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INTRODUÇÃO
digitar - que aos olhos do leitor podem parecer comportamento motor, nossas dúvidas podem
triviais. tomar a forma das seguintes questões: a) Como
A capacidade para realizar realizamos movimentos?; b) Como adquirimos
movimentos tem sido uma das capacidades novos movimentos?; c) Como o movimento
humanas mais subestimadas. A prova disso pode evoluiu ao longo dos tempos?; d) Qual a função
ser encontrada no fato de que a criação de uma desses movimentos? (cf. Tinbergen, 1963). A
área multidisciplinar com enfoque no estudo do busca de respostas para essas questões tem sido a
movimento corporal só se efetivou nos últimos 20 preocupação de diferentes áreas como Psicologia
anos. Experimental, Psicologia do Desenvolvimento,
Movimentos como alcançar, Neurologia, Fisiologia, entre outras. Mais
apreender e manipular objetos, locomover-se, recentemente, os pesquisadores com esses
manter diferentes posturas corporais, etc. interesses são agrupados numa área denominada
envolvem operações que encerram em si suficiente Comportamento Motor. Essa área tem sido
complexidade para ocupar nossas mentes anos a desenvolvida na EEFEUSP desde de 1984 (cf.
fio. Vejamos, por exemplo, o caso do xadrez. Essa Manoel, 1999a) e o nosso objetivo no presente
atividade requer a condução de operações mentais artigo é traçar um paralelo entre essa atividade e o
de alto nível resultando em jogadas que antecipam que tem acontecido na área no cenário nacional e
inúmeros eventos à frente. Hoje, encontramos internacional.
máquinas capazes de realizar essas operações,
algumas das quais são tão poderosas em suas
computações que podem até derrotar os maiores A NATUREZA DO OBJETO DE ESTUDO
mestres enxadristas. Entretanto, os avanços
tecnológicos são bem mais tímidos quando se trata A essa altura é redundante colocar
de ter uma máquina capaz de movimentar as peças que o objeto de estudo da área é o movimento
a
do jogo de acordo com as decisões tomadas após as corporal. Entretanto, é importante ressaltar que
Coordenador do Laboratório de Comportamento Motor da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São
Paulo.
embora os sistemas ósseo e muscular sejam de organização se originou e como ele muda com o
extremamente importantes para que o movimento tempo (cf. Connolly, 1977). Se na primeira
ocorra, ele resulta da interação de muitos outros pergunta somos levados a pensar em controle
sistemas, dos quais destacamos a cognição. O motor, aqui pensamos em aprendizagem e
comportamento motor é um sistema complexo, desenvolvimento motor. Tradicionalmente, esses
constituído de inúmeros subsistemas cujas fenômenos são tratados de forma distinta.
interações são fortes, ou seja, a partir delas surgem Entretanto, um exame mais detalhado da natureza
propriedades que não são encontradas nos de cada processo levanta dúvidas quanto à
subsistemas isolados. Para abordarmos o distinção entre esses processos. Um modo
comportamento motor é justo dizer que ele é mais particular de controle motor não é estático; ele é
do que a soma de suas partes. Em termos influenciado pela experiência, podendo ser
pragmáticos, isso significa que dada as modificado a partir dela. As modificações ocorrem
propriedades das partes e as leis de sua interação com base em algo que já existe, uma estrutura
não é uma tarefa trivial inferir as propriedades do estável que, por sua vez, foi objeto de outras
todo (Simon, 1996). mudanças. Assim, controle motor, aprendizagem
Sistemas complexos apresentam motora e desenvolvimento motor estão
várias características, entre elas destacamos duas: intimamente relacionados a ponto de ser difícil
eles são não-lineares e dinâmicos (Guastello, distingui-los e perigoso tratá-los de forma isolada.
1997). As relações entre os seus elementos são Para efeito de clareza, a aprendizagem motora
não-lineares porque uma mudança num elemento refere-se ao processo em que uma dada habilidade
não é acompanhada de mudança proporcional em motora é adquirida com auxílio de prática
outro elemento. Além do mais, mudanças num sistemática, informações externas sobre a
elemento podem gerar flutuações nas interações habilidade (instrução) e sobre a própria execução
entre os demais elementos a ponto de uma nova (“feedback” extrínsico ou aumentado). A escala de
forma ou padrão de interação estabelecer-se tempo em que esse processo ocorre é de minutos,
(Prigogine & Stengers, 1984). A probabilidade de horas, dias ou semanas. O desenvolvimento motor
prever o surgimento de novos padrões a partir dos refere-se às mudanças em classes gerais do
elementos é muito pequena. Isso nos leva à comportamento motor (locomoção, estabilidade e
segunda característica de sistemas complexos, ou manipulação) condicionadas pelo histórico de vida
seja, a sua dinâmica. Evidentemente, a dinâmica do indivíduo. As mudanças ocorrem numa escala
expressa aqui é um pouco diferente daquela de tempo de meses, anos ou décadas.
