1. INTRODUÇÃO
1
GALANTINO, Luisa. Diritto del lavoro. 14 ed.. Torino: G. Giappichelli, 2006, p. 17.
2
ROMITA, Arion Sayão. A crise do critério da subordinação jurídica – necessidade de proteção a trabalhadores
autônomos e parassubordinados. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, ano 31, n. 117, jan./mar. 2005, p.
42.
3
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. Um novo critério de aplicação do direito do trabalho: a parassubordinação.
Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, ano 27, n. 103, jul/set. 2001, pp. 174-175.
3
a propiciar uma maior coerência das tutelas jurídicas com as exigências do mercado de
trabalho. 4
Os Estados europeus foram pioneiros na rediscussão do critério da subordinação; é
entre eles, dessa maneira, que primeiramente se reconhece a existência de trabalhadores que
se situam em uma zona cinzenta entre a subordinação e a autonomia, i.e., prestadores que, a
despeito de ostentarem características típicas do trabalho autônomo, vêem seu modus
operandi limitado por uma relação de dependência com o tomador de seus serviços. A partir
do reconhecimento de tal classe de trabalhadores, difunde-se por toda a Europa a noção de
“trabalho autônomo de segunda geração”, representada por prestadores de serviços que
passam a ser conhecidos pela doutrina como “trabalhadores autônomos-dependentes”. 5 6
Referida forma de prestação de serviços ostenta características que ora a
aproximam do trabalho autônomo clássico, ora do trabalho subordinado. Nesse sentido,
podem ser apontados como elementos essenciais do trabalho autônomo de segunda geração:
a) a pessoalidade da prestação; b) a longa duração das relações contratuais; c) a destinação da
prestação em favor de um único tomador (e a importância, para o trabalhador, dos
rendimentos recebidos desse comitente, ainda que mantenha relações com outros) e d) a
inexistência de vínculo direto entre o prestador e o mercado, o qual resta destinado
exclusivamente ao tomador.
Está-se diante, ademais, de trabalhadores que dispõem de um bem diferenciado em
relação aos empregados clássicos, qual seja, a especialização profissional. Infere-se, pois, que
tais prestadores não vendem sua força de trabalho, e sim seu know-how, seu conhecimento
especializado em dada matéria que se mostra necessária para o crescimento da empresa.
Colacione-se o magistério de Otávio Pinto e SILVA acerca do tema:
4
Nesse sentido, cf., por todos, ZOPPOLI, Lorenzo. La subordinazione tra persistenti diseguaglianze e
tendenze neo-autoritarie. Disponível em http://www.unicz.it/LAVORO/ZOPPOLI_04042003.pdf. Acesso em
10 maio 2008.
5
A aparente contradição que a expressão representa para o direito laboral brasileiro é enfrentada com
naturalidade pelos doutrinadores europeus, o que corrobora a afirmação de que estes foram pioneiros a
reconhecer a tenuidade da linha divisória entre a subordinação e a autonomia.
6
Denominações específicas a tais trabalhadores consagram-se nos diferentes países da Europa, como “pessoas
semelhantes ao trabalhador subordinado” (arbeitnemeränliche Person), na Alemanha; contrats de dépendance à
sujétion imparfaite, na França; dependent self-employed workers, no Reino Unido; “contratos de livre trabalho”
(Freie Ddienstverträge) ou “contratos para o trabalho” (Werkvertrag), na Áustria; trabajo autonomo
dependiente, na Espanha e – objeto do presente estudo – lavoro parasubordinato, na Itália.
4
especialização profissional, que os torna capazes de fornecer
um resultado, um serviço, um programa, sem a necessidade da
rigorosa direção que tipifica o trabalho subordinado. Esses
trabalhadores necessitam coordenar-se de modo estável e
continuado com as empresas para desenvolver suas atividades
pessoais”. 7
5
Com referido diploma legal, pois, insere-se no ordenamento italiano o embrião da
expressão “colaboração continuativa e coordenada” (co.co.co.) – a qual, posteriormente, com
o desenvolvimento do conceito da parassubordinação, sempre acompanhará o instituto como
sua espécie mais característica.
