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RICOEUR, Paul. Fase documental: a memória arquivada. In: _____.

A memória, a
história, o esquecimento. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2007.

 “Será preciso, contudo, não esquecer que tudo tem início não nos arquivos, mas com o
testemunho, e que, apesar da carência principal de confiabilidade do testemunho, não
temos nada melhor que o testemunho, em última análise, para assegurar-nos de que
algo aconteceu, a que alguém atesta ter assistido pessoalmente, e que o principal, se
não às vezes o único recurso, além de outros tipos de documentação, continua a ser o
confronto entre testemunhos.” p. 156
 “... ao passar da memória à historiografia, mudam de signo conjuntamente o espaço no
qual se deslocam os protagonistas de uma história narrada e o tempo no qual os aconte-
cimentos narrados se desenrolam.” p. 156
 “As lembranças de ter morado em tal casa de tal cidade ou de ter viajado a tal
parte do mundo são particularmente eloqüentes e preciosas; elas tecem ao mesmo
tempo uma memória íntima e urna memória compartilhada entre pessoas
próximas: nessas lembranças tipos, o espaço corporal é de imediato vinculado ao
espaço do ambiente, fragmento da terra habitável, com suas trilhas mais ou menos
praticáveis, seus obstáculos variadamente transponíveis; é “árduo”, teriam dito os
Medievais, nosso relacionamento com o espaço aberto à prática tanto quanto à
percepção.” p. 157
 “Mas colocar-se deslocar-se são atividades primordiais que fazem do lugar algo a ser
buscado.” p. 157
 “Para dizer a verdade, os deslocamentos do corpo e mesmo a sua manutenção, no lugar
não se deixam nem dizer, nem pensar, nem sequer, no limite, experimentar, sem alguma
referência, ao menos alusiva, aos pontos, linhas, superfícies, volumes, distâncias,
inscritos em um espaço destacado da referência ao aqui e ao acolá inerentes ao corpo
próprio.” p. 158
 “É nos confins do espaço vivido e do espaço geométrico que se situa o ato de habitar.”
p. 158
 “Seja ele espaço de fixação no qual permanecer, ou espaço de circulação a percorrer, o
espaço construído consiste em um sistema de sítios para as interações mais importantes
da vida.” p. 159
 “É na escala do urbanismo que melhor se percebe o trabalho do tempo no espaço. Urna
cidade confronta no mesmo espaço épocas diferentes, oferecendo ao olhar urna história
sedimentada dos gostos e das formas culturais. A cidade se dá ao mesmo tempo a ver e
a ler.” p. 159
 “Com respeito à questão que desencadeou as observações precedentes, a do
desligamento do espaço dos geógrafos e dos historiadores em relação ao espaço da
experiência viva, ancorada por sua vez na extensão do corpo e de seu ambiente, não se
deve valorizar exclusivamente a ruptura. Evocamos mais acima o esquema de uma
alternância de rupturas, de suturas e de retomadas em um nível superior das
determinações que dependem do plano existencial.” p. 161
 “Em conclusão, da fenomenologia dos “locais” que seres de carne e osso ocupam,
abandonam, perdem, reencontram – passando pela inteligibilidade própria da
arquitetura –, até a geografia que descreve um espaço habitado, o discurso do espaço
traçou ele também um percurso ao sabor do qual o espaço vivido é alternadamente
abolido pelo espaço geométrico e reconstruído no nível hipergeométrico da
oikoumenê.” p. 162
 “Esse caráter primitivo do sentimento dos intervalos resulta da relação que o tempo
mantém com o movimento: se o tempo é “alguma coisa do movimento”, é preciso uma
alma para distinguir dois instantes, relacioná-los um ao outro como o anterior ao
posterior, apreciar sua diferença (heteron) e medir os intervalos (to metaxu), operações
graças às quais o tempo pode ser definido como ‘o número do movimento segundo o
anterior-posterior’.” p. 163
 “Dito isso, a contribuição do tempo calendárico consiste em uma modalidade pro-
priamente temporal de inscrição, a saber, um sistema de datas extrínsecas aos acon-
tecimentos. Assim como no espaço geográfico os lugares referidos ao aqui absoluto do
corpo próprio e do ambiente se tornam locais quaisquer que se deixam inscrever entre
os sítios cujo plano é desenhado pela cartografia, também o momento presente com seu
agora absoluto torna-se urna data qualquer entre todas aquelas cujo calendário permite
o cálculo exato no âmbito deste ou daquele sistema calendárico aceito por uma parte
mais ou menos extensa da humanidade.” p. 164
 “Reconhecemos ainda o tempo calendárico ou crônico no tempo da cronometria e da
cronologia. O primeiro designa os ciclos curtos ou longos do tempo que retorna, anda
em círculos: dia, semana, mês, ano; o segundo designa o tempo linear dos períodos
longos: século, milênio, etc., dos quais a escansão é diversamente pontuada por eventos
fundamentais e fundadores.” p. 165
 “Por cronosofia, Pomian entende as grandes periodizações da história como as do islã e
do cristianismo (em Daniel e Santo Agostinho) e suas tentativas de colocar-se em
correspondência com a cronologia; enfrentam-se nesse campo as cronosofias religiosas
e as cronosofias políticas; aparece na Renascença uma periodização em termos de
‘épocas’ da arte li no século XVIII em termos de ‘séculos’.” p. 166
 “Não admitimos de bom grado o estatuto cronosófico da idéia, ainda familiar aos
historiadores profissionais, de tempo linear cumulativo e irreversível. A cronosofia do
tempo cíclico na virada do século XX bastaria para lembrá-lo.” p. 167
 “O conceito de épocas (op. cit., capítulo 3) é talvez o mais perturbador, na medida em
que parece superpor-se à cronologia para recortá-la em grandes períodos. Assim
continuamos, no Ocidente, a dividir o ensino da história e até da pesquisa entre
Antigüidade, Idade Média, Tempos Modernos, mundo contemporâneo.” p. 167
 “‘Assumida em sua realidade essencial, a língua é uma instância, continuamente e a
cada instante, em processo de transição antecipatória. [...] Em si mesma, a língua não é
uma obra acabada (ergon), mas uma atividade que se está fazendo (energeia). Por isso,
sua verdadeira definição só pode ser genética.’ (apud L’Ordre du temps, p. 209).” p.
