainda, custeiam coletivamente esta publicação e
compartilham suas boas práticas para que possamos aprender com elas,
avançar sobre seus ombros e ver mais longe.
O compromisso – eu estou usando muito esta palavra nesta
apresentação propositalmente – de quem educa é fazer o melhor possível
com o que se tem e partilhar nossos erros e acertos para que todos
possamos crescer mais rápido. Compartilhar é gesto nobre e revelador.
Demonstra o compromisso daquele/a que partilha com um projeto
maior que o seu, um compromisso com outros educadores e educadoras
que vão poder usufruir deste saber para que outras vidas sejam tocadas
e transformadas.
Boa leitura amigos e amigas. Queremos poder tocar vocês que
nos leem também. Que nossos textos possam ser úteis. Que nossos
esforços sejam parte desta construção coletiva que é o processo edu-
cativo. Que possamos nos encontrar na escola da vida e compartilhar
abraços e compromissos em comum. Nossa esperança é que depois
desta leitura seu fazer pedagógico seja mais pleno e leve um pouco de
cada um de nós contigo.
Um grande abraço e força na luta!
IVANIO DICKMANN
Organizador do DNA Educação

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DNA Educação

O ESPAÇO DA POBREZA NO CURRÍCULO:


O CASO DA ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE
MARILÂNDIA

Felipe Junior Mauricio Pomuchenq1


Rosangela Stacul2
Andrea Brandão Locatelli3

RESUMO:
Este trabalho investiga o espaço da Pobreza no Currículo da Escola
Família Agrícola de Marilândia (EFAM), onde se verifica certo
distanciamento do currículo da escola com o tema pesquisado (Pobreza
e Desigualdade Social), o que provoca certa inquietação por parte do
pesquisador em vista de rever a práxis dos educadores na EFAM. A
pesquisa aponta para a necessidade de repensar o currículo prescrito da
escola, devendo a instituição dialogar com a realidade que a sustenta, e
extrair da mesma os elementos centrais que devem ser aprofundados nas
disciplinas, tornando a aprendizagem um processo dinâmico.
Palavras-chave: Currículo. Pobreza. Desigualdade Social.
ABSTRACT:
This paper Investigates the scope of Poverty in the Curriculum of Escola
Família Agrícola de Marilândia (EFAM), where there is a certain
distancing from the school curriculum with the topic researched (Poverty
and Social Inequality), which causes some concern by the researcher in
order to review the praxis of educators in EFAM. There search points

1 Graduado em Ciências Biológicas (UNIMES, 2014), Educação do Campo (UFV, 2018), Espe-
cialista em Educação, Pobreza e Desigualdade Social (UFES, 2017), Mestrando em Ensino na
Educação Básica (UFES/CEUNES), é professor da Educação Básica na Escola Família Agrícola
de Marilândia.
2 Graduada em História pela FUNCAB, especialista em Planejamento Educacional e Gestão Es-

colar. Atuou na Superintendência Regional de Educação de Colatina-ES. Tutora do curso de


Especialização em Filosofia e Psicanálise - UFES. Coordenadora Pedagógica de escola de
tempo integral.
3 Graduação em Educação Física (1993), Mestrado (2007) e Doutorado (2012) em Educação

pela Universidade Federal do Espírito Santo/UFES. Pesquisadora do Instituto de Pesquisa em


Educação e Educação Física/Proteoria/UFES; e professora na Universidade Federal do Espírito
Santo/UFES.

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DNA Educação

to the need to rethink the prescribed curriculum, and the school


institution dialogue with reality that sustains it, and extract the same core
elements that should be fleshed out in the disciplines, making learning a
processes dynamic.
Keywords: Curriculum. Poverty. Social Inequality
Introdução
Refletir o currículo é de grande importância para se
compreender o papel da escola frente às diversas mudanças que a
sociedade atravessa, possibilitando delinear os caminhos necessários que
a educação escolar deve realizar na perspectiva de atuar de acordo com
a sua realidade. Associar as reflexões do currículo com o tema da Pobreza
e da Desigualdade Social é fundamental para pesquisarmos e
analisarmos, os distanciamentos entre estes temas dentro do contexto da
Escola Família Agrícola de Marilândia (EFAM), e diante dos elementos
e informações colhidas, propor alternativas de mudanças e aprimora-
mentos necessários para que a escola atue respeitando a diversidade de
público por ela atendida.
O problema de pesquisa está no fato da escola atender um
grande número de estudantes cadastrados no Programa Bolsa Família,
cerca de 34,72% no ano de 2016, ou seja, a mesma possui estudantes em
situação de pobreza, desta forma, questionamos qual o espaço da
pobreza no currículo da Escola Família Agrícola de Marilândia? As
práticas pedagógicas adotadas pela escola contribuem para que o
estudante em situação de pobreza se situe como parte da sociedade?
Desta forma, objetiva-se com este trabalho Conhecer e refletir
o currículo da EFA de Marilândia e sua atuação frente à pobreza, levando
em consideração os estudantes cadastrados no Programa Bolsa Família,
investigando o currículo prescrito e a prática educativa; Identificar os
estudantes em situação de pobreza da escola Família Agrícola de
Marilândia; e Suscitar um repensar das práticas educativas da escola e seu
currículo visando a integralização da diversidade de públicos atendidos
pela escola.
Utilizamos pesquisa qualitativa, apropriando-se de métodos
como análise documental e roteiro semiestruturado de pesquisa. Estuda

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DNA Educação

o currículo do Ensino Fundamental Séries Finais e do Ensino Médio da


Escola, além de documentos na Secretaria escolar e entrevista com
educadores da área de ciências humanas.
A EFAM localiza-se no município de Marilândia norte do
estado do Espírito Santo, numa região fortemente ligada à agricultura
(como fonte de renda econômica), sustentada por sua vez pela cultura
do café conilon, sendo que o contexto agrário da região é predominan-
temente caracterizado por pequenas propriedades e pela agricultura
Familiar. Os trabalhos de base para a implantação da EFAM se iniciaram
no ano de 1995, onde diversos movimentos e organizações da sociedade
civil se organizaram em torno deste objetivo, pois era notável certa
desvalorização aos camponeses, em não possuírem uma educação
própria a sua realidade.
Em 1997 a escola iniciou suas atividades, sendo que a princípio
a mesma possuía somente estudantes dos anos finais do ensino
fundamental, egressos na sua grande maioria das comunidades rurais dos
municípios de Marilândia e Linhares. Com a consolidação da escola no
município, percebeu-se a necessidade da ampliação da oferta do ensino,
sendo que em 2008 a escola iniciou o Ensino Médio e o Curso Técnico
em Agropecuária, possibilitando que muitos estudantes pudessem sair da
escola com uma profissão, dando condições para sua permanência no
campo ou em atividades a ele relacionadas.
A EFAM utiliza da Alternância como proposta de trabalho,
onde se alterna os tempos e espaços de aprendizagem, dialogando com
a realidade e possuindo instrumentos próprios que a caracterizam,
tornando-se uma pedagogia complexa e capaz de trazer reflexões
embasadas na realidade do estudante. A Alternância se materializa nas
estruturas de Educação Escolar no ano de 1935 na França, onde um
grupo de agricultores, apoiados pelos movimentos sociais e pela Igreja
Católica percebem a necessidade de uma escola que dialogasse com a
realidade, respeitando a diversidade, possibilitando que os jovens do
campo, que na sua grande maioria eram agricultores pudessem estudar e
continuar com suas atividades agropecuárias.
Foi no Sudoeste da França, especificamente em Lot-et-
Garone que, em 1935, teve início a experiência que viria

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DNA Educação

permitir a criação da primeira Maison Familiale Rurale no


modelo orientador de diversas experiências de formação em
alternância que hoje se multiplicam pelo Brasil. Esta
Experiência inicial foi marcada em sua base, conforme nos
relata Chartier (1986), pela organização de um grupo de
famílias de pequenos agricultores na busca de uma
alternativa de formação para seus filhos. (SILVA, 2012,
p.35).
Pobreza: conceitos, manifestações e implicações
A sociedade busca dar conceitos a pobreza, porém, são
diferentes as interpretações de pobreza na humanidade, por isso é
preciso destacar que não é intensão deste estudo dizer que um está
correto e outro está errado, mas que ao analisar os conceitos teóricos, e
observar a prática, é possível fazer reflexões em torno deste tema. Uma
visão ingênua de pobreza é a Moralista, no qual atribuiu aos pobres à
culpa de estarem nesta condição. Esta visão por sua vez não enxerga a
totalidade que envolve a pobreza, mas sim as partes de forma isolada,
pois uma pessoa que se encontra desempregado devido não ter a
formação adequada é considerado por muitos como preguiçoso, sendo
preciso questionar o motivo desta não formação, sua cor, gênero, etnia,
dentre outros aspectos.
Enquanto não se dá a centralidade devida às carências
materiais da pobreza, a tendência será reduzi-la a uma
questão moral, à falta de valores, a mentalidades primitivas
em relação ao trabalho. Com base nessa visão, os(as) pobres
estariam desempregados(as) porque seriam indolentes. É
principalmente dessa forma que esses sujeitos têm sido
pensados em nossa cultura social: responsáveis por sua
pobreza e desemprego. (ARROYO, 2015, p.10).
Outra visão de pobreza é aquela ligada ao trabalho, ou seja, a
pobreza existe para quem não trabalha. Arroyo (2015, p.12) destaca que
nesta interpretação de pobreza “Perpetua-se a ideia de que os(as) pobres
estão nesta condição por não trabalharem e não encontram trabalho por
que não teriam a qualificação e a competência exigidas pelo mercado,
cada vez mais seletivo”. É preciso destacar dois aspectos sobre esta
interpretação de pobreza, o primeiro é que a mesma nega os aspectos
históricos de acesso à educação pela sociedade, onde sempre se privile-

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DNA Educação

giaram as classes dominantes (na sua maioria homens e brancos). O se-


gundo aspecto nos remete a escola, pois esta na atualidade para dar
resposta (de forma ingênua) à sociedade “pobre” atribui-lhes um cur-
rículo próprio, muitas vezes tecnicista, que visa dar as crianças às
competências para terem um emprego.
Essa interpretação de que os(as) pobres são pobres porque
não querem trabalhar parte de uma visão ingênua acerca dos
processos sociais, econômicos e das relações políticas que
regem o desenvolvimento econômico e a apropriação da
riqueza, sua concentração e sua apropriação nas relações de
classe (ARROYO, 2015, p.13).
Arroyo (2015, p.17) afirma que a pobreza é uma questão “social
e política”, pois a mesma está interligada a outros processos sociais, e
não somente a uma interpretação corretiva/moralista ou ligada ao
trabalho, pois enquanto houver pobres, haverá sujeitos que lucram com
esta realidade. Nesta perspectiva, Rego e Pinzani (2015, p.19), destacam
que “Um erro comum é o de identificar a pobreza com um baixo nível
de renda ou de riqueza”, sendo que as visões anteriores estão na sua
interioridade relacionadas com o fato de ter ou não dinheiro.
É preciso ainda debater como a pobreza é produzida, pois a
forma de sua produção dialoga com a forma na qual à enxergamos, e
para iniciar este diálogo, é necessário afirmar que a pobreza é fruto de
injustas relações sociais, pois para existir o pobre (que é explorado), é
necessário alguém que o explore, fortalecendo a pirâmide do sistema
Capitalista, onde uma “pequena” elite domina o conhecimento, os meios
de produção e até mesmo a mão-de-obra da grande massa operária, que
por sua vez não se encontra organizada e articulada, facilitando meios de
manipulação e alienação.
Essa é uma história que perdura desde a colonização. A
produção dos(as) pobres é articulada e reforçada com os
processos sociais que conferem assimetria à diversidade,
reduzindo o diferente à condição de inferioridade. No
contexto social e político isso se deu pela expropriação
violenta de suas terras, seus territórios, suas culturas, suas
memórias, suas histórias, suas identidades, suas línguas, sua
visão de mundo e de si mesmos(as). Esses coletivos foram

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DNA Educação

decretados inferiores e mantidos à margem da produção


intelectual, cultural e ética da humanidade. (QUINJANO,
2005, APUD ARROYO, 2015, p.17).
Neste sentido, percebemos que a pobreza possui um ciclo,
proporcionando que ela se perdure na sociedade, alimentando um
sistema de desigualdade social, provocando que os sujeitos pobres sejam
excluídos de diversas políticas públicas, por muitas vezes não terem
acesso a um sistema de ensino que se preocupe com sua libertação.
Convém pontuar que a pobreza leva a falta de instrução,
uma vez que as crianças são obrigadas a deixar a escola para
trabalhar e ajudar a família, enquanto a falta de instrução
perpetua a pobreza, pois, sem instrução e qualificação, não
há como entrar no mundo do trabalho e sair dessa condição.
A exclusão econômica resulta, por sua vez, em exclusão
social e política, visto que os pobres passam a viver à
margem da sociedade, com pouca capacidade de se
organizarem para fazer com que suas vozes sejam ouvidas.
(REGO; PINZANI, 2015, p.7).
Portanto, a pobreza se manifesta na sociedade e também na
escola pelos próprios pobres, que por estarem nesta condição são
tratados muitas vezes como aqueles que precisam se humanizar
(ARROYO, 2015), e desta forma a pedagogia convencional, carente de
um diálogo profundo sobre este tema condiciona os educadores a
tratarem este tema de modo simples, como se não merecesse tamanha
atenção. A pobreza ainda se manifesta por haver nas escolas cerca de 17
milhões de crianças e adolescentes cadastradas ao Programa Bolsa
Família segundo o Censo Escolar de 2013, ou seja, possuímos uma
pedagogia invisível à pobreza que está no chão da escola Brasileira.
As relações entre pobreza e aprendizagem nos remetem a
associar a mesma com o sistema educacional vigente, lembrando que
muitas crianças e jovens pobres vão para a escola numa condição inferior
de aprendizagem devido suas condições sociais e familiares, possuindo
em alguns a esperança de na escola encontrar um espaço de sociabilidade
e aprendizagem, o que não ocorre na maioria dos casos.
Sabe-se, no entanto, que a maioria de nossas escolas não se
preocupa e sequer considera relevante educar jovens para

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DNA Educação

fazer deles(as) cidadãos(ãs) ativos(as) politicamente. O que


se verifica, de fato é o abandono de um componente
fundamental da vida democrática: a educação no sentido
mais profundo do termo – que compreende a educação dos
sentimentos, da sensibilidade, do gosto, e da sociabilidade
em geral; enfim, a educação como formadora de identidade
e subjetividade -, em prol de uma mera formação profis-
sional e tecnicista cuja principal preocupação é a de gerar
lucro, não de formar cidadãs e cidadãos. (REGO;
PINZANI; 2015, p.27).
Diante destas reflexões percebemos que o sistema educacional
brasileiro não atende as demandas expressas pela sociedade, ou seja,
vivemos num sistema de ensino Homogêneo, que não enxerga as divers-
idades expressas nas desigualdades sociais, nas culturas, nas diferentes
etnias e povos que compõem as diferentes regiões do Brasil. Sendo
assim, este sistema por não enxergar a pobreza, por exemplo, se con-
cretiza como um sistema em crise, preocupado com os conteúdos e não
com os sujeitos, e desta forma possuímos escolas que reproduzem
valores e características do sistema hegemônico.
Logo, a escola pública, que deveria ser igual para todos,
acaba por reproduzir e reforçar as desigualdades econô-
micas, sociais e políticas presentes em nossa sociedade. O
processo de escolarização, ao longo da história, foi também
o processo de aniquilamento de muitas culturas tradicionais,
com suas formas distintas de pensar e viver o mundo,
trazendo, como consequência, um rastro de violência e
autoritarismo cultural e social. (LEITE, 2015, p.16).
Por ser uma escola desigual, a mesma possui conteúdos e
metodologias que não atendem a diversidade, sendo os métodos de ava-
liação capazes de tornar os estudantes na condição de pobreza repeten-
tes, pois não tem acesso a outras fontes de pesquisa, materiais didáticos,
enfim, o processo de exclusão se reafirma com os índices de reprovação
e evasão escolar nas escolas públicas, pois como destaca Leite (2015,
p.25) “Na realidade, o que fracassa é esse sistema de ensino escolar que
impõe um mesmo modelo de racionalidade, próprio dos grupos que
estão no poder, e depois cobra dos sujeitos tão diversos o mesmo
rendimento”.

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DNA Educação

Outra implicação que as estruturas escolares atuais trazem é


quanto ao acesso à escola, pois “Dentro de uma mesma cidade e ampara-
das pelas mesmas legislações e políticas, diferentes crianças e jovens não
tem acesso aos mesmos direitos” (LEITE; 2015, p.14), e a escola é um
exemplo deste direito. Além da infraestrutura o próprio acesso é prejudi-
cado, pois muitas vezes os estudantes são obrigados a não estudarem ou
abandonar os estudos devido à necessidade de trabalhar para ajudar a
família, ou por não encontrarem na escola o conhecimento que seja
realmente significativo e contextualizado.
Portanto é necessário destacar a importância de políticas
públicas como o Programa Bolsa Família, que deve ser interpretado
como uma política que garante a vida e o direito ao acesso à educação
pelas crianças e jovens em situação de pobreza. Este programa possibilita
que muitos estudantes adentrem pelos espaços escolares e não
necessitam abandonar os estudos por falta de recursos para sua
manutenção, contribuindo para diminuir os índices de analfabetismo, de
reprovação e evasão escolar.
Escola, currículo e pobreza
Ao debater a pobreza e o currículo, na perspectiva de fazer a
crítica apontando também possíveis caminhos para esta construção, é
necessário dialogar antes sobre qual a função social que a escola assume,
e em especial quando recebe inúmeros estudantes na condição de pobre-
za como é o caso da escola pública Brasileira. Bueno (2001, p.5) destaca
que “A Escola foi delegada a função de formação das novas gerações em
termos de acesso a cultura socialmente valorizada, de formação do cida-
dão e de constituição do sujeito Social”, com esta afirmativa o autor
destaca a importância de cunho social que a escola possui, ou seja, como
espaço de relacionamento e de integração dos estudantes.
Isto é, a escola, por suas características peculiares, talvez seja
o único espaço social em que podemos atuar com o conheci-
mento como forma de crescimento pessoal, isto é, de
considerar e de colocar em prática que “ampliar o conheci-
mento pessoal é meio para se lidar melhor com o próprio
conhecimento”. (BUENO, 2001, p.106).

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DNA Educação

Percebemos, portanto, que o acesso à educação pelos pobres


garantido pelo processo de universalização da educação se apresenta
também como um desafio, pois as instituições escolares não estão
preparadas para receber estas crianças, afinal os conhecimentos ali
difundidos são construídos numa perspectiva empregatícia da educação,
ou seja, formar mão-de-obra para o mercado. Libâneo (2012) evidencia
que as diferentes propostas de educação vão de encontro na perspectiva
de currículos diferentes, para públicos diferentes com um interesse
neoliberal de sustentação da classe rica e submissão dos pobres.
Ambas as posições explicitariam tendências polarizadas,
indicando o dualismo da escola brasileira em que, num
extremo estaria a escola assentada no conhecimento, na
aprendizagem e nas tecnologias, voltada aos filhos dos ricos,
e, em outro a escola do acolhimento social, da integração
social, voltada aos pobres e dedicada, primordialmente, a
missões sociais de assistência e apoio às crianças.
(LIBÂNEO, 2012, p.16).
Neste aspecto das possíveis vertentes que a escola pública
possui, é preciso destacar que a instituição escolar para os pobres se
preocupa em “aprendizagem mínima” (LIBÂNEO, 2012, p.23), nesta
perspectiva é necessário que o estudante tenha pequenas instruções, seja
acolhido na escola, mas não compreenda sua condição para uma auto
intervenção, ou seja, o educando pobre terá acesso à escola, mas nem
sempre em profundidade ao conhecimento científico, visto que a escola
não foi e é pensada para ele, sendo uma causa de insatisfações ao ensino
público.
O insucesso da escola pública deve-se ao fato de ela ser
tradicional, estar baseada no conteúdo, ser autoritária e, com
isso, constituir-se como uma escola que reprova, exclui os
mal sucedidos, discrimina os pobres, leva ao abandono da
escola e à resistência violenta dos alunos etc. (LIBÂNEO,
2012, p.21).
Diante disso, é preciso que a escola seja espaço de encontro
com o científico, que o estudante possa compreender os fenômenos da
sua realidade com o auxílio da ciência, que esta não seja privilégio para
uns, mas um compromisso que a escola deve assumir com seus sujeitos

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DNA Educação

e assim sair da perspectiva somente da inclusão e da sociabilidade. “Em


síntese, trata-se, por um lado, de uma escola que visa à formação cultural
e científica, isto é, ao domínio do saber sistematizado mediante o qual se
promove o desenvolvimento de capacidades intelectuais, como condição
de assegurar o direito à semelhança, à igualdade”. (LIBÂNEO, 2012,
p.26).
A escola possui a função de levar o conhecimento, sendo que
na atualidade percebemos “escolas para ricos, e escolas para pobres”,
assim os conteúdos trabalhados variam de acordo com os sujeitos e suas
condições socioeconômicas, portanto, é primordial debater o currículo,
pois ele é uma das principais formas para sustentar as mudanças nas
estruturas escolares que são necessárias para que o conhecimento seja
disponível para todos. O currículo, na perspectiva da Função da escola
enquanto espaço apenas de relações sociais, segundo Arroyo (2015, p.11)
“Serão currículos pobres de conhecimentos e repletos de bons conselhos
morais de esforço, trabalho, dedicação e disciplina”. Portanto, devemos
nos atentar o olhar para o interior de nossas escolas, pois sua prática
encontra-se fundamentada no seu currículo, assim como a
intencionalidade do ensino não será a mesma.
O currículo ainda deve ser compreendido como um projeto em
construção na escola, e deve estar pautado na realidade e nos anseios de
seus sujeitos, trazendo aos educandos elementos e teorias que dialoguem
com suas condições e experiências de vida, tornando o processo de
ensino aprendizagem mais prazeroso. O currículo é espaço de confronto
de ideias, e desta forma o mesmo não se estrutura numa neutralidade,
mas se constrói e interfere na realidade a partir destes diálogos entre
teorias, práticas, saberes de diferentes sujeitos.
Portanto, o currículo deve ser considerado como elemento
que desencadeia questões desafiadoras capazes de nortear o
conhecimento, o qual seja contextualizado e provoque
mudanças que sistematizem a aprendizagem de forma
bilateral: dentro e fora da escola. [...] Assim, o currículo
configura-se em conjunto de práticas, valores e motivações
que constituem no cerne da atividade escolar. Ele é flexível,
está vinculado as questões indenitárias e é cheio de
intencionalidade, além disso se apresenta de forma implícita

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DNA Educação

ou explicita. Deve ser construído e reconstruído


considerando as dimensões pedagógicas, administrativa e
comunitária da escola. (MARTINS; SANTOS; CURCINO;
2016).
As reflexões apresentadas pelos autores acima destacam ainda
a relação do currículo com o contexto da escola e de sua realidade, ele
pode e deve interagir com o meio, e as mudanças ocorreram para além
dos muros da escola, onde os educandos se reconheceram como sujeitos
de direitos. É preciso esclarecer que o currículo não irá resolver todos os
problemas da escola pública, mas é dele que brota os conteúdos, as
intervenções e os anseios que serão desenvolvidos na escola e em seu
meio.
O currículo é, portanto um instrumento de poder da escola,
sendo utilizado para manter ou propiciar mudanças na formação dos
estudantes. Quando a escola atua numa perspectiva de formação de
empregados, sujeitos acríticos, numa linha neoliberal a mesma acaba por
utilizar-se do currículo para alimentar as necessidades do capital, onde os
jovens e as crianças apenas socializam na escola, mas não absorvem a
ciência como fundamental na sua formação para o mundo do trabalho e
na intervenção social.
Diante disso, faz-se necessário pensar além das fronteiras da
escola como ponto de partida para a reflexão e para o
diálogo que possa democratizar a educação, construir uma
visão curricular multicultural contrapondo assim, aos
currículos que se concentram entre grupos dominantes e
dominados para definir o que conta como conhecimento.
Esta definição implica em poder para quem seleciona e
privilegia o que e como deve ser ensinado. (MARTINS;
SANTOS; CURCINO; 2016).
Na perspectiva da educação do campo, muitos desafios citados
acima também são comuns, e ainda com um maior agravante, pois os
conteúdos estabelecidos na maioria das vezes são oriundos de currículos
das escolas localizadas nas cidades, sendo outro desafio para esta
proposta de educação, como destaca Lima (2013, p.10) “Historicamente
as escolas do campo foram pensadas a partir do modelo de educação

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DNA Educação

implementado na cidade, desconsiderando as especificidades sociais,


culturais, econômicas, políticas e ambientais do mundo rural”.
Outra contradição que percebemos no campo da educação do
campo é em relação ao currículo proposto pelos movimentos sociais, e
pelo que se efetiva pelo estado, sendo na maioria dos casos uma inversão
no que se propõem, pois a pauta pela educação do campo requer
esforços numa perspectiva de aprendizagem coletiva e de construção do
conhecimento científico ancorado na realidade, o que os modelos
urbanos de educação implementados pelo “Estado” são ineficientes na
sua resposta.
No que se refere à participação do estado na política
curricular para a educação do campo, entendemos que o
conflito está no fato de que os movimentos, mais que
receber propostas curriculares prontas e acabadas, esperam
que o estado ofereça condições para que os próprios
movimentos estruturem suas propostas e as legitimem como
parte da própria luta coletiva. (THIESEN; OLIVEIRA;
2012, p.26).
Lima (2013) apresenta que na construção do currículo na
educação do campo, é preciso que se tenha um olhar especial aos sujeitos
que irão adentrar no currículo, ou seja, os estudantes à medida que
estudam e aprofundam seus conhecimentos.
Assim, o currículo das escolas do campo tem que considerar
os alunos como sujeitos do conhecimento e atores
históricos e sociais, possibilitando um diálogo entre os
diferentes saberes que se entrecruzam no cotidiano da escola
[...] Os currículos do campo devem permitir uma integração
entre os conhecimentos científicos e os saberes populares,
entre as experiências educativas vivenciada nas escolas com
as práticas socioeducativas vivenciadas pelos alunos.
(LIMA, 2013, p.613).
Arroyo (2015) esclarece que inserir o tema da pobreza no
currículo é um desafio, ou seja, é uma constante luta a inserção e prática
deste tema nos espaços escolares, pois a escola seria um dos espaços para
superar a pobreza, mas ao analisar todo o contexto percebe-se que esta
acaba gerando empregados, pois “Os currículos têm ignorado a pobreza
e os(as) pobres como coletivos, e isso resulta exatamente no oposto do

19
DNA Educação

que se promete, pois contribuiu para manter os indivíduos atolados em


formas de viver distantes” (ARROYO, 2015, p.12).
Por fim, é preciso destacar ainda dois aspectos quando se pensa
na interligação do currículo com a pobreza segundo Arroyo (2015, p.10),
primeiro é preciso “Romper com a concepção moralizante da pobreza”
e em seguida “Romper com a concepção hegemônica do
conhecimento”, portanto, estamos diante de uma longa construção, pois
é fundamental repensar práticas de nossas escolas associadas a sua
função social, consequentemente é necessário no contexto da escola
pública (além da educação do campo) rever nossos currículos e as
práticas docentes, pois assim a relação ensino-aprendizagem acontecerá
de forma dinâmica e contextualizada, abordando o tema da pobreza na
sua integridade. Destacamos ainda que o tema do currículo é amplo e sua
discussão não pode parar, pois este é um instrumento norteador da
práxis do educador.
Como professores(as), educadores(as) e gestores(as),
assumimos nosso dever profissional de garantir o direito
dos(as) alunos(as) ao conhecimento. O primeiro
conhecimento a que todo ser humano tem direito é
compreender-se no mundo, na sociedade, na história. O
saber-se pobre é o discernimento mais persistente nas vidas,
no passado e presente das famílias e comunidades
empobrecidas. (ARROYO, 2015, p.19).
A Escola Família Agrícola de Marilândia: algumas constatações
Para a realização desta pesquisa, foi-se utilizado o currículo da
escola e documentos da secretaria escolar, como as fichas individuais de
matrícula. O primeiro levantamento realizado foi à produção de um
diagnóstico socioeconômico dos estudantes da EFAM, na perspectiva
de identificar a presença em quantidade de estudantes economicamente
pobres, onde residem e sexo. Os dados estão expostos na tabela abaixo,
que são acompanhados de análises.

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DNA Educação

Tabela 01: D iagnóst ico S ocioeconômico da E FA de Mar ilândia


Sexo Egressos da
Egressos
Nº de Estudantes Cidade, Vilas
do Campo
Masculino Feminino e Distritos.
Nº 144 88 56 42 102
Total

% 100,0 61,11 38,89 29,17 70,83


Nº 50 28 22 10 40
Cadastrados

100
ao PBF

(34,72 do
% 56,00 44,00 20,00 80,00
total de
estudantes)
Fonte: Secretaria Escolar EFA Marilândia (2017).

Os dados acima deixam evidente a grande quantidade de


estudantes em condição de pobreza (com base no cadastro no PBF),
onde 34,72% dos estudantes que concluíram o ano letivo na escola em
2016 eram beneficiários do programa, sendo ainda na sua maioria
estudantes provenientes do campo (80,0%). Em relação ao campo, a
EFA possuiu estudantes com diversas origens, possuindo assentados,
acampados, meeiros, assalariados agrícolas e pequenos proprietários, e
desta forma reforça a diversidade que compõem a escola, não devendo a
mesma atuar numa estratégia de padronização dos conhecimentos, mas
de universalizar a ciência, respeitando as peculiaridades da realidade.
Com estes dados, realizamos novos questionamentos, reflexões
e críticas sobre o trabalho desenvolvido na escola, com o propósito de
contribuir para o fortalecimento de uma educação de qualidade de
acordo com a realidade. Os instrumentos e práticas pedagógicas estão
contribuindo para o reconhecimento dos educandos enquanto sujeitos
de direitos? Se a realidade apresenta uma determinada quantidade de
estudantes em situação de pobreza, os conhecimentos aprofundados no
currículo escolar contribuem para estas reflexões? Em fim, acreditamos
que estas e outras questões são necessárias para fazermos uma ponte
entre o que se encontra na escola e o executado pelos educadores.
Foi realizada ainda uma leitura do currículo da escola, com o
objetivo de identificar no mesmo os conteúdos que dialogavam com os
dados acima já apresentados. Ao realizar a leitura do currículo, não foi

21
DNA Educação

identificado em nenhum momento às palavras Pobreza e Desigualdade


Social, o que já mostra certa fragilidade do currículo para com o contexto
escolar da EFAM, e desta forma, não se cumpre por totalmente com os
princípios da própria alternância, que é o estudo partido da realidade.
Foram diagnosticados alguns conteúdos que mais se aproxi-
mam com o tema da Pobreza e da Desigualdade Social, estando todos
eles nas disciplinas de Ciências Humanas, sendo, por exemplo, em
Geografia no Ensino Fundamental (6º ano), onde o tema de estudo é “A
Fome em plena produção de grãos”, a mesma disciplina retorna um tema
parecido na 1ª série do Ensino Médio, sendo ele “No mundo há fome
em meio à abundância”, e por fim na disciplina de Sociologia também na
1ª série, “O que fortalece as classes sociais?” (tema que desdobrará nos
conteúdos de Sociedade desenvolvida e subdesenvolvida, e Cenários das
Desigualdades).
Este diagnóstico foi importante e ao mesmo tempo
preocupante, pois relata as fragilidades do currículo escolar, possibili-
tando que as estruturas da sociedade capitalista se reproduzam no
ambiente escolar. Esta distância entre realidade e currículo pouco
contribuem com as transformações sociais atribuídas a escola, possibi-
litando a transmissão dos conteúdos sem uma profunda análise e reflexão
crítica do mesmo. Realizamos as seguintes reflexões sobre o fato da
concentração de temas sociais apenas nas ciências humanas. A primeira
é de reafirmar a importância desta área do conhecimento no estudo do
ser humano e das relações sociais, contribuindo para a compreensão de
diversos processos injustos que ocorrem com certa “naturalidade” na
sociedade. A segunda reflexão baseia-se numa crítica ao currículo escolar,
pois a ausência destes temas em outras áreas contribui para a
fragmentação dos conteúdos, e consequentemente o estudo isolado
entre as disciplinas, sendo que a integração dos mesmos possibilita maior
aprendizagem por parte dos estudantes.
Tendo em vista que os conteúdos relacionados ao tema da
pobreza e da desigualdade social estavam ligados às ciências humanas,
foi realizada uma entrevista com os educadores de História, Geografia e
Sociologia. Todos possuem ensino superior, tendo as seguintes
formações: Geografia, História, Pedagogia, Biologia e Agronomia. Vale

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DNA Educação

destacar que o educador de Sociologia é formado em Agronomia, o que


de certa forma pode prejudicar a sua atuação profissional, já que o
mesmo não é habilitado para atuar também com esta disciplina (pois atua
ainda em várias disciplinas da área técnica).
Todos os educadores identificam sinais de pobreza e
desigualdade social nos estudantes da EFAM, através do contexto social
dos mesmos, conhecido pela escola através de um instrumento utilizado
que é a visita às famílias, como descreve um educador “Conhece através
do contato com as famílias, pelas condições de trabalho, e através de um
instrumento usado pela escola que é a visita às famílias”. Desta forma,
podemos perceber que este instrumento de visitar as famílias nas escolas
em alternância, contribui para analisar o contexto do estudante com seu
desenvolvimento na escola, possibilitando que posteriormente os
educadores desenvolvam mecanismos de inserção destas crianças e
jovens que historicamente vem sendo marginalizados.
Após identificar os estudantes nestas condições de vulnerabi-
lidade (pelas visitas as famílias e pelas manifestações dos estudantes,
como vestimentas, higiene), dois educadores asseguram que desenvol-
vem nas suas aulas reflexões sobre este tema, buscando que os estudantes
tomem consciência das injustas condições sociais que existe na sociedade
capitalista. Um educador assim descreve sua prática neste aspecto,
“Fazendo com que, o que é discutido em sala de aula, traga a este
estudante, uma reflexão crítica sobre os mais variados fatores que o leva
ou o mantêm naquela condição de miséria e desigualdade. Podendo
assim, buscar as condições necessárias, para se libertar das correntes que
o prende”. Esta expressão é valiosíssima, pois supera o currículo
prescrito, e a prática do educador está em conexão com a realidade, e
numa perspectiva de educação para a liberdade, onde o educando se
reconheça como sujeito de direitos.
Segundo outros educadores, este tema pode ser trabalhado em
diversos conteúdos das ciências humanas, em qualquer série. “É preciso
refletir, pois as injustiças sociais sempre atacaram os mais pobres e
humildes, como até nos dias de hoje ocorre” descreve uma educadora.
Outra educadora destaca que os estudantes em condição de pobreza, por
influências externas buscam se adequar as estruturas de moda padrão,

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DNA Educação

“Este processo se manifesta na escola, onde muitos estudantes em


condição de pobreza buscam chamar atenção, se adequando à moda
padrão e ao consumo”.
Por fim, quanto ao currículo da escola, dois educadores
destacam que o mesmo possibilita esta reflexão sobre o tema da Pobreza
e Desigualdade Social, sendo um elemento importante na pedagogia da
alternância, e assim destaca um educador “O mesmo possibilita explanar
e deixar claro os direitos do ser humano enquanto cidadão”. Uma terceira
educadora aborda uma reflexão da necessidade do currículo ser mais
amplo neste tema, devendo deixar de ser algo apenas das ciências
humanas, mas adentrar no cotidiano da escola, “O currículo deveria ser
mais “amplo” neste sentido, mas contribui com esta reflexão. É preciso
rever as práticas, ir além das ciências humanas, mas um trabalho conjunto
com toda a equipe, por exemplo, em projetos”.
Considerações Finais
Após estas reflexões e pesquisas quanto ao currículo, pobreza
e desigualdade social na EFAM, destaca-se a importância desta produção
para a compreensão da realidade escolar, dos sujeitos que nela se
encontram, as práticas pedagógicas e as possibilidades de transformações
da realidade por parte dos sujeitos que estão na escola. Acreditamos que
o problema de pesquisa que motivou toda esta produção, foi capaz de
refletir a proposta da escola e sua prática, verificando inclusive seus
distanciamentos e proximidades, compreendendo que o educador é
capaz de propiciar pequenas e grandes mudanças no cotidiano da escola,
sendo necessário que o mesmo perceba as necessidades e torne suas aulas
momentos de reflexão e pensamentos frente aos desafios da realidade,
numa perspectiva de mudança.
Importante frisar ainda o papel do currículo como motor das
reflexões, ele é capaz de aprisionar ou libertar os estudantes diante dos
conteúdos estudados. Neste sentido, o educador tem novamente papel
fundamental, podendo articular o currículo à realidade caso este processo
não ocorra, tornando o conhecimento científico acessível a todos numa
dinâmica de superação das desigualdades e compreendendo os fatos.

24
DNA Educação

Possibilitou a reflexão sobre a necessidade de mudanças nas


estruturas pedagógicas da EFAM, ou seja, primeiramente é preciso rever
o currículo prescrito da escola, em diálogo com o contexto social,
político e econômico dos estudantes matriculados na escola anualmente,
trazendo temas como Pobreza, Desigualdade Social e Direitos Humanos
de forma mais clara e com maior profundidade. Outra necessidade de
mudança que inclusive foi apresentada por uma educadora na entrevista,
foi de ampliar este debate a outras áreas do conhecimento da escola, ou
ainda desenvolver atividades interdisciplinares (como projetos) que
possam levar os estudantes a refletir e compreender que são sujeitos de
direito, independente de sua condição econômica e social.
Acreditamos que o currículo deve ser o local de encontro, desde
os anseios dos estudantes, sua realidade e a ciência, não menosprezando
os saberes acumulados e tragos pelos estudantes e educadores pela sua
trajetória de vida, mas articulando estes com o conhecimento científico,
o que é desafiador na prática educativa. É a prática do educador que pode
superar os muros do currículo formal, pois estes estão engessados numa
estrutura que pouco dialoga com a realidade acerca da pobreza e dos
pobres presentes na escola.

25
DNA Educação

Referências
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e Educação. Curso de Especialização em educação, Pobreza e
Desigualdade Social. Ministério da Educação. 2015. Disponível em
<catalogo.egpbf.mec.gov.br/módulos/intro>. Acesso em 10 de janeiro
de 2017.
ARROYO, Miguel G. Módulo IV: Pobreza e Currículo: Uma
Complexa Articulação. Curso de especialização em Educação, Pobreza
e Desigualdade Social. Ministério da Educação, 2015. Disponível em
<catalogo.egpbf.mec.gov.br/módulos/mod-1>. Acesso em 10 de
janeiro de 2017.
BUENO, José Geraldo Silveira. Função Social da Escola e
Organização do Trabalho Pedagógico. Revista Educar. Curitiba –
PR. N.17, p.101-110, 2001, Editora da UFPR.
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Político Pedagógico. Marilândia, 2015.
SILVEIRA, Denise Tolfo; CÓRDOVA, Fernanda Peixoto. Pesquisa
Científica. In: GERHARDT, Tataina Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo
(org.). Métodos de Pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.
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LEITE, Lúcia Helena Alvarez. Módulo III: Escola: espaços e tempos
de reprodução e resistência da pobreza. Curso de Especialização em
educação, Pobreza e Desigualdade Social. Ministério da Educação. 2015.
Disponível em <catalogo.egpbf.mec.gov.br/módulos/mod-4>. Acesso
em 10 de janeiro de 2017.
LIBÂNEO, José Carlos. O Dualismo da Escola Pública Brasileira:
escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento
social para os pobres. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.38, n.1, p.1-
28, 2012.
LIMA, Elmo de Souza. Educação do Campo, Currículo e
Diversidades Culturais. Espaço do Currículo. V.6, n.3, p.608-619,
Setembro a dezembro de 2013.
MARTINS, Maria Lúcia Anunciação; SANTOS, Juliana Gonçalves dos;
CURCINO, Robson Andre de Oliveira. Narrativa de Formação:
Partilhando saberes docentes sobre currículo contextualizado à realidade
do campo no município de Serrinha – BA. In: ENCONTRO BAIANO
DE EDUCAÇÃO DO CAMPO: TRABALHO, CONTRA-
HEGEMONIA E EMANCIPAÇÃO HUMANA. 2016, Salvador.
Anais Eletrônicos: Salvador, 2016, Disponível em:

26
DNA Educação

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c7d.pdf, Acesso em 10 de janeiro de 2017.
REGO, Walquiria Leão; PINZANI, Alessandro. Módulo I: Pobreza e
Cidadania. Curso de Especialização em educação, Pobreza e
Desigualdade Social. Ministério da Educação. 2015.
SILVA, Lourdes Helena da. As Experiências de formação de jovens
do campo: alternância ou alternâncias?. Curitiba, PR: CRV, 2012.
THIESEN, Juarez da Silva; OLIVEIRA, Marcos Antonio. O lugar do
Currículo na/da educação do campo no Brasil: aproximações e
teorias curriculares. Revista Educação pública. Cuiabá. V.21, n.45,
p.13-28, Janeiro e abril de 2012.

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DNA Educação

A IMPORTÂNCIA DAS AÇÕES DO GESTOR


ESCOLAR PARA UMA GESTÃO PARTICIPATIVA
E DEMOCRÁTICA EM UMA ESCOLA DE
EDUCAÇÃO BÁSICA.
Francisco Adriano de Freitas Ribeiro1

RESUMO:
Analisar as ações democráticas e participativas da gestão em uma escola
da rede municipal, é o objetivo principal desse estudo. A pesquisa de
cunho qualitativo encontra-se fundamentada em várias concepções e
ideias de autores que escrevem sobre esse assunto, como: Libâneo
(2015), Luck (2006) e Bastos (2009). A gestão participativa e democrática
é orientada por princípios que norteiam o sistema de ensino no Brasil.
Os dados coletados por entrevistas buscam conhecer a percepção dos
entrevistados sobre gestão democrática, bem como, a influência do
gestor para estabelecer elos entre a escola e a comunidade.
Palavras-chaves: Gestão Democrática. Educação. Gestor Escolar.
ABSTRACT:
This study aims to analyze democratic and participative actions of school
management in a public school. This qualitative research is based on the
concepts and ideas from authors that write about this subject such as
Libâneo (2015), Luck (2006) and Bastos (2009). Principles that clarify the
Brazilian teaching system guide both democratic and participative
management. Data collected through interviews aims to know the
perception of interviewees about democratic management as well as the
influence of managers to establish links between school and community.
Keywords: Democratic Management. Education. School Manager.

1Graduado em Pedagogia pela FNSL da Bahia, Especialista em Gestão e Coordenação Escolar


pela Faculdade Paulista de Serviço Social de São Caetano do Sul – FAPSS, Diretor Geral da
Escola Cantinho do Céu no município de Quixeré, Ceará. profadrianofreitas@gmail.com

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DNA Educação

Introdução
A temática da gestão escolar tem sido um assunto bastante
abordado em encontros, palestras e seminários por parte das instituições
de ensino e centros de estudos. O grande debate dar-se por meio da
relevante importância de uma gestão mais participativa e democrática nas
escolas. Ao longo do tempo, percebeu-se que a qualidade da gestão, os
tipos, modelos e a forma de gerenciar a escola, produzem um impacto
significativo na qualidade da educação e do ensino nas instituições.
O gestor escolar é de fundamental importância para a execução,
acompanhamento, articulação, supervisão e avaliação das atividades e
projetos realizados na escola. O processo democrático na escola nasce a
partir da competência do gestor no acompanhamento dessas ações.
Assim, é necessário que o gestor escolar busque um constante
aprimoramento didático, pedagógico e científico que lhe possibilite a
aplicação de práticas geradoras de resultados.
A gestão escolar consiste no processo de mobilização e
orientação do talento e esforço coletivos presentes na
escola, em associação com a organização de recursos e
processos para que a instituição desempenhe de forma
efetiva seu papel social e realize e seus objetivos
educacionais de formação dos seus alunos e promoção de
aprendizagem significativas. (CEDHAP, 2003, p.2 apud
LUCK, 2014, p.96).

A função do gestor dentro da escola vai para além do


administrativo, do gerenciamento de recursos e atendimento as
solicitações da secretaria de educação. É preciso que haja um
planejamento de gestão e que as ações planejadas sejam compartilhadas
com o grupo da escola, para que de maneira participativa e democrática,
tais ações se concretizem no espaço e assim a escola desenvolva sua
função na promoção de um ensino de qualidade.
Dessa maneira, esta pesquisa tem como objetivo, analisar e
conhecer as ações da gestão escolar e suas contribuições para uma gestão
participativa e democrática, como também perceber os principais
desafios enfrentados pela gestão para o desenvolvimento de práticas
participativas e democráticas no ambiente escolar.

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DNA Educação

Metodologicamente, adotou-se o tipo de pesquisa exploratória


qualitativa, com o objetivo de conhecer de forma mais subjetiva a visão
e os conceitos acerca do tema gestão escolar e participativa, por parte
dos entrevistados. Para a realização da coleta de dados, o procedimento
técnico utilizado foi a realização de entrevista semiestruturada de
natureza aplicada, buscando identificar as ações práticas do cotidiano
escolar que tem criado esse ambiente participativo e democrático, assim
como os principais desafios encontrados pela gestão na busca pela
qualidade do ensino, na visão dos entrevistados.
A relevância do trabalho pode ser considerada de irrefutável
indispensabilidade, pois busca conhecer as ações e práticas de
democratização do gestor escolar e sua atuação. Esse fato, portanto,
requer uma análise de como pensa e age a gestão da escola na concepção
dos entrevistados, propiciando um conhecimento científico e acadêmico
de diferentes práticas e opiniões. De posse dos resultados apresentados
por este trabalho, os acadêmicos e estudiosos do assunto poderão fazer
comparações com o que dizem os principais autores deste assunto, e
identificar ações positivas e negativas que ampliem seus conhecimentos,
sugerindo novas práticas, servindo como base para o desenvolvimento
de novas estratégias que melhor desempenhem o papel da gestão
democrática e participativa nas instituições de ensino.
Além da comunidade acadêmica, este trabalho tem grande
relevância para os principais envolvidos na rotina escolar: pais, alunos,
professores e gestores. O desfecho desta pesquisa contribui para
possíveis debates em reuniões de pais e comunidade escolar,
estabelecendo o aprimoramento das atividades realizadas pela gestão e
servirá como eixo de conhecimento por parte dos gestores da educação,
sendo esta uma pequena amostra da realidade a qual vivencia-se nesse
momento, auxiliando-os a tomar decisões no planejamento de estratégias
que contribuam para um avanço contínuo da gestão e da qualidade do
ensino. É como um processo de avaliação em uma escola que se abre
para uma gestão participativa e democrática, tornando-se fundamental o
conhecimento das práticas que devem nortear os caminhos a serem
percorridos, sempre focados no desenvolvimento de práticas
democráticas.

30
DNA Educação

Desenvolvimento
Breve histórico da gestão escolar
Ao longo do século XIX, início do século XX, a educação
passava por constantes modificações, como tem sido até hoje devido as
novas tendências educacionais e o avanço das tecnologias que tem
adentrado no nosso cotidiano. Porém, nesse período, a gestão escolar era
ainda pouco difundida no Brasil. O gestor escolar era visto como
administrador, como de fato é, todavia, a formação obtida na época era
de um conhecimento conceitual e estava atrelado a formação
administrativa empresarial. Assim, a escola era vista como uma empresa
em que a gestão conduzia os trabalhos de forma mecânica na perspetiva
administrativa, ditatória e fiscalizadora.
Atualmente, com as novas tendências da educação, muita coisa
mudou no contexto escolar, a forma de organização e estruturação do
sistema de ensino, obedecem regras e normas criadas para a formalização
das instituições e de seus currículos. Atualmente o CEE (Conselho
Estadual de Educação) que é o órgão normativo, deliberativo e
consultivo do sistema de educação no Ceará, conforme art. 230 da
Constituição Estadual do Ceará, orienta e exige que os diretores devem
possuir formação específica na área de gestão de acordo com resolução
414/2006 do CEE, deixando para trás a concepção administrativa
empresarial do século XIX.
A LDB 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) é a lei
orgânica e geral da educação brasileira. Nela está contida os princípios e
diretrizes para a organização do sistema de ensino, mais precisamente no
art. 3º inciso VIII, a lei dispõe da seguinte garantia: “gestão democrática
do ensino público, na forma desta lei e na legislação dos sistemas de
ensino” (BRASIL, 2012 p. 10). Nesse contexto de gestão democrática,
cabe salientar em vários aspectos o que seria essa gestão democrática no
cotidiano escolar. Além dela, existe ainda os órgãos competentes como
CNE (Conselho Nacional de Educação) em instância nacional e os CEE
(Conselhos Estaduais de Educação) na instância estadual juntamente
com as SME (Secretarias Municipais de Educação), para fiscalizar e
assegurar o cumprimento das normas contidas na lei.

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DNA Educação

O debate do processo democrático e participativo ainda é


muito superficial no cotidiano da escola e pode muitas vezes se resumir
às práticas e reuniões do conselho escolar como forma de
democratização da instituição. O gestor escolar é o principal líder para
cultivar uma cultura democrática dentro da escola, responsável por
mobilizar toda a comunidade escolar para juntos traçarem os objetivos,
propondo ideias, articular as pessoas e construir uma educação
transformadora do meio social (LIBÂNEO, 2015).
O gestor escolar tem papel fundamental em uma instituição de
ensino, é de sua responsabilidade garantir o andamento das atividades
cotidianas e também em promover uma boa qualidade de ensino. O
gestor precisa ter uma visão ampla de todas as áreas da sua instituição
seja ela administrativa, didática, pedagógica ou financeira a fim de
impulsionar cada vez mais o seu desenvolvimento (LIBÂNEO, 2015).
Luck apresenta algumas teorias focadas na participação e na
gestão democrática:
O estilo democrático se assenta sobre a participação e sobre
a tomada de decisão compartilhada, seguida de ações
colaborativas, em que, em equipe, os membros da
organização assumem responsabilidades conjuntas, pelo seu
desenvolvimento e realização dos objetivos elevados. Ele
está associado à criação de uma cultura de liderança
disseminada em toda a organização, e portanto, altamente
compatível com os objetivos educacionais de formação para
a cidadania (LUCK, 2014 p. 78).
O gestor em um modelo de prática democrática, só tem a
favorecer o sucesso da escola na realização do seu trabalho em conjunto
com a comunidade escolar, pode de maneira responsável, participativa e
compartilhada, assegurar o alcance dos objetivos propostos a qual a
instituição de propõe. A partir dessa visão, o gestor deve nutrir um
ambiente para que os membros possam expor suas ideias e opiniões, de
forma que toda a escola esteja participando da tomada de decisões e do
cotidiano da escola.
Dessa forma, o ambiente escolar é organizado de maneira que
contribui para a eficácia do ensino e da aprendizagem. O gestor compõe
uma equipe de profissionais para o gerenciamento e a manutenção das

32
DNA Educação

atividades escolares de forma coletiva e articulada, fomentando assim, a


consciência e a responsabilidade que cada um tem na realização dos
trabalhos na escola.
Resultados e discussão
A presente pesquisa foi realizada em uma escola localizada na
zona urbana da cidade de Quixeré. Em 2017 a escola atendeu as
modalidades do ensino fundamental que contempla os anos iniciais do
1º ao 5º ano, com um total de 168 alunos, os anos finais do ensino
fundamental formado pelas turmas do 6º ao 9º ano com 259 alunos, e o
EJA (Educação e Jovens e Adultos) com 39 alunos, totalizando 427
alunos nos turnos manhã, tarde e noite respectivamente. Sendo destes,
15 alunos inclusos nas salas regulares com as seguintes deficiências: baixa
visão, deficiência intelectual e auditiva. O corpo docente era formado
por 17 professores com níveis de formação em graduação e pós-
graduação. Fazia parte do núcleo gestor, o diretor, 02 coordenadores
pedagógicos, 01 secretário escolar e 01 técnico administrativo. A escola
contava ainda com 07 cuidadores para dar apoio aos alunos com
deficiência, 05 auxiliares de serviços gerais e 02 vigias. Participaram dessa
pesquisa respondendo a nossa entrevista, 02 (dois) professores, 02 (dois)
funcionários, 03 (três) pais de alunos da escola e 03 (três) alunos das
turmas do 5º e 8º ano.
Buscando entender a concepção dos membros da comunidade
escolar sobre o conceito de gestão democrática e participativa,
inicialmente foi perguntado aos entrevistados qual era o seu
entendimento sobre esse assunto. Observou-se o seguinte nas respostas
fornecidas: um dos professores pesquisados afirmou que é uma gestão
onde não só os professores, mas, alunos e auxiliares tem voz e vez na
tomada de decisões. O outro professor informou que a gestão
democrática exige do professor, não é liberal e que é algo imposto para
que seja aceito. Com relação aos funcionários, um afirmou que é um tipo
de gestão em que todas as pessoas envolvidas no ambiente escolar tem
diferentes formas de participação, a outra define que gestão democrática
e participativa se resume ao fato de saber escutar a todos. Na visão dos
pais, a gestão democrática é quando todos participam, pais, alunos,

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DNA Educação

professores e quando há um diálogo entre todos, e um aluno disse ser


um trabalho em conjunto, enquanto os outros dois não souberam dar
uma definição.
A gestão democrática do ensino está presente nos princípios da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDB nº 9.394/96 em seu Art. 14º
incisos I e II, que aponta para uma prática de gestão diferenciada,
colocando no centro não somente os alunos, mas toda a comunidade
escolar onde a instituição está inserida.
Sobre esse aspecto Bastos apud Freire (2009) questiona sobre a
existência de uma política efetiva voltada para a democratização dentro
dos espaços educacionais, e acrescenta que:
Houve avanços nessa discussão, mas ainda não se pode
afirmar que existe uma política efetiva de democratização da
escola nem tampouco um movimento político, mas apenas
uma mobilização vivenciada no cotidiano escolar. A gestão
participativa atinge espaços e tempos provisórios de
algumas escolas, de um ou outro município, não
conseguindo se universalizar (FREIRE, 2009 p.154).
O Regimento Escolar da instituição pesquisada, apresenta no
Art.9º as competências do diretor, mais precisamente o inciso V, aponta
que dentre elas o gestor escolar deve, “Compartilhar o poder de decisões
com os profissionais de modo a torna-se construtor e participante do
projeto que dirige”. Assim como também está descrito no Projeto
Político Pedagógico da Escola (PPP), que fala do compromisso da
Secretaria de Educação (SME) em “orientar o trabalho da gestão
democrática com participação de todos os seguimentos da comunidade
escolar, na definição e na implementação de decisões pedagógicas,
administrativas e financeiras.”
Em seguida, perguntou-se quais as ações do gestor escolar que
têm promovido um ambiente participativo e democrático na escola,
objetivando investigar as práticas efetiva direcionadas para esse fim. Os
professores ressaltaram as reuniões para tomada de decisões,
planejamento para a realização de eventos e projetos a serem realizados
na escola, e acrescentam que nesses momentos a gestão sempre está
solicitando a opinião deles para que se decida em comum acordo.

34
DNA Educação

Assim como os professores, os funcionários ressaltaram ainda


mais o fato da gestão estar chamando a família dos alunos para dialogar,
resolver conflitos e participar da vida escolar dos alunos. Não diferente
dos anteriores, os pais deram ênfase as reuniões escolares e os alunos
afirmaram ter um diálogo maior com o gestor e destacou que as aulas
estavam mais dinâmicas e diferenciadas, bem como os eventos escolares
e as atividades e eventos inovadores que a escola vem promovendo.
Libâneo (2015, p. 116), comenta que: “a participação da
comunidade possibilita à população o conhecimento e a avaliação dos
serviços oferecidos e a intervenção organizada na vida da escola.” Nesse
contexto democrático, a participação se torna de irrefutável relevância,
pois, não se faz democracia sozinho, é no coletivo, somente com a
participação dos membros dessa composição é que se constitui o
processo democrático do ensino.
A esse respeito, Luck faz a seguinte recomendação:
Aos responsáveis pela gestão escolar compete, portanto,
promover a criação e a sustentação de um ambiente propício
à participação plena no processo social escolar de seus
profissionais, bem como de alunos e de seus pais, uma vez
que se entende que é por essa participação que os mesmos
desenvolvem consciência social e crítica e sentido de
cidadania, condições necessárias para que a gestão escolar
democrática e práticas escolares sejam efetivas na promoção
da formação de seus alunos. (LUCK, 2013 p.78).
Perguntados sobre quais os principais desafios da gestão para o
desenvolvimento da escola, prontamente um dos professores destacou o
relacionamento dos funcionários, pois cada um tem pensamentos
diferentes, outro ainda relatou como grande desafio manter a média nas
avaliações externas como o SPAECE (Sistema Permanente de Avaliação
da Educação Básica do Ceará) que foi implantado em 1992 pela SEDUC
(Secretaria de Educação do Estado), com o objetivo de promover uma
educação de qualidade para todos os alunos da rede pública. As
avaliações e questionários são aplicados aos alunos do 1º ano do ensino
fundamental ao 3º ano do ensino médio e turmas do EJA (Educação de
Jovens e Adultos), os resultados apresentados, pontos positivos e

35
DNA Educação

negativos, permitem um planejamento mais eficaz no sentido de


produzir melhores resultados no ensino (site do spaece).
Uma funcionária ressaltou que na sua percepção o maior
desafio encontrado pela gestão é a frágil participação da família na escola,
pois a mesma não assume seu papel como corresponsáveis pelo processo
de formação do aluno e que se faz necessária uma mudança cultural para
reverter essa situação e assim melhorar a qualidade da aprendizagem do
aluno.
Essa participação dos pais na vida da escola tem sido
observada, em pesquisas internacionais, como um dos
indicadores mais significativos na determinação da
qualidade do ensino, isto é, aprendem mais os alunos cujos
pais participam da vida da escola. (LUCK, 2013 p.86).
Em seguida outra funcionária acrescentou a dificuldade de
recursos financeiros para a manutenção da instituição. Pode-se citar aqui
o PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola), que consiste em dar
uma assistência financeira as escolas públicas da educação básica das
redes estaduais e municipais, com o objetivo de melhorar a infraestrutura
física, pedagógica e elevar os índices de desempenho da educação, o
repasse do recurso é feito de acordo com o número de alunos
matriculados conforme dados apresentados no censo escolar do ano
anterior. Os alunos relatam como dificuldade, a falta de disciplina por
parte de alguns colegas que acaba atrapalhando a turma e o bom
desempenho da escola.
Um dos pais considerou como um grande desafio, a mudança
frequente de gestores na escola, esse fato tem dificultado um melhor
desempenho da gestão devido ao curto espaço de tempo a frente da
escola, pois, cada gestor traz metodologias e técnicas diferentes e
ressaltou que vem percebendo uma grande melhoria na escola com o
atual gestor, desde a participação um pouco mais ativa dos pais, nos
eventos e reuniões até envolvimento dos alunos nas atividades escolares.
Libâneo (2015, p. 116), “A participação é o principal meio de
se assegurar a gestão democrática da escola, possibilitando o
envolvimento de profissionais e usuários no processo de tomada de
decisões e no funcionamento da organização escolar”.

36
DNA Educação

De acordo com o Projeto Político Pedagógico (PPP), a escola


vê como necessidade;
[...] promover encontros para conscientizar os pais sobre a
necessidade de acompanhar os filhos, estimular as famílias
para o compromisso com a escola, realizar palestras sobre
autoestima e relacionamentos sustentável, estabelecer na
escola um clima de alegria compreensão e tolerância,
promover intercâmbio entre escolas, estabelecer no
planejamento da escola ações que aproximem as famílias da
escola (CEARÁ, 2016 p.57)
Considerando ser esse um fator importante questionou-se
sobre qual a influência do gestor para estabelecer elos entre a escola e a
comunidade escolar. Para os professores, funcionários e pais esse é um
fator fundamental na gestão. Estes relataram o trabalho que tem sido
feito na escola por parte do gestor quanto a transparência do mesmo
frente aos resultados da escola, a prestação de contas no caso de eventos
escolares, que a escola está mais organizada, o mesmo se encarrega de
convocar a todos para compartilhar o que foi gasto, os investimentos na
estrutura física e pedagógica realizados na escola, e isso tem incentivado
e motivado cada vez mais a participação da comunidade escolar, o gestor
passa a ter uma credibilidade maior e acaba apoiando cada vez mais as
ações da gestão.
Tais ações do gestor, caracteriza uma gestão de liderança que
para Luck (2014, p. 95), o gestor líder “[...] corresponde a um conjunto
de ações, atitudes e comportamentos assumidos por uma pessoa, para
influenciar o desempenho de alguém, visando a realização de objetivos
organizacionais.”
O núcleo gestor deve ter uma visão diferenciada da importância
da comunidade escolar e isso faz toda a diferença relatou outra
funcionária. Entretanto os alunos relataram que apesar dos esforços
feitos pela equipe gestora e da adesão de algumas famílias que estão mais
presentes e atuantes na escola, outras ainda não tem uma boa ou
nenhuma participação na vida escolar do aluno.
A direção da escola, além de ser umas das funções do
processo organizacional, é um imperativo social e
pedagógico. Ele vai além daquele sentido de mobilização das

37
DNA Educação

pessoas para a realização eficaz das atividades, pois implica


intencionalidade, definição de um rumo, uma tomada de
posição frente a objetivos sociais e políticos da escola, em
uma sociedade concreta. A escola, cumpre sua função social
de mediação, influi significativamente na formação da
personalidade humana e, por essa razão, não é possível
estruturá-la sem levar em consideração objetivos políticos e
pedagógicos. (LIBÂNEO, 2015 p.117)
Uma das formas de buscar o envolvimento de todos com as
ações desenvolvidas na escola é a criação dos Conselhos Escolares,
sendo esse, parte da estrutura de organização escolar é constituído por
pessoas da escola e da comunidade escolar, geralmente fazem parte, os
professores, funcionários, auxiliares, alunos, pais de alunos e membros
da comunidade, que busca tornar a escola mais democrática e
participativa a partir das discussões, tomadas de decisões e deliberações
do Conselho. Normalmente o Conselho é eleito no início do ano letivo.
[...]a autonomia da unidade escolar e a democratização da
educação, e consequentemente a construção da gestão
democrática, exigem a participação dos diferentes
segmentos. Para tanto, as formas de escolha e a implantação
ou consolidação de Conselhos Escolares e de outras
instâncias de participação constituem passo importante para
a democratização dos processos decisórios, possibilitando a
implementação de uma nova cultura nessas instituições, por
meio do aprendizado coletivo e do compartilhamento do
poder. (BRASIL, 2004 p.45).
Assim, para concluir a entrevista perguntou-se sobre a
existência de Conselho Escolar e como ele funciona na escola.
Professores, funcionários e pais, afirmaram saber da existência do
Conselho Escolar, enquanto os alunos demonstraram não ter
conhecimento dessa informação. Um dos professores, que é membro do
Conselho, relata sobre a sua organização considerando a mesma como
um fator positivo. Outro afirmou que o mesmo existi mais para cumprir
uma necessidade burocrática e funciona de forma não muito orientada.
Um dos funcionários que também faz parte do Conselho disse não estar
funcionando direito pois é o primeiro ano do gestor a frente da escola, e
o outro informa não saber como funciona. Com relação as respostas dos

38
DNA Educação

pais, um dos entrevistados que participa do Conselho Escolar, afirma


que as reuniões acontecem dentro das possibilidades e que se reúnem
sempre que convocados pela direção.
Para Libâneo (2015, p. 107), “o Conselho Escolar tem
atribuições consultivas e fiscais [...]. Sua composição tem uma certa
proporcionalidade de participação dos docentes, dos especialistas em
educação, dos funcionários, dos pais e dos alunos.”
O PPP é um esboço previamente definido, coletivamente, de
todas as ações desenvolvidas na escola, comprometidas na construção de
uma sociedade mais justa e democrática, tais ações proporcionam a
construção e o desenvolvimento da identidade acadêmica e social da
instituição de ensino. Nesse sentido o PPP traz uma síntese sobre o
Conselho, que queremos ter na escola, caracterizando como “atuante,
consistente e comprometido com o projeto da escola. Que seja
considerado, respeitado e legitimado como órgão representativo da
comunidade escolar e exerça com responsabilidade suas funções”
(Projeto Político Pedagógico, 2016 p.61).
Democracia e participação são inseparáveis ao passo em que
um depende do outro e se complementam entre si. A participação nessa
perspectiva, aproxima a sociedade e os membros da escola de maneira
que torna-se mais familiarizado e reduz a desigualdade entre as pessoas.
Portanto, o aprimoramento da gestão escolar para a formação
integral de cidadãos críticos e responsáveis, transformadores do meio
social, requer das equipes de gestão um empenho maior na difusão de
uma cultura democrática e participativa do ensino.
Considerações finais
O principal objetivo proposto nessa pesquisa buscava analisar
e conhecer as ações da gestão escolar e suas contribuições para uma
gestão participativa e democrática, como também perceber os principais
desafios enfrentados pela gestão para o desenvolvimento de práticas
participativas e democráticas no ambiente escolar.
Baseado nos dados coletados, inicialmente pode-se observar
com relação ao conhecimento do conceito de gestão democrática que os
professores, funcionários e alguns dos pais pesquisados, sabem de uma

39
DNA Educação

forma muito sucinta, enquanto os alunos que são o centro do processo


escolar, não conseguem dar uma definição acerca do assunto pesquisado,
confirmando assim a fala dos autores que embasaram esta pesquisa sobre
a necessidade de tornar o conhecimento desse conceito acessível a toda
a comunidade escolar.
Há uma necessidade de um trabalho intenso de difusão da
cultura de democratização e participação na escola. Tais práticas geram
uma mudança social que tornam cidadãos mais livres e comprometidos
com o bem-estar social.
Observou-se também a partir das informações dos
entrevistados que a atual gestão da escola pesquisada tem feito a
diferença no cotidiano escolar a partir do momento em que tem buscado
conversar com as famílias, aproximando-as por meio da realização dos
eventos escolares, a promoção do diálogo e a tomada de decisões junto
aos professores e funcionários da escola. Essas ações refletem uma
gestão participativa e democrática e conscientiza a comunidade escolar
sobre suas responsabilidades junto à instituição.
A disseminação dessa cultura democrática na escola é como
sementes plantadas, que precisam ser regadas diariamente e os frutos
virão no futuro por meio de cidadãos mais conscientes da sua função
social, do seu comportamento frente as adversidades do meio em que
vive e das suas contribuições para as próximas gerações. Assim como as
plantas, o processo é lento, porém muito importante para a sociedade.
Sabe-se dos inúmeros desafios encontrados pelo gestor no dia
a dia da escola, dentre eles, a falta de recursos, manter ou buscar os
resultados de qualidade, conhecer de perto a comunidade escolar e
trabalhar a família. São tantas questões que podem sobrecarregar o gestor
e este por sua vez poderá deixar algo a desejar ou passar desapercebido.
A responsabilidade do gestor é muito grande e este não
consegue fazer uma gestão sozinho, por isso a necessidade fundamental
da colaboração de todos para que seja possível transformar a escola em
um espaço formador de cidadãos mais consciente de suas atribuições na
sociedade e nesse sentindo a família tem sido ainda a que mais tem
resistido em participar.