Todavia, a despeito da previsão constante da Lei nº 741/1959, a doutrina é pacífica
ao afirmar que o instituto da parassubordinação somente é realmente consagrado pelo
ordenamento jurídico da Itália em 1973, com a reforma do Codice di Procedura Civile
operada pela Lei nº 533, de 11/08/1973. Com referida alteração, o art. 409 desse diploma
passa a dispor que:
“Art. 1. Il Governo è delegato ad emanare norme giuridiche, aventi forza di legge, al fine di assicurare minimi
inderogabili di trattamento economico e normativo nei confronti di tutti gli appartenenti ad una medesima
categoria. (...)
Art. 2. Le norme di cui all'art. 1 dovranno essere emanate per tutte le categorie per le quali risultino stipulati
accordi economici e contratti collettivi riguardanti una o più categorie per la disciplina dei rapporti di lavoro,
dei rapporti di associazione agraria, di affitto a coltivatore diretto e dei rapporti di collaborazione che si
concretino in prestazione d'opera continuativa e coordinata”. (g.n.)
9
Representa marco desses estudos doutrinários a publicação, em 1979, da clássica obra Il lavoro
parasubordinato, de Francesco Santoro-Passarelli, considerada pela doutrina como o primeiro estudo efetuado
acerca da parassubordinação. Cumpre ressaltar, aliás, que, embora o trabalho parassubordinado tenha sido alvo
de diversas modificações nos últimos anos – consoante se demonstrará a seguir – grande parte das lições
6
3. O ESMIUÇAR DO INSTITUTO: IDENTIFICAÇÃO DE SEUS ELEMENTOS E ESPÉCIES
propostas por Santoro-Passarelli ainda se mostra de grande valia para o estudo do instituto.
10
SILVA, Otávio Pinto e. Subordinação, Autonomia.... Op. cit., p. 104.
7
lavoro subordinato e lavoro autonomo, in quest’ultimo
comprendendosi anche le species della collaborazione
coordinata e continuativa o di altre ‘forme’ di attività
lavorativa, quali il contrato d’opera o il contratto di agenzia”11
8
ligação funcional entre o trabalho prestado e a atividade desenvolvida diretamente pelo
destinatário da prestação.
Observe-se que, no âmbito da parassubordinação, não se fala propriamente em
“colaboração na empresa”, como ocorre no trabalho subordinado clássico (de acordo com o
disposto no art. 2094 do Codice Civile); ao contrário, consagra-se a concepção de
“colaboração para a empresa”, i.e., situação em que os resultados do trabalho do colaborador
devem se unir àqueles do tomador para que a atividade empresarial possa atingir suas
finalidades. A esse respeito, leciona Luisa Galantino que, na parassubordinação, a
colaboração entre prestador e tomador de serviços deve ser funcional, no sentido de que uma
concorre para a realização da outra; já na subordinação, a colaboração é unicamente de cunho
estrutural17.
Neste ponto, insere-se um último elemento essencial do trabalho
parassubordinado: a necessidade de, entre tomador e prestador de serviços, pactuar-se um
projeto a ser seguido pelo último, já que “o trabalhador não promete a sua atividade pessoal
para o desenvolvimento de qualquer objetivo pretendido pelo tomador, mas sim coloca os
seus serviços à disposição somente daquele específico tipo de atividade, que é necessária
para atingir os fins previstos no programa contratualmente elaborado” 18.
Após a identificação dos elementos caracterizadores do trabalho
parassubordinado, a doutrina italiana viu-se diante de um novo desafio: a averiguação de
quem seriam esses trabalhadores que colaboram, de forma autônoma, na atividade empresarial
mediante uma prestação de obra continuativa e coordenada, prevalentemente pessoal. Em
outras palavras: quem – diante da averiguação dos elementos acima indicados – poderia ser
considerado um verdadeiro prestador de serviços parassubordinado?
