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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do IFCH/Unicamp.
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características como: ilusão, falsidade, engodo etc. – conforme comumente são interpretadas
certas afirmações de Marx.
O lugar da ideologia
Em contraposição às formulações da Economia Política, de Hegel e de Feuerbach,
Marx constrói seu sistema teórico a partir da importância detida pela atividade humana, a qual
então inovadoramente reconhece. Em outras palavras, ao dar lugar ao que chama nas Teses
sobre Feuerbach de práxis, ele supera a falsa separação entre sujeito e objeto empreendida
pelo materialismo vulgar e, ao mesmo tempo, a identidade mística entre ambos desenhada pelo
idealismo hegeliano, à medida que, com tal atividade humana, não se pode nem desconsiderar
a objetividade descartada pelo idealismo e nem erigir uma dicotomia entre realidade objetiva e
subjetividade, de modo que, como pontua, “A disputa sobre a realidade e a não-realidade do
pensamento isolado da práxis – é uma questão puramente escolástica” (Idem, ibidem, p. 12,
grifo da edição original).
Complementarmente, essa relação não-dicotômica aludida se coloca como a própria
base do movimento histórico. Mais precisamente, a história, para Marx, diz respeito aos
movimentos práticos dos homens, está intimamente relacionada com a atividade prática ou o
trabalho dos mesmos, sendo por eles construída – lembrando que se refere nosso autor aos
homens reais, “de que só se pode[m] abstrair na imaginação” (Marx e Engels, 2007, p. 86,
acréscimo nosso), os quais, a partir de seus próprios atos, erigem um movimento incessante de
satisfação e surgimento de necessidades (cf. Idem, ibidem, p. 33). Em tal movimento, por sua
vez, esclarece-se que o trabalho não se restringe ao ato laborativo em si. O surgimento
incessante de necessidades e a igualmente incessante intervenção no mundo expõem que
produzir não é um momento isolado; ao contrário, a produção só existe enquanto processo
contínuo, que sempre se coloca a si mesmo (cf. Marx, 1985c, p. 153).
A produção alicerçada no trabalho termina, então, por expandir-se e criar outros tipos
de atividade e de necessidades mais complexas e diversas. Na verdade, devido ao próprio
desenrolar da atividade produtiva, à base material necessariamente se vinculam outros
elementos, tais quais momentos da produção em específico – por exemplo, como criações
teóricas e/ou como formas de consciência –, emergentes por meio desta própria base, atuantes
sobre ela e influentes no seu próprio desenvolvimento.
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Desse modo, as representações, opiniões, idéias etc. – em suma, a consciência – são
determinadas pela base material e podemos dizer, assim, que a ideologia guarda vínculo
insuprimível com as condições produtivas e, portanto, econômicas da formação social na qual
se encontra. Todavia, já a partir do reconhecimento da importância do elemento subjetivo,
sabemos da importância dos aspectos vinculados à consciência para o rumo da história e, por
isso, para compreender a ideologia, é preciso ir além de sua determinação pela base material,
elucidando sua especificidade enquanto forma de consciência, de representação.
A primeira observação a fazer a partir daí é, então, sublinhar que a produção é sempre
produção social. De fato, Marx (1985a) coloca que, em qualquer momento histórico, é
necessário que os sujeitos produzam coletivamente, de modo que o trabalho, como “um
processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo
com a Natureza” (Marx, 1985b, p. 149), só ocorre como associação de aspectos de reprodução
imediata e aspectos que a estes não estão diretamente ligados, da forma como viemos então nos
referindo. Sendo, então, a produção intrinsecamente social e, numa tendência a cada vez mais
sê-lo, é impossível que, com isso, não se façam presentes na mesma e, por conseguinte, na
formação social, interferências de interesses humano-societários – muitas vezes bastante
divergentes entre si. É com tais interferências que emergem e se apresentam questões, conflitos
e impasses que só se colocam no plano coletivo e social.
