Robson Gomes
Universidade Regional do Cariri
100
Theory of separation of powers and supremecracy: Supreme Federal Court in the citizen
Constitution
Robson Gomes**
REFERÊNCIA
BRASIL, Ana Larissa da Silva; GOMES, Robson. A teoria da separação dos poderes e a supremocracia: o Supremo
Tribunal Federal na Constituição cidadã. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 34, p. 99-117,
ago. 2016.
RESUMO ABSTRACT
Este trabalho intui anotar as conceituações acerca do This work intuits to note the conceptions of power, which
poder, sendo este um dos elementos essenciais de is one of the essential elements of the state structure and,
estruturação do Estado e, nesse sentido, um instrumento in this sense, a governance tool. It will be made clear,
de governabilidade. Ver-se-á, pois, o posicionamento therefore, the doctrinal position of the main Brazilian
doutrinário dos maiores constitucionalistas pátrios sobre constitutionalists on the main state responsibilities to
as principais responsabilidades estatais para alcançar a achieve social peace. In this vein, it will be studied the
paz social. Nesse diapasão, será estudada a Teoria da Theory of Separation of Powers, including a brief
Separação dos Poderes, incluindo um pequeno escorço historical foreshortening from antiquity to modern times,
histórico da Antiguidade até os tempos modernos, nos where it was perfected by indelible work of Montesquieu,
quais foi aperfeiçoada pela indelével obra de The Spirit of the Laws. Besides, when viewing the
Montesquieu, Do Espírito das Leis. Além disso, ao se structures of the organs of state functions (executive,
visualizar as estruturas dos órgãos das funções estatais legislative, and judicial), it shall be ascertained the main
(executiva, legislativa e judiciária), averiguar-se-ão os guidelines of supremecracy, which supposedly means the
principais delineamentos da Supremocracia, a qual intrusion of the Supreme Federal Court in matters of
supostamente significa a intromissão do Supremo Legislative competence. This study aims also to expose
Tribunal Federal nos assuntos da alçada do Poder the weaknesses of the legislature, set by its inertia.
Legislativo. Este estudo propõe-se, também, a expor as Finally, we intend to dissect some instruments of action of
mazelas do Poder Legislativo, configuradas por sua the Supreme Court, such as the binding precedents and
inércia. Por fim, pretende-se dissecar alguns instrumentos the judicial review, in order to legitimize its conduct on
de atuação do Supremo Tribunal Federal, como as the national scene.
súmulas vinculantes e o Controle de Constitucionalidade,
de modo a legitimar a sua conduta no cenário nacional.
PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Supremo Tribunal Federal. Separação dos Poderes. Supreme Federal Court. Separation of Powers.
Congresso Nacional. Competência constitucional. Parliament. Constitutional competence.
SUMÁRIO
Introdução. 1. A teoria da separação dos poderes. 1.1 O poder e o Estado. 1.2 Origem histórica da Teoria da Separação
dos Poderes. 1.3 A impropriedade do termo “tripartição do poder”. 2. Supremocracia. 3. Alguns instrumentos de
atuação do Supremo Tribunal Federal x Supremocracia. 3.1 As súmulas vinculantes. 3.1.1 Previsão constitucional e
*
Professora substituta na Universidade Regional do Cariri – URCA. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário
(Faculdade Paraíso do Ceará – FAP-CE, 2016). Graduada em Direito (Universidade Regional do Cariri – URCA, 2011).
**
Graduando em Direito (Universidade Regional do Cariri – URCA).
A teoria da separação dos poderes e a supremocracia: o Supremo Tribunal Federal na Constituição cidadã
legal. 3.2 O controle de constitucionalidade e a união homoafetiva. 3.2.1 O controle de constitucionalidade. 3.2.2 A
união homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal. Conclusão. Referências.