Instaurou-se na Itália, assim, a discussão acerca das espécies de trabalhadores
sujeitos às co.co.co..
17
GALANTINO, Luisa. Diritto del lavoro.... Op. cit., p. 15. Contudo, ressalta a autora na mesma obra que “(...)
presenta spesso serie difficoltà um’indagine di fato a rilevare se il coordinamento della prestazione del
lavoratore com quella di altri abbia o meno caratere strutturale olthe che funzionale. E tal rilievo ancora uma
volta pone in luce l’esigenza di omogeneizzare la disciplina del lavoro subordinato com quella del lavoro
cosiddetto parasubordinato”.
18
SILVA, Otávio Pinto e. Subordinação, Autonomia.... Op. cit., p. 105..
9
Na identificação das espécies de trabalhadores parassubordinados, imprescindível
se mostrou a atuação conjunta da doutrina e da jurisprudência italiana; todavia, foi o
legislador que desempenhou o papel fundamental em tal tarefa.
Inicialmente, é mister relembrar a alteração operada pela Lei nº 533/1973 ao
Codice di Procedura Civile, para estabelecer a obrigatoriedade de aplicação da disciplina
processual trabalhista às “relações de agência, de representação comercial e outras relações
de colaboração que se concretizem em uma prestação de obra continuativa e coordenada”,
nos termos do art. 409, n. 3 desse diploma. Da redação de tal dispositivo, infere-se, de plano,
que o legislador, no momento da instituição da parassubordinação no ordenamento italiano,
procurou indicar duas espécies de relação de trabalho que, em seu entender, nela se
inseririam: as relações de agência e de representação comercial.
Dessa maneira, é pacífico o entendimento, hoje, de que aos agentes e
representantes comerciais aplica-se a tutela jurídica conferida originalmente ao trabalho
parassubordinado – a qual, saliente-se, será explicitada com mais vagar a seguir.
Grande celeuma, contudo, instaurou-se em relação à expressão “outras relações
de colaboração que se concretizem em uma prestação de obra continuativa e coordenada”,
mencionada por referido artigo. Com efeito, tratando-se de expressão demasiadamente ampla
e abstrata, esta demandou esforços contíguos da doutrina, da jurisprudência e do legislador na
especificação de seu âmbito de abrangência.
Inicialmente, contribuíram para a identificação dos demais trabalhadores
parassubordinados normas de caráter tributário promulgadas na Itália posteriormente à Lei nº
533/73 – como, e.g., a Lei nº 342, de 21 de novembro de 2000 19. Referido diploma contempla,
em seu art. 34, n. 1, letra c-bis, rol exemplificativo de outras atividades que constituem
relações de colaboração coordenada e continuativa, tais como os ofícios de síndicos e
administradores de sociedades e associações, de colaboradores em jornais, revistas,
enciclopédias e similares e de participantes em colégios e comissões.
Entretanto, tais normas de natureza tributária não propiciaram uma delimitação
precisa do âmbito de abrangência da expressão contida no art. 409, n. 3 do C.P.C. – e, como
bem salienta Alessandra Gaspari, nem era esperado que o fizessem, já que as leis fiscais são
19
Citem-se, ainda, os decretos presidenciais nº 597/73 e nº 917/86, que contêm disposições análogas ao previsto
pela Lei nº 342/00 no que concerne ao regime tributário das co.co.co.. Todos esses diplomas estabelecem
sistema diferenciado de tributação às relações de parassubordinação, de maneira geral menos oneroso do que
aquele instituído ao clássico trabalho subordinado.
10
destinadas a regular os fluxos monetários e indicar seu respectivo campo de aplicação, e não a
construir ou esclarecer definições20.