À ideologia, então, cabe a incidência nesses problemas que só são colocados
socialmente. Mais precisamente, acreditamos que a ideologia concerne aos aspectos de
organização social. Para isso, ela configura-se como uma elaboração teórico-espiritual
específica, onde se representam variados aspectos necessários para a vida dos homens em
sociedade. Essas representações, segundo precisam Marx e Engels (2007, p. 93),
são representações, seja sobre sua relação com a natureza, seja sobre suas relações
entre si ou sobre sua própria condição natural (...). É claro que, em todos esses
casos, essas representações são uma expressão consciente – real ou ilusória – de
suas verdadeiras relações e atividades, de sua produção, de seu intercâmbio, de sua
organização social e política (grifo nosso).
Relativas às relações dos homens consigo próprio, com outros homens e com o
ambiente que os cercam, “A ideologia está colocada na esfera da produção intelectual e
reflexiva acerca da própria existência humana” (Ranieri, 2002-2003, p. 22). Com tal conteúdo,
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as representações ideológicas carregam a pretensão de influenciar a vivência social, a maneira
como a sociedade e os indivíduos que a compõem vão se organizar, de modo que seu norte,
então, é a produção enquanto um ato social. Ao fundamentar-se na ressonância no campo da
produção, as formas ideológicas se apresentam, finalmente, enquanto um elemento regulador,
pelas quais se expressa o caráter coletivo de uma tal formação social e com as quais se busca
afirmá-lo, conformando seus moldes. Segundo esclarece Marx (1982, p. 25):
A partir disso, podemos dizer que o alvo da ideologia são estes conflitos de cunho
social, caracterizados em sentido amplo, a partir da colocação dos interesses humano-
societários aos quais já fizemos referência, e que, assim, não têm sua dimensão previamente
fixada – ou seja, podemos entender tanto problemas de nível mais imediato, que atingem mais
direta e/ou pontualmente a formação social, quanto questões relativas a um âmbito mais geral
e/ou existencial da vida humana. Apreendendo, então, os largos contornos os quais podem
adquirir o fenômeno ideológico, sintetiza simplesmente Mészáros (2008) que a ideologia é a
consciência prática do conflito social.
Pensar que a ideologia se constrói a partir da confrontação de distintos interesses
sociais, existentes devido à própria conformação da vida humana em relações coletivas, sugere
que o fenômeno ideológico, visando intervir conflitos sociais que então emergem, está sujeito
às mais diversas contraditoriedades do movimento do que Lukács chama de ser social –
expressão da totalidade na qual inevitável e necessariamente se configura a vida
caracteristicamente humana. Contudo, a apreensão de tal fundamento é só um primeiro passo
dado para a explanação da ideologia e que deve, então, ser desenvolvido.
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conflito caracteristicamente social e devido à sua vinculação à base produtiva ou à base do
trabalho.
Sem descartar esse aspecto, avancemos pontuando que, com tais conflitos, desenha-se
uma situação na qual é crucial a ação humana, para e na escolha de uma das possibilidades
históricas abertas a partir do desenrolar da atividade produtiva. Assim, a ideologia,
representando – como vimos acima – elementos concernentes à vida dos homens em coletivo,
apresenta-se como o momento ideal da ação dos mesmos (cf. Ranieri, 2002-2003; Vaisman,
2009). Nesse sentido, ela põe-se como o momento de tomada de consciência de uma dada
situação e, por isso, operacionaliza e equaliza a ação a ser então empreendida com vistas,
obviamente, à resolução do conflito originado a partir do arranjo social.
À medida que, porém, não estamos mais tratando de um processo estritamente empírico
– e sim de produtos daí advindos, de caráter teórico/espiritual, localizados no âmbito da
consciência –, vemos que sua incidência deve dar-se em um “alvo” peculiar – qual seja: o
próprio comportamento dos homens, os quais são os portadores das ações e das atitudes que
vêm a constituir a formação social então em questão e atribuir os moldes desta. Conforme
sintetiza Lukács (1981, p. 25), há, com a necessidade de influenciar os rumos a serem tomados
coletivamente, “todo um campo de reações desejadas (ou não desejadas) em relação a fatos,
situações, obrigações, etc. sociais” e, com isso, podemos dizer que, de específica maneira, à
ideologia cabe a formação da própria subjetividade humana. Contudo, esse aspecto último não
pode ser considerado isoladamente, como dizendo respeito somente à formação de uma dada
individualidade por si só.
