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O ATIVISMO JUDICIAL COMO PROBLEMA

INTELECTUAL E POLÍTICO NOS ESTADOS UNIDOS:


UMA ANÁLISE CRÍTICA*
Andrei Koerner
Professor de Ciência Política do IFCH-Unicamp; pesquisador do INCT-Ineu e pesquisador
associado do Cedec. São Paulo, SP. Brasil. E-mail: <andreik@uol.com.br>

http://dx.doi.org/10.1590/ 0102-6445233-255/99

Ativismo judicial é um termo utilizado para apreciar as


instituições e agentes judiciais nas democracias contem-
porâneas, com o qual se coloca o problema do papel
apropriado do Poder Judiciário, o modelo de decisão
judicial e o comportamento dos juízes. O termo e seu con-
traponto, a autocontenção, têm como foco a autonomia
de julgamento do juiz na construção do caso e a tomada
de decisão. Essa autonomia se dá no espaço aberto entre
os quadros normativos gerais e os dados fáticos de uma
situação sob julgamento, e parece insuprimível desde a
crítica realista aos modelos formalistas e analíticos. Os crí-
ticos do ativismo pressupõem um modelo de decisão – ou
indicam-no como ideal normativo – que seria capaz de
retomar a univocidade das normas e a determinação das
decisões, e que permitiria justificar a atuação dos juízes
numa democracia constitucional. É dessa forma que, de

*
Análise resumida sobre o tema foi apresentada em Koerner (2013). Este artigo
resulta de atividades realizadas pelo Grupo de Pesquisas sobre Direito e Política do
Centro de Estudos Internacionais e de Política Contemporânea (GPD/Ceipoc) da
Unicamp, no quadro de atividades do INCT/Ineu.

Lua Nova, São Paulo, 99: 233-255, 2016


O ativismo judicial como problema intelectual e político nos Estados Unidos: uma análise crítica

modo geral, o problema tem sido trabalhado em teoria do


direito, filosofia do direito e filosofia moral.
O termo ativismo judicial disseminou-se no debate
político e acadêmico, inicialmente nos Estados Unidos
e, mais tarde, noutros países. Mas o termo, tanto quanto
o seu contraponto, a autocontenção, têm sido criticados
por suas ambiguidades, vieses e efeitos políticos. As críticas
foram sucedidas por tentativas de teorização e refinamen-
to conceitual, em disciplinas como teoria e sociologia do
direito, história e ciência política. Os termos foram incor-
porados à agenda dessa disciplina, e passaram a integrar
os esquemas conceituais com os quais se analisam os temas
relativos ao Judiciário.
Outras críticas foram dirigidas à própria problemática
do ativismo. Foram questionados o enfoque na questão da
autonomia do juiz, a análise demasiadamente simplificado-
ra dos processos de decisão judicial e a colagem dos agentes
234 a suas identidades institucionais. Afirmam que os termos da
problemática são determinados pela questão normativa de
estabelecer o papel adequado do Judiciário na democracia
e que ela toma o ativismo e seu oposto como dados, e não
se questiona sobre a maneira pela qual eles emergiram. Ou
seja, não se problematizam as práticas e os processos efeti-
vos pelos quais o tema se constituiu historicamente. Seria
necessário indagar as condições e os motivos pelos quais ele
apareceu num determinado momento histórico e quais as
suas transformações. A partir dessas considerações, os críti-
cos rejeitaram a problemática, mas reconheceram que ela é
relevante em sua própria pretensão crítica, uma vez que o
problema sobre ativismo e autocontenção indica a maneira
pela qual se dá o debate público sobre o Judiciário e a Cons-
tituição nos Estados Unidos.
O presente artigo faz uma análise crítica desse debate,
com o objetivo de mostrar como nele se coloca o problema da
análise do direito como prática normativa nas democracias

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Andrei Koerner

contemporâneas1. A conclusão indica alguns caminhos para


essa análise, desenvolvidos pelo autor em outro trabalho
(Koerner, 2016 [no prelo]). A análise tomou como ponto
de partida revisões bibliográficas sobre o tema, citadas na
bibliografia, e selecionou para apresentação livros e artigos
pioneiros e/ou relevantes para os objetivos propostos.

A emergência do ativismo como problema no debate


público norte-americano
O problema do papel político do Judiciário no governo
representativo tem longa história. Na Revolução Francesa,
o controle dos magistrados era central, dada a percepção
do risco de eles atuarem para restaurar os privilégios por
meio da interpretação das leis. No século XIX, nos regi-
mes parlamentaristas e de monarquia constitucional, os
juízes ordinários eram excluídos do julgamento de ques-
tões de direito público, enquanto no campo privado a
decisão judicial era pensada segundo modelos de estri- 235
ta vinculação à letra da lei ou à estrutura conceitual do
direito. Mas ao longo do século a jurisdição administrativa
tornou-se semelhante à comum, ao mesmo tempo que se
questionavam os modelos estritos de interpretação das leis
no direito privado. Estados com organização federal ado-
taram Constituição escrita, o que implicava uma instância
para interpretá-la ao decidir as controvérsias entre os entes
da federação. Depois da Primeira Guerra e até o final dos
anos 1920, a jurisdição constitucional colocou-se no cerne
das tentativas para superar os problemas de instabilidade
política dos regimes parlamentaristas, limitar os poderes
de governos majoritários apoiados por partidos de massas,
particularmente os socialistas, e organizar os novos estados
surgidos com a quebra dos impérios europeus, que neces-

Para uma discussão bibliográfica sobre o direito como prática social, ver
1

Koerner (2012).