Delegou-se, destarte, à doutrina e à jurisprudência a tarefa de individuação das
relações de trabalho pautadas na parassubordinação.
Em doutrina, merecem relevo os estudos de Angelo Sodano, o qual apresenta, em
suas obras, inúmeros exemplos de prestações que poderiam ser facilmente enquadradas no
conceito previsto pelo art. 409, n. 3 do Codice di Procedura Civile. A esse respeito, poder-se-
ia falar em relações de consultoria entre uma empresa e um profissional liberal, relações entre
uma sociedade de capitais e seu administrador, entre outras21.
A jurisprudência, por seu turno, procura identificar as co.co.co. mediante a
comparação entre os elementos verificados em concreto em dada relação laboral e as
características essenciais do trabalho parassubordinado. Todavia, a atuação dos órgãos
judiciários na especificação dos trabalhadores parassubordinados ainda é bastante criticada
pelos juristas italianos, vez que, segundo eles, esta se mostra estritamente ligada à tradicional
dicotomia entre subordinação e autonomia – razão pela qual são poucos os casos em que se
reconhece a existência de uma autêntica relação de colaboração.
Ainda assim, há determinados trabalhadores que são frequentemente considerados
pelos tribunais como parassubordinados, tais como os profissionais liberais e os sócios que
prestam serviços às respectivas sociedades comerciais.
Tal atuação doutrinária e jurisprudencial se mostra sobremaneira relevante, haja
vista que, identificados os trabalhadores que atuam em coordenação direta com o tomador de
seus serviços, nos termos do art. 409, n. 3 do C.P.C., é preciso especificar quais normas de
direito processual e material são a eles aplicáveis – questão que sempre foi e ainda é motivo
de acirradas discussões na Itália.
11
tais prestadores ao espectro do trabalho subordinado, incidindo sobre eles o direito material
trabalhista contemplado pelos arts. 2.094 e seguintes do C.C.?
Para a adequada compreensão da questão, é mister, inicialmente, tecer breves
considerações acerca dos métodos de proteção dos trabalhadores denominados “autônomos
dependentes” no âmbito da União Européia.
Nesse sentido, observa-se que a atenção hoje conferida pelos Estados europeus ao
trabalho autônomo dependente evidencia-se especialmente por duas vertentes distintas:
primeiramente, vislumbram-se esforços de tais ordenamentos na prevenção de formas ilegais
de trabalho autônomo dependente, que freqüentemente mascaram verdadeiras relações de
trabalho subordinado; de outra parte, consagra-se nesses países a necessidade de se
estabelecer uma mínima proteção legal a tais trabalhadores, com a extensão, a estes,
sobretudo de tutelas de direito do trabalho e da seguridade social.
A primeira vertente de proteção verificada entre os países europeus representa, em
verdade, uma tendência mundial, haja vista os esforços que os Estados vêm empreendendo
para erradicar formas irreais de trabalho autônomo. Todavia, vê-se que a maior parte dos
Estados procura reprimir a subutilização do trabalho autônomo mediante a atuação direta do
Poder Judiciário, a quem é atribuída a prerrogativa de “desmascarar” as relações de falsos
autônomos, convertendo-as em contratos de trabalho subordinado; é, e.g., o que se verifica no
Brasil. Na Europa, por outro lado, já existem disposições legais que estabelecem presunções
de inautenticidade de contratos de autônomos, na hipótese de se mostrarem ausentes os
requisitos essenciais dessa forma de trabalho – como ocorre, e.g., com o instituto do contratto
a progetto, na Itália, consoante a seguir se demonstrará.
De outra parte, a segunda vertente de proteção, qual seja, a extensão de tutelas aos
trabalhadores autônomos dependentes ainda se encontra adstrita aos limites do continente
europeu. A esse respeito, Adalberto Perulli22, em esclarecedor estudo a respeito do tema,
salienta que a extensão de tutelas aos trabalhadores autônomos dependentes pode ser realizada
segundo duas lógicas distintas: de assimilação ou de extensão seletiva.