tratada pela Física. A dinâmica que nos interessa é A dinâmica do comportamento
aquela que denota as constantes mudanças do motor implica que o mesmo se encontra num
sistema ao longo do tempo. A irreversibilidade estado marcado por contrastes: permanente e
dessas mudanças coloca a dimensão temporal mutável, consistente e variável, estável e instável
como uma propriedade essencial desses sistemas (cf. Manoel, 1999b; Manoel & Connolly, 1997).
(cf. Prigogine, 1961). í
Ao mesmo tempo em que existe a busca da
De acordo com esse pensamento, estabilidade comportamental, seja como resultado
podemos perguntar: Como os movimentos são da prática imediata ou da experiência de forma
organizados? Quais são os mecanismos geral e a médio prazo, trata-se de uma estabilidade
subjacentes à execução motora? Questões desse temporária, pois o sistema é orientado à busca de
tipo levam à busca de modelos de controle motor novos estados mais complexos (Bertalanfly, 1960).
nos quais se especula sobre a atuação do sistema Isso leva à necessidade de instabilidades
nervoso central na integração de informações comportamentais, fonte essencial para a mudança
aferentes e eferentes na produção motora qualitativa na organização do sistema (Manoel,
(Schmidt, 1988). Propriedades físicas do corpo e 1993; Manoel & Connolly, 1995; Tani, 1989,
do ambiente no qual o organismo atua também 1995a).
fazem parte do quadro a ser delineado para A inspeção da produção gráfica de
responder a essa pergunta (Magill, 1995). uma criança ao longo do tempo ilustra esse
Não se pode esquecer da dinâmica. processo (FIGURA 1). Aos 2,5 anos de idade
Assim, é preciso considerar como um dado estado (FIGURA la) os traços produzidos pela criança
Rev. paul. Educ. Fis., São Paulo, v.]3, dez. 1999. N.esp.
54 MANOEL, E.J.
estado da criança nessa etapa apresenta evidências contínuo no qual ordem e desordem se
de maior ordem em comparação a sua produção complementam.
FIGURA 1 - Habilidade gráfica de uma criança aos 2,5 anos, quatro anos e seis anos de idade.
Rev. paul. Educ. Fis„ São Paulo, v.13, p.52-61, dez. 1999. N.esp.
A dinâmica do estudo do comportamento motor 55
Ao mesmo tempo, estudantes de pós- partir de 1993. Esse processo que nos traz até os
graduação, oriundos de várias partes do Brasil e dias atuais tem propiciado a consolidação de
até da América do Sul, iniciaram seus programas linhas de pesquisa sintonizadas com os principais
de mestrado com o enfoque no Comportamento temas de investigação na área. A relação entre o
Motor. Nesse processo, foram concluídas várias que investigamos e as questões centrais da área de
dissertações de mestrado que investigaram: a) Comportamento Motor será objeto de nossa
fatores que afetavam a aquisição de habilidades apreciação a seguir.
motoras como conhecimento de resultados (Castro,
1988; Chiviacowsky, 1993; Proença, 1989), uso do
videotape (Cavariani, 1990; Jesus, 1986), prática
mental (Melo, 1993); b) Teoria de Esquema Motor O LACOM E A ÁREA DE ESTUDO
(Junghahnel-Pedrinelli, 1989; Passos, 1989); c) COMPORTAMENTO MOTOR
Desenvolvimento motor básico e aplicado
(Manoel, 1989; Mufíoz, 1985; Sanches, 1989). A área de Comportamento Motor
Como os estudos sobre o congrega campos de longa tradição. Isso faz com
desenvolvimento motor e a aprendizagem motora que um levantamento histórico sobre as
eram relativamente inéditos no Brasil, as preocupações e investigações pertinentes à ela nos
dissertações produzidas na primeira fase do leve pelo tempo ao século XIX, ou até antes (cf.
