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VII Colóquio Internacional Marx-Engels

GT 1 – A obra teórica de Marx

Uma caracterização geral da ideologia segundo a interpretação lukácsiana

Nara Roberta Silva1

Ao longo de suas obras, Marx, abordou, de maneira direta e indireta, diversos


elementos componentes do que se convém chamar de superestrutura, a qual sobre a base
material de uma sociedade se levanta (cf. Marx, 1982, p. 25) – por exemplo, a filosofia, a
religião, entre outros. No presente trabalho, interessa-nos analisar o que é entendido como
ideologia, apresentando alguns aspectos concernentes à sua caracterização e, por conseguinte,
equacionando, ainda que amplamente, o seu lugar e a sua específica influência em meio à
formação social.
Sem podermos nos aprofundar nos extensos debates que envolveram e ainda envolvem
a questão da ideologia na obra marxiana, limitemo-nos a afirmar que, na ausência de
sistematização de uma concepção da mesma pelo próprio Marx (cf. Ranieri, 2002-2003, p. 20),
tomaremos, para a construção de nossa análise, as proposições de Lukács, formuladas no
período de maturidade intelectual deste. A partir dessa adoção, conduziremos nossas
afirmações com base em um estudo teórico de certos escritos de Marx e de alguns intérpretes
próximos à perspectiva elegida, de forma a considerar que, sendo a teoria social marxiana
constituída enquanto um denso e interligado edifício conceitual, é então necessário
compreender a problemática da ideologia à luz de Marx por meio da unidade característica ao
referido edifício. Mais precisamente, a leitura de Lukács indica que o trabalho, entendido
enquanto elemento central da vida social, é o fio condutor da obra marxiana e, assim, a nosso
ver, é coerente distinguirmos a ideologia a partir de sua fundamentação em tal elemento. Na
retomada de tal distinção, acreditamos ser possível unificar as esparsas indicações sobre o tema
feitas por Marx, contornando, em certo sentido, a referida ausência de uma concepção
sistematizada de ideologia. Para além disso, a fundamentação da ideologia no trabalho revela
que, de fato, o movimento da ideologia está relacionado ao movimento da produção material
de uma dada sociedade, mas nem por isso pode ser o fenômeno ideológico qualificado segundo

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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do IFCH/Unicamp.
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características como: ilusão, falsidade, engodo etc. – conforme comumente são interpretadas
certas afirmações de Marx.

O lugar da ideologia
Em contraposição às formulações da Economia Política, de Hegel e de Feuerbach,
Marx constrói seu sistema teórico a partir da importância detida pela atividade humana, a qual
então inovadoramente reconhece. Em outras palavras, ao dar lugar ao que chama nas Teses
sobre Feuerbach de práxis, ele supera a falsa separação entre sujeito e objeto empreendida
pelo materialismo vulgar e, ao mesmo tempo, a identidade mística entre ambos desenhada pelo
idealismo hegeliano, à medida que, com tal atividade humana, não se pode nem desconsiderar
a objetividade descartada pelo idealismo e nem erigir uma dicotomia entre realidade objetiva e
subjetividade, de modo que, como pontua, “A disputa sobre a realidade e a não-realidade do
pensamento isolado da práxis – é uma questão puramente escolástica” (Idem, ibidem, p. 12,
grifo da edição original).
Complementarmente, essa relação não-dicotômica aludida se coloca como a própria
base do movimento histórico. Mais precisamente, a história, para Marx, diz respeito aos
movimentos práticos dos homens, está intimamente relacionada com a atividade prática ou o
trabalho dos mesmos, sendo por eles construída – lembrando que se refere nosso autor aos
homens reais, “de que só se pode[m] abstrair na imaginação” (Marx e Engels, 2007, p. 86,
acréscimo nosso), os quais, a partir de seus próprios atos, erigem um movimento incessante de
satisfação e surgimento de necessidades (cf. Idem, ibidem, p. 33). Em tal movimento, por sua
vez, esclarece-se que o trabalho não se restringe ao ato laborativo em si. O surgimento
incessante de necessidades e a igualmente incessante intervenção no mundo expõem que
produzir não é um momento isolado; ao contrário, a produção só existe enquanto processo
contínuo, que sempre se coloca a si mesmo (cf. Marx, 1985c, p. 153).
A produção alicerçada no trabalho termina, então, por expandir-se e criar outros tipos
de atividade e de necessidades mais complexas e diversas. Na verdade, devido ao próprio
desenrolar da atividade produtiva, à base material necessariamente se vinculam outros
elementos, tais quais momentos da produção em específico – por exemplo, como criações
teóricas e/ou como formas de consciência –, emergentes por meio desta própria base, atuantes
sobre ela e influentes no seu próprio desenvolvimento.
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Desse modo, as representações, opiniões, idéias etc. – em suma, a consciência – são
determinadas pela base material e podemos dizer, assim, que a ideologia guarda vínculo
insuprimível com as condições produtivas e, portanto, econômicas da formação social na qual
se encontra. Todavia, já a partir do reconhecimento da importância do elemento subjetivo,
sabemos da importância dos aspectos vinculados à consciência para o rumo da história e, por
isso, para compreender a ideologia, é preciso ir além de sua determinação pela base material,
elucidando sua especificidade enquanto forma de consciência, de representação.
A primeira observação a fazer a partir daí é, então, sublinhar que a produção é sempre
produção social. De fato, Marx (1985a) coloca que, em qualquer momento histórico, é
necessário que os sujeitos produzam coletivamente, de modo que o trabalho, como “um
processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo
com a Natureza” (Marx, 1985b, p. 149), só ocorre como associação de aspectos de reprodução
imediata e aspectos que a estes não estão diretamente ligados, da forma como viemos então nos
referindo. Sendo, então, a produção intrinsecamente social e, numa tendência a cada vez mais
sê-lo, é impossível que, com isso, não se façam presentes na mesma e, por conseguinte, na
formação social, interferências de interesses humano-societários – muitas vezes bastante
divergentes entre si. É com tais interferências que emergem e se apresentam questões, conflitos
e impasses que só se colocam no plano coletivo e social.
À ideologia, então, cabe a incidência nesses problemas que só são colocados
socialmente. Mais precisamente, acreditamos que a ideologia concerne aos aspectos de
organização social. Para isso, ela configura-se como uma elaboração teórico-espiritual
específica, onde se representam variados aspectos necessários para a vida dos homens em
sociedade. Essas representações, segundo precisam Marx e Engels (2007, p. 93),

