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A sexualidade como uma construção cultural:

Lúcia Beatriz Ressel


Dulce Maria Rosa Gualda

reflexões sobre preconceitos e mitos


inerentes a um grupo de mulheres rurais

SEXUALITY AS A CULTURAL CONSTRUCTION: REFLEXIONS ON INHERENT PREJUDICE AND MYTHS ON A


GROUP OF WOMEN IN RURAL AREAS

LA SEXUALIDAD COMO UNA CONSTRUCCIÓN CULTURAL: REFLEXIONES SOBRE PREJUICIOS Y MITOS


INHERENTES A UN GRUPO DE MUJERES RURALES

Lúcia Beatriz Ressel1,Dulce Maria Rosa Gualda 2

1 Doutora, Professora RESUMO ABSTRACT RESUMEN


Assistente do Este artigo apresenta a The present work focuses Este artículo enfoca la
Departamento de
Enfermagem da sexualidade como uma on sexuality as a cultural sexualidad como una
Universidade Federal construção cultural. Para construct. To support this construcción cultural. Para
de Santa Maria (UFSM). fundamentar tal assertiva, é idea, a study was carried out fundamentar tal aseveración,
lbressel@bol.com.br
2 Doutora, Professora relatada uma pesquisa with a group of eleven women se relata la búsqueda
Associada do realizada com um grupo de from a rural community, in realizada con un grupo de
Departamento de the countryside of Rio Grande once mujeres de una
Enfermagem Materno-
onze mulheres de uma
Infantil e Psiquiátrica comunidade rural, no interior do Sul, Brazil. The data was comunidad rural, en el interior
da Escola de do Rio Grande do Sul. Os collected through semi- de Rio Grande do Sul. Los
Enfermagem da USP. datos fueron recolectados
(EEUSP).
dados foram coletados por structured interviews and
meio de entrevistas semi- the narratives were analyzed através de entrevistas semi-
estruturadas e as narrativas qualitatively, seeking to estructuradas y las narrativas
foram analisadas extract meaning from the analizadas cualitativamente,
qualitativamente, buscando, inquiries by viewing them buscando, vía óptica cultural,
via ótica cultural, o through a cultural lens. el significado de los relatos.
significado dos depoimentos. Sexuality is viewed as a La sexualidad, aquí, es
A sexualidade é, aqui, personal experience, contemplada a partir de las
contemplada a partir das composed of values, beliefs, vivencias individuales, de los
vivências individuais, dos myths and prejudice valores, de las superstición,
valores, das crenças, dos assimilated during the de los mitos y de los
mitos e dos preconceitos, socialization of each prejuicios, construídos a lo
construídos ao longo da respondent. Reflections largo de la socialización de
socialização de cada highlighting the importance cada colaboradora. Al final
colaboradora. No final do of cultural interpretation of del texto, fueron agregadas
texto, foram acrescentadas the events for nurses, algunas reflexiones que
algumas reflexões que especially those referring resaltan la importancia de tal
salientam a importância de to sexuality to the nurses, interpretación cultural sobre
tal interpretação cultural were included. los eventos, especialmente
sobre os eventos, sobre la sexualidad para las
especialmente sobre a enfermeras.
sexualidade para as
enfermeiras.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS PALABRAS-CLAVE


Sexualidade. Sexuality. Sexualidad.
Cultura. Culture. Cultura.
Investigacion.

82
Pesquisa. Research

Rev Esc Enferm USP


2003; 37(3): 82-7.
INTRODUÇÃO estas interpretações expressam minha própria A sexualidade como
visão de mundo que, por sua vez, revela os uma construção cultural:
signos de minha construção cultural, logo não reflexões sobre
Este artigo aborda a sexualidade como uma preconceitos e mitos
construção cultural. Esta, tratada de forma podem ser consideradas verdades absolutas, inerentes a um grupo
interdisciplinar em um evento(a); propiciou nem conduzidas como generalidades. de mulheres rurais