A teoria da separação dos poderes e a supremocracia: o Supremo Tribunal Federal na Constituição cidadã
A teoria da separação dos poderes e a supremocracia: o Supremo Tribunal Federal na Constituição cidadã
valer-se dos recursos históricos. A priori é doutrina da “divisão” dos poderes permaneceu
indispensável ventilar que o princípio da longos séculos sem pontuações dos escritores.
separação dos poderes, de tamanha magnitude no Sendo novamente trazida à colação, Locke,
cenário da Teoria Geral do Estado, a qual se segundo Darcy Azambuja (2000), foi o primeiro
funda na existência do ente estatal, não começa escritor que realmente elaborou uma teoria da
com os escritos de Montesquieu, que o empregou “divisão” dos poderes. Inspirado na Constituição
como técnica de salvaguarda da liberdade. Inglesa, diz Locke (1998), em seus Ensaios, que
Todavia, já pode ser sentido em precursores da é necessário que as funções do Estado sejam
Antiguidade e da Idade Média. exercidas por órgãos diferentes. Nesse caso, o
Platão (2004), conforme se infere de sua direito de determinar a forma como se deve
obra República, é o primeiro a idealizar a empregar o poder público, para proteger a
concepção de uma divisão das funções estatais, comunidade e seus membros cabe ao Poder
com o intuito de desconcentrar o poder. Aludida Legislativo. Por outro lado, com base no
ideia se clareia quando Platão (2004) propõe entendimento de Locke (1998), dada a
uma divisão social de atividades, cabendo aos fragilidade humana, haveria a grande
guerreiros a proteção das cidades; aos possibilidade de abuso do poder se as mesmas
magistrados, o governo; e aos mercadores, a pessoas que fazem as leis, devessem executá-las.
produção e comercialização dos bens de
consumo. Assim, levanta-se a corrente Locke, menos afamado que Montesquieu, é quase
tão moderno quanto este, no tocante à separação de
doutrinária na qual o princípio é o equilíbrio, poderes. Assinala o pensador inglês a distinção
devendo proporcionar uma organização política entre os três poderes – executivo, legislativo e
formada por partes, surgindo a diretriz que o judiciário – e reporta-se também a um quarto poder:
a prerrogativa. Ao fazê-lo, seu pensamento é mais
todo precede as partes. autenticamente vinculado à Constituição inglesa do
Contudo, inobstante tenha lançado as que o do autor de Do Espírito das Leis. A
prerrogativa, como poder estatal, compete ao
primeiras indagações a respeito da Teoria dos
príncipe, que terá também a atribuição de promover
Poderes, Platão (2004) não apresentou contornos o bem comum onde a lei for omissa ou lacunosa
específicos para completar e sistematizar essa (BONAVIDES, 2000, p. 173).
concepção, uma tarefa que ficou aos seus
sucessores. Assim, em seguida, conforme Paulo É indubitável, porém, que, consoante
Bonavides (2000), distinguira Aristóteles a ensina Azambuja (2000), coube ao jurista e
assembleia-geral, o corpo de magistrados e o filósofo francês Charles de Sécondat, Barão de
corpo judiciário; Marsílio de Pádua no Defensor Montesquieu, elaborar a teoria completa da
Pacis já percebera a natureza das distintas divisão das funções estatais, bem como difundi-
funções estatais e, por fim, a Escola de Direito la por toda a Europa. Assim, em sua obra-prima
Natural e das Gentes, com Grotius, Wolf e Do Espírito das Leis, Montesquieu (2007)
Puffendorf. propõe em cada Estado três sortes de poderes: o
Todavia, Darcy Azambuja (2000) ressalta poder legislativo, o poder executivo (poder
que Aristóteles, se discriminou os órgãos, executivo das coisas que dependem do direito
confundiu as funções, tendo em vista que deu à das gentes, segundo sua terminologia) e o poder
assembleia o conjunto de todas as atribuições, judiciário (poder executivo das coisas que
sendo os dois outros órgãos simples delegações dependem do direito civil). A cada um desses
suas, sem atribuições bem definidas. Por fim, poderes correspondem, segundo o pensador
lembra a autora que depois do filósofo grego, a francês, determinadas funções.