são representações, seja sobre sua relação com a natureza, seja sobre suas relações
entre si ou sobre sua própria condição natural (...). É claro que, em todos esses
casos, essas representações são uma expressão consciente – real ou ilusória – de
suas verdadeiras relações e atividades, de sua produção, de seu intercâmbio, de sua
organização social e política (grifo nosso).

Relativas às relações dos homens consigo próprio, com outros homens e com o
ambiente que os cercam, “A ideologia está colocada na esfera da produção intelectual e
reflexiva acerca da própria existência humana” (Ranieri, 2002-2003, p. 22). Com tal conteúdo,
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as representações ideológicas carregam a pretensão de influenciar a vivência social, a maneira
como a sociedade e os indivíduos que a compõem vão se organizar, de modo que seu norte,
então, é a produção enquanto um ato social. Ao fundamentar-se na ressonância no campo da
produção, as formas ideológicas se apresentam, finalmente, enquanto um elemento regulador,
pelas quais se expressa o caráter coletivo de uma tal formação social e com as quais se busca
afirmá-lo, conformando seus moldes. Segundo esclarece Marx (1982, p. 25):

é necessário distinguir sempre entre a transformação material das condições


econômicas de produção, que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência
natural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em
resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência desse
conflito e o conduzem até o fim (grifo nosso).

A partir disso, podemos dizer que o alvo da ideologia são estes conflitos de cunho
social, caracterizados em sentido amplo, a partir da colocação dos interesses humano-
societários aos quais já fizemos referência, e que, assim, não têm sua dimensão previamente
fixada – ou seja, podemos entender tanto problemas de nível mais imediato, que atingem mais
direta e/ou pontualmente a formação social, quanto questões relativas a um âmbito mais geral
e/ou existencial da vida humana. Apreendendo, então, os largos contornos os quais podem
adquirir o fenômeno ideológico, sintetiza simplesmente Mészáros (2008) que a ideologia é a
consciência prática do conflito social.
Pensar que a ideologia se constrói a partir da confrontação de distintos interesses
sociais, existentes devido à própria conformação da vida humana em relações coletivas, sugere
que o fenômeno ideológico, visando intervir conflitos sociais que então emergem, está sujeito
às mais diversas contraditoriedades do movimento do que Lukács chama de ser social –
expressão da totalidade na qual inevitável e necessariamente se configura a vida
caracteristicamente humana. Contudo, a apreensão de tal fundamento é só um primeiro passo
dado para a explanação da ideologia e que deve, então, ser desenvolvido.