Inicialmente, pode-se utilizar a técnica da assimilação, a qual propicia o
alargamento da área coberta pela disciplina do trabalho subordinado. Aplicam-se, destarte,
aos prestadores autônomos dependentes todas as regras típicas do trabalho subordinado
clássico, revelando-se uma forte tendência atrativa das normas tradicionais de direito laboral.
É o que se verifica, segundo o autor, em países como França e Inglaterra.
22
PERULLI, Adalberto. La regolazione del lavoro parasubordinato. In PERULLI, Adalberto (a cura di). Le
riforme del lavoro. (s.l.) Halley Editrice, pp. 137-159.
12
Mais popular, no entanto, é a lógica da extensão seletiva, tendência que busca
estender a aplicação, aos trabalhadores autônomos, de apenas algumas tutelas dispensadas ao
trabalho subordinado clássico – especialmente direitos de natureza fiscal e previdenciária. É o
que se pode observar em países como Alemanha, Espanha e na própria Itália.
O legislador italiano, portanto, pautando-se nessa lógica de extensão seletiva das
tutelas, foi paulatinamente ampliando a gama de direitos característicos do trabalho
subordinado aplicáveis aos prestadores parassubordinados, mediante a promulgação de
diversas leis. De acordo com o entendimento de Luisa Galantino
23
GALANTINO, Luisa. Diritto del lavoro.... Op. cit., p. 4.
13
Posteriormente, o legislador houve por bem instituir uma tutela tributária
diferenciada para as relações de parassubordinação, criando, por meio da lei nº 342/00 e dos
decretos presidenciais nº 597/73 e nº 917/86, um regime de contribuição menos oneroso a tais
contratos. Porém, é mister ressaltar, neste ponto, que subsistem contrariedades entre a
legislação trabalhista – que considera a parassubordinação como trabalho autônomo – e a
fiscal, que contempla a remuneração derivante de tais atividades como assimilada àquela dos
trabalhadores subordinados24.
Especialmente relevante, por outro lado, mostrou-se a extensão da tutela
previdenciária às relações de co.co.co.. Nesse sentido, inicialmente mencione-se a Lei nº
335/1995, a qual estabeleceu que os colaboradores devem ser inscritos em uma gestão
previdenciária apartada junto ao INPS, que deverá ser financiada à razão de dois terços pelo
tomador de serviços e um terço pelo trabalhador. Em seguida, as Leis nº 449/1997 e nº
144/1999 introduziram, respectivamente, normas relativas à tutela da maternidade –
especialmente no que tange ao auxílio-maternidade – e à cobertura contra acidentes de
trabalho. Também foi assegurada a cobertura previdenciária contra doenças em caso de
internação hospitalar (Lei nº 488/1999, modificada em 12/01/2001) e contra moléstias
profissionais (decreto-legislativo nº 38/2000).
Mesmo com a ampliação das tutelas aplicáveis aos trabalhadores
parassubordinados, operada pelo legislador italiano, discussões remanesceram em doutrina e
em jurisprudência acerca da suficiência de tal extensão. A maior crítica à atuação legislativa,
a esse respeito, referia-se ao fato de que as normas consideradas aplicáveis ao trabalhador
parassubordinado não apresentavam natureza trabalhista propriamente dita, mas, ao contrário,
poderiam ser qualificadas exclusivamente como regras de cunho processual, tributário e
previdenciário.
Destarte, mesmo após a promulgação das leis que objetivaram melhor tutelar o
trabalhador parassubordinado, permaneceram os esforços dos juristas italianos para conferir
uma ampliação da tutela material laboral a tais prestadores de serviços.