40
DNA Educação

O acompanhamento da família no processo educacional é


fundamental para o desenvolvimento do aluno haja vista que, família e
escola se completam nessa tarefa de educar, é preciso ter clareza na
responsabilidade de cada um, dos pais, alunos e professores que a função
de um complementa o papel do outro, que gera produtividade na
evolução da formação do aluno com resultados positivos,
consequentemente essas ações traduzem e fortalecem a participação
democrática.
É visível que as ações do gestor frente à escola têm
caracterizado um perfil de liderança baseado nas relevantes mudanças na
escola tanto estrutural como organizacional conforme apresentado nos
dados da pesquisa, esse incentivo e motivação do gestor contribui
positivamente para o crescimento e o fortalecimento dos membros da
comunidade escolar e consequentemente gera um impacto produtivo na
qualidade o ensino. O exercício de liderança da gestão favorece o
engajamento das famílias, dos alunos e da comunidade.
O Conselho Escolar como parte dos processos democráticos,
precisa ser mais bem difundido na escola, as famílias, os alunos precisam
tomar conhecimentos de sua relevância para o crescimento das ações
desenvolvidas no ambiente escolar, visto que esse não é do
conhecimento de alguns dos entrevistados, para tanto, muito ainda
precisa ser modificado no contexto político educacional.
É necessária uma reeducação social, política e cultural da
sociedade e das próprias pessoas que fazem a escola. É importante que
todos tomem ciência do seu papel, tenham um conhecimento claro dos
objetivos a serem alcançados e de suas responsabilidades para o
desenvolvimento educacional e da sociedade. A educação é o único meio
de transformação dessa sociedade e esta precisa ser bem planejada,
executada e avaliada ao longo do seu processo.
Portanto, a gestão participativa e democrática ainda é uma
realidade pouco concretizada no espaço escolar estudado, embora alguns
procedimentos busquem a realização de tal prática, a difusão desta é um
processo lento, mas muito necessário, sendo de fundamental
importância cultivar cada vez mais essas ações junto com a comunidade
escolar.

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DNA Educação

Referências
BRASIL. Secretaria da Educação Básica. Programa Nacional de
Fortalecimento dos Conselhos Escolares. Brasília: MEC, 2004.
CEARÁ. Conselho de Educação Estadual do Ceará. Documento
Norteador Oficial do Projeto Político Pedagógico das Escolas do
Município de Quixeré. Quixeré: SME, 2016.
CEARÁ. Secretaria da Educação do Estado do Ceará. O SPAECE.
Disponível em: <http://www.spaece.caedufjf.net/avaliacao-
educacional/o-programa/>. Acesso em: 22 de agosto de 2017.
FREIRE, Wendel. Gestão Democrática: Reflexões e Práticas do/no
Cotidiano Escolar. Rio de Janeiro: Wak, 2009.
LIBÂNEO, José Carlos. Organização e Gestão da Escola: teoria e
prática. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: Heccus Editora, 2015.
LUCK, Heloisa. A Gestão Participativa na Escola. 11. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2013. (Série Cadernos de Gestão).
______ . Liderança em Gestão Escolar. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2014. (Série Cadernos de Gestão).
QUIXERÉ. Regimento Escolar: EEB Vereador Raimundo Nonato de
Sena. Quixeré: SME, 2016.

42
DNA Educação

A CONSCIÊNCIA COMO POSSIBILIDADE DE


UM VIR A SER EM PAULO FREIRE E CARL R.
ROGERS

Gabriel Viana Ouriques de Oliveira1


RESUMO:
Este artigo traça um paralelo entre o conceito de consciência a partir de
três paradigmas, a saber: neuropsicológico, psicológico e ético-filosófico,
resgatando os pressupostos do presente conceito, trabalhados por
Rogers e Freire. O presente artigo tem como objetivo investigar o
conceito de consciência sobre a ótica de Paulo Freire e Carl Rogers, a
partir da descrição e interligação de aspectos semelhantes que passam a
dialogar. Dentre os achados, percebemos compreensões teórico práticas
que dialogaram de forma muito similares, tratados na presente pesquisa
como (1) Liberdade Experiêncial, (2) Processo de Ressignificação Pessoal, (3)
Coerência, (4) experienciar-se a si mesmo, (5) Alienação e (6) Visão de homem,
conceitos compreendidos como interlocuções teórico-práticas.
Palavras-chave: Consciência. carl rogers. paulo freire. aprendizagem.
ABSTRACT:
This article draws a parallel between the concept of consciousness from
three paradigms, namely: neuropsychological, psychological and ethico-
philosophical, rescuing the assumptions of the present concept, worked
by Rogers and Freire. This article aims to investigate the concept of
conscience about the views of Paulo Freire and Carl Rogers, from the
description and interconnection of similar aspects that begin to dialogue.
Among the findings, we perceive theoretical and practical
understandings that dialogued in a very similar way, treated in the present
research as (1) Experiential Freedom, (2) Personal Resignation Process,
(3) Coherence, (4) experiencing oneself, 5) Alienation and (6) Man's
vision, concepts understood as theoretical-practical interlocutions.
Keywords: Consciousness. Carl Rogers. Paulo Freire. Learning.

1Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ. Psicólogo clínico,
com formação pelo método TEACCH, intervenção para autista. Especialista em Psicologia
Social, P. Infantil, Psicologia Humanista e Abordagem Centrada na Pessoa, pelas instituições,
Unisa, Faveni e Unipê. E-mail: gviana.cg@hotmail.com.

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DNA Educação

Introdução
Ao pensarmos em consciência dentre inúmeras formas de
compreende-la tomamos o caminho que remete ao conceito de
humanidade de forma a destacar esta como referência de um ser dentre
outros, dotada de uma evolução sobre o presente aspecto, retratando
esta, como elemento possível de defini-la, pois a mesma é dotada de uma
percepção de si mesma e do mundo ou de um cogito ergo sum (penso, logo
existo) que a distância de outros seres.
Sendo assim, a presente pesquisa promoverá uma apreciação
sobre a consciência, esta, originada de uma junção de dois vocábulos
latinos, o cum, significando “como” e scio “conhecer”, propondo o
conhecimento repartido com o outro e por extensão o conhecimento
decorrente de uma apropriação de experiências consigo mesmo, em um
movimento de introspecção.
Porém, o foco sobre o conceito de consciência se dará não
sobre o horizonte desta unidade, estudada, em suas múltiplas concepções
e fundamentos, mas sobre o cerne de dois teóricos que se apropriaram
deste elemento enquanto possibilidade de um desenvolvimento ou
aprimoramento do homem. Assim os pressupostos de Paulo Freire e
Carl Ransom Rogers possibilitará um caminhar mais firme e com uma
direção elucidativa sobre a compreensão dos presentes teóricos sobre a
temática.
Nesta perspectiva, Freire adota a consciência como elemento
central na educação dos oprimidos, através da apreensão da realidade em
um ambiente histórico-cultural, devendo desta forma, no processo
educacional, levar em consideração os diferentes graus de apreensão ou
níveis de consciências que os homens possuem diante de uma realidade
muitas vezes imposta ou hipotética. Rogers aponta a comunicação com
si mesmo, enquanto caminho para o indivíduo se reajustar, através da
experiência vivida ou experiência organísmica devendo ser simbolizada
corretamente na consciência através de uma tomada de consciência do
vivido, decorrendo com isso, de uma reorganização da imagem do eu,
permitindo um vir a ser mais congruente e autêntico.
Portanto, a pesquisa possui como objetivo geral, qual seja:
investigar o conceito de consciência sobre a ótica de Paulo Freire e Carl

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DNA Educação

Rogers. E como objetivos específicos, a descrição e interligação de


aspectos semelhantes sobre os elementos que poderão vir a favorecer
este movimento de compreensão de mundo, tratando das convergências
teóricas, quanto a importância de uma tomada de consciência. Sendo
assim, o presente estudo caracteriza-se por ser uma pesquisa de
abordagem qualitativa, com o objetivo exploratório, utilizando como
procedimento a pesquisa bibliográfica.
Desta forma, resgatamos elementos que facilitam uma
compreensão do conceito em questão, ampliando o mesmo sobre
distintas perspectivas, de forma a adentrarmos os elementos que
caracterizam e particularizam o desenvolvimento de tais teóricos, e por
fim, a articulação de relações entre suas práticas, princípios e visões,
estes, que influenciaram seu posicionamento em relação ao mundo e a
sua práxis.
Assim, a presente pesquisa foi organizada a partir de elementos
que inicialmente promoverão a reflexão acerca do conceito de
consciência e suas distinções nos campos do saber. Em um segundo
momento, destacamos o conceito acima, sobre os fundamentos dos
teóricos estudados de forma a evidenciar, através de contornos distintos,
a compreensão dos mesmos sobre o referido conceito. Por último,
resgatamos alguns conceitos e formas de trabalho que assumem
semelhanças tanto sobre os aspectos referentes a forma de perceber os
potenciais humanos como posicionamentos éticos que deveriam
permear a relação entre as pessoas, bem como a possibilidade real de um
desenvolver de suas potencialidades quando facilitadas por
posicionamentos pautados pela congruência, liberdade de ser,
dialogicidade, dentre outro.
Distintas acepções de consciência
O título do presente tópico nos fornece uma ideia dos
percursos referenciais que adotaremos nesta etapa inicial, visto que, a
compreensão de consciência ou as teorias que tratam sobre tal conceito
são tão diversas quanto os teóricos que se debruçaram sobre ela.
Portanto, a finalidade primeira não se trata de esmiuçar de forma
pormenorizada tal concepção, mas apontar um horizonte que se mostra,

45
DNA Educação

e seguir por coordenadas que nos permita ancorar em terras firmes para
objetivar.
O termo consciência origina-se da junção de dois vocábulos
latinos, cum (como) e scio (conhecer), indicando o conhecimento
compartilhado com o outro e, por extensão o conhecimento
compartilhado consigo mesmo, este apropriado pelo indivíduo
(ZEMAN, 1997).
Na língua portuguesa podemos constatar a palavra consciência
sobre três acepções diferentes, por um entendimento neuropsicológico, em
que emprega o termo em um sentido de estado vígil, igualando desta
forma a consciência a um grau de clareza sensorial, enquanto um estado
de despertar, lúcido tratando especificamente do nível de consciência.
Através de uma definição psicológica, a consciência é traduzida pela soma
total das experiências consciente de um indivíduo em um determinado
contexto. Desta forma a consciência é a dimensão subjetiva da atividade
psíquica daquele que se volta para uma determinada realidade
(DALGALARRONDO, 2008).
Sobre o mesmo autor, a consciência ainda possui uma
concepção ético-filosófica, se referindo a capacidade de tomar ciência de
assumir as responsabilidades, através de seus deveres éticos e dos direitos
e deveres preconizados por esta ética. Assim a consciência passa a ser
atributo do homem responsável e desenvolvido, que está intimamente
comprometido com a dinâmica social da cultura a qual faz parte.
Partindo destes três eixos de consciência, serão descritas
concepções mais pormenorizadas sobre os mesmos, procurando retratá-
los de uma forma que nos permita uma apropriação, sobre as formas em
que tal conceito é tratado, e como base para introduzirmos o mesmo
sobre a ótica dos presentes teóricos.
Sobre um aspecto psicológico, uma teoria ou consenso geral sobre
a consciência é algo não palpável, pois a amplitude de compreensões não
se direciona para um acordo sobre o mesmo, porém, de uma forma
resumida tal conceito pode ser descrito como o monitoramento do
ambiente e de nós mesmos, de modo que percepção, pensamento e
memória sejam representadas na consciência de modo que possamos

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DNA Educação

controlar o ambiente e a nós mesmos, iniciando e finalizando atividades


comportamentais e cognitivas (ATKINSON, 2002).
Ainda, pôr contornos psicológicos, a consciência ou o eu, é
constituída por nossas vivências, pela maneira como sentimos e
entendemos o que se passa em nosso corpo e no mundo que nos rodeia,
bem como, com o que se passa em nosso interior. Tal constatação se dá
de forma individual e exclusiva com que cada um percebe, lembra,
imagina, deseja, opina, tomando posição sobre a vida (CHAUI, 2010).
Com a mesma autora, a consciência sobre um aspecto ético-
filosófico é descrita como uma espontaneidade livre e racional para
escolher e agir de acordo com a sua liberdade, pelos direitos e deveres de
um coletivo. Essa decisão de escolha parte de pessoas dotadas de
vontade livre e responsável, através da convivência de outros e segundo
as normas e valores morais definidos socialmente, opondo-se aos valores
estabelecidos em nome de outros e pautados pela liberdade e
reponsabilidade.
Assim, sobre uma concepção filosófica, tal conceito se
encaminha para elementos pautados por uma postura do eu responsável
por si e pelos outros, sobre suas ações em sociedade, estas orientadas
pela moral vigente, mas, que não se apresenta como inquestionável e sim
orientada em nome do coletivo.
Portanto são colocados em evidência compreensões de
consciência sobre distintos campos de saber, de forma a atribuir
contornos mais claros a discursão, adentrando as preposições
desenvolvidas por Freire para conceber uma educação comprometida,
política e libertadora, possibilitando com que as pessoas pudessem ler o
mundo para poder transformá-lo.
A consciência em Paulo Freire
A consciência se reflete e vai para o mundo que conhece: é
o processo de adaptação. A consciência é temporalizada. O
homem é consciente e, na medida em que conhece, tende a
se comprometer com a própria realidade (FREIRE, 2014, p.
50).
Sobre tal fragmento, passamos a descrever contornos sobre o
entendimento de homem, este que toma o mundo em suas mãos na

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DNA Educação

busca de compreendê-lo em um movimento que resulta em sua própria


auto compreensão, pois se vê inserido neste universo que o reflete e é
refletido por ele. Sendo assim, propomos alguns elementos que possam
clarificar posicionamentos decorrentes de uma visão de mundo voltada
para uma população. Sendo proposto elementos que influenciaram
Freire a perceber o mundo que o cerca, e as fontes em que o nutri para
compreender e intervir da forma que o fez.
Gauthier (2013) aponta como pilar central a consciência,
enquanto peça fundamental na educação dos oprimidos, sendo seu
trabalho pautado por uma concepção ou perspectiva de uma educação
crítica que serve-se de fontes como o pensamento crítico da tradição marxista
e comunista e o pensamento social cristão de inspiração igualitária e humanista que
se encontra na base da Teologia da Libertação. Diante destas vertentes o
pensamento de Freire aponta para uma visão de homem capaz de
alfabetizado ou não, perceber o mundo e conhecê-lo, entretanto, sobre
um véu que relativiza tal percepção.
O conceito de conscientização não foi desenvolvido por Freire,
e sim por um grupo de professores do Instituto Superior de Estudos
Brasileiros, estes vinculados ao Ministério de Educação e Cultura em
meados de 1964. Porem tal conceito foi internacionalmente disseminado
a partir das obras de Freire que possui como vigas do seu método de
alfabetização, não somente à alfabetização por si só, mas o
desenvolvimento de uma consciência crítica, política, de um ser
autônomo pessoal e socialmente. Sendo este caminhar parte do processo
denominado de conscientização (CABRAL, 2015).
Para Gadotti (2015), a compreensão por parte dos agentes que
percorrem concepções liberais, conservadoras ou progressistas, se
distancia de uma consciência de classe, se voltando para uma pedagogia
burguesa, já esta aproximação pelas camadas oprimidas de uma
consciência de classe é a primeira condição para uma transformação
revolucionária do sistema social em vigor.
Um ser que capaz de agir e refletir sobre o mundo, poderá
assumir um ato de comprometimento, para tanto, este, estando no
mundo, condiciona a sua consciência deste estar. Ele passa a ser capaz
de ter consciência desta consciência condicionada. Porém, quando este

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DNA Educação

ser é um ser imerso no mundo, o seu estar adaptou-se a ele sem que se
tenha consciência, em um distanciamento, do qual não pode sair nem tão
pouco distanciar-se, fazendo dele o ser fora do tempo, sem a
possibilidade de transformá-lo um tempo a-histórico (FREIRE, 2014).
Para Reich (1938, p. 12) “a aquisição da consciência de classe pelas
camadas oprimidas da população é a primeira condição para uma
transformação revolucionaria do sistema social em vigor”. Desta forma
revela-se tal conceito enquanto possibilidade de um vir a ser, em que tal
movimento pode ser favorecido mais nunca realizado por terceiros.
Para tanto, a compreensão ou os fundamentos propostos por
Freire, para uma educação engajada e transformadora da realidade em
seu entorno, se faz necessário um olhar sobre os degraus que viabilizam
esta condição de estar no mundo. Sendo esta mudança de estado
decorrente de fazes de consciência que clarificam tal estado, esta tratada
sobre três definições de consciência, a consciência primária, mágica2 e
crítica.
Sobre este aspecto, a educação deve deter seu interesse sobre
os diferentes graus de apreensão de consciência que o homem tem diante
da realidade, não são formulados a partir de abstrações, mas decorrem
de experiências de sua relação com pessoas pobres e suas formas de
apreensão do mundo (GADOTTI, 2015).
Sendo assim, a consciência primária é tratada como uma
limitação de sua esfera de apreensão, em uma impermeabilidade a
desafios, podendo ser descrita como um quase falta de compromisso do
homem com a existência. Porém, este, por estar fechado dentro dele
mesmo, esmagado, não se encontra, qualquer que seja o seu estado, em
um ser capaz de se posicionar de forma ativa. Uma vez que o homem
amplia o seu poder de captação, aumentando o seu poder de dialogação

2 A consciência primaria tratada por Freire, pode vir como sinônimo de consciência intransitiva,
termo adotado da noção gramatical de verbo intransitivo, como aquele que não deixa passar sua
ação a outro. Esta intransitividade pode ser resumida à sobrevivência, onde a consciência se
mostra sobre o imperativo biofísico dessa sobrevivência, assim as preocupações são limitadas
a tudo o que é vital no sentido biológico do termo. Já na transitividade ou consciência mágica
observasse as explicações magicas, ela se caracteriza pela simplicidade na interpretação dos
problemas, pela impermeabilidade a investigação, pela fragilidade as argumentações
características das massificações (FREIRE, 2014; FREIRE, 1967).

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DNA Educação

com o seu mundo e com o outro homem, se transitiva “consciência


mágica”, passando de uma simples esfera vital para interesses e
preocupações mais amplas, porém a pessoa atribui a uma força superior
o poder de dominar a realidade, perdendo a compreensão da verdadeira
relação de causa e efeito.
Na consciência crítica ou pré-critica se caracteriza pela
profundidade na interpretação dos problemas, pela substituição de
sentenças de caráter mágico por princípios causais. Por despir-se de
preconceitos no momento de análise dos problemas, esforçando-se por
evitar deformações, negando assim a transferência de responsabilidades,
por se inclinar sempre a arguições (FREIRE, 2011).
Diante desta tríade, e formas de perceber os contornos e as
sombras dos que se encontram presos em uma caverna, parafraseando
por razoes que nos permitem um paralelo entre o interno, restrito a
frechas de uma consciência primária, aquele que passa a perceber os reais
contornos por sua consciência crítica, desvelando falas como Freire
(2011, p.25), “Antes da reforma agrária, não precisávamos das letras.
Primeiro, porque não pensávamos. Nosso pensamento era o do patrão.
Segundo, porque não tínhamos o que fazer com as letras. Agora, a coisa
é diferente”. Revelando um afastamento do seu campo perceptual e
posterior reflexão sobre, possibilitando uma postura crítica sobre sua
vida, seu papel e possibilidades decorrentes desta tomada de consciência.
São inúmeros os exemplos vivenciados por Freire que nos
possibilita a compreensão de estados de consciência que revela uma auto
desvalia, mas que tal revelação nos remete a um olhar mais crítico
repelindo a autoridade. Assim em discursões Freire (2014, p. 69-70)
descreve “em torno de um tema que lhes é problemático, param de
repente e dizem ao educador: ‘Desculpe, nós devíamos estar calados e o
senhor falando. O senhor é o que sabe; nós, os que não sabemos’”.
Partindo das exemplificações acima, a proposta de uma prática
educativa perpassa pela possibilidade de uma conscientização pautada
por uma pedagogia da libertação, esta, contrária a uma educação bancária
caracterizada por uma transmissão de conhecimento selecionados, ou
mesmo como uma forma de refletir uma sociedade opressora e
contraditória.

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DNA Educação

Esta forma, como possibilidade de se escapar de uma alienação


na educação, Freire propôs uma pedagogia centrada por uma ideia de
conscientização em que através de um processo contínuo, o aluno amplia
sua consciência através de uma ruptura com mitos interiorizados e que
através do diálogo com os outros passa a clarificar as experiências vividas
por contradições, tornando-se sujeito de sua própria ação (GAUTHIER,
2013).
A consciência em Carl Rogers
“[...] tudo o que se passa no organismo em qualquer
momento e que está potencialmente disponível à
consciência; em outras palavras, tudo o que é suscetível de
ser apreendido pela consciência” (ROGERS, 1977, p. 161).
Segundo De La Puente (1979), os delineamentos dados a teoria
de Rogers, perpassam por uma psicologia dinâmica, sendo geralmente
compreendida como uma psicologia da consciência, apesar do destaque
atribuída pelo autor a importância do conceito de experiência, esta
antecedendo qualquer estado de consciência. Portanto é percebido uma
relação ou fluxo entre a experiência e sua representação correta a
consciência.
O mesmo autor nos esclarece que a consciência e não
consciência, a congruência e incongruência, como um estado do eu e da
experiência, bem como dos mecanismos dinâmicos dos distintos níveis
de personalidade expressam a tendência atualizante3 do ser humano. Assim,
sem a consciência, o comportamento resultante sairá ao controle dos
indivíduos.
Rudio (2003), aborda os conceitos de consciência e experiência
bem como sua correlação, resultando em uma representação correta ou
simbolização congruente da imagem de si. Assim, observa-se a
experiência como um indicador descritivo do que passa com o
organismo em um determinado momento, incluindo aspectos referentes

3O conceito de Tendência Atualizante é um componente da teoria humanista de Rogers, descrita


como o exercício de todas as funções, tanto as físicas quanto experienciais, visando a todo o
tempo o desenvolvimento das potencialidades do indivíduo para assegurar a conservação e
enriquecimento do mesmo, levando-se em questão as possibilidades e limitações provenientes
do meio (ROGERS, 1977).

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DNA Educação

a recordação, sentimento ao que ele vê e ouve. Desta forma a experiência


pode ou não estar adequadamente acessível a consciência, o que estará
relacionado a imagem que o indivíduo tenha de si mesmo, desta forma,
quando uma determinada experiência não condiz com a imagem que
possuímos, certos movimentos de rejeição são apresentados, não
chegando a consciência ou representada de forma incorreta. Desta
forma:
Na orientação não-diretiva, os termos consciência,
simbolização e representação são tomados como sinônimos.
Como explica Rogers, a partir de uma experiência, podemos
fazer dela uma construção mental. Esta construção pode ser
elaborada como imagem, ideias, pode parecer na forma de
palavras ou sem elas. Pode surgir apenas como um sentir
vago, indefinível ou, através de gradação, sem uma
construção mais perfeita, “acabada” (RUDIO, 2003, p. 26).
Observamos com isso, distintas gradações ou particularidades
que envolvem a compreensão dos presentes conceitos, assumindo uma
proximidade ou seu contrário, de forma inacabada ou imperfeita,
conceitualizada e/ou experienciada de forma a impedir uma narrativa
sobre tal vivência, ou por assim dizer, sua intelectualização.
Sobre tais contornos teóricos Branco (2016), esclarece que tal
noção rogeriana de consciência se apresenta primariamente realizada na
teoria da personalidade e do comportamento de modo a se articular com
outros elementos, como é o caso da experiência, servindo a composição
de um campo fenomenológico, repercutindo no funcionamento do eu
(self) que se encontra em continua relação com o ambiente.
Rogers (1977) nos apresenta o conceito de disponibilidade a
consciência, quando nossas experiências são possíveis de serem
elaboradas sem dificuldade, ou de forma que as ações de defesa não
viabilizem tal movimento. Partindo deste entendimento, a imagem do eu
pode estar em desacordo com a experiência real, pois o indivíduo se
percebe com características a e b, porém se suas experiências fossem
representadas corretamente na consciência, descobriria que possui as
características f e g sendo este distanciamento um desacordo interno.

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DNA Educação

Com isso, Atkinson (2002) aponta que esse desacordo interno


decorre do comportamento das pessoas em alcançar maneiras que
combinem com sua auto-imagem. Desta forma, as experiências e
sentimentos decorrentes desta busca que não se mostram consistentes
ou ameaçadores com esse ideal podem não ter acesso a consciência e se
os tem passam por remodelagens menos inquietantes ou dolorosas.
Observamos desta forma, que a consciência se mostra
intimamente relacionada com a experiência no sentido em que ambas se
influenciam de forma reciproca, sendo possível vivenciarmos um
determinado acontecimento de forma a avaliarmos claramente seu
significado ou não, o que acarretará a partir de tal leitura consciente, uma
mudança em nossas atitudes. Assim, a todo momento, o organismo
enquanto sistema total e não reduzidos as suas partes, experiência suas
vivencias, e as mesmas passam a repercutir em sua totalidade
organísmica.
Convergências sobre o conceito de consciência em rogers e freire
Iniciamos o presente fragmento, destacando a surpresa de
Rogers ao se deparar com formulações que para ele refletiram sua
própria compreensão sobre a temática, desta forma Rogers (2001, p. 122)
revela que, “Ainda assim, os princípios sobre os quais assenta seu
trabalho são tão semelhantes aos princípios de Liberdade para Aprender,
que fiquei boquiaberto e estarrecido”. O que nos mobiliza a um debruçar
sobre tais teorias compreendidas como dinâmicas, pois vão ganhando
sentido nas distintas práticas e ambientes empregados, mas estática, pois
os teóricos supracitados assaram o bastão para os que percebem neles,
possibilidades de atuação.
A citação supracitada retoma não só uma percepção de Rogers
sobre o trabalho de Freire, mas também, indica entrelaçamentos que a
priori podem ser desenvolvidos em uma etapa posterior ao fechamento
de suas ideias, sem, contudo, se mostrar inerte, passa a ecoar em novas
formas de sentidos, revelando movimentos dialógicos.
Para Amatuzzi (2016), tal como Paulo Freire, a estruturação dos
fundamentos teóricos formulados por Rogers se processam sobre uma
práxi filosófica, a partir do momento em que pensa sua própria prática,

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DNA Educação

esta, tanto sobre os pontos referentes às expressões subjetivas de sua


vivência, como sobre os aspectos de sua investigação objetiva ou
científica. Ainda com o mesmo autor, apesar das semelhanças teóricas,
em resposta a Amatuzzi, Freire relata que Rogers como um educador é
psicólogo e ele como educador é político, deixando claro as posturas
adotadas.
Mas Freire chegou a compreender que só se deixarmos as
pessoas enfrentarem, do seu jeito, as situações-problema
ocorrerá uma verdadeira auto formação. Gradualmente, eles
tomam consciência de seu mundo e de seus problemas.
Começam então a procurar respostas. As questões “que
vieram das pessoas, retornam a elas – não como conteúdos
a serem depositados, mas como problemas a serem
resolvidos” (ROGERS, 2001, p. 123).
Rogers sobre uma vertente psicológica, passando a ocupar
outros espaços “educacionais” pela sua abrangência teórica e Freire em
suas práticas educacionais e políticas dialogam com a consciência,
expondo sua relevância para o ser, em um movimento de organização
gradativa que se dá dentre outras formas, pela ação de voluntários,
facilitadores ou mesmo o próprio psicólogo, possibilitando uma tomada
de consciência a partir do seu próprio horizonte.
Desta forma, paralelos teóricos são destacados, estes sobre a
égide da consciência, observando assim, o conceito de (1) Liberdade
Experiencial4, como ideia ou movimento elucidativo sobre o
desenvolvimento, assim Rogers (1977, p. 47) nos esclarece: “Esta
liberdade existe quando o indivíduo se dá conta do que lhe é permitido
expressar (ao menos verbalmente): sua experiência, seus pensamentos,
emoções e desejos tais e quais ele os experimenta”, respeitando as
limitações que essa interseção possa revelar. Freire se volta para uma
postura em que tal liberdade é elemento de sua práxis, assim:
“Precisamos estar convencidos de que o convencimento dos oprimidos
de que devem lutar por sua libertação não é doação que lhes faça a

4O conceito de liberdade experiência é pontuada, tomando como referência a teoria de Rogers,


tanto sobre as relações psicoterapêuticas como na relação com a educação. A liberdade tratada
aqui, está relacionada com a experiência ou fenômenos internos, sedo o indivíduo livre para
distinguir suas experiências e sentimentos pessoais (ROGERS, 1977).

54
DNA Educação

liderança revolucionária, mas resultado de sua conscientização”


(FREIRE, 2014, p.74), postura que assume um caráter de dialogicidade5
sobre os sujeitos.
Essa imbricação nos revela uma relação de similaridade pela
qual os presentes teóricos se posicionam um para com o outro, sendo
este outro nitidamente detentor de um respeito para traçar seu caminho
a partir de experiências e reflexões que nada tem de invasão ou imposição
de outrem, sobre formas de se pensar e agir, além de um posicionamento
dialógico de parceria para esta tomada de consciência que só é possível
pela liberdade de “ser” no mundo.
No desenvolver de seus paradigmas ou formas de se pensar as
distintas esferas da vida, a consciência ou conscientização são retratadas
como (2) Processo de Ressignificação Pessoal, em que Rogers e Freire
sistematizam fases distintas deste movimento. Sendo assim, o próprio
Rogers (2009, p. 149) comenta: “Desenvolvi progressivamente esse
conceito de processo, distinguindo nele sete fases, mas insisto em que se
trata de um contínuo”, observa-se desta forma a) “distanciamento de sua
experiência”, b) “sentimentos descritos como objetos passados”, c) “há um fluir mais
livre da expressão do eu como um objeto”, d) “há pouca aceitação dos
sentimentos, embora já se manifeste alguma aceitação”, e) “os
sentimentos são expressos livremente como se fossem experimentados
no presente”, f) “o sentimento flui para seu fim pleno” e g) “a experiência
de tais sentimentos é utilizada como um claro ponto de referência”. Já
em Freire (2014, p. 50), “O primeiro estado da consciência é a
intransitiva”, existindo neste estado uma espécie de quase compromisso,
“Na consciência ingênua” há uma busca de compromisso; na crítica há
um compromisso. Desta forma as fases intransitiva, ingênua e crítica
revelam um movimento de superação e abertura para o mundo.
Sobre esta unidade de significação destacada como processo de
ressignificação destacamos que ambas as fases desenvolvem sobre a
orientação de uma tomada de consciência, unidades que podem

5A antidialogicidade é ação de uma invasão cultural, superpondo seu espaço histórico-cultural


para indivíduos com sistema de valores distinto, reduzindo-o a objetos de sua ação, em que a
palavra do depositado no máximo é pensada pelo primeiro (FREIRE, 2015).

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DNA Educação

caracterizar o sujeito sem, no entanto, se colocar como característica que


o reduza a tal enquadramento, mas sim, como um estágio de tomada de
consciência que para Rogers possa ser tratado através de sete elementos,
com características distintas e Freire por três elementos ou fases de uma
tomada de consciência.
Nenhuma dessas condições [empatia e consideração
positiva incondicional] podem ter significado a não ser que
sejam reais, de forma que, em primeiro lugar, devo estar
integrado e ser genuíno no encontro terapêutico (ROGERS
& WOOD, 1978, p. 213).
Partindo da exposição acima, o que é colocado como
“genuíno” será tratada como terceiro paralelismo, este, traduzido através
do conceito de (3) Coerência6, o que é colocado por Freire como
corporificação das palavras, assim Freire revela (2015, p. 35) “Quem
pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta a
corporeidade do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é
fazer certo”. Sobre a coerência de uma prática educativa é que a atitude
de nosso fazer se revela para o aprendeste como possibilidade de ser, em
um ponta pé inicial para a tomada de consciência. Rogers se refere a
aprendizagem descrevendo a importância do que colocamos como,
coerência, através de uma percepção do professor e do aluno equivalente
à de Freire como se segue:
Parece-me óbvio que precisamos de uma mudança, quase
equivalente a uma revolução, no treinamento de nossos
professores. Entretanto, as instituições que formam
professores são em sua maioria bastiões do tradicional, e
ressaltam tão somente a aprendizagem cognitiva e os
métodos pelos quais esta pode ser realizada. São mestres
estabelecidos em prover uma atmosfera que diz: “Não faça
o que eu faço. Faça o que eu digo” (ROGERS;
ROSENBERG, 2011. p.155).

6 A utilização do termo Coerência é utilizada como sinônimo para o que Rogers define como
Congruência, um conceito ambíguo, pois foi modificado ao longo dos anos, alternando entre
congruência, genuinidade e inteireza, estes sobre o mesmo significado ao longo de toda a sua
teoria (BRODLEY, 1998; BOZARTH, 1998, citado por FREIRE, 2000).

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DNA Educação

Já sobre tal similaridade observamos que para Freire (2015, p.


35) “O professor que realmente ensina, quer dizer, que trabalha os
conteúdos no quadro da rigorosidade do pensar certo, nega, como falsa,
a formulação farisaica do “faço o que mando e não o que eu faço”.
Revelando uma similaridade em relação ao papel do professor, facilitador
ou aquele que possua ferramentas para esse apoio enquanto facilitador
deste movimento de descobertas.
Partindo desta compreensão de pessoal critério, como
elemento auxiliador para aprendizagem, empregada e acompanhada de
todos os sinônimos que lhe cabem, passamos a destacar a quarta unidade
de semelhança, esta tratada através do conceito (4) experienciar-se a si
mesmo, como conceito único, servindo para exemplificar a prática
terapêutica conhecida como “resposta reflexo”, que possui o objetivo de
resumir, parafrasear ou mesmo acentuar a comunicação implícita do
cliente. Para Rogers (1977, p.54) “representa o meio por excelência de
facilitar a tomada de consciência autônoma da experiência vivida”. Em
outras palavras o terapeuta servirá de espelho para que o cliente perceba
os contornos do seu próprio eu, a partir de sua percepção pessoal,
negando ou afirmando.
Ainda com Rogers (2009. p. 197), quando uma pessoa vivencia
aspectos de si mesmo, estes, negados até então, a partir de um clima de
aceitação que poderá tentar assumir tal aspecto como uma parte de si
mesmo. Algo que poderia ser negado a consciência se não partisse do
próprio campo perceptual do sujeito.
Já a possibilidade de experienciar-se a si mesmo, apresentada por
Freire, refere-se a seu próprio método, este, compreendido por três
etapas (estudo do contexto, seleção das palavras e criação de situações
existenciais típicas para o grupo), elemento que são extraídos do universo
dos educandos, assim Freire (2014, p. 100) destaca que: “trata-se de
vocábulos ligados à sua experiência existencial, da qual a experiência
profissional faz parte”. Desta forma, cada um de seu modo, resgata a
vivencia pessoal com a finalidade de uma reestruturação da consciência.
Não cabendo no presente artigo aprofundar tais práticas, mas expor suas
similaridades.

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DNA Educação

Porém está tomada de consciência não é exposta como um


movimento simples de se alcançar, nem tão pouco sobre uma visão
utópica de se portar no mundo, mas de um esforço e comprometimento
existencial. Sendo assim, sobre o horizonte desta transformação o caráter
social é apresentado como elemento de importância indiscutível. O que
nos leva ao conceito, (5) Alienação, apresentada por Rogers como uma
parte não necessária de nossa natureza, mas algo aprendido e apreendido
em um alto grau pela cultura ocidental, e ainda: “É caracterizado por
comportamentos guiados por conceitos e construtos rígidos,
interrompidos, às vezes, por comportamentos guiados pelos processos
orgânicos” (ROGERS, 2001, p. 279). Já em Freire, o mesmo é tratado
como uma alienação refletida pela autodiminuição face às outras pessoas,
culturas ou sociedades, desta forma:
Quando o ser humano pretende imitar a outrem, já não é ele
mesmo. Assim também a imitação servil de outras culturas
produz uma sociedade alienada ou sociedade-objeto.
Quanto mais alguém quer ser outro, tanto menos ele é ele
mesmo (FREIRE, 2002, p.35 citado por PITANO, 2017. p.
90)
O presente artigo, orienta-se a questionamentos que tornaram
possíveis tais aproximações, em especial, os aspectos que incidiram para
tomada de consciência, para tanto, a elaboração de tais métodos,
conceitos e jeitos de ser no mundo ecoam na compreensão de homem
que os teóricos formularam pela experiência vivida. Este, como mais um
elemento de discussão, que análogo aos conceitos expostos acima,
contribuem para o entendimento do que eles propuseram.
Assim, expomos o conceito (6) Visão de homem, partindo de uma
visão freireana de ser humano, este, de caráter plural, feito para ser mais,
o ser humano ontologicamente chamado a desenvolver, nos limites e nas
vicissitudes de seu contexto histórico, todas as suas potencialidades
materiais e espirituais, buscando dosar adequadamente seu protagonismo
no enorme leque de relações que a vida lhe oferece, desta forma:
Ser de relação no e com o mundo e com os outros, o ser
humano abre-se ao desconhecido, a aventuras, a correr o
mundo, para transformá-lo e transformando-se, e, ao fazê-

58
DNA Educação

lo, assume sua condição de ser político, de militante, de


protagonista, pois “Já não se satisfaz em assistir. Quer
participar” (FREIRE, 1989 apud CALADO, 2001, p. 21).
Partindo desta concepção, Rogers se mostra como
representante da Terceira Força da Psicologia, compreendida como
alternativa sobre um pensar o homem, contrário a concepções
Behavioristas e Psicanalíticas, afirmando que, nem sempre as pessoas
percebem com clareza quais ações levam ao crescimento. Mas quando
este caminho se encontra aberto, o indivíduo escolhe o caminho do
crescimento, assim Atkinson (2002, p. 491) aponta: “Toda pessoa tem
motivação e capacidade de mudar e que a pessoa é quem está melhor
qualificada para decidir o rumo que esta mudança deve tomar”.
Refletindo em paradigmas que não sucumbem o homem a forças como,
agressão, por fatores fisiológicos ou mesmo estimulo resposta.
Considerações finais
Este estudo, de cunho ensaístico e teórico, intencionou realizar
um diálogo entre a compreensão de Paulo Freire e Carl Rogers sobre o
conceito de consciência, este, como elemento para um possível romper
dos homens com os elementos que o oprimem, seja de ondem externa
sobre falácias e pressupostos com finalidade de uma adaptação à
realidade servil do dominador ou internas, estas, decorrentes de um
princípio ou infante que se desenvolveu sobre o véu de hipocrisias e
mecanismos de manipulação perspicazes.
Os pontos destacados e conceitos levantados como pontos de
intersecção entre os teóricos, foram nomeados de forma a representar
esta relação não de forma aleatória, mas partindo dos conceitos próprios
de cada autor. Com isso foram exemplificados 6 unidades de
significação, percebidas como ferramentas que iriam colaborar ou
impossibilitar a tomada de consciência, consciência esta, trabalhada
individualmente sobre a perspectiva de cada autor.
Por fim, propomos a (1) Liberdade Experiêncial como
possibilidade das experiências vivenciadas estarem acessíveis a
consciência, (2) Processo de Ressignificação Pessoal, em que descreve a
sistematização das fases que caracterizam a mudança de consciência, (3)
Coerência, como a capacidade do educador, facilitador, psicólogo etc, se

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DNA Educação

portarem de forma a facilitar a percepção e tomada e consciência de si


mesmo. No (4) experienciar-se a si mesmo, se resume em resgatar a
experiência do próprio sujeito cognoscente se utilizando dos horizontes
percebidos por ele, mas, de duas formas distintas, na terapia a partir da
resposta reflexo e em Freire, pelas palavras geradoras do universo
vocabular do aprendente, (5) Alienação, descrevendo o afastamento do
homem de si mesmo, seja por ideologias opressoras promovidas pela
cultura dominante ou mesmo por convencimento de nosso lugar no
mundo e por último e não menos importante a (6) Visão de homem,
descrita por contornos de um ser autônomo, detentor da necessidade de
desenvolver seu potencial através de uma experiência libertadora.
Através de tais unidades de significação, apontamos caminhos
que poderão ser como reflexão no processo de ensino aprendizagem,
este, tanto através e um olhar por parte do discente, mas em especial do
docente enquanto mediador/aprendente. Assim, tais unidades são vistas
como possibilidades, segundo a respectiva ordem, (1) de uma educação
dialógica a qual é possibilidade no sentido de viabilizar forças como a
compreensão, respeito, parceria, autonomia, liberdade que sobrepõe a
responsabilidade, (2) a distinção e consequente aceitação dos múltiplos
estados de consciência ou posicionamento para com o mundo, o que
possibilita uma compreensão desta heterogeneidade e formas de atender
esta demanda, (3) revela a importância da atitude do professor frente ao
que apregoa, respaldando sua práxis e refletindo em um clima mais
autêntico, e servindo de modelo para os alunos em suas descobertas.
No elemento (4) a unidade é possibilidade para o facilitador
atribuir significado ao conteúdo a partir do universo do aluno, o que
poderá revelar um maior engajamento do mesmo no sentido de uma
mudança posterior a aceitação ou apropriação deste universo, (5) na
compreensão dos mecanismos de alienação que em menor ou maior
intensidade são reproduzidos ou vivenciados tanto por aluno como
professor, possibilitando a discussão e adoção de novas práticas
educacionais, por último, (6) a visão de homem remete a um
comprometimento dos profissionais que na superação de paradigmas,
passam a se posicionar de forma mais otimista, menos fatalista, atrelando
tais concepções ao próprio aprendizado, este, sobre um aspecto

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DNA Educação

existencialista em que o homem não está destinado a concepções


deterministas, mas ao que pode vir a ser a partir de escolhas mais
conscientes.
O presente trabalho, no entanto, não possuiu como objetivo
esgotar os diferentes pontos de interseção entre os fundamentos
postulados por Freire e Rogers, mas discutir as contribuições dos
mesmos para o desabrochar do homem, não se restringindo a
psicoterapia, e a um fazer exclusivamente clínico, e sim, adentrando os
temas referentes aos aspectos educacionais, trabalho, família, nas
relações individuais e de grupo, nem tão pouco exclusivo ao espaço
educacional, compreendido aqui, sobre a materialização de muros
institucionais, mais sim, sobre múltiplos espaços onde o homem venha
se relacionar, esta, sobre uma égide política ou pólis.
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62
DNA Educação

APRENDIZAGENS ORIUNDAS DO ESTÁGIO NA


DISCIPLINA DE DOCÊNCIA NO ENSINO
SUPERIOR:
VISÕES DE PROFESSORES E ALUNOS
Gabriela Brum de Deus1
Dieison Prestes da Silveira2
Diego Pascoal Golle3
RESUMO:
A profissão docente requer diferentes saberes. Os estágios incumbem na
inserção do docente no processo formativo fazendo construir a sua identidade
docente. Pensando nisso, este trabalho tem por objetivo analisar alguns relatos
frente o estágio desenvolvido na disciplina de Legislação da Educação do curso
de Educação Física da Universidade de Cruz Alta/RS. Visando compreender a
totalidade de saberes e aprendizagens tangível no processo de ensino-
aprendizagem no estágio, professores, alunos e o docente estagiário esboçam
suas visões frente as atividades formativas. O estágio possibilita reflexões e
vivências significativas a todos os envolvidos.
Palavras-chave: Saberes. Reflexões. Vivências.
ABSTRACT:
The teaching profession requires different knowledge. The internships entail the
insertion of the teacher into the formative process, making the teacher's identity
construct. With this in mind, this paper aims to analyze some reports regarding
the stage developed in the discipline of Education Legislation of the Physical
Education course of the University of Cruz Alta/RS. Aiming to understand the
totality of tangible learning and learning in the teaching-learning process at the
stage, teachers, students and the trainee teacher outline their visions regarding
the formative activities. The internship allows meaningful reflections and
experiences for all involved.
Keywords: You Know. Reflectiones. Experiences.

1 Acadêmica do Curso de Educação Física – Licenciatura da Universidade de Cruz Alta. Bolsista


PROBIC/FAPERGS. E-mail: gabrielabruum96@gmail.com
2 Mestrando do PPG em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social da Universidade de

Cruz Alta. Bolsista CAPES/FAPERGS. Licenciado em Ciências Biológicas pelo Instituto Federal
Farroupilha – Campus Júlio de Castilhos. E-mail: dieisonprestes@gmail.com
3 Doutor em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Maria e docente do PPG

em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social da Universidade de Cruz Alta. E-mail:


dgolle@unicruz.edu.br

63
DNA Educação

Introdução
O estágio supervisionado está presente nos cursos de graduação
e pós-graduação como um momento de prática, a possibilidade de
vivenciar a profissão docente, tendo a mesma importância das demais
atividades que o discente exerce durante sua trajetória acadêmica, como
ensino, pesquisa e extensão. O estágio possui a singularidade de
constituir-se em um momento de (re) descoberta. É no estágio que o
discente – em formação docente – irá experenciar a convivência com
inúmeros perfis distintos de alunos situações inusitadas. Irá adquirir
experiências para sua futura profissão, conseguirá avaliar a sua prática e
terá a oportunidade de orientar seus alunos na busca por conhecimento,
ao mesmo tempo em que aprende com eles e com seu professor
orientador.
O estágio possibilita ao estudante colocar em prática seus
saberes teóricos. É uma fase de experiências, na qual o professor-
estagiário se depara com situações norteadoras à futura profissão. O
ambiente escolar não vem com um manual a ser seguido, desta forma o
estágio deve ser realizado com competência, profissionalismo,
comprometimento e responsabilidade. Deve estimular a reflexão sobre
o status quo da educação nos diferentes contextos (NASCIMENTO;
NASCIMENTO; PINTO, 2016).
Na busca do conhecimento significativo, o professor-estagiário
precisa estar constantemente atualizando seus conhecimentos,
estratégias e novidades em suas aulas e, para isso, deve ter o hábito de
estudar, ler, escrever e pesquisar, a fim de proporcionar uma boa
orientação aos alunos no processo de construção do conhecimento
(DAHER, 2006).
Percebendo a relevância do estágio supervisionado para todos
os envolvidos no processo de construção de conhecimentos, este estudo
possui como objetivo analisar alguns relatos frente o estágio
desenvolvido na disciplina de Legislação da Educação do curso de
Educação Física da Universidade de Cruz Alta/RS.

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DNA Educação

Compreendendo a metodologia do estágio e os saberes envolvidos


nessa prática sociocultural
O ambiente educacional consiste em um espaço formativo
onde convergem diferentes saberes. Compreender como ocorrem as
dinâmicas de socialização e construção de conhecimentos nos ambientes
educacionais é essencial na formação docente e, esse processo, ocorre
principalmente pelos estágios de observação e regência. Viver - e convi-
ver - com os educandos permite ao professor em formação potencializar
seus aprendizados e as formas de compartilhar e (re) construir conheci-
mentos. Cria-se, portanto, um ambiente de troca de experiências, de prá-
ticas socioculturais e de conhecimentos para o desenvolvimento humano
e social.
Pensando nisso, os cursos de formação inicial, continuada e
permanente de professores visam a articulação destes saberes vivenciais
favorecendo no ensino-aprendizagem. Na mesma lógica Anastasiou e
Alves (2004) definem ensinagem sendo a adaptação de conteúdos ao
aluno, sendo esse o sujeito de extrema importância nas aulas. Ainda é de
se considerar que estimula tanto o público discente: crianças, jovens,
adolescentes adultos, quanto docentes a buscarem a sua formação
identitária, ética e humana para as vivências em sociedade.
O estágio pode ocorrer em diferentes etapas da vida, como por
exemplo, quando se inicia um trabalho novo ou ainda, quando está em
um curso de formação inicial e/ou continuada, os quais articulam-se teo-
ria com práticas de ensino, corroborando com a práxis da educação. Para
compreender o significado da palavra estágio, Almeida e Pimenta (2014,
p. 32) relatam que consiste “[...] numa dimensão investigativa, ou seja, a
investigação fundamenta-se como instrumento para assegurar a aproxi-
mação à realidade a possibilidade de reflexão [...]”.
No ensino superior, o pós-graduando pode ser instigado a
experimentar novos desafios, sendo estagiário de uma turma de gradu-
ação. Este sujeito ao se matricular em uma disciplina que tangencia
momentos teóricos com práticos, mediante supervisão de um docente
titular, o mesmo exerce atividades de mediação de saberes em sala de
aula construindo assim a sua identidade docente.

65
DNA Educação

Tendo em vista isso, o Programa de Pós-graduação em Práticas


Socioculturais e Desenvolvimento Social da Universidade de Cruz Alta,
dentre as diversas disciplinas componentes da integralização curricular,
oferta à Docência no Ensino Superior, ensejando a efetivação de práticas
pedagógicas junto a uma turma de graduação. Permite, dessa forma, a
realização de atividades que embasam e constroem o processo de ensino-
aprendizagem.
O professor estagiário, antes de iniciar a regência, deve atentar
ao planejamento de atividades, visando um trabalho significativo e com
coerência estrutural. Ademais, estas peculiaridades da docência são práti-
cas rotineiras e distintas, pois cada aula, bem como cada turma, é
diferente e essas diferenças devem ser respeitadas. Para Lima (2012, p.
39) “não nos tornamos professores do dia para a noite. Ao contrário,
fomos constituindo essa identificação com a profissão no decorrer da
vida [...]”.
Este relato de experiência foi orientado metodologicamente de
acordo com disciplina de Docência no Ensino Superior (supracitada),
onde realiza-se um estágio obrigatório dividido em: 8 horas de estudos
de documentos institucionais, 12 horas de observação em sala de aula e,
por fim, 12 horas de regência de classe junto a turma observada.
Antes de iniciar as atividades de estágio in loco o pós-graduando,
cujo título será mestre, deve compreender a relevância do estágio no
ensino superior para o exercício futuro da profissão docente. Mediante
dialogicidade, debates, provocações, questionamentos e leituras diversas,
os estudantes adquirem conhecimentos teóricos fundamentais para
melhor compreenderem os processos pedagógicos inerentes à educação
superior e, assim, contribuir com a formação de sujeitos apropriados de
conhecimentos significativos capazes de transformar a sociedade.
Therrien (1995) explicita que os saberes advêm das práticas cotidianas da
profissão, portanto todos nós temos saberes, porém diferentes.
É sabido que o ensino superior, muitas vezes, se apresenta
como conteudista, com uma construção linear de saberes técnicos.
Buscando alternativas, objetivando a construção de conhecimentos
interdisciplinares e formação de sujeitos autônomos e apropriados das
ferramentas para atuação no mercado de trabalho, as instituições

66
DNA Educação

também desenvolvem projetos de ensino, pesquisa e extensão buscando


apresentar uma pluralidade de conhecimentos teóricos, práticos e
vivenciais.
O uso de metodologias de ensino diferenciadas pode culminar
em aprendizagens significativas e que sejam relevantes a vida profissional
do acadêmico. Ao citar metodologias diferenciadas, vê-se crucial o uso
de jogos, dinâmicas, vídeos, diálogos que possibilitam a expressão de
ideias e da criatividade concretizando a identidade do sujeito e uma
atuação mais protagonista dos estudantes. Diante do exposto, a seguir há
um relato das atividades que foram elaboradas no estágio de regência no
ensino superior, embasadas em desafios e aprendizagens.
A busca pela qualificação profissional direciona o sujeito a
obter diariamente aprendizados. O estágio de regência no ensino
superior foi desenvolvido com os alunos do Curso de Licenciatura e
bacharelado em Educação Física da Universidade de Cruz Alta/RS, cuja
disciplina nomeia-se Legislação da Educação.
Relato do estágio no ensino superior como alternativa de profis-
sionalização e potencialização de saberes
Inicialmente, conforme diálogo com a professora da disciplina
foi exposto o interesse sendo concedida a liberação da presente turma
para o professor docente-estagiário. Para fins de compreensão do
funcionamento do curso, perfil acadêmico, missão, ementa da disciplina,
foram realizados estudos em documentos. Estes estudos perduraram por
aproximadamente oito horas.
Em consonância com o exposto acima e dando segmento as
atividades de estágio, diversas aulas foram observadas corroborando os
pressupostos de intenção de horas de atividades a serem cumpridas pelo
principiante. Dentre as metodologias utilizadas pela professora titular da
disciplina de Legislação da Educação encontram-se: estudos dirigidos em
grupos e debates, construindo assim, um ambiente de aprendizagens
entre todos os presentes.
Após 12 horas de observação, a regência de classe foi iniciada.
Salientamos que as aulas foram planejadas com antecedências e apresen-
tadas a professora supervisora, pois torna-se imprescindível o acompa-

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DNA Educação

nhamento, orientação e supervisão das atividades de estágio. Sempre que


necessário a professora fornecia sugestões afim de contribuir com uma
melhora significativa nas aulas de regências.
A temática trabalhada nas aulas de estágio foi sobre “Diretrizes
Curriculares Nacionais”, pois visa uma compreensão das normas e regras
a serem seguidos para a vida em sociedade, pautada em direitos sociais.
Ressaltamos que trabalhar este assunto legislativo é crucial, pois refere-
se as normativas voltadas ao currículo, a fatores educacionais e sociais,
respaldados pelo Conselho Nacional da Educação – CNE e pela Câmara
da Educação Básica – CEB.
As metodologias e recursos utilizados nas aulas, durante as 12
horas de regência, foram: seminários, teatros, vídeos, imbricados na
dialogicidade que visavam o processo de ensino-aprendizagem dos
acadêmicos.
O uso de metodologias de ensino lúdicas, como por exemplo,
o teatro conferiu aos alunos não apenas conhecer o conteúdo elencado,
mas a expressividade, a capacidade criativa, psíquica, o trabalho em
grupo, a reflexão da temática apresentada que favoreceu nos saberes
mediados ao grupo. Segundo Fialho (2007) o uso do lúdico ajuda no
desenvolvimento cognitivo e motor dos sujeitos. Dessa forma ocorre a
interação social entre os indivíduos, partindo do aprender-brincando.
A apresentação de seminários além de propiciar estudos em
grupos, ainda possibilitou aos alunos um (re) pensar do papel do
professor educador, pois não basta apenas saber o conteúdo, deve-se
ainda ter saberes diversos. Referindo a saberes diversos pode-se citar a
mediação da turma, a dificuldade que muitos professores apresentam
quando os alunos não estão participando das aulas.
Pode-se observar que o professor estagiário se tornou um
mediador em sala de aula, sanando dúvidas, provocando a reflexão dos
alunos, instigando a criticidade e explorando as vivências e os saberes
empíricos. Silva (2002, p. 28) relata que: “a prática transforma-se em
fonte de investigação, de experimentação e de indicação de conteúdo
para a formação”, ou seja, através da prática docente surgem novos
meios de repensar as ações didático-pedagógicas, aperfeiçoando a
abordagem teórico-metodológica.

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DNA Educação

O uso do diálogo em sala de aula é fundamental, desde que seja


direcionado a temática apresentada pelo professor, pois caso contrário,
os alunos tronam-se dispersos em sala de aula, ocasionando conflitos e
situações desafiadoras no ambiente educacional. O professor precisa
estimular o aluno a se sentirem ouvidos, pois como relata Freire (1996,
p. 2) “não há docência sem discência”, portanto nota-se a importância
do elo entre professor e alunos.
Ao término das atividades de estágio, foi solicitado que os
alunos redigissem uma auto avaliação das aulas ministradas, visando um
feedback da metodologia apresentada pelo professor estagiário. Ainda, por
meio desse feedback novas posturas e metodologias podem ser pensadas
condicionando a uma melhoria nos saberes docentes. Antunes (2001)
expõe que quando o professor não constrói uma aula significativa ou
ainda quando ele não percebe as razões que levam o ser humano a
aprender ele pode estar gerando uma situação de indisciplina.
Conforme leitura das avaliações descritivas dos alunos, as aulas
foram significativas, pois tiveram abordagens metodológicas diversificas
e ainda, o professor abordou com dinamismo e dialógica, sendo que a
maioria dos alunos participaram ativamente dos momentos discursivos.
Estágio supervisionado: metodologias diversificadas e a relação
aluno-professor como essência para uma construção qualitativa de
conhecimento
Durante as aulas se faz necessário que a relação aluno-professor
seja horizontal, com interação e diálogo, de forma que haja uma
construção do conhecimento, ou seja, uma aprendizagem significativa, e
não apenas uma transmissão por parte do professor. Masetto (2012, p.
35) explana que “O docente deve ser um elemento motivador e
incentivador do desenvolvimento dos seus alunos” e isso só é possível
mediante a ausência de relações verticais. Em diversas auto avaliações
sobre o período do estágio supervisionado, os acadêmicos apresentaram
esta mesma linha de pensamento, descrevendo que:
“Apesar da pouca idade, o professor conduziu as aulas de forma bem
animada e conseguiu envolver os acadêmicos nos debates” (Acad. A);
“sempre nos tratou com muito respeito” (Acad. D); “passou seu
conhecimento de forma diferente, uma forma que cativa-se a atenção e

69
DNA Educação

sempre buscando interação entre professor e aluno” (Acad. G); “gostei


da abordagem utilizada pelo professor, aulas onde teve muita interação
tanto pelo professor, quando pelos alunos” (Acad. Q);
Percebemos assim, que a forma de trabalho aplicada pelo
estagiário, refletiu em uma efetiva comunicação entre os acadêmicos de
Educação Física com o professor e com os colegas. Se houve
comunicação, significa que também houve saberes compartilhados
(CHARAUDEAU, 2012).
O estágio é a etapa certa de pôr em prática as estratégicas
metodológicas que o estagiário acredita contribuir significativamente
com a aula, pois “[...] é um momento de reflexão sobre como é a
realidade do professor em sala de aula e em que precisamos melhorar
nossos métodos de ensino para colaborar significativamente com a
aprendizagem”. (SILVA; SILVA, 2017, p. 03). Masetto (2012) salienta
que durante a aula deve haver momentos de estratégias participativas,
para os alunos trabalhem em grupos com objetivos comuns e que o
professor deve ser o grande incentivador dessa prática, estimulando o
trabalho em equipe e a aprendizagem mútua, de forma que um aprenda
com o outro. Assim, os estudantes pontuaram que a metodologia
utilizada pelo professor estagiário foi bastante positiva, pois instigava os
alunos, tornando-os mais participativos e salientaram que ele:
“usou de excelente forma sua didática e metodologia renovada, para
atrair ainda mais o interesse dos alunos” (Acad. E), “saímos do
cotidiano, a metodologia tornou as aulas animadas” (Acad. F), “aulas
dinâmicas e inovadoras” (Acad. G), “fazendo grupos de discussões e
debates para envolver os alunos durante a aula” (acad. I), “sempre
saindo do tradicional e dando os conteúdos de uma forma que os alunos
prestem atenção e interajam a todo o momento” (Acad. O), “a forma
como os temas foram abordados, trabalhados e principalmente,
debatidos, possibilitou a ampla participação” (Acad. S), “passou
conhecimento de forma dinâmica, fazendo com que os alunos prestassem
mais atenção” (Acad. V), “a diversificação na metodologia, foi para
minha pessoa, o mais notável, pois, a aula não foi monótona” (Acad.
W).
Os acadêmicos também explanaram sobre os instrumentos de
ensino, onde: “outro ponto positivo, é que o estagiário não ficou
somente em aulas com slides, a prova disso, é o nosso cartaz e o teatro”

70
DNA Educação

(Acad. D), “as aulas chamaram atenção de todos, pelos métodos de


ensino, que não foi somente slides, mas sim, a participação diária dos
alunos, através de diálogos e trabalhos” (Acad. L), “diversas situações,
como teatro, apresentações individuais através de conteúdos, utilização
de cartaz, enfim, muito produtiva as aulas” (Acad. W).
O modo de ensinar e aprender precisa ser repensado.
Simplesmente colocar uma apresentação áudio visual durante a
aula, não significa que a aula deixou de ser apenas oral e escrita, ela apenas
teve a introdução de uma tecnologia em uma aula onde o professor fala
e o aluno escuta (MORAN, 2004). A tecnologia em sala de aula deve ser
apenas um auxílio para o professor, pois o mais importante é o diálogo
e o domínio do conteúdo.
Assim, o uso do projetor multimídia e de programas como
o PowerPoint deve ser feito com especial cautela, uma vez
que o aluno se divide entre prestar atenção ao professor, ler
o slide, fazer anotações da fala do professor e, muitas vezes,
copiar o slide, sendo que nem sempre há espaço para que o
aluno interaja com o professor ou com os colegas
(CÂMARA; MURARO, 2012, p. 90).
O teatro, citado como uma das atividades do estágio é uma
ótima ferramenta de ensino, uma vez que, além de ser muito atrativo, ele
desperta o senso crítico, a liberdade, a criatividade, a reflexão sobre
temáticas curriculares e é mais uma estratégia de trabalho em equipe, pois
os estudantes precisam trocar ideias para interpretar da melhor maneira
possível o que passa o texto (MEDINA; BRAGA, 2010).
Um último relato, demostra que de modo geral o estágio
supervisionado foi um ciclo de extrema troca de conhecimento, diálogos,
interação e participação efetiva:
“A didática utilizada pelo ‘prof’ foi excelente, oportunizando
momentos de fala e troca de conhecimento, reconhecendo que os
acadêmicos possuem experiências e conhecimento adquiridos
previamente, quebrando o preconceito de que somos estudantes sem
bagagem alguma” (Acad. X).
Assim, “a apropriação do conhecimento não pode partir do
nada, mas sim do conhecimento prévio, dos interesses e das experiências

71
DNA Educação

dos alunos” (DAHMER, 2006, p. 04). Quando isso não acontece o aluno
não consegue assimilar e processar esse novo conhecimento, ele apenas
decora os conteúdos.
Considerações finais
As reflexões iniciais produzidas no tocante do Estágio de
observação e regência na disciplina de Legislação da Educação
trouxeram consigo saberes e provocações que circundam um (re) pensar
das práticas e ações pedagógicas da profissão docente. Ser professor
requer diferentes saberes e estes, sempre, devem estar junto com as
metodologias didático-pedagógicas.
Devemos refletir sobre nossas aulas, visando uma melhoria no
processo de ensino-aprendizagem. Fazer parte dos processos formativos
educacionais perfazem também fazer parte de uma transformação no
meio social. A pluralidade de identidades, de vivências e saberes alocadas
em uma sala de aula potencializa as expectativas de novos saberes diários.
As aulas ministradas tiveram caráter significativo, pois a turma
demonstrava-se interessada nas discussões, provocações e debates
suscitado pelo professor estagiário. A dialogicidade que ocorreu durante
todas as aulas prova que nos espaços formativos é necessário a
participação dos alunos, quebrando paradigmas de uma educação
bancária, na qual apenas o professor apresenta saberes. O estágio
possibilitou além de vivências, experiências frente a docência no ensino
superior.
Percebemos assim, que a forma de trabalho aplicada pelo
estagiário, refletiu na efetiva participação dos acadêmicos de educação
física e que os mesmos reconhecem que aulas interativas são mais
produtivas.

72
DNA Educação

Referências
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na formação docente. São Paulo: Cortez, 2014.
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Camargos; ALVES, Leonir Pessate. (Orgs.). Processos de ensinagem
na universidade. Pressupostos para as estratégias de trabalho em aula.
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CÂMARA, E. T. F; MURARO, M. Além da Mera Intuição: aula
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http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=7f5fc754c7af0a63
Acesso em: 25/06/2018.
CHARAUDEAU, P. O contrato de comunicação na sala de aula.
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DAHMER, A. F. B. Aluno e professor: protagonistas do processo de
aprendizagem. Disponível em:
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Acesso em: 25/06/2018.
FIALHO, N. N. Jogos de Ensino de Química e Biologia. Curitiba:
IBPEX, 2007.
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MASETTO, M. T. Competência pedagógica do professor
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MEDINA, M.; BRAGA, M. O teatro como ferramenta de aprendizagem
da física e de problematização da natureza da ciência. Caderno
Brasileiro de Ensino da Física, Florianópolis, v. 27, n. 2, p. 313-333,
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MORAN, J. M. Os novos espaços de atuação do professor com as
tecnologias. Disponível em: http://www.pucrs.br/ciencias/viali/tic_
literatura/artigos/189117821002.pdf. Acesso em: 25/06/2018.

73
DNA Educação

NASCIMENTO, M. F.; NASCIMENTO, F. F.; PINTO, H. S. S.


Estágio supervisionado na área das licenciaturas. Disponível em:
file:///C:/Users/Usuario/Downloads/2194-9029-1-PB.pdf. Acesso
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SILVA, J. B. As representações sociais dos professores em classes
multisseriadas sobre a formação continuada. 2002. Dissertação
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de matemática durante o Estágio Supervisionado III. In: Congresso
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THERRIEN, J. Uma abordagem para o estudo do saber da
experiência das práticas educativas. Disponível
em:www.anped.org.br. Acesso em 14 de jul. de 2018.

74
DNA Educação

A FILOSOFIA COMO POSSIBILIDADE DE


NATALIDADE:
UMA EXPERIÊNCIA DE CAFÉ FILOSÓFICO NO
ENSINO MÉDIO
Gilberto Oliari1
RESUMO:
O presente artigo busca refletir sobre a presença da Filosofia no Ensino Médio,
buscando entender como esse componente curricular pode propiciar a natalidade
dos alunos na escola. Apresenta a experiência de café filosófico como uma
metodologia que pode proporcionar uma novidade, a revelação da identidade
dos sujeitos envolvidos. Através da reflexão teórica de alguns apontamentos
sobre o ensino de filosofia tece-se a argumentação de que é necessário que nas
aulas de Filosofia se abra espaço para a natalidade dos estudantes, para que estes
se insiram no mundo comum. Nesse sentido, a realização de café filosóficos,
descritos na segunda parte do texto, tende a ser um apontamento metodológico
para essa natalidade, ao passo que possibilita que os jovens participem ativamente
do processo, seja de forma prática envolvendo-se com os elementos concretos,
seja de forma cognitiva envolvendo-se nos questionamentos e conhecimentos
que estão sendo desenvolvidos.
Palavras Chave: Hannah Arendt. Ensino de Filosofia. Café filosófico.
Natalidade.
ABSTRACT:
The following article seeks reflection on the appearance of Philosophy on High
School, searching for an understanding of how this school subject can propitiate
natality on school students. Presents the experience of philosophical brunch as a
methodology which can provide something new, the revelation of the subjects
identity. Through theoretical reflexion of some philosophical teaching appoint-
ments, it is risen the argumentation that during Philosophy classes it’s necessary
a breach for achievement of the students natality, so these can insert themselves
on the common world. In this context, the realization of these philosophical
brunches, described on the text’s second part, tends to be a methodological poin-
ting to this natality, providing at the same time youngs participate actively of the
process, being it the practical way, getting involved with the concrete elements,
or being it in the cognitive form, getting involved on the questionings and
knowledge that are being developed.
Keywords: Hannah Arendt. Philosophy teaching. Philosofical brunch. Natality.