A teoria da separação dos poderes e a supremocracia: o Supremo Tribunal Federal na Constituição cidadã
Paulo Bonavides (2000) enumerando e inobstante não cite sequer uma vez a aludida
explicitando cada poder, discorre que por meio teoria, tornar-se-ia ininteligível esse documento
do poder legislativo fazem-se leis para sempre dos Estados Unidos caso se omita a discussão
ou para determinada época, bem como se tripartite dos poderes.
aperfeiçoam ou ab-rogam as que já se acham Bonavides (2000) explana que o lugar mais
feitas. Já com o poder executivo, ocupa-se o alto atingido pela Teoria da Separação dos
príncipe ou magistrado (os termos são de Poderes, todavia, deu-se com as Constituições
Montesquieu) da paz e da guerra, envia e recebe francesas inspiradas pelas máximas do
embaixadores, estabelece a segurança e previne Liberalismo. Com efeito, conforme o art. 16 da
as invasões. O terceiro poder — o judiciário — Constituição Francesa de 03 de setembro de
dá ao príncipe ou magistrado a faculdade de 1791, na parte relativa à Declaração dos Direitos
punir os crimes ou julgar os dissídios da ordem do Homem e do Cidadão, “toda sociedade na
civil. qual não esteja assegurada a garantia dos direitos
Não é de se olvidar, pois, que a grande do homem nem determinada a separação de
reflexão trazida por Montesquieu (2007) está poderes, não possui constituição”.
alicerçada na prerrogativa da liberdade, ou mais
ainda, no justo receio de restringi-la 1.3 A impropriedade do termo “tripartição do
arbitrariamente, dado o momento perpassado poder”
pela França com o Absolutismo Monárquico.
Tanto assim que o século XVII se reveste da Após o escorço histórico delineado acima,
justificação, propagação e consolidação da é salutar alertar para a impropriedade do termo
doutrina da soberania. Esta doutrina extraiu-se “tripartição” do poder, vez que, quando se
de uma imposição casuísta do poder — o poder navega pelo sistema principiológico da Teoria da
do monarca, gradativamente edificado e Separação dos Poderes, nota-se, na verdade, uma
ampliado, como absoluto e supremo. Nas divisão das funções do poder estatal. José Afonso
palavras de Montesquieu: da Silva (2014) auxilia essa compreensão ao
caracterizar o poder político como uno,
A liberdade política somente existe nos governos indivisível e indelegável.
moderados. Mas nem sempre ela existe nos
governos moderados. Só existe quando não se
Assim, o Estado, carecedor de uma
abusa do poder, mas é uma experiência eterna que vontade real e própria, manifesta-se por órgãos
todo homem que detém o poder é levado a dele supremos (constitucionais) ou dependentes
abusar: e vai até onde encontra limites. Quem o
diria? A própria virtude precisa de limites. Para que (administrativos). Àqueles, chamados de
não se abuse do poder é necessário que pela governo, incumbem o exercício do poder
disposição das coisas o poder limite o poder (2007,
político; já os últimos estão no plano
p. 166-167).
hierarquicamente inferior, compondo a
Enfim, a teoria de Montesquieu, pontua Administração Pública. O governo, seguindo
Azambuja (2000), teve extraordinária esse diapasão, conceitualmente é o conjunto de
repercussão na filosofia política e nas órgãos mediante os quais a vontade do Estado é
Constituições escritas que se promulgaram nos formulada, expressada e realizada. Arremata-se,
fins do século XVIII, tornando-se um dogma na pois, que a manifestação estatal se dá por
ciência constitucional. Uma das adoções célebres funções, quais sejam, legislativa, executiva e
da “separação” dos poderes ocorreu com a jurisdicional. Ainda conforme José Afonso da
Constituição Federal americana de 1787, que, Silva:
A teoria da separação dos poderes e a supremocracia: o Supremo Tribunal Federal na Constituição cidadã
chamado de judicialização, esta resulta da maior para atuar como um fórum de princípios, velando
participação do Poder Judiciário ao decidir pela democracia e pelos direitos fundamentais
questões de repercussão nacional e política, estas (BARROSO, 2008).
que deveriam ser analisadas pelas instâncias Quanto à politização indevida da justiça, o
políticas, isto é, pelo Poder Legislativo ou Poder mesmo autor (2008, grifo do autor) faz a
Executivo. seguinte crítica:
Esse fenômeno ocorre pelo fato de, nos
últimos anos, o judiciário ter deixado seu Direito é política no sentido de que (i) sua criação é
produto da vontade da maioria, que se manifesta na
patamar de órgão técnico-especializado e ter se Constituição e nas leis; (ii) sua aplicação não é
transformado em um órgão capaz de atuar de dissociada da realidade política, dos efeitos que
forma política, fazendo valer a Constituição produz no meio social e dos sentimentos e
expectativas dos cidadãos; (iii) juízes não são seres
Federal e as leis que entrem em confronto com sem memória e sem desejos, libertos do próprio
outros Poderes. A constitucionalização trouxe inconsciente e de qualquer ideologia e,
consequentemente, sua subjetividade há de
para a Constituição muitas matérias dantes
interferir com os juízos de valor que formula. [...]
