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A dor de não poder morrer.

Sobre o "delírio das negações",


de Jules Cotard

Mario Eduardo Costa Pereira

Certos autores trazem algumas contribuições tão decisivas


para a história das ideias, que seus nomes permanecem para
sempre indissociáveis de suas próprias descobertas. Este é,
indiscutivelmente, o caso de Jules Cotard.
N a s c i d o em 1840, na p e q u e n a c i d a d e francesa de
Issoudun, Cotard seguiria seus estudos de medicina em Paris,
onde foi aluno de Broca, Vulpian e de Charcot. Interessando-
se desde cedo pela neurologia, ele defende em 1868 sua tese
de d o u t o r a d o , q u e consistia de um e s t u d o sobre a atrofia
parcial do cérebro.
U m a brilhante carreira neurológica parecia anunciar-se até
que, sob a influência do grande Charles Lasègue, de q u e m
acompanhava com grande admiração as atividades clínicas na
Prefeitura de Polícia de Paris, passou a dedicar-se à psiquiatria.
Em 1874, por i n t e r m é d i o do m e s m o L a s è g u e , é
apresentado a Jules Falret, com quem inicia u m a amizade e
uma colaboração científica estreitas, que perdurará até a morte
precoce de Cotard, em 1889. Estes dois homens trabalharão
juntos durante quase um quarto de século no asilo de Vanves.
Sua c o n t r i b u i ç ã o ao c a m p o da p s i c o p a t o l o g i a , e m b o r a
relativamente vasta, é marcada pela descrição de um quadro
clínico particular, observado em estados psicóticos sobretudo
de natureza melancólica, ao qual c h a m a r á de "Delírio das
negações". Este entraria para a posteridade sob a denominação dada por Régis,
de "Síndrome de Cotard".
A especificação desse estado tão peculiar seria feita progressivamente em
quatro artigos, publicados entre 1880 e 1888. O texto fundador apareceu nos
Annales Médico-Psychologiques com o título de "Du délire hypocondriaque dans
une forme grave de la mélancolie anxieuse". O segundo, certamente o artigo mais
completo e mais importante do ponto de vista descritivo, chamava-se "Du délire
des négations" e foi publicado em 1882 nos Archives de Neurologie. São esses
dois trabalhos decisivos para a compreensão dos processos melancólicos mais
extremos que estão traduzidos no presente número da Revista Latinoamericana
de Psicopatologia Fundamental.
Os outros dois artigos apareceram em 1884 e em 1888, um tratando sobre a
perda da visão mental na melancolia ansiosa e, o último, também publicado nos
Annales, descrevia um estado de p s e u d o - m e g a l o m a n i a observado nos estados
de delírio melancólico, no qual o paciente não apenas sente que j á está morto,
mas também que é imortal e que seu corpo cresce de uma maneira monstruosa
englobando todo o universo.
Na verdade, o quadro descrito por Cotard refere-se a um estado delirante
que manifesta-se sobretudo - mas não exclusivamente - nos quadros melancólicos
graves, em geral indicando a passagem à cronicidade. O paciente tende a negar
sistematicamente a existência de seus órgãos, por vezes de seu próprio corpo.
Trata-se de um delírio niilista, segundo o qual o indivíduo sente-se j á morto ou,
ao contrário, padecendo de uma imortalidade dolorosa, de uma impossibilidade
de m o r r e r d e f i n i t i v a m e n t e , e s t a n d o c o n d e n a d o a um s o f r i m e n t o p e r p é t u o .
F r e q u e n t e m e n t e , o paciente implora para que o m a t e m , o q u e i m e m , que lhe
permitam morrer. Em sua versão de "enormidade", o corpo torna-se sem fim,
sem limites, em expansão infinita, deixando ao sujeito uma experiência de horror.
Ocorre u m a perda das significações e um e s v a z i a m e n t o do m u n d o , o que se
reflete num estado de anestesia afetiva, de vazio e de indiferença e no clássico
sintoma do "sentimento de falta de sentimento".
Há uma profunda alteração da vivência temporal. Marcel Czermak apresenta
um caso clínico no qual a paciente expressa-se pelos seguintes termos: "O tempo
não passou. Para mim, o tempo está bloqueado... Vou viver eternamente, sem
1
alma, meu corpo não terá fim" .
Em geral, "o negador é um melancólico ansioso, por vezes estuporoso, ele
2
é auto-acusador, denigre-se, crê-se danado. Suicida-se e automutila-se facilmente" .