1Graduado em Filosofia e Ciências da Religião – UNOCHAPECÓ; Mestrado em Educação –


UNOCHAPECÓ; Doutorando em Educação – PPGE/ UFSM. Professor de Educação Básica – Santa
Catarina.

75
DNA Educação

Considerações iniciais
O presente texto tem como objetivo construir uma reflexão
sobre o Ensino de Filosofia no Ensino Médio, ancorado em alguns
conceitos e teorizações de Hannah Arendt, apresentando uma
experiência de café filosófico realizado em uma escola básica de Chapecó
– SC como aporte metodológico para proporcionar o envolvimento dos
alunos nos espaços de aprendizagem. Nesse sentido revisitamos escritos
de Arendt, a fim de vislumbrar seus modos de conceber o papel da
educação, por isso explanaremos os conceitos de: natalidade, escola e
ensino. A partir destes, traremos para a reflexão outros pensadores que
discutem conceitos de modo corroborativo ao pensamento arendtiano,
como possibilidade de releitura de seus conceitos e estabelecimento de
relação destes com o ensino de Filosofia.
Gostaria de marcar que essa reflexão é pautada em experiências
desenvolvidas no Ensino Médio, visto que esta etapa da educação básica
representa um momento especial de desenvolvimento da vida do jovem
aluno. Pode-se dizer que o Ensino Médio é um espaço de autoconstrução
juvenil, é momento de experimentação de si mesmo e de relação com
outros, é um espaço marcado pela possibilidade de natalidade arendtiana.
A Filosofia como componente curricular presente nessa etapa do ensino
básico, que aborda o ser humano de forma ampla, é um componente
privilegiado para pensar e exercer a natalidade ao proporcionar que o
aluno insira-se no mundo comum.
Nesse sentido a realização de café filosófico será apresentado
como experiência realizada buscando trazer para a discussão
possibilidades metodológicas para possibilitar a natalidade através do
ensino de Filosofia. Traremos para a reflexão percepções dos alunos
acerca da atividade realizada, possibilitando que o presente artigo torne-
se um espaço de participação também dos estudantes que se
empenharam e participaram com assiduidade do processo.
Sobre a Filosofia como possibilidade da novidade
É importante começar refletindo sobre quem são os/as jovens
que estudam Filosofia nos dias de hoje. Michel Serres (2015), em seu
livro Polegarzinha, afirma que os jovens contemporâneos possuem um

76
DNA Educação

mundo de conhecimento na palma de suas mãos, podendo acessá-lo de


qualquer lugar do mundo geográfico, com um clique do polegar. Estes
(as) jovens “não habitam mais a mesma Terra, não têm mais a mesma
relação com o mundo” (SERRES, 2015, p. 13); mais do que isso, “não
conhecem, não integralizam nem sintetizam da mesma forma que nós,
seus antepassados” (idem, p 19), os estudantes contemporâneos, que são
em grande medida diferentes da geração educada pelos livros, pela
biblioteca, fixada em uma sala de aula, são seres que desafiam as gerações
mais experientes a repensar o ensino e as práticas escolares.
Mesmo tendo essa compreensão e aceitando que os alunos são
de uma geração nascida em meio a um mundo tecnológico, e que o
acesso a informações e conhecimentos é muito mais sofisticada do que
em outros tempos, a escola não pode deixar de possibilitar o encontro
entre o aluno e a tradição, entre as tecnologias e a tradição histórica de
conhecimento já existentes. Isso requer que professores e alunos estejam
receptivos aquilo que é novo através das tecnologias e ao mesmo tempo
que não abandonem o que produto da história humana. Isso significa
criar uma relação que ultrapassa mera presença física ou amizade pessoal,
requer que se estabelece uma relação entre aluno e professor que seja
pedagógica, que tenha compromisso com o aprendizado da tradição e ao
mesmo tempo que a novidade possa acontecer.
No estabelecimento da relação pedagógica há que se ter em
mente que as crianças e jovens encontram-se em um estado de vir a ser
e o processo educacional é a atividade mais elementar e necessária para
preparar esse recém-chegado ao mundo (Arendt, 2007). A escola é o
ambiente no qual a criança tem o primeiro contato com o mundo
público, fora do mundo privado que é a família. Embora essa afirmação
possa ser questionada, defendemos que é na escola que a criança tem
acesso a um mundo de conhecimentos “selecionado”, que foi planejado,
pensado e metodologizado para a sua transmissão. Nas palavras de
Arendt: “normalmente a criança é introduzida ao mundo pela primeira
vez através da escola. No entanto, a escola não é de modo algum o
mundo e não deve fingir sê-lo; ” (2007, p. 238), por isso defende-se que
a escola é um espaço entre a família e o mundo público; ela possibilita a
transição do ser privado para o ser público.

77
DNA Educação

Inegavelmente a escola está longe de corresponder a certos


anseios de emancipação e possibilidade de inserção no mundo comum.
Mas a escola é único espaço democrático onde todos têm possibilidade
de pensar, estudar e inserir-se em um mundo que já existia antes de sua
chegada. De acordo com Masschelein e Simons (2017, p. 73) “a escola é
um tipo de vácuo no qual é dado tempo aos jovens e aos alunos para
praticarem e se desenvolverem”. É na escola que os estudantes têm a
oportunidade de fazer uma suspensão do mundo vivido, pensar sobre
ele e se desenvolver.
Essa suspensão do mundo vivido tem como objetivo “fornecer
‘tempo livre’ e para reunir os jovens em torno de uma ‘coisa’ comum,
isto é, algo que aparece no mundo que seja disponibilizado para uma
nova geração” (MASSCHELEIN, SIMONS, 2017, p.11). Pode
contribuir para que os conceitos e temas do mundo já construídos ao
longo da história, sejam estudados e entendidos em profundidade e seja
possível perceber as inúmeras possibilidades de relações existentes. A
escola e o professor, nesse sentido, tem um importante papel de
proporcionar “um benefício – algo que se torna um ‘bem público’ e,
consequentemente, coloca a todos numa posição igual e fornece todas as
oportunidades de começar” (idem, p. 71), essa é a defesa de um ensino
público, no qual o conhecimento torna-se peça de democratização dos
alunos e dos professores.
É na escola que crianças e jovens, em geral, tem seu primeiro
contato com a Filosofia; é ali que têm a oportunidade de conhecer o
mundo dos saberes já existentes e encontrar uma forma de inseri-lo em
seu mundo e, vislumbrar a sua possibilidade de criação, de criar algo a
partir do existente. Na escola, existe a possibilidade de natalidade.
Natalidade entendida aqui com inspiração arendtiana como um segundo
nascimento, como um nascimento social “no qual confirmamos e
assumimos o fato original e singular do nosso aparecimento físico
original” (ARENDT, 2008, p. 189). Esse segundo nascimento, ou
natalidade, é a manifestação social através da ação e do discurso, que são
os modos de inserção no mundo humano.
Para afirmar isso é preciso dizer que, todo o aluno possui um
estado de vir a ser, no qual é capaz de agir, significa que “se pode esperar

78
DNA Educação

dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o inesperado, que ele é


capaz de realizar o infinitamente improvável” (ARENDT, 2008, p. 191).
É justamente por isso que a educação precisa ser conservadora,
apresentar o mundo já existente para que a partir desse o aluno possa
inserir, possa criar algo, nas palavras de Arendt (2007, p. 235) “o mundo
necessita de proteção, para que não seja derrubado e destruído pelo
assédio do novo que irrompe sobre ele a cada nova geração”. Desse
modo, a novidade que se propõe produzir, é uma novidade com limites,
pois o aluno deve estudar de modo profundo aquilo que já foi produzido,
suas consequências, suas possíveis relações e, a partir disso buscar inserir
sua novidade.
A novidade que defendemos não é uma novidade que parte do
nada, é antes de tudo uma responsabilidade pois, o professor como
sujeito responsável pelo mundo, decidido a não expulsar, del e, as
crianças e jovens busca desenvolver “a oportunidade de empreender
alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso
com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum”
(ARENDT, 2007, p. 247), ou seja, apresentar o mundo como ele é, e
possibilitar ao jovem recém-chegado que exerça sua imprevisibilidade de
ação.
Essa ação precisa de algum modo estar ligada com o discurso
construído por aquele que está desenvolvendo sua natalidade. De acordo
com Arendt (2008, p. 191):
Se a ação, como início, corresponde ao fato do nascimento,
se é a efetivação da condição humana da natalidade, o
discurso corresponde ao fato da distinção e é a efetivação da
condição humana da pluralidade, isto é, do viver como ser
distinto e singular entre iguais.
Por isso a importância de deixar que o aluno faça seu discurso,
utilize-se da palavra em aula, possibilitando que ele busque a sua inserção.
Com o discurso, além do aluno posicionar-se no mundo, ele se distingue
dos outros ele apresenta o seu modo de pensar e interpretar as realidades
que o cercam. Desse modo não podemos pensar a escola apenas como
um espaço de transmissão dos saberes. Embora seja essa uma atividade
a ser desenvolvida, a escola precisa criar espaços onde os alunos possam

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DNA Educação

interpretar o mundo, ressignificar o que estão aprendendo, questionar-


se sobre o sentido das coisas. A escola é o espaço onde os alunos podem
ensaiar-se e fazer experiências considerando os conhecimentos já
existentes no mundo.
Estas considerações nos permitem pensar sobre a aula de
Filosofia na escola, em especial no ensino médio. Como ensinar filosofia
para as novas gerações? Como possibilitar que a tradição filosófica seja
considerada como “cartas” enviadas por amigos do passado, como
mensagens que ainda fazem sentido, como nos dizia Sloterdijk? (2000).
Precisamos entender as aulas de filosofia como leitura e compreensão
destas “cartas” e não como mera transmissão; estabelecendo dessa forma
uma relação entre o passado e o presente. As cartas, como tradição e
como arquivo que fazem sentido na vida dos estudantes, na vida da nova
geração.
Há que se ter um modo de relacionar as duas possibilidades, de
tradição e de possibilidade de novidade. Para Tomazetti (2009):
A relação que a aula de Filosofia é capaz de produzir entre
as questões ou os temas filosóficos e a experiência dos
alunos têm valor fundamental. Trazer o familiar, o comum,
o óbvio e torná-lo problema, […], constitui, penso eu, uma
tarefa das mais difíceis para o professor, que, no entanto,
representa um convite ao aluno para adentrar nessa
linguagem, nessa atividade de pensamento (p. 27).
Pensamos que a aula de filosofia pode, assim, produzir o
estranhamento dos alunos acerca do presente, munidos que estão de
ferramentas conceituais oferecidas pela tradição. A tarefa do professor
de filosofia, afirma Fernando Savater (2001, p. 210):
[…] não pode ser apenas ajudar a compreender as teorias
dos grandes filósofos, nem mesmo contextualizadas em sua
devida época, mas sobretudo mostrar como a intelecção
correta dessas ideias e raciocínios pode nos ajudar hoje a
melhorar a compreensão da realidade em que vivemos.
Por isso, a leitura de trechos das obras de filósofos, o
reconhecimento de seus argumentos e a sua contextualização são tarefas
fundamentais. O estabelecimento de exemplos e analogias também são

80
DNA Educação

importantes para que o sentido vá emergindo na aula. A Filosofia pode,


assim, ser as lentes conceituais que ajudam a problematizar o que está
naturalizado e tornado verdade; possibilitam criar formas de dar sentido
a fatos e acontecimentos.
Nesse sentido, mesmo o professor de Filosofia do Ensino
Médio pode produzir conhecimento filosófico. E, é de suma importância
que vençamos a dicotomia de pensamento que separa o filósofo, do
professor de filosofia. Existe uma diferenciação muito simples entre
ambos: o primeiro seria aquele que “produz” a partir de suas pesquisas
conhecimentos ditos válidos e muitas vezes universais. Já o professor de
filosofia é aquele que recolhe todos esses conhecimentos produzidos,
apropria-se deles com intensidade e “transmite” aos estudantes em sala
de aula. Essa perspectiva de superação, leva em consideração a
possibilidade de novidade, de renovação do mundo comum.
Essa visão necessita ser vencida pois o ensino de Filosofia
como possibilidade da natalidade, deve levar em consideração que a
construção da filosofia não admite dogmatismos e conformações.
Embora seja necessário debruçar-se com intensidade sobre os problemas
para encontrar respostas, inúmeros jovens alunos também podem fazê-
lo, de forma muito concreta e aproximada da realidade, desde que haja
uma argumentação sistematizada com muita rigorosidade. Até por que a
escola é perpassada por inúmeros questionamentos que podem ser
resolvidos dentro da própria escola com empenho de todos. Não
podemos mais aceitar extremos que comprometem o desenvolvimento
da educação, e mesmo do ensino de Filosofia, isso “significa, da mesma
forma, renunciar à pretensão de uma 'verdade científica' em favor de
'verdades científicas', ocupantes de lugares múltiplos” (BERTICELLI,
2010, p. 21) este reconhecimento necessita de aberturas e interpretações
significativas imbricadas com o mundo conceitual em que
desenvolvemos os processos de ensino-aprendizagem.
Essa concepção de ensino e de aprendizagem está fortemente
imbricada com a noção arendtiana de ação humana, que é a atividade
diretamente ligada à capacidade de relacionamento social, de início de
novas relações e da criação de novos conceitos. A natalidade que pode
ser “o novo começo inerente a cada nascimento […] porque o recém

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DNA Educação

chegado possui a capacidade de iniciar algo novo, isto é, de agir”


(ARENDT 2008, p. 17), possibilita o fato dos seres humanos poderem
iniciar algo novo e dá a eles a possibilidade de criar relações, objetos etc.
Vale salientar que esse processo de iniciar coisas novas,
acontece em uma comunidade que coloca em suspensão os assuntos a
serem debatidos, que confrontam ideias e desse movimento surgem
novas formulações. Para Masschelein e Simons (2017) “a comunidade de
alunos é uma comunidade única; é uma comunidade de pessoas que não
têm nada (ainda) em comum, seus membros podem experimentar o que
significa compartilhar alguma coisa e ativar sua capacidade de renovar o
mundo” (p. 85), em diálogo é possível ampliar as possibilidades de
compreensão e interpretar ideias a fim de esclarecer diversos contextos
onde existe falta de explicação. Esses estudantes contemporâneos
“estudam em uma coletividade em que agora convivem várias religiões,
línguas, origens e costumes” (SERRES 2015, p. 15) e, isso também
contribui para que os exercícios de Filosofia tornem-se cada vez mais
possibilidade de novidade.
Ensinar filosofia pode acontecer nas condições possíveis das
perguntas filosóficas que estejam abertas as possibilidades de
encontrarem as respostas, não somente transmitir os conteúdos
filosóficos prontos, mas também ensinar a filosofar. Toda essa reflexão
volta-se para as posições teóricas e metodológicas adotadas pelos
professores e vale destacar que “o ensino de filosofia é também um
desafio filosófico, na medida em que quem ensina filosofia deve se
perguntar como levar o aluno a se sentir desafiado” (CAMPANER,
2012, p. 38). Talvez o grande mote para esse despertar ao campo da
filosofia, se dê na perspectiva da construção de autonomia e
protagonismo por parte dos sujeitos envolvidos. Isso vai na contramão
da perspectiva de um ensino baseado apenas na transmissão de
conhecimentos, para um ensino onde os estudantes sejam capazes de
fazer as transformações da informação em conhecimentos.
Vale afirmar ainda que somos seres históricos e fazemos parte
de um mundo, muito maior do que fazemos ideia. No campo do
conhecimento, são milhares de anos de construção. Por isso na filosofia,
bem como em todas as áreas do conhecimento, precisam de uma íntima

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DNA Educação

relação com a história, a fim de situar-se, não repetir erros, inovar acertos
e avançar. Olhar para a história precisa ser um olhar para dentro de si,
no caso da filosofia esse olhar deve servir como impulso para o
movimento, para a natalidade. Além da história precisa haver mudança,
ruptura com velhos paradigmas de ensino e arriscar-se propor novas
relações de ensino e aprendizagem de Filosofia.
Sobre a natalidade a partir da Filosofia: a realização de café
filosófico no Ensino Médio
A experiência de realização de café filosófico que passamos a
descrever aqui aconteceu na Escola de Educação Básica Antonio
Morandini no município de Chapecó – SC, com os estudantes do Ensino
Médio matutino dessa instituição. Essa escola no turno matutino possui
duas turmas de primeiro ano, duas turmas de segundo ano e duas turmas
de terceiro ano do Ensino Médio. O que moveu o desenvolvimento do
projeto de café filosófico foi justamente o desafio de ir além do conteúdo
didático de Filosofia e possibilitar que os alunos reflitam e dialoguem
para além dos conceitos apreendidos em sala de aula. Nesse sentido foi
necessário realizar um planejamento da atividade, convidar pessoas de
fora da escola que ajudassem/desafiassem os alunos pensar, e dos quais
os alunos pudessem perguntar sobre o tema que estava sendo debatido.
O projeto de modo prático se desenvolveu dessa forma: cada
série do Ensino Médio estava discutindo um assunto, portanto seria
necessário fazer com cada série um café filosófico e dessa forma
aprofundar o que estava sendo trabalhado; como a escola não dispõe de
recursos para essas atividades foi preciso recolher dinheiro dos alunos
para comprar os lanches necessários; além do dinheiro, cada aluno se
envolveu trazendo algo a mais (garrafa térmica com café, leite, açúcar,
guardanapo); e, como forma de preservar o meio ambiente, cada aluno
levou a sua caneca.
No primeiro bimestre do ano letivo de 2018, cada turma do
ensino médio estava trabalhando um conteúdo: o primeiro ano
introdução a Filosofia; o segundo ano Filosofia Medieval; e, o terceiro
ano Filosofia Política. Pensando para além daquilo que estava sendo
trabalhado nos livros, para além dos conceitos desenvolvidos, a fim de

83
DNA Educação

desafiar os alunos a estabelecer um posicionamento frente aos


conteúdos, as turmas tiveram um período de aula para pensar em
questões para serem debatidas no café filosófico; com isso os alunos
poderiam exercer a sua natalidade através do discurso que fariam, das
perguntas que seriam feitas em público. Como teríamos um convidado
(que não era um palestrante) os alunos teriam a oportunidade de
apresentar o que já sabiam e ir além fazendo questionamentos a fim de
interpretar ou relacionar com o cotidiano o conteúdo da sala de aula.
A realização do café filosófico desafiou uma série de elementos
da escola: foi necessário que outros professores, além da área de
humanas se envolvessem na atividade, cedendo aulas, ajudando
organizar o espaço, por que a disciplina de Filosofia tem poucas aulas
por semana em cada turma; houve a necessidade de mudar turmas de
sala pois a escola não possui um auditório ou sala grande que não seja
utilizada diariamente. Para as turmas que estavam participando da
atividade rompeu-se o ciclo de aulas de quarenta e cinco minutos
ampliando a oportunidade de aprofundar mais o tema que estava em
debate.
O café filosófico com as duas turmas de primeiro ano
aconteceu no dia vinte e cinco de maio de dois e mil e dezoito com a
presença do professor doutor Ediovani Gaboardi da Universidade
Federal Fronteira Sul – UFFS. O tema do café foi “A Filosofia como
possibilidade de pensar, de questionar e de estudar”, esse tema foi
pensado justamente por que muitos alunos constantemente questionam
o professor regente da turma acerca da presença da Filosofia no Ensino
Médio. Nesse sentido o professor convidado falou de seu percurso
formativo, abordou sobre o método de produção filosófica e estabeleceu
relação entre os saberes da Filosofia com outras áreas do conhecimento.
Foi um momento dialógico onde os alunos tiveram a liberdade de
perguntar e ouvir respostas sobre a vida acadêmica do professor e
também sobre a presença da Filosofia no Ensino Médio.
Ao final da atividade os alunos foram convidados a escrever
uma breve avaliação do momento. Segue algumas observações feitas
pelos alunos do primeiro ano:

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DNA Educação

Houve um diálogo saudável e produtivo com o professor


Ediovani, mestre e doutor em Filosofia, atuando atualmente
na Universidade Federal Fronteira Sul – UFFS. Foram
abordados assuntos como a dinâmica da Filosofia, formação
(faculdade) em Filosofia e suas dificuldades, a língua
portuguesa na Filosofia e as incertezas do futuro da
disciplina no Ensino Médio brasileiro. Uma “palestra”
ótima, descontraída e inteligente. JV Turma 102.
Hoje no café filosófico foi discutido sobre como a Filosofia
impacta na sociedade, na nossa vida e a importância dela.
Recebemos o professor Ediovani da UFFS, que explicou e
discutiu conosco o conceito de Filosofia. Para mim, essa
manhã foi muito produtiva e especial, pois me fez entender
qual a importância da Filosofia, e me fez perceber como que
nós somos pessoas de pouco conhecimento, por achar que
sabemos de tudo. MLSZ Turma 101.
Eu gostei muito do café filosófico, foi uma atividade
diferente e muito boa. Adquirimos experiências que vamos
levar para a vida, o palestrante foi bem objetivo e nos ajudou
a ver outro lado da Filosofia. Acho que deve se repetir mais
vezes. GG Turma 101.
O café filosófico me passou muitos aprendizados: o quanto
é importante nos dedicarmos ao que gostamos e o quanto é
importante estudarmos para ter um futuro melhor. Ele falou
sobre Sócrates e o quanto são diferente os pensamentos de
um filósofo para o outro. H turma 101.
Gostaríamos de destacar algumas observações feitas pelos
alunos: eles destacam como “produtivo” a forma dialógica e
descontraída o modo como foi conduzido o café filosófico, o que nos
faz pensar sobre a necessidade de romper as barreiras meramente
conteudistas da disciplina; outro destaque refere-se a percepção que os
alunos relatam sobre a importância da Filosofia e de seus impactos na
sociedade, na qual o exercício do diálogo filosófico os fez perceber que
“acham que sabem de tudo”; por último, não menos importante a lição
de que é necessário dedicação e ao estudo para um futuro melhor.
Pelas descrições apresentadas é possível afirmar que o café
filosófico rompeu com o modelo de aula que se preocupa apenas com
conteúdos conceituais, onde o professor explica e/ou passa coisas no
quadro e os alunos ficam passivos ouvindo/copiando. Foi uma forma de
estar atento ao que Serres (2015) afirma, que os/as jovens da

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DNA Educação

contemporaneidade têm acesso ao conhecimento de outras inúmeras


formas, e o café foi uma forma de chamar atenção para formas dialógicas
de aprender, não só pelas tecnologias, mas pelo contato com outros seres
humanos. Os alunos puderam experimentar-se e romper com a
passividade ao fazer perguntas para os convidados, isso é (pode ser)
considerado natalidade.
O café filosófico com as turmas de segundo ano aconteceu no
dia vinte e quatro de abril. Teve como tema “Filosofia Medieval:
patrística e escolástica”, o convidado para dialogar foi o professor doutor
Edivaldo José Bortoletto da Universidade Comunitária da Região de
Chapecó – UNOCHAPECÓ. A partir de cenas e contextos do filme “O
nome da Rosa” (que os alunos já tinham assistido em aula), o professor
possibilitou que os alunos refletissem sobre diferentes elementos da
filosofia patrística e escolástica que permanecem na forma de construir
o conhecimento contemporaneamente. O convidado explorou aspectos
semióticos presentes no livro que deu origem ao filme (O nome da Rosa
– Umberto Eco), e conforme o professor foi adensando sua exposição
os alunos foram questionando-o sobre aquilo que já haviam estudando
o que proporcionou uma interação entre eles.
Da mesma forma que o primeiro ano, ao findar o momento os
alunos foram convidados a escrever suas observações e percepções sobre
o café, algumas seguem descritas abaixo:
O café filosófico que ocorreu entre os segundos anos foi
uma atividade muito interessante e cheia de novos
conhecimentos. Através dos diálogos ao longo do café
tivemos a oportunidade de conhecer tudo sobre a Filosofia
Medieval e alguns princípios básicos da Filosofia. Foi uma
atividade dinâmica, diferente das aulas que costumamos ter,
e que poderia acontecer mais vezes. Durante essas atividades
podemos adquirir muito mais conhecimentos do que numa
aula comum, há uma interação maior entre as pessoas
envolvidas, além de estarmos mais à vontade e confortáveis
com o ambiente. É importante citar também o professor
que se disponibilizou a vir ao café para nos explicar e tirar
todas as dúvidas em relação à Filosofia Medieval. Era
notável o seu grande conhecimento no assunto, e as suas
explicações eram muito claras. SF Turma 201

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DNA Educação

Achei bem legal a ideia do café, pois nós podemos comer e


conversar, expressar a opinião de cada um, e o professor
explicou para nós sobre o que ele pensava, o que era
patrística e escolástica e qual a diferença entre os dois
períodos. Ele nos falou que o filme “O nome da Rosa” é
muito bom, falou sobre Santo Agostinho e eu achei bem
legal, ele explicou bem as coisas, e o mais interessante é que
deu para comer. LM Turma 201
O café filosófico foi muito bom, eu gostei muito, pois com
ele pude aprender bastante, pude abrir minha mente,
consegui achar uma forma de aprender mais as coisas,
ganhar conhecimento. Pude ver vários livros que o
professor passou mostrando, foi muito legal. O professor é
uma das pessoas mais inteligentes que eu já conheci, ele é
incrível, com apenas uma palavra ele consegue dar uma aula
inteira. Foi explicado sobre vários assuntos, foi falado sobre
Santo Agostinho, foi falado sobre a patrística e a escolástica,
e o professor falou também sobre o filme que a gente
assistiu com o professor Gilberto. Gostei muito desse café
filosófico, eu não imaginava como era bom isso pois nunca
havia participado de um, queria que ainda esse ano tivesse
mais um desses (não só pela comida). LG Turma 202
A expressão “comer e conversar, expressar a opinião de cada um” talvez
possa resumir a percepção que muitos alunos tiveram sobre o café
filosófico. Ficou expresso o quanto uma dinâmica diferente da aula
cotidiana possibilita pensar e adquirir conhecimentos. Além das
perguntas e explanações feitas ao longo da atividade o professor levou
livros bilíngues (português – latim), o que despertou ainda mais a
curiosidade aos estudantes. Sem dúvidas pudemos ir percebendo que
essa atividade desperta nos estudantes um movimento de aprendizagem
que possibilita ir além das interpretações e contextualizações já realizadas
em sala de aula.
O café filosófico das turmas de terceiro ano ocorreu no dia
quatro de maio, o tema foi “Filosofia política: organização de um Estado
e o papel dos deputados”. O convidado para a atividade foi o Deputado
estadual César Valduga (Deputado estadual de Santa Catarina). Em sua
apresentação inicial identificou-se, falou de seus projetos e atuação no
legislativo do Estado, tratou de falar dos embates políticos cotidianos em
seu espaço de trabalho e sua relação com as pessoas (eleitores). Quando

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DNA Educação

possibilitou-se aos alunos fazer perguntas, os questionamentos foram os


mais variados, desde o campo da corrupção, aos projetos que realiza e
seus posicionamentos frente a questões como educação, saúde,
segurança.
Do mesmo modo que das outras turmas, segue algumas
observações e percepções dos alunos:
O café filosófico foi muito interessante, aprendi muitas
coisas novas e tirei algumas dúvidas que tinha em relação ao
tema. Consegui aproveitar muito todos os itens propostos.
Enfim foi uma experiência muito bem proveitosa. CBS
turma 301
O café filosófico é uma maneira de aprendermos diferente,
descontraindo com as turmas juntas e com alguém de fora,
no nosso caso o deputado Valduga, falando sobre política.
Ele respondeu muitas perguntas e várias dúvidas sobre o que
tínhamos. Muitas coisas até mesmo como funciona o
governo do Estado de Santa Catarina. Apoio mês que vem
ter outro café filosófico. TC turma 302
Eu achei o café filosófico muito interessante, as perguntas
foram desafiadoras e em alguns momentos podíamos ver
que o deputado se sentiu desafiado. As respostas foram
muito boas e ambos, os alunos e o deputado,
compartilharam experiências e todos aprenderam algo novo
durante o café. MF turma 301
O café filosófico nos proporcionou uma conversa com um
dos deputados estaduais de Santa Catarina, Valduga. Essa
conversa fez com que todos pudessem abrir sua mentalidade
para novos conhecimentos. Valduga pode nos mostrar o
lado bom e ruim da política, nos fez pensar em vários
aspectos. Porém, em alguns momentos da conversa, senti
que não foi respondido com clareza as perguntas. O café
pode nos despertar desejo, para podermos nos aprofundar
mais em assuntos relacionados a política. BAF Turma 301
Destacando e refletindo sobre algumas percepções dos alunos
pudemos analisar que o espaço proporcionou momentos de tirar
dúvidas, de aprender diferente e de “abrir a mentalidade para novos
conhecimentos”. Os alunos puderam ir além dos conceitos abordados
em sala de aula e estabelecer relação com o funcionamento do Estado,
no caso do Estado de Santa Catarina. Podemos perceber também,
através da atividade discursiva – das perguntas, que os alunos se

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DNA Educação

posicionaram, construíram sua forma “agir no mundo”. Algumas


questões foram muito bem formuladas e pegaram a todos de surpresa,
chamando atenção para a imprevisibilidade de ação (ARENDT, 2008)
que cada jovem possui.
Não poderíamos deixar de destacar que em todas as turmas
houve o registro do desejo de que a atividade se torne uma prática
constante e que outros cafés filosóficos sejam realizados.
Considerações finais
A escola é a instituição na qual as crianças e jovens são
introduzidas no mundo (ARENDT, 2007), desse modo esse espaço
torna-se um vácuo (MASSCHELEIN, SIMONS, 2017) no qual os
alunos têm tempo para ensaiarem-se e desenvolverem-se. Considerando
com Serres (2015) que os alunos aprendem de tantas e diversas formas,
é necessário que na escola se promovam momentos no qual eles (os
alunos) tenham a oportunidade de empreenderem algo novo, seja uma
nova compreensão de mundo, seja uma nova forma de interpretar a
realidade. Dessa forma é possível deixar que a natalidade dos alunos
aconteça.
Levando em conta esses princípios da escola, é necessário que
os componentes curriculares da educação básica façam esse exercício no
desenvolvimento das aulas. Nesse artigo refletimos sobre o ensino de
Filosofia. Esse componente carrega mais de dois milênios de história que
não podem ser meramente transmitidos aos alunos, eles precisam
estabelecer relações com os problemas contemporâneos e tornarem-se
as lentes que possibilitem ler e interpretar as realidades. O ensino de
Filosofia pode, por esse viés, possibilitar a novidade, ao passo que
permite que os alunos se envolvam no desenvolvimento das aulas e das
atividades relacionadas.
A experiência de café filosófico descrita na segunda parte do
texto, pôde demostrar como é possível ir além daquilo que está nos
livros, além da história da Filosofia. O envolvimento dos alunos e a
participação, seja na prática (lanches) seja na cognitividade através das
perguntas, foi uma nítida resposta de que eles anseiam por encontrar seu
lugar no mundo comum e inserir-se através do desejo de perguntar e

89
DNA Educação

saber mais. O desejo expresso de que se tenha outros momentos para


discutir filosofia de forma mais dialógica e descontraída, demonstra que
o objetivo de encontrar uma forma de superar o conteudismo foi
encontrada.
Referências
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo:
Perspectiva, 2007.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2008. 10ª ed.
BERTICELLI, Ireno Antônio. Educação em perspectivas
epistêmicas pós-modernas. Chapecó: Argos, 2010.
CAMPANER, Sônia. Filosofia: ensinar e aprender. São Paulo: Saraiva,
2012.
MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. Em defesa da escola: uma
questão pública. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
SAVATER, Fernando. As perguntas da vida. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
SLOTERDIJK, Peter. Regras para o parque humano: uma resposta
à carta de Heidegger sobre o humanismo. São Paulo: Estação
Liberdade, 2000.
SERRES, Michel. Polagarzinha: uma nova forma de viver em
harmonia de pensar as instituições, de ser e de saber. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2015
TOMAZETTI, Elisete M. Ensino e aprendizagem em filosofia:
possibilidades a partir de diferentes linguagens? In: TOMAZETTI.
Elisete M; GALLINA. Simone F. S. Territórios da prática filosófica.
Santa Maria: Editora UFSM, 2009.

90
DNA Educação

A ESCOLA E SEU PAPEL DE DESCONSTRUÇÃO


DO PRECONCEITO, DISCRIMINAÇÃO E
RACISMO NA SALA DE AULA.

Hélis Cristina Alves de Lima1


RESUMO:
O trabalho apresentar uma reflexão sobre a escola e seu papel formador
na construção e desconstrução do preconceito, racismo e descriminação
na Escola. A história da educação se mistura com a história do Negro e
sua chega ao Brasil, estigmatizando essa parcela da população e
lembrando que a fomentação histórica foi construída através do
eurocentrismo. O processo de desenvolvimento do trabalho foi através
de uma pesquisa bibliográfica e qualitativa exploratória, visando
encontrar o ponto onde os docentes possam trabalhar as práticas
voltadas para a superação do racismo, com reflexões interdisciplinares
sobre a diversidade cultural existente.
Palavras-Chave: Preconceito. Discriminação. Educação. Racismo.
ABSTRACT:
The paper presents a reflection on the school and its formative role in
the construction and deconstruction of prejudice, racism and
discrimination in the School. The history of education mixes with the
history of the Negro and its history arrives in Brazil, stigmatizing this
part of the population and remembering that historical fomentation was
built through Eurocentrism. The process of development of the work
was through an exploratory bibliographical and qualitative research,
aiming to find the point where teachers can work on practices aimed at
overcoming racism, with interdisciplinary reflections on the existing
cultural diversity.
Keywords: Prejudice. Discrimination. Education. Racism

1Especialista em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, pela Faculdade Gama Filho –


FGF, Graduada em Letras pela Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iguatu – UECE.
Professora do Ensino Fundamental no Município de Cedro/CE

91
DNA Educação

Introdução
Torna-se importante a reflexão em torno da cultura como um
fator de construção social, histórica e individual dentro dos processos de
formação da educação, numa perspectiva de construção de identidade,
apreciando de forma igualitária a raça humana preservando as raízes de
cada um e permitindo através das trocas de conhecimentos, novas
experiências.
Através dos estudos, percebe-se que o negro sempre foi o que
mais labutou e continua nesse mesmo processo, modificando apenas a
forma dessa labuta. Dentro do contexto de sala de aula, é pertinente
trazer recursos que passem a integrar a construção pontes dentro das
multiculturas, elaborando e transformando indivíduos conscientes
dentro da diversidade passando assim a respeitar os aspectos da
individualidade do outro.
É necessário lembrar que ainda existem educadores que sentem
dificuldade perante alguma situação de preconceito, percebe-se que
mesmo os centros universitários não modificaram o padrão imposto
quando eram alunos do ensino fundamental, ou seja, dentro da
orientação de que o negro e sua vinda para o Brasil serviu apenas para
aumentar e fomentar a economia de seus senhores com seu trabalho
árduo e em condições desumanas.
Ao analisar a desconstrução do padrão racista da escola, o
preconceito e a discriminação, além de visualizar a fomentação
profissional dos educadores da EMEIF Leandro Alves Correia, buscou-
se a finalidade de detectar a prática educacional dos educadores no que
diz respeito as diversas situações de preconceito no ambiente escolar,
assim como, identificar o conhecimento dos educadores acerca da lei Nº
10.639/03.
Os educadores ao enfrentar tal questionamento muitas vezes se
deparam com desafios que decorrem da necessidade de resolver
equívocos onde se deturparam as culturas, o ser humano e sua
ancestralidade. Pode-se acrescentar que esse desafio tende a aumentar
quando se analisa os esquemas de violência, que diversos grupos da
sociedade brasileira estão a passar, quando busca-se estudar sobre as
culturas africanas e afrodescendentes dentro de uma realidade dialética,

92
DNA Educação

onde se encontram permeadas de contradições e dentro de constantes


processos de interpretação.
Entretanto, percebe-se que dentro das instituições educacionais
ocorrem casos diversos de discriminação onde a maioria das resoluções
são apenas camufladas, igualando uma ao outro, sem apresentar e as
devidas explicações necessárias. Os seres humanos são sim iguais perante
a lei, no entanto, os atingidos de forma preconceituosa e racista, possuem
um histórico de luta e identidade de um povo deixados por seus
ancestrais que tendem sim, a engrandecer todos os seres humanos.
Considera-se de suma importância que o papel do professor é
fundamental para a efetivação da Lei Nº 10.639, que altera a LDB
9394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, onde passou
a estabelecer que a inclusão torna-se obrigatória no currículo oficial das
redes de ensino dentro da temática História e Cultura AfroBrasileira.
Dentro dessa visão pratica dos educadores, torna-se possível a
contribuição a fim de combater o racismo no ambiente escolar, já que as
relações professor e aluno constituem um processo de ensino
aprendizagem, não somente através dos conteúdos escolares, mas sim
relacionados as questões sociais, éticas e morais.
Nesse estudo serão apresentados os contextos históricos
dentro das questões étnicos raciais, conceitos diversos dentro do
assunto, mostrando que o diferente torna-se igual quando se trata cada
contexto dentro da sua individualidade, além de apresentar a pesquisa
aplicada na escola através de sua análise. Ao final do trabalho, buscou-se
observar as vitórias, conquistas e aceitação que a sociedade negra
adquiriu, sendo assim capaz de reestruturar e transformar os fatos
históricos a fim de impulsionar a equidade social e cultural.
A educação brasileira e as relações étnico racial.
Quando se fala em educação brasileira deve-se entender que as
relações étnicas raciais são os alicerces da cultura dessa nação, a
construção do processo capitalista deve ser pontuada desde o período
escravocrata da população indígena, em seguida a população negra,
gerando assim concepções e práticas racistas ao longo do tempo.

93
DNA Educação

A matriz da cultura brasileira recebeu fortes influências da


Europa, tendo como finalidade silenciar as matrizes indígenas e
africanas. Deve-se perceber que a formação educacional brasileira
consolida-se dentro de uma comunidade multirracial e pluriétnica. De
acordo com Rocha (2007, p.23):
Na realidade brasileira, podem ser encontrados indivíduos
negros, asiáticos, brancos, indígenas. A maior parte da
população, sem dúvida, resulta de mestiçagens várias de
todos os grupos entre si, em maior ou menor grau.
O Brasil vive dentro de uma sociedade diversificada
culturalmente, no entanto, percebe-se que as escolas não encontram-se
preparadas para trabalhar e lidar com determinadas situações de
discriminação, entre elas o racismo. De acordo com o Dicionário Aurélio
(2010, p. 616), racismo é “a doutrina que sustenta a superioridade de
certas raças”. Nesse processo, o primeiro caso de teorização de
pensamentos racistas aconteceu no século passado, na França, o
percursor das teorias racistas foi o Conde de Gobineau, sua obra
intitulada como “Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas”, em
1855, em seus escritos lançou a base da teoria arianista, que considera a
raça branca como a única, pura e superior às demais, embasando assim
o fundamento filosófico nazista.
No século XX, com o lançamento de Giberto Freyre, “Casa
Grande & Senzala” desencadeando assim debates sobre relacionamento
de escravos com seus senhores. Dentro diversos estudos, percebe-se que
historicamente a economia brasileira fomentou-se de forma harmonia e
patriarcal dentro de cruzamentos dos indivíduos no processo de
formação da sociedade brasileira, nesse contexto pode-se perceber a
miscigenação entre as raças e assim identifica-se a relação entre Senhor e
Escravo.
No entanto, percebe-se toda essa mistura de raças, porém, a
sociedade ainda buscar estereotipar o negro, apontando assim
características que não são suas dentro de um conceito de moral e pecado
nada condizente com a realidade. Para os negros pré-conceitos pré-
concebidos como: corrupto, impuro, pecaminoso tornaram-se males

94
DNA Educação

existentes dentro de uma sociedade racista. Dentro desse conceito pré-


estabelecido Munanga (1988, p. 14-15) relata que:
Em cima dessa imagem, tenta-se mostrar todos os males do
negro por um caminho: a Ciência. O fato de ser o branco
foi assumido como condição humana normativa e o de ser
negro necessitava de uma explicação científica. Uma
primeira tentativa foi a de pensar o negro como um branco
degenerado, caso de doença ou de desvio à norma.
A superioridade é imposta a maioria dos educadores, e nisso
para muitos a preparação para o enfrentamento e as desmitificações dos
preconceitos torna-se algo inapropriado. É necessário entender que o
processo de formação torna-se algo continuo e de transformação dentro
de uma sociedade a busca sempre reformulação e aceitação; e estes
valores devem ser capazes serem assimilados e perpassados de uma ser a
outro, trabalhando assim as suas diferenças.
Etimologicamente, a palavra preconceito, vem do latim prae =
antes, e conceptu = conceito, segundo Cashmore (2000, p. 438) “este
termo pode ser definido como conjunto de crenças e valores aprendidos,
que levam um indivíduo ou grupo a nutrir opiniões a favor ou contra os
membros de determinados grupos, antes de uma efetiva experiência com
estes”.
Na concepção do preconceito no Brasil este segrega determi-
nados grupos dentro da sociedade, acarretando uma supremacia de um
povo dentro de uma cultura sobre outros, expressando assim nas
diferentes formas: racial, cultural, religioso, biológico, sexual. No Brasil
percebe-se que acontece uma forma de preconceito velada, onde tem
como intuito vislumbrar o processo de igualdade racial, entretanto, tem
um caráter de atentando ao valor da cultura.
O preconceito racial, encontra-se interligado a forma de ser de
cada indivíduo perante as suas manifestações interpessoais, a aceitação
dos padrões de comportamento, a acomodação entre a utilização de
expressões para expor a cor de forma que demonstram o preconceito na
utilização do pardo, moreno ou preto.
O ambiente escolar é um local de agrupamento cultural dentro
das diversidades de cada grupo, no entanto existe um grave problema

95
DNA Educação

dentro desse contexto, ou seja, quando se coloca dentro do padrão de


comportamento os pontos bases de discriminação do outro, isso torna-
se uma ameaça ao processo de coletividade. De acordo com Rocha
(2007, p. 19) “visão de mundo que considera o grupo a que o indivíduo
pertence o centro de tudo. Elegendo como o mais correto e como padrão
cultural a ser seguido por todos. Considera os outros, de algumas formas
diferentes, como inferiores”.
As organizações educativas e a educação devem ser tidas como
instrumentos de construção coletiva, contudo, esse processo pedagógico
ainda encontra-se enraizado ao processo de colonialismo, a uma gestão
escolar em sua maioria autoritária e buscando impor sempre as
diferenças, dentro de planejamentos elaborados para determinado
período e não para uma mudança de atitude diária.
O negro ao longo da história vem ser o ser subordinado dentro
de uma luta constante contra o preconceito e a discriminação. De acordo
com as Diretrizes Curriculares, ao longo da história o Brasil passou a
estabelecer modelos de desenvolvimento excludente, impedindo assim
que muitos brasileiros tivessem acesso as instituições de ensino e nelas
permanecessem.
O Decreto Nº1.331 de 17/02/1854 estabelecia que nas escolas
públicas não seriam admitidos escravos e a instrução de negros adultos
dependeria da disponibilidade dos professores. Entretanto, no Decreto
Nº 7.031- A, de 06/09/1978, estabelecendo que os negros só deveriam
ter acesso aos estudos no período noturno, mostrando assim estratégias
diversas a fim de impedir o acesso dos negros aos bancos das instituições
escolares.
Torna-se necessário entender que a educação é a herança social
de um povo, e este legado é repassado de geração a geração inscritos na
História daquela comunidade, do país ou dentro do contexto mundial.
Essa parcela da população que foi privada da escola tradicional, percebe-
se que a parte excluída de uma educação de qualidade ainda existe em
pleno século XX, os estudos sobre as grandes metrópoles, invernos com
neve tornam-se distantes da realidade de muitos educandos,
apresentando um universo diferenciado do que a realidade mostra.

96
DNA Educação

A partir dos anos 70, iniciou-se importantes estudos sobre as


relações étnico raciais nas escolas brasileiras, buscando apresentar a
camuflagem do verdadeiro contexto histórico dos afro-descendentes e,
assim, buscar construir a história na práxis educacional.
O Ministério da Educação buscou criar uma linha de
acessibilidade a Educação como garantia de oportunidades igualitárias
para todos, no entanto percebe-se que dentro desse processo existem as
falhas e assim muitos continuam se beneficiando de uma parcela que não
pertence a estes.
Em 9 de janeiro de 2003, suscita no bojo da Educação brasileira
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-raciais e para o Ensino da História e da Cultura Afro-brasileira e
Africana. Onde seu parecer regulamenta a alteração trazida à Lei
9394/1996 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela Lei
10.639/2003 que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica. Assim como
cumprir o estabelecido na Constituição Federal nos seus Art. 5, I, Art.
210, Art. 206, I, § 1° do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, bem como nos Art.
26ª e 79B na Lei 9394/1996, que asseguram o direito à igualdade de
condições de vida e de cidadania, assim como garantem igual direito às
Histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além do direito de
acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos brasileiros.
Nos currículos escolares a obrigatoriedade da inclusão de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da educação
básica tratou-se de uma decisão políticas, trazendo fortes repercussões
pedagógicas. Este fato mostrou reconhecer um direito retirado a essa
mesma população muitos anos antes, no entanto é necessário que os
professores valorizem a cultura e a História desse povo, passando assim
a tentar reparar os danos sofridos à sua identidade, seus direitos e sua
cultura.
Ao falar sobre esse assunto, é necessário frisar que os temas
abordados dentro da cultura afro-brasileira e africana diz respeito a toda
população inserida na atual sociedade, e não apenas aos negros, pois
torna-se necessário frisar que o indivíduo vive num mundo multicultural
e pluriétnica e capazes de construir uma democracia social e educacional.

97
DNA Educação

No Brasil, a chegada dos negros escravizados começou


oficialmente quando a Coroa, que já tinha em 1535, autorizado a
escravização dos índios, resolveu através de um alvará datado de 29 de
marco de 1549, autorizar também, a importação de negros africanos para
serem escravos. Neste documento era permitida a entrada de até 120
escravos por engenho de açúcar, isento do pagamento de tributos. As
Diretrizes Curriculares pretendem dentro dos seus objetivos vislumbrar
que o negro foi inserido na sociedade brasileira desde a chegada do Navio
Negreiro, trazendo consigo uma diversidade cultural, racial e social, já
que a parte econômica vinha de forma zerada por serem trazidos como
escravos.
As escolas devem dentro do seu contexto de planejamentos,
incluir atividades que passem a promover estudos onde visem trabalhar
as contribuições históricas e culturais dos povos indígenas e africanos.
Dentro desse modelo é necessário que as escolas públicas e particulares
procurem trabalhar no educando as verdadeiras contribuições sociais,
culturais e religiosas dentro do processo de construção da nação
brasileira.
Esse processo de luta e aceitação de uma sociedade criada
dentro de um processo de miscigenação de um povo, torna-se uma
conquista não apenas dos afro-descendentes, mas sim de toda uma
sociedade civil que carrega o peso de uma exclusão. Projetos que
busquem essa valorização mostra o quanto alguns profissionais
encontram-se comprometidos com a educação, visando fomentar o
conhecimento e a produção de atitudes que levem a posturas e a
integração de uma nação democrática e igualitária.
As instituições públicas e privadas, com a lei Nº 10.639/03,
perceberam a necessidade de fomentar a qualificação nos seus
funcionários, trazendo assim um melhor suporte para o repasse de
conhecimentos e o aperfeiçoamento das relações étnico-raciais. É
notório os avanços educacionais nas últimas décadas, no entanto pode-
se perceber também que algumas práticas ainda encontram-se restritas e
para que possam ser cumpridas é necessário um trabalho de formação
continuada dos profissionais atuantes no âmbito educacional. A referida
Lei e seus aportes relacionam duas questões, uma retira a Europa a nossa

98
DNA Educação

matriz cultural, trazendo esse fundamento para a África e sua cultura, e


em outro contexto coloca o professor com o importante ícone no
processo de construção do conhecimento. Para Rocha (2008, p. 57):
Esse redimensionamento da perspectiva causou,
evidentemente, uma enorme inquietação no meio
educacional, uma vez que a Lei obriga a introdução de novos
conteúdos e uma nova perspectiva. A prática docente e a
formação inicial e continuada de professores e, por
conseguinte, o currículo exige revisão de modo a
adequarem-se às demandas legais e à satisfação da
orientação pela inclusão – tônica da política educacional
brasileira dos últimos anos.
É necessário que os profissionais da educação, buscando a
utilização da Lei Nº 10.639/03, devam desprender-se de algumas práticas
pedagógicas e passem a utiliza-se de uma nova conjuntura educacional
dentro do processo social que vivemos. O conhecimento das diferenças,
a promoção da equidade de oportunidades, uma qualidade escolar
assertiva, podem proporcionar aos educadores e educandos a
ultrapassassem dos desafios sobre as diferenças culturais e sociais.
Segundo Rocha (2008, p. 58)
Considerando a Escola como o espaço na qual estereótipos,
preconceitos e práticas discriminatórias são desconstruídas.
Ela reúne instrumentos pedagógico que viabilizam esse
propósito a partir da reflexão dos profissionais que a
compõem. Docentes e técnicos podem “pôr abaixo” grande
parte dos entraves interpostos às populações afro-
descendentes que as impedem de viver plenamente a
cidadania. A apresentação positiva da História e da cultura
dessas populações e uma das estratégias a serem colocadas
em pratica de modo efetivo e consecutivo.
O processo de construir subsídios para ajudar aos educadores
a superar o racismo na escola deve ser realizado através de ações que
busquem de forma afirmativa o combate ao racismo e a discriminação
do preconceito que passa a vitimizar a comunidade negra dentro do
ambiente escolar. A valorização dessa comunidade passa a ser subsidio
de elevação da autoestima dentro do processo de reconhecimento da

99
DNA Educação

diversidade como fator aglutinador das diferenças. Para Munanga (2008,


p. 17):
Não existem leis no mundo que sejam capazes de erradicar
as atitudes preconceituosas e que existem nas cabeças das
pessoas (....). No entanto, cremos que a Educação e capaz
de dar tanto aos jovens quanto aos adultos a possibilidade
de questionar e de desconstruir os mitos de superioridade e
de inferioridade entre grupos humanos que foram
socializados (...) não temos dúvidas que a transformação de
nossas cabeças de professores e uma tarefa preliminar
importantíssima. Essa transformação fará de nós os
verdadeiros educadores, capazes de contribuir no processo
de construção de individualidades históricas e culturais das
populações que formam a matriz plural do povo e da
sociedade brasileira.
A questão racial e seu preconceito no Brasil, vem passando por
um processo de trabalho sistêmico através das entidades representativas
buscando assim reduzir a discriminação que encontra-se disseminada
desde o período colonial. A escola possui um papel importantíssimo na
formação do aluno e no exercício da cidadania, não deixando apenas para
esse segmento o papel de desenvolver a criticidade e o conceito dos
alunos sobre a sociedade e que se vive. Esse processo de entendimento
deve ser visto como forma de capacitar e avaliar os papeis sociais e os
processos pré-existentes. Para Coelho (2008, p. 103),
Ainda que a perspectiva e os procedimentos do professor
possam ser considerados tradicionais, e inegável existência
de certa coerência entre o conceito adotado de cidadania e a
prática pedagógica. Uma vez que seu conceito informa uma
concepção de cidadão ativo, capaz de situar-se diante de
dificuldade, de formar opiniões próprias, de ler o mundo, de
distinguir o “verdadeiro e o aparente”, sua prática
pedagógica não se encaminha para a transmissão de regras e
para o condicionamento de comportamento, mais para a
construção de competências e a habilidade que permitam ler
o mundo e interpretá-lo.
A escola deve por meio de seu planejamento buscar atrativos
sobre as questões étnico-raiais a fim de formas grupos de estudo e
transformar a sua comunidade escolar em um ambiente propício a

100
DNA Educação

aprendizagem e a luta por uma sociedade igualitária, enforcando as


contribuições recebidas dos afro-descendentes. É necessário perceber
que a questão racial é assunto a ser tratado por todos buscando sempre
a valorização e o respeito do outro. Para Rocha (2008, p.57),
Ao introduzir os conteúdos relativos à cultura afro brasileira
e à história da África, a Lei 10.638/03 desloca a perspectiva
adotada, até em tão, mas representação sobre o Brasil e
sobre a sua formação, transformado em conteúdo didático.
Tradicionalmente, o ensino brasileiro adota a formação
brasileira como um desdobramento lógico e consequente da
história europeia, ou seja, após rápida referência às
sociedades antigas, como a egípcia e a mesopotâmica, os
alunos aram levados a ver a sociedade ocidental, desde a
conformação do mundo Greco-romano, na Europa como a
matriz cultural brasileira.
A determinação da Lei Nº 10.639/03 sobre o ensino da História
da África deve ser tratada como uma perspectiva positiva e assim fazer
parte do desenvolvimento do grupo e da humanidade, pois esta perpassa
de geração em geração, mostrando que os educadores devem valorizar a
identidade negra e assim construir um novo conceito sobre democracia
dentro do âmbito escolar.
Analise e discussão dos resultados.
A pesquisa foi realizada na EMEIF Leandro Alves Correia, na
cidade de Cedro/CE, tendo como objetivo refletir sobre a cidadania, sua
interação dentro do contexto escolar e a desconstrução do racismo,
discriminação e preconceito existentes nos alunos. A presente escola
pertence a Secretaria Municipal de Educação, o prédio da instituição
encontra-se situado na Agrovila, distrito do Município de Cedro/CE.
Possui dois níveis de ensino: Fundamental I e II, funcionando nos turnos
Manhã e Tarde.
Para o seu desenvolvimento foi realizada abordagem
bibliografia considerada importante para organizar e estruturar o
presente trabalho. A a pesquisa bibliográfica se desenvolve
principalmente através de livros e artigos científicos, pois permite
investigar diversos fenômenos, inclusive quando se trata dos dados
históricos (GIL, 2008).

101
DNA Educação

A análise está ancorada na concepção pautada na visão do


entrevistado, como de primeira mão e assim buscar uma compreensão
da realidade local sensível e pertinente aos aspectos socioculturais
(GEERTZ, 2008).
A pesquisa foi trabalhada com as turmas do Ensino
Fundamental II no total de 114 (cento e quatorze) alunos, buscou-se a
princípio apresentar uma visão dos indígenas enfatizando que foram os
primeiros moradores do Brasil, salientando a exploração durante o
período de colonização e a diversas discriminações sofridas, desde o
vestuário até a sua religião.
Apresentou-se que essa discriminação ainda existe no Século
XXI. Dentro desse processo percebeu-se que 80% da comunidade
estudantil apontou para uma concepção de que não somente os povos
indígenas sofriam preconceito, relataram que negros e o grupo LGBT
sofrem diversos tipos de discriminação, 10% apontaram para a
discriminação religiosa, 5% para a questão relacionada ao sexo
(masculino e feminino) dentro da sociedade, 5% optaram pela
discriminação sócio econômica.

Discriminação Século XXI

5%
Negros; Indios/LGBT
5%
10% Religiosa
Sexo
80%
Situação Economica

Durante a entrevista muitos relataram a indignação perante os


problemas raciais existentes no país, os acontecimentos ocorridos no
espaço escolar e nas suas imediações. Para 98% dos educandos relatam
que a escola torna-se o principal espaço para aprendizagem e uma
convivência harmônica dentro da sociedade, enquanto 1% considerou a
família e outro 1% a Igreja.

102
DNA Educação

Os alunos enfatizaram a crueldade do racismos e preconceito


já presenciados dentro dos ambientes escolares e sociais, podendo
demonstrar a indignação perante a este problema e vendo a necessidade
de uma ação coletiva dentro da legislação no tocante a discriminação
racial.

Aprendizagem X Convivência

1%
1% Escola
Família

98% Igreja

Percebeu-se que 100% dos educandos necessitam de um


aprendizado cada dia mais intercultural dentro do espaço escolar, para
que todos possam se conscientizar de um avanço social e sem
discriminação. Torna-se necessário que os educadores trabalhem o seu
dia a dia como um mecanismo de ruptura dos problemas de desigualdade
racial e social existentes na sociedade.
Entretanto, apenas 60% dos educandos reconheceram a luta
dos negros em busca de seus direitos desde sua chegada, 10%
reconhecem a luta dos trabalhadores, 20% o grupo LGBT, 5% índios e
5% não quiseram ou não souberam opinar

Luta X Direitos
5% Negros
5%
Trabalhadores
20%
60% LGBT
10%
Indios
Não opinaram

103
DNA Educação

Entretanto 76% não conseguem discernir a forma violenta e


desumana que foi retirada os direitos, sua crença e seus valores, para uma
sociedade padronizada, hierarquizada e opressora, 8% relatam que os
valores foram retirados quando colocam cotas raciais para os negros nas
Universidades, 12% relataram que a violência parte muitas vezes do
próprio ser, pois muitos acabam se menosprezando, 4% não souberam
responder.

Direitos X Realidade

4%
Desumana
12%
8% Cotas
Individual
76%
Não responderam

No entanto 100% dos alunos entendem que o racismo é uma


herança do período colonial e deixou marcas de uma segregação no meio
social. Apesar de um Estado democrático e globalizado as desigualdades
raciais, sociais, de gênero, religiosas e econômicas tornam-se presentes.
Conclusão
Percebe-se que esse processo é tenso e conflituoso e passa a
emergir discussões sobre a educação dentro das relações étnico-raciais,
dentro de uma pressão para a aceitação dos educadores e gestão da Lei
Nº 10.639/03 para a alteração do currículo escolar. Torna-se necessário
identificar que a obrigatoriedade dessa lei não pode se restringir a
pequenas modificações nos conteúdos e no currículo, é necessário um
pensar ativo dentro de procedimentos que vise a redução do racismo e
preconceitos dentro dos diversos grupos existentes na sociedade.
Nessa perspectiva, a lei demanda condições efetivas dentro do
cotidiano escolar, mas percebe-se que os desafios são inúmeros, inserir a
temática no contexto escolar necessita de um planejamento dentro das
normas e documentos normativos para que seja garantido esse

104
DNA Educação

desenrolar de conteúdo e a garantia do entendimento sobre os assuntos


e sua interpretação pelas diversas mentes ali existentes.
Conclui-se na pesquisa que a escola não deve ser considerado o
espaço único de aprendizado e conversas sobre o assunto, no entanto é
apenas ela que pode contribuir de forma igualitária para o desenrolar
formativo e responsável pelo cidadão consciente que estão formando.
Essa consciência na sociedade deve ser obtida nas instituições de ensino
e elas tem o papel de combater a discriminação e assim propiciar o acesso
aos conhecimentos científicos, culturais de um país miscigenado.
Referências
BRASIL. Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB Nº 9394,
de 20 de dezembro de 1996.
____. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20
de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá
outras providências.
____. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro
de 2003, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para
incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da
temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
____. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana. Brasília: MEC/SEPPIR, 2004.
____. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: SECAD;
SEPPIR, 2009. Disponível em:
http://www.seppir.gov.br/.arquivos/leiafrica.pdf. Acesso em:
17/05/2018
CASHMORE, Ellis. Dicionário das relações étnicas raciais. São Paulo:
Selo Negro, 2000.

105
DNA Educação

Dicionário Aurélio. Míni Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa - 8ª


Ed. 2010 - Nova Ortografia
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. 32. ed. Rio de Janeiro:
Record, 1997.
GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. (1999) Racismo e anti-racismo
no Brasil. São Paulo, Editora 34.
Munanga, Kabengele. Negritude Usos e Sentidos. 2 ed. Sp. Ática, 1988
ROCHA, Genylton Odilon Rego da Rocha. Reflexões sobre currículo e
política curricular. IN: PARÁ, Secretaria de Estado de Educação. A
Educação Básica no Pará: elementos para uma política educacional
democrática e de qualidade Pará todos, 2008, p.71-96

106
DNA Educação

DE CROMOSSOMOS A COMO SOMOS:


RESSIGNIFICANDO O ESTUDO DA FISIOLOGIA
PARA PSICOLOGIA

Igor Iuco Castro-Silva1


Jesús Alberto Perez Guerrero2
Jacques Antonio Cavalcante Maciel3

RESUMO:
Esse relato de caso descreve a intervenção educativa no processo ensino-
aprendizagem de Fisiologia em um curso de Psicologia no interior do
Ceará. Em quatro anos de acompanhamento, com uso de avaliação
diagnóstica, formativa e somativa através de práticas, seminários e
Aprendizagem Baseada em Equipes, notou-se aumento de desempenho
e satisfação dos estudantes, bem como diminuição de absenteísmo e
reprovação. Essa experiência mostra ser possível aumentar o
envolvimento discente com base em metodologias ativas e na avaliação
educacional para aprendizagem significativa.
Palavras-chave: Avaliação Educacional. Aprendizagem Baseada em
Equipes.
ABSTRACT:
This case report describes the educational intervention in teaching-
learning process of Physiology in a course of Psychology in a small town
of Ceara. In four years of follow-up with use of diagnostic, formative
and summative evaluation through practices, seminars and Team-Based
Learning, it was noticed an increase in student performance and
satisfaction as well as decrease of absenteeism and reprobation. This
experience shows that is possible to increase student involvement based
in active methodologies and educational evaluation for meaningful
learning.
Keywords: Educational Evaluation. Team-Based Learning.

1 Professor Adjunto da Universidade Federal do Ceará, Sobral, CE, Brasil


2 Mestrando em Biotecnologia da Universidade Federal do Ceará, Sobral, CE, Brasil
3 Professor Assistente da Universidade Federal do Ceará, Sobral, CE, Brasil

107
DNA Educação

Introdução
A Fisiologia Humana é indispensável em muitos currículos das
áreas Biológicas e da Saúde, objetivando oferecer conhecimento sobre o
funcionamento de células, tecidos e órgãos, promover a relação entre os
diferentes sistemas orgânicos e entre corpo e ambiente, de modo a
preservar o equilíbrio do estado de saúde (BORGES et al, 2016,
BORGES; MELLO-CARPES, 2014). Esta disciplina é considerada
difícil pelos estudantes quando lecionada pelo método tradicional de
aulas expositivas, devido à linguagem técnica, densidade de informação
e falta de visão de aplicabilidade deste conhecimento na futura atividade
profissional (BORGES et al, 2016; CANOVA et al, 2016). Hoje, é cada
vez maior a quantidade de conteúdo científico na temática (VARGAS et
al, 2014) e menor o tempo gasto ou disponível para estudo extraclasse
pelos estudantes universitários (MILLER et al, 2011). Por isso, faz-se
necessário buscar alternativas para motivar e capturar o interesse de
alunos, durante e fora da sala de aula (VARGAS et al, 2014).
O envolvimento e a participação do educando no seu próprio
processo de ensino-aprendizagem é condição imprescindível para uma
formação de qualidade (CEZAR; OLIVEIRA, 2007). Estudantes envol-
vidos são aqueles que querem aprender, superar expectativas e demon-
stram paixão e excitação com o processo de ensino-aprendizagem
(MILLER et al, 2011). Diferente da aprendizagem passiva, onde o
estudante aceita a informação sem reflexão e reproduz uma memori-
zação mecanizada, na aprendizagem ativa o ensino é centrado no
estudante, que busca a resolução de problemas através de tarefas mentais
e físicas, sendo possível uso de estratégias multimodais de ensino
(DOWLATI et al, 2016, BORGES; MELLO-CARPES, 2014). Ainda, é
valorizada a realidade profissional, sob a abordagem multidisciplinar e
colaborativa, o que encoraja a interação entre estudantes e professores
(LYND-BALTA, 2006, VÁZQUEZ-GARCÍA, 2018).
Alguns defensores do ensino tradicional se contrapõem às
pedagogias modernas, acusando-as de estimular um laissez-faire, mas o
caminho percorrido pelo professor é justamente o inverso, pois este se
esforça intencionalmente e com mais afinco para proporcionar experi-

108
DNA Educação

ências que favoreçam o alcance dos objetivos de aprendizagem estabele-


cidos para todos os estudantes (GOMES et al, 2010).
A construção de um ambiente de aprendizagem adequado e
qualificado é um grande desafio para as instituições de ensino (BORGES
et al, 2016). O uso de metodologias ativas de ensino-aprendizagem
(MAEA) pode ser muito contributivo, incluindo a problematização, que
gera alta satisfação dos alunos com a interação dos aspectos teóricos e
práticos, com a avaliação formativa realizada em diferentes etapas e
cenários e com o próprio desempenho no curso, bem como aumentam
o entusiasmo do próprio docente no ato de ensinar (GOMES et al,
2010).
A aprendizagem baseada em problemas no ensino de Psicologia
destaca o papel ativo do aluno, estimulando-o ao uso de multimídias para
acessar a diversidade de informações, em contraposição à unicidade do
conhecimento do professor, bem como desenvolve a habilidade de
trabalhar em grupo (KODJAOGLANIAN et al, 2003). A sala de aula
invertida (que usa módulos online antes da apresentação de uma temática)
e a dramatização melhoram o envolvimento dos alunos, tornando-os
mais aptos a relembrarem da experiência de aprendizagem e retendo
maior informação sobre conceitos de Fisiologia (DOWLATI et al, 2016,
AKKARAJU, 2016). Existem muitas outras modalidades de MAEA e
qualquer que seja a opção do educador, a motivação é eixo central seu
sucesso, com abordagens de ensino-aprendizagem sintonizadas às
experiências significativas, seguindo os princípios ausubelianos
(BORGES et al, 2016).
Estratégias para ajudar no envolvimento do estudante em sala
de aula em um curso de Psicologia incluem: estímulo ao pensamento
crítico, aplicação de conteúdos ao ensino de adultos (andragogia),
realização de dinâmicas de grupo (exercícios e demonstrações),
valorização do conhecimento prévio (sensações e percepções) e uso de
tecnologias de informação e comunicação promovendo interatividade
(MILLER et al, 2011). Ainda, o ensino neste curso deve estimular a
criatividade e a interdisciplinaridade (PIRES, 2009).
O curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará do
Campus Sobral estimula seu corpo docente à implementação de MAEA

109
DNA Educação

(UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARA, 2006). Diante de um


cenário de poucos docentes para um curso de graduação do interior com
apenas 12 anos de existência e grande número de alunos por turma, faz-
se necessário repensar o uso de MAEA que potencialize a dinamização
de conteúdos extensivos e de difícil assimilação, promovendo, dessa
forma, maior envolvimento discente.
Uma experiência exitosa no curso de Odontologia da mesma
instituição com Aprendizagem Baseada em Equipes (ABE) ou Team-based
learning (TBL) fomentou a habilidade de trabalhar em grupos em turmas
grandes e estimulou o estudo individual, necessitando de apenas um
facilitador, promovendo diferentes níveis de avaliação (individual, intra
e intergrupos) e aumentando a responsabilização do estudante pelo seu
preparo anterior a aula (estudo autodirigido) e pela tomada de decisão,
sugerindo ser aplicável em outros cenários educacionais (CASTRO-
SILVA; MACIEL, 2017)
O objetivo desse estudo foi relatar a intervenção pedagógica
realizada em um curso de graduação para ressignificação do estudo da
Fisiologia para um curso de graduação em Psicologia.
Metodologia
Aspectos éticos:
Esta pesquisa esteve em consonância com a Resolução CNS
466/12, sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas Envolvendo
Seres Humanos da Universidade Estadual Vale do Acaraú, previamente
às demais etapas constantes do mesmo. Cada participação foi voluntária
e registrada individualmente por Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido e Termo de Autorização de Uso de Imagem.
Tipo de estudo:
A presente pesquisa teve caráter intervencionista, com
abordagem quali-quantitativa do tipo prospectivo na população-alvo.
Amostra:
A amostra estudada foi constituída por 177 alunos da graduação
em Psicologia da Universidade Federal do Ceará, Campus de Sobral, nos
anos de 2015 (semestre 1, n=34), 2016 (semestre 2, n=48), 2017
(semestre 3, n=50) e 2018 (semestre 4, n=45). Esta parcela de estudantes

110
DNA Educação

correspondeu a 80% do atual corpo discente ativo do curso em análise.