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O ativismo judicial como problema intelectual e político nos Estados Unidos: uma análise crítica

sitavam estruturas federais e instrumentos para a proteção


dos direitos de minorias. O Judiciário norte-americano era
tomado como referência, e a justiça constitucional era vis-
ta seja como instrumento para racionalizar a democracia
parlamentar seja como gouvernement des juges (Baumert,
2009). No Brasil, houve tensões desde o Segundo Reinado
até a Primeira República, em particular o confronto entre
as prerrogativas do presidente da república e a proteção
dos direitos civis e políticos (Koerner, 1998).
Nos Estados Unidos, o problema passa a ser formulado
a partir do final da Segunda Guerra sob a forma do ativis-
mo judicial, e se torna central no debate político desde
o final dos anos 1960. Arthur Schlesinger teria utilizado
pela primeira vez o termo, em artigo na revista Fortune,
em 1947, para distinguir os juízes da Suprema Corte em
dois campos, do ativismo e da autocontenção. Ele alertava
sobre os perigos do ativismo judicial para a democracia e
236 sustentava que o Judiciário só deveria intervir quando se
tratasse de defender os direitos políticos. Os termos funda-
mentais do problema já estavam postos: juízes não eleitos
versus leis promulgadas democraticamente; julgamentos
fundados em princípios ou voltados a resultados; uso estri-
to ou criativo dos precedentes; supremacia da democracia
versus direitos humanos; direito versus política (Schlesin-
ger apud Kmiec, 2004, pp. 1444-49).
O termo já adquiria carga valorativa por colocar o pro-
blema da forma apropriada de decisão judicial em relação
às prerrogativas das outras instituições governamentais.
O ativismo era adotado do ponto de vista do observador,
era associado ao pragmatismo e ao progressismo político e
tinha sentido positivo por valorizar juízes que utilizavam o
judicial review para salvaguardar os direitos básicos na demo-
cracia. É a partir das decisões da Corte Warren, em especial
Brown v. Board of Education, de 1954, que o termo recebeu
conotação negativa geral e passou a ser crescentemente

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utilizado, inclusive pelos próprios juízes, para criticar as


decisões judiciais2.
Assim, se o termo se refere a um problema político dura-
douro, alcançou novas dimensões políticas a partir daque-
la época, ao mesmo tempo que se formularam novas teo-
rias sobre ele. O debate tem duas dimensões inseparáveis:
primeiro, o seu uso normativo e analítico, e, segundo, a sua
utilização como recurso discursivo no processo político. No
que segue, serão apresentadas linhas gerais do termo em
teorias normativas e em ciência política, acompanhadas das
críticas aos termos e à própria problemática. As implicações
políticas serão apresentadas na conclusão.

O ativismo judicial como problema normativo


O debate normativo é marcado por diferentes concepções
sobre o papel apropriado das cortes e das técnicas de decisão
judicial. Discutem-se as relações entre representantes eleitos
e juízes não eleitos, ou a conciliação entre controle da cons- 237
titucionalidade e democracia. Este é o tema central, a obses-
são, da reflexão acadêmica jurídico-constitucional norte-
-americana (Lindquist e Cross, 2009, p. 21; Friedman, 2002).
Nos anos 1950, os juristas acadêmicos enfrentavam
o problema de justificar a atuação da Suprema Corte,
marcada por um duplo standard, o de se autolimitar em
questões no campo econômico, mas inovar em decisões
para fortalecer os direitos civis e políticos. Os juristas
progressistas formados no período anterior ao New Deal
colocavam em primeiro plano a crítica à legitimidade
democrática da Suprema Corte e valorizavam as políti-
cas promovidas por leis gerais e planos governamentais,
voltados à sociedade em seu conjunto. Por sua vez, os

2
Kmiec (2004, pp. 1443 e 1459, nota 105) conta uma média de 450 artigos por
ano que utilizam o termo, em 2003. O uso era crescente também em decisões
judiciais, federais e estaduais.

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O ativismo judicial como problema intelectual e político nos Estados Unidos: uma análise crítica

conservadores haviam adotado, até o New Deal, a doutri-


na tradicional segundo a qual a Suprema Corte atuava
para a proteção dos direitos contra decisões arbitrárias da
maioria. Mas o pensamento jurídico formalista, que fun-
damentava a separação entre direito e política, havia sido
desacreditado completamente pelo pensamento jurídico
realista, que reconhecia a indeterminação das decisões
judiciais e sua vinculação a preferências e a fins 3. Assim,
os conservadores criticavam nos anos 1950 as decisões da
Corte do ponto de vista dos seus resultados, apontando-
-as como errôneas, mas sem atacar diretamente o judicial
review (Friedman, 2002). Desse modo, os conservadores
tendiam a valorizar a Suprema Corte, mas seu modelo de
decisão judicial precisava superar o formalismo enquan-
to os progressistas precisavam justificar as decisões pelos
direitos civis em termos que ultrapassassem o subjetivismo
atribuído à decisão judicial pelo realismo.
238 Os conflitos entre os juízes no interior da Suprema
Corte sobre a legitimidade e extensão do judicial review tra-
duziam-se em posições intelectuais antagônicas no campo
acadêmico, representado pelas escolas de Harvard (teoria
do legal process, que defendia a distinção entre raciocínios
jurídico e político, sendo aquele baseado em princípios jurí-
dicos neutros) e de Yale (que defendia o realismo jurídi-
co, para o qual as decisões judiciais eram consideradas uma
espécie de raciocínio político). Nesse ponto, o debate sobre
a dificuldade contramajoritária era no sentido de justificar
o judicial review, apesar das imbricações entre o jurídico e o
político nas decisões judiciais, em especial as da Suprema
Corte (Friedman, 2002).