apreciadas pelo processo político e pelas leis juízes não podem ser populistas e, em certos casos,
ordinárias. (BARROSO, 2008). terão de atuar de modo contramajoritário. A
conservação e a promoção dos direitos
A judicialização decorre, portanto, do novo fundamentais, mesmo contra a vontade das
papel constitucional assumido pela Corte, não maiorias políticas, é uma condição de
sendo um resultado de mudança ideológica, funcionamento do constitucionalismo democrático.
Logo, a intervenção do Judiciário, nesses casos,
metodológica ou de outra ordem por parte do sanando uma omissão legislativa ou invalidando
próprio Supremo. uma lei inconstitucional, dá-se a favor e não contra
a democracia.
Outro fenômeno que envolve a atuação do
Supremo Tribunal Federal é o chamado ativismo
Em relação à capacidade do Judiciário e
judicial, tão debatido nas universidades e na
seus limites, depreende-se que o Estado possui as
mídia. Sua conceituação difere da judicialização,
funções de legislar, administrar e julgar, cada
apesar das semelhanças. Por ativismo, entende-
uma delas exercida por órgãos diferentes,
se a possibilidade de ampliar a interpretação
especializados e independentes. Para tanto,
constitucional conforme escolha do Tribunal. “A
observa-se a capacidade institucional, que
ideia de ativismo judicial está associada a uma
determina se o órgão está habilitado a produzir
participação mais ampla e intensa do Judiciário
melhor decisão em relação à determinada
na concretização dos valores e fins
matéria (BARROSO, 2008).
constitucionais, com maior interferência no
Sendo assim, muitas das decisões e debates
espaço de atuação dos outros dois Poderes”
promovidos pela Corte têm sido objeto de
(BARROSO, 2008).
análise não só por juristas, como também por
A crítica feita aos modelos acima citados
leigos que acompanham o desenrolar de muitos
se coaduna na preocupação com os riscos à
litígios pela TV Justiça, internet, jornais. Desta
legitimidade, a politização indevida da justiça e
feita, Vieira (2008, p. 442, grifo do autor) expõe
os limites da capacidade institucional do
esse cenário da seguinte forma:
Judiciário. Assim, os membros do Poder
Judiciário não são eleitos pelo povo, porém, Surpreendente, no entanto, tem sido a atenção que
desempenham um poder político de destaque, os não especialistas têm dedicado ao Tribunal; a
inclusive invalidando atos dos outros Poderes. cada habeas corpus polêmico, o Supremo torna-se
mais presente na vida das pessoas; a cada
Portanto, a Suprema Corte possui legitimidade julgamento de uma Ação Direita de
A teoria da separação dos poderes e a supremocracia: o Supremo Tribunal Federal na Constituição cidadã
A teoria da separação dos poderes e a supremocracia: o Supremo Tribunal Federal na Constituição cidadã
Esta posição institucional vem sendo muitos detalhes e, talvez, uma Constituição
paulatinamente ocupada de forma substantiva, em
face a enorme tarefa de guardar tão extensa
ambiciosa, ao elencar, por exemplo, o objetivo
constituição. [...]o Supremo não apenas vem fundamental de construir uma sociedade livre,
exercendo a função de órgão de “proteção de justa e solidária, tomando por base seus
regras” constitucionais, face aos potenciais ataques
do sistema político, como também vem exercendo, fundamentos e princípios. Assim como a maneira
ainda que subsidiariamente, a função de “criação de escolhida para realizar o controle de
regras” [...] (VIEIRA, 2008, grifo do autor)
constitucionalidade das normas, como também, a
presença marcante do constitucionalismo entre
Alguns doutrinadores entendem esse
os demais ramos do Direito. Desta forma,
deslocamento do Supremo para o centro político
algumas dessas escolhas ampliaram
como um avanço, ao passo que, na época da
sobremaneira a atuação do Supremo.