Todos os alunos estiveram matriculados na disciplina obrigatória anual
“Fisiologia Geral e Psiconeurofisiologia”, com 128 horas em regime
regular presencial pertencente ao ciclo básico ou terceiro período, sob a
responsabilidade de único e mesmo professor, o próprio pesquisador.
Avaliação diagnóstica
As notas, as frequências e as reprovações dos semestres 1 a 3
foram consultadas nos diários de classe eletrônicos consolidados para
traçar um panorama trienal do desempenho prévio geral dos estudantes
na disciplina. Foi detectada progressiva diminuição das notas, aumento
das taxas de absenteísmo e reprovação, fatores que guiaram a construção
da intervenção, conforme demonstra a Figura 1.

Figur a 1 – A valiação diagnóst ica nos semestr es 1, 2 e 3. Média absolut a


de not as ( A ) e r elat iva de absent eísmo (B ) e r eprovações ( C) dos
alunos.
Notas Absenteísmo Reprovação
Semestre 1 8,6 4,5% 0,0%
Semestre 2 7,3 5,6% 8,3%
Semestre 3 6,7 8,2% 6,0%
Fonte: elabor ada pelo autor .

Para compreender melhor os estilos de aprendizagem dos


estudantes nos semestres 3 e 4 a fim de determinar metodologias de
ensino mais adequadas, foi aplicado questionário VARK de 16
perguntas, cujas respostas ajudaram a especificar as preferências do tipo
visual (V), audiovisual (A), leitura/escrita (R) ou cinestésica (K) (SILVA,
2006). As frequências unimodais independentes dos estilos de
aprendizagem foram contabilizadas, expressas em dados relativos e
exibiram um perfil audiovisual/cinestésico bem evidente na amostra
estudada (Figura 2).

Figur a 2 – A valiação diagnóst ica nos semestr es 3 e 4. Fr equência dos


est ilos de apr endizagem (V AR K) dos alunos.
Visual (V) Audiovisual (A) Leitura/Escrita (R) Cinestésico (K)
Semestre 3 30,3% 53,0% 38,1% 42,3%
Semestre 4 30,0% 49,0% 38,0% 52,0%
Fonte: elabor ada pelo autor .

111
DNA Educação

Avaliação formativa
Além das aulas teóricas tradicionais, foi delineado um conjunto
de atividades práticas para garantir a avaliação formativa dos alunos. Seis
práticas, demonstradas e supervisionadas pelo professor, realizadas em
periodicidade quinzenal e com média de 30 minutos de execução,
incluíram: construção de modelo de neurônio com massa de biscuit em
pequenos grupos, jogo dos neutrotransmissores em cartolina
preenchendo o nome de biomoléculas de acordo com o quadro de
emoções (esquizofrenia, ansiedade, felicidade, depressão, calma, amor,
luta/fuga e esquecimentos), medida e interpretação dos sinais vitais
(pulso radial e carotídeo), reanimação cardiorrespiratória, identificação
das enzimas salivares por colorimetria e estudo neurofisiológico em
encéfalos artificiais (Figura 3).

Figur a 3 – A valiação f or mat iva no semest r e 4. C onst rução de modelos


de neur ônio (A ) em equipes de estudant es ( B) , jogo dos
neur otr ansmissor es ( C) , medida dos sinais vit ais ( D), pr át ica de
r eanimação car dior r espir at ór ia ( E) , ident if icação das enzimas salivar es
( F) e estudo neur of isiológico em encéf alos ar t if iciais ( G) .

Fonte: elabor ada pelo autor .

Avaliação somativa
A distribuição de avaliações somativas no semestre 4, conforme
tipo/módulo e pontuação atribuída, está descrita na Figura 4.

112
DNA Educação

Figur a 4 – D ist r ibuição de avaliações somat ivas no semest r e 4.


Avaliação Parcial Tipo / Módulo Pontuação
AP1 Prova teórica / Psiconeurofisiologia 5 pontos
(10 pontos) ABE / Fisiologia Geral 5 pontos
AP2 Prova teórica / Psiconeurofisiologia 5 pontos
(10 pontos) ABE / Fisiologia Geral 5 pontos
AP3 Seminários / Psiconeurofisiologia 5 pontos
(10 pontos) ABE / Fisiologia Geral 5 pontos
Nota semestral Média= AP1+AP2+AP3 / 3 10 pontos
Fonte: elabor ada pelo autor .

Nas provas teóricas das avaliações parciais 1 e 2, questões


discursivas foram elaboradas visando desenvolver o senso crítico do
estudante e a aplicação do conteúdo a problemas baseados na realidade.
Na avaliação parcial 3, os seminários constituíram a teatralização e a
discussão neuropsicológica com ênfase funcionalista de casos clínicos
relacionados a: transtorno do déficit de atenção e hiperatividade,
autismo, psicoses/esquizofrenia, transtorno bipolar,
demências/Alzheimer e traumatismo cranioencefálico. Nas três
avaliações parciais realizadas em sala de aula, a ABE foi realizada em 3
fases: teste de preparo individual (5 perguntas e respostas em múltipla
escolha por cada estudante), teste de preparo coletivo (mesmas perguntas
iniciais e respostas por cada equipe de oito alunos através de raspadinha
personalizada visando a autocorreção) e aplicação do conhecimento
(novas perguntas significativas e respostas simultâneas entre equipes
através de cartolinas com correção e explicação sequencial pelo
professor), conforme preconizado por Castro-Silva e Maciel (2017)
(Figura 5). Um modelo de questão significativa é apresentado na Figura
6.

113
DNA Educação

Figur a 5 – A valiação somat iva no semest r e 4. AB E , com t est e de


pr eparo individual ( A) , t est e de pr eparo coletivo (B ) e r aspadinha (C ) .
S eminár io com est udo de caso (D ) .

Fonte: elabor ada pelo autor .

Figur a 6 – Quest ão da f ase de aplicação do conheciment o da A BE .


Questão: No almoço do dia das mães, muitas famílias cearenses se reúnem para
festejar e comer um prato típico da região: jabá com jerimum. Considerando que
carnes como o jabá têm uma carga proteica grande e tubérculos como o jerimum
têm carboidratos em sua composição, assinale a alternativa correta:
(A) a digestão inicial do jerimum se dará no estômago pela ação da enzima α-
amilase.
(B) a digestão final do jerimum se dará no intestino delgado pelo suco entérico e
pancreático.
(C) a digestão do jabá se dará exclusivamente no estômago pela enzima pepsina.
(D) a digestão do jabá se dará exclusivamente no intestino grosso pela bile.
(E) a digestão do jabá se dará exclusivamente no duodeno pela amilase
pancreática.
Fonte: elabor ada pelo autor .

Análise dos dados


Ao final do semestre letivo, para analisar quantitativamente o
domínio cognitivo dos alunos, foi reavaliado o desempenho acadêmico
no semestre 4, com relação à notas, absenteísmo e reprovações
registradas no diário de classe. Os dados coletados foram tabulados e
expressos em dados absolutos ou relativos.

114
DNA Educação

Para analisar qualitativamente o domínio afetivo ou atitudinal


dos alunos, foi entregue um questionário individual e anônimo, dotado
da pergunta aberta: “Defina em 1 palavra o que você achou das
metodologias propostas para a disciplina: práticas, seminários e ABE”.
Com os dados coletados para cada metodologia, foi criada uma nuvem
de palavras com a ferramenta online Wordle, expressando visualmente as
percepções mais frequentes da turma no semestre 4.
Resultados
Foi verificado um melhor desempenho acadêmico, com
significativo aumento na nota média da turma atual (semestre 4) em 0,7
pontos frente ao imediatamente anterior (semestre 3), seguido de
diminuição discreta da taxa de absenteísmo em 0,9% e diminuição
expressiva de reprovação em 3,8%, como demonstra a Figura 7.

Figur a 7 – D esempenho acadêmico no semestr e 4. Média absolut a de


not as (A ) e r elativa de absent eísmo ( B) e r epr ovações ( C ).
Nota Absenteísmo Reprovação
Semestre 4 7,4 7,3% 2,2%
Fonte: elabor ada pelo autor .

Esses resultados sugerem aumento do domínio cognitivo no


público-alvo após a intervenção educativa, o que pode ser explicado pela
reformulação das questões pelo docente, tornando-as significativas e
mais tangíveis à linguagem, realidade cultural e profissional dos
estudantes de Psicologia, bem como promovendo o estudo individual
autodirigido e colaborativo ou em equipe. Esse conjunto de condições
suscitou uma verdadeira transformação educacional, no sentido de
metamorfosear avaliações de aprendizagem tradicionais para avaliações
para aprendizagem do estudante.
Os bons resultados alcançados com reformulações
metodológicas na disciplina também foram perceptíveis na visão dos
próprios alunos. Segundo eles, em geral as práticas e os seminários foram
categorizados como ótimos e interessantes, enquanto as três sessões de
ABE foram maravilhosas e ótimas, conforme descrito detalhadamente
na Figura 8.

115
DNA Educação

Essa percepção, reflexo do alcance de maior envolvimento dos


estudantes, poderia ser explicada pela maior identificação com a
abordagem das temáticas feita pelo docente e consequente estímulo ao
domínio afetivo, o que gerou um sentimento positivo de pertencimento
do estudante e vontade de participação no processo de ensino-
aprendizagem, parte fundamental para seu êxito.

Figur a 8 – N uvem de palavr as com per cepção da disciplina pelos alunos do


semest r e 4 de acordo com P r áticas (A ) , S eminár ios (B ) e A BE (C ) .

Font e: elaborada pelo aut or .

Discussão
O modelo curricularBde cursos de Psicologia revela pequena
participação de disciplinas de domínio conexo (dentre elas, Fisiologia),
cujo somatório alcança no máximo um sexto do total, com enfoque

116
DNA Educação

uniteórico, embora o multiteórico ou o equilíbrio fosse o mais desejável,


pela necessária interrelação com as básicas e específicas (CALAIS;
PACHECO, 2001). Baixos índices de organização de conteúdo, de
embasamento teórico inicial, de motivação a estudar, de disponibilidade
de material para aulas teórico-práticas para todos os alunos, de retenção
do conhecimento, de estímulo do professor ao senso crítico dos alunos
e de procura de livros na biblioteca prejudicam o processo de ensino-
aprendizagem de Fisiologia (WILLERS et al, 2013).
O uso dos princípios de aprendizagem significativa de David
Ausubel na Fisiologia Humana observado em estudantes universitários
de primeiro ano mostra um aumento de compreensão conceitual,
mudanças nas características de sintaxe e na representação do
conhecimento do organismo vivo funcional, reforçando a importância
da organização do contexto, estratégias e recursos de ensino no sentido
de favorecer a interação necessária do saber dos aprendizes à estrutura
do saber formal para a (re)construção de significados e sentidos dos
estudantes, segundo a lógica científica (VILLANI, 1999). Repensar as
técnicas didáticas exige uma competência e um mecanismo de mudança
da realidade que apenas a práxis pode oferecer (SILVA-JÚNIOR;
BARBOSA, 2009).
Quando aplicada uma escala de motivação internacional, altos
níveis de interesse, engajamento (ou esforço) e confiança na
compreensão (ou autoeficácia), em especial sobre potencial de ação,
puderam ser observados em estudantes que tiveram práticas laboratoriais
para o ensino de Fisiologia (DOHN et al, 2016). Entretanto, a falta de
laboratórios ou material didático podem ser empecilhos institucionais
para o ensino de Fisiologia Humana na realidade brasileira, tornando-a
pouco atrativa (DOHN et al, 2016, CAMPAGNA et al, 2006).
Para suprir essa carência, várias experiências custo-efetivas
demonstram ser possível aumentar o envolvimento do aluno, como a
produção de macromodelos em massa de modelar de canais iônicos na
membrana celular para representar ação de neurotransmissores ou em
madeira dos ossículos da orelha média para representar a fisiologia da
audição (CAMPAGNA et al, 2006). A representação de uma fibra
muscular por meio da construção de um protótipo com sucata gerou alta

117
DNA Educação

satisfação de alunos (CEZAR; OLIVEIRA, 2007). Áreas neurais micros-


cópicas reproduzidas em madeira motivaram os estudantes de Neuro-
fisiologia e mostraram alta aplicabilidade institucional e não necessidade
de sacrifício de animais para esse fim (AVERSI-FERREIRA et al, 2008).
A experiência dos próprios estudantes produzirem materiais didáticos
reagindo construtivamente com soluções alternativas, criativas, com
espírito empreendedor é bastante satisfatória e facilita a prática
pedagógica. (CAMPAGNA et al, 2006). Os resultados do presente
estudo corroboram tais evidências da literatura.
A realidade virtual pode ser uma ferramenta útil no ensino de
Fisiologia, considerando a possibilidade de trabalhar a complexidade dos
seres vivos e a integração dos sistemas funcionais do corpo humano
(RICHARDSON, 2011). A criação de um grupo no Facebook serviu de
ferramenta de suporte para o ensino de Fisiologia em cursos de
graduação na área de Saúde no Rio Grande do Sul e a experiência
aumentou o interesse no estudo de Fisiologia em formato interdisciplinar
(VARGAS et al, 2014). Uma estratégia instrucional baseada em solução
de casos foi desenvolvida por meio de telefone móvel usado como clicker
e quando estudantes responderam novamente às questões dos testes
online propostos, tiveram alto índice de acertos ou retenção do conteúdo
de Fisiologia após 1 semana (93,2% versus controle: 33,3%) e 2 meses
(84,8% versus controle: 38,5%) (TARADI; TARADI, 2016). Body, um
jogo digital educativo onde o tabuleiro virtual representava o corpo
humano, os territórios os órgãos, as fronteiras as veias, artérias, nervos e
hormônios que os conectam, as cartas de jogo e ataque compostas por
perguntas formuladas sobre oito sistemas fisiológicos (nervoso,
endócrino, respiratório, digestório, urinário, circulatório, reprodutor
feminino e masculino) direcionavam o avançar no jogo no lugar de dados
e o número de jogadores poderia ser maior por se tratar de equipes (4 a
6 jogadores cada), ilustra a importância da gamificação no ensino na
Fisiologia Humana (BORGES et al, 2016). Neuro_Tutor, um sistema de
inteligência tutorial para auxiliar no ensino universitário dos conceitos
básicos de Neurofisiologia, incluiu imagens, animações e vídeos
temáticos para auxílio ao ensino à distância, aumentando a acessibilidade
do conhecimento ao aluno (POZZEBON; FRIGO; BITTENCOURT,

118
DNA Educação

2004). O TelEduc usado no ensino de Fisiologia Endócrina em uma


universidade de São Paulo atendeu positivamente ao itens conteúdo,
interação, atividades, tempo de resposta e qualidade da interface,
reforçando a importância do Ambiente Virtual de Aprendizagem
(RANGEL et al, 2011).
Apesar de estudantes de Medicina de primeiro ano afirmarem
ter maior compreensão do ensino de Fisiologia para sua futura carreira e
suporte ao ensino baseado na comunidade com aulas em modelo híbrido
prático-virtual, resultados conflitantes foram verificados quanto a busca
de apoio no facilitador (maior conforto em perguntar aos colegas em
caso de dúvidas), o uso da tecnologia (módulos considerados
incompreensíveis e irrealísticos) e a eficácia do processo educacional
(maior busca pela nota do que pelo próprio conteúdo), mostrando que a
realidade virtual também exibe limitações (EAGLETON, 2015). No
presente estudo, o sistema eletrônico de gestão acadêmica ajudou na
disponibilização integral de todo o material semestral (plano de ensino,
aulas, vídeos e orientações gerais), servindo de guia autoinstrutivo ao
estudante para as atividades desenvolvidas nesta intervenção.
A ludicidade também pode contribuir para a compreensão da
realidade e retenção do conteúdo. A dramatização curta representando a
Anatomofisiologia de um neurônio pode demonstrar tanto compreensão
mais pragmática do conteúdo quanto maior atratividade como técnica
educacional ao envolver alunos voluntários (HAMILTON; KNOX,
1985). Aula teórica seguida de dramatização sobre o ciclo cardíaco e
conhecimentos de Fisiologia Geral em uma escola médica mostraram a
continuidade da retenção do conhecimento adquirido mesmo após
prosseguimento de 6 meses (DOWLATI et al, 2016). Seminários em
Fisiologia Humana oportunizados facultativamente em horário
extracurricular, relacionados à prática profissional e baseados em tópicos
das aulas teórico-práticas convencionais, mostraram ampla aderência de
estudantes de distintos cursos (Educação Física, Enfermagem, Farmácia
e Fisioterapia), com média de 20 participantes por sessão nesta
modalidade opcional (BORGES; MELLO-CARPES, 2014).
A interatividade reforça o papel de protagonista do estudante
em sua própria aprendizagem e a importância do estudo colaborativo.

119
DNA Educação

Um jogo didático criado no Rio Grande do Sul baseado no


preenchimento de tabelas com ilustrações e definições das diferentes
fases do estado elétrico e comportamento de canais da membrana
durante a geração do impulso nervoso pôde ilustrar a importância de
dinâmicas realizadas em pequenas equipes como recurso complementar
para fixação do conteúdo, aplicado após aula teórica e com excelente
recepção pelos alunos (FILIPIN et al, 2016). Um quebra-cabeça usado
para ensinar ciclo cardíaco, com suas distintas fases fisiológicas a serem
posicionadas na ordem correta, promoveu a interação de alunos de
diferentes cursos (Biologia, Odontologia, Medicina, Farmácia e
Enfermagem), que em maioria (64,5%) afirmaram ter sido instrumento
contributivo para solução de dúvidas (MARCONDES et al, 2015). Um
quiz para resolução de exercícios com estudantes de Medicina no
segundo ano após aula laboratorial de Fisiologia Respiratória mostrou
que individualmente a metodologia pode aumentar aprendizagem,
enquanto em grupo atinge-se uma maior satisfação do estudante (BERG;
PLOVSING; DAMGAARD, 2012). Um bingo, com questões sobre
regiões e funcionamento do cérebro para estudantes de graduação em
Psicologia, contribuiu para o estudo de termos fisiológicos, aumentando
a memorização imediata (ao fim do jogo) e tardia (após 5 semanas do
jogo) se comparado aqueles que participaram apenas da aula teórica
tradicional (VANAGS et al, 2012).
A participação ativa dos alunos bem como as notas em testes
de múltipla escolha foram maiores em estudantes de Medicina do
segundo ano quando organizados em pequenos grupos e a longo prazo,
em pós-testes de 1, 2 ou 3 semanas, evidenciando retenção do
conhecimento em Fisiologia Humana quando o estudo é colaborativo
(VÁZQUEZ-GARCÍA, 2018). O estudo de termos e definições
neurofisiológicos pode ser melhorado se realizado em pequenos grupos
do que se realizado individualmente, alinhado à produção de palavras-
chave significativas ou subsunções, no lugar de apenas ler o conteúdo
extenso dado pelo facilitador ou gerar exemplos baseados na vida real
desalinhados ao conhecimento prévio (MCCABE, 2015). Estudantes de
cinco cursos de graduação (Educação Física, Fisioterapia, Nutrição,
Psicologia e Terapia Ocupacional) em São Paulo, voluntários do

120
DNA Educação

programa de mentoria em um currículo interprofissional e


interdisciplinar com ênfase em Histofisiologia e Anatomia Geral para
cuidado holístico do paciente, demonstraram maior taxa de sucesso
acadêmico do que os que não participaram e avaliação altamente positiva
de seus mentores em pares, refletindo o comprometimento com o
trabalho em equipe (OLIVEIRA et al, 2015).
O aumento da motivação e do desempenho acadêmico e a
redução de absenteísmo e reprovações associados às MAEA efetuadas
neste estudo corroboram outros achados, onde a melhora dos domínios
cognitivo e afetivo foi alcançada com ABE em equipes de estudantes
(CASTRO-SILVA; MACIEL, 2017). A mudança cognitiva e afetiva,
decorrente da diminuição da atitude negativa nos primeiros semestres da
graduação com estratégias significativas de ensino em Fisiologia, pode
explicar o impacto positivo sobre o desempenho de estudantes de
graduações da Saúde (BROWN et al, 2017). Uma comparação de
pontuações em provas de Neurociências na graduação, nível de
envolvimento, bem como autorreflexão dos estudantes demonstra que
MAEA aumentam a aprendizagem do conteúdo programático (LYND-
BALTA, 2006). Os resultados promissores encontrados motivam a
continuidade do uso de MAEA para facilitar o processo de ensino-
aprendizagem no curso de graduação em Psicologia.
Conclusão
Esse relato de experiência mostra ser possível aumentar o
envolvimento discente, melhorando os domínios cognitivo e atitudinal
em estudantes da disciplina de Fisiologia em curso de graduação em
Psicologia no interior do Ceará, com base em metodologias ativas e na
avaliação educacional orientada à aprendizagem significativa.
Agradecimentos
Ao reitor da Universidade Federal do Ceará e coordenador do
Instituto FAIMER Regional Brasil, Prof. Dr. Henry de Holanda
Campos, ao diretor da Universidade Federal do Ceará - Campus de Sobral,
Prof. Dr. Vicente de Paulo Teixeira Pinto e à coordenadora do curso de
graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará - Campus de

121
DNA Educação

Sobral, Profa. Dra. Francisca Denise Silva do Nascimento, pelo apoio


institucional à inovação educacional.
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125
DNA Educação

EDUCAÇÃO, LITERATURA E DIREITO COMO


TELA DOS CONFLITOS ATUAIS
Isaura Cleide Laurindo de Omena1
RESUMO:
Busca-se mostrar que a tríade: Educação, Literatura e Direito exerce
grande influência na interpretação e condução dos fatos sociais. Os
registros descritos em algumas obras nas áreas de Educação e Literatura
são um convite à reflexão acerca da relação do ser humano com o
mundo, fazendo emergir a preocupação com a condição humana. O
Direito, por sua vez, mostra-nos que quanto maior o número de ações
tramitando no Judiciário, maior a animosidade social, alertando-nos da
urgência de reflexão do modelo atual.
Palavras-chave: escola, direito, educação, democracia.
ABSTRACT:
It is tried to show that the triad: Education, Literature and Law exerts
great influence in the interpretation and conduction of the social facts.
The records described in some works in the areas of Education and
Literature are an invitation to reflect on the relationship of the human
being with the world, making the concern for the human condition
emerge. Law, in turn, shows us that the greater the number of lawsuits
in the Judiciary, the greater the social animosity, alerting us to the urgency
of reflection on the current model.
Keywords: school, law, education, democracy.

1Bacharela em Direito, Advogada, especialista em Direito Previdenciário, mestrando no curso


de mestrado em Gestão do Potencial Humano – área de concentração gestão escolar do ISG-
Instituto Superior de Gestão – Lisboa – Portugal- e-mail: omenaisaura@yahoo.com.br

126
DNA Educação

Introdução
Desde os primordiais, o ser humano discute o seu papel em
relação ao mundo em sua volta, com suas relações próximas e algumas
vezes antagônicas, este processo tem revelado ser mais perturbador
quando trata das relações humanas, suas visões e entendimentos. Este
choque de opiniões já foi motivo de discussão na idade antiga, nas
escritas cuneiformes sumerianas, mais precisamente na epopéia de
Gilgamesh por volta de 3.500 a.C, no código de Hamurabi (1792-1750
a.C.), nas leis de talião (lex talionis) na Roma antiga, na Bíblia no
Pentateuco Mosaico (Êxodo 21 e Deuteronômio 19,21), este período
histórico inicia-se por volta de 4.000 a.C. dando lugar aos primeiros
indícios da escrita, o homem pré-histórico e agora gregário, começa a
fixar limites físicos e culturais, começando com a criação das primeiras
cidades-estados, estabelecendo regras e leis, com a finalidade de garantir
um espaço de convivência com um mínimo de organização aos
habitantes locais.
As principais religiões tiveram suas origens na idade antiga e
neste mundo conflitante e complexo, surgem na Grécia os principais
nomes da filosofia ocidental, Sócrates, Platão e Aristóteles. Este
caldeirão de ingredientes múltiplos gera uma efervescência em um
mundo ainda barbarizado, as contendas eram resolvidas na espada pela
espada e já no inicio do século V inicia-se a idade média. O império
romano dominava o mundo conhecido, é neste período histórico que a
religião passa de coadjuvante a mediadora dos comportamentos sociais
e políticos e interferindo também nas ciências, a razão disto é a diminuta
produção artística e cientifica, ficando o período conhecido como “Idade
das Trevas”.
Inicia-se a idade moderna com a queda de Constantinopla e
transição do sistema feudal para o sistema de estado centralizado e
absolutista, inicia-se também as grandes navegações e nascimento da
nova ordem econômica o “capitalismo”, apresentando-se aqui em sua
fase inicial conhecida como mercantilismo.
O novo traz as revoluções de estado com novas reflexões
políticas e sociais, está nascendo uma nova ordem e um novo mundo,
novas terras, cabe-lhe uma nova filosofia, o sol do iluminismo vem

127
DNA Educação

iluminar o que restou das trevas, tudo é novo em contraste com o


passado.
Os valores humanos são revistos e contraditos, à luz da razão
são pensados os direitos e deveres do homem moderno, as contradições
são tratadas como resultados das ações humanas, sendo pensadas outras
formas de entendimento político, econômico, filosófico e religioso.
Neste efervescente caldeirão de novos pensamentos inicia-se a
idade contemporânea, as idéias concebidas pelos iluministas, reforçadas
pelos ideais da revolução francesa a qual estimula e assume o combate à
escravidão e ao colonialismo opressor, leva a independência de várias
colônias.
Os valores libertários estão na ordem do dia, liberdade,
igualdade e fraternidade, são a exposição do homem moderno atual,
que rompe preconceitos e outros vícios coletivos tradicionais, agora o
homem hodierno começa a sua busca por uma nova identidade, o valores
individuais choca-se frontalmente com o valores coletivos, o homem
preocupa-se com a desigualdade racial, social e econômica, nunca se teve
tanta preocupação com os mais pobres, a idade da razão vem discutir
estes valores de forma consistente e vigorosa, já não se busca a respostas
pelo viés religioso da vontade do criador, mas da vontade dos homens.
Máquinas substituem homens e animais em sua lida laboriosa,
associado a este progresso tecnocientifico e filosófico alguns setores mais
apegados a permanência do seu status quo e na eminência de perdê-lo
resolvem ir para o belicismo e são responsáveis pelas maiores catástrofes
da História que são a primeira e a segunda guerras mundiais, as guerras
de independência das colônias e a criação de detonação da bomba
atômica.
Como foi e continua sendo o período em que mais se buscou
formas de relações humanas mais humanizadas, de busca do bem
comum e de outras formas de desenvolvimento social e econômico,
abriu-se espaço às ideias dos anarquistas, os quais preconizavam o fim
do estado e de qualquer forma de governo. Surgem também os socialistas
utópicos como Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837),
Louis Blanc (1811-1882) e Robert Owen (1771-1858), os socialistas
fabianos, George Bernard Shaw, Leonard Woolf, Virginia Woolf, H. G.

128
DNA Educação

Wells, Annie Wood Besant, Salama Moussa, e Bertrand Russell,[9] a


anarquista Charlotte Wilson, a feminista Emmeline Pankhurst, o
sexólogo Havelock Ellis, o militante Edward Carpenter, o físico Oliver
Lodge, o político Ramsay Macdonald, e os socialistas científicos, que
preconizavam um mundo sem exploração capital, um mundo comum,
um mundo comunista, com Marx e Engels (1848). Neste momento da
história as nações mais ricas tornaram-se mais ricas, o processo de
acumulação de riquezas aumentou significativamente e o mundo
começou uma jornada do maior processo de distanciamento entre os
mais ricos e mais pobres, aumentando o abismo que separa as duas
classes. Momento que as nações mais ricas através do seu clube privado
se reúnem para determinar o que é bom e o que é ruim para o mundo,
os Estados Unidos e o continente Europeu são os atores principais desta
atual situação mundial, o capitalismo se consolida como sistema político
social e econômico no mundo como conhecemos.
No momento atual em que o sistema econômico está em
declínio, o sistema social em constante turbulência e o sistema político
totalmente corrompido, precisamos urgente de respostas e de ações as
quais só podem vir das fontes – Educação, Literatura e Direito – Este
artigo visa demonstrar que sem esta tríade - sem desprezar o auxílio de
outros conhecimentos científicos, sem especialidades, mas com
responsabilidade da transdisciplinaridade - não se pode reformular novos
caminhos,
Assim, a primeira fonte - onde todos os outros beberão - é a
educação, que nos brinda com uma das mais brilhantes mentes do país,
o educador Paulo Freire, que com a lucidez que lhe é peculiar, ensina:
Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as
condições materiais, econômicas, sociais e políticas,
culturais e ideológicas em que nós achamos geram quase
sempre barreiras de difícil superação para o cumprimento de
nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei também que
os obstáculos não se eternizam. (pgs. 59/60, 2002)
Observa-se neste texto o caráter futurista do pensamento de
Freire, livre dos rasos conceitos de predestinação da existência humana.
Suas ideias denotam a possibilidade de construção do futuro, seja

129
DNA Educação

moldada nas práticas sociais diárias em tempos de paz, seja em atos


corajosos e revolucionários em tempos de conturbação social frente à
ascensão de ideais antidemocráticos. Há no texto a inquietante discussão
da condição humana na dualidade entre o natural, e, portanto, parte
integrante da natureza, e o social, que impulsiona as transformações da
realidade na sua eterna busca pelo direito universal de acesso à educação,
ao saber, à vida, enfim.
Nesta esteira existencialista, preconiza Sartre: Viver é isso:
ficar se equilibrando o tempo todo entre escolhas e consequên-
cias.2
Sartre confere responsabilidade aos atos humanos. A liberdade
é sempre posta à prova, fazendo emergir a necessidade do equilíbrio
entre as escolhas e as consequências delas advindas. O existencialismo
de Sartre fulcra-se na liberdade de escolha, que, em última análise, dará
sentido à vida, pois quando apartado do poder de decidir, o homem
reduz sua essência, aniquilando, assim, o sentido da própria existência.
Percebem-se facilmente pontos de confluência entre o
pensamento de Sartre e de Freire, resumido no seguinte ponto: o ser
humano é um ser em construção, dotado de potencial senso crítico que
precisa ser alimentado para que floresça em sua plenitude e cujas escolhas
devem guardar relação íntima com as consequências. O futuro não
encerra a ideia de inexorabilidade, ao contrário, tais quais as forças da
natureza, os fatos sociais engendram a imensurável capacidade de
construção e destruição cíclicas, sendo o ser humano o destinatário da
força centrípeta gerada pelas transformações.
Assim, educação é um eterno processo de conhecimento da
essência humana, necessitando de ferramentas transformadoras para sua
plenitude. As cíclicas transformações sociais levam à reflexão da
condição humana e do papel do povo na engrenagem em que está
inserido. Ser protagonista da sua história requer conhecimento, coragem
e força para recomeços.

2 Pensador. Disponível em: https://pensador.uol.com.br/frase/MTA1MzkwMQ/. Acesso em


01/04/2017

130
DNA Educação

A luta de classes retratada na literatura e seus reflexos na educação


A magnífica obra Um Bonde Chamado Desejo, de
Tennessee Williams, engendra chocantes contradições entre Blanche
Dubois e Stanley Kowalski. Os sonhos pueris de Blanche contrastam-se
brutalmente com a realidade posta, onde Stanley assume o
preponderante papel de carrasco, trazendo à tona as dificuldades de
adaptação de Blanche ao mundo real. Entremeando tudo isto, há a
presença de Stella Kowalski, mulher de Stanley e irmã de Blanche, que
vai esquecendo os sonhos e devaneios pequeno-burgueses e se
adaptando à sua dura realidade. Tal qual o povo em uma nação espoliada,
Stella suporta sua vida medíocre e finge ser feliz, cumprindo o triste papel
de coadjuvante da vida. Assim, as classes se confrontam, rompendo a
tênue linha do equilíbrio físico e mental, fazendo emergir as razões que
levaram cada um a se comportar daquele jeito. Eis a revolução deflagrada
pela impossibilidade de forças tão antagônicas ocuparem o mesmo
espaço.
Da análise comportamental dos personagens, exsurgem, de
plano, as falhas em suas formações. As irmãs Stella e Blanche tiveram
uma educação totalmente apartada da realidade, onde sonhos pueris
sobrepõem-se à dura realidade da vida, infantilizando-as. Tais quais os
filhos do personagem central da comovente obra “A morte do caixeiro
viajante”, as irmãs também têm que lutar com a falta de acesso a
ferramentas educacionais essenciais à compreensão do mundo, fato que
as conduz a um vazio infinito e banaliza suas angustias.
Stanley, por sua vez, é o retrato dos que não tiveram acesso à
escola formal ou a frequentaram por muito pouco tempo, mesmo aquela
que apenas ensina superficiais gestos de convívio humano, tais quais:
obrigado, por favor, com licença, sem, no entanto, fazer aflorar no aluno
o verdadeiro sentido da palavra respeito. Sua fatídica existência fulcra-se
na demonstração da força bruta, materializada na exibição de músculos
e gritos, como se houvesse uma placa em seu peito dizendo: eu estou no
comando! E o pior é que isso é imperceptível para ele, que não passa de
um pobre infeliz, vítima de um cruel sistema que lhe nega o direito de,
como diria Freire, se perceber inacabado, porém lutar pelo direito de ser
protagonista da sua própria história sem precisar recorrer a arcaicos

131
DNA Educação

métodos de inserção social. Assim, a força bruta se impõe, dilacerando


almas e fincando bandeiras territoriais em campo minado de medo,
angústia e desilusão. Descortina-se a barbárie. Stanley estupra Blanche,
provocando sua total ruptura com a lucidez. Blanche é conduzida ao
hospício, abdicando, mais uma vez, do direito de ser senhora de seu
destino.
A ignorância vence, registrando os díspares traços
comportamentais dos personagens: falta de reação às adversidades da
vida x força bruta, características dos que somente tiveram acesso a estes
precários tipos de reação como garantia de sobrevivência.
Dialeticamente, a supressão do papel da escola na formação de cidadãos
críticos, traz à baila a discussão acerca da formação de seres
imbecilizados, seja pela infantilização da realidade, seja pela
agressividade.
A obra nos alerta que a ignorância se faz presente tanto na má
formação educacional de um povo - retratada nas reproduções de um
ensino medíocre, que não privilegia talentos individuais e cria seres
apartados da realidade - quanto na falta de base educacional mínima,
levando ao desconhecimento dos direitos e deveres sociais e dos códigos
de conduta, ferramentas essenciais à mediação dos conflitos cotidianos.
Eis a atemporalidade da obra.
Escola Sem Partido: a usurpação do direito ao pensamento crítico
e à participação
O discurso arcaico e vazio da base filosófica da escola sem
partido foi destruído pelos especialistas em educação. As ideias
ditatoriais constantes em seu bojo se contrapõem a concepção de
educação crítica, emancipadora, imprescindível ao processo de formação
do protagonismo e empoderamento juvenil, encarnando, assim, um
desserviço à sociedade brasileira. A lei em tela pretendia “evitar um
pensamento crítico […]”. Afirma uma ideologia pautada em um
fundamentalismo cristão, […]”. (Unbehaum)3 . Ainda segundo esta
pesquisadora, a referida Lei “defende uma escola sem espaço para
discussão da cidadania, garantia estabelecida na Lei nº 9.394/96- Lei de

3 Sandra Unbehaum, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas

132
DNA Educação

Diretrizes de Bases da Educação ”. “Como é que se desenvolve um


pensamento crítico se não discutindo política, filosofia, sociologia,
história? Indaga Unbehaum.
Como bem colocado por Paulo Freire na obra Ação
Cultural para a Liberdade e Outros Escritos: “Seria uma atitude
ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma
de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as
injustiças sociais de maneira crítica. ”
Eis a base da Lei 7.800/2016 conhecida popularmente como
ESCOLA SEM PARTIDO ou LEI DA MORDAÇA, que, falsamente
vestida de democrática, na verdade, traz sérias e perigosas
inconstitucionalidades que colocam em risco o Estado Democrático de
Direito, fulminado de morte os talentos individuais, que somente podem
florescer num ambiente livre e democrático.
Cíclicas como são as transformações sociais, num eterno
construir, destruir e reconstruir, guardando, assim, estreita relação com
as forças naturais, traz a possibilidade de repensar o atual modelo
educacional e sua dissociação com a realidade posta. Poucas vezes na
História, o antagonismo entre democracia e opressão esteve tão evidente.
Eis o cenário ideal à revolução transformadora.
Um dos primeiros passos foi dado pelas Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino
(CONTEE) e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
(CNTE) com a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADIN nº 5.537/5.580/AL), contra a Lei 7.800/16, conhecida como
LEI DA ESCOLA SEM PARTIDO e chancelado pelo STF.
O discurso arcaico e vazio da base filosófica da ESCOLA SEM
PARTIDO foi destruído pelos especialistas em educação e pelo povo e
juridicamente rechaçado pelo STF, que, num julgamento histórico,
mostrou as inúmeras inconstitucionalidades presentes na malfadada lei.
No que pese ser uma decisão liminar, da lavra do ministro Luís Roberto
Barroso, tem o condão, ainda que momentâneo, de suspender em sua
integralidade a Lei 7.800/2016 do Estado de Alagoas, até que Ação
Direta de Inconstitucionalidade seja julgada no plenário do STF.

133
DNA Educação

A competência privativa da união nas leis de diretrizes e bases da


educação
O poder de legislar em matéria educacional está bem delimitado
na Constituição Federal, que impõe:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
[...]
XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre:
[...].
IX – educação, cultura, ensino, desporto, ciência,
tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;
Veja-se que o artigo 22 comporta interpretação literal,
conferindo à União a nobre missão de, privativamente, legislar sobre
DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL, ou seja, a
elaboração de normas que altere o alicerce do processo educativo e sua
execução compete privativamente à União. Nesta esteira de raciocínio, o
artigo 24 exclui do poder de legislar dos Estados e Distrito Federal
matéria relacionada às diretrizes e bases da educação, atribuindo-lhes
competência meramente concorrente com a União.
Não bastasse, os §§ 1º, 2º, 3º e 4º, do artigo 24 esmiúçam o
alcance da competência concorrente:
Art. 24. [...]
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência
da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas
gerais não exclui a competência suplementar dos
Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados
exercerão a competência legislativa plena, para atender a
suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais
suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Vê-se, portanto, que caberá privativamente à União legislar
sobre a base do processo educacional brasileiro, restando aos Estados e
Distrito Federal o direito de complementar tais normas. Assim, caso haja

134
DNA Educação

choque entre as normas, prevalecerá, sempre, as criadas pela União, em


respeito a hierarquia das leis.
A lei 7.800/16 e suas inconstitucionalidades
A liminar deferida nos autos da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIN nº 5.537/5.580/AL), proposta pelas
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de
Ensino (CONTEE) e Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação (CNTE) contra a Lei 7.800/16, enumera e analisa
minuciosamente as inúmeras inconstitucionalidades contidas na referida
lei, conforme se observa na ementa abaixo transcrita:
EMENTA. CONSTITUCIONAL E EDUCACIONAL.
AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE.
LEI 7.800/2016, DE ALAGOAS. PROGRAMA
“ESCOLA LIVRE”. LEGITIMIDADE ATIVA DA
CONTEE. PROCURAÇÃO ESPECÍFICA.
REGULARIZAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO
PROCESSUAL. MÉRITO. REGIME JURÍDICO DE
SERVIDORES PÚBLICOS E ORGANIZAÇÃO DA
ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL. INICIATIVA
LEGISLATIVA DO GOVERNADOR DO ESTADO
(CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, ART. 61, § 1 o , II,
C E E). PRINCÍPIOS DO ENSINO. RESERVA DE
NORMA GERAL DA UNIÃO. CONTRATOS DE
PRESTA- ÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS.
DIREITO CIVIL. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA
UNIÃO (CR, ART. 22, I E XXIV, E 24, IX). VEDAÇÃO
DE CONDUTAS AO CORPO DOCENTE E À
ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR. LIMITA- ÇÃO
PRÉVIA DE MANIFESTAÇÕES DOCENTES.
AFRONTA À LIBERDADE DE ENSINAR, AO
PLURALISMO DE IDEIAS E DE CONCEPÇÕES
PEDAGÓGICAS E À GESTÃO DEMOCRÁTICA DO
ENSINO PÚBLICO (CR, ART. 206, II, III E VI).
RESTRIÇÕES DESPROPORCIONAIS E
IRRAZOÁVEIS À LIBERDADE DE EXPRESSÃO
DOCENTE. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO
LEGAL, NA ACEPÇÃO SUBSTANTIVA (CR, ART. 5º ,
LIV).
1. Usurpam iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo
os arts. 2o a 7 o e anexos da Lei 7.800/2016, do Estado de Alagoas,

135
DNA Educação

originários de iniciativa parlamentar, porquanto inovam na organização


administrativa estadual e no regime jurídico de servidores públicos, em
afronta ao art. 61, § 1 o , II, a e c, da Constituição da República.
2. Invadem a competência privativa da União para legislar sobre
diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV, da CR) e sobre
normas gerais de ensino e educação (art. 24, IX) dispositivos de lei
estadual que disponham sobre princípios das atividades de ensino.
3. Dispositivos de lei estadual que limitem o conteúdo da
manifestação docente no ambiente escolar, em razão de hipotética
contrariedade a convicções morais, religiosas, políticas ou ideológicas de
alunos, pais e responsáveis, não se compatibilizam com os princípios
constitucionais que conformam a educação nacional, os quais
determinam liberdade de ensinar e divulgar cultura, pensamento, arte,
saberes, pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e gestão
democrática do ensino (CR, art. 206, II, III e VI).
4. Vedação genérica e vaga à “doutrinação” política e
ideológica, à emissão de opiniões político-partidárias, religiosas ou
filosóficas e à contrariedade a convicções morais, religiosas ou
ideológicas de pais ou responsáveis constitui restrição desproporcional à
liberdade de expressão docente, a qual se revela excessiva e desnecessária
para tutelar a liberdade de consciência de alunos. 5. Parecer por
procedência do pedido.
Vícios formas e materiais da Lei 7.800/16 do Estado de Alagoas
A Lei 7.800/16 macula a um só tempo as formalidades
necessárias à elaboração das leis (vício formal) e as regras gerais de
comportamento (vícios materiais), afrontando, assim, os direitos e
garantias fundamentais. Desta forma, há na Lei 7.800/16 séria afronta
aos artigos 22, XXIV, 206, IX e § 1º, 22, I, 61, § 1º, “c” e “e”, 63, I, 205,
206 e 214, 5º, LIV, c/c art. 1º, mostrando, assim, sua fúria
antidemocrática.
Resistência – ação e reação
A História conta que as reações advindas da usurpação de
direitos básicos do povo costumam tomar proporções inimagináveis,
deflagrando desde desobediência civil a barbárie, com sérias

136
DNA Educação

consequências econômicas. Assim, caberá ao povo equacionar o difícil


problema da relação existente entre poder constituinte e poder
constituído, atentando ao fato de que todas as vezes em que há usurpação
de direitos básicos por parte do poder constituído, instala-se crise
institucional e a sociedade incrédula, petrifica-se ou reage de forma
desgovernada, emergindo o perigo de derramamento de sangue, sob o
argumento de manutenção da paz social. Faz-se oportuno observarmos
que atualmente há grande repressão aos movimentos de massa e algumas
reações populares têm sido encaradas como ato terrorista.
Equacionando a relação entre Poder e Direitos, ensina Bobbio:
“Só o poder cria direitos e só o direito limita o poder” (BOBBIO,
2015, p. 29), fazendo prevalecer o processo dialógico democrático de
transformação social, confortavelmente legitimado pela vontade
popular, uma vez que é o povo o receptor primário das decisões advindas
dos três poderes que representam a nação e senhor ou vítima das
transformações sociais.
Parafraseando Freire: entender-se inacabado, porém
consciente do inacabamento, saber que se pode ir mais além dele,
significa ter consciência das suas limitações e capacidades, ferramentas
essenciais à compreensão e transformação do mundo. Ser protagonista
da própria história evitará que o povo tome como sua a emblemática
frase de Blanch Dubois ao ser conduzida ao hospício: Seja você quem
for, eu sempre dependi da bondade de estranhos…
Conclusão
Conclui-se, assim, que grandes pensadores como Paulo Freire
e Sartre exaltam os ideiais existencialistas, defendendo a tese de que é
imprescindível ter consciência das suas escolhas e consequencias, sendo
o homem um ser inacabado e por isto protgonista ou vítima das cíclicas
transformações sociais.
Tennessee Williams, na magnifica obra Um Bonde Chamado
Desejo retrata a luta de classes e seu inevitável rompimento, mostrando
a impossibilidade de classes antagônicas ocuparem o mesmo espaço
pacificamente por muito tempo. Aborda, ainda, a infelicidade dos
personagens, com seus sonhos despedaçados pela prevalência da força

137
DNA Educação

bruta, seja como vítima ou agressor, pois o fruto da agressividade


desumaniza e apequena.
As Ciências Jurídicas, por sua vez, ensinam que há forma de
controle constitucional e reação ao estado de exceção, exigindo dos
operadores de Direito conhecimento técnico e sensibilidade social para
fazer prevalecer os direitos sociais duramente conquistados ao logo dos
últimos anos. Foi assim que o STF, numa decisão histórica, deferiu
liminar contra a Lei 7.800/16, conhecida como Lei da Escola Sem
Partido, analisando pormenorizadamente suas inconstitucionalidades
formais e materiais, declarando-a, assim, inconstitucional.
Desta forma, Educação, Literatura e Direito têm o poder de
registrar os conflitos sociais, convidando o povo à análise dos fatos e
suas implicações futuras, sendo a participação politica a mola propulsora
das grandes revoluções sociais.
A resistência como resposta aos ataques ao Estado
Democrático de Direito coloca o povo no centro da contra narrativa da
atual crise institucional, demonstrando que esse é o único caminho para
do papel de protagonista de sua própria história.
Assim, o resgate da identidade cultural do povo brasileiro frente
ao gigantismo estatal que esmaga sonhos, apresenta-se como caminho
viável ao controle da sanha antidemocrática que ameaça a soberania
nacional. Faz-se imperativo, no atual momento histórico, que o povo
lute por uma concepção de Nação, preservando, assim, suas
características culturais, seguida da imprescindível reconstrução dos
direitos covardemente usurpados.
Fica patento, portanto, que vale apena lutar pela valorização e
fortalecimento das instituições, sob pena de quebra do contrato social e
sufocamento das conquistas sociais, e para isto faz-se necessário uma boa
formação educacional, preferencialmente, nos moldes preconizados pelo
grande mestre Paulo Freire.
Por fim, mesmo que tardiamente, espera-se que o sol do
iluminimo venha brilhar no lado de cá do atlântico.

138
DNA Educação

Referências
GOMES, Paulo Miranda. História Geral das Civilizações. 10 ed. Belo
Horizonte: Lê, 1977.
MORAES, José Geraldo Vinci de. Caminhos das civilizações: da pré-
história aos dias atuais. São Paulo: Atual, 1993.
NADAI, Elza e NEVES, Joana. História Geral: Antiga e Medieval. 2 ed.
São Paulo: Saraiva, 1988.
_________ História Geral: Moderna e Contemporânea. 4 ed. São Paulo:
Saraiva, 1987.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura)
Pensador. Disponível em:
https://pensador.uol.com.br/frase/MTA1MzkwMQ/. Acesso em:
01/04/2017
WILLIAMS, Tennessee. Um Bonde Chamado Desejo. Editora: Abril
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FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade e Outros Escritos – São
Paulo. Ed. Paz e Terra, 2011.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p.

139
DNA Educação

INOVAÇÃO PEDAGÓGICA NA APRENDIZAGEM


DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
OS ALUNOS NA CRIAÇÃO DE VÍDEOS
EDUCATIVOS
Jacqueline Deodato Lima1
RESUMO:
O artigo apresenta uma investigação realizada na EEFM Sales Campos-
Fortaleza-Ceará, com a turma do 7º ano, engajada no Projeto “Semeando
Ideias: LIBRAS”. A pesquisa baseia-se: 1) fundamentação teórica
apoiada na inovação pedagógica; na educação de Surdos e LIBRAS; e
vídeos educativos; 2) metodologia de natureza etnográfica que se
apropria do paradigma qualitativo; 3) a recolha e análise de dados.
Verificamos que já desponta um novo paradigma educacional baseado
em inovação pedagógica, na qual os aprendentes são protagonistas de
sua própria aprendizagem, aprendendo a LIBRAS, eles construíram e
produziram seus vídeos.
Palavras-chave: inovação pedagógica; língua de sinais; vídeo educativo;
etnografia
ABSTRACT:
The article presents an investigation carried out at EEFM Sales Campos-
Fortaleza-Ceará, with the 7th grade class, engaged in the "Sowing Ideas:
LIBRAS" Project. The research is based on: 1) theoretical foundation
supported by pedagogical innovation; in the education of Deaf and
LIBRAS; and educational videos; 2) ethnographic methodology that
appropriates the qualitative paradigm; 3) the collection and analysis of
data. We verified that a new educational paradigm has emerged based on
pedagogical innovation, in which learners are protagonists of their own
learning, learning sing language, they have constructed and produced
their videos.
Keywords: pedagogical innovation, sing language, deaf education,
educational video, ethnography

1Licenciada em Pedagogia (Habilitação em Supervisão Escolar), Especialista em Planejamento


Educacional, em LIBRAS e Educação de Surdos e Mestra em Ciências da Educação - Inovação
Pedagógica. Concentra suas atividades de pesquisa no campo da Inovação Pedagógica e
LIBRAS.

140
Introdução
O caminhar da humanidade em um mundo de incertezas nos
desperta a cada dia, idealizar ou tentar idealizar um mundo mais humano,
onde as possibilidades de viver igualmente fundamentam-se em um bem
comum e desejado por todos. É a partir das relações do homem no
mundo e com o mundo, que tem a consciência de que está em sociedade,
e que é nela que a educação se concretiza, tornando-se sujeito do seu
próprio conhecimento na busca incessante do querer ser mais, é que
encontramos a base para uma relação forte existente entre sociedade e
educação.
Nessa relação intrínseca e interdependente, devido tanto às
razões ligadas às transformações dos saberes como também às razões
históricas, sociais, políticas e econômicas, há um cenário educacional que
vincula saberes, sistemas, reformas e práticas pedagógicas que giram em
torno de ideais, se apropriando do poder-saber de forma a estabelecer
um currículo, como política de estado que produz um discurso de educar
para a cidadania.
Nos deparamos frente a um crescimento social acelerado onde
existe um movimento constante da aprendizagem, da aquisição do
conhecimento, do desenvolvimento, a partir da apropriação de um
pensamento novo baseado, em tecnologias modernas e pós-modernas,
no ambiente escolar, familiar e social. Nessa perspectiva nos deparamos
com um novo paradigma educacional emergente que está em construção,
onde ocorrem intensas mudanças nas quais a informação se mistura ao
conhecimento e um novo posicionamento em nossa vivência
educacional, reflete a necessidade de entendermos tais mudanças. Será a
inovação pedagógica (IP) que desponta em nosso meio?
Como vimos, educação e sociedade se entrelaçam. E a escola é
o produto desse meio onde ocorre a relação intrínseca que aflora a
defasagem no sistema educativo. É ela também que detém o potencial
formador dos aprendentes. Mas quais aprendentes? A escola tem como
objetivo possibilitar o desenvolvimento de cada aprendente, desenvolver
o potencial criador sejam em pessoas ditas “normais” sejam em pessoas
com necessidades educativas especiais (PNEE), a partir das suas
necessidades e habilidades.

141
Nesse contexto sabemos que a qualidade do ensino difere de
escola para escola, onde as realidades são tantas e variáveis. Como
também sabemos que os aprendentes que ocupam os espaços formais e
não formais de aprendizagem possuem suas próprias diferenças e aqui
debrucemos um olhar mais atento para os deficientes auditivos/Surdos.
Assim, indagamos sobre uma atividade natural do ser humano que é o
ato de comunicar-se. Existe uma grande barreira entre a educação para
aprendentes ouvintes e a educação para aprendentes Surdos onde a
comunicação falada é impossível de existir.
Não distante dessa capacidade que é a comunicação humana e
a partir de grandes conquistas alcançadas com a Lei Nº 10.436/2002 que
institui a LIBRAS, desenvolveu-se na Escola de Ensino Fundamental e
Médio (EEFM) Sales Campos o Projeto “Semeando Ideias: LIBRAS”
que se apresenta como uma das pontas de um grande leque onde se
configura o desejo de expor a temática, desenvolver o estudo, propagar
a utilização e a disseminação da LIBRAS acompanhada pelo uso das TIC
(Tecnologias de Informação e Comunicação), a partir da interação, da
busca e da construção do próprio conhecimento, promovendo uma
aprendizagem que evidencia IP, onde a construção de vídeos educativos
pelos aprendentes se faz presente.
Assim, apresentamos a grande problemática em relação à nossa
investigação que se baseia na seguinte indagação: Como os alunos
ouvintes poderão aprender LIBRAS para se relacionarem com a
Comunidade Surda?
Todo o nosso trabalho de investigação percorre um mundo
escolar como objeto de estudo, onde práticas pedagógicas e vivência de
saberes se articulam e constroem uma nova aprendizagem. Diante desse
contexto o dividimos em três partes:
A primeira destina-se à fundamentação teórica que embasa
nosso estudo no mestrado em ciências da educação – inovação
pedagógica e divide-se em três capítulos: 1.1 - inovação pedagógica no
contexto da linha de investigação; 1.2 - educação de Surdos e LIBRAS;
1.3 - vídeo educativo.
Na segunda parte apresentamos a metodologia que embasa
todo o nosso trabalho de investigação.

142
Na terceira parte mostramos a recolha e análise dos dados
coletados na pesquisa, seguida de sua interpretação em categorias.
Por fim, com toda a pesquisa realizada e concluída, tecemos a
partir da linha de pesquisa as considerações finais.
Fundamentação teórica
Inovação pedagógica: um novo olhar educacional
A sociedade é responsável pela formação humana orientada
através da educação. Assim como é pela educação que o homem adquire
conhecimentos necessários para atuar em sociedade, pontuamos as
palavras de Libâneo (1994, p. 17) que demonstra claramente tal relação:
“Não há sociedade sem prática educativa nem prática educativa sem sociedade. ”
A sociedade se apresenta em um profundo movimento de
aspirações quanto ao desenvolvimento intelectual do homem, onde se
verifica que habilidade e capacidade serão fatores preponderantes e que
possibilitarão um maior posicionamento frente às novas situações que já
batem à porta. É urgente a percepção de uma sociedade nova que se
configura como “sociedade da aprendizagem”, onde a capacidade de
aprender é considerada vital para o desenvolvimento. Quanto a essa
habilidade Papert (1994, p. 5) nos fala:
A habilidade mais importante na determinação do padrão de
vida de uma pessoa já se tornou a capacidade de aprender
novas habilidades, de assimilar novos conceitos, de avaliar
novas situações, de lidar com o inesperado. Isso será
crescentemente verdadeiro no futuro: a habilidade
competitiva será a habilidade de aprender.
Suscitando uma reflexão acerca desse momento e para bem
entendermos essa sociedade da aprendizagem que emerge, onde o saber
é caracterizado pela construção do conhecimento, Papert (1994, p. 06)
nos apresenta duas tendências:

Uma delas é a tecnológica [...] responsável pela forte


necessidade de aprender melhor oferece também os meios
para adotar ações eficazes. As tecnologias de informação [...]
abrem oportunidades sem precedentes para a ação a fim de
melhorar a qualidade do ambiente de aprendizagem [...]. A

143
outra tendência é epistemológica, uma revolução no
pensamento acerca do conhecimento.

Uma nova era mundial se configura, é a Era da Informática na


qual encontramos uma aprendizagem voltada para a habilidade de
aprender, que caminha ao lado da tecnologia utilizada como “ferramenta
de aprendizagem”, onde o aprendente se torna protagonista do seu
próprio conhecimento, construindo novos ambientes sociais de
aprendizagem que surgem das necessidades ocasionadas pelas mudanças
no cotidiano que o move.
Uma ação pedagógica de grande importância orienta a
formação humana, vivenciando uma educação atuante na construção do
caminhar do sujeito aprendente. Que gira em torno de espaços de
aprendizagens que caracteriza tanto uma educação formal, na qual as
instituições assumem o lugar técnico de transmissão do saber, criado
para repassar os conteúdos produzidos e colocados universalmente a
todos, a partir de um currículo de ensino igualitário, bem como uma
educação não formal que se apresenta fora de um sistema de ensino
próprio apreendida nas relações sócio culturais da sociedade, em um
processo que engloba tanto a arte de ensinar (didática) como a arte de
aprender (matética) e que compreende tanto o ensino quanto à
aprendizagem.
A didática começou a ser difundida no século XVII quando
João Amós Comênio, “[...] pastor protestante, maior pedagogo do século e
primeiro educador a formular a idéia da difusão dos conhecimentos a todos e a criar
princípios e regras do ensino, escreve a Didáctica Magna, primeira obra clássica com
idéias avançadas para a prática educativa nas escolas [...]” (LIBÂNEO, 1994, p.
58). Mesmo com toda ênfase dada à didática, foi ainda no século XVII
que ele, “[...] dedicou grande parte da sua última obra, ‘Spicilegium Didacticum’, à
Matética, definindo-a, em oposição à didática, como a arte do discente (‘Mathetica est
ars discendi’), que consiste na tarefa de aprender a conhecer as coisas e procurar a
ciências das coisas. ” (FINO, 2016, p. 2).
Mas foi com Papert (1994, p. 61) que a matética tomou forma,
detendo-se a uma aprendizagem que reside nos processos pedagógicos e
não nos resultados, onde os espaços formais e não formais de

144
aprendizagem se completam, e difundem a “teoria do conhecimento”
caracterizada por uma vivência baseada em contextos integrados, na qual
tanto alunos como professores desenvolvem ambientes de trabalhos
fundamentados no “conhecimento-em-uso”, onde a capacidade de
construir o conhecimento sozinho, em pares ou em grupo, seja na escola
ou em qualquer lugar é inerente a todos.
Para Papert, o processo de aprender baseia-se nos seguintes
princípios:

1. [...] dispender tempo relaxado com um problema leva a


vir a conhecê-lo e, através disso, a pessoa melhora sua
capacidade de lidar com outros problemas semelhantes. Não
é usar a regra que resolve o problema; é pensar sobre o
problema que promove a aprendizagem; 2. [...] a boa
discussão promove a aprendizagem 3. [...] você pode
aprender sem ser ensinado e, com frequência, aprender
melhor quando é menos ensinado. (PAPERT, 1994, p. 81-
83);

Apresenta-se aqui uma filosofia educacional desenvolvida por


Papert (1994, p. 125, grifo do autor) a qual ele chamou de
construcionismo que defende uma aprendizagem voltada para a “[...]
suposição de que as crianças farão melhor descobrindo (pescando) por si mesmas o
conhecimento específico de que precisam [...]. O tipo de conhecimento que as crianças
mais precisam é o que lhes ajudará a obter mais conhecimento. ”
Na abordagem construcionista de Papert a meta é “[...] ensinar
de forma a produzir a maior aprendizagem a partir do mínimo de ensino. ”
(PAPERT, 1994, p. 125), onde ele apresenta ideias de autores como:
Claude Lévi-Strauss e seu termo “bricolage” em comparação ao João-
faz-tudo (aquele que adotará as ferramentas necessárias que se encaixam
aos problemas e tenta resolvê-los); Jean Piaget e a teoria do
desenvolvimento intelectual infantil em seus “estágios” de operações
concretas e Lev Vygotsky com a ZDP (zona de desenvolvimento
proximal).
Acompanhando as ideias de Papert e percebendo as teorias aqui
apresentadas, verificamos que essa nova sociedade da aprendizagem que

145
desponta vem carregada pelo desejo de mudar e romper com ideias
antigas para atender às novas expectativas sociais.
Nesse momento de ruptura paradigmática, em seus estudos
sobre inovação, Fino (2008, p. 3. Grifo do autor) enfatiza que:

É certo que há fatores que encorajam, fundamentam ou


suportam as mudanças, mas a inovação, ainda que possa
depender de todos ou de alguns desses factores (por
exemplo, da tecnologia), não é neles que reside. Encontra-
se, ao invés, na maneira como esses factores são utilizados
para se fazer como, até aí, não fazia. Eu costumo dizer que
só há inovação pedagógica quando existe ruptura com o
velho paradigma (fabril), no sentido que Kuhn (1962)
atribuiu à expressão ruptura paradigmática, e se cria
localmente, isto é, no espaço concreto (ou virtual) onde se
movem professores e alunos, um contexto de aprendizagem
que contrarie os pressupostos essenciais do paradigma
fabril.

Em uma sociedade da aprendizagem que caminha na busca


incansável pelo saber, a inovação pedagógica se apresenta como sendo à
base da ruptura para um novo olhar, um novo paradigma que emerge do
trabalho incansável na construção de uma nova educação baseada em
práticas pedagógicas, nas quais a relação existente entre professores e
alunos promove a aprendizagem. A inovação pedagógica acontece para:

Romper com os contextos do passado e criar os contextos


de que o futuro necessita, o que implica uma redefinição do
papel dos aprendizes e dos professores, é no essencial, a
função da inovação pedagógica, constituída por práticas
qualitativamente novas, que bem poderiam ser facilitadas ou
estimuladas por mudanças curriculares e organizacionais
deliberadas [...]. (FINO, 2011, p. 104-105)

Contudo, precisamos ir ao encontro do confronto com uma


política educacional vigente e tradicional que se mostra enraizada em
teorias e métodos convencionais por pura e simples transmissão do
saber. Devemos colocar o aprendente no centro do processo, tornando-
o responsável pela sua própria aprendizagem, desenvolvendo a matética

146
e promovendo um método que acontece mesmo antes da escola, na
formação do seu desenvolvimento cognitivo.
Precisamos desenvolver a IP que evidencia o desenvolver da
matética e o protagonismo do aprendente. Uma IP que segundo Fino
(2007, p. 1): “[...] implica mudanças qualitativas nas práticas pedagógicas e essas
mudanças envolvem sempre um posicionamento crítico, explícito ou implícito, face às
práticas pedagógicas tradicionais [...]”. Percebemos que já se enxerga um novo
olhar para a educação onde a arte de aprender (matética) se faz presente
e a IP faz história, apresentando a mudança necessária que se configura
em novas formas de aprender em uma relação com o construcionismo
de Papert, onde as crianças irão aprender o que realmente precisam saber
e buscarão o conhecimento necessário para desenvolver a sua própria
aprendizagem.
Educação de surdos e libras
A capacidade de se comunicar é um ato natural de todo ser
humano. Através da comunicação seja ela falada ou sinalizada, o homem
relaciona-se com o mundo, interage em sociedade, desenvolve suas
habilidades e suas potencialidades. Comunicar-se é uma necessidade vital
principalmente quando entendemos que a troca de conhecimentos e
informações possibilita a aprendizagem do indivíduo em formação logo
em seus primeiros passos seja na família, na escola ou em sociedade. Mas
sabemos que tal aprendizagem seja em pessoas “normais”, seja em
“pessoas com necessidades educativas especiais” (PNEE), ainda é
negada a muitos.
É nessa perspectiva de construção do conhecimento que as
PNEE são apresentadas e aqui direcionamos um olhar mais arguto para
o deficiente auditivo/Surdo que traz consigo uma realidade que lhe é
própria, demarcada por limitações históricas ocorridas principalmente
no sistema educacional que dificultaram o seu aprendizado, enraizada em
uma relação de poder entre as pessoas do discurso: o ouvinte (pessoa
que fala) sempre ocupa uma posição privilegiada, enquanto que o Surdo
(pessoa que não pode falar) ocupava e ocupa uma posição de
inferioridade, uma vez que não detém a fala.