3
Os formalistas pensam a decisão judicial como uma operação lógica de subsun-
ção do caso particular à norma geral. Os realistas afirmam que, dado que não é
possível determinar de forma unívoca o significado e efeitos da norma geral nos
casos particulares, a decisão judicial comporta um elemento de vontade do juiz na
escolha de meios e fins.

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A dificuldade contramajoritária, formulada por Alexan-


der Bickel (1986 [1962]), ofereceu algumas chaves para as
fundações intelectuais do moderno conservadorismo cons-
titucional. Ele justificava o controle da constitucionalidade,
mas afirmava a sua excepcionalidade, porque, quando a
Suprema Corte declara inconstitucional um ato normativo
dos outros poderes, ela contraria a vontade atual dos repre-
sentantes do povo e assim exerce o controle não em favor,
mas contra a maioria prevalecente. Para ser justificado, o
controle deveria ter seus contornos precisamente definidos
e ser exercido de forma autocontida, pois as leis deveriam
ser invalidadas apenas quando fossem claramente contrá-
rias a princípios neutros. Assim, a ideia de autocontenção
judicial justificava o controle da constitucionalidade, mas
também o seu uso limitado (Bickel, 1986 [1962], pp. 16-17
e 27; Lindquist e Cross, 2009, p. 22).
Nos anos 1970, os conservadores passaram a utilizar a
noção de intenção original dos fundadores e de sentido ori- 239
ginal da Constituição para definir o papel da Suprema Cor-
te, com o que podiam criticar o governo pelos juízes, sem
atacar de frente o próprio Poder Judiciário. O originalismo
propugnava que os juízes deveriam determinar o significado
da Constituição tal qual ela foi ratificada ou emendada, pois
seria este o significado aprovado pelo povo e, portanto, o
legítimo. Se orientassem suas decisões pelo significado atual
da Constituição, os juízes estariam de fato emendando-a
e, pois, criando normas constitucionais ilegítimas porque
distintas das regras determinadas pelo próprio artigo V da
Constituição para a sua emenda. O originalismo oferecia
uma teoria coerente para os casos em que o Judiciário deve-
ria ser deferente aos outros poderes ou atuar na proteção de
direitos, no que se colocavam em primeiro plano as liberda-
des, a propriedade e o federalismo (Keck, 2004, p. 154).
Robert Bork (1965) e Raoul Berger (1977) lideraram
uma geração de pesquisadores originalistas que enfatizaram

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O ativismo judicial como problema intelectual e político nos Estados Unidos: uma análise crítica

a segurança de uma Constituição escrita para persuadir a


Corte a limitar o exercício de seus poderes de proteção aos
direitos. Para Bork, dada a incompatibilidade do judicial
review com o princípio majoritário, o critério de justifica-
ção para a decisão judicial seria a sua adequação à vonta-
de dos “pais fundadores” da Constituição. A Corte deveria
exercer seus poderes apenas se justificada por uma teoria
derivada da Constituição e não poderia decidir baseada em
objetivos de políticas, pois isso ultrapassava seu mandato.
Seu entendimento era baseado no relativismo ético e ceti-
cismo quanto aos direitos constitucionais e insistia que, nas
situações em que o material constitucional não especificasse
claramente o valor constitucional a ser preferido, não have-
ria maneira de, com base em princípios, preferir um valor
humano ou outro e, portanto, a Corte deveria se abster de
decidir (Keck, 2004, pp. 152-54).
O livro de Raoul Berger, Government by Judiciary, de 1977,
240 é um marco como panfleto de crítica contra a Suprema
Corte. Ele defendia que a intenção original dos autores da
Constituição não foi criar uma Corte que agisse como uma
convenção constitucional permanente, mas de policiar o
respeito aos limites desenhados pela Constituição. A Corte
deveria se manter vinculada ao sentido original, no qual a
Constituição foi aceita e ratificada pela nação, para manter
um governo consistente e estável. No caso da Décima-Quarta
Emenda, os objetivos do legislador haviam sido limitados e,
pois, a expansão, pela Corte Warren, da igual proteção para
outros domínios violava outros princípios da Constituição,
como as atribuições dos estados. Ao interpretar a emenda
em sentido diametralmente oposto àquela intenção origi-
nal, a Corte teria passado a reescrever a Constituição e uti-
lizado autoridade que não detinha. Com isso, ela teria feri-
do as bases do governo constitucional e perdido o respeito
do público, o que era a essência da sociedade democrática.
Cabia aos acadêmicos fortalecer a consciência pública de