momentos de reflexão, nos quais diferentes Apresento, aqui, a sexualidade como um


pontos de vista e leituras sobre o fenômeno fenômeno que faz parte da vida de todas as
puderam ser socializados, descortinando ho- pessoas, como um evento universal e, ao
rizontes até então encobertos para muitos mesmo tempo, singular a cada indivíduo, já
participantes. Esse fórum de discussão pos- que é uma elaboração específica. Entendo
sibilitou, ao mesmo tempo, desvelar o referi- que os corpos são sexuados – possuem al-
do tema da “invisibilidade” e do “oculta- gumas características e obedecem a leis de
mento”, em que tal fenômeno está alocado funcionamento biológico -, porém a constru-
dentro da área da saúde. ção da sexualidade é um processo extrema-
Os termos “invisibilidade” e “oculta- mente complexo(4), que envolve, ao mesmo
mento” são empregados, neste texto, em re- tempo, aspectos individuais, sociais, psíqui-
ferência à permeabilidade da sexualidade, en- cos e culturais que carregam historicidade e
quanto foco de discussão, de reflexão e de envolvem práticas, atitudes e simbolizações.
estudos, dentro do espaço acadêmico, no Essa compreensão acerca da sexualidade
mesmo sentido de “ausência”, utilizado por tem sido apresentada principalmente em es-
Figueiredo(1), quando se refere à representa- tudos na área da Antropologia, que divul-
ção assexuada do corpo da enfermeira, assim gam esse tema como uma manifestação hu-
elaborada por muitas pessoas. mana, que sofre modificações quanto ao sen-
Na área da saúde, tanto na prática quanto tido, função e regulação, de acordo com os
no ensino, em que constantemente interagem diferentes períodos históricos e contextos
corpos sexuados (os das enfermeiras e os dos culturais, e não mais como uma propriedade
alunos ou paciente), inúmeras vezes, é nega- individual, ou seja, isoladamente(5-8). Na área
da a existência da sexualidade, que se expres- da saúde, é bastante comum encontrarmos a
sa a todo momento, através de gestos, olha- concepção de sexualidade reduzida à
res, sentimentos, silêncios, posturas, concep- genitalidade, ao ato sexual, à reprodução,
ções e traz significações que são insinuadas como componente biológico relativo à neces-
muito mais do que são externadas(2). sidade meramente orgânica, que tende a
classificá-la e normatizá-la com um significa-
Assim como observam Figueiredo; Car- do de negação ou afirmação, vale dizer, tende
valho(3), tendemos a omitir a consciência da a denominá-la de “normal” ou “anormal”(9).
sexualidade, criamos um mecanismo de con-
trole, ou como dizem essas autoras, olhamos Penso que, como desafio, é preciso adotar (a) Essa abordagem faz
através de uma cortina de fumaça, que oblitera uma nova ótica sobre esse fenômeno humano, parte de um debate
promovido em mesa
a visão, para nos desviarmos, delibera- possibilitando a interpretação cultural que, atu- redonda na III Jornada
damente, desse assunto que quando focado, almente, contempla a expressão das diferenças, Interdisciplinar de
Saúde, na Universidade
é alojado numa perspectiva “patologizante” da diversidade, das peculiaridades, referentes Federal de Santa
de risco ou dano à saúde. a um mesmo espaço, a um mesmo tempo. A Maria(UFSM), em
setembro de 2001.
partir dessa reflexão é possível valorizar a
Na profundeza do que não é revelado ex- vivência e a historicidade de cada indivíduo, in-
plicitamente, estão contidos os significantes, serido no coletivo social da área da saúde(10-11),
ou seja as marcas da construção cultural e tentando reverter num cuidado de enfermagem
social que conduzem ao modo singular de mais efetivo e, qualitativamente, mais significa-
cada pessoa vivenciar o mundo. tivo tanto para o enfermeiro cuidador, quanto
para o sujeito desse cuidado.
O enfoque dado às questões pontuadas,
aqui, é fruto de minha vivência como profissi- Este artigo acena nesse sentido, apresen-
onal da área da saúde, enquanto enfermeira e tando um recorte de minha dissertação de
docente de enfermagem; de minhas inquieta- mestrado “A cultura como mediadora da se-
ções, enquanto trabalhadora da área da saúde
junto a grupos de mulheres; e de leituras,
embasadas na antropologia durante o proces-
xualidade da mulher rural”(12), salienta as cren-
ças e os mitos, em relação à sexualidade, de
um grupo de mulheres rurais de um municí-
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Rev Esc Enferm USP