147
A história do processo educacional do Surdo é dada a partir do
entendimento sobre a posição-sujeito que lhe foi atribuída enquanto
pessoa do discurso caracterizada pela determinação de dois eixos:
enquanto ser não humano - desde a antiguidade (há cerca de 4000 anos)
até o século XV, onde era colocado em um lugar à margem da sociedade
e diferenciado dos demais; e enquanto ser humano (a partir do século
XVI) quando aconteceu um deslocamento na posição-sujeito,
assumindo uma posição que detinha a capacidade de ser educado, de
aprender, onde podendo pensar poderia consequentemente se expressar.
(LIMA, 2004, apud BOLONHINI e COSTA, 2011).
Para entendermos todo esse processo cultural, bem como a
trajetória de luta do sujeito Surdo, necessário se faz apresentar os muitos
métodos foram utilizados durantes os últimos séculos que dividiram
opiniões, esclareceram dúvidas, firmaram conceitos e instituíram teorias.
O método pioneiro foi o gestualismo que ocorreu na França
mais precisamente em 1750, com Charles Michel L’Epée que criou em
sua residência “[...] a primeira escola pública para surdos, denominada de
Instituto de Surdos e Mudos de Paris.” O método gestualista se
utilizou do método manual incorporando a língua falada, “[...] gerou os
‘Sinais Metódicos’ onde consideravam essa forma de linguagem eficaz por abrir-lhes
portas rumo ao conhecimento. ” (BOLONHINI e COSTA, 2011, p. 87-88,
grifo do autor).
Em 1760 na França, Tissot promove o projeto ortopédico que
impõe ao surdo “[...] exercícios de respiração, utilização das piscinas bem com
práticas de outros exercícios [...] que ajudavam na fala, o que levou a proibição total
da linguagem de sinais: entrou em cena a oralização. ” (BOLONHINI e
COSTA, 2011, p. 87).
Para os autores Bolonhini e Costa (2011, p. 88), acontecimentos
como o VII Congresso da Sociedade Pedagógica Italiana (1872), I
Congresso de Professores Italianos Surdos (1873) já percebiam a nova
visão diferenciada dada para o Surdo enquanto ser humano. Mas foi com
o Congresso de Milão (1880) diante de 174 professores congressistas,
173 eram ouvintes e somente 01 era Surdo, o qual ocupava uma posição-
sujeito desfavorecida, já que era o único a não ouvir e consequentemente
o que menos se expressava, que o desejo e o anseio dos demais pelo

148
método oral puro, foi ecoado oficialmente, proibindo o uso da língua de
sinais.
Durante muito tempo, praticamente quase um século de
predominância do oralismo, várias pesquisas foram organizadas em
relação à linguística e à linguagem. A partir desses estudos, surge um
novo método: a comunicação total que facilitaria a comunicação com
os Surdos, pelo qual todos os meios possíveis, fossem eles na perspectiva
oral ou sinalizada, poderiam ser utilizados, o que importava é que
existisse a comunicação, independente do recurso utilizado.
O bimodalismo, parecido com a comunicação total, se
percebia o uso de sinais simultaneamente usado à fala. Segundo Góes
(1996, apud FRONZA e MUCK, 2012, p. 81) “[...] o bimodalismo
desconsidera a língua de sinais e sua riqueza estrutural e não remete adequadamente
à estrutura do português. ” Descaracterizando tanto a língua de sinais, natural
do surdo, o impossibilitando de desenvolver sua capacidade natural e
comum de se comunicar, quanto o português oral dominante.
A partir da insatisfação com os métodos apresentados,
manifestada com os momentos vividos durante essa trajetória
apresentada, é que um novo olhar para a educação de Surdos surgiu com
o bilinguismo, onde a comunicação se apresenta a partir da ligação entre
duas línguas. No Brasil, se fundamenta na língua materna do Surdo, a
LIBRAS, instituída como a (L1), mediado pelas suas experiências já
adquiridas, no qual se aproximará da segunda língua, no caso o português
escrito (L2). Tal modelo educacional que quebra paradigmas, vislumbra
a inclusão social e permite ao Surdo se posicionar perante à sociedade,
assumindo sua própria identidade e fortalecendo sua cultura.
Diante dos métodos mencionados e vislumbrando a língua de
sinais considerada como língua a partir dos estudos linguísticos do
americano William Stokoe em 1960 quando este afirmava que: “[...] a
língua e sinais dos surdos têm estrutura e função semelhante às demais línguas. ”
(1960, apud HARRISON, 2014, p. 30), a história da língua de sinais no
Brasil, segundo Strobel (2006, apud GUEDES, 2012) teve início com a
vinda de Ernesto Hüet “[...] surdo com conhecimentos em metodologia de ensino
para surdos, veio da França para o Brasil em 1855”.

149
Segundo Góes e Campos (2014, p. 69-70), Ernesto Hüet “[...]
chega ao Brasil sob o beneplácito do imperador Dom Pedro II, com a intenção de
fundar uma escola para pessoas surdas e instruí-las por meio da Langue des Signes
Française (LSF) ” sob a influência da Língua Francesa de Sinais.
Participou da fundação do Imperial Instituto de Surdos-mudos no Rio
de Janeiro, hoje o “[...] INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos),
criado pela Lei nº 939 de 26 de setembro de 1857 [...]” (GÓES e CAMPOS,
2014, p. 69-70) onde recebe a tomada mundial de decisões ocorridas no
II Congresso Internacional de Surdo-Mudez em 1880, em Milão na Itália,
adotando o oralismo como método mais adequado na educação dos
Surdos, proibindo oficialmente em 1957 o uso da língua de sinais.
Contudo alguns avanços ocorreram a partir da década de 80
como esclarecem Góes e Campos (2014, p. 70): “[...] em 1982 o padre
americano Eugênio Oates publica no Brasil, o primeiro dicionário
ilustrado da língua de sinais; em 1987 fundou-se a Federação Nacional
de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS). ” E ainda afirmam:

A língua de sinais no Brasil foi reconhecida como meio de


comunicação e expressão dos surdos em 2002 pela Lei
10.436 de 24 de abril. E posteriormente regulamentada pelo
Decreto Nº 5.626/2005. [...] em 2006 iniciou-se a primeira
turma do curso de graduação na modalidade de ensino a
distância Letras/LIBRAS [...] sob a coordenação da
Universidade Federal de Santa Catarina. [...]. Em 2009 foi
criada a primeira turma do curso de graduação
Letras/LIBRAS de modalidade na UFSC.

Com as mesmas qualidades das línguas orais, a língua de sinais


possui uma estrutura e gramática própria (estudos linguísticos a nível
fonológico, morfológico e sintaxe) que vinculam características
linguísticas como qualquer outra língua que segundo Rodrigues e Valente
(2001, p. 36) são elas: “[...] - flexibilidade e versatilidade (uso em vários contextos);
[...] - arbitrariedade (forma e significado não tem relação direta); - descontinuidade
(pequenas diferenças na forma das palavras, podem gerar grandes diferenças de
significados).”
Identificar toda a importância dada pelos Surdos à língua de
sinais, na qual se faz representar toda uma comunidade que se reconhece

150
enquanto Surdo, se caracteriza profundamente, se assume como tal
perante a si e aos outros na sociedade, detendo sua própria identidade e
sua própria cultura, é saber fazer a distinção segundo Lopes (2012, p.
238) entre: surdez com deficiência (pessoa com deficiência auditiva) e
surdez com diferença primordial (pessoa Surda) e perceber que o melhor
caminho a seguir, seja na área da saúde que tenta tornar o Surdo um ser
humano normal, seja na educação que busca amenizar os conflitos, ainda
é uma questão de muita discursão.
Vídeo educativo
Vivemos hoje na sociedade da informação. Uma sociedade
marcada pela presença das TIC, onde a linguagem se estabelece a partir
da apropriação dessas tecnologias modernas e pós-modernas, seja no
ambiente escolar, seja no convívio social. Tal linguagem é decorrente da
ligação do indivíduo com o meio no qual ele está inserido, e com o
próximo com o qual ele interage, em um verdadeiro processo de
aprendizagem e de aquisição de conhecimentos.
A partir dessa relação a educação incorpora do meio social,
ainda receosa às grandes mudanças, mecanismos que contribuem para
um melhor funcionamento do processo educativo, em uma vivência
harmoniosa com as TIC. Diversos são os recursos utilizados como
ferramentas essenciais para que a comunicação seja vivenciada,
compreendida e interpretada e o vídeo se apresenta como um deles.
“Etimologicamente a palavra vídeo provém do latim. É a primeira pessoa do
singular do presente do indicativo do verbo videre, e significa exatamente eu vejo.
” (FERRÉS, 1996, p. 52, grifo do autor).
O uso do vídeo com uma das tecnologias na educação é
percebido como um recurso utilizado pelo professor para auxiliar em sua
disciplina. Segundo Ferrés (1996, p. 20) citando McLuhan (1968)
podemos definir seis modalidades de uso: “[...] a videolição, o videoapoio, o
videoprocesso, o programa motivador, o programa monoconceitual e o vídeo interativo.
” Ainda segundo Ferrés (1996, p.46), o vídeo apresenta sete funções: “[...]
1. a função informativa – videodocumento; 2. função motivadora –
videoanimação; 3. função expressiva – criatividade e videoarte; 4. função

151
avaliadora – videoespelho; 5. função investigativa; 6. função lúdica – o
video como brinquedo e 7. função metalinguística.”
Por sabermos que é no campo da imagem que a aprendizagem
da LIBRAS é mais acessível, uma vez que ela acontece a nível viso-
gestual, o vídeo é um ótimo recurso audiovisual na educação bilíngue, o
qual se configura como uma tecnologia que possibilitará o
desenvolvimento das potencialidades tanto do sujeito Surdo quanto do
ouvinte em seu processo de aprendizagem, desenvolvendo
possibilidades em apreender a LIBRAS a partir do vídeo educativo que
segundo Móran (1995, p. 28) possui uma linguagem que: “[...] parte do
concreto, do visível, do imediato, do próximo, que toca todos os sentidos. Mexe com o
corpo, com a pele – nos toca e ‘tocamos’ os outros, que estão ao nosso alcance, [...]. ”
Para tanto, percebemos no vídeo educativo, principalmente em
sua modalidade videoprocesso, na qual os aprendentes participam,
interagem, constroem e são agentes no processo, um momento que
caracteriza IP. Segundo Ferrés (1996, p. 23): “Falar de videoprocesso equivale
a falar de participação, de criatividade, de compromisso, de dinamismo. É uma
modalidade na qual os alunos se sentem protagonistas. O vídeo nas mãos do próprio
aluno. ” O aluno assume o comando da criação do vídeo e seguem passos
que vão do roteiro, passa pela filmagem e conclui com a edição.
Incorporam ações próprias que levam a aquisição de conteúdos e
assuntos necessários para que o conhecimento seja adquirido e
propagado.
Metodologia: Um Olhar Sobre A Investigação
A partir da fundamentação teórica apresentada, chegamos à
segunda parte do nosso trabalho com a metodologia, onde debruçamos
o olhar sobre a investigação que percorreu uma metodologia de pesquisa
que vislumbrou práticas pedagógicas e vivência de saberes, articulando
um paradigma qualitativo que se apropriou de um método de natureza
etnográfica, fundamentado nas bases e inspirações da linha de
investigação em IP com o uso de técnicas de coleta de informações,
utilizando dispositivos metodológicos tais como: observação
participante, entrevista (conversa natural), estudo da análise de
documentos e diário de campo.

152
Refletindo acerca da nossa pesquisa realizada, e sabendo que a
realidade pesquisada se funde às teorias estudadas, encontramos Macedo
(2010, p. 38) quando destaca que: “[...] para o olhar qualitativo, é necessário
conviver com o desejo, a curiosidade e a criatividade humanas; com as utopias e
esperanças; com a desordem e o conflito; com a precariedade e a pretensão; com
as incertezas e o imprevisto. ” O paradigma qualitativo apropriou-se de um
método de natureza etnográfica que segundo Spradley (1979, apud,
FINO, 2016, p. 1):

[...] a etnografia deve ser entendida como a descrição de uma


cultura, que pode ser a de um pequeno grupo tribal, numa
terra exótica, ou a de uma turma de uma escola dos
subúrbios, sendo a tarefa do investigador etnográfico
compreender a maneira de viver do ponto de vista dos
nativos da cultura em estudo.

A nossa linha de investigação se fundamenta na IP que: “[...]


tem que ver, fundamentalmente, com mudanças nas práticas pedagógicas e essas
mudanças envolvem sempre um posicionamento crítico face às práticas pedagógicas
tradicionais. ” (FINO, 2008, p.3). São as práticas pedagógicas ocorridas na
escola que deverão ser observadas e analisadas para que sejam
caracterizadas ou não, como IP.
E ainda convém reter o seguinte:

-[...]; - a inovação pedagógica não é induzida de fora, mas um


processo de dentro, que implica reflexão, criatividade e
sentido crítico e autocrítico; - a inovação pedagógica, ainda
que inspirada ou estimulada por ideias ou movimentos, que
extravasam do âmbito local, é sempre uma opção individual
e local; - a inovação pedagógica dentro da escola envolve
sempre o risco de esbarrar contra o currículo; - a inovação
pedagógica, nestes dias de desenvolvimento exponencial da
ciência e da tecnologia não é sinônimo de inovação
tecnológica. (FINO, 2007, p. 2-3)

Recolha e análise dos dados


A nossa pesquisa de natureza etnográfica, compreendeu um período de
sete meses que se estendeu do final do semestre de 2016 mais
precisamente em novembro, até o final de maio de 2017 e teve como cenário

153
a EEFM Sales Campos reforça o conceito de Macedo (2010, p. 37) quando este nos
diz que: “[...] a escola é um locus indispensável para a compreensão da concretude
das políticas e das ações educativas [...]. ”
Por ser um lugar onde as ações educativas acontecem,
investigamos se as práticas pedagógicas ocorridas no Projeto “Semeando
Ideias: LIBRAS” que configura um processo de aprendizagem, no qual
a construção de vídeos educativos pelos aprendentes do Ensino
Fundamental (EF), mediados pelas professoras e seus pares,
caracterizava ou não IP. Nosso objeto de estudo foi uma turma de 7º
ano do EF, atendida pelo projeto desde 2015, onde práticas pedagógicas
e vivência de saberes se articularam em torno da aprendizagem em língua
de sinais.
O trabalho de investigação desenvolvido veio responder à
problemática da nossa pesquisa que era: Como os alunos ouvintes
poderão aprender LIBRAS para se relacionarem com a Comunidade
Surda? Como também respondeu a nossa questão de pesquisa: Será que
a construção de vídeos educativos produzidos pelos alunos do Ensino
Fundamental evidencia IP no aprendizado em LIBRAS?
Mas nosso objetivo maior ocupava-se em investigar se a cons-
trução de vídeos educativos pelos alunos, promovia a aprendizagem em
LIBRAS. Para tanto, foi organizado procedimentos de análise de
conteúdo fundamentado pelo estudo de Bardin (2002, p. 46) quando
nos esclarece que o objetivo desta: “[...] é a manipulação de mensagens
(conteúdo e expressão desse conteúdo), para evidenciar os indicadores
que permitam inferir sobre uma outra realidade que não a da mensagem.”
Segundo Bardin (2002, p. 95) o método da análise de conteúdo
se dá em três momentos: “[...] 1) a pré-análise; 2) a exploração do
material; 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação
[...]. ” Na parte referente à pré-análise, seguem-se etapas que propiciam um melhor
enquadramento dos dados colhidos em campo definindo-se um plano de análise que
engloba a “[...] escolha dos documentos, a formulação das hipóteses e
objectivos e a elaboração de indicadores que fundamentem a
interpretação final. ” (BARDIN, 2002, p. 95).
Detendo-se ao tópico “elaboração de indicadores” expomos os procedi-
mentos analíticos utilizados, fazendo referência ao “[...] recorte do texto em

154
unidades comparáveis de categorização para análise temática e de
modalidade de codificação para o registro dos dados. ” (BARDIN,
2002, p. 100, grifo do autor).
Em relação ao tratamento dos materiais a serem analisados, necessário se
faz a codificação da teoria (a priori, antes da entrada em campo)
fundamentada nos autores estudados que se transformam em “unidades
de registro” em consonância com os dados coletados (a posteriori) que
se traduzem em “unidades de contexto” segundo Bardin (2002, p. 104-
105), apresentados a partir dos dispositivos metodológicos utilizados e
traduzidos por categorização, onde nada mais é que uma operação de:
“[...] classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por
diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero
(analogia), com os critérios previamente definidos.” (BARDIN, 2002, p.
117)
Nesse contexto, elaboramos um quadro baseado no eixo
temático (unidades de registro) organizado a partir dos temas que
fundamentaram a teoria estudada onde apresentamos as categorias e
subcategorias (unidades de contexto) que agruparam a parte comum
entre esses temas.

Q uadr o 1: C at egor ias de análise


CATEGORIAS DE ANÁLISE SUBCATEGORIAS DE ANÁLISE
1. LIBRAS A) Atividades que caracterizaram aprendizagem
significativa na língua de sinais
B) As TIC e a língua de sinais
2. VIDEO EDUCATIVO A) A construção dos vídeos educativos e as
etapas desenvolvidas no vídeo processo
B) Exploração das TIC na produção dos vídeos
educativos
3. INOVAÇÃO PEDAGÓGICA A) Situações vivenciadas que nortearam
características de inovação pedagógica
Fonte : A pesquisador a

A análise dos dados ocorreu durante o mês de junho de 2017.


Foram aqui transcritos de forma textual para que se possa ter uma
melhor compreensão de tudo que ocorreu. A partir do quadro acima,

155
analisaremos uma a uma, seguindo uma sequência de interpretação
quanto aos indicadores referidos.
Interpretação dos indicadores
Conclusão 1.A - Percebemos nas atividades que caracterizaram
aprendizagem significativa em LIBRAS, o método educacional utilizado
na educação dos Surdos, o bilinguismo, onde se dá a aquisição de duas
línguas. O projeto foi realizado sob a perspectiva do ouvinte, quando
ocorre o estudo do português dominante (L1) e a LIBRAS (L2), uma vez
que nem na escola e nem em sala de aula, possuía aprendente Surdo.
Com o contato e a aprendizagem com a língua de sinais, o conhecimento
dos aprendentes, se apropriou de uma nova linguagem para entender o
mundo do sujeito Surdo e assim percebemos que a turma iniciou a
construção de uma cultura própria que dá sentido à uma nova vivência
social.
Conclusão 1.B - Os aprendentes se apropriaram das
ferramentas necessárias para resolver seus problemas e aqui, eles
utilizaram as TIC, na busca dos sinais das palavras não encontradas no
dicionário ilustrado manual. O uso do computador, a partir do site
www.acessobrasil.com.br, onde encontra-se um dicionário virtual
completo e do aplicativo Hand Talk no smartfone, no qual se demonstra
os sinais na tela, através do personagem em 3D, Hugo, intérprete virtual
em língua de sinais, determina um momento onde as TIC fazem parte
do cotidiano do estudo em língua de sinais, proporcionando um maior
aprendizado.
Conclusão 2.A - Percebemos que a construção dos vídeos
educativos, ocorreu de maneira natural desde quando os aprendentes já
se dividiram em equipes, nos primeiros encontros, mesmo ainda sem
terem a intenção da filmagem.
Já escolheram seus temas, relacionaram palavras e com a cabeça
fervilhando de informações, ideias e desejos, os aprendentes falaram
como iriam fazer os vídeos, quem iria fazer e como iriam gravar. Ora,
aproveitando todo esse momento, as professoras entregaram a Ficha das
Etapas do Vídeo Educativo desenvolvida pelo projeto que acompanha a

156
estabelecida por Férres (1996) quanto à construção do vídeo processo,
na realização da construção dos vídeos.
Conclusão 2.B - A construção do conhecimento na área da
língua de sinais intermediada pelo uso das TIC e aqui mais precisamente
com o uso do computador, notebook e smartfone através de sites e
aplicativos, mesmo se apresentando como mera máquina de ensinar, os
alunos buscavam os conteúdos necessários em LIBRAS que se
apresentavam no site e nos programas para construírem seu próprio
conhecimento em língua de sinais. Convém irmos ao encontro do
pensamento de Papert e o construcionismo, quando este nos fala que
devemos dar ótimas varas de pescar, e aqui a presença das TIC se
tornaram ótimas varas, reforçando a ideia da habilidade matética em
construir seu próprio conhecimento e no caso específico, em LIBRAS.
Conclusão 3.A - Durante toda a realização da construção do
vídeo a participação dos aprendentes, o trabalho em equipe, o estudo e
o planejamento foram intensos. Os aprendentes aprofundaram sobre os
sinais escolhidos e concluíram com as professoras, uma vez que as
professoras já detinham um maior conhecimento em língua de sinais. A
interação ocorrida em sala mostrava que os alunos atingiram a ZDP,
ocasionando a solução na busca daqueles sinais que antes, sozinhos, eles
não sabiam e nem encontravam na internet.
Foi notório que os aprendentes estavam meio alheios às
informações, quando foram colocados frente ao programa da edição do
vídeo na oficina. Mas como Papert (1994) também nos fala, o momento
caracterizava os princípios que compõem o processo de aprendizagem:
dar-se tempo para conhecer o programa, discutir sobre os comandos do
programa para depois editar o vídeo, quando se absorveu a aprendizagem
em relação ao programa. Assim o orientador da oficina pode oferecer
seus conhecimentos, partilhar com os alunos e estes adquirirem o
conhecimento necessário para a edição dos vídeos.
Na edição do vídeo, observamos a principal característica da
modalidade do vídeo processo segundo Férres (1996) que é quando os
aprendentes se tornam protagonistas de fato, finalizando toda a
produção, se apropriando tanto dos conhecimentos na área da LIBRAS
como dos novos conhecimentos adquiridos na oficina.

157
Enfim, propagar e promover a língua de sinais, vivenciar o
protagonismo no vídeo processo, estabelecer novas formas na vivência
com os Surdos e fortalecer a interação entre todos, fez esse projeto
caracterizar a IP principalmente quando nas palavras de Fino (2016, p.
5) essa passa: “exclusivamente pela matética, o que implica a autonomia e o
protagonismo do aprendiz e a redefinição do papel do professor, com todas as
consequências dessa migração do aprendiz, da periferia para o centro dos processos de
ação e construção.” O aprendiz sai da periferia dos processos didáticos e
assume o centro dos processos voltados para a habilidade de aprender,
instituindo a matética (arte de aprender) e promovendo a IP.
Considerações finais
Nesse mundo no qual o homem vive, é bem verdade que
sociedade e educação andam juntas, se entrelaçam, se completam, criam
laços e se misturam em um movimento complexo de interação a partir
de realidades diversas, que nos faz acreditar que o papel da educação está
intimamente ligado ao contexto social, político e econômico no qual ela
está inserida, promulgando os conhecimentos necessários para o
momento exigido.
É exatamente a partir dessa relação intrínseca que existe entre
sociedade e educação, que percebemos um homem que articula, sua
maneira de pensar aos acontecimentos sociais e práticas culturais que
fazem parte de uma perspectiva histórica fundamentada na construção
de um novo horizonte, de uma nova ideia de educação, de um novo
conceito de sociedade.
A partir da tomada de consciência do verdadeiro papel
enquanto ser que está no mundo, o homem confia a si mesmo a missão
de construir seu próprio conhecimento mesmo que este seja transmitido
pela escola em uma educação institucionalizada ou a partir de vivências
sociais em um processo informal de educação.
E sabendo que é o homem que vive na sociedade e se encontra
rodeado de valores e crenças que se constituem em verdadeiros modelos
firmados, transmitidos por outros e seguidos por muitos, onde se
instituem paradigmas que perpetuam no decorrer de sua existência, é que
se observa uma educação e uma vivência em grupo, nas quais muitos

158
valores que não mais significam para ele, perdem o sentido, ocorrendo a
quebra de paradigmas que dá uma nova forma em seu caminhar.
Pensando nessa quebra de paradigma, vemos na educação a
grande esperança da mudança que bate à nossa porta, promovendo
habilidades inovadoras que possibilitarão ao homem desenvolver a
capacidade de seu ímpeto criador que nasce da constante busca pelo
conhecimento sempre inacabado e pela incessante superação do saber.
Em um movimento da aprendizagem impulsionado pelo desejo
único de romper com os paradigmas existentes, faz renovar a cada dia o
desejo de promover com afinco o bem da educação através de um estudo
científico, sabendo que riscos e oportunidades, erros e acertos estarão
sempre presentes no futuro.
Com esse desejo de renovar e a partir da colaboração entre
pares vivenciada com o uso das TIC, um novo olhar sobre a questão da
comunicação e da aprendizagem foi desenvolvido com o Projeto
Semeando Ideias: LIBRAS, onde a EEFM Sales Campos tornou-se
pioneira no ensino da LIBRAS mesmo antes desta ser uma exigência
educacional. Já se encaminha uma proposta educacional fundamentada
em uma comunicação baseada no bilinguismo, onde ocorre o
envolvimento entre a língua de sinais (LIBRAS) e a língua portuguesa
(escrita), articulando a inclusão das PNEE e os aprendentes ouvintes, em
uma proposta voltada para a IP uma vez que os aprendentes se tornaram
protagonistas no processo da construção de vídeos.
Com o referido estudo, e no contexto de educação e sua relação
com a sociedade, onde o homem se encontra como ser pensante e
atuante, concebemos que esta análise final, assume um caráter de
incompletude, onde não se pretende aqui chegar à conclusões ideais mas
a pensamentos que nortearão a discussão sobre o protagonismo dos
aprendentes e a IP.
Como também apontaram que existe uma necessidade de
ampliar os horizontes, de fomentar as práticas pedagógicas, de engajar
os profissionais da educação e de vivenciar mais profundamente a
construção do conhecimento. Sabemos que desenvolver habilidades de
aprendizagem em LIBRAS não é tarefa fácil, uma vez que as escolas não
estão preparadas nem tão pouco adequadas para receberem as PNEE,

159
principalmente àquelas que as famílias não as reconhecem, nem as
aceitam como são. Como também, não existem professores capacitados
no ensino da língua de sinais.
Contudo, devemos fazer educação? Sim, devemos fazer!
E fazer educação é desenvolver teorias, elaborar o saber e
promulgar conhecimentos. Dentro ou fora da escola, formalmente ou
informalmente, a aprendizagem existe e os sujeitos aprendentes em uma
mudança constante, quebram paradigmas, derrubam barreiras e criam
novas expectativas.
Educar uma sociedade é fazê-la progredir, torná-la um conjunto
harmônico e conjugado das forças individuais. E só se faz progredir
quando se desenvolve uma sociedade fazendo com que a ação seja
contínua.
É fazer a escola adquirir sua própria identidade despertando a
consciência própria e crítica no aprendente, bem como o seu verdadeiro
papel enquanto cidadão na sociedade.
É desempenhar um papel compromissado com a valorização
da capacidade do “ser” sabendo que o “fazer” é peça essencial na
construção do conhecimento, pois fazer inovação é “crer que” continuar
na rotina é “viver sem ser” e “nada fazer”.

160
Referências
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162
DNA Educação

A ADOLESCÊNCIA, A ALFABETIZAÇÃO E O
PROCESSO DE IN/EXCLUSÃO SOCIAL:
DIÁLOGOS À LUZ DA PSICOLOGIA HISTÓRICO
CULTURAL
Janaína de Souza Silva1
RESUMO:
O presente artigo objetiva promover algumas reflexões sobre implicações do
conceito de adolescência, o fracasso escolar, e o papel da escola para a
garantia da alfabetização plena de seus alunos com as interfaces do processo
de in/exclusão social, à luz da perspectiva histórico cultural. O estudo
prioriza responder a duas questões oriundas dos estudos teóricos acerca da
temática. São elas: Quais as implicações da inconclusão do processo de
alfabetização para o adolescente? Quais os incursos desse fenômeno para o
processo de in/exclusão social? O constructo teórico escolhido nos oferece
parâmetros para responder essas questões, de modo a possibilitar reflexões
e não conclusões.
Palavras chave: Adolescência. Alfabetização. Educação Infantil. Psicologia
Histórico Cultural.
ABSTRACT
This article aims to promote some reflections about the implications of the
concept of adolescence, school failure, and the school’s role in guaranteeing
the full literacy of its students with the interfaces of the process of social
in/exclusion in the light of historical cultural perspective. The study
prioritizes to answer two questions from these theoretical studies on the
subject, which are: What are the implications of the not concluding the
literacy process for the adolescent? What are the consequences of this
phenomenon for the process of social exclusion/exclusion? The chosen
theoretical construct offers us parameters to answer these questions, in order
to allow reflections and not conclusions.
Keywords: Adolescence. Literacy. Child education. Cultural Historical
Psychology.

1Pedagoga (INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS APLICADAS – ISCA FACULADES), Mestre


em Educação (UNESP) orientadora do PNAIC e Formadora da Secretaria Municipal de
Educação de Limeira (SME). E-mail: jana_naina04@yahoo.com.br

163
Introdução
O trabalho objetiva promover algumas reflexões sobre as
implicações do conceito de adolescência, o fracasso escolar, o papel da
escola para a garantia do sucesso da alfabetização de seus alunos com as
interfaces do processo de in/exclusão social, à luz da perspectiva
histórico-cultural.
Com base nas contribuições de Coimbra (2005) e Bock (2004),
o conceito de desenvolvimento, adolescência tem sido amplamente
discutido. Nas últimas décadas, os resultados apontados pelas avaliações
externas como, por exemplo, os apresentados pelo INAF no ano de
2012, em seus diversos aspectos, conferem ao quadro da alfabetização
poucos avanços no que diz respeito ao processo de qualidade
desenvolvido em sala de aula. Esse aspecto tem demandado inúmeras
pesquisas na esfera acadêmica, uma vez que as fragilidades do processo
ecoam no fracasso escolar – ainda muito presente na contemporaneidade
– daqueles que não conseguem atingir a alfabetização com êxito, em sua
maioria, adolescentes. Contudo, há que se traçar um caminho à luz da
teoria escolhida, para então concentrar esforços a fim de responder as
questões que dão origem ao trabalho desenvolvido. Tendo como base
que a educação é um direto de todos e instituído nacionalmente pelo
Plano Nacional da Educação (PNE), o texto está organizado em 3
subitens, são eles: desenvolvimento; adolescência e a alfabetização. Para
tanto, as discussões propostas nesse estudo têm como premissa
responder a duas questões: Quais as implicações da inconclusão do
processo de alfabetização para o adolescente? Quais os incursos desse
fenômeno para o processo de in/exclusão social?
O construto teórico escolhido nos oferece parâmetros para
responder essas questões, de modo a possibilitar reflexões e não
conclusões. Busca-se, nesse trabalho, discutir a compreensão do conceito
de adolescência que, em linhas gerais, é apresentado por algumas teorias
como estágio linear do desenvolvimento humano. Além disso, o estudo
consiste em aclarar as relações de objetividade da educação escolar e a
subjetividade do sujeito, no que tange ao conceito de alfabetização que,
quando discutido por outras abordagens teóricas que não essa, defendem
uma hegemonia no processo, culpabilizando o sujeito e jamais o sistema.

164
À guisa de conclusão, o estudo versa sobre as influências desses aspectos
para os processos de in/exclusão social com base nos pressupostos da
psicologia histórico-cultural.
A questão do desenvolvimento
Algumas teorias da psicologia tendem a naturalizar o desenvol-
vimento do ser humano prescindindo das relações sociais e culturais.
Esse artigo pretende enveredar pelos pressupostos teóricos da psicologia
histórico-cultural que contrapõe a ideia de um desenvolvimento espon-
tâneo e linear.

Os psicólogos, ao falarem sobre o fenômeno psicológico,


apresentam-no como se estivesse dado no ser humano tal
fenômeno. Como se fosse da natureza humana, do qual
somos dotados desde que nascemos. Não há qualquer
preocupação em explicar a gênese do psiquismo humano,
pois este é tomado como algo natural. É impressionante o
desinteresse dos psicólogos, apresentado no estudo, pelas
relações sociais, pelas formas de produção da sobrevivência
ou pela cultura (BOCK, 2004).

Vale dizer que a opção teórica assumida que baliza esse estudo
tem sua origem na concepção metodológica e epistemológica marxiana
conjecturada na lógica dialética, uma vez que Karl Marx, segundo
Leontiev (1978) é o preconizador do socialismo científico, o primeiro a
fornecer um legado teórico que analisa criticamente a natureza social do
homem e do seu desenvolvimento sócio-histórico.
Assim, tal pressuposto entende que o processo de humani-
zação, ou seja, o desenvolvimento humano está diretamente ligado ao
desenvolvimento da cultura e sociedade. Essa conexão só é possível por
meio das relações que excedam a cultura material para transpor aos bens
culturais e sociais, cambiadas pelos sujeitos com outros sujeitos da
mesma espécie. Segundo a concepção metodológica marxiana:

[...] concepção que compreende a realidade no movimento


gerado por contradições no espírito da lógica dialética, em
que o ser humano se desenvolve e se constitui no interior
das relações sociais de produção. O ser humano, nesse
sentido, é síntese das relações sociais na medida em que tais

165
relações são objetivas e se expressam na subjetividade dos
indivíduos (SACCOMANI, 2014, p. 46).

Com base nesse excerto nota-se que as interfaces do ser


humano são oriundas de um processo subjetivo, engendrados pelas
experiências adquiridas ao longo de toda trajetória humanizadora que
culmina em processos de múltiplas determinações. Isso significa que,
para o ser humano suprir suas necessidades diárias faz-se necessário
apropriar-se de todo o legado cultural deixado pelos nossos ancestrais,
de modo a transformá-lo. Esse processo não é algo natural, portanto,
não ocorre espontaneamente. Para aclarar essa ideia, digamos que
tivéssemos sido abandonados numa selva aos três anos de idade. Talvez,
com muita sorte, imersos nesse contexto selvagem, pudéssemos
sobreviver às situações mais inusitadas e perigosas, ainda assim, sem
contato com outro ser humano estaríamos distantes de nos apropriarmos
de todo o legado cultural de nossa espécie.
Nesse sentido, compreende-se que há uma delimitação da
espécie humana no que diz respeito ao processo de desenvolvimento.
Isso significa que não basta ser homem, ou seja, ter as condições básicas
e necessárias para sê-lo.
Enquanto seres conscientes e humanizados, aspiramos fazer
uso de todo aparato biológico herdado como, por exemplo, desenvolver
a capacidade gustativa, auditiva, olfativa, tatear os objetos, percebê-los,
entre outras. Portanto, não se trata de preterir as condições biológicas,
necessárias para assegurar a sobrevivência humana. Essa concepção
teórica entende que os atributos herdados biologicamente não são
suficientes para alcançarmos a humanização. Para humanizar-se,
objetiva-se que o sujeito tenha condições de vida e educação com
propósitos e definições. As leis orgânicas herdadas no nascimento do ser
humano não podem determinar o seu processo de desenvolvimento, elas
podem influenciar, mas em tempo algum servirá como processo
determinante.
Sobre isso, Leontiev (1978) submeteu-se a analisar a gênese do
desenvolvimento psíquico do ser humano o qual considera que:

166
O homem não está evidentemente subtraído ao campo de
ação das leis biológicas. O que é verdade é que as
modificações biológicas hereditárias não determinam o
desenvolvimento sócio-histórico do homem e da
humanidade; este é doravante movido por outras forças que
não as leis da variação e da hereditariedade biológicas
(LEONTIEV, 1978, p. 264).

Nesse sentido, a conquista de um psíquico verdadeiramente


humano independe de suas condições biológicas, as atividades exercidas
pelo homem para garantir sua sobrevivência requerem superar o legado
natural, e com isso evidenciar a possibilidade de criarmos condições de
vida objetivas. Há razões para afirmamos isso, uma vez que os prejuízos
do ser humano quando este é privado da convivência com outros da
mesma espécie são inúmeras, exemplos como o caso das meninas lobas
Kamala e Amala2 nos alerta para isso.
Assim, Leontiev (1978), nas suas contribuições sobre o
processo de produção da evolução humana, destaca que desde os
primórdios da civilização foi necessário fixar as aquisições adquiridas
pelos nossos antepassados, sendo indispensável a transmissão de geração
em geração, com objetivo de asseverar o progresso histórico.
Portanto, ao contar somente com a herança biológica não seria
possível ao ser humano apreender todo o legado cultural. Foi necessário
romper com as limitações biológicas, de modo a possibilitar que se
estabeleçam relações de natureza externas, sendo essas, cultura material
e cultura intelectual. Sobre isso podemos dizer que:

[...] cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a


natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em
sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado
no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade
humana (LEONTIEV, 1978, p. 267).

O modo peculiar como essas relações acontecem, originam


situações tipicamente da comunidade humana, distancia-se do legado
natural, difere-se dos animais e aproxima-se da atividade essencial

2 Ver Valéria Mukhina em Psicologia da idade pré-escolar.

167
exercitada pela humanidade que é o trabalho, aquilo que nos oferece
sustento para sobrevivência humana.
Desse modo, os destaques de Leontiev (1978) nos atenta para
entender que:

Pela atividade os homens não fazem senão adaptar-se à


natureza. Eles modificam-na em função do
desenvolvimento de suas necessidades. Criam os objetos
que devem satisfazer as suas necessidades e igualmente os
meios de produção destes objetos, dos instrumentos às
máquinas mais complexas. Constroem habitações,
produzem as suas roupas e outros bens materiais são
acompanhados pelo desenvolvimento da cultura dos
homens; o seu conhecimento do mundo circundante e deles
mesmos enriquece-se, desenvolvem-se a ciência e a arte.

Interessa-nos, com base nestas palavras, ressaltar a afirmação


que o desenvolvimento humano não decorre de situações espontâneas.
Isso significa que não precede de um processo natural. Na contramão
dessa ideia apresenta-se a concepção que veste esse artigo, a qual entende
que o processo de humanização se coaduna nas condições estabelecidas
das ações humanas, ou seja, engendradas pela atividade do trabalho.
O conceito de Adolescência
A questão que se coloca agora para prosseguirmos com essa
discussão visa esclarecer em que medida a compreensão do processo de
desenvolvimento humano pode interferir no entendimento para o
conceito de adolescência?
O estudo até aqui teve como premissa discutir as questões
relacionadas ao desenvolvimento humano, não de modo concluinte, mas
com destaques mínimos para a evolução humana, sem desconsiderar a
importância do aparato biológico e reiterando a importância das relações
tipicamente humanas resultantes de atividades conscientes.
Assim, sabendo que o desenvolvimento não decorre de
situações espontâneas, a adolescência, nessa perspectiva teórica, não
deve ser vista como processo natural do ser humano. Para ilustrar essa
ideia, é importante situarmos o contexto dessa discussão com a seguinte

168
prerrogativa: qual o entendimento do conceito de adolescência na
contemporaneidade?

Na contemporaneidade, a figura do adolescente costuma


remeter a uma tendência ditada pelos teens estadunidenses –
modelo de todo um estilo de vida a ser consumido pelo
restante do mundo -, tendência essa presente em anúncios,
conversas e notícias. Isto instaura uma determinada forma
de adolescente como a única reconhecida, a qual conta com
o apoio de algumas práticas da própria psicologia – ainda
hoje hegemônicas – na propagação e fortalecimento de tal
modelo (COIMBRA et al., 2005, p. 4).

Diante dessas palavras, nota-se que o conceito de adolescente


vem sendo abordado de forma generalizada pelo sujeito contemporâneo
e tal definição tem sido sustentada por teorias psicológicas hegemônicas.
A difusão midiática dessa ideia tem acarretado prejuízos, pois, de modo
equivocado, identifica a adolescência como um processo natural,
instaurado especificamente num período conturbado e que todas as
crianças devem passar. Os danos causados por esse entendimento
convergem numa busca desenfreada para amenizar os conflitos gerados
desse tal “período”, pois diante de um conjunto de características
próprias de adolescente ideal, aquele que não se enquadra nesse perfil
ditado, fica à margem desse modelo.
Nessa visão hegemônica, o conceito de adolescência toma
grandes proporções biológicas e psicológicas, conforme destacado por
Coimbra (2005, p. 04):

Práticas baseadas nos conhecimentos da medicina e da


biologia, em especial, vêm afirmando, por exemplo, que
determinadas mudanças hormonais, glandulares, corporais e
físicas pertencentes a essa fase seriam responsáveis por
algumas características psicológico-existenciais próprias do
adolescente. Tais características passam a ser percebidas
como essência, em que “qualidades” e “defeitos” como
rebeldia, desinteresse, crise, instabilidade afetiva,
descontentamento, melancolia, agressividade,
impulsividade, entusiasmo, timidez e introspecção passam a
ser sinônimos do ser adolescente, constituindo uma
identidade adolescente.

169
Ao contrário dessa visão hegemônica, advogamos a superação
dessas práticas muito presentes na contemporaneidade e que vem
norteando leis e políticas públicas objetivando garantir a “inclusão”
daqueles que se encontram “fora” dos padrões instituídos como ideais.
Assim, o enfoque dado a questão da adolescência nesse estudo requer
desvelar a concepção de desenvolvimento cristalizada nos discursos, nas
práticas e difundida culturalmente.
Para Coimbra et. al (2005), a forma como a teoria hegemônica
psicológica expressa o entendimento do conceito de adolescência
manifesta interesses próprios, isto é:

[...] servem aos propósitos dominantes de homogeneização


e imobilização, reificando determinadas práticas e relações
presentes na atual sociedade de controle globalizado. Os
meios de comunicação de massas, por exemplo, estão entre
os equipamentos sociais mais poderosos para difundir e
reforçar a ideia de adolescência, oferecendo-a como produto
a ser consumido, necessariamente, para se ingressar no
mundo dos bem-sucedidos e dos que têm valor, tanto
material como simbolicamente (COIMBRA, 2005, p. 7).

Em práticas de entendimento sobre o desenvolvimento


humano como o esboçado acima, predomina o interesse de controle
sobre o sujeito. Essa constatação leva-nos ao entendimento de que a
obtenção desse controle sobre o adolescente pode evitar alguns
aborrecimentos, reprimir crises de rebeldia, agressividades. Em outras
palavras, contribui com a inibição dos sintomas típicos dessa “fase”. Ao
afirmar que a adolescência é um período próprio do desenvolvimento no
qual a criança está destinada a passar por mudanças de ordens
comportamentais e sociais, para a configuração de uma identidade,
comungamos de uma concepção de desenvolvimento natural, o qual
converge em práticas hegemônicas que negam as múltiplas
determinações dado ao sujeito pelo enfoque histórico-cultural.
Conforme expressado por Coimbra et al. (2005, p.):

Quando se aceita a construção de uma identidade do sujeito


na adolescência, além da produção de uma “identidade
adolescente” [...] afirma-se um determinado jeito correto de

170
ser e de estar no mundo, uma natureza intrínseca a essa fase
do desenvolvimento humano. Ao colocarmos uma etiqueta
referendada por leis previamente fixadas e embasadas nos
discursos científico-racionalistas, pode se criar um território
específico e limitado para o jovem, uma identidade que
pretende aprisioná-lo e localizá-lo, dificultando possíveis
movimentos. Ao se reafirmar a homogeneidade nega-se a
multiplicidade e a diferença.

No entanto, o posicionamento teórico escolhido para


desenvolver esse texto, concede a ideia de desenvolvimento humano
como um processo ativo, que não é inerente ao sujeito, requer que sejam
dadas condições de vida e educação definidas, as quais ocorrem à medida
que o sujeito consegue aprender, internalizando os signos propriamente
ditos como culturais.
Portanto, para obtermos uma sociedade mais justa e igualitária
é imprescindível compreendermos o processo de desenvolvimento, de
modo a aspirar melhores condições de formação do sujeito, nesse caso
específico, do adolescente. A não compreensão desse processo acarreta
implicações diretamente na educação escolar, fazendo do sujeito refém
daquilo que chamamos de mais primitivo no que se refere ao psiquismo 3
humano. O posicionamento da psicologia histórico-cultural objetiva
melhor condições para a formação humana, a qual contrapõe modelos
hegemônicos de educação e caminha na direção da superação das
funções psíquicas elementares pelas superiores.
A alfabetização, o fracasso escolar e o processo de in/exclusão
social
Considerando que todos os tópicos estão delineados pelos
pressupostos da psicologia histórico-cultural, importa-nos destacar que
a teoria supracitada estabelece estreita relação entre a educação e o
processo de humanização, conforme vem sendo discutido nos versos
anteriores. Com o objetivo de buscar aprofundamento convém abrir

3 Sobre psiquismo humano ver Lígia Márcia Martins em “O desenvolvimento do psiquismo e a


educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-
crítica”

171
uma discussão para entender as interfaces da alfabetização e os incursos
de in/exclusão social para os adolescentes.
As mudanças ocorridas nas últimas décadas deflagram diversos
estudos e pesquisas sobre a temática da alfabetização em nosso país, uma
vez que as avaliações externas ano a ano têm demonstrado que nossos
alunos não têm obtido êxito necessário no processo de aprendizagem
desenvolvido no âmbito escolar.
Diante disso, antes de dar início as discussões sobre as inter-
relações da alfabetização e os processos de in/exclusão social, esse
estudo pretende discorrer uma análise da função da escola à luz da teoria
que embasa esse trabalho.
Nessa ótica teórica, a escola funciona como um lócus
privilegiado para a apropriação do legado cultural deixado pelos nossos
ancestrais, ou seja, aquilo que a humanidade historicamente construiu ao
longo de milhares de anos, os quais estão cristalizados no universo
cultural. Assim, pela importância dada, a escola enquanto instituição de
ensino deve assumir a posição de garantir aos sujeitos que por ela passem
a apropriação dos elementos culturais necessários para o processo de
humanização.
Nas palavras de Saccomani (2014, p. 57), “O homem, como ser
social e, portanto, histórico, necessita se apropriar dos produtos culturais
acumulados pelas gerações precedentes para se humanizar, para tornar-
se plenamente humano”.
Todavia, é importante destacar que nessa tendência teórica, o
processo de humanização não se restringe exclusivamente aos âmbitos
escolares; no entanto, tal concepção advoga que a educação escolar deve
ter como compromisso promover substancialmente a aprendizagem dos
alunos. Conforme dito nos tópicos anteriores, o processo de interação
com outros indivíduos da mesma espécie suscita situações de mediação,
de modo a provocar o desenvolvimento que consequentemente
potencializa a aprendizagem. Deste modo, ao abranger o processo de
humanização, a escola ocupa lugar de destaque, visto que é conferido a
essa instituição a responsabilidade de disponibilizar aos educandos os
conteúdos historicamente produzidos pela humanidade.

172
Uma vez outorgado essa função, há que se valorizar o papel da
escola, pois se ansiamos por uma sociedade mais justa e igualitária temos
na educação escolar uma possibilidade de garantir o acesso aos bens
culturais a todos os alunos e isso inclui principalmente a inserção do
sujeito na cultura escrita. Sabemos que muitas crianças ainda enfrentam
dificuldades nessa inserção, no sentido de não desenvolver os meca-
nismos psicológicos necessários para fazer uso das práticas sociais de
leitura e escrita, ficando então à margem de todos os avanços da
comunidade tecnológica. Conforme destacado por Kleiman (1993);

Ser analfabeto hoje em dia significa estar à margem da


sociedade tecnológica e burocratizada em função da qual
nossas atividades se articulam. Essa situação periférica não
afeta apenas as condições materiais de vida, mas se reflete
também na diminuição das expectativas do analfabeto
quanto às suas possibilidades de mudança e participação
social. Enquanto, uma mãe de classe média considera a
alfabetização de seus filhos como um dado, a mãe de uma
criança pobre considera a probabilidade de seu filho
aprender a ler e a escrever extremamente incerta, tanto que
essa aprendizagem passa a ser a finalidade do processo que
se inicia com a matrícula de seu filho na escola. Esse
processo de marginalização da criança se constitui através da
linguagem, através da palavra. A linguagem da escola não é
a linguagem da criança, seja nos aspectos formais, ou nos
aspectos culturais e sociais.

Considerando que vivemos em uma sociedade marcada pelas


desigualdades econômicas, políticas e sociais, a instituição escolar não
está livre dessas inconsistências, mesmo porque, a escola também é fruto
da sociedade a qual estamos inseridos, ou seja, por não estar situada
numa redoma reproduz no mundo interior os infortúnios desvelados no
mundo exterior.
Com vistas ao excerto em destaque, o percurso da educação
brasileira aponta que, com a promulgação da LDB 9394/97, no que
tange o acesso aos bancos escolares, temos encarnado o discurso de
democratização do acesso à escola, no entanto, no que se refere às
condições ou qualidades desse processo de escolarização, as pesquisas
apontam diversas fragilidades. Sobre isso, Bray (2009, p.26):

173
De acordo com Moyses (2001), as crianças apenas possuem
o acesso à escola, mas o direito de todas aprenderem a elas
ainda não foi efetivado. A escola se apresenta, assim,
excludente e fracassada na sua função de ensinar e
proporcionar desenvolvimento e aprendizagem aos
indivíduos.

O problema apresentado tem se estendido há décadas. Por isso,


entendo que essa questão é triplamente complexa, uma vez que os
problemas de analfabetismo, evasão e fracasso escolar têm sido estuda-
dos em âmbito nacional desde a década de 80 por diversos autores.
Segundo Bray (2009), os estudos realizados nessa época com destaques
para Pato (1990), mostraram que a constante persistência da evasão
escolar e as altas taxas de reprovação deram origem a proliferação da
exclusão social. Não diferente dos dias atuais, os mais prejudicados e
eliminados desse contexto escolar eram oriundos de famílias sem
recursos, negros que posteriormente eram rotulados como incapazes.
Nas palavras de Bray (2009, p. 28):

Esse modo de pensar o fracasso escolar, além de redu-


cionista, legitima a exclusão dos alunos nas camadas
populares, pois, segundo Pato (1990) sobre eles pesam o
preconceito por serem negros e pobres persistindo a crença
de que não possuem capacidade para aprender os conteúdos
escolares. Para essa autora “a escola ensina segundo
modelos adequados à aprendizagem de um aluno ideal” (p.
340) e, quando se depara com alunos que não aprendem
segundo esses modelos, atribui os problemas de
aprendizagem às disfunções psiconeurológicas.

Nesse ínterim, concluo esse excerto destacando que o


posicionamento da escola nunca é neutro. Ao dar voz à instituição
escolar, essa se fortalece ao servir-se do poder que lhe é conferido,
atuando como instrumento de dominação e reproduzindo os interesses
da classe dominante, por meio do processo de exclusão. Ao agir com
preconceito diante das dificuldades externalizada pelos alunos, trans-
ferem aos educandos a responsabilidade pelas defasagens apresentadas.
Em outras palavras, o que deveria ser motivo para inclusão, ou seja, o
ingresso da criança na escola, sua matrícula escolar, além de não garantir

174
ao indivíduo todas as condições basilares de forma igualitária, procede
com desrespeito ao privá-lo das condições necessárias para sua inserção
no contexto cultural.
Essa postura apresentada nos permite pensar nos dias atuais em
que nos deparamos com adolescentes que vivem as margens do contexto
escolar, tentando garantir sua sobrevivência nas ruas da cidade, inseridos
na condição de excluídos do processo de escolarização e a maior parte
deles analfabetos.
Os resultados apresentados na última avaliação coordenada
pelo Instituto Monte Negro, Indicador de Alfabetismo Funcional
(INAF), no ano de 2011, não são agradáveis. Da população entre 15 a 64
anos, 27% daqueles que realizaram a prova que avaliava as habilidades
de leitura, escrita e conteúdos da educação matemática foram
considerados analfabetos funcionais.
A partir dessa constatação fica evidente que o país no que se
refere ao processo de alfabetização superou algumas lacunas, dentre a
qual destaco a contribuição para retirar a população da situação de
analfabetismo, porém, é preciso nos atentar para a condição da qualidade
que vem sendo oferecida de educação nos âmbitos escolares.
Nesse sentido, penso que não há discordância em considerar
como ideal que a educação dos dias de hoje, exercida no interior das
instituições escolares, tenha como premissa cumprir com a
responsabilidade de alfabetizar todos os alunos plenamente. O descum-
primento dessa função compromete o processo de inclusão social, uma
vez que almejamos que os educandos conquistem os patamares mais
altos no que diz respeito ao processo de humanização. Nessa direção,
Pasqualini (2010, p. 201) destaca que:

[...] É a serviço do desenvolvimento equânime dos


indivíduos que a educação escolar desponta como um
processo a quem compete oportunizar a apropriação do
conhecimento historicamente sistematizado – enriqueci-
mento do universo de significações -, tendo em vista a
elevação para além das significações mais imediatas e
aparentes disponibilizadas pelas dimensões meramente
empíricas dos fenômenos.

175
Assim, do ponto de vista do referencial teórico escolhido, a
educação escolar contribui de maneira significativa para o processo de
aculturamento do ser humano, ou seja, o processo de humanização. Nas
palavras de Martins (2011, p. 348), a definição de cultura na concepção
vigotskiana aponta que:

Na concepção vigotskiana a cultura objetiva-se nos signos


ou instrumentos culturais, dispostos sob a forma de
instrumento material e instrumento psicológico, como é o
caso da linguagem. Pautado nesse processo, ou seja, no
trabalho transformador da natureza e do próprio homem.
Vigotski toma a cultura como eixo central no desenvol-
vimento do ser humano.

Dada à importância da apropriação da cultura, no sentido de


possibilitar ao educando alcançar patamares mais altos do psiquismo
humano, cabe-nos salientar a importância do trabalho que da educação
escolar. A psicologia histórico-cultural entende a educação como forma
saudável de promover o desenvolvimento do educando, medida que
preconiza o processo de inclusão e não o contrário. Observa-se, pois,
que a ideia de exclusão não prescinde do processo de humanização.
Considerando que os processos de exclusão realizados no contexto
escolar são frutos da desvalorização do ser humano em suas múltiplas
determinações, sem delongas e à luz da literatura da psicologia histórico-
cultural, faz-se pertinente discorrer sobre como deve ser o trabalho
educativo desenvolvido em sala de aula. Segundo Saccomani (2014, p. ),
“O ensino é fonte de desenvolvimento e, portanto, o professor deve
dirigir o trabalho educativo, objetivando que todas as crianças tenham
suas potencialidades desveladas e trabalhadas”. Comungamos dessa ideia
e ressaltamos a importância do trabalho do professor para garantia das
relações entre ensino e aprendizagem e sucessivamente a promulgação
do sucesso da alfabetização de seus alunos. Logo, ensinar pressupõe ter
clareza do que se ensina e dos processos intimamente envolvidos no ato
de ensinar. Significa em essência que o professor deve compreender o
trabalho educativo, como ato de produzir algo de modo intencional, e de
acordo com Saviani (2003, p. 13):

176
(...) o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade
que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos
homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um
lado, à identificação dos elementos culturais que precisam
ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que
eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitante, à
descoberta das formas mais adequadas para atingir esse
objetivo.

Os resquícios da fragilidade do trabalho educativo desenvol-


vido em sala de aula marcam grande parte dos problemas que dão origem
ao processo de exclusão escolar. Apesar de todos os esforços empre-
endidos, a qualidade da educação escolar tem enfrentado barreiras. Isso
porque, segundo Kleiman (1993, p.):

[...] A função da escola não é a introdução do sujeito à


cultura letrada, abrindo assim possibilidade de redistribuição
do poder, mas é apenas a introdução do aluno ao esquema
burocrático escolar, que visa a obtenção de um grau ou
diploma e que exige, portanto, a sujeição do aluno a um
conjunto de regras e normas peculiares.

Essas palavras identificam que a escola contemporânea tem se


distanciado de suas funções de origem. Essa perspectiva teórica tem
como prerrogativa o professor como um profissional intelectual,
responsável e faz uso de sua autonomia alicerçando o trabalho educativo
na sua competência técnica, não dissociada ao compromisso político de
socializar os conteúdos historicamente construídos a todos os
interessados. A tarefa do professor é justamente desmistificar a patologia
do fracasso escolar e assim, promover um leque de possibilidades para
que o aluno avance em seus conhecimentos científicos e não se tornar
cúmplice do fracasso escolar. A escola não pode mais compartilhar da
ideia de reproduzir analfabetos excluídos, e assim, abrir espaço para
proclamação da violência velada, destituindo os interessados do processo
de humanização e encobrindo a ausência de saberes por parte dos
professores como modo de superar as fronteiras desse processo.

177
Considerações finais
A guisa de não conclusão, o objetivo desse texto é depreender
algumas reflexões sobre a adolescência, o fracasso escolar e os processos
de alfabetização realizados no interior das instituições escolares, à luz da
psicologia histórico-cultural.
Portanto, coube imprimir em breves linhas as contribuições
oriundas dos autores supracitados. De fato, os destaques realizados para
quaisquer tópicos discutidos requerem um aprofundamento, que
pretendo em outras oportunidades desenvolver. No entanto, como já
descrito nos tópicos que organizam esse texto, a condição humana não
está dada: a criança, ao nascer, dispõe de atributos biológicos necessários
para sua condição humana, porém, não suficientes para o processo de
humanização. Humanizar-se dentro da perspectiva teórica defendida
constitui-se de condições objetivas de educação. O conceito de
adolescente dentro desse contexto, não deve ser entendido como parte
de um processo natural de desenvolvimento. Ao contrário disso, cabe a
educação escolar atender as necessidades educacionais do adolescente,
de modo a criar possibilidades para que sejam desenvolvidas as funções
psíquicas maximamente. Nesse sentido, a educação escolar desponta
como privilegiada para promover esse fenômeno, uma vez que
possibilita a transmissão de conteúdos historicamente produzidos pela
humanidade. À medida que essa transmissão é negada ao educando, dá
origem ao processo de exclusão do indivíduo. Em se tratando de
exclusão social, quando a instituição escolar afirma esse fenômeno,
desencadeia reações desconfortáveis, como conflitos, agressões, fracasso
escolar, entre outros.
Segundo Smolka (1987), a Psicologia Histórico-cultural
defende a natureza social do conhecimento para o desenvolvimento
humano. Portanto, a apropriação da cultura escrita pelo adolescente
altera substancialmente a relação dele com o outro, com o mundo. Para
tanto, essa perspectiva propõe repensar a prática educativa de modo
legitimar as práticas de ensino.
De acordo com essa perspectiva, o professor não pode ser um
mero apoiador ou incentivador do processo de ensino, suas ações devem

178
reverberar práticas de ensinar, ou seja, assegurar modos e estratégias de
apropriação da cultura pelo adolescente.
Assim, há que se reconhecer a função da escola, identificar no
trabalho docente uma ação intencional, que objetiva alçar os patamares
mais altos no que tange ao desenvolvimento do psiquismo do ser
humano, articuladas a potencialidade do adolescente como parte do
processo que prescinde das condições que devem ser oferecidas.
É na articulação dessas ações que contribuímos com o processo
de inclusão social do adolescente e não o contrário.
Referências
BRASIL. INAF 2012. Indicador de Alfabetismo Funcional
Principais Resultados. Disponível em:
<http://www.ipm.org.br/download/informe_resultados_inaf2011_ver
sao%20final_12072012b>. Acesso em: 10 jan 2015.
BRAY, C.T. Queixas escolares na perspectiva de educadores das
redes públicas e privada: contribuição da psicologia histórico-cultural.
2009. 173f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Universidade
Estadual de Maringá, Maringá, 2009.
BOCK, A.M.B. A perspectiva sócio-histórica de Leontiev e a crítica
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questão. Cad. Cedes, Campinas, vol. 24, n. 62, p. 26-43, abril 2004.
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br.>. Acesso em:
COIMBRA, C. C.; BOCCO, F.; NASCIMENTO, M. L. Subvertendo
o conceito de adolescência. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 57,
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KLEIMAN, A. B. Exclusão social e a alfabetização. Temas em
Psicologia. V. 1 n. 3 Ribeirão Preto, dez 1993.
LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros
Horizonte, 1978.
MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação
escolar: contribuições à luz da psicologia histórico cultural e da
pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2013.
MATINS, L.M.; RABATINI, V.G.A. Concepção de Cultura em
Vigotski: contribuições para a educação escolar. Rev. Psicol. Polít. [on
line]. 2011, vol. 11, n. 22, PP. 345358. ISSN.
MUKHINA, V. Psicologia da Idade pré-escolar: tradução Cláudia
Berlier. – São Paulo: Martins Fontes, 1995 – (Psicologia e Pedagogia).

179
PASQUALINI, J. Contribuições da psicologia histórico-cultural
para a educação escolar da criança de 0 a 6 anos: desenvolvimento
e ensino em Vigotski, Leontiev e Elkonin. Dissertação de Mestrado.
Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista
(UNESP), campus Araraquara, 2006.
SACCOMANI, M. A criatividade na arte e na educação escolar: uma
contribuição à pedagogia histórico-crítica à luz de Georg Lukács e Lev
Vigotski. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual Paulista
(UNESP), campus Araraquara, 2014.
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações.
10. ed. Campinas: Autores Associados, 2008.
SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. Alfabetização como processo
discursivo. 1987. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade de Campinas. 1987.

180
DNA Educação

A EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO POPULAR


FREIREANA: A VITÓRIA DOS VENCIDOS
Janaina Santana da Costa1
Magna Vieira de Sousa2
Admário Luiz de Almeida3

(...) o conflito é a parteira da


consciência.
(Paulo Freire)
RESUMO:
O presente artigo “A Experiência de Educação Popular Freireana:
A vitória dos vencidos” compõe o circulo de cultura realizado no
Grupo de Estudos e Leituras de Paulo Freire – GELPF da Universidade
Federal do Tocantins-UFT/ Campus Universitária Professor Sérgio
Jacinto Leonor. A tessitura do trabalho apresenta nosso diálogo a partir
do pensamento de Paulo Freire com a atividade Integrante dos cursos de
licenciaturas da UFT/ Campus Arraias. A história da educação popular
no Nordeste, nos anos iniciais da década de 60, só pode ser entendida, a
partir de um olhar sobre a própria história da educação do Brasil.
Palavras-chave: Experiência, Educação Popular, Paulo Freire.
ABSTRACT:
The article "The Freirean Popular Education Experience: The Victory of
the Losers" composes the circle of culture held in Paulo Freire's Study

1 Universidade Federal do Tocantins – UFT, Doutora em Educação, janaina.costa@uft.edu.br ,


coordenadora do Grupo de Estudos e Leituras de Paulo Freire – GELPF – UFT. Docente do
Colegiado de Licenciatura em Pedagogia, do Campus Universitário Professor Dr. Sérgio Jacinto
Leonor.
2 Universidade Federal do Tocantins – UFT, Pedagoga, Licenciada em Biologia pela UFT

magnavieira@uft.edu.br , pesquisadora do Grupo de Estudos e Leituras de Paulo Freire, do


Campus Universitário Professor Dr. Sérgio Jacinto Leonor.
3 Universidade Federal do Tocantins –UFT, Pós - Doutor em Educação, admarioluiz@uft.edu.br

, coordenador do Grupo de Estudos e Leituras de Paulo Freire –GELPF –UFT. Docente do


Colegiado de Licenciatura da Matemática, do Campus Universitário Professor Dr. Sérgio Jacinto
Leonor.

181
and Reading Group - GELPF, Federal University of Tocantins-UFT /
Professor Sérgio Jacinto Leonor University Campus. The structure of
the work presents our dialogue based on the thinking of Paulo Freire
with the Integral activity of the undergraduate courses at UFT / Campus
Arraias. The history of popular education in the Northeast, in the early
years of the 60s, can only be understood, from a look at the history of
education in Brazil.
Keywords: Experience, Popular Education, Paulo Freire.
Histórica caminhada...
A propaganda republicana enfatizava a importância da escola,
mas a chamada República Velha se caracterizou pelo domínio ideológico
de uma elite agrária que muito pouco fez pela educação, até porque
herdou do Império um espólio nada estimulante.
O projeto de Constituição, enviado ao Congresso, por
exemplo, sugeria ao Parlamento “animar no país o desenvolvimento da educação
pública”, mas a esta tendência prevaleceu a doutrina do velho Ato
Adicional de 1834 que responsabilizava os Estados pela manutenção dos
seus sistemas educativos.
O país, que se tornou uma república federativa, passou a
conviver com uma situação, no mínimo, contraditória: mais de dois
terços dos seus habitantes não eram cidadãos habilitados para escolher
seus governantes, porquanto eram analfabetos e estes, pela Constituição,
não tinham o direito ao voto, daí o surgimento de campanhas de
alfabetização. Somente na década de 20, quando é fundada a Associação
Brasileira de Educação – ABE, observamos que a educação dos adultos começa
a assumir importância (...), embora englobada no problema mais geral da difusão do
ensino elementar4. O Brasil vivia as transformações provocadas pela
Primeira Guerra Mundial e começava a se reconhecer, encontrando na
elite intelectual, burguesa, elementos que desencadeariam uma luta
intensa pela expansão do ensino elementar. A Escola Nova batia às
portas da nação.

4PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos: contribuição à história da


educação brasileira. São Paulo, Edições Loyola, p. 172.

182
A década de 30 foi permeada pelo Governo Vargas e a
esperança de novos tempos. Os ideais escolanovistas ganharam espaço e
o poder estabelecido se encarregou de uma reforma educacional,
antecipando-se aos gritos dos inovadores que, mais tarde, publicariam
um manifesto sobre a necessidade de mudanças no processo educativo.
A Constituição de 1934, reflexo de toda uma efervescência ideológica,
pela primeira vez, traria um capítulo sobre a questão.
Em 1937, o sonho democrático foi interrompido e o país viveu
o pesadelo de uma ditadura. Nova Constituição passou a reger os
destinos do povo brasileiro e, consequentemente, foram implantadas
outras regras para o processo educativo: reforma e implantação do
ensino profissionalizante para os mais carentes.
A queda de Vargas determinou um período de redemo-
cratização e o surgimento de governos populistas. O próprio Vargas
voltaria eleito pelo povo. O seu suicídio, marco na vida brasileira,
originou novas condições políticas e possibilitou uma participação maior
do povo nos debates sobre a realidade do país. Também este era um
novo momento da vida nacional, resultante das mudanças provocadas
pela guerra ideológica, disputas entre os interesses dos Estados Unidos e
os da União Soviética, grandes líderes mundiais. Eram as consequências
da Segunda Guerra.
O Brasil crescera e Juscelino Kubitschek, eleito presidente, tido
como herdeiro da política implementada por Vargas, elaborara um Plano
de Metas que tinha como um dos seus objetivos a implantação de uma
indústria de base, portanto, um setor privilegiado, sobretudo a de bens
de consumo duráveis e de bens intermediários. Tinha-se a pretensão de
construir “50 anos em 5”. Convém lembrar que Juscelino pertencia a um
partido cujas bases eram bem sólidas no Nordeste, o Partido Social
Democrático – PSD, que, segundo Celina A. P. Moreira FRANCO, foi
um partido das oligarquias, foi também da oligarquia modernizante5. O
Plano de Metas, elaborado pela equipe do governo, tinha grandes

5Apud. BENEVIDES, Maria Vitória de Mesquita. O governo KUBITISCHEK: desenvolvimento


econômico e estabilidade política – 1956/1961. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, p. 65.

183
ambições e para tal foi necessário a entrada, em grande quantidade, de
capital estrangeiro. Deste modo

A despeito do capital estrangeiro, seria preciso encontrar


igualmente fontes internas de capital sob pena de não se
poder manter o ritmo desejado Para consegui-lo, aparente-
mente só existiam duas alternativas: ou o governo
comprimia os salários, como na época de Dutra, o que
possibilitaria maior concentração de dinheiro nas mãos da
burguesia industrial, ou taxava a classe possuidora, limitando
o seu consumismo e fazendo recair sobre ela o custo social
do desenvolvimento.
Nenhuma dessas soluções, entretanto, se afigurava possível
ao governo Juscelino.(...) Decidiu, então, o governo apelar
para o estímulo à inflação: emitiu como nunca, para
financiar a empresa pública e privada, o que, é claro, trouxe
um considerável aumento dos preços, pois, a partir de certo
momento, passou a existir mais meio circulante do que
produção a adquirir.(LOPES, 1980, p. 104)

No entanto, diante da nova política econômica, necessidades


urgentes se fizeram sentir, entre elas a educação profissionalizante. Mas
o país ainda contava com uma escola distante do povo e a
profissionalização ainda era um mito, o que não significa dizer que as
lutas por uma educação popular houvessem se arrefecido, muito pelo
contrário, estavam em curso as disputas em torno da primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN, cujo debate se
caracterizava pelas discussões entre aqueles que defendiam os interesses
das escolas particulares, sobretudo confessionais católicas, e os que
entendiam ser do Estado a responsabilidade pelo processo educativo. A
bipolarização ideológica em torno da política mundial viria afetar tais
discussões, transformando-as em questão onde se envolviam
conservadores, democratas liberais e comunistas, direita e esquerda. De
qualquer modo, é neste instante que, mais uma vez, vem à tona o
problema do voto do analfabeto, bem como o da representatividade do
sistema, porquanto o colégio eleitoral era restrito, condicionado pelos
índices de analfabetismo6.