Destaca-se, aqui, o importante papel desempenhado pela jurisprudência. Com
efeito, firmou-se na Corte de Cassação italiana entendimento que pugnava pela extensão de
diversas regras de direito material do trabalho às relações de parassubordinação. Assim,
encontram-se inúmeros julgados reconhecendo às co.co.co., e.g., a disciplina da
24
Cf., a esse respeito, GASPARI, Alessandra. Lavoro a progetto.... Op. cit., p. 45 e LEONE, Gabriella. Le
collaborazioni coordinate e continuative a progetto. Rivista Giuridica del Lavoro e della Previdenza Sociale,
Roma, ano 55, n. 1, jan./mar. 2004, pp. 88-89.
14
responsabilidade do tomador de serviços pela segurança do trabalho25, o direito de greve26,
entre outros27.
Observa-se, entretanto, que inexistia homogeneidade na aplicação, pelos tribunais
italianos, de direitos trabalhistas às relações de parassubordinação. Tal situação acabou por
comprometer a segurança de referido instituto, visto que eram freqüentes as decisões
conflitantes dos órgãos judiciários a respeito do tema, com o reconhecimento de tutelas
divergentes para situações análogas.
Nesse contexto de incongruências com relação à tutela dos trabalhadores
parassubordinados, foi aprovado pelo Senado italiano, em fevereiro de 1999, o Projeto de lei
Smuraglia (nº 5651). Referido projeto foi fortemente aclamado pela doutrina, haja vista que
propunha a aplicação, às relações de colaboração continuativa e coordenada, de um patamar
mínimo de direitos trabalhistas, que poderia ser complementado por meio da negociação
coletiva.
Primeiramente, o projeto intentou precisar o conceito de parassubordinação,
elencando expressamente em seu texto as principais características que norteiam tais relações
de trabalho. Estabeleceu, destarte, que o trabalho parassubordinado era caracterizado por uma
colaboração de caráter não ocasional, coordenada com a atividade do tomador, desenvolvida
de modo pessoal, sem vínculo de subordinação, sem o uso de meios organizados e em troca
de remuneração28.
Em seguida, contemplou direitos outros que deveriam ser assegurados aos
parassubordinados, incluindo normas sobre liberdade de opinião, proibição de fixação de
horário de trabalho rígido, duração mínima do contrato, tempo e forma do pagamento, direitos
de informação e formação, preceitos sobre higiene e segurança do trabalho, tutela
previdenciária.
Por fim, assegurou aos colaboradores ampla liberdade sindical, nos termos do art.
14 do Statuto dei Lavoratori, permitindo-lhes a organização de sindicatos representativos de
seus interesses e a filiação a entidades intercategoriais. Dessa forma, buscou-se propiciar a
25
Cf. Cass., Sez. lav., 16/07/2001, nº 9614, apud GASPARI, Alessandra. Lavoro a progetto.... Op. cit., p. 48.
26
Cf. Cass., Sez. lav., 29/06/1978, nº 3278, apud SODANO, Angelo. Rapporti di parasubordinazione.... Op.
cit., p. 1173.
27
Em doutrina, veja-se a posição de Angelo Sodano, para quem o art. 409, nº 3 do CPC realizou uma
equiparação do trabalho coordenado com o subordinado não apenas no campo processual, mas também no
substancial (Rapporti di parasubordinazione.... Op. cit., pp. 1172-1173).
28
Cf., a esse respeito, as lições de SILVA, Otávio Pinto e. Subordinação, Autonomia.... Op. cit., p. 132.
15
ampliação do rol de direitos a eles aplicados, mediante a celebração, pelos próprios atores
sociais interessados, de acordos e convenções coletivas29.
Contudo, referido projeto jamais foi convertido em lei. De fato, enquanto este
tramitava na Câmara italiana, operou-se a denominada “reforma Biagi do mercado de
trabalho”30, a qual pretendia tornar mais flexíveis as relações laborais, por meio da inserção de
novas tipologias contratuais, e, dessa maneira, diminuir as elevadas taxas de desemprego
verificadas na Itália então.