ditadura militar, a Corte não era consultada a
O primeiro dos motivos pelos quais se fala
respeito de temas polêmicos e importantes,
em Supremocracia é a ambição do constituinte
voltando a Constituição de 1988 para um
de 1988, que buscou legislar a respeito de
patamar mais próximo do dia-a-dia do povo.
diversos âmbitos, quais sejam, sociais,
Como bem pontua Sarmento (2006, p. 2):
econômicos e de outras ordens. A reflexão feita
por Vieira (2008, p. 447) acerca desses motivos
Pela primeira vez na nossa história, os mais
relevantes conflitos políticos e sociais estão sendo torna o estudo mais compreensivo, suas
equacionados a partir da Constituição - do ponderações serão expostas a seguir. Sobre essa
impeachment de um Presidente da República até
reformas da Previdência Social; do aborto de feto ambição ele diz:
anencéfalos até o controle de atos de CPI’s. Antes,
diante de um tema politicamente explosivo, Este processo, chamado por muitos colegas de
importava saber o que pensavam as Forças constitucionalização do direito, liderado pelo Texto
Armadas. Agora, muito mais relevante é perscrutar de 1988, criou, no entanto, uma enorme esfera de
como o STF interpretará as normas constitucionais tensão constitucional e, consequentemente, gerou
incidentes sobre o caso. uma explosão da litigiosidade constitucional. A
equação é simples: se tudo é matéria constitucional,
O fenômeno da Supremocracia tem sido o campo de liberdade dado ao corpo político é
muito pequeno. Qualquer movimento mais brusco
recebido com preocupação por parte de alguns dos administradores ou dos legisladores gera um
juristas e legisladores, ao passo que parte deles incidente de inconstitucionalidade, que, por regra,
deságua no Supremo.
reconhece quão débil o Judiciário se encontrava
frente à atuação do Legislativo e Executivo.
Continuando a análise, Vieira (2008)
Neste diapasão, reconhece-se a necessidade de
leciona sobre as competências superlativas, as
um Poder Judiciário forte para que alcance um
quais conferem ao Supremo o poder de guardião
equilíbrio entre os três poderes, porém, nasce a
da Constituição e atribuindo-lhe funções que em
preocupação quanto a essa atuação jurisdicional,
outras democracias não se coadunam em um
“[...] é saber se a criatividade judiciária torna o
único tribunal, e sim, “estão divididas em pelo
juiz legislador. Se assumindo os juízes papel
menos três tipos de instituições: tribunais
acentuadamente criativo, a função jurisdicional
constitucionais, foros judiciais especializados
termina por se igualar à legislativa e os juízes
(ou simplesmente competências difusas pelo
acabam por invadir o domínio do poder
sistema judiciário) e tribunais de recursos de
Legislativo” (OLIVO, 2000).
última instância” (VIEIRA, 2008, loc. cit.).
A concepção do termo Supremocracia é
Enquanto tribunal constitucional, o
resultado das escolhas feitas pelo constituinte ao
Supremo deve julgar, por meio de ação direta, a
optar por uma Constituição ampla, cidadã, com
A teoria da separação dos poderes e a supremocracia: o Supremo Tribunal Federal na Constituição cidadã
brasileira, bem como a efetivação de direitos Nas duas situações acima, o que se
básicos dos cidadãos brasileiros. observa, escorreita ou equivocadamente, é a
A confiança na Corte tem sido ampliada, a expansão dos “poderes” atribuídos ao Supremo
população encontra em seus julgamentos a Tribunal Federal, a depender da ótica jurídica
esperança de promover direitos e garantias, utilizada. Isso porque a sociedade, diante de toda
ocupando um espaço de atuação que deveria ser a incredibilidade em relação ao Congresso
realizado por aqueles que o povo, legitimamente, Nacional, busca a segurança jurídica, sobretudo
colocou no poder para tomar as rédeas do país. A em onze ministros escolhidos conforme a
omissão e inércia do Legislativo tem sido a reputação ilibada e o notório saber, como
grande causa para se falar tanto em determina o art. 101, caput, da Constituição
Supremocracia. Visto que, mesmo nas questões Federal de 1988.
que os próprios parlamentares poderiam fazer Frente às tais constatações, é indispensável
juízo de valor e solucionar, criou-se o hábito de perscrutar algumas disposições constitucionais
levar ao Supremo para que seja dada a última e/ou legislativas indicadoras de uma maior
palavra. atuação do Supremo Tribunal Federal, bem como
discutir, mesmo que brevemente, alguns temas
3 ALGUNS INSTRUMENTOS DE que repercutiram nacionalmente e chegaram às
ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL togas do Supremo Tribunal Federal.