169
 “Com o testemunho inaugura-se um processo epistemológico que parte da memória
declarada, passa pelo arquivo e pelos documentos e termina na prova documental.” p.
170
 “Além disso, no próprio interior da esfera histórica o testemunho não encerra sua
trajetória com a constituição dos arquivos, ele ressurge no fim do percurso
epistemológico no nível da representação do passado por narrativas, artifícios retóricos,
colocação em imagens. Mais que isso, sob certas formas contemporâneas de
depoimento suscitadas pelas atrocidades em massa do século XX, ele resiste não
somente à explicação e à representação, mas até à colocação em reserva nos arquivos, a
ponto de manter-se deliberadamente à margem da historiografia e de despertar dúvidas
sobre sua intenção veritativa.” p. 170
 “A atividade de testemunhar, capturada aquém da bifurcação entre seu uso judiciário e
seu uso historiográfico, revela então a mesma amplitude e o mesmo alcance que a de
contar, em virtude do manifesto parentesco entre as duas atividades, às quais será
preciso em breve acrescentar o ato de prometer, cujo parentesco com o testemunho
permanece mais dissimulado. O arquivamento, do lado histórico, e o depoimento
perante um tribunal, do lado judiciário, constituem usos determinados prescritos de um
lado para a prova documental, do outro, para a emissão da sentença. O uso corrente na
conversação comum preserva melhor os traços essenciais do ato de testemunhar que
Dulong resume na seguinte definição: “Uma narrativa autobiográfica autenticada de
um acontecimento passado, seja essa narrativa realizada em condições informais ou
formais” (Le Témoin oculaire, p. 43).” p. 172
 A especificidade do testemunho consiste no fato de que a asserção de realidade é
inseparável de seu acoplamento com a autodesignação do sujeito que testemunha.
Desse acoplamento procede a fórmula típica do testemunho: eu estava lá. O que se
atesta é indivisamente a realidade da coisa passada e a presença do narrador nos locais
da ocorrência. E é a testemunha que de início se declara testemunha.” p. 172
 “É por isso que a impressão afetiva de um acontecimento capaz de tocar a testemunha
com a força de um golpe não coincide necessariamente com a importância que lhe
atribui o receptor do testemunho.” p. 173
 “A testemunha confiável é aquela que pode manter seu testemunho no tempo. Essa
manutenção aproxima o testemunho da promessa, mais precisamente da promessa
anterior a todas as promessas, a de manter sua promessa, de manter a palavra.” p. 174
 “O que faz a instituição é inicialmente a estabilidade do testemunho pronto a ser
reiterado, em seguida a contribuição da confiabilidade de cada testemunho à segurança
do vínculo social na medida em que este repousa na confiança na palavra de outrem.”
p. 174
 “... o crédito outorgado à palavra de outrem faz do mundo social um mundo
intersubjetivamente compartilhado. Esse compartilhamento é o componente principal
do que podemos chamar “senso comum”. E ele que é duramente afetado quando
instituições políticas corrompidas instauram um clima de vigilância mútua, de delação,
no qual as práticas mentirosas solapam as bases da confiança na linguagem.” p. 175
 “O momento do arquivo é o momento do ingresso na escrita da operação histo-
riográfica. O testemunho é originariamente oral; ele é escutado, ouvido. O arquivo é
escrita; ela é lida, consultada. Nos arquivos, o historiador profissional é um leitor.” p.