6 Ibid., p. 203.

184
O II Congresso Nacional de Educação de Adultos, 1958, foi
um divisor de águas. Ali se manifestaram forças e ideias que evidenciaram
uma clara luta política e ideológica, própria daquele instante. Moacir
Gadotti (2001, p. 123), ao referir-se a este momento da história da
educação brasileira, nos diz que

O ano de 1958 marca uma fase decisiva no movimento de


educação popular com a criação da Campanha Nacional de
Erradicação do Analfabetismo e com a realização do II
Congresso Nacional de Educação de Adultos. Nesse encon-
tro tomaram posição não apenas o ministro da Educação,
Clóvis Salgado, mas até o presidente Juscelino Kubitschek.
Como fórum de opiniões e de debates, o Congresso foi a
manifestação de toda a contradição e a ambiguidade dos
movimentos populares. Os representantes dos vários
Estados defenderam posições muito diferentes. As contra-
dições se evidenciaram e os grupos mais radicais puderam
se fortalecer.

Assim, neste Congresso, enquanto delegados, como A. Veiga


de Freitas, defendiam uma educação em que a sociedade viesse a evoluir
“sem choques, sem crises, na paz, na justiça e no trabalho” (perfil seguido pelo
Sistema Radio Educativo da Paraíba – SIREPA – que atuou entre 1959
e 1969), outros manifestaram posições inteiramente opostas. O grupo de
Pernambuco, por exemplo, trouxe um tema para ser discutido, baseado
na sua realidade: A educação dos adultos e as populações marginais:
o problema dos mocambos. Observam-se, aqui, duas tendências
ideológicas diametralmente opostas: uma, preocupada com a
manutenção da estrutura social dominante; outra, defensora de uma
política educacional para adultos capaz de ser um instrumento de
transformação social e construção de uma sociedade voltada para os
interesses do país. Eram os tempos do nacional desenvolvimentismo,
onde pontificava o ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros,
uma agência forjadora das concepções que nortearam o governo JK, uma
verdadeira fábrica de ideologias (uma das frases lapidares isebianas – aceitas e
repetidas com uma certa freqüência por seus vários autores – foi cunhada por R.

185
Corbisier, sugeridas por suas leituras dos trabalhos de G. Balandier e J. P. Sartre:
‘tudo é colonial na colônia’.7
Aqui, entra em cena Paulo Freire, ao mesmo tempo em que vão
se estruturando as bases teóricas e os princípios fundamentais do sistema
de ensino proposto por este educador, que dominaria o pensamento da
pedagogia da libertação, na década de 60, bandeira de uma educação
popular que objetivava levar, à vitória, homens excluídos da vida política
brasileira e os faria co-participantes de um processo educativo que tinha
como elemento inovador o fato de considerar a realidade específica
daquele homem, daí a educação com ele e não para ele.
Pensamento de Paulo Freire8
Moacir Gadotti (2002), em trabalho publicado pela revista
ABCeducatio, mostra o quanto Paulo Freire se distanciava do tecnicismo
e, ao mesmo tempo, lembra o fato de que ele, Paulo Freire, não entendia
sua teoria do conhecimento como uma simples metodologia. Menciona,
ainda, que a práxis de Paulo Freire está ligada sobretudo a quatro intuições9
originais. No estudo em questão, Gadotti (2002)

1ª Ênfase nas condições gnosiológicas da prática


educativa. Toda obra de Paulo Freire está permeada pela
idéia de que educar é conhecer, é ler o mundo, para poder
transformá-lo.(...) 2ª Defesa da educação como ato dialó-
gico.(...) A teoria do conhecimento de Paulo Freire

7 TOLEDO, Caio Navarro de. ISEB: fábrica de ideologias. 2. Ed. São Paulo, Ática, 1982, p. 68.
8Na obra de Paulo Freire destaca-se um aspecto fundamental: coerência com seus propósitos,
na reafirmação de princípios que o marcaram por toda vida. Entre os princípios, que
permanecem constantes na sua obra, destacam-se: a preocupação com a ética e seu
compromisso com os “condenados da Terra” (Pedagogia do oprimido), com os “excluídos”
(Pedagogia da autonomia), tendo sempre a educação como instrumento de libertação, aspecto
já identificado no seu primeiro livro, Educação e atualidade brasileira. Entre tantas, duas outras
características podem ser evidenciadas: a retomada de temas anteriormente enfocados (em
Pedagogia da esperança retoma questões levantadas em Pedagogia do oprimido) e sua prática
dialógica, respeitando sempre aqueles que não concordavam com ele. Homem do seu tempo,
“sujeito da história”, Paulo procurou estudar, enfaticamente, a problemática educacional na sua
diversidade e, na visão do professor Ernani Maria Fiori (prefácio da 22. ed. de Pedagogia do
oprimido), “é um pensador comprometido com a vida: não pensa idéias, pensa a existência. É
também educador: existência seu pensamento numa pedagogia em que o esforço totalizador da
práxis humana busca, na interioridade desta, retotalizar-se como ‘prática da liberdade’.
9 O grifo é do autor.

186
reconhece que o ato de conhecer e de pensar estão
diretamente ligados à relação com o outro.(...) 3ª A noção de
ciência aberta às necessidades populares. Seu método
(...) não parte de categorias abstratas, mas dessas neces-
sidades das pessoas, capturadas nas suas próprias expressões
(valor da oralidade) e analisadas por ambos, educador e
educando. 4ª O planejamento comunitário, partici-
pativo, a gestão democrática, a pesquisa participante10.

Ao analisarmos o pensamento freireano, não podemos deixar


de contextualizá-lo historicamente, entre o final dos anos 50 e começo
da década seguinte. Afloravam, naquele instante, idéias novas.
Instituições seculares, como a Igreja, buscavam renovar-se. O Brasil vivia
a euforia do governo de JK que desfraldara a bandeira ideológica do
nacional-desenvolvimentismo e as eleições presidenciais de 1960
conduziriam ao poder um personagem contraditório, mas carismático,
Jânio Quadros.

No curso da campanha eleitoral, Jânio Quadros manipula


símbolos de natureza diversa, através dos quais: sensibiliza a
opinião comum com o tema da austeridade; atinge os
setores econômicos mais identificados com o campo
oposicionista; desperta a potencialidade revolucionária
difusa na massa popular. Além disso, na campanha de Jânio
Quadros já se anunciava a linha de independência maior à
qual o Brasil parecia tender no plano da política externa, no
concernente às relações com a área socialista em geral e com
Cuba em particular. Como tal ordem de proposições, por
outro lado, era interpretada pelo setor radical em termos de
um episódio na luta anti-imperialista, resultava que, dentro
da própria campanha da oposição, passava a incluir-se um
novo estímulo ao radicalismo. (PAULA BEIGUELMAN,
1966, p. 137/38).11

O governo de Jânio Quadros se caracterizou pela ambigüidade.


Seja como for, Jânio Quadros não realizou quaisquer de suas fantasias, não aconteceu

10 GADOTTI, Moacir. Aprender, ensinar: um olhar sobre Paulo Freire. ABCeducatio – a revista
da educação. São Paulo, ano 3, n. 14, p. 17 / 18, 2002.
11 Artigo publicado em Tempo Brasileiro, revista de cultura, ano IV / agosto-outubro 1966 /

número 11/12.

187
nenhuma mobilização popular (...) (BARROS, 1990, p. 58)12. A renúncia ao
cargo viria em agosto de 1961. O que se seguiu foi uma intensa agitação
política, culminando com a implantação do parlamentarismo, com João
Goulart na presidência.

Desde o primeiro momento, Jango percebeu que só seria


possível implementar uma política de reformas sociais se
conseguisse superar o imobilismo que o parlamentarismo,
na prática, determinava. Ao mesmo tempo, era necessário
recuperar os poderes presidenciais sem perder a confiança dos
moderados e sem se afastar do apoio vital das bases democráticas e
organizações de esquerda que se mobilizaram na crise de agosto (Ibid,
p. 59).

O Nordeste, atuação primeira de Paulo Freire, como educador,


vivia, no início dos anos 60, um momento de agitação política e a
imprensa focalizava a região como uma das maiores áreas
subdesenvolvidas da América Latina13, apesar da SUDENE, criada por
Juscelino Kubitschek para promover o desenvolvimento nordestino,
tentando diminuir as disparidades regionais. Nesta condição, a área era
mostrada como de risco, explosiva, onde os camponeses empobrecidos,
talvez estimulados por discursos de políticos radicais como o deputado
federal Francisco Julião, poderiam facilmente se revoltar. (...) A imprensa
parecia ávida de publicar reportagens sobre ‘invasões’ de propriedades
no Nordeste14. Josué de Castro, que em 1946 publicara Geografia da
fome, mais tarde, também, Geopolítica da fome, como intelectual
engajado, denunciava:

Não foi na Sorbonne, nem em qualquer outra universidade


sábia que travei conhecimento com o fenômeno da fome A
fome se revelou espontaneamente aos meus olhos nos
mangues do Capiberibe, nos bairros miseráveis do Recife –
Afogados, Pina, Santo Amaro, Ilha do Leite. (...)

12 BARROS, Edgard Luiz de. O Brasil de 1945 a 1964. São Paulo: Contexto, 1990. –
(Repensando a história)
13 DULLES, John W.F.. Castelo Branco: o caminho para a presidência. Trad. R. Magalhães

Júnior. Rio de Janeiro, José Olympio, 1979, p. 252.


14 Ibid., p. 252 e 253.

188
Pensei a princípio que era um triste privilégio desta área
onde eu vivo – a área dos mangues. Depois verifiquei que,
no cenário da fome do Nordeste, os mangues eram uma
verdadeira terra da promissão, que atraia homens vindos de
outras áreas de mais fome ainda – das áreas da seca e da
monocultura da cana-de-açúcar, onde a indústria açucareira
esmagava, com a mesma indiferença, a cana e o homem,
reduzindo tudo a bagaço15.

É procedente desse clima político, social e econômico que


Paulo Freire chega a Brasília, trazido pelo presidente João Goulart. Não
veio sozinho, trouxe na sua bagagem, algo mais que sua presença física.
Trouxe uma experiência de educador, a força de um pensamento
alicerçado no humanismo cristão e no marxismo, os quais deram como
consequência uma pedagogia dialético-dialógica. Constitui-se, na
verdade, como ator da fase mais apurada do movimento renovador
modernista e entende que a escola deve se abrir para o mundo, daí ,o
primeiro passo do seu método ser a apropriação do conhecimento, por
parte do educando, para uma leitura do mundo. Fundamental, dentro
desta visão, é a autonomia do aluno para compartilhar, com o outro, da
leitura do mundo, num diálogo que não deve se caracterizar como uma
estratégia pedagógica em busca da verdade, mas como critério da própria
verdade.
A conscientização era a palavra chave naquele instante. Estava
no ideário das necessidades políticas de libertação da massa excluída da
população brasileira e era ponto essencial na teoria de Paulo Freire, onde
a educação como ato de produção e de reconstrução do saber, na prática
da liberdade, geraria uma pedagogia da autonomia e da esperança dos
oprimidos, na construção de alternativas democráticas a partir do
processo educativo.
Há de se notar que Paulo Freire foi além do estabelecimento de
uma teoria do conhecimento. Não foi um criador que abandonasse sua
criatura para que outros lhe dessem forma e beleza, antes defendeu a
causa educacional das massas excluídas, tornou-se um agente da

15CASTRO, Josué. A fome.Disponível em: > http//www.josuédecastro. com. br / port / fome.


html.

189
educação popular e dos movimentos populares de cultura do Nordeste
e, posteriormente, do Brasil.

Nos anos 1960, em pleno vigor do populismo e do nacional-


desenvolvimentismo, como integrante do Serviço de
Extensão Cultural da Universidade do Recife, elaborou uma
proposta de alfabetização para os adultos que partia do seu
´universo vocabular’ e do cotidiano de seus problemas, para
gerar palavras, sons, sílabas, fonemas e, com elas, ensinar ler
e escrever em pouco tempo. Essa metodologia pretendia ser
´rápida, moderna e barata’ e, em 40 horas, alfabetizar os
adultos que, assim, poderiam ´ler melhor o mundo’ e,
inclusive, adquirir o direito de votar, de escolher (o que até
pouco tempo foi vedado aos analfabetos). Isso que ficou
conhecido como ´Método Paulo Freire’ empolgou toda uma
geração de professores, estudantes, intelectuais, artistas,
integrantes das chamadas ´forças de esquerda’ que viram
nele a possibilidade concreta de ´elevar culturalmente as
massas’ e de vencer eleições. Respaldado pelo governo
Goulart, insuflado por vários movimentos de cultura e
educação popular, Freire foi coordenar o Plano Nacional de
Alfabetização (PNA) no final de 1963 (SCOCUGLIA,
1999, p. 10/11)16.

Segundo Connell17 (1995, p.11), a maneira como a escola trata a


pobreza constitui uma avaliação importante do êxito de um sistema educacional. No
caso do Brasil dos anos 60, havia 39,48% de analfabetos18, mas o
Nordeste, em particular, registra 59,8%19. Isto significa que o país tinha
mais de 1/3 da população excluída do processo político, porquanto a
Constituição de 1946, a exemplo da de 1891, não concedia aos
analfabetos o direito ao voto, isto é, 39,48% dos brasileiros não eram

16 SCOCUGLIA, Afonso Celso. A história das idéias de Paulo Freire e a atual crise de para-
digmas. João Pessoa: Ed. Universitária / UFPB, 1999 (2ª edição).
17 CONNEL, R.W. Pobreza e educação, in. Pedagogia da exclusão: crítica ao neoliberalismo em

educação. Michael W. Apple et al.; Pablo Gentile (org.). Petrópolis: Vozes, 1995. (Coleção
estudos culturais em educação)
18 PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Edições Loyola,

p.194.
19 SCOCUGLIA, Afonso Celso. Educação Popular: do sistema Paulo Freire aos IPMs da ditadura.

João Pessoa, Editora Universitária / UFPB; São Paulo, Cortez; Instituto Paulo Freire, 2000, p.
24.

190
cidadãos, o que dava ao poder um caráter de representatividade parcial e
aos analfabetos, porque pobres, ou vice-versa, negava o direito de
fazerem uma leitura do seu mundo e, consequentemente, transformá-los,
como sujeitos históricos conscientes e organizados. No caso do
Nordeste, o problema assume uma gravidade maior, porquanto mais da
metade da população era excluída do processo de decisões políticas.
Paulo Freire sentiu o quanto era fundamental, para essa população de
excluídos, o conhecimento, mais do que isto, a politicidade do
conhecimento, daí o seu construtivismo crítico.
Em Educação: um tesouro a descobrir (relatório para a
UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século
XXI), Jacques Delors (2001, p. 98), falando sobre a descoberta do outro, em
aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros, capítulo referente ao que
denomina de quatro pilares da educação, faz referência à questão do
método nos dizendo que

(...) os métodos de ensino não devem ir contra este


reconhecimento do outro. Os professores que, por
dogmatismo, matam a curiosidade ou o espírito crítico dos
seus alunos, em vez de os desenvolver, podem ser mais
prejudiciais do que úteis. Esquecendo que funcionam como
modelos, com esta sua atitude arriscam-se a enfraquecer por
toda a vida nos alunos a capacidade de abertura à alteridade
e de enfrentar as inevitáveis tensões entre pessoas, grupos e
nações. O confronto através do diálogo e da troca de
argumentos é um dos instrumentos indispensáveis à
educação do século XXI.

Quando, no início da década de 60, Paulo Freire escreveu seu


Pedagogia do oprimido, já nos chamava atenção para a questão
dialógica. Para ele, a sectarização é sempre castradora, enquanto a radicalização,
pelo contrário, é sempre criadora pela criticidade que a alimenta. Daí dizer em
Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa
(1998, p.34) que

Não há para mim, na diferença e na ´distância’ entre a


ingenuidade e a criticidade, entre o saber de pura experiência
feito e o que resulta dos procedimentos metodicamente

191
rigorosos, uma ruptura, mas uma superação. A superação e
não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua,
sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando
a ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se, tornando-se
então, permito-me repetir, curiosidade epistemológica,
metodicamente ‘rigorizando-se’ na sua aproximação ao
objeto, conota seus achados de maior exatidão.

É dentro deste universo que Paulo coloca a questão da educação


como ato dialógico, objetivando ampliar as possibilidades democráticas e
transformar o homem excluído num cidadão participante, portanto
incluído, agente da dinâmica social, política, econômica, cultural, própria
do processo histórico. E foi isto que deu sentido à sua vida de educador.
Foi esta a marca dos movimentos populares de cultura e de educação do
Nordeste, no início da década de 60. Entretanto, a educação dialógica e,
em decorrência, o diálogo não pode acontecer,

(...) se não há um profundo amor ao mundo e aos homens.


Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de
criação e recriação, se não há amor que a infunda. Sendo
fundamento do diálogo, o amor é, diálogo. Daí que seja
essencialmente tarefa de sujeitos e que não possa verificar-
se na relação de dominação. Nesta, o que há é patologia de
amor: sadismo em quem domina; masoquismo nos
dominados. Amor, não. Porque é um ato de coragem, nunca
de medo, o amor é compromisso com os homens. Onde
quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em
comprometer-se com sua causa. A causa de sua libertação.
Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico.20

Na nota de rodapé de Pedagogia do oprimido (1993, p.79), a


propósito de tudo isto, faz uma inferência ao ato revolucionário, dizendo
que

Cada vez nos convencemos mais da necessidade de que os


verdadeiros revolucionários reconheçam na revolução, por
que um ato criador e libertador, um ato de amor.Para nós, a
revolução, que não se faz sem teoria da revolução, portanto,
sem ciência, não tem nesta uma inconciliação com o amor.

20 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido.22 eds. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1993, p. 79/80.

192
Pelo contrário, a revolução, que é feita pelos homens, o é
em nome de sua humanização. Que leva os revolucionários
a aderirem aos oprimidos, senão a condição desumanizada
em que se acham estes?

Analisando sob esta ótica, a teoria do pensamento pedagógico


de Paulo Freire é, historicamente, revolucionária porque provoca
atitudes libertadoras; humanizante porque é um ato de amor pelos
excluídos. Deste modo, seu pensamento filosófico

(...) sustenta-se como moral, como responsabilização pelo


fato nada simples de estar vivo ao lado de outros vivos e de
outros mortos irrevogavelmente injustiçados. Assim, a
filosofia é obrigação de cunho moral, a única posição
realmente moral é a vergonha. O pensamento tem como
tarefa levar à consciência moral, que aparece no sentimento
da vergonha.21

Marília Pontes Spósito, ao estudar a luta por educação nos


movimentos populares, em São Paulo, chama este tipo de experiência
humana de a ilusão fecunda. Paulo Freire de pedagogia da esperança,
de pedagogia da indignação ou, ainda, educação como prática da
liberdade. Não se trata de uma ilusão, de coisa ingênua, desenraizada,
não. Tinha consciência de três coisas fundamentais: primeiro, a
sociedade era tradicionalmente antidemocrática; segundo, estava propondo algo
profundamente democrático; terceiro, poderia vir a ser problemático, até porque
propunha que partíssemos das massas populares, de sua compreensão e leitura do
mundo, do seu senso comum, da sua sabedoria22. E mais, Paulo fala de educação
em comunhão, de que só é conhecimento válido o conhecimento compartilhado23,
neste sentido não estabelece uma dicotomia entre essa sabedoria gestada pelo
quefazer do povo e um conhecimento rigoroso que por ventura24 o professor tenha

21 LASTÓRIA, Luiz A. Calmon Nabuco; COSTA, Belarmino César Guimarães da; PUCCI, Bruno
(orgs.). Teoria crítica, ética e educação. Piracicaba / Campinas, Editora UNIMEP / Editora
Autores Associados, 2001, p. 98.
22 FREIRE, Paulo; GUIMARÃES, Sérgio. Aprendendo com a própria história. Rio de Janeiro, Paz

e Terra, 1987, p. 32.


23 GADOTTI, Moacir. ABCeducatio, ano 3, número 14.
24 FREIRE / GUIMARÃES, 1987, p. 32.

193
ou venha a ter. Na sua visão, não há cultura nem história imóveis, como não
há cultura nem história sem risco, assumido ou não porque acredita na importância
de uma educação que, em lugar de procurar negar o risco, estimule mulheres e homens
a assumi-lo, mesmo porque se a minha não é uma presença neutra na história,
devo assumir tão criticamente quanto possível sua criticidade.25 Em Educação
como prática da liberdade, Paulo Freire mostra, por exemplo, que não
há educação fora das sociedades humanas e não há homem no vazio, o que significa
dizer que o processo educativo, inevitavelmente, deve estar associado à
vida e não pode ser realizado sem um processo de comunicação com o
meio, com a situação concreta de vida do homem, ajudando-o, portanto,
a encarnar, não como um ator qualquer, mas como um agente promotor
de transformações. É aqui que podemos perceber a importância de sua
inserção nos movimentos populares de educação do Nordeste, no início
da década de 60. Não só como ideólogo, mas, sobretudo como educador
que entende ser o processo educativo não um monólogo, mas um
diálogo, numa cumplicidade educador-educando. Ambos têm uma
história, uma procedência, uma cultura, uma experiência, simplesmente
porque ambos vivem e necessitam, para libertar-se, fazer uma leitura do
mundo.
Afonso Celso Scocuglia, no seu livro “A história de Paulo
Freire e a atual crise de paradigmas”, encerra a primeira parte do seu
trabalho, fazendo uma análise do pensamento freireano, quanto a duas
questões: o político-pedagógico como eixo central e o pensamento
político-pedagógico, propriamente dito. Na visão do analista (1999, p.
89), para Paulo Freire, a politicidade do ato educativo é concomitante à
educabilidade do ato político. A educação é (sempre) política e a
atividade política educa (contém uma pedagogia). Mais adiante (p.91),
Scocuglia completa, dizendo: ‘a ligação político-pedagógica é tão
intensa que quando se desvela a especificidade de uma delas, ‘esta
especificidade não inibe a presença da outra’. Continuando na sua
análise do pensamento político-pedagógico de Paulo Freire, Scocuglia
(p.108) diz que

FREIRE, Paulo.Pedagogia da indignação, cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo,


25

UNESP, 2000, p. 30 e 33.

194
Não podemos deixar de lembrar que um dos alicerces
indeléveis da prática e da teoria de Paulo Freire é a questão
da democracia: liberal, social, socialista ou... mas, sempre,
democracia. Se há uma questão política central que percorre
o discurso freireano, em todos os diversos e diferentes
momentos, esta é a questão da educação e da pedagogia
enquanto prática e teoria contribuintes da ‘radicalidade
democrática’. Mesmo quando se evidenciaram equívocos do
populismo de ‘esquerda’ e do nacionalismo-
desenvolvimentista dos 1950 e dos 1960. Importante
registrar que, mesmo aproximando dos marxismos, de
vertentes que não-raramente englobam posições autoritá-
rias, Paulo Freire nunca admitiu o autoritarismo, a ditadura,
nem ‘por motivos justificáveis’ como advogaram alguns
setores de esquerda.

Mais adiante, o mesmo autor, complementa (p. 109):

Uma constatação é fundamental: ‘separando’ o pensamento


político do pedagógico (para tentar ser didático na expli-
cação), notamos que a ‘ruptura’ política em direção adesiva
aos trabalhadores (como classe sócio-política) é acompanh-
ada por uma evolução pedagógica. Traduzindo: a educação
e a pedagogia não deixaram de realizar-se via diálogo, não
deixaram de priorizar o ato de conhecimento, a busca da
consciência crítica. Mas, o que antes era predo-
minantemente psico-pedagógico, passou a ser priorita-
riamente político pedagógico. Isso sem anular as
preocupações psico-sociais que embasam suas propostas
desde seus primeiros escritos de base ‘escolanovista popular’
(principalmente relativa às idéias de Dewey / Anísio
Teixeira).

A Experiência da educação popular na década de 60: a vitória dos


vencidos
Para compreendermos educação popular, no Brasil, temos que,
primeiro, entender o que significou a educação para o povo brasileiro, ao
longo de sua história; segundo, o que se conceitua como povo; terceiro
ideologicamente, o que é educação popular.
Por todo o período colonial, a educação, quer jesuítica, quer
pombalina, foi tratada como artigo supérfluo, destinada à elite da elite.
Quando iniciamos a fase de autonomia política, o processo educativo

195
não foi tomado como questão prioritária para a nação que acabara de
tornar-se independente do domínio português. Caminhamos por todo
século XIX distante das conquistas e idéias pedagógicas que se faziam
presentes no mundo europeu. Escola para a formação de professores é
algo que só na segunda metade desse século o Brasil vai ter. Claro, se
escola era artigo de luxo e escola pública era fruta raríssima, por quê da
escola para formar professores?
Quando os brasileiros adentram ao mundo republicano, tem-se
a impressão de que, finalmente, o poder constituído pensaria em
educação. Rebate falso. Se não houve mudanças nas estruturas políticas,
sociais, econômicas e culturais do país, por que encontrá-las na
educação?
Só na década de 20, diante das transformações patrocinadas
pelo pós-guerra, é que vamos vislumbrar uma luta pela universalização
do ensino. A década seguinte foi de avanços e recuos ideológicos, fato
que também caracterizou o processo educativo.
Com Vargas, implanta-se a ideia da educação profissionalizante
para os mais carentes. Com os chamados governos populistas, verifica-se
uma guerra constante entre os chamados defensores da escola pública e
aqueles que desfraldavam a bandeira da escola particular, mais
precisamente da escola confessional católica. Os debates em torno da
aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN,
estiveram, por 13 anos, permeados por conflitos ideológicos ferrenhos,
envolvendo os dois grupos. E esta questão marcou todo o período,
inclusive o II Congresso Nacional de Educação de Adultos, em 1958,
como anteriormente nos referimos.
Por outro lado, no Brasil, povo tem um sentido pejorativo, até
porque não há soberania popular, mas manipulação das camadas sociais
mais humildes. E é aqui que está o povo, na visão do próprio povo. Um
político, que vai até ao povo, é um político popular, mas também um
homem simples que é capaz de, por humildade, descer até ao povo. Escutar
a voz do povo é uma concessão e não um exercício de democracia.
Instituiu-se, inclusive, uma subdivisão do povo, criou-se o povão. Povão é
o povo do povo. A exclusão dentro da exclusão.

196
Ora se a educação foi pautada como um bem supérfluo, se
povo é aquele que vive à margem da nação, juntando os dois juízos,
educação para o povo não poderia resultar em algo muito conceituado e,
nem tão pouco, querido ou fundamental para a vida do país. Se falarmos
em cultura popular, logo nos remeteremos a algo inferior, coisa do
povão, interessante e até excêntrico, mas não, necessariamente,
valorizada, até porque é desprovida de qualidade. É o caso das
manifestações folclóricas, raizes da cultura brasileira. O mesmo se diz da
música popular brasileira. Popular é povo. O Brasil já teve até presidente,
via ditadura militar, que disse não gostar do cheiro do povo. E o povo
repete tal citação, sorrindo.
A palavra popular até que tem uma certa simpatia, embora povo
não tenha a mesma sorte. Popular pode traduzir-se, por exemplo, como
simpático ao povo, algo como querido pelo povo, por ter-se dignado
chegar até ele. Mas quando o popular começa a ser colocado junto da
palavra educação, então passa a constatar a idéia de dominação, de
dependência, de paternalismo, de restrição.26Estudando o problema,
Celso Beisiegel27 diz que

(...) educação para o povo, no Brasil é sobretudo um


produto da atuação do poder púbico. (...) Por isso, só se
tende compreender a educação para o povo no Brasil se
analisarmos as ideologias em que se aprimoram as
orientações do Estado.
(...) Desde as suas origens, a educação popular se coloca
muito além das possibilidades de realização da sociedade
brasileira. (...) As idéias de educação popular e as tentativas
de sua implantação no Brasil, não aparecem, pois, como
produto da emergência das aspirações educacionais entre os
habitantes. Essas aspirações, pelo contrário, é que deveriam
ser criadas ou estimuladas pelo poder público.

Astrogilda Paes Barreto(1981) arremata:

26 Anais do Ciclo de debates sobre educação brasileira contemporânea. Conferência proferida


por Astrogilda Paes BARRETO – Educação popular – destaques, impasses e superação.
Publicação da Editora Universitária da Paraíba – UFPb, João Pessoa, 1981, p. 164.
27 Apud BARRETO, 1981, p. 164 / 165.

197
(...)acha-se que há uma educação do povo, uma educação
popular, a qual só pode ser de adultos e de adultos
marginalizados, porque da maneira que faz a educação de
adultos só pode ser para pessoas realmente marginalizadas. 28

Se somarmos tudo isto ao conceito que o Brasil faz do


Nordeste, adicionando, ainda mais, a pedagogia da libertação, tem-se uma
explicação para a indignação das elites diante dos movimentos de cultura
popular, dos centros ou círculos de cultura e das campanhas de educação
popular, como a da Paraíba (1962), iniciada antes mesmo que Paulo
Freire visse concluída sua experiência em Angicos, Rio Grande do Norte,
em 1963.
No alvorecer dos anos 60, uma intensa mobilização social,
política e cultural vai tomar conta do Brasil. Dois anos antes, Paulo Freire
mostrara sua cara, como vimos anteriormente, liderando o grupo
pernambucano no II Congresso Nacional de Educação de Adultos,
mesmo contra uma corrente conservadora que, ao redigir as conclusões
do evento, não fez menção às questões polêmicas, provenientes de
grupos comprometidos com as aspirações populares. E o Nordeste, uma
terra onde em se plantando tudo dá, em função das profundas
contradições esboçadas pela sociedade, é o grande celeiro de experiências
populares, comprometidas com a conscientização das massas. Por outro
lado, ali, há uma chama história de lutas libertárias, constatadas pelos
movimentos de revolta, ante a opressão, desde o período colonial até o
Brasil República. Fleuri29, professor do Departamento de Filosofia da
Universidade Federal de Uberlândia, ao abordar a questão da educação
popular, sob o prisma da extensão universitária, instrumento a ser
repensado, segundo ele, como um espaço institucional estratégico para que a
universidade possa desenvolver atividades comprometidas com as organizações
populares e, com isso, impelir processos de mudanças na própria estrutura
universitária, demonstra, citando, inclusive, Beisiegel (1979, p. 41), que:

28Ibid., p.165.
29FLEURI, Reinaldo Matias. Extensão universitária em educação popular. Educação e Filo-
sofia. Uberlândia, v. 3, n. 5 e 6, p. 59 / 73.

198
A diversidade de movimentos que atuam no campo da
educação junto às camadas populares tem causado grande
dificuldade para a conceituação de ‘educação popular’.(...)
Entretanto, esta multiplicidade de práticas educativas junto
às camadas populares se polarizam politicamente em duas
grandes correntes contrárias. Por um lado, as iniciativas
patrocinadas pelo Estado, para estender os benefícios da
educação escolar, especialmente aos adultos dela excluídos
prematuramente. Sendo iniciativas promovidas pelas classes
dominantes para consolidar seu controle ideológico sobre as
classes subalternas, tendem a preservar a estrutura social
capitalista. Por outro lado, os movimentos de educação
popular patrocinados por grupos e instituições não-
governamentais, com a perspectiva de apoiar os movi-
mentos populares em sua tensão por superar o sistema
capitalista e construir o capitalismo.

Paulo Freire, confirmando este último aspecto enfocado por


Fleuri, dá um exemplo, registrado num trabalho em parceria com Sergio
Guimarães.

(...) experiência de Angicos foi encerrada com a presença do


presidente João Goulart. Depois que ele fez seu discurso,
onde se referiu à Carta Constitucional como o ABC maior
do Brasil, um homem de repente se levantou e pediu a
palavra. Alguém comentou: ‘Quebrou o protocolo’.
‘Quebrei o quê? ’, disse ele. Mas o presidente lhe deu a
palavra. O homem fez um discurso em que chamava o
Goulart de Alteza, Majestade, e comparou a vinda dele à
vinda de Getúlio, anos atrás: o primeiro viera matar a fome
da barriga, e o Goulart viera matar a fome da cabeça. E
continuou dizendo que em Angicos, ele e mais trezentas
pessoas que lá estavam tinham aprendido não só a ler o ABC
da nação, a Constituição, mas que estavam dispostos a
refazer o ABC maior. E disse mais ainda, que antes eles
podiam ter sido massa, mas que agora procuravam ser
povo30.

E este foi o grande problema: deixar de ser massa e passar a ser povo,
visto aqui não na concepção do senso comum, mas na visão do
pensamento freireano. Se, hipoteticamente, metade dos 59,8% de

30 Aprendendo com a própria história. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, p. 26 / 27.

199
analfabetos nordestinos fossem alfabetizados, por obra e graça de uns
poucos sonhadores, e viessem a fazer parte do seleto grupo de eleitores,
forçosamente se alteraria toda a estrutura, secularmente estabelecida,
provocando modificações não só quanto às relações entre Estado e sociedade,
mas também as relações entre trabalho e capital e, consequentemente (ou em
consequência de), o surgimento de

(...) demandas e formas de organização dos sujeitos oriundos


de parcelas substanciais da população brasileira. Estes, ao
anunciarem-se como‘sujeitos de direitos’ por mais e
melhores serviços (saúde, educação, moradia e transporte,
entre outros), o fazem na demanda mais direta por
participação em instâncias de poder, por condições
econômicas dignas e pelo acesso mais justo aos ganhos na
esfera produtiva31.

Ora, toda a preocupação com o processo educacional brasileiro,


evidenciada por esses pedagogos inovadores e refletida em discussões no
II Congresso Nacional de Educação de Adultos (1958), antes men-
cionado, se voltava, como questão preponderante, não só para o sistema
escolar tradicional, este produto de um outro debate/conflito, por
ocasião das lutas pela aprovação da primeira LDBEN, mas, sobretudo,
para alfabetização das massas marginalizadas, tendo em vista a
participação popular na construção e reconstrução da sociedade, através,
entre outros níveis, da inserção dos analfabetos no processo eleitoral32.
Isto significa que

(...) num planejamento destinado à enculturação de grandes


massas defasadas no processo de desenvolvimento se cria o
problema do treinamento versus educação: o que se
chamou de conscientização (desmassificação, politização)
é o dispositivo necessário para criar um nível de aspiração
que se traduza, posteriormente, em desejo de treinamento
(em formação de mão-de-obra). Daí a superioridade dos
métodos de alfabetização, que trazem em si uma

31 HYPOLITO, Álvaro Moreira; GANDIN, Luiz Armando (orgs.). Educação em tempos de


incertezas.Belo Horizonte, Autêntica, 2000, p. 164 / 165.
32 Entrevista concedida por Paulo Freire à Revista de Cultura VOZES, ano 76, n. 1,

janeiro/fevereiro, 1982, p.54.

200
metodologia reflexiva (o problema do método é ainda aqui
mais importante que o conteúdo em si), vez que a pura
alfabetização ou o puro treinamento nada acrescentam ao
estado de indolência cultural das massas marginalizadas33.

E isto era tudo que os grupos dominantes nordestinos não


poderiam aceitar, porquanto correriam o risco de, no mínimo, poderem
vir a serem vigiados, no exercício do poder, sobretudo porque não se
tratava, simplesmente, de aprender a assinar o próprio nome, mas de ser
esse projeto de educação popular acompanhado de um processo
politizante. Aliás, este binômio educação/política se constitui no eixo
central do pensamento pedagógico freireano. Mas o perigo não vinha tão
somente do discurso utópico de Paulo Freire ou de políticos de esquerda,
mas também de instituições como a União Nacional dos Estudantes,
UNE (criou os Centros Populares de Cultura, CPCs, em articulação com
um grupo de intelectuais e artistas, em 1961). Até aí, nada demais, mesmo
porque a juventude está, tradicionalmente, buscando renovar, mudar,
revolucionar. Porém, antes, já havia iniciativas oficiais como a da
Prefeitura do Recife, gestão Miguel Arraes, que, aliada a estudantes
universitários, artistas e intelectuais pernambucanos, movidos por ideais
cristãos e socialistas, criara, em 1960, o Movimento de Cultura Popular,
MCP, cujo objetivo era combater o analfabetismo, elevando o nível
cultural do povo. Projeto similar foi desenvolvido pela Prefeitura de
Natal, Rio Grande do Norte, em 1961, na gestão de Djalma Maranhão,
através da campanha De Pé no Chão também se aprende a ler. O sucesso desta
campanha é atestado por sua expansão pelo interior, quando, em janeiro
de 1964, 40 prefeituras lançaram a Frente de Educação Popular do Rio
Grande do Norte. E aqui, convém lembrar que a teoria do conhecimento
de Paulo Freire, bem como o método de alfabetização dela conseqüente,
permeia todos estes movimentos educacionais ou culturais nordestinos
dirigidos para a conscientização libertadora dos jovens e adultos
excluídos, objetivando levantá-los, torná-los de pé, ressuscitá-los como
sujeitos da história.

33LIMA, Lauro de Oliveira. Educação e História: visão prospectiva. Paz e Terra. Rio de Janeiro,
ano I, n.2, setembro, 1966, p. 142.

201
Dois outros fatores vinham adicionar-se ao perigo iminente:
primeiro, um externo, a epidemia socializante que vinha das Antilhas, o
grito anti-imperialista de Cuba, com Fidel Castro - lembremo-nos de que,
naquele momento histórico, os Estados Unidos transferiram, para o
Brasil, milhares de técnicos, tentando impedir a disseminação de uma
possível praga revolucionária, sob patrocínio cubano - além disso, havia,
ainda, um outro tufão, também socialista, desta vez asiático, com a China
de Mao Tse-tung – em ambos os casos, massa que passou a ser povo;
segundo, um interno, a Igreja Católica, velha aliada da casa grande, agora,
impulsionada pelos ares renovadores trazidos pelo Concílio Ecumênico
Vaticano II, gerara setores que se aliariam ao esforço de educação
popular – conscientização era a palavra-chave - também evidenciando o
binômio educação/política, quer através da Ação Católica (JAC, JEC, JUC,
JOC), quer através de programas radiofônicos, quer do Movimento de
Educação de Base, MEB. A Paraíba gera, também, sua Campanha de
Educação Popular, CEPLAR. Em todos estes movimentos, o dedo do
pensamento político-pedagógico freireano.
O homem nordestino, por outro lado, tem uma história de
lutas, conscientes ou inconscientes, contra o poder dominante local. De
Zumbi, no Quilombo de Palmares, à Revolta dos Alfaiates, na Bahia,
passando pela Confederação do Equador, onde pontificou, imponente,
a liderança de Frei Caneca, chegando até ao movimento messiânico de
Antônio Conselheiro, em Canudos, e ao chamado banditismo social,
onde reinou a figura ímpar de Lampião, o Nordeste também viu a
deflagração da Intentona Comunista de 1935. E a classe dominante não
esqueceu nada disto, sobretudo porque ali, no início da década de 60,
brotava, dos canaviais, as Ligas Camponesas, lideradas por Francisco
Julião e, das cidades, experiências pedagógicas, culturais e político-
educativas, destinadas a provocar vitórias de uma gente tradicionalmente
vencida. É claro, não poderiam os setores dominantes, diante de avanços
culturais, educativos e políticos, vitória dos excluídos, “pagarem pra ver”.
Por via das dúvidas, mais uma vez, “chamaram a Polícia”. Tudo isto
porque, segundo Scocuglia (2000, p. 187),

202
Em nenhuma outra oportunidade, movimentos de cultura e
educação popular - oriundos de setores médios e com
predominância de estudantes e professores universitários -
mesmo quando incluídos no rol populista, foram ‘tão
perigosos’, como no nosso passado recente. Em quais
outras circunstâncias os grupos (locais-regionais)
conservadores encrustados no poder se sentiram tão
ameaçados pela educação/cultura política dos seus
trabalhadores e dos seus possíveis eleitores alfabetizados e
conscientizados?

Algumas Considerações
No início da década de 60, buscava-se a continuidade do
processo de industrialização implantado por Juscelino Kubitschek.
Entretanto, algumas necessidades eram urgentes: maquinarias, ampliação
do mercado para os bens de consumo, mão-de-obra mais qualificada e
superação dos desequilíbrios provocados pelo desenvolvimento interno
entre regiões e setores econômicos (LOPES, 1980, p. 105). Entretanto,
o Brasil também precisava de uma política de reformas estruturais que
permitissem a inclusão das massas populares num padrão de consumo (FREITAG,
1980, p. 73). Isto implicava na mudança do modelo econômico, causador
de uma extrema concentração de renda. Nenhuma região exemplificava
melhor o problema do que o Nordeste.
Ao estudar a educação popular no Nordeste, no início dos anos
60, temos uma noção do papel de Paulo Freire e de sua teoria do
conhecimento, aplicado à educação, dentro do processo político,
econômico e social vigente entre os nordestinos. Historicamente, a
região foi palco de lutas históricas libertárias, de disputas políticas e, ao
mesmo tempo, controle de setores dominantes, ligados ao latifúndio e à
exploração de um povo que registrava 59,8% de analfabetos. Alfabetizar
estes homens excluídos da vida nacional, e nordestina em particular, até
porque não tinham direito ao voto, representou para os grupos
dominantes um perigo inominável, porquanto o pensamento freireano,
norteador dos movimentos de alfabetização, ia além do simples aprender
a assinar o nome, mas incluía, sobretudo, uma conscientização,
objetivando construir, num processo de autodescobrimento e
autoconstrução, um homem humanizado e participante da história,

203
sujeito e não objeto, compromissado com a mudança. Permitir que isto
acontecesse era o mesmo que avalizar uma revolução, porque
determinaria uma reviravolta social, política e econômica, a vitória dos
excluídos. Urgia vencê-los, antes que se processasse uma catástrofe
política, via educação, possibilitando à massa transformar-se em povo. A
decisão dos setores dominantes materializou-se num golpe de estado,
patrocinado por civis e militares, em 1964. E todo projeto de educação
popular foi riscado impiedosamente do mapa, para dar lugar a um outro,
a Cruzada ABC, oficializada em 1965, resultado de missões protestantes
americanas, instaladas no Brasil, principalmente após a Segunda Guerra
Mundial, e sustentada por um acordo entre a USAID, o Colégio Agnes
Erskine, do Recife, e a SUDENE, portanto, com participação do
governo brasileiro. Montou-se um esquema para atender às necessidades
ideológicas dos golpistas e seus colaboradores internacionais.
O Nordeste, de hoje, não parece ter mudado seu panorama
político, econômico e social. Continua a ser vítima de um modelo
excludente e concentrador de renda, onde se verifica o domínio dos
antigos senhores de engenhos ou, dos coronéis. O clientelismo político ainda é a
tônica, bem como a manipulação eleitoral. No sertão, onde a chamada
indústria da seca se estabeleceu, a política paliativa do assistencialismo
controla homens objetos, ideologicamente, incapazes de reagir. De
joelhos, rezam, esperando pela ajuda de Deus e do governo. No subsolo,
um manancial incalculável de água, não aproveitável. Ao lado desse
submundo, há esforços tecnológicos aplicados à produção e um exemplo
disto é o cultivo de uvas, no Vale do São Francisco. Mas isto não muda
a sorte de homens que se quis, um dia, torná-los leitores do mundo.
Vitoriosos os excluídos, porque transformados em sujeitos da
história, foram vencidos pela arbitrariedade dos setores dominantes. Mas
permanecem os ideais porquanto se a mudança faz parte necessária da
experiência cultural, fora da qual não somos, o que se impõe a nós é tentar entendê-la
na ou nas suas razões de ser (FREIRE, 2000, p.31), mesmo porque não posso,
por isso, cruzar os braços fatalistamente diante da miséria, esvaziando, desta maneira,
minha responsabilidade no discurso cínico e ‘morno’, que fala na impossibilidade de
mudar porque a realidade é mesmo assim (FREIRE, 2000, p. 79).

204
Referências
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superação. Ciclo de debates sobre educação brasileira
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Ática, 1982.

206
DNA Educação

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E


ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICA:
QUESTÕES PARA DEBATE, DESAFIOS À
PRÁTICA PEDAGÓGICA.
Jean Carlos Barbosa dos Santos1
RESUMO:
Este artigo procura refletir os processos de escolarização de Jovens
camponeses, a partir das narrativas de professores e busca analisar a
condição juvenil e camponesa como elemento na Organização do Trabalho
Pedagógico de uma turma de Educação de Jovens e Adultos. Utilizamos a
abordagem qualitativa de investigação, a partir de uma pesquisa participante.
Para o levantamento das informações usamos a observação e entrevista
semiestruturada. Recorremos aos construtos teóricos de Silva (2010), e
Brunel (2004), entre outros. Os resultados obtidos levam a concluir que a
presença juvenil na EJA traz consigo novos desafios na sua implementação
como: formação continuada, planejamento contextualizado, condições de
trabalho e acompanhamento pedagógico na Unidade Escolar.
Palavras-chave: Educação do Campo; Educação de Jovens e Adultos;
Condição Juvenil.
ABSTRACT:
This article seeks to reflect the processes of schooling of young peasants,
based on teacher narratives and seeks to analyze the condition of youth and
peasants as an element in the Pedagogical Work Organization of a group of
Youth and Adult Education. We use the qualitative approach of research,
based on a participant research. For the information gathering we used semi-
structured observation and interview. We resorted to the theoretical
constructs of Silva (2010), and Brunel (2004), among others. The results
obtained lead to the conclusion that the youth presence in the EJA brings
with it new challenges in its implementation such as: continuing education,
contextual planning, working conditions and pedagogical accompaniment in
the School Unit.
Keywords: Field Education; Adult Education; Juvenile Condition.

1 Professor. Pedagogo. Especialista em Educação do Campo. Mestrando em Educação de


Jovens e Adultos pela UNEB – Universidade do Estado da Bahia/ Campus I. Pesquisador do
Grupo de Estudos e Pesquisas e Avaliação Educacional (GEPALE/BAHIA. E-mail:
janpedagogo@gmail.com.

207
Introdução
Este texto tem a intenção promover um diálogo entre a
Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Educação do Campo, por meio
da sua Organização do Trabalho Pedagógico (OTP), tendo como
sujeitos jovens entre 15-24 anos. Tentamos elucidar questões para
debates e cada uma das questões transforma-se num desafio a prática
pedagógica dos professores dessa modalidade de ensino.
Nosso objetivo é analisar a condição juvenil e camponesa como
elemento na prática pedagógica de uma turma de Educação de Jovens e
Adultos. Após discussão teórica das categorias analisadas relacionamos
a uma experiência em EJA. A partir da narrativa de professores e da
observação do cotidiano da experiência, daí identificar os significados e
sentidos atribuídos pelos professores aos processos de escolarização na
EJA de Jovens camponeses.
Diante desse contexto, fazemos o seguinte questionamento:
Como a condição juvenil e camponesa é levada em consideração na
prática pedagógica dos professores de uma turma de Educação de Jovens
e Adultos? Na busca incessante pelas respostas da questão lançada
recorremos aos estudos empreendidos por Arroyo (2012), Brunel (2004),
Silva (2010), entre outros.
Este estudo encontra-se estruturado em quatro partes, a
primeira tivemos o interesse de introduzir todo o panorama da temática.
Em seguida, buscamos definir o chão metodológico a qual o texto se
reportou e os instrumentos utilizados na pesquisa. No terceiro momento
procuramos analisar o que falam os documentos oficiais, os sujeitos e a
literatura específica, por fim as considerações finais.
Os principais resultados apontam para a necessidade de maior
articulação pedagógica na proposta; carência de formação professores na
própria unidade escolar; aproximação da proposta de EJA a proposta de
Educação do Campo, a partir do cotidiano e das experiências que os
jovens alunos trazem para escola.

Por fim, apresentamos nossos resultados que não tem a


intenção de esgotar a pesquisa, mas sim de averiguar o que
foi coletado e lançar desafios, para novos estudos de cunho

208
científico, que busquem entender outras experiências em
EJA.

Fundamentos metodológicos
Nem sempre a pesquisa cientifica foi o método utilizado pelo
homem, para responder as questões relativas ao seu dia-a-dia. Por
séculos, estas explicações eram, muitas vezes, determinadas por outras
formas de conhecimento. Segundo Alcoforado (2016, p.01) com o
Método científico o homem passou a buscar explicações mais aceitáveis,
por meio da razão.
Ao se propor enveredar pelos caminhos da pesquisa é preciso
evidenciar os fios metodológicos que orientam nosso olhar, embasados
nos estudos de Sarmento (2009) assumimos a abordagem qualitativa
como ponto de partida da investigação, por se pautar na busca da
interpretação e na compreensão da realidade. Nosso foco de estudo são
os processos vivenciados pelos professores e pelos jovens camponeses
da comunidade investigada, procuramos observar os sentidos e os
modos de produção de conhecimento capaz de responder à necessidade
de compreender em profundidade os significados da escolarização para
estes sujeitos.
O procedimento técnico adotado foi o da pesquisa participante,
pois, Gil (2017, p.56) afirma que a pesquisa participante ocorre pela
interação entre pesquisadores e membros das situações investigadas,
envolvendo posições valorativas. Neste estudo, utilizamos duas técnicas
de coleta de informação a observação participante e a entrevista
semiestruturada.
Marconi e Lakatos (2003, p. 79) afirmam que estes
instrumentos ajudam a obter provas a respeito de objetivos e orientam
nosso contato direto com a realidade. Contudo, a presença do
pesquisador provoca alterações na realidade, diante disto, aplicamos uma
entrevista semiestruturada, pois de acordo com Gil (2017), trata-se de
uma técnica para a obtenção de informações mais precisas.
Os sujeitos da investigação foram os professores da EMDCMS
que atuam com a turma da EJA que foram observados em sua mediação
didática e entrevistados, de modo que entendêssemos os sentido e

209
significados da modalidade EJA para Escola. Durante as observações,
também observamos e interpretamos o cotidiano dos alunos
matriculados na classe de EJA.
Organização do trabalho pedagógico na EJA: Questões para
debate
A Educação de Jovens de Adultos (EJA) é uma modalidade de
ensino da educação básica, busca garantir o direito de aprendizagem ao
longo da vida, defendido pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) através das Conferências
Internacionais de Educação de Adultos (CONFITEAs) da qual o Brasil
enquanto estado-membro é signatário.
Junior e Santos (2017, p.22) em seus estudos asseguram existir
um vasto amparo legal, começando pela Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), entendida como direito
social a ser garantida pelo Estado “para todos aqueles que não tiveram
acesso na idade própria”. Regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394/96, e organizada pelas
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.
A EJA é integrante do mínimo existencial, ou seja, núcleo
essencial dos direitos fundamentais, com função de equalização,
qualificação e a reparação ao analfabetismo resultante da história
excludente do nosso país. Ainda os autores nos dizem que “[...] é preciso
garantir não apenas o acesso, a permanência e a conclusão dos estudos
no nível da educação básica, mas, também, as condições para continuar
os estudos em outros níveis”. (Junior e Santos 2017, p.24).
Ao se propor discutir OTP numa turma de Educação de Jovens
e Adultos percebemos o quanto os sujeitos da EJA possuem um
percurso escolar diferenciado, que culminam em evasão escolar,
resultado de um processo excludente. Segundo a CRFB/1988, artigo
208, inciso VII, parágrafo 1º, a educação é um direito público subjetivo,
deve ser reclamada por seus beneficiários.
A EJA configura-se como um direito, uma política pública, que
busca romper concepções arcaicas de EJA e superar seu caráter
reparador, afirmando a presença de “Outros Sujeitos” e suas diferenças

210
socioculturais. Ao pensar os sujeitos, um fato emerge: a juvenilização,
segundo o Ministério da Educação – MEC (2010) houve um aumento
significativo de jovens entre 15-24 anos na EJA. Desse fenômeno
emerge as preocupações estimulando significativos debates. (COSTA,
2009, p.02).
Para estabelecer um diálogo profícuo entre a condição juvenil e
a EJA precisamos definir o ser Jovem, o jovem aluno, a quem se destina
a prática pedagógica, não sendo este o ponto final do ato educativo.
Juventude trata-se de uma categoria sociológica, representada pelo
vínculo entre indivíduos de uma mesma geração, que formam um
segmento social específico.
Ao analisar o conceito de “juventudes” como prefere Silva
(2010), busca entender os sentidos e significados do fenômeno juvenil-
zação e/ou rejuvenescimento da EJA a partir das vozes dos sujeitos, e
entende como condição ‘sine qua non’ a discussão de temas sociais que
permeiam a condição juvenil. E, estes devem ser um aspecto importante
no currículo da EJA.
Ainda sobre a presença marcante de jovens em classes de EJA,
os estudos empreendidos por Brunel (2004), aponta que este é um
fenômeno dos anos de 1990, visto que historicamente a EJA foi dirigida
mais ao público adulto do que ao público jovem. Apontando diversos
fatores sociais, políticos, pedagógicos e históricos, assim os estudos
apontam que:

Dessa forma, conhecer a trajetória escolar dos jovens


pesquisados, sua vida pessoal, seus sonhos, desejos e medos
foi fundamental para compreender que vários foram os
motivos que os fizeram optar pela EJA mais cedo. (...) e seria
impossível eleger um desses aspectos como principal.
(BRUNEL, 2004, p.21)

Comparando os dois estudos Brunel (2004), e Silva (2010),


notamos que os jovens em classes EJA modificou sua conjuntura.
Segundo os estudos, os aspectos considerados como condição juvenil foi
o de maior impacto, dessa maneira não basta apenas reconhecer a

211
existência do fenômeno – rejuvenescimento, juvenilização – exige um
novo olhar sobre essa modalidade de ensino.
Este retorno requer uma organização pedagógica específica
diferenciada, que atendam estas expectativas. Martins (2008), nos ajuda
a compreender os elementos que constituem a organização do trabalho
pedagógico específica nas escolas e na educação do campo, contudo não
é somente a adoção de algumas práticas educativas que garantem a
consolidação da educação do campo.
Corroborando com estas ideias, Moura (2005), assegura que
pensar a organização do trabalho pedagógico, nas escolas do campo
perpassa primeiro pela dívida que a escola tem para com a agricultura, a
identidade do campo e o desenvolvimento, dessa forma, “pensar uma
Proposta Pedagógica diferente precisa enfrentar essa questão logo de
começo”. (MOURA, 2005, p.22)
Para tanto é necessário mexer não apenas nas OTP, mas
também no eixo epistemológico, mexer com a filosofia. Neste estudo,
suscitamos questões para debates que apontem caminhos para esta
direção, atividades que proporcione uma releitura das situações
vivenciadas e oportunidade de novas experiências, pois estimula a
curiosidade, aguça os sentidos e possibilita confrontar teoria e prática.
O nosso problema surgiu em 2017, com a implantação da EJA
numa Escola Municipal do Campo do interior da Bahia. Esta
movimentação institucional expôs um fenômeno contemporâneo pouco
debatido, a juvenilização da EJA, a priori destinadas a outro público,
sobre isto, Silva (2010, p.139) assevera que,

A juvenilização da EJA exige medidas mais contundentes


sobre a permanência e o direito da juventude no ensino
médio regular. A presença juvenil na EJA aponta
desigualdade no acesso ao direito do jovem ao tempo de
escola regular. [...] Trata-se de um direito que tem sido
negado historicamente, pois a própria existência da EJA
escolar e dos adultos que a ela recorrem remetem à história
de negação do direito à escola para a juventude popular, que
no passado foi excluída da escola.

212
Daí à necessidade de vivenciar na escola processos didático-
pedagógicos contextualizados, longe das adaptações do ensino dito
“regular”, que outrora os mesmos abandonaram ou tiveram experiências
de insucesso, e repetências, e outros fatores que levam a negação do
direito como: ausência da escola próxima; a impossibilidade de conciliar
a escola com o trabalho, e outros condicionantes.
No entendimento de Silva (2010), a entrada desses jovens
converte-se em uma das questões para debate sobre a modalidade de
ensino EJA, pois, as demandas apresentadas por esses sujeitos tão
diferentes dos adultos, sobretudo no que se refere à especificidade
cultural e identitária destes que preenchem os espaços de EJA.
Já na perspectiva da Educação do Campo a EJA assume o
caráter emancipador, segundo Araújo (2012, p. 251) é “[...] fruto das lutas
camponesas para assegurar aos trabalhadores do campo o acesso à
educação”. Já que, os mesmos foram alijados do processo de escolari-
zação, por motivos diversos, e também por múltiplas motivações
retornam ao espaço escolar, creditando a este a premissa da mobilidade
social, de superação de desafios e dificuldades.
É por isso, que o autor busca romper concepções arcaicas de,

[...] qualificação para a força de trabalho, os movimentos de


lutas sociais no campo demonstram que a emancipação não
se dará apenas por meio da conquista econômica, mas, ao
lado das conquistas econômicas, é necessário também haver
elevação cultural e qualificação de consciência,
demonstrando, assim, a função da educação e da escola para
o movimento. (ARAÚJO, 2012, p. 256)

Daí, também reside à necessidade de debater questões para uma


organização pedagógica própria que supere também a ideia de
aligeiramento do tempo educacional e aproveitar os conhecimentos, as
potencialidades com uma metodologia e um currículo que contemple a
diversidade e o protagonismo juvenil primando pela valorização do
repertório de vida e formação humana.
Perspectivas que apontem para além da escolarização, sem
negar a importância fundamental da educação escolar, como sendo o
espaço privilegiado de acesso aos conhecimentos socialmente

213
produzidos pela humanidade, os estudos de Arroyo (2012), no faz pensar
que estas outras pedagogias, contribuem para que a EJA, não se torne
um projeto de educação popular jogado à margem.
Resultados: análise das informações encontradas
O nosso foco de estudo é analisar a condição juvenil e
camponesa como elemento na prática pedagógica de uma turma de
Educação de Jovens e Adultos, assim como os processos vivenciados
pelos sujeitos e o modo de produção de conhecimento, a partir do
fenômeno educativo, cabendo ao pesquisador decifrar o significado da
ação humana, e não apenas descrever os comportamentos.
Dos professores da classe de EJA, 80% já trabalharam na
modalidade de ensino, contudo na entrevista 90% destes revelaram que
o público ao qual já estavam acostumados era sumariamente de adultos,
em especial trabalhadores, a estética de uma turma de EJA com 80% de
jovens, revela para os profissionais a necessidade de uma formação
continuada de professores, para a preparação dos programas e até
momentos específicos com a coordenação da escola, para tratar de
assuntos específicos da classe.
No que concerne à formação inicial 50% dos docentes possuem
graduação e pós-graduação na área específica, 30% são e 20% possui
outra graduação, contudo com vasta experiência em EJA, como afirma
o professor Rafael:

Este ano completei 18 anos trabalhando na educação,


comecei cedo, antes mesmo de terminar o 2º grau. Na EJA
estou desde 2007, portanto 11 anos, já trabalhei com turmas
de EJA no diurno também, há 11 anos, a turma era mista, já
assustava a quantidade de alunos entre 15-24 anos nas
minhas turmas, porém hoje esta galera é maioria total nas
turmas de EJA. Quando chegou esta turma aqui na escola,
fiquei muito feliz e me propus a trabalhar nela, e também a
estudá-la. Meus colegas têm sido muito comprometidos,
temos muitas dúvidas e nossas conversas revelam isto, falta
formação e acompanhamento. (Entrevista com o professor
Rafael, professor de Inglês da Turma.).

214
A formação a qual o professor se refere, é a apontada nos
estudos de Silva (2010, p.59), pois estes novos sujeitos trazem consigo
novas “culturas” e novos “jeitos”, o que requer uma formação ampla que
pense o sujeito de forma global, na qual as escolas recebam estes sujeitos,
“não com uma visão compensatória e de um tempo perdido, mas incluir
uma proposta educativa condizente com o ciclo de vida e as experiências
sociais e culturais dos sujeitos que delas fazem parte”.
A maioria dos docentes entende importância da EJA, contudo
em virtude dos índices de evasão, afirma que a continuidade da turma de
EJA deve ser repensada. Ao analisar a caderneta de frequência da turma,
no ano anterior 2017, tivemos segundo informações da escola um índice
de mais de 60% de evasão da turma.
Já neste ano de 2018, encontramos 38 matriculados, apenas 3%
de evasão na segunda etapa da turma. Quando questionado sobre o
motivo dessa mudança significativa sobre os números de evasão, o
professor Rafael, que é estudante de uma pós-graduação em uma
Universidade pública, e investiga esta mesma turma, nos respondeu que,

(...) no ano passado a turma foi montada com todos os


alunos matriculados na escola, maiores de 15 anos e que
ainda estivem no 6º ano, foi automaticamente matriculado
no Tempo Formativo II, Eixo IV. Somente 04 alunos
fizeram adesão voluntária, à maioria dos alunos que
participaram da movimentação de início de ano para a
implantação da modalidade EJA, na escola da Comunidade
a desejavam a noite, pois poderiam conciliar com o trabalho.
Este ano, a turma tem o caráter de conclusão do Ensino
Fundamental II, Tempo Formativo II, Eixo V, e muitos
alunos a procuram para concluir esta modalidade. (Entre-
vista com o professor Rafael, professor de Inglês da
Turma.).

A fala do professor permite inquirições como a EJA ainda


infelizmente é tida como espaço de aceleração dos estudos, encurtar o
tempo, recuperar o tempo “perdido”, superar este caráter reparador da
Educação de Jovens e Adultos é condição essencial para que esta oferta
se aproxime do que é estabelecido nos acordos internacionais, a saber, as

215
CONFITEAs na qual a EJA é tomada como espaço de aprendizagem ao
longo da vida.
Entre os motivos de frequência irregular, no ano anterior,
apontou-se o trabalho como sendo o maior motivo, as atividades mais
comuns na região são as atividades ligadas à agricultura e a pecuária de
pequeno porte e os pequenos comércios, existem também outras
atividades conforme o quadro a seguir.
Em escuta com a turma deste ano, observou-se também além
destes supracitados, a inserção do trabalho doméstico, cuidador de
crianças, motorista, vaqueiro, infelizmente notamos na mesma escuta
que nenhum dos 38 alunos tem a carteira de trabalho assinada, sendo
que 26 desses já a possui. O quadro a seguir nos dar uma dimensão da
turma investigada.

Q uadr o 01 – inf or mações de gênero, tr abalho e de frequência à escola.


Categorias Dimensões analisadas
Gênero 53% feminino e 47 % masculino
Trabalho 80% já trabalham com serviços relativos à agricultura familiar.
10 % ajudam nos serviços domésticos de sua casa e de outros para
tirar algum provento financeiro.
10% alega não realizar nenhuma atividade laboral.
Perspectiva 25 % afirmam que regressam à escola como uma oportunidade de
quanto à aprender e adiantar seus estudos, os mesmos alegam estar satisfeitos
escola com o ano letivo. E pretendem continuar estudando.
Entre os 75% restantes, encontramos as mais diversas perspectivas e
motivações acerca da Escola, a mais ouvidas foram: Não ficar em casa
(para realizar os serviços domésticos); Não ter para onde ir numa
comunidade rural; O acesso à internet que a escola e a sede do distrito
dispõem; E o Programa Bolsa Família, que requer a frequência escolar
regular.
Fonte: elabor ação dos pesquisador es, em 2018.

O quadro acima suscita algumas observações, a maior presença


feminina na classe, diferente do que ocorreu na abertura da turma ano
passado. No nos remetemos a entender o porquê os meninos têm maior
probabilidade de abandonar a escola, ou a terem números mais elevados
de insucesso. Este ano cabe-nos buscar compreender que se os meninos
abandonam mais a escola, no início do Ensino fundamental II, quais os

216
motivos? Bem como, os motivos que levam as meninas a abandonarem
a mesma modalidade durante o curso? Como comprova os números de
matriculas na classe de EJA, nos dois anos de sua oferta.
Infelizmente, os dados são silenciados pelos órgãos
governamentais ao longo dos anos. Neste estudo, a razão impeditiva da
frequência na escola é o trabalho, ainda que na agricultura familiar. Ao
pensar as políticas públicas, compreendemos que a não adaptação do
calendário escolar, com o calendário de plantio, colheita e enchentes
colaboram com este insucesso escolar. (Arroyo, 2011)
Nos estudos de Arroyo (2011, p.22), sobre a educação do aluno
camponês, o autor aponta para “educação como estratégia de inclusão”,
e este é o grande desafio: “Pensar e fazer uma educação vinculada a
estratégias de desenvolvimento”, e acima de tudo entenda a escola como
lugar de formação humana, de um aluno que também é trabalhador. O
depoimento do aluno Edvan, de dezessete anos, exemplifica isto, durante
a observação das aulas, ao ser indagado pelo professor de Arte sobre as
motivações de vir para escola:

Hoje, eu acordei cedo para trabalhar, fazer entrega do leite,


para p mercadinho, (...) eu dirijo, sou o caixa, arrumo, faço
tudo. Por isso hoje estou cansado, por que foi dia que
chegou a mercadoria ração, sal, milho e farelo (...). Claro que
eu quero vim para escola, este foi o ano que eu estudei foi o
ano que aprendi alguma coisa, agora quero passar de ano.
Quando saio daqui ainda vou trabalhar, aí quando chego em
casa, ás vezes pego no caderno para responder um dever
(Edvan aluno da EJA).

A turma estava visivelmente cansada e abatida e o depoimento


nos faz enxergar o caráter integrador entre escola e mercado de trabalho,
próprio para jovens das camadas populares. Os outros alunos que já
realizam alguma atividade laboral, em virtude da territorialidade são
atividades ligadas ao campesinato. Contudo, nenhum deles está ligado ao
mercado formal, o trabalho que surge de forma precoce em suas vidas,
se faz na informalidade, nos “bicos” (SILVA, 2010).
Da correlação entre as propostas da EJA e com as atividades
campesinas realizadas pela maioria dos alunos da EJA, 70% dos

217
professores acreditam fazer nas discussões teóricas, porém poucas são
as inserções na comunidade. Um contrassenso com as pedagogias
pensadas pelos movimentos sociais do campo, que exigem outras
pedagogias, com ações coletivas, movimentações, uma experiência de
educação mais próximas da dinâmica popular (ARROYO, 2012).
Quando retornamos as formas e as possibilidades de diálogos
ente a EJA e as atividades campesinas, afim de que esta se torne uma
experiência educacional emancipadora e não mais um programa de
aceleração dos estudos como os antigos supletivos que observamos,
diversas formas de abordagens didáticas, dentre as mais citadas,
elencamos as informações que constam no quadro 2, a seguir.

Q uadr o 2 – D iálogos entr e E JA e E ducação do campo.


Dimensões Objetivo %
Utilizam fotos do livro Fazer correlação entre o conteúdo 60%
didático. científico e a vivência cotidiana do aluno.
Desenvolvem trabalhos Demonstrar o dia a dia da classe. 30%
com fotografias tiradas
pelos próprios alunos.
Diálogos e interações Iniciar o conteúdo curricular, a partir de 10%
com a turma. uma contextualização com a realidade do
educando.
Fonte: elabor ação dos autor es, em 2017.