FEDERAL X SUPREMOCRACIA
3.1 As súmulas vinculantes
Apesar de, hodiernamente, o Supremo
Tribunal Federal, perante a desídia do Poder Um dos grandes questionamentos acerca
Legislativo no tocante à necessidade de da expansão excessiva do Supremo Tribunal
posicionamento sobre temas relevantíssimos ao Federal paira sobre as súmulas vinculantes. Tal é
ordenamento pátrio, estar sendo invocado para assim porquanto, por meio das súmulas ora
arrematar temáticas que, diretamente, não são de tratadas, há um suposto enrijecimento das
sua alçada, é inabalável o argumento do convicções dos magistrados em suas decisões
crescimento constitucional de prerrogativas à judiciais, as quais não podem afrontar o texto
Corte Suprema. normativo vinculante. Nesse sentido, conforme a
Nesse cenário, pois, denotam-se duas interpretação, poderia estar havendo ferimento
situações: a primeira é a necessidade do ao princípio do livre convencimento motivado.
chamamento do Supremo Tribunal Federal a Por outro lado, observa-se que o objetivo
casos emblemáticos, os quais poderiam ser primordial das súmulas vinculantes é manter a
debatidos e decididos pelo Congresso Nacional, segurança jurídica, tendo em vista que um de
cabendo, em regra, a intervenção da Suprema seus critérios é a controvérsia judicial. Isto é,
Corte a posteriori por meio do Controle de procura-se evitar que magistrados,
Constitucionalidade; a segunda é a atribuição, desembargadores e ministros possuam
pela própria Constituição Federal, de posicionamentos contrários no atinente a um
prerrogativas, competências e participação do mesmo assunto, com base apenas no seu
Supremo Tribunal Federal, mormente após as alvedrio, causando incertezas à sociedade quanto
mudanças envidadas pela Reforma do Poder à aplicabilidade jurídica.
Judiciário, por meio da Emenda Constitucional Advogando a pertinência das súmulas,
nº 45, de 2004. Gilmar Ferreira Mendes (2014) discorre que é de
A teoria da separação dos poderes e a supremocracia: o Supremo Tribunal Federal na Constituição cidadã
A teoria da separação dos poderes e a supremocracia: o Supremo Tribunal Federal na Constituição cidadã
necessário, assim, que ela reflita uma determinará que outra seja proferida com ou sem
jurisprudência do Tribunal, ou seja, reiterados a aplicação da súmula, conforme o caso.
julgados no mesmo sentido, é dizer, com a Arremata, por fim, Gilmar Ferreira Mendes
mesma interpretação. A súmula vinculante, ao (2014) que essa reclamação constitucional está
contrário do que ocorre no processo objetivo, prevista no art. 102, I, l, da Carta de 1988, para
como foi visto, decorre de decisões tomadas, em preservar a competência e garantir a autoridade
princípio, em casos concretos, no modelo das decisões do Supremo Tribunal Federal. O
incidental, no qual também existe, não raras modelo constitucional adotado consagra a
vezes, reclamo por solução geral. admissibilidade de reclamação contra ato da
Outro requisito essencial é o quórum de Administração em desconformidade com a
aprovação, o qual deve ser de 2/3 (dois terços) súmula. E, na certa, essa é a grande inovação do
dos membros do Supremo Tribunal Federal, sistema, uma vez que a reclamação contra atos
segundo dispõe o art. 103-A, caput, da judiciais contrários à orientação com força
Constituição Federal. Dessa forma, são vinculante já era largamente praticada. É certo
suficientes oito ministros para que a súmula que também essa reclamação estava limitada às
tenha efeito vinculante. Frise-se, outrossim, que decisões dotadas de efeito vinculante nos
a proposta de aprovação, revisão ou processos objetivos.
cancelamento de súmula vinculante pode dar-se
ex officio pelo próprio Supremo Tribunal 3.2 O controle de constitucionalidade e a
Federal, bem como por provocação dos mesmos união homoafetiva
legitimados para a propositura da Ação de Direta
de Inconstitucionalidade, arrolados no art. 103, 3.2.1 O Controle de Constitucionalidade
do Texto Magno de 1988.