so de mestrado e doutoramento. Saliento que pio do interior do Rio Grande do Sul e retrata 2003; 37(3):82-7.
como se deu a construção dessa sexualidade italiana; elas nasceram e se criaram na mesma
Lúcia Beatriz Ressel
Dulce Maria Rosa Gualda a partir do processo de socialização primária. localidade, ou em outras próximas que cultural-
mente eram semelhantes a essa localidade.
A METODOLOGIA DO ESTUDO
A religião católica foi um traço homogêneo
no grupo, e os valores prescritos pela igreja
A pesquisa referida acima, foi realizada no eram mantidos de maneira não tão rígida quan-
ano de 1995, junto a um grupo de onze mulhe- to a de seus antepassados, mas ainda bem
res de uma comunidade rural do município de vivenciados nessa comunidade. Como exem-
Restinga Seca, RS. Os critérios de seleção das plo, a importância dada ao casamento religioso,
participantes foram: ser moradora na comuni- ao batismo, a rejeição ao divórcio, os conflitos
dade escolhida pelo estudo; ser casada ou vi- quanto ao uso de anticoncepcionais, a forma
ver com companheiro fixo; ter vida sexual ati-
de assistirem às missas na igreja, onde as mu-
va; e idade entre quinze e cinqüenta anos.
lheres e os homens sentavam separadamente.
Por meio da técnica de entrevista semi-
O grupo de colaboradoras era formado por
estruturada e individual, foram coletados os da-
dos. As entrevistas foram gravadas em fita cas- uma maioria de adultos jovens (75% tinha menos
sete, após a autorização das colaboradoras e as de 40 anos), cujos cônjuges também eram jovens.
narrativas transcritas pela autora do trabalho. Todas as colaboradoras eram casadas e tinham
filhos, sendo a média de dois a três filhos/mulher.
As narrativas foram analisadas de forma Em relação à idade deles, 60% eram crianças, 28%
qualitativa, buscando, via ótica cultural, o sig- eram adolescentes e o restante eram adultos que
nificado dos depoimentos. Embasada em inclusive não moravam mais com os pais. Foi
Minayo(13), procedi às seguintes etapas: leitu- percebido, nessa informação, como a cultura é
ra exaustiva dos depoimentos com conse- um elemento dinâmico(14); pois, embora existam
qüente impregnação das informações aí conti- conflitos quanto à aceitação e o uso de anticon-
das; categorização dos dados, recortando, no cepcionais, advindos de uma orientação católi-
texto, e agrupando as unidades de registro de ca, essas mulheres faziam uso deles, principal-
acordo com suas afinidades temáticas; com- mente da pílula e da laqueadura tubária, haven-
preensão e interpretação dos dados, integran- do muita rejeição quanto ao DIU e ao cóndon,
do-os ao referencial teórico acerca do tema. este pelo significado de relação sexual promís-
Todas as colaboradoras foram informadas cua, aquele pela dúvida de ser ou não abortivo,
não só dos cuidados éticos que envolviam a já que aborto é condenado pela igreja.
pesquisa, tais como: o sigilo, o anonimato e a Embora essa comunidade se localizasse
liberdade em relação a sua participação, mas próxima à sede do município e, também, de
também do uso e guarda do material coletado. centros urbanos maiores; houvesse facilida-
Houve a obtenção de consentimento de to- de de mobilidade às áreas urbanas (todas as
das pelo Termo de Consentimento Livre e Es- colaboradoras possuíam um automóvel da fa-
clarecido (TCLE). Cabe salientar que o projeto
mília e possuíam habilitação para dirigir); hou-
da presente pesquisa foi analisado e autoriza-
vesse facilidade de meios de comunicação,
do pelo Comitê de Ética do Centro de Ciências
como televisão, rádio e telefone); ainda assim
Rurais, da Universidade Federal de Santa
havia nessa comunidade um maior controle
Maria, na oportunidade de sua realização.
social e cultural sobre as mulheres, principal-
mente, em relação à sexualidade, o que ficou
CARACTERIZANDO O GRUPO evidenciado na expressão de uma das colabo-
DE COLABORADORAS radoras: “vivemos numa caixinha de fósforo”,
quando se referia à representação da sua co-
As colaboradoras deste estudo caracteri- munidade e à vivência das mulheres no cotidi-
zaram-se por serem mulheres que viviam numa ano e na participação social. São citados como
comunidade rural, formada por duzentos e exemplos deste controle: o modo de caminhar
vinte habitantes, organizados em cinqüenta delas; de falar, principalmente com homens; a
e cinco famílias, que desenvolviam ativida- forma como se dirigiam a um vizinho numa roda
des agropecuárias em minifúndios, produzin-
de conversa; o modo de expor o corpo; o tipo