Isso é facilmente compreendido se temos em conta o seguinte: se cabe à ideologia a
inserção nos problemas práticos da sociedade, em função do referido confronto entre interesses
distintos, com vistas a atingir os momentos que a configuram enquanto coletividade
organizada, é indissociável dela, então, o caráter de projeto – de um projeto para a formação
social. Dito de outro modo, ao ser um componente da prática humana, a ideologia contribui nos
rumos para os quais caminham os homens e, com isso, é prenhe dos objetivos que devem ser
por eles considerados. Acerca deste aspecto, sintetiza Tertulian (2008, p. 73): “a ideologia
jamais é puro reflexo, mas um projeto e uma justificação” (grifos da edição original).
Desse modo, o foco da ideologia é compatibilizar a subjetividade humana com certas
possibilidades objetivas abertas pelo desenvolvimento social, a fim de que se concretizem
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tendências que estão de acordo com alguns objetivos coletivos em questão. Formar a
subjetividade, assim, não tem um sentido difuso. Ao contrário, neste empreendimento, está
presente uma necessidade objetiva, que vincula a tal formação a contribuição necessária para a
afirmação ou a negação da ordem vigente, para a manutenção ou para a mudança dos aspectos
e do modo como se organiza a sociedade, em consonância ao(s) projeto(s) para a formação
social em questão.
Para além dessa específica conformação da subjetividade e em complementaridade à
mesma, o caráter de projeto torna claro o aspecto de luta que Marx aponta como característico
das ideologias em seu célebre Prefácio de 1859 de Para a crítica da economia política, então
supracitado. Mais especificamente, na constante emergência e efetivação de uma representação
ideológica, de acordo com um dado projeto, vão se conformando as subjetividades dos
indivíduos, sempre existentes em potencial divergência a partir dos distintos interesses, de
modo que se revela que as ações dos homens não subsistem por si só e isoladamente e que,
através delas, são consolidadas certas tendências presentes no decurso histórico. Com isso,
intencionando esta prática responsável pelo mover-se histórico, a ideologia somente se
concretiza a partir do alinhamento das consciências individuais a grupos sociais que
consubstanciam possibilidades objetivas então abertas, sendo imanente a ela a tensão oriunda à
disputa por tais consciências e acerca de qual caminho a produção social tomará.
Em função da exacerbação das contradições no sistema capitalista, onde os embates
entre os grupos, sobretudo enquanto classes sociais, passam a fazer parte mais acentuadamente
de todos os âmbitos da vida social, é mais claro, em meio a tal modo de produção, a referida
luta que rege o confronto de ideologias. Contudo, ainda que diversos aspectos característicos
do fenômeno ideológico revelem-se de modo mais eminente a partir do capitalismo, não
devemos compreender que a ideologia se restringe a tal forma de sociedade.
Pontuemos novamente que viemos qualificando a ideologia segundo sua constituição
enquanto momento ideal da prática humana e segundo sua capacidade de intervenção em
momentos caracteristicamente sociais da formação humana. Desse modo, a ideologia é um
“episódio necessário da prática humana” (Ranieri, 2002-2003, p. 24) e sua emergência ditada
pelo arranjo da estrutura social é somente possível por caracterizar-se a formação social
enquanto uma coletividade organizada. Assim sendo, é plenamente possível o seu advento em
sociedades anteriores à capitalista, pois já nesses momentos os homens configuram, em
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parâmetros específicos, coletivamente sua atividade, o que abre a possibilidade de uma
eventual ou mesmo necessária intervenção nos comportamentos dos sujeitos que em tais
sociedades atuam, devido a conflitos os quais possam vir a emergir.
Não há como negar, porém, que o destaque dado por Marx foi à ideologia da classe
dominante, principalmente em sua manifestação burguesa. Ainda assim, busquemos extrair de
algumas proposições feitas por ele acerca de tal representação ideológica elementos que,
organizados, podem harmonicamente se incorporar à caracterização geral aqui feita, dando
maior coerência às próprias proposições que temos em mente – as quais então serão igualmente
relacionadas e explicadas a partir da fundamentação da ideologia no trabalho.
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