176
 “O arquivo apresenta-se assim como um lugar físico que abriga o destino dessa espécie
de rastro que cuidadosamente distinguimos do rastro cerebral e do rastro afetivo, a
saber, o rastro documental.” p. 177
 “... o arquivo promove a ruptura com o ouvir-dizer do testemunho oral. Naturalmente,
se os escritos constituem a porção principal dos depósitos de arquivos, e se entre os
escritos os testemunhos das pessoas do passado constituem o primeiro núcleo, todos os
tipos de rastros possuem a vocação de ser arquivados. Nesse sentido, a noção de
arquivo restitui ao gesto de escrever toda a amplitude que lhe confere o mito do Fedro.
Pela mesma razão, toda defesa do arquivo permanecerá em suspenso, na medida em
que não sabemos, e talvez não saibamos jamais, se a passagem do testemunho oral ao
testemunho escrito, ao documento de arquivo, é, quanto a sua utilidade ou seus
inconvenientes para a memória viva, remédio ou veneno.” p. 178
 “... um documento de arquivo está aberto a quem quer que saiba ler; ele não tem,
portanto, um destinatário, designado, diferentemente do testemunho oral, dirigido a um
interlocutor preciso; além disso, o documento que dorme nos arquivos é não somente
mudo, mas órfão; os testemunhos que encerra desligaram-se dos autores que os
“puseram no mundo”; estão submetidos aos cuidados de quem tem competência para
interrogá-los e assim defendê-los, prestar-lhes socorro e assistência.” p. 179
 “Se se pode falar de observação em história, é porque o rastro é para o conhecimento
histórico o que a observação direta ou instrumental é para as ciências naturais. O
testemunho figura aí na condição de primeira subcategoria; ele traz de imediato a
marca que distingue seu emprego na história de seu emprego nas trocas ordinárias nas
quais predomina a oralidade.” p. 180
 “Além da interdição elementar da contradição formal – um acontecimento não pode ao
mesmo tempo ser e não ser –, a argumentação vai da arte de desmascarar as imperícias
dos plagiários, de discernir as inverossimilhanças notórias, até a lógica das
probabilidades.” p. 184
 “‘Na crítica do testemunho, quase todos os dados são viciados’ (op. cit., p. 116) – com
a probabilidade do juízo de autenticidade produzido pelo leitor de arquivos. Entre o pró
e o contra, a dúvida se faz instrumento de conhecimento na avaliação dos graus de
verossimilhança da combinação escolhida.” p. 184
 “‘Como o do médico, o conhecimento histórico é indireto, indiciário e conjetural’ (op.
cit., p. 154). Nisso a escrita, a textualidade, que desmaterializa a oralidade, não muda
coisa alguma, pois é ainda e sempre de casos individuais que trata o historiador.” p.185
 “O benefício da contribuição de C. Ginzburg é então o de estabelecer urna dialética do
indício e do testemunho no interior da noção de rastro e de, assim, dar ao conceito de
documento toda sua envergadura. Ao mesmo tempo, a relação de complementaridade
entre testemunho e indício vem inscrever-se no círculo da coerência interna-externa
que estrutura a prova documental.” p. 185
 “... o beneficiário da operação seria o conceito de documento, soma dos indícios e dos
testemunhos, cuja amplitude final alcança a amplitude inicial do rastro.” p. 186
 “Coloca-se nesse estágio a noção de prova documental, que designa a porção de
verdade histórica acessível nessa etapa da operação historiográfica.” p. 188
 “... não há observação sem hipóteses nem fato sem perguntas. Os documentos só falam
quando lhes pedem que verifiquem, isto é, tornem verdadeira, tal hipótese.” p. 188
 “Rastro, documento, pergunta formam assim o tripé de base do conhecimento
histórico.” p. 188
 “Para o historiador, o documento não está simplesmente dado, como a idéia de rastro
deixado poderia sugerir. Ele é procurado e encontrado. Bem mais que isso, ele é
circunscrito, e nesse sentido constituído, instituído documento, pelo questionamento.”
p. 189
 “Torna-se assim documento tudo o que pode ser interrogado por um historiador com a
idéia de nele encontrar uma informação sobre o passado.” p. 189
 “Ora, esses testemunhos orais só se constituem em documentos depois de gravados;
eles deixam então a esfera oral para entrar na da escrita, distanciando-se, assim, do
papel do testemunho na conversação comum. Pode-se dizer então que a memória está
arquivada, documentada. Seu objeto deixou de ser uma lembrança, no sentido próprio
da palavra, ou seja, algo retido numa relação de continuidade e de apropriação com
respeito a um presente de consciência.” p. 189
 “O fato não é o acontecimento, ele próprio devolvido à vida de uma consciência
testemunha, mas o conteúdo de um enunciado que visa a representá-lo. Nesse sentido,
deveríamos sempre escrever: o fato de que isto ou aquilo aconteceu. Assim
compreendido, pode-se dizer do fato que ele é construído pelo procedimento que o
extrai de uma série de documentos dos quais se pode dizer que, em troca, o
estabelecem.” p. 190

Fichamento realizado por Sirlene Ribeiro Góes

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