Vale reforçar que dos dados analisados 90% dos educadores no


diálogo em classe desenvolve algum tipo de discussão da realidade, a
partir do conteúdo, ao passo que a afirmam não conseguir ir além, para
a prática, para a ação, para a transformação dos conteúdos em
conhecimentos vivos, contudo espera-se que os educandos consigam
fazer esta correlação no cotidiano. Mas ainda assim, a maioria vê como
importante esta turma. Para melhor compreender, seguem as declarações
de alguns professores:

No caso específico do Distrito, percebo que os alunos da


EJA enfrentam dificuldades na apropriação de uma cultura
advinda de um modo de vida do qual não compartilham,
atrelado à desvalorização da sua própria cultura. Aí somente
percebendo e valorizando a cultura e o saber dos povos do

218
campo, será possível constituir uma educação realmente do
campo. (Erica, professora de Ciências).
Mas que oportunidade de acesso à escolarização, a EJA na
Escola é construção cidadania, dignidade é mostrar para
estes jovens que a escola se preocupa com eles, é ofertar uma
classe não com menos conteúdos, mas sim com
oportunidades de aprendizagem que correspondam a
necessidades dos alunos. Falta muito, estruturação do
currículo, formação e até aumentar a oferta, mas o primeiro
passo já foi dado, agora é esperar que eles conseguissem por
em prática na sua vida social o pouco que aprendem na
escola. (Rafael, professor de Inglês).
De grande importância, pois ajuda no aprendizado de
muitos que já estavam desmotivados devido à repetência e
com idade avançada e que na EJA encontram uma
oportunidade de aprende algo acessível e com outros
formatos. O uso e conservação do solo visto nas aulas sobre
erosão. A questão do clima e a vegetação, os recursos
hídricos e seu uso em casa e na lavoura. (João Paulo,
professor de Geografia).

Como podemos perceber, os professores consideram a


proposta importante, ainda com todos os problemas enfrentados. Nas
observações percebemos as tentativas de aproximação do conteúdo com
a realidade dos educandos, de fazer com que o processo não aconteça
apenas na transmissão de conteúdos específicos, mas que promova
contribuições para formação de novas pessoas.
Andrade (2009, p.35) aponta para o grande desafio da
reeducação do olhar, pois as nossas velhas formas, “[...] não nos tem
permitido encontrar o mínimo de glamour e da vibração necessários para
mover a esperança” de se trabalhar com os Jovens que nos chegam às
classes de EJA. A autora ainda reforça,

A necessidade de se pensar o atendimento educacional e as


condições de oferta como um todo, quando se tem a
educação básica como objetivo e direito para uma
população que enfrenta níveis alarmantes de desigualdade.
Tal perspectiva envolve desde os gastos com financiamento
até uma condição muito especial as condições em que a
educação acontece em cada escola, condições essas que se

219
projetam no imenso contingente de jovens que demandam
a EJA.

Essas condições os professores reforçam nas entrevistas, que


perpassam por discussões tênues da educação, o planejamento, o
currículo, a formação continuada, condições mínimas para prática
docente. Este apoio a que maioria dos educadores refere-se trata da
formação continuada na escola, ou até mesmo momentos de
coordenação pedagógica.
Assim, ao buscarmos as condições de reeducar que são
defendidas pelos professores, notamos que eles atribuem o sentido da
escolarização, na vida dos vinte e dois educandos, entendendo-os como
sujeitos capazes de construir e de terem a consciência de seu projeto de
vida, de modo a traçar alternativas que transformem as informações em
conhecimentos articulados. Neste sentido, os entrevistados nos dizem
ser necessário,

Elaborar trabalhos que utilizem as experiências cotidianas


dos alunos, eu tenho feito trabalhos com o uso de fotografia
que demonstre o dia a dia da classe. (Jozana, professora de
História).
Não apenas cumprir um programa de conteúdos didáticos,
mas desenvolver uma ampla leitura de mundo, a partir de
um contexto no qual devemos buscar inseri-los numa
tomada de consciência crítica, rompendo com a postura
ingênua frente ao conhecimento, para que possam ser
agentes de sua própria aprendizagem. (Gabriel, professor de
Educação Física).
O que devemos fazer é algo diferenciado, buscar uma maior
proximidade, é difícil, essa prática entre o tema, disciplina e
um esforço a cada aula, deixa ela mais acessível, próxima dos
alunos (João Paulo, professor de Geografia).

Conjugando a falas e observando a mediação pedagógica de


outros professores, percebemos a possibilidade de realizar uma trajetória
educativa tradicionalmente considerada como satisfatória. Tudo isto sem
deixar de considerar que estes sujeitos por inúmeros motivos circulam o
espaço escolar um “incansável” número de vezes, com entradas, saídas e
retornos, após o período estabelecido como próprio para a vida escolar.

220
Sobre a trajetória de sucesso, da satisfação na oferta e na
permanência dos sujeitos, entendemos que não há uma receita pronta,
mas grande parte dos educadores entrevistados ligam este fator a
inserção de tecnologias sociais na sala de aula. A professora Júlia durante
a entrevista falou que,

Acredito que, um fator determinante para construir uma


proposta comprometida com a permanência, aprendizagem
e sucesso escolar dos jovens e adultos é considerar a
inserção das novas tecnologias a serviço da informação e do
conhecimento, permitindo uma melhor aprendizagem
crítica por parte dos educandos e aquisição de um maior
número de informações em menor tempo (Júlia, professora
de Ciências).

Observamos o uso das tecnologias educacionais ao ver a


discussão de um trabalho realizado na disciplina de Artes, no qual os
alunos fotografaram o trajeto de casa para escola, percebemos o
entusiasmo daqueles que queriam socializar a sua foto com colegas. Ao
analisar este fenômeno de jovens alunos a EJA, percebemos ser
fundamental os elementos de sociabilidade entres os sujeitos. A
utilização das redes pessoais, do cotidiano como currículo vivo em sala
de aula.
Dos professores observados e entrevistados 80% já haviam
trabalhado em média de dois anos na modalidade EJA, e estes avaliam
como positiva a experiência com a turma. Afirmam também ter tido
dificuldades de conciliação dos saberes do campo, aqueles que o
educando traz em suas trajetórias, os conhecimentos ligados a
agroecologia, ao trabalho, ao universo do campesinato.
Entre as preocupações a maior delas é a evasão e o abandono,
100% dos docentes vê neste fenômeno o maior desafio da turma, e
atribui a eles diferentes significados 40% acreditam que os alunos não
vêm na escola uma forma de mobilidade social, 20% aponta o
desinteresse das famílias em acompanhar a vida escolar do aluno e 40%
acredita ser o trabalho o motivador da evasão e do abandono. Além
desses, outros dados foram percebidos.

221
Assim, a fala deste professor é representativa, pois segundo o
mesmo,

[...] a proposta é boa, falta uma melhor preparação dos


professores, apoio pedagógico, até no conhecer melhor a
EJA, e assim docente e discentes terem melhores
ferramentas para o trabalho e entusiasmo. Com isso a EJA
chegar a um patamar pelo menos satisfatório para o
aprendizado e de ajuda para esses jovens que são tão
sofridos com vários problemas socioeconômicos e que vem
buscar pelo menos um significado, uma relevância para o
estudo. (João Paulo, Professor de Geografia)

Diante da fala do professor que escolhemos para representar os


sentidos e significados da oferta de EJA para uma comunidade
camponesa, entendendo que ela não deve acontecer sem uma preparação
devida, é necessário formação continua de professores, estruturação de
uma proposta curricular que atenda as expectativas e as demandas dos
alunos que regressam a Unidade Escolar na busca por escolarização,
creditando a estes elementos de mobilidade social.
Considerações finais
Diante do exposto, que a Educação de Jovens de Adultos
configura-se como sendo uma política pública que pauta a aprendizagem
ao longo da vida. Daí surge outra demanda a formação continuada de
professores, repensar as condições de trabalho dos docentes, visto que
sua mediação didática nestas classes exigem um planejamento e uma
prática pedagógica diferenciado das outras classes.
Contudo, notamos uma mediação didática planejada como
numa turma de outra modalidade, apesar de em diálogos com os alunos,
os docentes sempre lembrarem a sua faixa etária, e recorrerem a algumas
experiências vivenciadas por eles, que seja por meio de relatos orais ou
através de fotos ou imagens.
Ainda assim, a aproximação dos conteúdos tradicionais com os
modos de ser e viver do camponês acabam sendo um elemento
conceitual, não ultrapassando a sala de aula, não observamos ou ouvimos
falar de momentos fora da sala de aula, ou seja, os vínculos entre a
proposta da EJA e da Educação do Campo se dá apenas nas discussões

222
conceituais, e na localização geográfica da escola, cabendo então um
aprofundamento da questão EJA do Campo ou EJA no Campo.
Os docentes estão conscientes do seu papel político para
fomentar discussões, contudo os mesmos admitem que só debate, não
adianta, é necessário instigar mais, propor soluções, inventar outros
modos. O que aponta a necessidade do envolvimento da comunidade,
dos movimentos sociais dentre outros sujeitos que compõe a escola do
campo, dão sentido e cobrem de significados essa proposta.
Por fim, ressaltamos a importância de uma experiência de EJA,
na contramão do abate a educação pública, sem perder de vista,
elementos básicos para sua concretização como: tempo para o
planejamento, condições de trabalho e acompanhamento pedagógico na
Unidade Escolar. Elementos considerados pelos educadores para que a
EJA de fato possa ser um instrumento de para o exercício da cidadania
para uma plena participação na sociedade.

223
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225
DNA Educação

A ATUAÇÃO DA MULHER NEGRA NA DOCÊNCIA


NO ENSINO DE 1º AO 5º ANO NO MUNICÍPIO DE
SÃO JOÃO DO SÓTER – MA

Jeilson De Oliveira Moisés1


RESUMO:
A educação da Mulher negra tem sido um tema bastante debatido por
teóricos e estudiosos da área pedagógica e de outras áreas. Este trabalho
tem como objeto de estudo analisar a atuação das mulheres negras na
docência, no Município de São João do Sóter - MA. Para sua realização
optou-se por uma pesquisa de caráter qualitativo. A realização da
pesquisa bibliográfica se deu através de alguns teóricos como: Aranha
(1990), Josso (2004), Munanga (2003), Alves (2012), e Floresta (1989)
dentre outros presentes na referência. Para a coleta de dados utilizou-se
como instrumento a entrevista narrativa, realizada com três professoras
negras do Munícipio.
Palavras-chave: Magistério. Mulher Negra. Trajetória familiar e
identidade. Processo de escolarização.
ABSTRACT:
The education of the Black woman has been a subject much debated by
theoreticians and scholars of the pedagogical area and of other areas.
This study aims to analyze the performance of black women in teaching
in the municipality of. For its accomplishment a qualitative research was
chosen. The bibliographical research was carried out through some
theorists as: Aranha (1990), Josso (2004), Munanga (2003), Alves (2012),
and Floresta (1989) among others present in the reference. For data
collection, the narrative interview was used as an instrument, carried out
with three black teachers from the Municipality.
Keywords: Teaching. Black woman. Family trajectory and identity.
Schooling process.

1Pós-Graduado Em Gestão E Orientação Pela Faculdade Santa Fé, Licenciado em Pedagogia


pela Universidade Estadual Do Maranhão-UEMA Professor Regente de 1º ao 5 ano.

226
Introdução
A educação é de suma importância no processo de formação
humana, fazendo-se presente desde o nascimento até o momento em
que o ser humano deixa de existir. É por meio dessa formação que o
cidadão tem a oportunidade de melhorar a vida em sociedade, cabendo-
lhes o respeito mútuo entre seus pares, bem como o respeito às
diferenças raciais.
Referindo-se ao trabalho docente realizado pelas mulheres,
observa-se que ao longo da história o mesmo perpassa por várias
representações sobre a identidade do gênero atuante na Educação e dessa
forma, a educação da mulher negra, tem sido alvo de muitos estudos e
discussões principalmente em relação à sua atuação docente em sala de
aula como contribuinte no processo de ensino e aprendizagem, fazendo-
se necessário que o governo propicie melhores condições de trabalho e
educação e consequentemente a formação cidadã do educando.
Partindo-se das observações supracitadas e por ser um tema
que necessita ser explorado, dado a sua valiosa contribuição na área da
educação sotense, bem como para o universo acadêmico, questiona-se:
Quais as contribuições que as professoras negras vêm propiciando ao
cenário educacional da Cidade de São João do Sóter – MA?
No intuito de responder a este questionamento básico o
presente trabalho sobre o tema: “A atuação da mulher negra como
docente no município de São João do Sóter – MA” tem como objetivo
principal investigar a contribuição da mulher negra para o contexto
educacional sotense. Na elaboração do estudo trilharam-se os seguintes
objetivos específicos: compreender a importância da atuação docente da
mulher negra para sua autoestima; descrever a trajetória de vida e
educacional da professora negra da cidade de São João do Sóter - MA e
discutir as ações que desenvolvem para construção identitária da criança
negra.
Serviram de referencial teórico os seguintes autores: Aranha
(2006), Cruz (2011) Almeida (1897) Verissimo (1985) bem como outros
autores os quais estão presentes nas referências.
Assim, com o propósito de tecer alguns fios para a confecção
de uma reflexão sobre a importância da presença da mulher negra no

227
cenário educacional sotense, este trabalho está estruturado em cinco
capítulos sequencialmente complementares: O primeiro apresenta os
fundamentos históricos e conceituais sobre a educação da mulher na
Educação. O segundo aborda as perspectivas da mulher negra na
educação. O terceiro aborda a metodologia desenvolvida. O quarto
oferece uma análise sobre a atuação da mulher negra na educação de São
João do Sóter - MA e por fim, no quinto capítulo apresentam-se as
conclusões do pesquisador sobre a pesquisa realizada, destacando
aspectos relevantes os quais puderam ser evidenciados no decorrer do
processo de desenvolvimento deste trabalho.
Historicidade do movimento feminista, e da educação da mulher
negra.
Em se tratando do movimento feminista, o mesmo iniciou a
partir do século XIX, tendo início na Inglaterra, França e nos Estados
Unidos, e posteriormente alcançando vários países e adquirindo novos
significados.
Segundo Arias (1979, p.9):

As ondas dos movimentos feministas ocorridas a partir dos


anos 60 contribuíram ainda mais, para o surgimento da
história das mulheres. Nos Estados Unidos, onde se
desencadearam os referidos movimentos, e em outras partes
do mundo que estes se apresentarem, as reivindicações das
mulheres provocaram uma forte demanda de informações
que estavam sendo discutidas. Ao mesmo tempo, docentes
mobilizaram-se propondo as instalações de cursos nas
universidades dedicadas aos estudos das mulheres.

Na fala acima se verifica que os movimentos vieram a somar


com a historicidade das mulheres, o mesmo pode abrir portas para que
as mulheres pudessem expressar o que vinham sentindo, pois essas
mulheres sempre eram tidas como inferiores aos homens.
Analisando-se a luta feminista, observa-se que em sua trajetória
houve muitas resistências, perpassando por grandes lutas e direitos a

228
igualdade, pois as mesmas eram vistas somente para cuidar da casa, da
família e de seu marido. (Nizia Floresta2 1989, p. 23) ressalta que:

Se a força exterior do corpo fosse para eles um título


suficiente para dominar sobre nós, que somos de uma
constituição mais delicada, a superioridade da razão sobre a
paixão deveria fazê-los envergonhar de submeter esta razão
à paixão, aos prejuízos e a um costume sem fundamento. Se
este sexo altivo quer fazer-nos acreditar que tem sobre nós
um direito natural de superioridade, por que não nos prova
o privilégio, que para isto recebeu da Natureza, servindo-se
de sua razão para se convencerem?

O feminismo foi um movimento em prol de melhorias para a


classe das mulheres. O mesmo perpassou por inúmeros fatores, até se
destacar como movimento a favor das classes das mulheres. No que se
refere a esse movimento feminista, Bandeira (2000) esclarece que:

O feminismo constitui-se no movimento social que mais


profundamente inferiu no pensamento social e político
ocidental, da forma como este se estruturava desde o século
XVI. (LAMOUREUX, 1986; TOURAINE, 1986 apud
BANDEIRA, 2000, p.15).

Partindo destas indagações, o movimento feminista segundo


Bandeira (2000, p.18) caracterizou-se “pela igualdade e paridade na luta
em favor de direitos e oportunidades iguais entre mulheres e homens,
centrou-se na conquista de exposições sociais e direitos políticos”.
Vale ressaltar que essa citação, põe em jogo a valorização da
mão-de-obra feminino, pois segundo a autora esse movimento veio a
somar para as conquistas das mulheres. Por meio dos movimentos os
catequistas procuram reivindicar igualdade e direitos iguais, até porque
elas passam pelos mesmos trabalhos que os homens, mas não são
renumeradas pelo seu serviço, e sim pelo fato de serem mulheres, pois

2Foi uma educadora, escritora e poetisa potiguar, é considerada uma pioneira do feminismo no
Brasil e foi provavelmente a primeira mulher a romper os limites entre os espaços publico e
privado publicando textos em jornais, na época a impressa engatinhava. Nísia também dirigiu o
colégio para moças no Rio de Janeiro e escreveu livros em defesa dos direitos das mulheres,
dos índios e dos escravos.

229
para os homens elas são consideradas pessoas fracas sem força de um
homem.
Na concepção de Alves (2007, p.41), através de sua luta cons-
tante por seus direitos, as mulheres trabalhadoras romperam o silêncio e
projetaram suas reivindicações na esfera pública. Isso significa que as
mulheres por sofrem todo tempo caladas, procuraram se manifestar
através de movimento, movimentos esse conhecido pelas conquistas
adquiridas, o então movimento feminista. Alves (2007, p.41) ressalva
ainda que:

O avanço das lutas operarias congrega homens e mulheres


nas organizações sindicais. Com eles as mulheres
participaram das greves e, como eles, foram vítimas de
repressão. O dia 8 de março3, depois proclamando o Dia
Internacional da Mulher, faz parte desta história de luta.

Nesta ressalva, Alves (2007, p. 41), nos coloca uma das grandes
conquistas que as mulheres conseguiram com suas lutas constantes em
prol do reconhecimento de suas jornadas de trabalhos e de salários mais
dignos, salários esses que não chegam a ser igualado aos que os homens
recebiam, pois elas ainda não eram vistas como capazes de exercer o
mesmo serviço que os homens, partindo daí uma reivindicação por
melhorias e igualdades de gêneros.
Partindo da necessidade de se conhecer o significado da palavra
“feminismo”, alguns estudiosos da área têm suas definições ou
caracterizações concretas a essa palavra. Mas segundo Branca Alves
(2007, p.7) a mesma conceitua que é difícil de estabelecer uma definição
precisa do que seja feminismo, pois este termo traduz todo um processo
que tem raízes no passado, que se constrói no cotidiano, e que não tem
um ponto predeterminado de chegada. Como todo processo de
transformação, contém contradições, avanços, recuos, medos e alegrias.
Mas segundo o site Wikipédia a enciclopédia livre a palavra “feminismo”,

3 E m 8 de mar ço de 1857 as oper ar ias da indústr ia têxtil de N o va Ior que


empr eender am uma macha pela cidade, pr otestando con tr a baixos salár ios e
r eivindicando uma jor nada de tr abalho de 12 hor as. V iolentamente r epr imidas
pela polícia, muitas tombar am pr esas e fer idas.

230
um movimento social, filosófico e político que tem como meta, direitos
equânimes iguais) e uma vivência humana liberta de padrões opressores
baseados em normas de gênero.
Partindo deste pressuposto, Floresta (1989, p. 37-38) faz uma
indagação de que:

Os homens podem absolutamente passar sem Príncipes,


Generais, Soldados e Jurisconsultos, como antigamente, e
ainda hoje passam os Selvagens; mas podem passar sem
amas na infância? E se por si são incapazes de exercer este
importante emprego, não precisam indispensavelmente das
mulheres? Em um Estado tranquilo e bem regido, a maior
parte dos homens são inúteis em seus ofícios e inútil toda
sua autoridade, mas as mulheres não deixarão jamais de ser
necessárias enquanto existirem homens e estes tiverem
filhos.

Na citação acima, Floresta (1989) faz um desabafo sobre a


injustiça sobre o homem, pois segundo ela as mulheres são mais úteis
que os homens nos espaços públicos, e que podem ser importantes
também no contexto social.
Vale fazer uma ressalva do discurso da escritora Olympe de
Gouges, e defensora dos ideais revolucionários que faz que um respaldo
sobre a mulher pública, que segundo ela:

A mulher nasce livre e permanece igual ao homem em


direitos. [...] Esses direitos inalienáveis e naturais são: a
liberdade, a propriedade, à segurança e, sobretudo a
resistência à opressão. [...] O exercício dos direitos naturais
da mulher só encontra seus limites tirania que o homem
exerce sobre ela; essas limitações devem ser reformadas
pelas leis da natureza e da razão. (OLYMPE DE GOUGES
apud ALVES 2007, p. 34):

Como a própria autora nos relata na citação acima, sobre o


discurso de Olympre de Gouges, “não é uma crítica aos princípios
fundamentais do liberalismo” (ALVES, 2007, p. 34), o mesmo nos
coloca que a mulher tem o mesmo direito que o homem nas leis
propostas para o homem na constituição brasileira no Art. 5º onde trata
que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

231
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade”.
Segundo Cunha (2005, p.18) movimento feminista no Brasil na
passagem do século XIX para o século XX, o mesmo foi liderado por
uma elite feminista letrada, ou seja, elite essa de maior poder econômico
o que não foi diferente dos outros países que aderiram ao movimento. A
mesma coloca que:

A presença da mulher na história da educação brasileira se


deu na luta pela emancipação social desde o movimento
contra a escravidão e na luta pela conquista da
independência e da liberdade. As mulheres4 brasileiras
sempre estiveram à frente de movimentos na conquista de
seus direitos. CUNHA (2005, p.19).

De acordo com a citação acima, a mulher teve seu espaço na


educação graças à luta que tiveram no movimento contra a escravidão,
pois as mesmas eram destinadas somente a trabalhos pesados, e que a
partir deste momento puderam exercer a independia e poderem usufruir
da sua liberdade.
Cunha (2005, p.19) relata em sua dissertação de monografia,
ainda que:

No Brasil, só no governo de Getúlio Vargas no ano de 1934,


na Assembleia constituinte, depois de muita luta é que
algumas bandeiras do movimento foram asseguradas, tais
como: O princípio de igualdade entre sexos, o direito do
voto feminino, a regulamentação do trabalho feminino, a
equiparação salarial entre homens e mulheres e a proibição
do trabalho noturno [...].

Mesmo percebendo hoje que a mulher ainda perpassa por um


processo lento na sua igualdade social equiparado ao homem, percebe-

4 Duas brasileiras participaram da primeira conferência do Conselho Feminino da Organização


Internacional do Trabalhador (1991) onde foi aprovado o princípio de salário iguais para homens
e mulheres foram ela Betha Lutz e Olga Paiva Meira, que em muitos vieram contribuir para a
emancipação do movimento das mulheres brasileiras.

232
se que a mesma lutou e (ainda luta) ao longo destes séculos, contra as
estruturas opressoras mostrando que também podem e devem
compartilhar os seus conhecimentos, aos serviços que os homens
executam.
Em se tratando do movimento feminista no Brasil, para Alves
(2007, p. 71) o movimento feminista passou por uma grande conquista,
a mesma ressalta:

Depois de alcançar o direito a voto, em 1932, houve também


no Brasil um período de refluxo do movimento de mulheres,
não apenas por características intrínsecas a este, mas
também pela própria conjuntura política que, a partir de
1937, início do Estado Novo, impediu qualquer tipo de
mobilização popular de cunho reivindicatório.

A citação acima, Alves (2007) deixa claro como a mulher ao


longo dos tempos veio conseguindo seu espaço na sociedade. Observa-
se que depois de todo esse movimento a mulher foi conquistando
benefícios para si mesmo, chegando até ao ponto de ter uma sede em
que as mesmas pudessem discutir seus direitos.
A educação da mulher negra: da evolução as conquistas.
No que se refere à Educação da mulher negra, segundo Sousa
(2008, p.1) ressalta que:

Chegamos ao Século XXI, com um modelo de sociedade


brasileira marcada por diversos tipos de preconceitos e
discriminações. Tais complexidades encontram-se
presentes, principalmente no segmento social “mulheres
negras”. Trabalhar essa dialética correlacionada com o status
poder e violência que permeiam as esferas sociais, não tem
algo fácil ou tranquilo de realizar em nossos dias. [...].

Na citação anterior, a autora nos relata sobre os preconceitos


que a mulher negra sofre ainda hoje, mesmo vivendo em uma sociedade
que se diz não preconceituosa. A mesma ainda aborda como nosso país
mesmo sendo um dos considerados com maior população negra, ainda
não respeita seus direitos e deveres.

233
Sobre os direitos e deveres dos negros, Lima (2012 p. 33-34)
ressalta que:

As revoltas do século VXIII, como a dos Búzios, já traziam


reivindicações por acesso à educação; a Frente Negra
Brasileira, fundada em 1931, defende a integração dos
negros à sociedade brasileira, reconhecendo que a educação
se constitui em grande desafio.

A citação mostra-nos que desde do século XVIII o negro vem


brigando por melhorias e por igualdade, igualdade essa relacionada a
educação, pois os mesmos se sentiam excluídos, sem poderem ter acesso
à educação.
Os negros vivenciaram e vivenciam ainda grades desafios, um
deles é a sua luta constante para terem uma vida digna e igualitária. A
partir desta indagação, segundo o CADERNO NEGRO (2008, p, 17-
18): sobre a história de vida de uma mulher negra que vivencia as
dificuldades de educar seus filhos, a mesma tem uma rotina igual a grande
maioria de sua mesma origem de sobrevivência, nos coloca uma
verdadeira luta de uma mulher:

MARIA OU A VERSÃO FEMENINA DO TEMPO QUE


EMANA
[...]
Mas você não voltou Maria, Você e dura.
Mulher de labuta, Não deixa por menos, Faz e acontece,
Mas sem transporte? E acaso não vá, Amanhã há outra Em
seu lugar.
E sua atitude,
Onde é que ela estar?

A citação a cima, trata-se do recorte de um poema retirado dos


Cadernos Negros, o qual mostra a vida de uma mulher para conquistar
seu espaço na sociedade, correndo atrás de melhorias para dar uma
educação e uma vida de qualidade para seu filho. Isso acontece desde
sempre, pois se analisarmos, a mesma também passou por essas
consequências para ser alguém na vida.
Tendo como base em relatos de vidas de negros por brigarem
pelos seus diretos, couberam os órgãos competentes voltados aos diretos

234
dos negros, organizarem uma conferência que discutissem sobre os
direitos dos mesmos. Um desses encontros foi a Declaração de Jomtiem
(Tailândia) em 1990, que veio a somar com os direitos da sociedade negra.
Nesta declaração foram debatidos diversos problemas enfrentados pela
classe negra, como por exemplo, o acesso à educação dos mesmos, que
segundo o documento redigido após a Declaração de Jomtiem (1990,
p.1), o mesmo ressalta que: “há mais de quarenta anos, as nações do
mundo afirmam na Declaração Universal dos Direitos Humanos que
toda pessoa tem direito a educação”.
A citação de Jomtiem (1990) faz uma ressalva sobre os direitos
que nós no papel de cidadãos e os mais interessados a ter essa educação,
ainda não somos totalmente beneficiados com uma educação de
qualidade, pois a mesma deixa muito a desejar, e não seguem os acordos
firmados há mais de quarenta anos na Declaração de Direitos Humanos.
A partir desta colocação do documento redigido após a
Declaração de Jomtiem na Tailândia, o mesmo foi abordado também a
universalização do acesso à educação, mais um ponto questionado na
Declaração de Jomtien, é um fato que pode ser visto em todo território,
isso é uma consequência do ensino que estar cada dia chegando ao
conhecimento da população. A partir desta indagação, a Declaração
Mundial Sobre a Educação para Todos, faz uma colocação em seu Artigo
3º sobre essa universalização, ficando assim:

A educação básica deve ser proporcionada a todas as


crianças, jovens e adultos. Para tanto, é necessário
universaliza-la e melhorar sua qualidade, bem como tomar
medidas efetivas reduzir as desigualdades.
Para que a educação básica se torne equitativa, é mister
oferecer a todas as crianças, jovens e adultos, a oportunidade
de alcançar e manter um padrão mínimo de qualidade da
aprendizagem.
A prioridade mais urgente é melhorar a qualidade e garantir
o acesso à educação para meninas e mulheres, e superar
todos os obstáculos que impedem sua participação ativa no
processo educativo. Os preconceitos e estereótipos de
qualquer natureza devem ser eliminados da educação.
Um compromisso efetivo para superar as disparidades
educacionais deve ser assumido. Os grupos excluídos, os

235
pobres; os meninos e meninas de rua ou trabalhadores; as
populações das periferias urbanas e zonas rurais; os
nômades e os trabalhadores migrantes; os povos indígenas;
as minorias étnicas, raciais e linguísticas; os refugiados; os
deslocados pela guerra; e os povos submetidos a um regime
de ocupação –não devem sofrer qualquer tipo de discrimi-
nação no acesso às oportunidades educacionais.
As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas
portadoras de deficiências requerem atenção aos portadores
de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte do
sistema educativo.

A citação acima parte de um artigo proposto no documento


extraído da Declaração Mundial sobre a Educação para Todos, coloca-
nos como deve ser a universalização da educação, ou seja, como os países
devem proceder para proporcionar uma educação igualitária.
A partir da Conferência que tratou de uma “educação para
todos”, o termo vem sendo muito discutido por gestores, políticos,
profissionais da educação e órgão competentes ligas a educação. O
mesmo teve grandes repercussões chegando a ser discutido em
conferencias, congressos, encontros, simpósios, etc. nestes pressupostos,
participantes da Conferência Mundial sobre Educação para Todos,
chegaram a uma conclusão, e reafirmaram o direito a educação e
concluíram que:

Comprometemos-vos em cooperar, no âmbito da nossa


esfera de responsabilidades, tomando todas as medidas
necessárias à consecução dos objetivos de educação para
todos. Juntos apelamos aos governos, ás organizações
interessadas e aos indivíduos, para que somem a este urgente
empreendimento. DECLARAÇÃO DE JOMTIEN (1990,
p. 13).

A partir deste comprometimento por parte dos participantes


desta conferência no que se refere às necessidades básicas de
aprendizagem, pode-se concluir ainda que essa conferência foi
importante para o desenvolvimento e reconhecimento de diversos
segmentos sociais, e também como ela foi importe para a valorização da

236
mulher. A mesma teve também discursos de períodos importantíssimos
para as nações mundiais.
Pode se concluir que a Declaração de Jomtim, foi o evento
muito importante e que veio a somar mais ainda para melhorias da nossa
educação, educação essa que ainda vivencia em seu histórico
preconceitos diversos à pessoas que por motivos raciais ainda não
aceitam determinadas classe popular.
A partir desta indagação, no Brasil, como é sábio vigorar o mito
de que vivemos efetivamente em uma sociedade livre do preconceito
racial e do racismo em relação aos negros. Nas últimas três décadas, tal
modo de entendimento ficou cada vez mais desacreditado, tendo em
vista as evidencias de múltiplas formas de discriminação vivenciadas pela
população afrodescendentes de nosso país (MARCELO PAIXÃO,
2006, p. 23).
Mas não é o que de fato vem acontecendo com essa sociedade
que se diz não preconceituosa com a população negra. Através destes
questionamentos, pela sociedade em si, e por não se considerar
preconceituosa, e que foram tomadas devidas providencias ,
providencias essas que veio a contribuir com a população negra, que após
a Declaração de Jomtien viu-se a importância do encontro, foi criado
sobre a Lei 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica, desta
forma cumprindo com que estar estabelecido na Constituição Federal
nos seus Art. 5º, 1, Art. 210, Art. 206, I § 1º do Art. 242. Art. 215 e Art.
216. Bem como nos Art. 26, 26ª e 79 B na Lei. 9396/96 de Diretrizes e
Base da Educação Nacional, que asseguram o direito ás historias e
Culturas que compõe a nação Brasileira.
A lei 10.639, de Janeiro de 2003, veio a contribuir muito com a
valorização do negro no ambiente escolar. Essa Lei veio fortalecer a
concepção dos educadores e da sociedade em geral, que desde de cedo o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africana seja trabalhado,
para que a criança cresça com uma concepção de respeito ao próximo.
Partindo desta argumentação, segundo Cavalleiro (2006, p. 82):

237
Como um passado decisivo rumo á promoção do respeito e
da igualdade no ambiente escolar, a reflexão sobre dinâmica
das relações raciais vivenciadas nesse espaço não pode mais
ser protelada, que se consideram ou ocupam o posto de
educador (a). Uma vez reconhecida a Presença do racismo,
do Preconceito e da discriminação racial na sociedade,
temos de atender para a reprodução desses problemas no
cotidiano escolar. De fato, as experiências em sala de aula
não estão alheias ao racismo e seus derivados; conectam-se
ás de muitos outros espaços, passando até mesmo por
nossas residências, chegando aos nossos filhos, com ou sem
a nossa permissão.

Segundo o art. 205 e 206, da Constituição Brasileira (2001-2002,


p. 49) seção I que trata da Educação:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e


da família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios: I -igualdade de condições para o acesso e
permanecia na escola;
– liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber;
– pluralismo de ideias e de concepções públicas e privadas
de ensino; IV – gratuidade do ensino público em
estabelecimento oficiais;
- valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na
forma da lei, planos de carreira para o magistério público,
com piso salarial posicional e ingresso exclusivamente por
concursos público de provas e títulos;
- gestão democrática do ensino público, na forma de lei; VII
– garantia de padrão de qualidade.

Pode se observar, que segundo estar lei todos temos direitos a


educação, mas não é o que acontece no nosso pais, pais esse que ainda
vivencia a burguesia, pois só tem uma educação digna, aqueles que fazem
parte de uma sociedade elitizada, deixando assim os menos favorecidos
com uma educação precária.

238
O mesmo direito é afirmado na Lei de Diretrizes e Base da
Educação 9394/96 (LDB), Título III, do direito à educação e do dever
de educar, que ressalta:

Art. 4º o dever do Estado com a educação escolar pública


será efetivado mediante a garantia de:
– ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para
os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
– progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao
ensino médio;
– atendimento educacional especializado gratuito aos
educando com necessidade especiais, preferencialmente na
rede regular de ensino.

Nas leis supracitadas, tanto na constituição Brasileira como na


Lei de Diretrizes e Bases da educação, pode-se observar os direitos que
todos têm de se expressar e de se sentir valorizado no meio social. Mas
infelizmente a mesma não sendo praticada como deveria ser deixando de
lado de cumprir algumas de suas legislações.
Metodologia
O trabalho em discussão é uma conclusão do meu trabalho de
graduação. A pesquisa em questão objetivou investigar a contribuição da
mulher negra para o contexto educacional sotense, analisando sobre a
atuação das mulheres negras na docência no Municio de São João do
Sóter-MA. A mesma está sendo executada com as docentes da pesquisa
anterior, e também da mesma escola analisada, pois houve necessidade
de ouvi-las novamente para melhor compreensão.
Inicialmente desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica que
serviu de fundamento para a análise e explicação sobre “A atuação da
mulher negra como docente no Município de São João do Sóter - MA”.
E, a partir dos contextos pesquisados, realizou-se uma pesquisa de
campo que envolveu uma breve observação, entrevista com narrativas
de história de vida e análise de dados, para adquirir as informações
necessárias que facilitassem a compreensão sobre estas docentes e sua
atuação, estas informações serviram de alicerce e fundamentação para a
pesquisa.

239
A presente pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa
bibliográfica e de campo. Referindo-se à pesquisa bibliográfica Lakatos
e Marconi apud França (1987, p. 66) a caracterizam como sendo:

[...] o levantamento, seleção e documentação de toda


bibliografia já publicada sobre o assunto que está sendo
pesquisado, em livros, revistas, jornais, boletins,
monografias, teses, dissertações, material cartográfico, com
o objetivo de colocar o pesquisador em contato direto com
todo material já escrito sobre o mesmo.

Complementando tal caracterização, Josso (2004, p.47)


esclarece que pesquisa bibliográfica é:

A mediação do trabalho biográfico que leva à narrativa de


formação dita “biográfica educativa” (DOMINICÉ, 1982,
1984; JOSSO, 1986) permite, com efeito, trabalhar com
material narrativo constituído por recordações consideradas
pelos narradores como “experiências “significativas das suas
aprendizagens, da evolução nos itinerários socioculturais e
das representações que construíram de si mesmo e do seu
ambiente humano e natural.

Ressalta-se que a pesquisa bibliográfica instiga o pesquisador ir


a campo observar os fatos e coletar dados. É nessa pesquisa de campo
que acontece os experimentos, as investigações da pesquisa “cujo
objetivo de desenvolver hipóteses, aumentar a familiaridade do
pesquisador com o ambiente e clarificar os conceitos”. Essa etapa devido
aos instrumentos utilizados para a coleta de dados serve de base para a
pesquisa bibliográfica, pois auxilia em seu desenvolvimento, articulação
e finalidades. (LAKATOS; MARCONI, 1991, apud AMORIM, 2000, p.
36).
Lakatos e Marconi (1991, p. 12) colocam que pesquisa de
campo consiste “em conseguir informações e/ou conhecimentos acerca
de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma
hipótese, que se queria comprovar, ou ainda descobrir novos fenômenos
ou as relações entre elas”.
A pesquisa de campo foi do tipo descritivo-qualitativa,
abrangendo professores do sexo feminino, consideradas negras, das

240
escolas do Município que trabalham com a educação de 1º ao 5º ano, no
município de São João do Sóter – MA, foram entrevistadas 03
professoras com idade entre 22 e 35 anos, de uma só escola, a escola
UIM Governadora Roseana Sarney. Todas permitiram a divulgação dos
seus nomes, mas por questão de ética e respeito, as mesmas serão
designadas pelo seu sobrenome e uma letra do alfabeto, pois pelo fato
de todas (por coincidência) constarem do seu sobrenome Silva daí a
importância de se utilizar as letras do alfabeto para melhor compreensão.
Essa pesquisa do tipo descritivo – qualitativa segundo
Deslandes (2010, p. 21):

A pesquisa qualitativa responde a questão muito


particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com um
nível de realidade que não pode ou deveria ser qualificado.
Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos
motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das
atitudes.

Foi analisado também as suas histórias de vidas, pois para se


chegar ao conceito primordial da pesquisa, fez-se necessário conhecer
toda sua história de vida das docentes pesquisadas.
Tratando de uma metodologia de pesquisa em cima de relatos
de histórias de vidas, segundo Josso (2004, p. 25)

[...] situa-se, em primeiro lugar, em nossa constante


preocupação com que os autores de narrativas consigam
atingir uma produção de conhecimentos que tenha sentindo
para eles e que eles próprio se inscrevam num projeto de
conhecimento que se institua com sujeitos.

A autora relata que é através de uma pesquisa de relatos de


histórias de vidas, podemos obter principais objetos e conhecimentos, e
também enriquece mais ainda a pesquisa, sem deixar de pontuar, que ao
tratar-se de sua história de vida, isso é sem dúvidas uma coisa muito
individualizada, pois só quem vivenciou de fato sua história de vida, é
quem sabe do que se passou.
Ao tratar de história de vida, vale fazer uma ressalta que nesse
momento, é um momento em que colocaremos toda as nossas vivencias,

241
desde quando nascemos, até os dias em que vivemos. Este pressuposto
coloca que essas vivencias podem ser momentos agradáveis ou não, mas
em se tratando em pesquisa, cabe ao sujeito da pesquisa relatar ou não
sua história de vida, pois o mesmo pode ter algum receio de alguma
época que não lhe foi agradável.
A partir desta indagação sobre esse objeto de estudo, na
concepção de JOSSO (2004, p.38).

O objeto de observação e objeto pensado, a formação,


encarada do ponto de vista do aprendente, torna-se um
conceito gerado em torno do qual vêm agrupar-se,
progressivamente, conceitos descritivos: processos,
temporalidade, experiência, aprendizagem, conhecimento e
saber fazer, temática, tenção dialética, consciência,
subjetividade, identidade.

Segundo a autora, esse objeto de estudo é que vai te direcionar


de fato o que você realmente pretende pesquisar, ou seja, é através do
mesmo você vai ter um conhecimento preciso para desenvolver um bom
trabalho.
Sobre esses acontecimentos no nosso processo de
conhecimento, ou seja, da nossa formação, ao descrever os processos
que afetam a identidade e a subjetividade, pode-se constituir um caminho
para que o “sujeito oriente, com lucidez, as próprias aprendizagens e o
seu processo de formação” (JOSSO, 2004, p. 41) que para autora esse
processo de formação é sempre uma experiência, do contrário para ela
não significa uma formação.
Docentes negras e suas narrativas
Neste capítulo, apresentam-se as narrativas das interlocutoras
analisadas por categorias norteadoras: Trajetória familiar e identidade,
Processo de escolarização e Categoria profissional. Para constituição das
categorias os dados foram divididos pelos temas comuns dos
questionamentos realizados, como estratégia de propiciar ao leitor uma
melhor análise e compreensão das percepções dos sujeitos pesquisados.
As categorias foram analisadas a partir das interpretações das falas dos

242
sujeitos, comparando-as com as discussões dos teóricos sobre a temática
abordada, estabelecendo-se, dessa forma, um diálogo entre ambos.
A pesquisa em foco tem como objetivo geral: analisar as
contribuições que as professoras negras vêm propiciando ao cenário
educacional da Cidade de São João do Sóter - MA. Partindo-se de tal
objetivo, realizou-se uma abordagem sobre as histórias de vidas de cada
participante, por meio do qual percebeu-se que inicialmente algumas das
docentes negras sentiram-se receosas por tratar-se de uma temática
relacionada não apenas a sua profissão docente, mas à sua própria
identidade. Entretanto, no decorrer da entrevista observou-se que aos
poucos as docentes passaram a se sentir mais à vontade e até mesmo a
demonstrar o seu interessante pelo estudo.
Ao descreverem histórias de vidas, pode-se observar que
algumas se emocionaram ao lembra-se de suas dificuldades e sacrifícios
enfrentados para conseguirem o que hoje lhe enchem de orgulho: a
profissão docente.
Categoria 01: Trajetória família e identidade
Na primeira categoria, com intuito de compreender sobre a
trajetória familiar e identidade das entrevistadas, houve uma busca por
discussões de autores sobre esse tema e relatos da história de vida das
docentes, em que pode-se notar suas dificuldades, vitórias, conquistas, a
concepção de sua identidade racial e de que forma tais aspectos
influenciaram em sua vida pessoal e profissional.
Para Josso (2004, p.191) o trabalho da narrativa escrita de vida
[...] permite uma espécie de estado das ligações dos nossos
conhecimentos nos nossos diferentes referenciais experienciais, e nas
nossas formas de exprimir o nosso ser em relação conosco e com outrem
na evolução de nossos posicionamentos existenciais [...].
Neste sentido, faz-se necessário relembrar que historicamente
a mulher, principalmente a mulher negra, vivenciou muitas
transformações e enfrentou muitas barreiras no ambiente educacional,
não sendo muito diferentes das docentes negras de São João do Sóter -
MA, que perpassou por inúmeras dificuldades, quebrando barreiras para
se tornar docentes. Suas histórias de vidas podem confirmar o quanto foi

243
sofrida para estas conquistarem os cargos que hoje ocupam, ou seja
como foi difícil participarem de cursos de formação pedagógica e
tornarem-se professoras.
Segundo Josso (2004, p.43) sobre história de vida relata-nos
que:

[...] os contos e as histórias de nossa vida são os primeiros


elementos de uma aprendizagem que sinalizam que ser
humano é também criar as histórias que simbolizam a nossa
compreensão da vida. As experiências, de que falam as
recordações-referências constitutivas das narrativas de
formação, contam não o que a vida lhes ensinou, mas o que
se aprendeu experiencialmente nas circunstancias da vida.

Na citação supracitada, Josso (2004) esclarece que nossa


história de vida é um dos elementos primordiais para a contribuição para
a formação de nossa aprendizagem, e que essas experiências vividas não
nos contam o que só o que nos foi repassado, mas sim o que se aprende
nesse processo de conhecimento.
Referindo-se sobre o processo desse conhecimento, é
interessante frisar que esse processo acentua “o inventário dos
referenciais e das valorizações e faz emergir os interesses de
conhecimento e os seus níveis (JOSSO, 2004, p. 43).
Resaltando sobre história de vida, ao serem questionados sobre
sua infância, família, e as atividades desenvolvidas na sua família e
comunidade, a entrevistada Silva B esclarece que:

Minha infância foi um pouco sofrida por morar na zona


rural, meus pais trabalhava na roça, agente trabalhava de
manhã na roça e a tarde ia para escola, estudei num povoado
do primeiro quarto ano, na época quarta série, e quando fui
fazer (na época considerado ginásio) fui estudar em outro
povoado mais distante, sendo que não havia transporte
escolar, a gente ia de bicicleta sozinha. (SILVA B. 2014)

Na fala da professora Silva B, pode-se entender o quanto foi


sofrida sua caminhada para conseguir concluir o Ensino Fundamental
menor (atualmente primeiro ao quinto ano), ensino esse que na época
não tinha muita facilidade no que diz respeita a seu acesso à escola, pois

244
o mesmo era feito com dificuldade utilizando se como transporte a
bicicleta, pois pelo fato da escola ser em outro povoado e não haver neste
período transporte escolar havia essas dificuldades de descolamento.
Tratando ainda sobre história de vida, a entrevista Silva A.
relata-nos:

Eu morava no interior aqui de São João “ Axixá” né , eu


comecei estudar lá no povoado mesmo, na Escola Eugênia
Campos Mendes, fiz o primeiro, na verdade antigamente
não tinha essa questão de educação infantil agente já ia
direto para o primeiro ano fraco, estudei lá, só que eu não
permanece diretamente lá, eu fui embora para estudar em
Caxias, eu morava com minha vó , ai ela me deu para uma
família que queria uma pessoa para morar com lês né, ai eu
comecei estudar lar, fui fazer novamente a primeira serie lá
no Eugênio Barros, comecei em noventa e cinco, fiquei lá
até dois mil e um, ai não conclui o ensino fundamental e vim
pra cá para São João e terminei meu primeiro grau no
Mariano Campos5 (SILVA A. 2014).

Na fala acima, observa-se o perfil de uma mulher guerreira, que


lutou muito para vencer na vida, uma mulher mesmo sendo de origem
simples, ou melhor, vindo da zona rural não deixou enfraquecer as suas
necessidades, e consegui ingressar numa sala de aula na cidade, que nesse
período era muito complicado, pois não passa pelo ensino considerado
base da educação, a educação infantil, foi diretamente para a primeira
série, que hoje conhecemos (após reformulação do ensino para nove
anos) como segundo ano. E teve seu processo de ensino aprendizado
interferido por conta de sua mudança para uma nova cidade (Caxias -
MA), a mesma quando chegou à cidade teve que iniciar seus estudos
novamente do início, ou seja, teve que repetir a primeira serie
novamente, e não se sentindo satisfeita, depois de muito tempo, resolve
retornar ao município de São João do Sóter - MA e resolve concluir seu
ensino fundamental lá, e em seguida o ensino médio.
Para Vygotsky (1987) Apud Rodrigues (2009) sobre o processo
de aprendizagem, as origens da vida consciente e do pensamento

5Escola mais antiga do município que tem esse nome em homenagem a um dos seus primeiro
moradores e donos das terras, que na época era conhecida como São João dos Poleiros.

245
abstrato deveriam ser procuradas na interação do organismo com as
condições de vida social, e nas formas histórico-sociais de vida da espécie
humana [...].
Na fala Vygotsky (1987) o processo de ensino aprendizado em
relação a história de vida ressalta a busca por esses conhecimentos deve
ser compreendido a partir da interação desses sujeitos com a realidade
Partindo desta colocação, vale fazer uma ressalva de uma
professora que vivenciou quase os mesmos caminhos para concluir seus
estudos, só que havendo uma pequena diferença com Silva A, pois a
mesma conclui seus estudos na capital do maranhão São Luís, estou me
referindo a professora Silva C, que:

Eu não fui criada aqui em São João, logo quando eu


completei meus doze anos, eu fui para São Luís, e lá comecei
a estudar, fiz do primeiro até quando eu terminei meu
Ensino Médio, e quando eu terminei o Ensino Médio, eu fiz
o Ensino Superior lá. (SILVA C, 2014)

Pode-se analisar que essas docentes negras passaram por


grandes dificuldades, ainda mais vindas todas da zona rural, pois só por
esse fato de serem negras e de zona rural imagina-se as dificuldades que
as mesmas passaram e ainda passam para serem reconhecidas pela
sociedade.
Segundo Arranha (2006), sobre os obstáculos que a mulher
enfrenta, ressalta que:

Se a mulher desiste de enfrentar os obstáculos para realizar


seus desejos, agem de modo masoquista, aceita a dor, o
sofrimento, a perda. Então o papel de vítima lhe cai como
uma luva e o sentimento de culpa a acompanha sempre que
esboça um gesto em direção à autonomia e a realização
pessoal.

Na fala acima, Arranha (2006) ressalta-se que a mulher deixa de


enfrentar o que de fato ela deseja buscar, para se entregar ao fracasso,
fazendo com que a mesma se considere incapaz de conseguir algo para
sua formação.

246
A mulher negra nunca pode deixar de expressar seus
sentimentos e sua real identidade. Pois sua questão de identidade é a
conscientização, todos devem entender que ser negro não é apenas uma
questão de pele, mas uma questão de hereditariedade e de cultura
(ARAÚJO, 2006, p. 22).
Partindo disso afirmam quando perguntado sobre sua
identificação como negra, as mesmas colocam que aconteceu com:

A família do meu pai que é toda negra, e a família da minha


mãe já é mais a questão do branco né, tem mais, são uma
mistura, a dependência do meu pai todos são negos, então
minha cor mesmo é negra né, porque apesar de outras
coisas, de alguns acontecimentos, graças a Deus até o
momento eu não me deparei com situação por causa da cor,
mais a minha dissidência é mais por conta do meus pais.
(SILVA A, 2014).

Observa-se que segundo SILVA A, sua identidade como negra


sempre foi uma questão de respeito, pois a mesma como relata, herdou
da família de seu pai, e com isso se sente satisfeita, pois até o momento
nunca sofre discriminação por herda a cor de seu pai.
Sobre essa identificação partida das orientações do professor,
segundo Abramovay (2002) apud Araújo (2006):

O primeiro objetivo da escola na sociedade moderna é


formar um sujeito apto a assumir seu espaço na sociedade
capitalista, ou seja, produtivo submisso, tendo interação
otimista com seu grupo social. Essas regras institucionais
operam de modo simbólico, repercutindo o legitimando
outros espaços sociais, de acordo com as instâncias de
poder. A escola poderá ser um meio de manutenção de
desigualdades sociais pelo uso de métodos simbólicos e
indiretos de correção social, porém o principal papel da
escola deveria ser o de construir uma identidade positiva,
formando indivíduos capazes e autônomos.

É de fundamental importância discutir sobre o papel da escola


em formar esse sujeito capitalista, pois a mesma ainda tem dentro de si
o seu lado preconceituoso, pois que ela vivencia os direitos que os negros

247
têm, ela camufla isso, e faz de conta que é apenas uma conquista
desnecessária.
Ainda sobre a identificação como negra, segundo o depoimento
da entrevistada SILVA B:

Eu sempre assim apesar de criança na minha época, mas eu


tive aquele entendimento, eu nunca tive aquela questão de
alguém me chamar de negra, eu sempre tive aquele
entendimento que era morena a maneira de chamar, mais eu
sempre sabia que eu era negra, e minha pele negra também
nunca sofri nenhum tipo de preconceito quanto a cor né, eu
sempre tive aquele entendimento que eu era negra devido a
minha cor entendeu. (SILVA B, 2014)

Esse posicionamento deixa claro que a entrevistada professora


Silva B, cresceu sempre com o entendimento de sua identificação como
negra, e que não precisou de orientações de professores para com sua
identificação.
Ainda ao se referi sobre a identidade negra, Munanga (1996,
p.12) afirma que:

A identidade negra é também construída durante sua


trajetória escolar desse sujeito e, nesse caso, a escola tem a
responsabilidade social e educativa de compreendê-la na sua
complexidade, respeitá-la, assim como as outras identidades
construídas com sujeitos que atuam no processo educativo
escolar, e lidar positivamente com a mesma.

Segundo a citação, cabe à escola garantir a aprendizagem de


certas habilidades e conteúdos que são necessárias para a vida em
sociedade, pois a identidade de qualquer ser humano é construída a partir
de como somos tratados e percebidos. (LIMA, 2012)
A partir dessa indagação para Cavaleiro (2005) apud Araújo
(2006) o sistema educacional e outras instituições sociais, estão repletos
de práticas racistas, discriminatórias e preconceituosas, o que geram em
muitos momentos um cotidiano escolar prejudicial ao desenvolvimento
emocional e cognitivo de todas as crianças e adolescentes, em especial às
consideradas diferentes-como destaque as crianças negras.

248
As docentes aqui citadas perpassaram por um período em sua
vida na quais tiveram que saber conciliar escola e afazeres domésticos
para ajudar seus pais, pois sabemos que a mulher que foi sempre
destinada aos afazeres de casa.
Partindo desta afirmação, as entrevistadas afirmam sobre essas
atividades realizadas para ajudarem seus pais:

Em casa só as tarefas domesticas mesmo que os meus pais


trabalhava na roca e eu ficava em casa fazendo os afazeres
mesmo de casa, para quando chegasse no horário de ir para
a escola eu ir a escola, a ajuda que eu tinha era essa, eles
trabalham na roca e eu fazia, ficava em casa fazendo almoço
para quando eles chegarem tava pronto. (SILVA B, 2014).

Na fala da entrevistada é notável que as meninas oriundas de


famílias de lavradores e que estudavam, se dedicavam aos afazeres
domésticos pela manhã e à tarde ia para escola. Essa ação é bem
percebida quando a Sandra (2014) relata na sua fala acima, quando fala
da ajuda que dava aos pais antes de ir para a escola.
Conclusão
Não há dúvida que a educação das mulheres negras no Brasil
vem se transformando ao longo dos tempos, tal fato se deve ás lutas e
conquistas que as mulheres alçaram durante seu período de luta
emancipadora.
Em relação ao trabalho realizado pelas docentes negras as
mudanças foram bastante visíveis. Ainda nos primórdios da profissão, as
mesmas eram reditas a atuarem, hoje mostram o quanto são necessárias
na profissão.
Historicamente, as mulheres sempre foram consideradas como
inferiores aos homens, isso também acontecia nos aspectos educacionais
pois elas não tinham direito a nada, muito menos à educação, elas tinham
que saber apenas cuidar do lar e dos filhos. Com o passar dos anos essa
realidade foi sendo transformada pouco a pouco e os homens que eram
os professores foram perdendo interesse por essa profissão por causa
dos baixos salários.

249
Esse fato acabou contribuindo para que as mulheres
identificassem com a profissão de professora, também porque foi uma
das primeiras profissões a serem aceitas pela sociedade para o sexo
feminino e segundo porque elas já tinham a habilidade de cuidar de
crianças, além do fato do magistério ter se tornado uma forma de
melhorar as condições sociais, tudo isso fez com que educar crianças se
tornasse uma profissão eminentemente feminina.
Atualmente, essa ideia está arraigada na sociedade, porque essa
habilidade feminina se tornou também uma aceitação cultural e que está
relacionada à divisão do trabalho masculino e feminino, por isso tem sido
um desafio para as mulheres negras, pois ainda são vistas como inferiores
tidas somente a serem escravas, ou seja, serem empregadas doméstica e
de não ter condições de atuarem em uma profissão. Mas essa realidade
pode ser modificada com a atuação de inúmeras mulheres negras na
docência.
Contudo, a pesquisa realizada neste trabalho monográfico sob
o tema: “A atuação da mulher negra como docente no município de São
João do Sóter - MA” evidencia que apesar da contribuição inquestionável
da mulher negra no cenário educacional, o preconceito e o racismo ainda
se faz presentes nas escolas públicas, mas que apesar das dificuldades
encontradas, as mulheres negras sentem-se felizes e realizadas com a
conquista profissão docente.
Diante do exposto, a partir do diagnóstico realizado sobre a
atuação docente da mulher negra no município de são João do Sóter -
MA, o presente trabalho oferece aos leitores, professores ou estudiosos
do assunto a reflexão de que o que deve estar em jogo para o processo
de ensino e de aprendizagem do educando é a qualidade da ação
pedagógica docente e não a questão de gênero ou raça.

250
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253
DNA Educação

A GENÉTICA AUTORITÁRIA NO JORNAL A


UNIÃO ENTRE 1964 E 1969 E A EDUCAÇÃO
João Batista Barbosa da Silva1
RESUMO:
O artigo consiste em estudo das representações divulgadas pelo Jornal A
União sobre a Educação no Regime Militar Brasileiro em sua fase inicial,
o período entre 1964 e 1969. Para analisar os discursos emitidos pelo
jornal foi privilegiada na pesquisa os textos dos editoriais e as notícias
divulgadas no supracitado jornal, além de fazermos uma sinopse do
período, para compreender melhor os elementos que se destacam em
meio às representações visuais e verbais dos/nos jornais. O propósito é
perceber as contribuições da imprensa paraibana e sua influência na
educação e vice-versa para a legitimidade e a devoção à ordem, adotando
atitudes de apoio ao Estado autoritário.
Palavras-chaves: autoritarismo; jornal; educação
ABSTRACT
The article consists of a study of the representations published by the
newspaper The Union on Education in the Brazilian Military Regime in
its initial phase, the period between 1964 and 1969. To analyze the
speeches issued by the newspaper was privileged in the research the texts
of the editorials and the news stories in the aforementioned newspaper,
besides making a synopsis of the period, to better understand the
elements that stand out amid the visual and verbal representations of /
in the newspapers. The purpose is to perceive the contributions of the
Paraíbaan press and its influence in education and vice versa for
legitimacy and devotion to order, adopting attitudes of support to the
authoritarian state.
Keywords: authoritarianism; newspaper; education

1 Professor da Rede pública do Estado da Paraíba (SEE-PB) e Mestre em Educação pela


Universidade Federal da Paraíba, na Linha de Pesquisa História da Educação. Email:
joao.sobrado@gmail.com

254
Introdução
A exposição diária de fatos que muitas vezes tomamos por
insignificantes podem contribuir de maneira decisiva para o enten-
dimento de processos históricos e políticos que, aparentemente, não teria
como ser reconstituído utilizando uma ótica acadêmica, mesmo
considerando a intervenção de pessoas e editores, relacionada ora com a
censura, ora com a manipulação de informações.
Ainda no século XIX e início do século XX, Gilberto Freire
(1979) garantia que mais que nos livros de história e nos romances, a
história do Brasil estava nas notícias dos periódicos, considerando que
fatos marcantes de nossa história estão inseridos nas suas páginas,
trazendo informações importantes do dia a dia das pessoas, da política,
economia e cultura.
Desta forma, propomos neste artigo, considerar o jornal como
fonte documental para a história da Educação, com uma abordagem
metodológica historiográfica sugerida por Vidal (2003), que afirma que
os documentos legais têm o seu mérito, porém, são por vezes
insuficientes para a construção historiográfica.
A opção por essa nova fonte de pesquisa, empreendida pela
historiografia ao longo do século XX, e a consolidação da fonte
jornalística, especialmente no que tange aos estudos do tempo presente.
Tomaremos como fonte as notícias veiculadas no jornal A União, do
estado da Paraíba, sobre o posicionamento dos Presidentes Militares em
relação à Educação no país. Assim, como afirma Sousa (2002, p 93), “a
análise de tais fontes, de inestimável valor histórico, muito pode
contribuir para enriquecer nossos conhecimentos sobre as questões
educacionais [...]”.
Posicionando-se em relação à Educação no século XIX,
Pallares-Burke (1998, p. 145-146) argumenta que

No que diz respeito às possibilidades da educação, a impren-


sa periódica, no seu veio mais propriamente cultural do que
noticioso, assumiu explicitamente as funções de agente de
cultura, de mobilizadora de opiniões e de propagadora de
ideias (PALLARES-BURKE 1998, P. 145-146).

255
Para a mesma autora, o jornalismo fazia informalmente o que
os agentes educativos deveriam se propor a realizar, e durante os anos
de 1964 a 1969, a ausência de um aparelho estatal que conseguisse atingir
as massas da população brasileira era quase inexistente, o que propor-
cionou a imprensa tomar para si essa tarefa em virtude da “ausência de
outros agentes educativos, como leis e um sistema de educação pública,
que, caso existente, poderiam fazer mais sistemática e formalmente o que
o jornalismo fazia informalmente”, assegura Pallares-Burke (1998, p.
147).
Vale salientar que os estudos de Pallares-Burke estão
relacionados com a Educação no Brasil do Século XIX, enquanto nos
referimos a jornais, e no caso mais específico, o Jornal A União, no século
XX, e mais propriamente, entre os anos de 1964 a 1969, e durante esse
período muita coisa mudou nos jornais brasileiros, quando muitos deles
buscaram se profissionalizar, assumindo um papel mais imparcial na
busca e transmissão de informações.
De Acordo com Isabel Lustosa (2013, p 15), “o jornal ao
incumbir novos hábitos e operar transformações nas vidas dos homens”,
passou a ser visto como fonte de ilustração e instrução, que naquele
contexto autoritário de educação, o jornalista se confundia com o
educador e o jornal passava a ocupar o lugar que as instituições escolares
deveriam ocupar, formando e ditando o gosto e até mesmo o
pensamento popular.
Propomo-nos aqui analisar, enfim, como o jornal A União
contribuiu com o Ditadura Militar para consolidar a ideia de Educação
de qualidade e desenvolvimentista, pregado pelo regime autoritário,
como também demonstrar que as raízes autoritárias de ensino
permaneceram vivas dentro dos jornais e que com a emergência do novo
governo em 1964, tornaram-se ainda mais fortes dentro da sociedade
brasileira.
A escolha do referido jornal se deu devido a sua relação estreita
com os órgãos governamentais, no Estado da Paraíba, sendo o veículo
oficial de comunicação do governo e foram utilizados métodos de
análises de conteúdo, assim como no processo de análise da literatura

256
acadêmica, como também seu posicionamento em relação a educação
estadual paraibana, nos primeiros anos da Ditadura no Brasil.
O cenário inicial
Os anos que se estendem de 1964 a 1969 constituem marco
relevante para a história do Brasil, tendo em vista a reorganização do
ensino e da sociedade, atrelada a política internacional, além da
socialização da Constituição de 1967, que institucionalizava o Regime
Militar, com todas as medidas adotadas até aquele presente.
De acordo com Hobsbawn (2007), em plena década de 1960, o
mundo vivenciava um período de tão difícil classificação, devido a uma
falta de definição de paz ou guerra, que foi criado o neologismo de
“Guerra Fria”, que em termos mais objetivos, consistia numa “retórica
apocalíptica” entre a União soviética, que liderava o bloco de países
chamados de socialistas e entre os Estados Unidos, que liderava o bloco
de países capitalistas e na capacidade de ambas em influenciar os demais
países, em especial os do chamado “Terceiro Mundo”.
Nos anos 1960, o acirramento das disputas ideológicas e dos
conflitos entre os dois blocos, refletiu-se em diversos e numerosos
conflitos. Os questionamentos, as revoltas e a radicalização estiveram,
em maior ou menor grau, presentes nos países das Américas, inclusive
no Brasil, refletindo em posições cada vez mais extremistas à esquerda e
à direita dos partidos políticos que disputavam o poder.
No Brasil, o imperialismo norte-americano contribuiu de
maneira decisiva para a queda do presidente João Goulart em 1964 e a
ascensão dos militares ao poder que duraria até 1985. Nesse período, de
acordo com Cunha e Góes (1985), a crise brasileira era generalizada,
atingindo a econômica, a sociedade e a política.

“Desde o Movimento de 1930 – resposta tupiniquim a crise


de 1929 do capitalismo internacional – que o Brasil
procurava saídas face à ruptura de republica agro-
exportadora, à crescente urbanização e a influência dos
militares que desejavam construir as próprias armas [...] O
primeiro patamar do novo modelo foi construído por
Vargas, com Volta Redonda, negociando com os
americanos o apoio do Brasil aos Aliados na segunda Guerra

257
Mundial. Direcionando-se o pais para a industrialização
(CUNHA; GÓES, 1985 p 8).

Cunha e Góes (1985) afirma que com a reordenação que se


processou durante o Estado Novo, o estado incorporou setores da classe
dominante com interesses voltados para o setor industrial, procurando
conciliar capital e trabalho. No final dos anos de 1950 2, este processo
parecia está quase concluído, contudo, caberia ao presidente João
Goulart consolidar tal posicionamento brasileiro perante os grupos
internacionais.
No início da década de 1960, o presidente João Goulart se
encontrava diante de uma situação de confronto entre abrir o mercado
interno para a produção nacional ou continuar exportando a nossa
produção. A situação política era instável, os discursos dos palanques
continuaram “imunes” a situação de miséria e de pobreza que afligia a
grande maioria da população brasileira (CUNHA; GÓES, 1985 p 9).
O populismo, de acordo com Cunha e Góes (1985) esgotou-se
pelo avanço das camadas urbanas e dos setores ligados ao campo que
escaparam do controle dos grupos dominantes, e que passaram a se
sentir ameaçadas com as reformas propostas pelo presidente e sem
condições políticas para se transformar em 1964, deixou a cena para o
novo Estado tecnocrático-civil-militar, comandados pela
internacionalização do capital, que se aprofundará e dirigidos pela
tradicional classe dominante com uma nova proposta de modernização
e se utilizando de todos os meios e comunicação para dar sustentabi-
lidade ao regime, entre eles o Jornal A União.
O Estado brasileiro a partir de 1964
No novo cenário que se instalou no país, houve um declínio na
vontade dos cidadãos de participar da política, assim como na efetividade
da maneira clássica – a única legítima, segundo a teoria convencional –
de exercer a cidadania, ou seja, a eleição, por sufrágio universal, dos que

2O Setor Industrial no Brasil se tornou hegemônico com a adoção do modelo de substituição de


importações, durante as décadas de 1950 e 1960, contudo, para se consolidar de vez, era
necessário ampliar o mercado interno e para isso acontecer, era preciso diminuir as importações,
prejudicando assim, os interesses internacionais na nossa economia.