São estes os legitimados não só para a Outro ponto imprescindível a ser analisado
ADI, mas também para propor a aprovação, no cenário da suposta elasticidade do poder do
revisão e cancelamento das súmulas vinculantes: Supremo Tribunal Federal é a permissão
o Presidente da República; a Mesa do Senado constitucional de o Poder Judiciário,
Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a representado pelo STF, controlar as condutas
Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara legislativas por meio das Ações Diretas
Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Constitucionais (Ação Direta de
Estado ou do Distrito Federal; o Procurador- Inconstitucionalidade por Ação e Omissão, Ação
Geral da República; o Conselho Federal da Declaratória de Constitucionalidade, Ação
Ordem dos Advogados do Brasil; partido político Interventiva e Arguição de Descumprimento de
com representação no Congresso Nacional; e Preceito Fundamental).
confederação sindical ou entidade de classe de O Controle de Constitucionalidade consiste
âmbito nacional. no confronto de leis ou atos normativos com a
Preconiza o § 3º, do art. 103-A, da CF/88, Constituição Federal, verificando se aqueles são
que o ato administrativo ou decisão judicial que compatíveis com o Texto Maior. Nesse diapasão,
contrariar a súmula aplicável ou que são carreados inúmeros critérios para o processo
indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao em alusão, ilustrativamente, os procedimentos
Supremo Tribunal Federal que, julgando-a constitucionais para elaboração de uma lei
procedente, anulará o ato administrativo ou complementar, que, ao serem desprestigiados,
cassará a decisão judicial reclamada, e desaguam na inconstitucionalidade formal.
A teoria da separação dos poderes e a supremocracia: o Supremo Tribunal Federal na Constituição cidadã
O insigne Mauro Cappelletti (1992) conforme se depreende dos arts. 102, I, a, § 1º, e
disserta que é, exatamente, na garantia de uma 103. Por tais motivos, não encontra razão a
superior legalidade que o Controle Judicial de argumentação segundo a qual o Controle de
Constitucionalidade das leis encontra sua razão Constitucionalidade representaria uma
de ser: e trata-se de uma garantia que, por superposição do Poder Judiciário, especialmente
muitos, já é considerada como um importante, se o Supremo Tribunal Federal, em relação aos
não necessário, coroamento do Estado de direito Poderes Executivo e Legislativo.
e que, contraposta à concepção do Estado Decorre o Controle de Constitucionalidade
absoluto, representa um dos valores mais do princípio da Supremacia não do Supremo
preciosos do pensamento jurídico e político Tribunal Federal, mas propriamente da
contemporâneo. E complementando as razões Constituição. Esta, como instituidora das
pelas quais há a necessidade do Controle ora principais diretrizes do Estado Democrático de
tratado, discorre Dirley da Cunha Jr. (2010): Direito (como é o caso do Brasil), precisa estar
acima de qualquer feitura legislativa no país,
Como já sublinhado, a supremacia da Constituição - devendo qualquer violação a ela ser considerada
enquanto princípio jurídico que atribui à
Constituição uma forca subordinante e a eleva à
nula.
condição de legitimidade e validade de todas as Corroborando o entendimento acima,
normas jurídicas positivadas em um dado Estado - e Gilmar Ferreira Mendes (2014) defende, em seu
a base de sustentação do próprio Estado
Democrático de Direito, seja porque assegura o curso, que o conflito de leis com a Constituição
respeito à ordem jurídica, seja porque proporciona a encontrará solução na prevalência desta,
efetivação dos valores sociais. Mas essa supremacia
justamente por ser a Carta Magna produto do
constitucional restaria comprometida se não
existisse um sistema que pudesse garanti-la e, em poder constituinte originário, ela própria
consequência, manter a superioridade e força elevando-se à condição de obra suprema, que
normativa da Constituição, afastando toda e
qualquer antinomia que venha agredir os preceitos inicia o ordenamento jurídico, impondo-se, por
constitucionais. É nesse contexto que avulta a isso, ao diploma inferior com ela inconciliável.
importância do controle de constitucionalidade De acordo com a doutrina clássica, por isso
como um mecanismo de garantia da supremacia das
normas constitucionais delineado pelo próprio texto mesmo, o ato contrário à Constituição sofre de
constitucional (p. 39). nulidade absoluta.