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do arroz, soja e produtos de subsistência para
de roupas que usavam (não eram transparen-
o consumo familiar.
tes, curtas, justas ou decotadas); à personali-
Rev Esc Enferm USP Com exceção de uma das colaboradoras, que dade extrovertida delas; o aceitar carona de
2003; 37(3): 82-7. era de origem alemã, as demais eram de origem um homem, estando sozinha ou mesmo com
os filhos, etc. Este controle acontecia em senti- teciam diálogos entre o casal (em relação a
A sexualidade como
do único, isto é, somente dirigido às mulheres. assuntos pertinentes à intimidade matrimo- uma construção cultural:
nial), e melhorava muito o relacionamento reflexões sobre
preconceitos e mitos
AS CRENÇAS E OS MITOS deles em vários aspectos. inerentes a um grupo
de mulheres rurais
REVELADOS NO GRUPO Algumas mulheres entendiam que a mater-
nidade e o instinto do amor materno era algo
Foi percebido, neste estudo, que as mu- “natural” inerente ao ser feminino, como um
lheres aceitavam o mito da virgindade femini- papel naturalmente preparado para elas, não
na e o valorizavam, atribuindo-lhe um signifi- como uma função adicional na vida delas, à
cado de “valor, objeto de troca, honra”. Con- semelhança do que é discutido no trabalho de
sideravam tal mito como um “selo de garan- Badinter(20) e de Beauvoir(21). Elas imputavam a
tia”(15), sendo assim imperativo sua preserva- falta de desejo sexual à maternidade, pois rela-
ção até o casamento. cionavam o desejo sexual à reprodução, ou seja,
Entendiam a relação sexual como um com- para haver uma gravidez, era preciso haver o
promisso no casamento, portanto, só neste desejo sexual. Desse modo, elas se reportavam
contexto permitida. Havia a concepção de que à condição assexuada que a imagem de mãe
a relação sexual era uma “necessidade orgâni- pode reproduzir nas mulheres(15-16).
ca” para os homens e uma “obrigação” para as Um outro mito muito difundido entre essas
mulheres. Essa concepção é constatada por mulheres era o referente à menstruação. No gru-
Studart(16), quando se refere às normas, códi- po pesquisado, as mulheres que tiveram boas
gos e mitos criados pelos homens para “natu- experiências com a menarca, vivenciavam sem
ralmente” serem acatados pelas mulheres. preconceito o seu período menstrual e manti-
Também emergiu, das narrativas, o mito da nham normalmente suas atividades, inclusive as
passividade e da frigidez feminina, entendido sexuais. Elas entendiam que a menarca represen-
por elas como o resultado de uma rígida e tava um rito de passagem para a vida adulta e a
repressora formação sexual, que as impedia de possibilidade da maternidade. Já as outras que
tomar a iniciativa no ato sexual, porque reforça- vinculavam o sangramento menstrual à sujida-
va a idéia de que cabe ao homem as iniciativas. de, à nojeira, à repugnância(19), o que era mais
Outras justificativas, advindas de situações de comum, eram levadas à abstenção sexual nesse
cansaço pelas atividades domésticas executa- período e a outros impedimentos, tais como: não
das ao longo do dia, por fatores externos ou lavar a cabeça, não comer alimentos gelados, não
pelo cotidiano familiar, geradores de estresse, preparar maionese, não ordenhar, dentre outras
eram consideradas causas da a frigidez femini- atividades. Essas atitudes também são confir-
na, esta entendida por elas como uma doença madas no estudo de Costa(22).