1. M. Czermak. "A significação psicanalítica da síndrome de Cotard", in Paixões de objeto, p. 150.


2. P. Bercherie. Histoire et structure du savoir psychiatrique - Les fondements de la clinique I, p.
126.
A ansiedade é, de fato, um elemento marcante, que se manifesta no primeiro
plano do quadro clínico da maior parte dos casos. São comuns as alucinações
v i s u a i s ( c o m o as v i s õ e s d o s s u p l í c i o s d o i n f e r n o ) . O d e s e s p e r o face ao
desaparecimento dos valores éticos, da falta ou da morte de Deus e a aniquilação
do espírito também são queixas constantes.
Para bem marcar a especificidade de seu "delírio das n e g a ç õ e s " em relação
a outros estados delirantes crónicos, tão estudados pela psiquiatria francesa,
C o t a r d visa, e s p e c i a l m e n t e n o a r t i g o aqui t r a d u z i d o s o b r e " O d e l í r i o das
n e g a ç õ e s " , estabelecer quase ponto a ponto u m a c o m p a r a ç ã o c o m o clássico
delírio de perseguição, descrito por seu mestre Lasègue.
De outra parte, a insistência de Cotard sobre a perda da visão mental nos
estados de melancolia ansiosa refere-se à abolição de toda a significação ao que
quer que se apresente ao c a m p o visual do sujeito. Segundo o psiquiatra francês,
os d i s t ú r b i o s da afetividade p o d e r i a m ser o s u b s t r a t o de c o m o o delírio se
desenvolve, atribuindo, assim, uma primazia do afetivo sobre o representacional
nos sintomas desse quadro.
Após a morte de Cotard, o delírio das negações suscitaria uma e n o r m e onda
de discussões na psiquiatria francesa. Buscava-se estabelecer se aquilo que Cotard
havia descrito tratava-se de uma nova doença ou constituía apenas u m a forma
severa de melancolia (cf. Berrios, 1996). A m b a s as posições tiveram seu período
de aceitação.
N a s classificações p s i q u i á t r i c a s c o n t e m p o r â n e a s , o t e r m o " S í n d r o m e de
C o t a r d " praticamente desapareceu, dando lugar a expressões do tipo "Delírio
niilista". Além disso, a diminuição da frequência com que é atualmente observado,
faz p e n s a r q u e o p r o g r e s s o feito pelos t r a t a m e n t o s p s i q u i á t r i c o s , s o b r e t u d o
p s i c o f a r m a c o l ó g i c o s , i m p e d e a cronificação dos estados m e l a n c ó l i c o s , o que
reforça a hipótese de que o Cotard seria u m a m a r c a de c r o n i f i c a ç ã o desses
estados.
T u d o isso não i m p e d e que o quadro descrito por Cotard guarde todo seu
interesse clínico, e sobretudo para o psicopatólogo, confrontado a u m a condição
paradoxal de p a d e c i m e n t o na qual, ao contrário do terror de ser assassinado
observado nos paranóicos, o sujeito sofre de uma impossibilidade de morrer e
implora para que o m a t e m . O quadro descrito por Cotard questiona o corpo,
questiona a temporalização possível, questiona a primazia do apego à vida e à
sobrevivência. O que resta da vida quando não se pode mais morrer?
Bibliografía

BERCHERIE, P. Histoire et structure du savoir psychiatrique - Les fondements de


la clinique I. Paris, Editions Universitaires, 1 9 9 1 .
BERRIOS, G. The History of Mental Symptoms. Cambridge, The Cambridge
University Press, 1996.
C O T A R D , J ; C A M U S E T , M . & S E G L A S , J. DU délire des négations aux idées
d'énormité (org. por J.-P. Tachón). Paris, L'Harmattan, 1997.
CZERMAK, M. "A significação psicanalítica da síndrome de Cotard", in Paixões
de objeto. Porto Alegre, Artes Médicas, 1991, p p . 149-167.
POSTEL, J . & QUETEL, C. (orgs.). Nouvelle histoire de la psychiatrie. Toulouse,
Privât, 1983.

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