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que a Corte havia transbordado os seus limites e que lhe


faltava legitimidade pública. Sugeria, ainda, medidas para
controlar os magistrados, como excluí-los de decisões sobre
políticas públicas ou expô-los à aprovação popular (Berger,
1977, pp. 1-10, 407-409, 415-18).
É nesse contexto que a doutrina da Law and Economics
na Universidade de Chicago recebe impulsos que a torna-
riam o mainstream no pensamento jurídico norte-america-
no. Acrescentaram à crítica de falta de legitimidade demo-
crática do Judiciário a dos malefícios da “engenharia social
liberal”, na qual as cortes estariam engajadas, dada a falta
de capacidade institucional para administrar instituições
governamentais complexas e alcançar amplas reformas
sociais. Nathan Glazer observava, em 1975, que se estava
diante de um “Judiciário imperial”, que contrariava a von-
tade popular e afirmava que os ramos políticos do gover-
no teriam mais recursos que as cortes para determinar a
melhor maneira de responder a problemas públicos e, se 241
não haviam tratado certos problemas particulares, era por-
que haviam concluído que não havia conhecimento, recur-
sos ou simplesmente vontade para fazê-lo. Esses argumen-
tos eram colocados por outros conservadores como Donald
Horowitz, e constitucionalistas, como Philip Kurland (Keck,
2004, pp. 140-41).
As críticas estridentes continuaram no debate público4.
O livro de Mark Levin, Men in black: how the Supreme Court is
destroying America, de 2005, atribui a juízes ativistas o abuso
do seu mandato constitucional, ao produzirem leis para
impor suas crenças e preconceitos pessoais ao resto do país
(Roosevelt III, 2006, pp. 12-13). Christopher Wolfe (1997)
atribui como causa do ativismo os modelos de decisão judicial
do pensamento evolucionista e sociológico, para os quais a

4
Outro exemplo é o livro de Carter (1973). Sobre a estratégia de expansão do
pensamento conservador no campo jurídico, ver Teles (2008).

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O ativismo judicial como problema intelectual e político nos Estados Unidos: uma análise crítica

decisão deveria ser informada pelos processos sociais e vol-


tada a governá-los, o que implicava a não diferenciação dos
papéis de legislar e de julgar. O caso Brown teria sido o pas-
so crucial na passagem ao ativismo contemporâneo, pois,
em vez de se fundar na intenção original da Décima-Quarta
Emenda, a Corte se baseou em dados de ciências sociais que
levavam à conclusão de que a doutrina “iguais, mas sepa-
rados” produzia efeitos de desigualdades entre brancos e
negros, o que era questionado na época por outras evidên-
cias. Estimulados pelo sucesso, os juízes passaram a atuar
como reformadores sociais em outros casos. Ele propõe uma
teoria normativa oposta à teoria do realismo jurídico, no
que rejeita a perspectiva sociológica e distingue a legislação
da interpretação e aplicação da lei (Wolfe, 1997, pp. 2 e 19).
Em defesa do ativismo judicial, adotaram-se argumentos
elitistas, segundo os quais o Judiciário seria uma instância for-
mada por homens experimentados e prudentes com o papel
242 de limitar os poderes de representantes eleitos, suplementar
aos demais poderes governamentais e preservar a Constitui-
ção (Miller, 1982). O ativismo judicial não seria mais do que a
atuação da Corte em decisões fundadas em princípios e regras
constitucionais, de defesa da Constituição contra as invasões e
excessos dos outros poderes. A Suprema Corte tinha o papel
de exercer a liderança moral perante a população, como uma
instância oracular. O cerne da sua missão seria o fortalecimento
e atualização do código simbólico que estrutura o conjunto da
sociedade, dado pela ideia de dignidade humana. Este servi-
ria de orientação para as suas decisões, que permitiriam aos
cidadãos ascenderem para além das pequenas tiranias cotidia-
nas e ver a totalidade social (Miller, 1982, pp. 191-92). Outro
argumento é que a maioria das decisões consideradas ativistas
eram aceitas e defendidas pela sociedade e, se a Corte adotas-
se a estrita deferência aos demais poderes, manteria em vigor
leis que violam a Constituição (Roosevelt III, 2006, p. 174;
Lindquist e Cross, 2009, p. 25).

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A validade e o refinamento analítico do termo


Desde que começou a ser utilizado, o termo ativismo, assim
como o seu complemento, a autocontenção, teve sua valida-
de posta em questão e foram formuladas propostas para tor-
ná-lo mais preciso e empiricamente útil. No volume Supreme
Court: activism and restraint, organizado por Halpern e Lamb
(1982), a primeira coleção de textos de ciência política que
tratou o debate sob uma pluralidade de perspectivas, vários
colaboradores mantiveram o termo. Outros cogitaram seu
abandono como categoria para a análise, dados os seus pro-
blemas empíricos e ambiguidades.
Para Marvin Shick (1982), o elemento central do ativis-
mo seria a noção de que os juízes devem decidir os casos,
sem evitar questões relevantes ou complexas, e que o Poder
Judiciário deveria ser utilizado amplamente, expandindo o
escopo e o volume da litigação e interpretação constitucio-
nal. O ativismo seria a confiança no papel judicial para esta-
belecer novas normas – para legislar; os juízes não seriam 243
apenas orientados segundo políticas, mas o fariam de forma
aberta, esforçando-se para conformar o direito para realizar
as suas preferências; eles acreditariam que haveria um remé-
dio judicial para os males sociais levados à Corte e que seria
dever do juiz promover direitos e valores sociais; e, enfim,
adotariam um estilo de decisão, com uso excessivo da polê-
mica e de recursos retóricos, com os quais colocariam em
primeiro plano a exortação do bom e do justo para educar
o público e convencer seus colegas. Por sua vez, a autocon-
tenção indicaria aos juízes evitarem questões que geram
conflitos ou complexas e que apenas escolhessem os casos
que envolvessem claramente questões de direito (Shick,
1982, pp. 44-49).
Bradley Canon (1982) propôs uma estrutura para a
análise do ativismo judicial aplicada a decisões da Suprema
Corte em direito constitucional, na qual fossem removidos
ou minimizados os componentes ideológicos ou motivações