Ideologia como projeto


É patente, pelos pontos acima levantados, a amplitude e a possível diversidade de
manifestação do fenômeno ideológico, relativa ao seu papel na intervenção nos momentos de

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conflito caracteristicamente social e devido à sua vinculação à base produtiva ou à base do
trabalho.
Sem descartar esse aspecto, avancemos pontuando que, com tais conflitos, desenha-se
uma situação na qual é crucial a ação humana, para e na escolha de uma das possibilidades
históricas abertas a partir do desenrolar da atividade produtiva. Assim, a ideologia,
representando – como vimos acima – elementos concernentes à vida dos homens em coletivo,
apresenta-se como o momento ideal da ação dos mesmos (cf. Ranieri, 2002-2003; Vaisman,
2009). Nesse sentido, ela põe-se como o momento de tomada de consciência de uma dada
situação e, por isso, operacionaliza e equaliza a ação a ser então empreendida com vistas,
obviamente, à resolução do conflito originado a partir do arranjo social.
À medida que, porém, não estamos mais tratando de um processo estritamente empírico
– e sim de produtos daí advindos, de caráter teórico/espiritual, localizados no âmbito da
consciência –, vemos que sua incidência deve dar-se em um “alvo” peculiar – qual seja: o
próprio comportamento dos homens, os quais são os portadores das ações e das atitudes que
vêm a constituir a formação social então em questão e atribuir os moldes desta. Conforme
sintetiza Lukács (1981, p. 25), há, com a necessidade de influenciar os rumos a serem tomados
coletivamente, “todo um campo de reações desejadas (ou não desejadas) em relação a fatos,
situações, obrigações, etc. sociais” e, com isso, podemos dizer que, de específica maneira, à
ideologia cabe a formação da própria subjetividade humana. Contudo, esse aspecto último não
pode ser considerado isoladamente, como dizendo respeito somente à formação de uma dada
individualidade por si só.
Isso é facilmente compreendido se temos em conta o seguinte: se cabe à ideologia a
inserção nos problemas práticos da sociedade, em função do referido confronto entre interesses
distintos, com vistas a atingir os momentos que a configuram enquanto coletividade
organizada, é indissociável dela, então, o caráter de projeto – de um projeto para a formação
social. Dito de outro modo, ao ser um componente da prática humana, a ideologia contribui nos
rumos para os quais caminham os homens e, com isso, é prenhe dos objetivos que devem ser
por eles considerados. Acerca deste aspecto, sintetiza Tertulian (2008, p. 73): “a ideologia
jamais é puro reflexo, mas um projeto e uma justificação” (grifos da edição original).
Desse modo, o foco da ideologia é compatibilizar a subjetividade humana com certas
possibilidades objetivas abertas pelo desenvolvimento social, a fim de que se concretizem
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tendências que estão de acordo com alguns objetivos coletivos em questão. Formar a
subjetividade, assim, não tem um sentido difuso. Ao contrário, neste empreendimento, está
presente uma necessidade objetiva, que vincula a tal formação a contribuição necessária para a
afirmação ou a negação da ordem vigente, para a manutenção ou para a mudança dos aspectos
e do modo como se organiza a sociedade, em consonância ao(s) projeto(s) para a formação
social em questão.
Para além dessa específica conformação da subjetividade e em complementaridade à
mesma, o caráter de projeto torna claro o aspecto de luta que Marx aponta como característico
das ideologias em seu célebre Prefácio de 1859 de Para a crítica da economia política, então
supracitado. Mais especificamente, na constante emergência e efetivação de uma representação
ideológica, de acordo com um dado projeto, vão se conformando as subjetividades dos
indivíduos, sempre existentes em potencial divergência a partir dos distintos interesses, de
modo que se revela que as ações dos homens não subsistem por si só e isoladamente e que,
através delas, são consolidadas certas tendências presentes no decurso histórico. Com isso,
intencionando esta prática responsável pelo mover-se histórico, a ideologia somente se
concretiza a partir do alinhamento das consciências individuais a grupos sociais que
consubstanciam possibilidades objetivas então abertas, sendo imanente a ela a tensão oriunda à
disputa por tais consciências e acerca de qual caminho a produção social tomará.
Em função da exacerbação das contradições no sistema capitalista, onde os embates
entre os grupos, sobretudo enquanto classes sociais, passam a fazer parte mais acentuadamente
de todos os âmbitos da vida social, é mais claro, em meio a tal modo de produção, a referida
luta que rege o confronto de ideologias. Contudo, ainda que diversos aspectos característicos
do fenômeno ideológico revelem-se de modo mais eminente a partir do capitalismo, não
devemos compreender que a ideologia se restringe a tal forma de sociedade.
Pontuemos novamente que viemos qualificando a ideologia segundo sua constituição
enquanto momento ideal da prática humana e segundo sua capacidade de intervenção em
momentos caracteristicamente sociais da formação humana. Desse modo, a ideologia é um
“episódio necessário da prática humana” (Ranieri, 2002-2003, p. 24) e sua emergência ditada
pelo arranjo da estrutura social é somente possível por caracterizar-se a formação social
enquanto uma coletividade organizada. Assim sendo, é plenamente possível o seu advento em
sociedades anteriores à capitalista, pois já nesses momentos os homens configuram, em
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parâmetros específicos, coletivamente sua atividade, o que abre a possibilidade de uma
eventual ou mesmo necessária intervenção nos comportamentos dos sujeitos que em tais
sociedades atuam, devido a conflitos os quais possam vir a emergir.
Não há como negar, porém, que o destaque dado por Marx foi à ideologia da classe
dominante, principalmente em sua manifestação burguesa. Ainda assim, busquemos extrair de
algumas proposições feitas por ele acerca de tal representação ideológica elementos que,
organizados, podem harmonicamente se incorporar à caracterização geral aqui feita, dando
maior coerência às próprias proposições que temos em mente – as quais então serão igualmente
relacionadas e explicadas a partir da fundamentação da ideologia no trabalho.