A teoria da separação dos poderes e a supremocracia: o Supremo Tribunal Federal na Constituição cidadã
Tribunal com a competência de analisar o caso relações sociais e, especialmente, privadas. Até
posto. Derivam daí, pois, as críticas que porque Direito e sociedade devem andar de
efervescem a concepção da Supremocracia. “mãos dadas”.
Cabe aqui expor um dos entendimentos, de No presente caso, notou-se uma maciça
grande repercussão, do Supremo Tribunal participação de grupos relacionados, direta ou
Federal, o qual fora provocado, especificamente, indiretamente, à temática da homoafetividade e
por uma ação de Arguição de Descumprimento do Direito das Famílias, como Conectas Direitos
de Preceito Fundamental – ADPF. Trata-se da Humanos, Grupo Gay da Bahia – GGB, Instituto
ADPF 132, tendo como relator o Min. Ayres de Bioética, Direitos Humanos e Gênero –
Britto, e figurando no polo ativo o governador do ANIS, Instituto Brasileiro de Direito de Família
estado do Rio de Janeiro à época. A aludida ação – IBFAM etc. Todas essas representações
versava sobre o reconhecimento da união ingressaram como amicus curiae (“Amigo da
homoafetiva como entidade familiar Corte”) na ADPF 132.
juridicamente tutelada pelo Estado. Senão veja- Em observação ao voto do Min. Relator
se parcialmente a ementa do acórdão: Ayres Britto, este discorre, já adentrando ao
mérito, que dá ao art. 1.723 do Código Civil
O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional interpretação conforme à Constituição para dele
expressa ou implícita em sentido contrário, não se
presta como fator de desigualação jurídica.
excluir qualquer significado que impeça o
Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. reconhecimento da união contínua, pública e
3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente duradoura entre pessoas do mesmo sexo como
com o objetivo constitucional de “promover o bem
de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a “entidade familiar”, entendida esta como
respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento
como saque da kelseniana “norma geral negativa”,
que é de ser feito segundo as mesmas regras e
segundo a qual “o que não estiver juridicamente
proibido, ou obrigado, está juridicamente com as mesmas consequências da união estável
permitido”. Reconhecimento do direito à heteroafetiva.
preferência sexual como direta emanação do
princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito Acompanhando o voto do Min. Relator, o
à autoestima no mais elevado ponto da consciência Min. Luiz Fux escalpela que o que faz uma
do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto família é, sobretudo, o amor – não a mera
normativo da proibição do preconceito para a
proclamação do direito à liberdade sexual. O afeição entre os indivíduos, mas o verdadeiro
concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia amor familiar, que estabelece relações de afeto,
da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da
assistência e suporte recíprocos entre os
sexualidade nos planos da intimidade e da
privacidade constitucionalmente tuteladas. integrantes do grupo. Lembra, ainda, que a
Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. família é a comunhão, a existência de um projeto
coletivo, permanente e duradouro de vida em
Diante disso, percebe-se a magnitude da comum. E, por fim, sustenta que uma família é a
participação do Supremo Tribunal Federal no identidade, a certeza de seus integrantes quanto à
presente julgado, uma vez que, recebendo a ação, existência de um vínculo inquebrantável que os
pôs-se a verificar a elasticidade do conceito de une e que os identifica uns perante os outros e
entidade familiar para reconhecer como famílias cada um deles perante a sociedade. Presentes
o convívio de fato dos casais homoafetivos. esses três requisitos, tem-se uma família,
Nesse sentido, a decisão prolatada pelo STF incidindo, com isso, a respectiva proteção
repercutiu indubitavelmente não somente na constitucional.
processualística jurídica, mas também nas Enfim, a ADPF 132 fora julgada
A teoria da separação dos poderes e a supremocracia: o Supremo Tribunal Federal na Constituição cidadã
A teoria da separação dos poderes e a supremocracia: o Supremo Tribunal Federal na Constituição cidadã
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