258
representam “o povo” e estão por isso mesmo autorizados a governar
em seu nome. Entre as eleições – ou seja, por vários anos, normalmente
–, a democracia existe apenas como ameaça potencial à sua reeleição ou
à dos seus partidos (HOBSBAWN, 2007, p. 107).
Com o novo regime, o Brasil perdeu, ao menos
momentaneamente, a vontade de participação popular, e os núcleos
pensantes da sociedade, foram perseguidos, e na grande maioria das
vezes, exterminados. Para Rollemberg e Quadrat (2010) é preciso
entender que as ditaduras devem ser interpretadas como produto social,
ou seja, a população, ou a grande maioria deve legitimar o sistema, como
fez parte dele e como contribuiu para mantê-la no poder.
Defende-se então a ideia de que o espetáculo da política e da
economia, que dão base e sustentabilidade ao regime, se faz presente nos
discursos dos meios de comunicação, que cria polêmicas, que altera a
realidade, mas que apesar de transformar o real, seus discursos partem
de algo evidente: no caso específico da pesquisa mencionada, a Educação
e os possíveis avanços no sistema.
A educação brasileira, a partir de 1964, da mesma forma que os
outros setores da vida nacional, passou a ser vítima do autoritarismo que
se instalou no país. Reformas foram efetuadas em todos os níveis de
ensino, impostas de cima para baixo, sem a participação dos maiores
interessados, que eram os alunos, professores e outros setores populares
da sociedade. Para Germano (1994), os resultados do regime militar para
a educação são elevados índices de repetência e evasão escolar, escolas
com deficiências de recursos materiais e humanos, professores mal
remunerados e sem motivação para trabalhar, além de elevadas taxas de
analfabetismo.
Com a chegada do novo regime, freou-se os pequenos avanços
e conquistas da Educação popular, alcançadas no período anterior. No
campo político partidário, parlamentares perderam seus mandatos,
alguns foram presos e outros exilados, milhares de funcionários públicos
foram destituídos dos seus cargos e submetidos a inquéritos policiais
militares, as eleições passariam a ser por via indireta. Os sindicatos foram
invadidos pela polícia, milhares de líderes sindicais foram destituídos de
seus cargos, muitos foram presos e torturados, sendo acusados de

259
subalternos e comunistas, fazendo com que as greves deixassem de
existir, devido a forte e violenta repressão (GERMANO, 1994).
No campo econômico, acelerou-se a concentração da riqueza
nas mãos dos grandes latifundiários rurais e a reforma agrária,
praticamente tornou-se inexistente. A renda urbana e rural, extrema-
mente mal distribuída, continuou e se ampliou ainda mais durante a
vigência do regime, tornando os ricos ainda mais ricos e os pobres ainda
mais pobres, com salários mais arrochados, ao tempo que os preços dos
produtos disparavam graças às altas taxas de inflação. As condições de
vida da imensa maioria da população continuaram sempre mais precárias:
no campo, sem a posse da terra, e com o julgo dos grandes latifundiários,
fez com que milhares de brasileiros migrassem do campo para as cidades,
que tiveram seus problemas multiplicados pelo inchaço populacional.
Nestas, a especulação imobiliária, a falta de trabalho, a ausência
de saneamento básico e de condições mínimas de higiene, a precária e
insuficiente assistência médica e muitos outros fatores conduziram
milhões de brasileiros a viverem em favelas, cortiços, sob viadutos ou
nas ruas, sem as mínimas possibilidades de uma vida digna, com altas
taxas de mortalidade infantil, com o crescimento índices de doenças
contagiosas fazendo dos brasileiros um povo doente e faminto. Todo
esse processo de empobrecimento e de marginalização do povo ocorreu
ao mesmo tempo em que as multinacionais se apoderaram de quase
todos os setores da economia nacional, sendo, no período, controlada
pelo Fundo Monetário Internacional, ligado aos Estados Unidos (FICO,
2014).
O regime militar e a educação
Para Germano (1994) e Cunha e Góis (1985) o período
ditatorial que serviram de palco para o revezamento dos presidentes
generais, se pautou em termos educacionais pela repressão, privatização
de ensino, exclusão de boa parcela das classes populares do ensino
elementar de boa qualidade, institucionalização do ensino profis-
sionalizante, tecnicismo pedagógico e desmobilização do magistério
através de abundante e confusa legislação Educacional.

260
A burguesia industrial apesar de usufruir os benefícios
proporcionados pela política governamental, passou, após 1964, a ser
tutelado pela tecnoburocracia militar e civil, passaram a tomar decisões
governamentais sem a consulta das partes interessadas que sustentavam
o regime autoritário. Assim, de acordo com Cunha e Góis (1985) é que
a política salarial, agrícola, fiscal e, principalmente, a política educacional
passaram a descontentar não somente as classes populares e educacional,
passaram a descontentar também setores médios, afastados de qualquer
controle da sociedade política, e até mesmo as elites e classes altas que a
haviam dado apoio ao movimento de 1964.
Para Ghiraldelli Jr (1995), um exemplo claro desde descom-
passo crescente entre os governantes e os próprios interesses das elites
pode ser observado, em especial, na política educacional da ditadura e
mais propriamente nas reformas do ensino universitário, promovida pela
Lei 5.540/68 e pela reforma do ensino Médio, promovida pela lei
5.692/71. Esse descompasso pode ser percebido pela ampliação da
censura e do controle social imposto pelo Ato Institucional nº 5 de 1968.
Entre o início da instauração do poder pelos militares em 1964
até janeiro de 1968 foram firmados doze acordos entre o Ministério da
Educação e Cultura (MEC) e United States Agency for International
Development (USAID), o que demonstra o interesse norte americano
na educação do povo brasileiro.
O jornal A União
A União é um jornal estatal paraibano3, editado na cidade de
João Pessoa, Paraíba, Brasil. Trata-se do único jornal oficial ainda
existente no Brasil. Foi fundado no dia 2 de fevereiro de 1893 pelo então
presidente da Província, Álvaro Machado, e seu primeiro diretor foi o
industrial e jornalista Tito Silva. O jornal surgiu como órgão do Partido
Republicano do Estado da Paraíba, agremiação fundada pelo próprio
Álvaro Machado.
Pereira (2012, p. 1127) analisa que o conteúdo veiculado era
“baseado no enaltecimento das obras públicas implantadas pelo governo
vigente”, discussões públicas que espelhavam a correlação de forças

3 Ver: http://ihgp.net/pb500p.htm Acesso em 15 de janeiro de 2015;

261
políticas, bem como temas dos mais diversos assuntos que de alguma
forma engrandeciam os atos do governo nacional e local. Destaca-se o
uso de suas estratégias discursivas visando influenciar o leitor quanto ao
(sempre) bom desempenho político do governo da época. Isso é
utilizado durante este estudo por considerar como forma de observar e
analisar este jornal como fonte “que expressava o ponto de vista de quem
o produz” (PEREIRA, 2012, p. 1128).
O jornal A União vai dar destaque as notícias e mudanças
referentes a esse novo momento, apresentando discursos de intelectuais
do período e propagando as ações pedagógicas patrióticas. O enfoque
dado à “Revolução” nesse período é bastante perceptível nas páginas do
jornal e é possível constatar o objetivo do governo de estímulo e
incentivo a uma consciência nacional para a legitimação do novo sistema.
Em relação à educação, o jornal expressa suas ideias e valores
educativos, auxiliando a entender as relações entre sociedade e educação
e vice‐ versa. Nesse processo podemos perceber como a fonte se torna
elemento que demonstra (ou não) como o governo age (neste caso,
fazendo alusão a classes que detêm o poder ou estão no poder) para fazer
chegar aos demais e à sociedade suas formas de ver o mundo.
Durante os cinco primeiros anos de Regime Militar, o jornal se
destinava a (in)formar aquelas pessoas que por algum motivo não
dispunham dos acontecimentos da vida política, como também servia de
porta voz do governo, atingindo de forma mais rápida as casas dos
paraibanos. As pessoas não se dirigiam à escola, ou a outro lugar para
aprender de como deveria se comportar ou o que acontecia nas ruas. O
jornal chegava semanalmente às suas casas ou oficinas. A velocidade na
circulação do jornal mantinha acesa a chama do debate e, além disso, o
periódico se destinava indistintamente a todos e por isso poderia prestar
a sua contribuição à reforma social almejada pelo governo.
Ainda em 1964, no jornal, disseminou-se os discursos de ações
do “governo revolucionário” em todas as suas abrangências, inclusive na
educação,

O Esforço cooperativo de brasileiros e norte-americanos na


Aliança para o Progresso pretendia construir em três anos,
no Nordeste, cerca de 14 mil salas de aula, remodelar 1600,

262
construir 55 escolas normais e centros de treinamentos;
edificar 56 centros áudio-visuais de educação; e construir 57
escolas industriais. Serão treinados, no mesmo período,
cerca de 22 mil professores leigos.
Esse programa alfabetizará em três anos, cerca de 600 mil
adultos (A UNIÂO, 23 de maio de 1964 p. 16).

Matérias como essa contribuiu de maneira decisiva para o


decisivo apoio da população ao novo regime que estava se erguendo,
contribuindo também com o imaginário das famílias paraibanas que
sonhavam com uma melhoria e mais facilidade ao acesso à educação, e
se tornava ainda tema central para uma legitimidade do governo que
rompera com a ordem democrática ao destituir o presidente João
Goulart. Notamos também, a contribuição dos Estados Unidos para a
consolidação da “revolução”, visto que

Os secretários de Educação do Nordeste farão viagem aos


Estados Unidos, brevemente, sob as auspicias da Agência
para o desenvolvimento Internacional (USAID), órgão que
coordena a participação norte-americana na Aliança para o
Progresso.
Nos Estados Unidos os secretários nordestinos terão a
oportunidade de observar o desenvolvimento de programas
de educação municipais, estaduais e federal; alfabetização de
adultos, educação profissional; e de escolas rurais. (A
UNIÂO, 23 de maio de 1964 p. 16)

Além de representar a porta voz do novo governo, o jornal A


União também trazia notícias e reportagens sobre figuras centrais do
cenário político paraibano. Uma dessas figuras foi o Ministro, gover-
nador e Senador, José Américo de Almeida4, que constantemente, redigia
discursos, tantos políticos quanto literários.

4 José Américo de Almeida, escritor e político paraibano, apoiou o golpe que levou Vargas ao
poder em 1930, sendo um dos seus principais auxiliares, exercendo o cargo de Ministro da
Aviação. Na grave seca de 1932, chegou a ser considerado o salvador do nordeste. Chegou a
concorrer ao cargo de presidente em 1937, mas foi frustrado pelo golpe do Estado Novo de
Vargas. Voltou a político em 1950, sendo eleito governador do Estado da Paraíba, numa das
mais acirradas corridas políticas da história da Paraíba (A UNIÂO, 12 de Abril de 1950). Depois,
elegeu-se senador, e novamente, no governo de Vargas, exerceu o cargo de Ministro. Deu apoio
ao golpe civil militar de 1964, tornando-se uma das figuras políticas mais importantes do período
na Paraíba. Morreu em 1980, em João Pessoa.

263
Em um dos seus muitos discursos, o Ministro José Américo de
Almeida homenageou os professores, fazendo apologia aos seus tempos
de infância quando era aluno da Professora Julia Leal (A UNIÃO, 15 de
outubro de 1966). Nos discursos, buscava-se sempre mascarar o regime
autoritário como sendo democrático e participativo, além é claro, de
“salvadosista”, afastando os grandes erros e ameaças do passado. Em
seus discursos, José Américo de Almeida, exortava o povo paraibano
como de grande potencial, sendo capaz de transformar a realidade do
Estado com esforço e dedicação (A UNIÃO, 15 de outubro de 1966).
A imprensa paraibana iria utilizar de todas as armas possíveis
para contribuir para a consolidação do regime autoritário, uma vez que

Como parte da propaganda, a notícia seria influenciada por


estes princípios em vários países do mundo, em especial nas
épocas de conflito. Na Primeira Guerra, por exemplo, os
Estados Unidos criaram o Committee on Public
Information. Ligado diretamente à presidência, o órgão
tinha o objetivo de vender a guerra aos norte-americanos,
além de funcionar como serviço de censura: os jornalistas
eram proibidos de fazer críticas à política governamental. O
processo se repetiu, de forma mais branda, na Segunda
Guerra e voltou nos conflitos mais recentes, como na
intervenção dos marines na Ilha de Granada, em 1983; na
Guerra do Vietnã (1962 – 1975); e nas Guerras do Golfo
(1990- 1991/2) e do Iraque (em curso) (SOUZA, 2005 p 23).

Além dos EUA, os estudos de Souza (2005) demonstram que


na França, o Maison de la presse; na Grã-Bretanha, o Empire Marketing
Board; na Alemanha, o Escritório de Notícias. Matérias em jornais,
filmes-documentários, emissões radiofônicas intercontinentais e outras
ações procuravam tornar públicos os atos do governo, atraindo, desta
forma, a simpatia dos públicos interno e externo.
Na argumentação de Fico (2008), é preciso estar atento para as
relações conflituosas entre memória e História, por onde identifica que
partidos políticos, organizações de oposicionistas da sociedade civil e
setores conservadores atuaram por meio da imprensa em prol da
desqualificação e desestabilização de governos demonstram a agitação e

264
contribuição para desestabilidade política e consequentemente para a
governabilidade da nação.
Dentro desse contexto, o jornal A União não passou imune, se
tornando o principal porta voz do regime autoritário no Estado, além de
cumprir o papel que considerava legítimo em relação a defesa de seu
capital A mídia tornou-se um mais poderoso instrumento ideológico na
preparação e respaldo do regime militar.
Considerações finais
De forma clara, podemos entender que as diretrizes que
guiavam a Guerra Fria direcionaram o Brasil rumo ao desfecho de 1964,
com a tomada do poder pelos militares que ali permaneceram por 21
anos. Percebemos também que durante esse período, muitos que
contribuíram de forma decisiva para o golpe, foram excluídos das
tomadas do poder, e passaram a fazer “oposição” ao novo regime,
contudo pouca diferença fez no novo cenário que estava se
configurando.
Uma vez no poder, os militares fizeram uso dos meios de
comunicação para conseguir o apoio da população para assim, legitimar-
se como governo dos brasileiros. Na Paraíba, destacou-se as notícias
veiculadas no jornal A União, que é o jornal Oficial do Estado, sendo
por isso, considerado porta voz do governo.
Durante todo o período, foram divulgadas as ações do governo,
e manchetes destacando a atuação do governo militar para a melhoria de
vida da população, como também, eram divulgadas as ações de âmbito
local, relacionadas com o cotidiano e também com a Educação.
O jornal A União também deu destaque as ações relacionadas
com a Educação, considerando que a Paraíba era um dos Estados mais
pobres do Brasil, e com alto número de analfabetos. Com isso,
consideramos que com a facilidade de chegar a todos, passando notícias
oficiais, o jornal A União contribuiu para a consolidação do Regime
Autoritário na Paraíba.
Assim, fazendo utilização de um moralismo autocrático,
salvacionista, além de diversos debates que se apresentam, além de
buscar demonizar tudo e todos aqueles contrários ao golpe de 1964, o

265
jornal A União ainda contribuiu para manter a estrutura autoritária da
sociedade paraibana, uma vez que era totalmente contrário a preceitos
ligados a igualdade social e a justiça, que repetitivamente faziam uso da
máquina administrativa e da imprensa para o controle social.

266
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271
DNA Educação

RAIMUNDO CARNEIRO CORRÊA, EDUCADOR-


ESCRITOR-PERSONALIDADE
ESPERANTINOPENSE:
UM GIRO POR SUA BIOGRAFIA.
João Israel da Silva Azevedo1
RESUMO:
O presente artigo procura analisar o trabalho e a vida do ilustre educador
e escritor Raimundo Carneiro Corrêa como personalidade esperantino-
pense e a sua enorme contribuição literária para a vida deste povo,
impulsionando assim a produção literária maranhense.
Palavras-chave: Educador, Memória, Esperantinópolis.
ABSTRACT:
This article analyzes the work and the life of the illustrious educator and
writer Raimundo Carneiro Corrêa as an Esperanto personality and his
enormous literary contribution to the life of this people, thus boosting
the Maranhão literary production.
Keywords: Educator, Memory, Esperantinópolis.

1 João Israel da Silva Azevedo –Bacharelando em Serviço Social na Faculdade de Educação


Memorial Adelaide Franco - FEMAF e de Licenciatura em Filosofia na Universidade
Metropolitana de Santos - UNIMES. Artesão, editor e Pesquisador da Educação. E-mail:
joaoisrael2009@hotmail.com . Curriculo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8508312654334831

272
Raimundo Carneiro Corrêa, político, educador e escritor é
autodidata, onde despontou para a vida em Esperantinópolis/MA, uma
pacata cidade do médio Mearim – aos 07 de julho de 1940, sendo o 4º
filho e caçula do casal Maria José Carneiro e Severino Corrêa.
Uma familia muito humilde e bem vista, onde Severino era
lavrador com pouca leitura e instrução; Maria José, dona de casa, vivia e
trabalhava para a familia numa casa simples de chão batido. Desde a
infância, Raimundo Corrêa sempre foi fascinado pelas matérias escolares
Lingua Portuguesa e História, e assim o autor demonstrava o interesse
pelas letras. Na época do ainda povoado, que hoje é a cidade de
Esperantinópolis, Corrêa (2014 p. 151) registra uma de suas lembranças

“Livros, eram raros. Ajudavam muito os livretos de cordel,


romances em que se aprendia a ler e a cantar. Um desses
romances, que meu pai gostava muito, o de “Coco Verde e
Melancia”, poema de amor de Armando e Rosa, um Romeu
e Julieta nordestino. E as versões anuais do Almanaque do
Pensamento, onde li que existe ‘Papai Noel’. Para nós
crianças de Boa Esperança, porque não havia estradas, em
dezembro, já a estrada estava intransitável para carros, daí
que ‘Papai Noel’ nunca nos veio ver.”

Raimundo Corrêa, acompanhou a criação-fundação-instalação


da cidade de Esperantinópolis, antigo povoado Boa Esperança do
Mearim, que foi desbravada pelo caçador Cândido Mendes no ano de
1910, e mais adiante iniciou a povoação que se denominou inicialmente
de Centro do Boi, que deu origem à cidade de Esperantinópolis. Corrêa
(2014 p. 74) documenta que

“A comemoração do ser Cidade de Esperantinópolis, a


alegria vestido de seda das senhoras, roupa nova das
crianças, brilhantina coty em meus cabelos, terno e gravata
dos senhores, com um porquê solene, foi o primeiro Dia da
Cidade que ocorreu a 27 de junho de 1954. Quando estava
presente o Dr. Regino de Carvalho, Juiz de Direito da
Comarca de Pedreiras, especialmente designado pelo
Tribunal de Justiça do Estado, para, ao lado do Deputado
Jefferson Rodrigues Moreira, presidir a sessão solene de
instalação do Município de Esperantinópolis criado pela Lei
Estadual nº 1.139, de 27 de abril de 1954. Lavrou a Ata o

273
Escrivão João Pinto Neto, em que consta a posse do
Prefeito Interino, nomeado por ato do Governador do
Estado, o Senhor Antônio Leal Arraes. ”

Alavancado pela carência de um registro de resumo histórico


de sua cidade, escreveu “Notas Históricas de Esperantinópolis” na
década de 1970, como trabalho estudantil escolar, foi tão notável que
mereceu publicação por três edições. Assim a valorização do passado
como forma de construção do presente do futuro é uma das
caracteristicas do autor.

[...] desde a mais alta Antigüidade, o homem demonstrou a


necessidade de conservar sua própria “memória”
inicialmente sob a forma oral, depois sob a forma de graffiti
e desenhos e, enfim, graças a um sistema codificado... A
memória assim registrada e conservada constituiu e constitui
ainda a base de toda atividade humana: a existência de um
grupo social seria impossível sem o registro da memória, ou
seja, sem os arquivos (LODOLINI, 1990 apud JARDIM,
1995, p. 4).

Assim a sua vida literária consiste em inúmeras apurações,


análises e estudos, para que seja fundamentada a pesquisa, pois assim
antes de qualquer coisa, é firmada na construção do conhecimento
histórico. Desse modo o fazedor de história, produtor da memória do
conhecimento investiga as variadas formas de história que são postas em
evidência e como ela pode ajudar a construir uma historicidade na
sociedade contemporânea Esperantinopense.
Sob o ponto de vista de Pereira, a memória é considerada como

[...] a capacidade de adquirir, armazenar e recuperar


informações disponíveis tanto no cérebro como em outros
mecanismos artificiais como, por exemplo, (sic) a memória
de um computador, ou nos documentos de arquivo. [...] É
através dela que damos significado ao cotidiano (PEREIRA,
2011, p. 23).

Podemos então reconhecer que o trabalho literário memorista


não nos fita ao passado, mas nos dirige com mais firmeza e convicção
para o enfrentamento dos problemas atuais. De acordo com Pereira

274
“A construção da memória está estreitamente vinculada ao
acesso à informação, que por sua vez está vinculada à
organização dos seus suportes materiais. ” (PEREIRA,
2011, p. 20).

Moreira (2005, p. 1) evidencia que “A Memória, no sentido


primeiro da expressão, é a presença do passado. ” E que “A memória é
uma construção psíquica e intelectual que acarreta de fato uma
representação seletiva do passado, que nunca é somente aquela do
indivíduo, mas de um indivíduo inserido num contexto”. Sobre memória
e documentação, Indolfo esclarece o seguinte

“O documento ou, ainda, a informação registrada, sempre


foi o instrumento de base do registro das ações de todas as
administrações, ao longo de sua produção e utilização, pelas
mais diversas sociedades e civilizações, épocas e regimes.
Entretanto, basta reconhecer que os documentos serviram
e servem tanto para a comprovação dos direitos e para o
exercício do poder, como para o registro da memória”
(INDOLFO, 2007, p. 29).

Podemos elencar que não se vive do passado, se vive do


presente e do futuro, mas para se entender e viver as transformações
inerentes a que um povo tem passado no desenrolar-se dos tempos, é
indispensável explorar como era antes no prelúdio de sua construção.
Assim, a compreensão e a valorização da cultura local revelam o fomento
ao desenvolvimento da região.
A memória é um emaranhado que envolve um processo muito
complexo e autêntico, em uma constante de luta na disputa pelo controle
do que deve ser lembrado ou esquecido. Assim, a memória pode nos
remeter a um modelo contemporaneo de sociedade, para apontar tantos
exemplos do que deu certo como de que deu errado. Hobsbawm (1998,
p. 22) afirma que

“Todo ser humano tem consciência do passado (definido


como o período imediatamente anterior aos eventos
registrados na memória de um indivíduo) em virtude de
viver com pessoas mais velhas. Provavelmente todas as
sociedades que interessam ao historiador tenham um

275
passado, pois mesmo as colônias mais inovadoras são
povoadas por pessoas oriundas de alguma sociedade que já
conta com uma longa história. Ser membro de uma
comunidade humano é situar-se em ralação a seu passado
(ou da comunidade) ainda que apenas para rejeitá-lo. O
passado é, portanto, uma dimensão permanente da
consciência humana. O problema para os historiadores é
analisar a natureza desse “sentido do passado” na sociedade
e localizar suas mudanças e transformações”

Já motivado, dando alguns passos na literatura esperantino-


pense, é de sua autoria os símbolos municipais – brasão, bandeira e hino,
onde viu a necessidade de beleza estética e de uma canção sobre o tema
Esperantinópolis, para a recém emancipada cidade. Corrêa (2014 p.105,
168) discorre sobre o Hino e o Brasão Municipal com as seguintes
palavras

“Não havia, até então, quem tivesse escrito versos, feito


canções sobre o tema Esperantinópolis. Na escola, o
Professor Omar Barroso Maia, em aulas de português sobre
versificação, sugeriu-nos escrever em versos algo sobre a
Cidade. Tanta coisa bonita tem Esperantinópolis, o quê? O
sol, as flores de maio, os montes verdes, o sorriso-olhar-
amor de seu povo... E, aí, o primeiro verso: “Toda encanto
és, minha terra”, redondilha maior, popular, boa para
musicar, tarefa para a então minha namorada e iniciante já
na sua arte de compor e cantar, a Graça Lima. Saiu uma
canção, a primeira música com o tema nome
Esperantinópolis, refrão com as palmeiras, das de
Gonçalves Dias, e com as “ledas brisas modulando”, sempre
romântico, do que eu não me arrependo.
(...) incursionei no mundo da heráldica e criei o Brasão
Municipal e escrevi a letra do Hino da Cidade que, a 27 de
abril de 1974, Graça Lima em ato de inauguração da
Biblioteca Pública Municipal, cantou-o com sua música, o
primeiro poema escrito sobre Esperantinópolis.”

Podemos conferir mais a frente, que Corrêa (2014 p.108)


explica o significado da bandeira

“Bandeira verde, do verde esperança, esperança que é uma


estrela, estrela do povo que habita e constrói este Município

276
de Esperantinópolis”, representado na faixa tricolor
(branco, preto, vermelho) que a atravessa, lembrando nossa
pertença à maranhensidade.”

A Bandeira, brasão de armas e hino são símbolos cívicos típicos


que conceituam e descrevem a história e as características e
particularidade de cada município. Desse modo, os símbolos cívicos são
formas de representação da comunidades e da ilustração que ela tem de
si mesma, retratando a identidade do município, sua evolução política-
social-econômica, além de seus costumes, tradições, arte e religião.
E daí por diante, o escritor dedicou-se às causas da educação,
da cultura e da democracia, foi um agente protagonista de inúmeras lutas
e movimentos nos quais sofreu derrotas e colheu com disposição
vitórias. E assim, publicou muitos livros, “Noite dos Palmeirais”, contos
(1973); “Trincheira do Azul”, crônicas (1989); “As vaias da galera”
romance (1994) – em que podemos evidenciar destacando quefoi um
genero literario premiado em concurso do Plano Editorial
SECMA/SIOGE; “Abril”, crônicas (2010) e “Mandinga”, romance
(2012); “Moendas e Fusos”, memórias (2014). Nás páginas do livro
“Moendas e Fusos”, Corrêa (2014 p.170) argumenta que

“Em 1994, participei do concurso do Plano Editorial


SIOGE/SECMA com o romance As Vaias da Galera, meu
4ºlivro. Com surpresa, recebi, pelo radialista Nilton Lee, a
boa notícia da escolha pela Comissão de Leitura de meu
livro. Desta forma, agradecido, reconheci-me aceito entre os
escritores maranhenses.”

Evidencia-se, assim a grande e notória contribuição do escritor


para com a produção literária e memorialista esperantinopense. E com
muito recato, Corrêa (2014 p.152) pondera que

“Tornei-me escrevedor. Não sou o poeta, apesar de fazer


alguns versos, mas porque escrevo cartas de amor. E diz
Fernando Pessoa que ‘as cartas de amor são ridículas’. Mas,
como é bom fazer os outros rirem!”

Assim Nogueira (2001) destaca que "A valorização da história


local é o ponto de partida para esse processo de formação do cidadão".

277
Manter vinculos de estima e patriotismo com o lugar onde vive, conhecer
sua história e ter consciência de onde se está é um exercício de cidadania
que se inicia na infância e que resulta, em um cidadão consiente, e ativo
socialmente.
Encantando com o primor e a beleza da jovem chamada Graça
Lima, Raimundo Corrêa – no ápice de sua juventude – para formar um
relacionamento sólido, casou-se com ela, e o que eram duas criaturas
incompletas se torna um, inteiro com quem partilharam de muito afeto
mútuo, brotando assim três filhos: Cristiana, Clênio e Clarissa, a caçula.
Como se conheceram? Muito simples, a cidade era muito pequena, todo
mundo conhecia todo mundo, o amor os tocou, namoraram e casaram -
um casamento embasado na paciência, simplicidade, colaboração,
respeito acima de tudo no amor. Nos demonstra claramente Corrêa
(2014 p. 153) que, falando sobre sua residência, adentra no assunto,
falando de sua família

“Construí esta casa com meu pai, no ano de 1970. Casei-me


com Graça Lima e aqui tivemos nossos três filhos, a
Cristiana, o Clênio e a Clarissa. A opção pelos nomes deles
em “cês” não foi pré-determinada, mas de uma procura de
beleza palavra nome que lhes dissesse do quanto os
amamos, se os chamamos para perto de nós, mas com a
liberdade de serem mulheres e homem a saber o que são.
Até agora, nosso endereço tem sido o endereço do partido,
da associação cultural, ponto do encontro musical com
Graça Lima, da reunião da Academia Esperantinopense de
Letras e de nossas rezas onde rezamos por tudo, pela
política, pelas artes, pela economia, pela felicidade, pelo
amor que possa nos unir cada vez mais.

Paralelo a função de produtor literário, Raimundo Corrêa foi


vereador por dois mandatos entre as décadas de 1970 a 1976, foi
candidato a prefeito em Esperantinópolis em 1988 - sofrendo derrota
nas urnas, exerceu também a função de Secretário Municipal de
Educação de Esperantinópolis na época de 1970 a 1973 e mais adiante
de 1997 a 2008. Diretor de escolas, co-fundador do Colégio Cláudio
Carneiro, Formação de Professores e Técnicos em Contabilidade em
1973 e da Associação Movimento Artístico de Esperantinópolis - AMAE

278
em 1988, e assim se fez parte integrante da história esperantinopense,
tornando-se assim um baluarte da pacata cidade do médio Mearim.
Corrêa (2014 p. 149) lembra muito bem, no cinquentenário da cidade
que

“Esperantinópolis (...) De que se teceu memórias do


Paleógrafo do Mestre Júlio Melo de Albuquerque, do tear de
Teresa Gomes, do gosto por jardins de Maria Monteiro, da
paixão desportiva de Constâncio Rodrigues, dos tons
musicais sanfoneiros de Newton Luna a ensinar filhos,
Pedrinho, Newtinho... Porque a cidade é a expressão do
amor-arte do seu povo que cultiva a terra, trabalha a
madeira, o ferro, a pedra, a argila, negocia bens, guarda
memórias, diz a palavra linguagem dos encontros, das
construções, dos negócios, dos parlamentos e das rezas.”

A Literatura Maranhense é esplêndida, cheia de encantos a


descrever as belezas da nossa terra. Raimundo Corrêa é membro
fundador da Academia Esperantinopense de Letras – AEL em 2008,
ocupante da cadeira nº 01, patronado por Olímpio Cruz. Com muito
gosto pela leitura, seus escritores favoritos são: Gonçalves Dias, Castro
Alves, Bandeira Tribuzi, Jorge Amado, João Guimarães Rosa, Nauro
Machado, Ferreira Gullar, Clarice Lispector, Arlete da Cruz Machado,
Rachel de Queiroz e entre outros. Corrêa acerca da literatura (2014 p.
170) comenta que

“Quantos livros lidos, a preocupação pela formação


acadêmica, tempo de espera e ação a se construir para em
2008, se fundar a Academia Esperantinopense de Letras,
com Raimundo Carneiro Corrêa, Edézio Monteiro da Silva,
Maria das Graças Lima Corrêa, Domingas Alcântara da
Cruz, Raimundo Jovita de Arruda Bonfim, Márcia Fernanda
Silva Figueredo, Albertina Carneiro Arruda, Elizeu Lima
Nascimento, Ana Néres Pessoa Lima Góes, Claudionel
Carneiro de Souza, Sandra Gomes Ibiapino Marinho, Arlete
de Souza Medeiros, Expedita de Araújo Silva, Maria Ires
Clementino da Silva, Kelly Cristina Jovita Leite Santos, Ielde
Simone Alencar Silveira, Jerry Adriany Rodrigues
Nascimento, Josué Gonçalves de Lima. São estes, escritores,
que também exercem profissões do mundo das ciências da
educação, das medicinas, humana e veterinária, da

279
Contabilidade, das comunicações, artistas também do
teatro, da música, das artes plásticas”

É notório a presença de características românticas nas obras do


escrito Raimundo Corrêa, onde valoriza-se as emoções, temas religiosos,
nacionalismo e a história. Corrêa (2010 p. 14) faz confissão e conta mais

“Confesso-te que sou romântico. Assumo-me romântico.


Comecei a ler e a liberdade me tomava, comigo voava no
desejo de ver a vida nos discursos escritos que em prosa e
verso me diziam das dores de quem nasce dos livros a ler.
Porque vê e começa a amar o que pôde conhecer. Não! Não
me arrependo de ter lido José de Alencar, Gonçalves Dias,
Castro Alves... Como eu compreenderia Jorge Amado,
como eu teria feito minha romaria com a Zefa pela Seara
Vermelha, se o meu amor não fosse romântico? Romântico,
fiz escudos, bandeiras, hinos e subi aos palanques menino,
mas com o “auriverde pendão da minha terra” dos Poetas
dos Escravos, que Luís Carlos Prestes também tomou e nele
escreveu o amor que leu e aprendeu na linha Coluna que o
Brasil lhe deu. Caminhei, conheci, amei São Luís de Tribuzi,
Montello, José Chagas e não me consolo da dor por que a
poesia maranhense chora com a Fonte do Ribeirão pelos
seus meninos e meninas de rua, pelos seus maranhões de
analfabetismo gerados pelas magias que tiram do povo o
direito de ter uma boa escola. Mas, que bom! Viva o p ovo
brasileiro que o João Ubaldo Ribeiro vivou e a mim me
lembrou para que eu fizesse este discurso romântico. Quem
sabe! Maria da Fé o possa guardar na canastra do saber de
que se vive e se aviva nós, povo romântico brasileiro. ”

Para a escolha, com tanto gosto e admiração, podemos supor,


o então patronato Olímpio Cruz, que marcou a vida do autor, assim
Corrêa (2014 p. 151) diz que

“Pelo ano de 1953, em Barra do Corda, o poeta Olímpio


Cruz lança seu livro ‘Canção do Abandono’, que chegou em
Boa Esperança trazido por Cláudio Carneiro de Souza, uns
dez exemplares, e um deles meu pai o comprou para mim.
Foi o meu primeiro livro de leitura, leitura em versos para as
recitações em que me exercitava no trabalho da leitura e
oratória. ”

280
Raimundo Corrêa é autor de inúmeras obras inéditas de vários
títulos e gêneros. BEDA, O SAPO e CARTAS DO RIO, romances;
MAMBEMBES, contos; DIÁRIO DE TJUPÁ, memórias; CIDADE,
PRIMEIRO AMOR e SANTA DA BOA ESPERANÇA, poesia. Muito
devoto, catequista, de boa índole, com uma família bem alicerçada, após
o Concilio Vaticano II, Corrêa (2014 p. 113-114), que teve experiencias
com os capuchinhos, quando de “passagem” administraram a paroquia
Esperantinopense, diz que

“A igreja tornou-se espaço, não só dos ritos religiosos, mas


de abrigo aos perseguidos e para os que se reuniam em
estudos, debates, assembleias em decisões de rumos das
ações a serem desenvolvidas. Abriu-se para a valorização de
pessoas, antes excluídas, lavradores, analfabetos, mulheres,
negros, tantos que tiveram assentos nas rodas de reuniões,
das discussões, das deliberações onde todos tinham a
palavra e se faziam ouvir. Valorizou a cultura e a
religiosidade popular como instrumentos de evangelização,
em comunicação de valores e de doutrina. O Padre entrava
na roda da dança do bumba-boi e se deixava benzer pelos
rezadores e rezadoras das bênçãos e das curas populares.
Deixou-nos o testemunho de um caminheiro. Porque abriu
caminhos. A terra de Esperantinópolis ficou com a marca
indelével de suas pegadas de amigo dos lavradores, de
educador de educadores com a sua pedagogia do diálogo. ”

O poeta é um autêntico artista, que em toda sua vida com


poucas palavras quer nos mostrar como é o mundo de verdade. Todo
poeta é artesão, afinal, sua sina é ser sinal de libertação, inspiração. Um
exemplo que podemos citar, é o fato de que muitas revoluções tiveram
por estopim grandes poetas, Caetano Veloso, grande poeta é um típico
modelo disto, já que o mesmo escrevia suas canções e poemas durante a
Ditadura Militar, fazendo que muitas pessoas quisessem mudanças no
sistema político da época. O poeta tem dom de ver como a situação atual
do país está e assim fazer suas obras e canções inspirando nos
acontecimentos. Corrêa (2010 p. 60) com o poema “Carta” exprime;

281
“Ó fadiga divina!
Por queimar-me em olaria
Linguagem língua portuguesa
A criar-me tocha humana
Para o registro mortal
Tumba baú solidão
Da perdida praia.
Até que apareça
Caravela lusitana
De el-rei dom Sebastiao
Portadora de luz liberdade
Em travessia de sonho.

Na década de 1980, como marco das manifestações literárias


que surgiram na terra da esperança, poemas foram pintados no muro da
Escola João Almeida, e como forma de repressão, depreciação e
desprezo, vândalos picharam os poemas estampados no muro. Como
forma de resposta, o poeta Raimundo Corrêa teceu um belo poema que
foi distribuído nas ruas de Esperantinópolis. No Livro Trincheira do
Azul, Corrêa (1989 p. 109-110) expõe

Agora sim, os poetas de minha terra


têm sua vez de cantar glórias
porque suas liras incomodaram
olhos acostumados às trevas
que saíram à noite tentando fechar as frestas
por onde o sol da poesia invade o seu calabouço
anunciando a justiça, o direio, a liberdade,
a paz, a vida.
...
Preparem os lapis-fuzis,
busquem munições,
estudem estratégias,
organizem-se, é tempo de luta !

Nós temos a luz do dia,


nós temos a palavra,
nós temos a lira
nós temos o povo
por que temer a noite ?
Quem nos pode calar?
Quem nos proíbe de cantar

282
em defesa da vida
e da liberdade de expressão
e do direito ao pão, à casa, á saúde, à felicidade,
ao amor, à vida ?

Cantar é urgente.
Cantar as dores do povo
cantar as esperanças do povo
cantar com o nosso povo,
cantar a vida de novo.
Cantar sem estorvos.

O poeta é um crítico, “de olhos abertos” e corajoso que busca o que é


real, é um militante que simplesmente olhar, ele usa a poesia como sua
principal arma para expressar. Para tanto, o poeta consegue enxergar a
vida e os sentimentos de uma maneira bem diferenciada, com
profundidade e encanto, mais do que somos habituados a ver ou
conhecer, o poeta não é só um “porta voz” da população em suas
reivindicações, é um transformador. Transforma todos os sentimentos e
acontecimentos em poesia, dando a essas palavras, vida! Um poema bem
recente que podemos utilizar para exemplificar do que estamos falando
é a poesia histórica “MANIFESTO”, publicado no Livro “Trincheira do
Azul”, no qual Corrêa (1989 p. 97) exprime

O Brasil que eu quero?


Gente!
Consciente
de que é mesmo gente,
E que pode ter diferente
a sorte
que hoje se faz morte
pela verminose, tuberculose, lepra,
analfabetismo, latifúndio,
fome e a corrupção – bomba terrível que explode
em carniças e faz o povo ser cachorro.

Em suma, o escritor é não apenas o cidadão que consegue


exprimir a sua singularidade, mas um baluarte com um grande papel
social no nosso meio que ocupa uma posição relativa que corresponde

283
as nossas expectativas. No poema “Crônica Policial”, Corrêa (1989 p.
71) revela-nos que

(...)
O poeta tem fama
de ser do povo a chama
que lhe incendeia emoções,
inda mais suas canções.

Além disso, escrever é uma forma de repassar aos leitores a sua


visão de mundo, formando assim uma comunidade, onde o autor se
mantém inspirado nos acontecimentos diários, tornando-o poeta dos
acontecimentos do dia-a-dia. No poema CRONISTA, Corrêa (2010
p.53-54) diz que

E o que faço...
Concertar palavras
Peças de ua canoa
Que amarro à raiz
de gameleira a dizer
que passei.

E a perder-me da expedição
real materno seio
me fui com o rio povo
que me ensinou
linguagens de pescarias,
carregados landuás
de lendas e alegrias
que as musas...

Sobre o que está por vir nos dias vindouros, Corrêa (2014 p.
167-168) indaga-se e responde imediatamente sua pergunta numa
linguagem metafórica, e assim se expressa com os seguintes termos

“Se aqui fizemos história? Só a própria historia o dirá. Não guardo


quase nenhum documento, tenho mania de rasgar papéis. E que
prejuízos sofrido com este meu defeito!... Mas, como um fio do fuso de
minha mãe, me deu de escrever estas lembranças vindas de lá... E como
os nós de um cordão-de-São Francisco a desatar memórias. ”

284
Raimundo Corrêa é intitulado “pai da educação esperantino-
pense”. Em 2014 para comemorar os 60 anos da cidade de
Esperantinópolis (1954-2014), o escritor recebeu uma menção honrosa
com o título de “comendador da esperança” com mais outros 59
conterraneos, aos quais dividem contribuições para a militancia e o
pinorismo inerentes a emancipação da cidade.
Assim, os escritores dão aos seus leitores, a conhecerem o lado
oposto da moeda. Complica e descomplica. Sem um escritor, como
definiríamos o amor, a memória, a poesia? O escritor não é somente um
cidadão que se atém à coleta de dados da realidade, mas, uma presença
ativa que muda o mundo – pois dá sentido e modifica a forma – muitas
vezes deturpada - das pessoas verem as coisas, dando assim um novo
horizonte, com perspectivas. E por fim, através de sua magnificência
imaginação, nos induz a trabalharmos a nossa, nos dando asas e novos
mundos para explorar, criando contemporaneos refúgios.

285
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286
DNA Educação

PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS E
CONTEMPORÂNEOS DA EDUCAÇÃO PÚBLICA
NO SISTEMA HEGEMÔNICO DO CAPITAL:
UMA REFLEXÃO MARXISTA
João Luís Coletto da Silva1
RESUMO:
Este artigo objetiva apresentar alguns dos pressupostos marxistas referentes
à educação formal, em especial do contexto brasileiro e do sistema público.
Foi utilizada uma metodologia de análise bibliográfica por meio de estudos
teóricos capazes de proporcionar uma discussão reflexiva. Através dessa
análise educativa, marcada por teóricos cuja vertente advém de uma
perspectiva crítica e contra-hegemônica, foi possível apreender que ao longo
do processo da modernidade a educação, nem sempre objetivou e projetou
a emancipação humana. Contudo, é a partir das contradições e lacunas
expostas pelo próprio movimento hegemônico, que a educação deve buscar
elementos emancipatórios.
Palavras-chave: materialismo histórico dialético; capitalismo; educação
emancipatória.
ABSTRACT:
This article aims to present some of the Marxist assumptions about the
formal education, especially in the Brazilian and public system context. A
methodology of bibliographic analysis was used together with theoretical
studies capable of providing a reflexive discussion. Through this educational
analysis, marked by theoreticians whose foundations comes from a critical
and counter-hegemonic perspective, it was possible to apprehend that,
throughout the process of modernity, education has not always objectified
and projected human emancipation. However, it is from the contradictions
and gaps exposed by the hegemonic movement itself that education must
seek emancipatory elements.
Keywords: dialectical and historical materialism; capitalism; emancipatory
learning.

1Licenciado em Educação Física e mestre em Educação pela UNISC, é integrante do grupo de


pesquisa História, Memórias e Narrativas em Educação – CNPq. Tem vínculo com a Secretaria
Municipal de Educação de Vera Cruz, Vera Cruz-RS, Brasil. E-mail: dicoletto@hotmail.com

287
Introdução
Este artigo objetiva apresentar alguns dos pressupostos
marxistas referentes à educação formal, em especial do contexto
brasileiro e do sistema público, visando uma análise a ser percorrida por
meio destes referenciais teóricos. O escopo do texto a seguir expõe
reflexões, concepções e pontos de vistas que abordam o modelo
educacional entrelaçado com o sistema e o movimento hegemônico do
capitalismo. Embora não seja uma temática nova quanto à
fundamentação, salienta-se, inicialmente, que a mesma visa apresentar
conjecturas opostas ou contra-hegemônicas à perspectiva da educação
regida aos mandos do mercado, para demonstrar possíveis elementos de
transformações emancipadoras.
O estudo a seguir se origina a partir de um recorte de um
trabalho maior (SILVA, 2017), no qual a composição teórica também
está interligada a autores oriundos do campo do materialismo histórico.
Este estudo maior procurou compreender de que forma os docentes de
Educação Física apreendiam e exercitavam a prática de uma avaliação
denominada de emancipatória, na proposta curricular do Ensino Médio
Politécnico (EMP). Além da avaliação, as principais alterações visadas
desta política de governo foram a busca por uma proposta inter-
disciplinar entre os componentes das áreas de conhecimentos e a
aproximação dos discentes do âmbito da pesquisa e do planejamento
educacional, trazendo autonomia aos principais sujeitos da escolarização:
o público estudantil (SILVEIRA; PEREIRA, 2015) 2. Ou seja, nesta
proposta de ensino havia o caráter contra-hegemônico da educação
tradicional a ser retransformada.
Essa inter-relação entre avaliação e abordagens pedagógicas, se
faz necessária, pois toda teorização avaliativa está intimamente ligada a
concepções de educação. Portanto, para discorrer sobre o presente tema,
utilizou-se uma metodologia de análise bibliográfica por meio de estudos

2 No final do ano de 2011, o governo do Rio Grande do Sul apresentou à sociedade gaúcha uma
proposta curricular do Ensino Médio, denominada de Ensino Médio Politécnico (EMP). A partir
do ano de 2012, as escolas dessa rede foram obrigadas a implantarem de forma gradual as
pressuposições desta política. Infelizmente, o EMP funcionou oficialmente até o término do ano
letivo de 2016.

288
teóricos capazes de proporcionaram uma discussão reflexiva sobre
possíveis conjunturas históricas e contemporâneas da educação pública
no sistema hegemônico do capital. Nesse sentido, através de Marx e sua
vertente de autores, é possível entender a educação a partir de uma
concepção crítica ao demonstrar que o processo histórico educacional,
além de ser perceptível, pode e deve ser alterado.
A justificativa deste trabalho, acima de tudo, perpassa por
redescobrimentos transformadores de uma concepção material e social,
que futuramente possa resultar em olhares não fatalistas sobre a
educação e a escolarização pública do Brasil. Essa problemática deve ser
compreendida pelo fato de que o próprio sistema capitalista não objetiva
à aprendizagem de todos ou à igualdade de oportunidades. Entretanto,
o mesmo pode levar à emersão de propostas educativas emancipatórias,
porque o próprio aparelho fornece tais lacunas, devido as suas
contradições. São amplamente difusas as inúmeras problemáticas
complexas deste modelo de educação em que cada vez mais há a
recorrência de jovens que abandonam seus estudos mais cedo, bem
como, estudantes que são treinados a fim de conseguirem bons
resultados nas avaliações externas que os regulam. Contudo, apesar dos
imensos esforços empregados, os resultados da qualidade da educação
pública demonstram ineficácia.
Assim sendo, o presente texto visa colaborar de modo geral à
temática, ao apresentar alguns dos possíveis elementos desse
entendimento mais claro e coeso, por meio de uma abordagem crítica e
contra-hegemônica do âmbito do materialismo dialético. Nesse sentido,
o artigo a seguir está formatado com a apresentação de algumas das
características gerais quanto ao histórico da educação em conjunto com
elementos do materialismo histórico dialético. Posteriormente, se
demonstra outro viés educacional, através do aspecto da educação
emancipatória, relatando as influências na perspectiva brasileira e, por
fim, o escopo do artigo explana algumas projeções viáveis.
Apontamentos históricos e o materialismo dialético na educação
As concepções de educação inseridas no âmbito de
escolarização na modernidade nascem interligadas com pressupostos dos

289
princípios da burguesia, por meio do capitalismo. Por meio de um
modelo de escola liberal criada pelo Estado burguês, o discurso pregado
neste período foi enfatizado em prol da justiça social, no qual, através da
esfera educacional, a mesma brotaria analogicamente melhorias na
formação e equidades de classes sociais. Em síntese, a educação esteve
condicionada às pressuposições de mercado como, por exemplo, a
própria avaliação a serviço dos méritos individuais sobrepostos ao
coletivo em que, na base desse talento disciplinarmente desenvolvido,
rotulavam a entrada dos sujeitos com maior facilidade no mundo do
trabalho, conforme a lógica mercadológica e regulatória do capital
(NORONHA, 2006).
Dentro desta conjectura, Karl Marx, entre outros grandes
pensadores, se baseou em uma proposta de conhecimento próxima da
condição materialista dialética, articulando as circunstâncias da relação
entre trabalho e sociedade (MARX; ENGELS, 1998). Para tanto, é
pertinente e oportuno salientar, que a epistemologia do materialismo
dialético se associa a uma abordagem qualitativa, na medida em que a
própria ciência (ou o sistema de ensino) entra em conflito com ela
mesma, utilizando seus próprios referenciais teóricos (TRIVIÑOS,
2015).
O materialismo dialético possui uma vertente das lutas
revolucionárias, contrárias a dogmas, cientificismo, sistemas sociais e
políticos, bem como a educação conservadora, seguindo, então,
pressupostos marxistas, por este estar associado à concreticidade da
essência do fenômeno, ao basear-se na relação dialética do objeto –
educação pública –, e ao demonstrar não haver uma única verdade e
neutralidade, ao apresentar as contradições complexas objetivadas pela
mesma3.
A preocupação a ser ressaltada em uma análise educativa
histórica e atual está nos elementos do materialismo histórico dialético

3 Nessa reflexão, é conhecer o objeto a partir da teoria, onde a dialética apresenta uma visão
inicialmente dicotômica sobre a relação sujeito – objeto. Com a verbalização, os polos misturam-
se, diluindo a separação ou fragmentação científica. E isso só acontece, porque a dialética
apresenta um movimento sempre dinâmico, não linear, articulando as partes do todo do objeto,
projetando a produção de verdades, pois é através da ação que se constrói o concreto.

290
associando mais ao processo, propriamente dito, do que ao fim, assim
como mais ao aspecto qualitativo do que ao quantitativo. O enfoque
qualitativo baseia-se no materialismo dialético, abordagem teórico-
metodológica considerada crítica e pós-crítica do positivismo, que
durante muito tempo regulou e limitou a produção do conhecimento e
da ciência no mundo, influenciando o desenvolvimento das ideias de
escolaridade. Assim, o positivismo buscava e procurava a verdade através
da confirmação ou rejeição de hipóteses, entendendo a realidade como
estática, e o mundo como um lugar de coletar as verdades, fazendo
análises de causa e efeito, com uma pretensa postura de neutralidade
(LÖWY, 2015; TRIVIÑOS, 2015).
A abordagem qualitativa, em consonância com o materialismo
dialético, visaria explicar a problemática criticamente na sua essência,
como se propõe uma visão na educação pública formal. Dentro dessa
compreensão, é imprescindível estar atento para que as formas idealistas
e abstratas, conectadas ao senso comum e à ciência determinista, não
sejam distorcidas nas esferas globais educativas. Assim, o entendimento
da abordagem do materialismo dialético, passa pela apreensão íntima de
como o conhecimento formal e/ou informal foi direcionado
historicamente nas suas práticas sociais e educacionais, nas quais a
modernidade gerou muitas opressões e desigualdades, apesar de
massificar as instituições escolares.
Dentro dessas considerações iniciais, salienta-se que esse
entendimento se baseia no jogo entre aparência versus essência, sendo que
essa última indica, de fato, o momento em que se apreende
conscientemente o fenômeno que envolve os aspectos críticos da
educação pública. Esse elemento também deve ser pensado e acionado
para além do campo acadêmico, massificando-o no meio da educação
formal, independente da mesma ser vigente às rédeas do capitalismo, ou
não.
Desse modo, ao projetar o uso das orientações nos princípios
marxistas, exige-se pensar em um conjunto de processos e
procedimentos para compreender o objeto, nesse caso a educação
pública formal, para além da sua aparência ou de noções meramente
“naturalistas” (FRIGOTTO, 2010). Internamente nesse imbróglio, a

291
aparência do sistema público de educação associa-se acrescida ao senso
comum, à ciência determinista e ainda ao aparelho educativo tradicional,
que é resultado de muitas políticas educacionais de governos ou de
Estado com tais fins. Deste modo, a educação pode ter muitos
significados e diversos objetivos.
É importante mencionar, como ponto de partida, que a escola
originalmente surgiu para a adesão da camada populacional das elites, em
contrapartida ao cenário atual no campo de todas as classes sociais,
denominação conhecida como “escola de massas”. Ainda, é
imprescindível frisar que as políticas educacionais, sejam de governos ou
de Estados, nem sempre prezaram/prezam a objetividade de uma
formação omnilateral do ser humano, em busca da sua emancipação.
Esse último pressuposto é característico principalmente das políticas
educativas históricas, mas no contexto atual elas podem ainda estar
latentes nos distintos universos escolares.
Em síntese genérica, uma das formas pelas quais a história
educacional pode ser compreendida nos dias atuais, resulta de uma
analogia entre o reflexo da escola em meio da sociedade, ou vice-versa.
Através da origem da escola na Prússia, em meio a conflitos de guerras,
massificando na França e toda a Europa, como a Inglaterra
concomitantemente com a sua Revolução Industrial, foi sendo
impulsionadas às ideias de instituições à sociedade, por meio do Estado.
A proposta do Estado surge com o intuito de delimitar as famílias o
dever matricular os seus filhos e sujeitos nos estabelecimentos e as
escolas e indivíduos destes, como os responsáveis ao desenvolvimento
da sociedade.
No cerne desse imbróglio criado e refletido a todos, a proposta
pedagógica da modernidade deixou duas linhas de legados do Estado
com relação aos conhecimentos, conforme Boaventura Santos (2011)
salienta, o conhecimento-regulação e o conhecimento-emancipação. O
primeiro prioriza uma objetividade de movimentar do caos à ordem e ao
progresso; já o segundo perpassa com a projeção de transitar da teoria
(anti) pedagógica colonial aos valores sociais. Na história, e atualmente,
as feições do conhecimento-regulação sempre estiveram em maior
destaque na vida da população mundial, não desconectando do contexto

292
educacional interno das escolas públicas, inclusive, como já mencionado,
algumas vezes por determinações de políticas manifestas.
Em solo brasileiro, a escola jesuítica, oriunda das instituições da
modernidade, objetivou incrementar aspectos para o desenvolvimento
social, administrativo e produtivo de determinado contexto histórico.
Esse modelo também sobrepujou a intenção de direcionar uma
formação de “homem”, estabelecendo alguns princípios, entre eles: a
relação de Deus e “homem”, a obediência e a disciplina, a aproximação
das ideias do militarismo e a valorização valorizar dos sujeitos que se
destacavam individualmente e classificatoriamente.
Através desse formato de monopólio de conhecimento, os
fundamentos educacionais, como a avaliação escolar brasileira,
consolidaram-se como uma prática classificatória, disciplinadora e
excludente que não auxiliou o principal objetivo de uma escola: a
aprendizagem dos saberes essenciais. Segundo alguns estudiosos da
temática (LUCKESI, 2011; MOSNA, 2013), essas características ainda
estão presentes hoje, recorrente desse período que também foi o
responsável por consolidar práticas autoritárias ao dimensionar o aluno
e a educação como um fim, enquadrando-se no âmbito do produtivismo.
Alusivo à conjuntura entre educação, trabalho e produtivismo,
o sistema taylorismo relacionou o ensino com base no trabalho
industrial, com tempo cronometrado, referente à precarização do/no
trabalho/trabalhador. Nesse modelo, a máquina era a detentora para os
sujeitos prestarem seus serviços o mais rápido possível. O aluno era
percebido como uma ideia de produto e o docente seria o fiscal desse
ritmo disciplinar dentro das atividades objetivadas. Com isso, a
pedagogia pública de ensino nacional também foi influenciada pela
concepção fordista, cujo interesse residia no campo das produções e
lucros por meio da mecanização corporal, seguindo aspectos similares da
conjectura do taylorismo.
O planejamento da sociedade e da escola derivou de funções
dissonantes em suas funcionalidades, transformando-as em um campo
pedagógico em espécie de doutrinação, que restringe, inclusive, a própria
história social dos sujeitos. Através das contribuições dos sociólogos
Althusser e Gramsci, essa problemática pode ser melhor entendida ao

293
referirem-se que a escola é de interesse das classes dominantes, como o
próprio Estado, sendo este considerado um aparelho ideológico para
reproduzir a sua lógica objetivada (FREITAG, 1986). Nesse caso, o
aparelho impõe uma construção de sociedade com falsas ilusões nos
sujeitos ao objetivar um conhecimento e conexão hegemônica à
população, que influenciam a sociedade a seguir um modelo educativo,
no qual se discursa e vende certo slogan empresarial: “todos aprendem as
mesmas coisas” e “todos têm os mesmos direitos e deveres”, inclusive,
previstos na constituição democrática. Será isso de fato apropriado?
É importante advertir que a ideia de uma educação
democrática, constata de uma prática contínua, e não apenas da
formalização de uma política ou lei constitucional. Essa projeção
democrática num sistema opressor seria uma falsa consciência projetada
à população, no qual a escola como aparelho ideológico e reprodutor do
Estado objetivaria isso na sua condição natural (FREITAG, 1986). Deste
modo, a composição das escolas públicas deste modelo de política se
reinventa e se reconfigura a cada crise, mas mantém as desigualdades de
classes sem mudar o cerne do ato e concepção educativa.
A contradição, mais uma vez, estaria exposta à ideia de que a
escola pública reforçaria e projetaria as desigualdades sociais que o
próprio sistema mercadológico do capital criou e que, de tempos em
tempos, é recriado por meio das suas “crises”. As concepções
verdadeiras de/sobre o mundo, os significados de educação, as
propostas e abordagens pedagógicas, as políticas educacionais de Estado
ou governo e as interfaces com as quais o conhecimento se conecta a
epistemologias tornam cada vez mais urgente uma melhor apreensão da
temática por parte de toda a população, em especial dos mais
necessitados e oprimidos, que mais carecem e utilizam atualmente a
escola pública brasileira, diferentemente de outros períodos históricos.
No entanto, na instituição, mesmo regida por este sistema, podem haver
evidências ou possibilidades de práticas emancipatórias ou contra-
hegemônicas. Além do mais, salienta-se o fato de que nem todos terem
garantidos os mesmos direitos de aprendizagem dentro do movimento
do capital, não é possível generalizar de forma fatalista a função da
reprodução em relação à escola.

294
O viés educacional emancipatório
Paulo Freire, o grande educador brasileiro conhecido
internacionalmente como um dos grandes teóricos a expandir em
diversos cantos do mundo uma noção de educação democrática, foi
contrário à barbárie da educação hegemônica. Para Freire, o sistema
capitalista utiliza uma noção de acrescentar práticas pedagógicas
regulatórias de uma educação bancária, conforme denominou tal
reprodutividade no contexto de ensino. Esta concepção bancária, como
já demonstrada, seria antagônica à formação omnilateral do ser humano,
por conter a sua gênese em uma forma autoritária e mercadológica,
oposta à humanização e à solidariedade (ROMÃO, 2016).
Pensar o âmbito da omnilateralidade e da emancipação humana
na escolarização como formação íntegra, faz alusão aos princípios
marxistas. Segundo Duarte (2016, p. 106), “a luta dos educadores
comprometidos com a superação da sociedade capitalista deve ser,
portanto, pelo domínio consciente dessas forças que atuam no interior
da educação escolar e pela busca de possibilidades latentes de avanço em
direção à formação humana omnilateral”. Nesse caso, o sentido da
omnilateralidade na educação é uma parte do todo em que a formação
humana plena deve ser exercitada. Essa parte, em relação à sua totalidade,
deve buscar uma superação que não se restrinja à educação, mas que
possa “quebrar” o sistema dominante. As lutas de classes demonstram o
quanto cada vez mais a humanidade está carente da formação
omnilateral, pois elas são constantes na sociedade, ao mesmo tempo em
que são relevantes para a transformação.
Nesse sentido, a emancipação não significa um estágio que o
indivíduo alcançaria, mas as possibilidades de elementos vivenciados que
possam fazer emergir experiências transformadoras, alusivas ao caráter
da humanização em sua essência. Segundo Streck e Adams (2014), todas
as terminologias da emancipação, de diferentes contextos sociais e
históricos, estão associadas a uma vertente marxista, e que, de fato, esta
formação é ainda de grande carência na esfera da educação nacional.
Nessa conjuntura, a emancipação, dentro da perspectiva de Paulo Freire,
se caracteriza como política, dialógica e social, em busca de uma luta

295
contrária a todas as opressões que aprisionam os seres humanos, em
nome da justiça social.
Embora no sistema capitalista, herdado pela modernidade,
Freire aponte que a educação (formal) por si só não basta para a
transformação de “uma sociedade emancipada” (STRECK; ADAMS,
2014, p. 68), é imprescindível resistir ao sistema neoliberal e à expansão
do pós-neoliberalismo vigente. Apesar das próprias conjunturas do
capitalismo, torna-se necessário recriar abordagens pedagógicas que
resultem um modelo contra-hegemônico (GRAMSCI, 1999), nesta
expansão dos anseios neoliberais.
Nesse contexto e momento, em que os seres humanos estão a
mando do sistema neoliberal globalizado, da tecnologia desenfreada em
abundância, do consumismo exorbitante, da conjuntura da crise
econômica mundial instalada nos discursos dos chefes de nações, dos
processos de violências contra as imigrações, entre outras barbáries, tudo
indica que os continentes e a nossa nação reforcem uma concepção de
reguladores acima dos anseios libertadores, e que a população mundial e
nacional seja novamente a maior prejudicada.
Muito dessa projeção neoliberal está relacionado à organização
dos modos de sobrevivência dos dias de hoje, alimentados por ódios
difundidos e por intolerância às diversidades. O capital traz uma falsa
ilusão de melhoria, inclusive na relação de educação dentro das realidades
sociais mais conflituosas e distorcidas. Contudo, existe a necessidade de
alterar as práticas educacionais, para que as mesmas se tornem dinâmicas
e propiciem transformações dentro da sua essência nos distintos
cotidianos escolares. Isto se reforça cada vez mais, pois o atual momento
vivido pela sociedade é um marco complexo em se tratando de aspectos
das conjunturas políticas e das crises neoliberais que avassalam ainda
mais a humanidade para um trajeto de barbárie. Avançar, portanto, é um
dos caminhos para se plantar esperança, tendo como base a organização
em formato coletivo, crítico, e alicerçado na epistemologia do
materialismo histórico dialético.
De modo geral, dentro da história da educação pública, a
mesma já vem a bastante tempo sofrendo as instabilidades pelas crises
estruturais projetadas pelo sistema neoliberal. No sistema capitalista, é

296
corriqueira a ideia de haver crises constantemente, para que o mesmo
aparelho se autoalimente e se reconfigure, sem alterar, de fato, a sua
essência, por ser gerido pela classe dominante (SAVIANI, 2016).
Lógico, não se trata de concordar que a educação pública não
carece de melhorias. A isso, basta lembrar o que o grande educador
brasileiro Darcy Ribeiro mencionava ao dizer que não se tratava de uma
crise educativa, mas sim de um projeto de nação, projeto que é alvo de
críticas e necessita constantemente de melhorias, sendo contradito-
riamente fundamentando por políticas de mercado. Nesse sentido,
Mészaros (2005) refere que o capital é incorrigível, por isso teria de haver
uma nova ordem social na busca da educação para além do capital, em
prol da transformação social e qualitativa.
Porém, é muito difícil atualmente os docentes se distanciarem
deste formato de educação capitalista, exigindo dos mesmos um
aprofundamento epistemológico, pois este modelo de opressão está
radicado há séculos pelo colonialismo ocidental (STRECK; ADAMS;
MORETTI, 2010). A falsa sensação de ter liberdade e autonomia plena,
que alguns docentes e discentes acreditam ter, muita das vezes não passa
de uma alienação imposta pelo Estado dentro dos diferentes contextos
de trabalho dos seres humanos.
Conforme Saviani (2016), para Karl Marx, a ideia de liberdade
na sociedade capitalista acaba privando o ser humano do verdadeiro
direito do livre-arbítrio, reduzindo a real concepção de liberdade. Da
mesma forma, podem-se notar, no que diz respeito à autonomia e à
cultura, essas mesmas contradições (SAVIANI, 2016). A educação
escolar, por sua vez, transitaria por estas expectativas em formatos
utópicos, mas, também, com significados distorcidos, por meio de
políticas educacionais marcadas por uma democracia liberal e
investimentos de grupos privados na educação.
Para ir além da educação hegemônica, com o sentido de
transformação através das mudanças sociais, um dos pressupostos passa
a ser realmente com a qualidade e a compreensão da sua essência e não
a sua aparência (MÉSZAROS, 2005). Dessa maneira, a educação pode
encontrar lacunas e contradições ao visar a emancipação para além das
presas do capital ao ter a consciência dos fatos. Assim, conhecer a

297
realidade pode ser uma possibilidade de realizar uma mudança no
fenômeno, recusando a aparência (KOSIK, 1976).
Considerações finais
A ideia de educação que se defende aqui é que ela não pode
desprestigiar a história de vida das pessoas, e que sua projeção almeje a
emancipação (FREITAG, 1986). Assim, a educação deve ser conflito e
contradição, buscando retratar-se da ideia de manutenção do seu status
quo, como o que visa o aparelho capitalista. Segundo Lombardi (2016) e
Sanfelice (2016), a educação é “inverdade”, ao não dispor concretamente
da gratuidade pública, de um modelo realmente laico, e de qualidade,
porque o caminho é bem claro, contemporaneamente: a educação como
mercadoria, assemelhando-se a uma indústria ou a outro estabelecimento
comercial, como o próprio supermercado (LOMBARDI, 2016). Além
do mais, escola e sociedade são reflexos uma da outra, fazendo resultar
dessa associação uma organização em prol do “conhecimento-
regulação”, que se autoalimenta constantemente em razão das benesses
do âmbito da competitividade e, consequentemente, desprestigia
concepções e ações do campo e da esfera do “conhecimento-
emancipação”.
A busca incessante por abordagens pedagógicas que se
aproximem dos valores humanísticos da participação social, da
democracia coletiva e da criticidade política e histórica, que respeitem as
distintas aprendizagens dos discentes, reforçariam uma pedagogia
contra-hegemônica, seguindo princípios de uma educação marxista.
Assim, a resistência torna-se um pressuposto importante na busca por
um equilíbrio mínimo entre o “conhecimento-regulação” e o
“conhecimento-emancipação”; e é fundamental que os elementos do
materialismo histórico dialético estejam difundidos entre as várias
esferas, momentos e espaços da sociedade.
As considerações finais deste trabalho permitem afirmar que as
aprendizagens nos cotidianos e universos das comunidades escolares
estão amarradas às distintas influências que a contorcem e a projetam a
diferentes meios e fins. Além do mais, as ideias da/na escola pública
estão associadas ao movimento da sociedade e vice-versa. Deste modo,

298
foi o que este artigo buscou aproximar dessa conexão educativa,
projetando outros aprofundamentos e ações científicas em prol de um
futuro social mais harmonioso e de maior equidade na educação pública.
Nesse caso, um estudo com base no método dialético se torna
importante por projetar tais entendimentos difusos também no “chão”
escolar.
É pertinente afirmar, ainda, que os princípios marxistas devem
estar em consonância tanto com os aspectos sociais da investigação da
educação em si, quanto à ideia representativa e concreta ao ensino e seus
objetivos. Sua finalidade visa à transformação qualitativa por projetá-la
defendendo um mundo social e em movimento, posicionando-se
contrário ao mundo estático e neutro da educação tradicional. Com isso,
o resultado do conhecimento do fenômeno e/ou da realidade social
objetivaria seu pleno desenvolvimento para além do seu estágio inicial
percebido, possibilitando, nesse caso apreendido, alguns elementos
emancipatórios, mesmo na perspectiva contraditória e paradoxal do
capitalismo.
Hoje, a educação deve buscar aspectos socioemocionais,
baseando-se na história de vida dos seres humano, seguindo o que o
materialismo histórico dialético e sua vertente epistemológica procuram
massificá-la. Portanto, atualmente a educação não pode mais ser vista a
partir de um viés tecnicista, ausentando perspectivas afetivas, como
historicamente foi projetado pela concepção e sistema do capital. Por
fim, afirma-se que as práticas dos docentes devem estar articuladas com
suas ações concretas, contendo a necessidade de um processo dialético.

299
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