Sobre a ideologia dominante e a “falsa consciência”


De forma enfática, Marx e Engels (2007, p. 47) esclarecem, n’A ideologia alemã, que
“As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes, isto é, a classe que é
a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante”.
A partir de tal assertiva, juntamente com outras contidas na obra em questão, desenrolaram-se
inúmeras polêmicas – sobre as quais, já afirmamos ao início do presente trabalho, não
poderemos infelizmente nos deter.
Para nós, importa ao momento colocar que Marx e Engels distinguem que, para a
prevalência da dominância da ideologia da classe dominante, tem grande peso a detenção, por
parte da mesma, de um arsenal/aparato instrumental, institucional e/ou discursivo, que torna o
impacto de uma dada representação ideológica em meio à formação social exeqüível (cf.
Mészáros, 2008, p. 8). Em outras palavras, nossos autores acreditam que do mesmo modo que
os indivíduos, ao não serem detentores dos meios de produção, estão submetidos
economicamente à classe dominante, estão eles submetidos a tal classe do ponto de vista
intelectual e espiritual, pois lhes “faltam os meios da produção espiritual” (Marx e Engels,
2007, p. 47) – os quais pertencem, em correspondência aos meios de produção material, à
referida classe dominante. Os membros desta classe, assim, controlam a produção e a
distribuição das idéias presentes em seu tempo histórico.
Desse modo, para além de interpretações simplistas feitas não só desse fragmento, mas
de toda a obra A ideologia alemã, temos expresso, por meio do destaque dado por Marx à
ideologia dominante e ao aparato/arsenal a ela adjacente, um componente fundamental para a
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dinâmica de atuação da ideologia. Todavia, não compreendamos a partir disso que as formas
institucionais/instrumentais ou que o discurso ideológico criam, por si mesmos, a(s)
ideologia(s) vigente(s) numa formação social. Como já defendemos neste texto, o advento
da(s) mesma(s) ocorre, fundamentalmente, em função do objetivo arranjo social, o qual, na
explicitação de certos conflitos, questões e/ou impasses coletivos, consolida certas
possibilidades e tendências históricas, a serem efetivadas pela prática dos sujeitos.
Isso posto, é importante então acrescentar: devendo os indivíduos ser o “alvo” do
fenômeno ideológico e atingidos pelo mesmo, é necessário, para o êxito da efetivação de uma
de tais possibilidades e tendências historicamente abertas, que a ideologia se mescle e faça
parte da cotidianidade dos homens – âmbito este reconhecido por Marx a partir da própria
necessidade afirmada de que, por meio do trabalho, seja cumprida a reprodução social
“diariamente, a cada hora, simplesmente para manter os homens vivos” (Marx e Engels, 2007,
p. 33). Desse modo, em sua peculiaridade como forma de consciência, como produto teórico-
espiritual humano, a ideologia, como todos estes produtos, tem sua origem na atividade
humana que constrói a produção social, mas, em seu desenvolvimento, deve manter “viva” sua
correspondência à condição humana e aos atos concretos dos homens – para que justamente
possa a ideologia ser fundida à sua prática.
Sendo assim, a nosso ver, a relevância que, então, têm as formas institucionais, as
formas instrumentais e o discurso ideológico – relevância maior conforme o desenvolvimento
social e o acirramento das contradições – vem no esteio da necessidade de que sejam sempre
consideradas as vivências compartilhadas pelos homens, à medida que tais instrumentos e afins
se colocam sempre em meio aos homens e mulheres aos quais visam influenciar.
Por conseguinte, longe de quaisquer simplismo e reducionismo, a mistificação que
acompanha e é propagada pelo aparato da ideologia dominante, também ressaltada por Marx e
Engels (2007, p. 94) por meio, por exemplo, da metáfora da câmara escura, não deve ser vista
como um mero ardil. Existente a partir das necessidades do grupo social dominante, a
mistificação é parte necessária na conformação de uma consciência e de uma prática que, dia-
a-dia, diuturnamente, se submetam a e possibilitem uma forma exploração, agindo como mais
um modo de forjar a subjetividade segundo um dado projeto de sociedade.
A consideração dos fatores acima elencados nos mostra, então, que é bastante frágil a
proposição de que a ideologia deve, necessariamente, apresentar-se enquanto uma falsa
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consciência ou uma consciência invertida. Mais precisamente, se pensarmos na determinação
material desta específica forma de consciência e sua impossibilidade de autonomia, que
responde a necessidades advindas do desenrolar da produção humana, encaminhando os
sujeitos atuantes em uma sociedade de acordo com certas tendências objetivas, concebemos
que o mais importante não é associar a forma de representação aqui tratada à específica posição
da classe dominante política e economicamente ou então ao seu caráter progressista ou
retrógrado, falso ou verdadeiro, correspondente ou não-correspondente ao conteúdo social da
realidade objetiva. Esclarece Mészáros (2008, p. 11):