No bojo de tal reforma, foi criada a fattispecie do contrato de trabalho a projeto,
previsto pelos arts. 61 a 69 do decreto-legislativo nº 276, de 10 de setembro de 2003. Referida
alteração representou importante inovação para os estudos da parassubordinação, conforme se
passa a expor.
29
Ademais, o projeto ainda trata da conversão do contrato de trabalho na hipótese de utilização fraudulenta das
co.co.co., regra que se coaduna com a tendência mundial de prevenção de formas ilegais de trabalho autônomo
dependente, acima mencionada.
30
Consubstanciada pela Lei nº 30/2003 e pelo decreto-legislativo nº 276/2003.
16
tange a doenças, acidentes de trabalho e gravidez; por fim, a inexistência de limites quanto às
modalidades de resolução do contrato31.
Embora justificável, contudo, a utilização desmedida das co.co.co. necessitava ser
coibida, já que representava verdadeira forma de supressão de direitos laborais a muitos
trabalhadores que a eles faziam jus. Nesse sentido, intensos eram os esforços dos órgãos
jurisdicionais italianos, os quais, com base em elementos concretos, frequentemente
reconheciam a existência de autênticos contratos de trabalho subordinado em hipóteses
aparentes de parassubordinação.
Entretanto, tais esforços não foram suficientes para erradicar por completo as
formas ilegais de trabalho autônomo: mostrava-se necessário que o legislador instituísse
disciplina normativa mais adequada para a regulamentação dessa espécie de prestação de
serviços, de forma a especificar em que ocasiões uma dada relação de trabalho pode ou não
ser considerada parassubordinada. É nesse contexto, então, que o decreto-legislativo nº
276/2003 institui a fattispecie do lavoro a progetto.
Ao dispor sobre o trabalho a projeto, o legislador instituiu um novo elemento
caracterizador das relações de parassubordinação previstas pelo art. 409, n. 3 do C.P.C.: o
projeto, programa ou fase deste. De acordo com a nova dicção legal, assim, todas as
relações de colaboração continuativa e coordenada deverão, a partir da promulgação do
decreto-legislativo nº 276/2003, apresentar referido elemento em sua configuração; caso
contrário, nos termos do art. 69 do decreto, serão consideradas relações de trabalho
subordinado por tempo indeterminado desde a data de sua constituição.
Pode-se afirmar, pois, que, após a promulgação do decreto, somente são admitidas
pelo ordenamento italiano relações de colaboração intrinsecamente ligadas a um opus
predeterminado na fase de celebração do acordo; não mais se admitem contratos relacionados
à prestação de obras indeterminadas, com conteúdo de fato indefinido32.
Ainda é cedo para se afirmar que referida modificação colheu os frutos almejados,
i.e., logrou êxito em conter a ascensão indiscriminada dos contratos fraudulentos de
parassubordinação. Todavia, a doutrina italiana mostra-se otimista com relação aos novos
rumos que foram impostos às relações de prestação continuativa e coordenada, crendo que o
instituto será, a partir de agora, efetivamente utilizado para a finalidade à qual foi idealizado,
i.e., como autêntica forma de inserção e colaboração do trabalhador na atividade empresarial,
sem prejuízo de sua autodeterminação.
31
GALANTINO, Luisa. Diritto del lavoro.... Op. cit., p. 22.
32
Cf. GALANTINO, Luisa, Diritto del lavoro.... Op. cit., p. 24.
17
6. A PERMANÊNCIA DA “VELHA PARASSUBORDINAÇÃO” EM FACE DO LAVORO A PROGETTO
33
A expressão é extraída de SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. Da velha parassubordinação ao novo contrato
de trabalho a projeto. Disponível <http://www.esmat13.com.br/art_normal.php?id.noticia=935>, acesso em
02/10/2007.
34
Cf., por todos, PIZZOFERRATO, Alberto. Il lavoro a progetto tra finalità antielusive ed esegenze di
rimodulazione delle tutele. Il Diritto del Lavoro, Roma, ano 77, n. 6, nov./dic. 2003, p. 631.