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O ativismo judicial como problema intelectual e político nos Estados Unidos: uma análise crítica

associadas ao termo. Ele designaria uma significativa mu-


dança na política pública, provocada por uma decisão da
Suprema Corte e que teria a sua legitimidade questionada
porque seria percebida como inadequada para as crenças
articuladas sobre o papel apropriado da Corte no sistema
político. Valendo-se dos critérios postos pelo debate consti-
tucional, ele define seis dimensões para caracterizar o fenô-
meno5 e distingue três graus: alto, médio ou inexistente.
Sua estrutura caracteriza o ativismo como um fenômeno
multidirecional e gradativo, que não tem relação linear
com ideologias políticas ou apreciações sobre a correção
das decisões judiciais enquanto tais. O quadro analítico
permitiria medir as diversas decisões da Suprema Corte,
organizadas segundo temas, em ordem temporal ou por
juiz (Canon, 1982, pp. 386-89; 413-14).
As tentativas em políticas públicas e política compa-
rada de definir dimensões analíticas de categorias para a
244 pesquisa empírica dos modelos do ativismo e da judicia-
lização da política adotaram os critérios propostos pelos
conservadores para a qualificação normativa do compor-
tamento dos juízes e o questionamento da legitimidade da
atuação da Suprema Corte nos anos 1970 (Holland, 1991;
Jackson e Tate, 1992; Tate, 1992). Assim, Donald Jackson
(1992) parte das doutrinas dos neoconservadores William
Rehnquist (nomeado Chief Justice por Reagan) e Edwin
Meese (Attorney General do governo Reagan) para concluir
sobre as dificuldades em estabelecer uma definição rigo-
rosa sobre o que devem fazer os juízes e os representantes
eleitos. No entanto, formula um framework for comparative
analysis, tomando como base o modelo institucional norte-

5
Ele as define como escalas que se referem a: (1) intervenção judicial nos proces-
sos democráticos; (2) estabilidade das decisões judiciais; (3) interpretação construti-
va ou contextual das normas; (4) decisão judicial sobre políticas substantivas em vez
da preservação de processos democráticos; (5) limitação da discricionariedade dos
governantes; e (6) substituição dos políticos pelos juízes em decisões relevantes.

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-americano e as categorias formuladas por aqueles autores.


Nelas se supõe uma clara divisão entre o campo das polí-
ticas públicas, próprio à decisão majoritária, e o da prote-
ção de direitos fundamentais, próprio à decisão judicial.
Os termos originalismo e deferência dos juízes aos legis-
ladores e administradores são a referência para o quadro
de análise elaborado para ser utilizado em pesquisas com-
paradas.
Holland (1991) considera o ativismo como a ado-
ção de técnicas e objetivos não compatíveis com o papel
apropriado das cortes. O caso Lochner seria indicativo
de que o ativismo judicial emerge quando os juízes não
se sentem mais restringidos pelo direito (law), e sua ima-
ginação é capturada por doutrinas variadas como o posi-
tivismo jurídico, o historicismo e a jurisprudência socio-
lógica. O caso Brown v. Board of Education, de 1954, mos-
traria uma corte voltada a promover a mudança social,
realizando uma espécie de engenharia social, com o uso 245
de pesquisas sociológicas e decisões prospectivas, que
visariam alterar atitudes e valores públicos e redistribuir
poder político e riqueza. O ativismo teria causas sociais
mais gerais, como a abertura do sistema político do país
aos grupos de pressão, que combinariam a sua atuação
junto aos legisladores à ação judicial, a perda do sentido
de comunidade e a expansão da moralidade individua-
lista, a emergência do legislador profissional interessado
na reeleição e a crise de legitimidade dos Estados capi-
talistas, com a perda de confiança nos representantes e
funcionários. Esses fatores, somados ao comportamento
inadequado dos juízes, faria o ativismo e a judicializa-
ção aumentarem nos anos subsequentes (Holland, 1991,
pp. 17-20, 26-29). Assim, um quadro idealizado de nítida
separação dos poderes e cultura cívica soma-se à teoria
de que a decisão judicial deveria ser limitada ao direito
objetivo posto na norma constitucional.