orgânica. Sabemos que a frigidez feminina pode
A situação de desconhecimento sobre a
ter causas fisiológicas e psicológicas, mas é pre-
sexualidade na menopausa(23-24), também, foi
ciso ressaltar as causas de ordem cultural, que
muito referida nas narrativas. Representan-
acabam criando e reforçando rótulos para as
do um enigma para a maioria das colaborado-
mulheres, depreciando-as sexualmente e trazen-
ras, ou seja, sendo entendida como um mito,
do um controle à sexualidade delas(16). Nesta
pois vincula o fim da atividade sexual femini-
comunidade focada, a infidelidade masculina era
na com o fim do período reprodutivo.
justificada pelas colaboradoras, que partiam da
idéia de que, se a mulher é frígida e o homem Foi constatada uma rejeição muito grande
tem ”necessidade orgânica” de relação sexual, no grupo em relação à masturbação, acordan-
ele deve ser “atendido” de qualquer forma. do com os registros de Suplicy(25). Ao mesmo
Foram narradas, também, situações de tempo em que as mulheres insinuavam enten-
exigências constrangedoras criadas para obri- der o que era, expressavam um desconhecimen-
gar a mulher a manter relação sexual com seu to a respeito do assunto, pois condenavam essa
marido, sem que ela desejasse, semelhante as prática, relacionando-a a algo proibido, a algo
expostas nos trabalhos(17-19). errado, que poderia trazer prejuízos físicos e
psicológicos. Expressavam o sentimento de
Algumas mulheres submetiam-se a isso, vergonha pela substituição ao ato sexual “nor-
entendendo tal tomada de atitude como uma
obrigação marital, que evitaria maiores con-
flitos com o cônjuge; outras conseguiam ex-
mal” entre duas pessoas (no caso, homem/mu-
lher). No entanto, algumas mulheres entendiam
a masturbação como autocarícia(16) e como co-
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pressar a falta de desejo e, a partir daí, acon- nhecimento do próprio corpo; algo que pudes- 2003; 37(3):82-7.
se proporcionar prazer e satisfação. A maioria Outra fonte de aprendizagem informal nar-
Lúcia Beatriz Ressel
Dulce Maria Rosa Gualda
das narrativas evidenciava a impregnação de rada pelo grupo, porém muito mais ativa e influ-
valores morais rígidos em relação ao contato ente, foi a conversa com as amigas (conversas
com o próprio corpo e, ainda, desconhecimen- íntimas, particulares ou em turma), favorecendo
to, medo e preconceitos. o amadurecimento, a mudança de comportamen-
to e o esclarecimento dos próprios valores(25).
O mito criado e mais rejeitado nesse gru-
po foi em relação à homossexualidade, en- Entendo que num estudo que envolve uma
tendida como uma anormalidade orgânica e interpretação cultural, não é pertinente generali-
não como uma opção sexual(17). zar para não incorrer em discriminações e pre-
conceitos(10-11). Saliento que, nessa descrição
bastante sintética optei por apresentar os ele-
A CONSTRUÇÃO CULTURAL DA
mentos mais comuns ao comportamento do gru-
SEXUALIDADE NO GRUPO
po, procurando não inferir que todas se caracte-
rizavam do mesmo modo. Houve sincretismo,
Tentando compreender como se deu a cons- posicionamentos diferentes, contrários, que con-
trução da aprendizagem da sexualidade, para viviam no mesmo espaço cultural. Esta pesquisa
esse grupo de mulheres, analisei a relação que permitiu a manifestação de particularidades, de
elas tiveram com as diversas agências educativas, diferenças, dentro do universo em que esse gru-