35
Mostra-se sobremaneira interessante, neste ponto, o entendimento de Antonio Viscomi, para quem tais
exceções deram-se ora em virtude da qualificação do sujeito, ora por conta da dificuldade objetiva de reconduzir
a um projeto determinadas atividades contidas em co.co.co.. (VISCOMI, Antonio. Lavoro a progetto e
18
Diante de tais exceções legais, destarte, atualmente é pacífico na Itália o
entendimento de que coexistem no ordenamento as figuras do trabalho a projeto e da
colaboração coordenada e continuativa, sendo esta última aplicável às hipóteses
expressamente mencionadas em lei de exclusão da primeira. Dessa forma, pode-se afirmar, de
maneira geral, que o gênero “parassubordinação” é hoje representado por duas espécies
distintas de relações de colaboração: de um lado, as tradicionais co.co.co., disciplinadas pelo
art. 409, n. 3 do Codice di Procedura Civile, e, de outro, os novos contratos de trabalho a
projeto previstos pelo dls. nº 276/2003.
Tratando-se de uma das espécies do trabalho parassubordinado, infere-se que
também o contrato a projeto deve ser interpretado como forma de prestação autônoma de
trabalho, consoante acima já se explicitou36. No que concerne a sua tutela, contudo, este
apresenta peculiaridades em relação às típicas co.co.co., vez que a ele são aplicadas as regras
relativas ao trabalho autônomo clássico (arts. 2.222 e seguintes do Codice Civile), as normas
de direito laboral que foram sendo gradativamente estendidas às co.co.co. (cf. supra, item 3)
e, ainda, determinados direitos que restaram expressamente consagrados pelo decreto nº
276/2003 – os quais serão analisados com mais vagar em outra ocasião desta obra.
Essa diferenciação de tutela entre as duas espécies de parassubordinação leva
Antonio Viscomi a afirmar que, no que concerne à modulação conferida aos colaboradores,
atualmente se pode falar em uma colaboração “forte” e outra “fraca”. Colacione-se a lição de
referido autor:
occasionale: osservazioni critiche. In G. GHEZZI (a cura di). Il lavoro tra progresso e mercificazione. Roma:
Ediesse, 2004, p. 319).
36
Cf. supra, item 2.1..
37
VISCOMI, Antonio. Lavoro a progetto e occasionale..., Op. cit., p. 317.
19
Com efeito, observa-se que, com o decreto-legislativo nº 276/2003, houve uma
extensão dos direitos conferidos a essa espécie de trabalhador parassubordinado cujo contrato
é marcado pela existência de um projeto ou programa. Todavia, a doutrina italiana ainda hoje
se manifesta, freqüentemente, pelo necessário engrandecimento das tutelas aplicáveis aos
prestadores continuativos e coordenados – e não apenas do contrato a projeto, mas também
com relação às co.co.co. –, reconhecendo-se a característica essencial de dependência por
esses ostentada.
Diante de tais considerações, pode-se apresentar um quadro das relações de
trabalho hoje existentes na Itália, com a respectiva tutela a elas dispensada. Inicialmente, tem-
se o trabalho subordinado clássico, com tutela processual trabalhista (art. 409 do C.P.C.) e
tutela material também trabalhista (art. 2094 do C.C.). De outra parte, existe o trabalho
autônomo, subdividido em a) autonomia clássico, com tutela processual civil e tutela material
também civil (art. 2222 do C.C.), b) relações de co.co.co, com tutela processual trabalhista
(art. 409 do C.P.C.) e tutela material civil, com a extensão de algumas normas de cunho social
e c) o lavoro a progetto, com tutela processual trabalhista (art. 409 do C.P.C) e tutela material
civil, com a extensão conferida pelas normas de cunho social e pelos dispositivos do dls. nº
276/2003.
7. CONCLUSÕES
BIBLIOGRAFIA
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