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O ativismo judicial como problema intelectual e político nos Estados Unidos: uma análise crítica

No modelo proposto por Tate e Vallinder (1995), o ati-


vismo é uma das condições para a judicialização da políti-
ca, e é definido como a orientação do juiz para contrariar a
política majoritária. O tema da judicialização da política foi
proposto para um seminário internacional em 1992, publi-
cado em uma revista (IPSR, 1994) e, em seguida, no livro
organizado por Tate e Vallinder. Ele se tornou central no
debate de política comparada, ciência política e direito cons-
titucional em outras partes do mundo, incluindo o Brasil.
As tentativas de fazer pesquisa empírica sobre o ati-
vismo continuaram. O livro de Lindquist e Cross (2009),
Measuring judicial activism, propõe estabelecer um conceito
operacional de ativismo judicial, pois eles consideram que
o termo capturaria um importante aspecto dos governos
contemporâneos, em que as cortes têm se envolvido em
políticas públicas e levam o Legislativo a adotar as políticas
determinadas por elas. Apesar da dificuldade de mensura-
246 ção, poder-se-ia reconhecer “mais ou menos” ativismo, com
variações entre países e ao longo do tempo. O ativismo seria
um polo de uma escala contínua, cujo oposto seria a con-
tenção judicial (Lindquist e Cross, 2009, pp. 30-31).
Yung (2011) propõe uma maneira sistemática de medir
os níveis relativos de ativismo dos juízes com base na pro-
pensão de o juiz privilegiar o seu próprio julgamento, colo-
cando-o acima de outro ator constitucionalmente significa-
tivo. Ele simplesmente mede a taxa na qual os juízes privi-
legiaram sua própria visão sobre a de outros. Seu estudo
enfoca tribunais de apelação, toma todas as decisões, e não
só as que envolvem o judicial review, e procura identificar o
padrão geral de comportamento dos juízes. Ao examinar
como os juízes respeitam os padrões tanto de deferência ou
não no agregado, ele determinou a taxa, relativa a outros
juízes, em que um juiz substitui pelo seu julgamento o de
um juiz inferior. No entanto, não encontrou correlação do
ativismo com a ideologia do juiz.

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As críticas ao uso analítico do termo têm sido tão


duradouras quanto as tentativas de defini-lo. Já em 1955,
McWhinney criticava os termos ativismo e contenção judi-
cial, apontando que eles não eram excludentes nem con-
trapostos, pois ambos poderiam ser encontrados até num
mesmo voto (Kmiec, 2004, pp. 1451-52). Na coletânea orga-
nizada por Halpern e Lamb em 1982, vários autores levanta-
vam objeções: seria difícil delinear as bases e limites da con-
tenção judicial, pois os juízes raramente adotam as máximas
de forma consistente (Lamb, 1982). Os juízes seriam incon-
sistentes ao longo do tempo, exerceriam a contenção de
forma seletiva e tenderiam a favorecer certas ideologias ou
interesses (Champagne e Nagel, 1982, pp. 315-16). O com-
portamento dos juízes não seria explicado pela deferência,
pois seus votos seriam expressões de suas atitudes em rela-
ção às políticas. A autocontenção significaria que os juízes
seriam deferentes ao juízo dos outros poderes a respeito de
uma questão apenas quando eles aprovam o resultado desse 247
juízo. Se eles são deferentes, o fazem de forma calculada,
pois, como qualquer mortal, deferem às ideias e instituições
que aprovam (Spaeth e Teger, 1982, p. 278; Novak, 1982).
Roosevelt III (2006) indica que a contenção judicial
supõe uma espécie de aplicação direta da Constituição, o
que seria uma fantasia, em particular em casos relevantes
e controversos. O significado claro não está presente em
nenhuma das decisões constitucionais controvertidas, pois
elas tratam justamente de situações em que não há consen-
so nem a respeito de quais serão as bases a partir das quais
o debate poderá ser colocado6. As críticas de que a Corte se

6
O mesmo vale para o originalismo que, segundo ele, não é capaz de oferecer
respostas corretas para inúmeras questões e o juiz poderia eventualmente se valer
de evidências históricas parciais para chegar a decisões segundo suas preferências
políticas. Além disso, poder-se-ia supor a situação em que o significado de um
dispositivo constitucional se mantém o mesmo, mas a sua aplicação mudou, pela
alteração dos critérios de seu uso (Roosevelt III, 2006, pp. 50-51).

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O ativismo judicial como problema intelectual e político nos Estados Unidos: uma análise crítica

afasta do significado claro da Constituição e que o substitui


pelas motivações pessoais dos juízes não passam de insultos
a eles e não significam mais do que as decisões da Corte
serem contrárias às preferências do próprio enunciador
(Roosevelt III, 2006, pp. 6; 15-21).

Críticas à problemática do ativismo judicial


A problemática posta pelo debate sobre o ativismo judicial foi
redefinida ou rejeitada por alguns autores, que apontaram
para as questões subjacentes àquele debate e propugnaram
a pesquisa histórica e a análise política da sua emergência.
Barry Friedman (2002), elaborou uma história intelec-
tual e política da “obsessão contramajoritária” no pensa-
mento jurídico-constitucional norte-americano da segunda
metade do século XX. O problema é posto com o objetivo
de avaliar a atuação da Suprema Corte. Ele se concentra
em decisões individuais, com análises de curta duração e
248 constrói explicações das decisões judiciais baseadas em
opiniões e comportamentos individuais. Ele tem uma com-
preensão inadequada e simplificada da dinâmica da demo-
cracia norte-americana. Tem como resultado uma atividade
acadêmica que propõe sucessivas soluções ao problema sem
examiná-lo criticamente nem elaborar as suas fundações. A
pesquisa deveria ser baseada empiricamente, para combi-
nar a reflexão normativa com o entendimento de como as
decisões judiciais operam efetivamente. Deveria considerar
também outros problemas, como o papel de outras insti-
tuições não eleitas (banco central, agências reguladoras), o
Judiciário como um todo e os efeitos do judicial review sobre
a dinâmica da democracia norte-americana (Friedman,
2002, pp. 156-67). Seu trabalho histórico-crítico coloca em
relevo o caráter situado e contingente do debate sobre o
ativismo, em que o uso do termo revela pouco mais do que
a posição adotada pelo autor sobre arranjos institucionais
ou resultados de decisões específicas.