que as influenciaram culturalmente. Dentre es- po de mulheres vivia; permitiu também entender
sas verifiquei que, com os pais, havia pouco di- os significados e as interpretações singulares que,
álogo e as orientações aos filhos eram dadas em conjunto, formavam uma identidade.
como se fossem “alertas” ou “proibições”, por
meio de repressão, dando-se, assim, o controle COMENTÁRIOS FINAIS
social e cultural. Este era diferenciado para meni-
nas e meninos, permitindo para os meninos uma
A interpretação cultural dos eventos, es-
maior liberdade e apresentando para as meninas
pecialmente sobre a sexualidade, nos subsi-
um maior rigorismo e rigidez. Desse modo, fica
dia para o cuidado com a pessoa, possibili-
confirmada a diferente condição de socialização
tando vislumbrá-la como um ser social, cultu-
para homens e mulheres, que aparece em diver- ral e único. No que se refere à sexualidade, é
sos estudos(18-19,26-28). importante não exacerbar o anormal e o pa-
A igreja, como instituição religiosa, cumpriu tológico, não falar de risco e sim de prazer, não
seu papel conservador dos valores sociais, por reduzir ao ato sexual e à reprodução, já que
intermédio da impregnação do medo religioso, tais atitudes facultam a transformação de indi-
do pecado. Ela tentou manter a vergonha ligada víduos com vivências e histórias singulares,
a tudo que se relacionasse a sexo; defendeu a em números, em casos clínicos, em problemas.
manutenção da virgindade feminina e a aceita- Acreditando que cada indivíduo possui
ção da relação sexual somente após o casamen- sua própria visão de mundo, reforço que a
to, instituindo, dessa forma, o controle da sexua- compreensão cultural possibilita a expressão
lidade feminina. No entanto, a intensidade da das diferenças, das peculiaridades; valoriza
ação religiosa sobre o grupo pesquisado foi bem o indivíduo, enquanto sujeito de sua própria
menor do que a ocorrida na geração anterior, vivência; permite a contextualização desse
contudo influenciou, indiretamente, através dos indivíduo e promove um olhar dialético em
valores transmitidos na socialização(29-32). relação ao nosso agir.
A escola, como agência educativa, pou- Nesse sentido e conduzido pelos estudos
co contribuiu para a aprendizagem sexual des- de Heilborn(4,8), este artigo relaciona a sexuali-
se grupo; quando o fez, foi de forma carrega- dade como um componente cultural de nossa
da de preconceitos e eventual, não tendo ca- forma de vivenciar o mundo, o que lhe garante
ráter permanente nos currículos. Ela deteve uma dimensão de construção. Finalizando, sali-
suas informações somente sobre as partes ento que a sexualidade é entendida, aqui, como
do corpo humano. Quanto à menstruação e o resultado de uma construção histórica e cul-
gravidez, apenas eram lembrados os perigos tural, que se integra à rede de significados do
do sexo, o que se assemelha ao referido por grupo social específico, possibilitando a mani-

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Rev Esc Enferm USP
Saffioti(33), quando estudou a evolução do
ensino formal dado às mulheres no Brasil, o
qual sugere o reduzido empreendimento e o
festação de toda e qualquer expressão relativa
ao sexo. Ela é, portanto, uma experiência pesso-
al, única e marcada profundamente pela cultura
2003; 37(3): 82-7. rigoroso preconceito nessa área. em que cada pessoa está imersa, na qual vive.
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