A questão da “falsa consciência” é um momento subordinado dessa consciência


prática circunscrita pela época e, como tal, sujeita a uma multiplicidade de
condições especificadoras, que devem ser avaliadas concretamente em seu próprio
cenário (grifo da edição original).

Finalmente, se não é a partir dos aspectos supracitados que podemos qualificar a


ideologia, teçamos breves e últimas palavras, com vistas a concluir nossa proposta.

Ideologia a partir de sua função social


A última citação de Mészáros apontou que a ideologia se trata, fundamentalmente, de
uma consciência prática – por ser voltada à ação – circunscrita pelo momento histórico no qual
se encontra. Desse modo, a ideologia deve ser pensada, antes, a partir de sua atuação na
formação social e o caráter que manifestamente tem uma dada representação ideológica
constitui-se, assim, como momento subordinado do que podemos chamar de função social da
ideologia: “É a função social que decide se alguma coisa se torna ou não ideologia, sobre este
fato a gnosiologia, pela sua natureza, nada tem a dizer” (Lukács, 1981, p. 118).
Ao elucidarmos sua função social, congregamos os aspectos concernentes à ideologia
anteriormente levantados, a saber: sua determinação pela realidade objetiva, sua intervenção
nos conflitos sociais, sua caracterização enquanto momento ideal da prática dos homens, seus
condicionamentos no cotidiano destes e a conformação dos mesmos de acordo com caminhos
relacionados a um projeto para a formação social, onde a subjetividade é então compatibilizada
com tendências objetivas abertas.
Vale sublinhar que, de forma alguma temos, ao avaliarmos os fenômenos ideológicos
em termos de função social, a busca à correspondência a uma prévia concepção de sistema
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social. Na verdade, quando pensamos em função, temos em mente a tradução do lugar que a
ideologia detém na produção social, que a leva a ser conformada pelos limites postos
objetivamente por esta e, ao mesmo tempo, moldar os mesmos. Em meio a tal produção, a
tarefa de dirimir conflitos configura a ideologia enquanto determinado-determinante – ou, da
mesma forma, determinante-determinado.
Enfim, é considerando a função social da ideologia que podemos, de fato, perceber a
relevância do momento subjetivo em Marx, expondo, ainda, que seu sistema teórico abre a
possibilidade para uma profunda e rica compreensão da vida social – para além das
interpretações que reduziram suas propostas, diminuindo sua contribuição para o entendimento
da história e do tempo presente, sobretudo quando o tema é ideologia e transformação social.

Bibliografia
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