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Andrei Koerner

Kmiec (2004) conclui que, apesar de o termo ter sen-


tidos distintos e contraditórios, ele é relevante por abrir o
debate sobre o Judiciário. Ele pode ser um ponto de partida
proveitoso para a conversação sobre temas como a melhor
maneira de interpretar a Constituição, qual o escopo apro-
priado do judicial review, quanto a decisão deve se vincular
aos precedentes e a deferência apropriada dos juízes aos
outros poderes (Kmiec, 2004, p. 1477).
O exercício apropriado da autoridade judicial coloca
uma questão de legitimidade. Os destinatários da decisão
judicial examinam se ela é uma razoável tomada de posi-
ção em termos de deferência aos entes governamentais
cujas decisões foram sujeitas à revisão. Para Roosevelt III,
a Corte exerceria um nível inadequado de deferência ao
recusar ou aderir cegamente à decisão de outro poder
governamental, e assim a decisão seria criticável ao ser
recebida como inaceitável pelos destinatários. O juízo
não implicaria que ela foi motivada pelas preferências 249
dos juízes ou que foi errônea, pois o significado da Cons-
tituição não pode ser determinado de forma inteiramen-
te objetiva7. Então, o grau apropriado de deferência não
seria apenas uma relação posta pelo texto constitucional
ou pela vontade contraposta dos atores institucionais,
pois a legitimidade da decisão seria a sua razoabilidade,
do ponto de vista do entendimento comum sobre o que
a Constituição e as leis significam (Roosevelt III, 2006,
pp. 3, 36-34, 41-45).
Craig Green (2009) também valoriza os debates cotidia-
nos que ocorrem na comunidade jurídica e política sobre o
Judiciário. A relevância do termo ativismo judicial se daria
por ele indicar uma maneira de o público avaliar as decisões

7
Isso não decorre de deficiências do seu texto, mas porque a sua significação re-
mete à compreensão compartilhada que um povo razoável tem dela, e, além disso,
o significado de proposições normativas genéricas não determina como os juízes
devem resolver as questões postas concretamente.

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O ativismo judicial como problema intelectual e político nos Estados Unidos: uma análise crítica

dos juízes e seu sentido seria o “abuso do poder não super-


visionado, que é exercido fora dos limites do papel do Judi-
ciário”. Assim, ele coloca em relevo a responsabilidade de o
juiz usar sua discrição de modo a realizar seus julgamentos
apropriadamente. As críticas e debates públicos fazem parte
das expectativas culturais sobre os juízes e elaboram o con-
trole operativo contra a usurpação judicial. Assim, o termo
representaria discussões cruciais sobre o papel judicial, e
se referem a padrões culturais, em parte implícitos, da tra-
dição jurídica e que não são estabelecidos em lei (Green,
2009, p. 1197). Os padrões para atribuir o termo ativismo
judicial a uma decisão são produzidos por uma mistura de
exemplos históricos e princípios prescritivos, o que permite
identificar limites à decisão judicial e deixar aberto o cami-
nho para a mudança institucional8.
O tema do ativismo judicial indicaria uma função crí-
tica, seria o sinal de uma atividade coletiva e constante de
250 debate na República norte-americana sobre o papel e as
formas de atuação apropriadas para o Poder Judiciário. A
correção e aceitabilidade das decisões judiciais significam
que elas são recebidas e refletidas como a expressão da
regra comum de juízo considerada objetivamente válida,
porque tendencialmente aceita por todos, para além da
sua enunciação.
No entanto, o exercício da função crítica não deve ser
referido a uma comunidade política genérica, mas colo-
cado no quadro da organização social e do Estado, e se
deve considerar o contexto em que o seu tema central pas-
sou a ser o ativismo, isto é, depois das decisões da Corte

8
Esses padrões são identificados a partir das normas e formas de atuação exis-
tentes num certo momento, com um campo variado e altamente seletivo de
exemplos para construir normas judiciais, e aplica apenas princípios com raízes
históricas e institucionais em vez de moralidade ou lógica universais. Ele acres-
centa que os critérios que adota são familiares, uma vez que são os ordinários do
sistema jurídico do país.

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Andrei Koerner

Warren em prol dos direitos civis. Além disso, a função crí-


tica pode ser generalizada para a reflexão sobre o direito
nas democracias constitucionais, na medida em que indica
a problematização das relações entre normatividade jurídi-
ca com a racionalidade governamental, as formas institucio-
nais do governo representativo e os saberes sobre indivídu-
os e populações. O tema do ativismo judicial seria então a
maneira pela qual é formulado o problema da objetivação,
programação e autorreflexão do direito no debate público
e intelectual contemporâneo. A problematização perma-
nente do direito remete a como conhecer e julgar o sistema
jurídico, e como identificar suas características e promover
sua transformação.
Então, o cerne do debate sobre o ativismo leva à rejei-
ção da problemática posta por ele, bem como a dificul-
dade contramajoritária e a judicialização. Os autores pro-
põem nova problemática, que deve ser realizada por uma
análise política e histórica, assim como a discussão nor- 251
mativa sobre o direito, a prática judicial e o pensamento
jurídico nas democracias constitucionais contemporâneas.
Essa análise implica outras questões, conceitos e estraté-
gias de pesquisa.

***

O tema do ativismo judicial coloca o problema de deter-


minar o papel apropriado do Poder Judiciário, o modelo
de decisão judicial e o comportamento dos juízes, de modo
a justificar a atuação de juízes não eleitos na democracia
constitucional. Com ele, supõe-se que haja um padrão his-
tórico objetivo para apreciar e determinar as formas legíti-
mas de atuação dos tribunais e se investe num conjunto de
representações sobre o Judiciário – a exterioridade das nor-
mas, a abstração das categorias, a neutralidade dos juízes e
a fixidez das decisões judiciais.

Lua Nova, São Paulo, 99: 233-255, 2016


O ativismo judicial como problema intelectual e político nos Estados Unidos: uma análise crítica

Mas as controvérsias sobre a prática judicial são intermi-


náveis e cambiantes, nos termos postos e nas posições assu-
midas pelos protagonistas. A pluralidade de significados do
ativismo na linguagem acadêmica tem variações correlatas
em outros campos – nas divergências sobre conceitos e
doutrinas jurídicas, nas orientações jurisprudenciais e nas
polêmicas políticas sobre os modelos e técnicas de decisão
judicial. Desse modo, as propostas de medição do “fenôme-
no” do ativismo serão sempre relativas aos padrões e instru-
mentos de medida adotados, mas com elas se perde de vista
a emergência do tema e suas relações com as mudanças his-
tóricas da prática judicial e da sociedade norte-americana,
além de não considerarem adequadamente as interações
entre os tribunais e o sistema político.
Para além de apontar as limitações analíticas e o viés
normativo do ativismo judicial, observa-se que ele coloca a
questão do direito como prática normativa no quadro das
252 democracias constitucionais contemporâneas. Em que grau
é possível que padrões de medida normativos para as rela-
ções sociais sejam formulados, reconhecidos, aceitos e rei-
vindicados pelos sujeitos? É possível alcançar esses padrões
por meio de conceitos e técnicas de decisão judicial?
À análise política do pensamento jurídico coloca-se o
desafio de propor questões estratégicas de pesquisa, que
reconheçam o caráter crítico desses debates, de modo a ser
capaz de trabalhar, para além das pretensões de logicidade
e de unidade de teorias e conceitos sobre o direito, os con-
flitos, fissuras e incertezas do direito, enquanto experiência
social de prática e reflexão. De uma perspectiva mais ampla,
trata-se de indagar por que o tema surgiu naquele momen-
to determinado, quais as forças e programas que se enfren-
tam e qual é a história efetiva de sua emergência9.

9
Esses temas foram indicados em Koerner (2013) e desenvolvidos em Koerner
(2016 [no prelo]).

Lua Nova, São Paulo, 99: 233-255, 2016


Andrei Koerner

Andrei Koerner
é professor de Ciência Política do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas
(IFCH-Unicamp); pesquisador do Instituto Nacional de Pes-
quisas sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu) e pesquisador
associado do Cedec.

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255

Lua Nova, São Paulo, 99: 233-255, 2016


Resumo / Abstract

O ATIVISMO JUDICIAL COMO PROBLEMA INTELECTUAL E


POLÍTICO NOS ESTADOS UNIDOS: UMA ANÁLISE CRÍTICA
ANDREI KOERNER
Resumo: O artigo apresenta uma análise crítica do debate aca-
dêmico e político sobre o ativismo judicial nos Estados Uni-
dos. Ele apresenta, em primeiro lugar, a emergência do ati-
vismo como um problema de debate público do país, e, em
segundo lugar, as questões normativas e analíticas que ele
suscita. Na seção final, apresenta os argumentos dos que
rejeitam a própria problemática do ativismo judicial. O arti-
go sugere, em conclusão, a adoção de outra perspectiva e
questões para a pesquisa sobre o direito como prática nor-
mativa nas democracias constitucionais contemporâneas.
Ativismo Judicial; Pensamento Jurídico Norte-
Palavras-chave:
-Americano; Suprema Corte; Judiciário e Cidadania; Análise
Política do Pensamento Jurídico.

THE JUDICIAL ACTIVISM AS AN INTELLECTUAL AND POLITICAL


PROBLEM IN THE UNITED STATES: A CRITICAL ANALYSIS
Abstract:The article presents a critical analysis on the academic
and political debate about judicial activism in the United States.
It presents, firstly, the emergence of activism as a problem in the
public debate, and, secondly, the normative and analytical
questions that it raises. In the final section, it shows the arguments
of those who reject such problematic of the judicial activism. The
article suggests, in conclusion, adopting another perspective and
issues for research on law as a normative practice in contemporary
constitutional democracies.
Keywords:Judicial Activism; American Legal Thinking; Supreme
Court; Judiciary and Citizenship; Political Analysis of the Legal
Thought.
Recebido: 23/10/2015  Aprovado: 07/10/2016

Lua Nova, São Paulo, 99, 2016

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