LACOM tiveram o mérito de contribuir para a Meijer & Roth, 1988). Por razões de espaço, não
introdução da área em nosso meio. Vale ressaltar vamos repetir aqui um levantamento já realizado
que não havia um laboratório fisicamente das preocupações tradicionais da área para o que
constituído. A grande maioria dos estudos citados remetemos o leitor a outro trabalho (Manoel,
foi conduzida com tarefas da vida diária ou 1995a).
esportivas. Se esse aspecto prejudicou, de alguma Nosso enfoque será sobre os
forma, a fidedignidade dos estudos, ele também problemas básicos que a área busca explicar. O
teve o mérito de proporcionar resultados com primeiro refere-se a como explicar as
maior validade ecológica. regularidades observadas num comportamento
A segunda fase do LACOM se inicia motor habilidoso. Assim, estamos nos referindo às
a partir de 1988 quando o Laboratório foi seguintes questões: Como explicar a ordem
oficialmente formado e reconhecido a nível expressa no comportamento? Afinal, o que é
institucional. O espaço fisico destinado para sua adquirido?
instalação ainda demoraria a ser disponibilizado, O segundo problema refere-se a
fato que ocorreu em 1991. Graças a como explicar as mudanças que o comportamento
financiamentos obtidos junto à Universidade em passa de um estado em que o indivíduo é
convênio com Banco Interamericano de imaturo/iniciante/com ausência de habilidade para
Desenvolvimento, foi possível adquirir, nessa um estado em que ele é
época, uma série de equipamentos clássicos da maduro/competente/habilidoso. Em outras
área de Aprendizagem Motora. Isso propiciou a palavras, a pergunta formulada é: Como ocorre a
realização de estudos em situações de laboratório aquisição do comportamento habilidoso?
relatados em algumas dissertações de mestrado da A partir dos anos 70, os dois
época. Esses trabalhos foram realizados por alguns problemas foram tratados de forma mais integrada
dos membros que iniciaram o grupo de estudos em dentro da chamada abordagem orientada ao
1984 e enfocaram o envelhecimento e a processo. Nesse período, foi proposto um modelo
aprendizagem motora (Santos, 1993), o híbrido de controle motor auto-regulatório. Ele
desenvolvimento do timing antecipatório (Ferraz, envolvia a combinação de dois modelos
1992) e a estrutura de prática variada e Teoria de tradicionais de controle: circuito aberto e circuito
Esquema Motor (Freudenheim, 1992). fechado (cf. Stelmach, 1976). Valendo-se desses
O conjunto de contribuições da modelos, foi um passo lógico assumir que a
primeira fase e do período inicial da segunda fase aprendizagem (cf. Adams, 1971; Pew, 1966;
do LACOM sedimentaram o terreno para que o Schmidt, 1975;) e até o desenvolvimento motor
laboratório pudesse alçar vôos mais ambiciosos a (cf. Connolly, 1970; Keogh, 1977)
Rev. paul. Educ. Fís., São Paulo, v.J3, p.52-61, dez. 1999. N.esp
56 MANOEL, E.J.
caracterizavam-se por mudanças nos modos de 1977) hierarquicamente estruturado nos níveis
controle motor. Essa concepção estabeleceu uma macroscópico e microscópico. A macro-estrutura
agenda de investigação que revigorou a área de do programa é orientada a ordem e definiria o
Comportamento Motor nos anos 70 e 80. padrão geral de interação dos elementos do
Entretanto, as inadequações desse modelo para programa. A micro-estrutura do programa seria
explicar tanto a aprendizagem como o orientada à desordem e comportaria os elementos
desenvolvimento motor foram apontadas ao final do programa. A macro-estrutura condiciona, mas
da década de 80 (cf. Meijer & Roth, 1988; Wade não determina o comportamento individual dos
& Whiting, 1986). elementos que estão no nível da micro-estrutura.
O ponto de maior controvérsia com Ao mesmo tempo, em termos da dinâmica do
relação ao que é adquirido surge a partir da sistema, a macro-estrutura emerge da relação dos
colocação de que o papel das representações elementos. Assim, a macro-estrutura é causa e
mentais na organização motora seria secundário efeito da micro-estrutura (Tani, 1995a). Uma série
(Kelso, 1982). Na abordagem que veio a ser de experimentos tem sido realizada oferecendo
conhecida como Sistemas Dinâmicos, a ordem no razoável suporte para esse modelo (Freudenheim,
comportamento é atribuída à interação entre 1999; Manoel, 1993, 1998; Manoel & Connolly,
restrições organísmicas, ambientais e da tarefa 1995; Tani, Connolly & Manoel, 1998).
(Newell, 1986). Essa visão tem sido preconizada A controvérsia representação vs.
tanto para tratar da aprendizagem motora (Zanone sistemas dinâmicos acabou por desviar a atenção
& Kelso, 1992) quanto para tratar do da área para um problema igualmente importante:
desenvolvimento motor (Thelen, 1986). Como ocorre a aquisição do comportamento
Foge ao escopo do presente ensaio habilidoso? As teorias de Circuito Fechado
entrar em maior profundidade nessa controvérsia, (Adams, 1971) e de Esquema Motor (Schmidt,
posto que em vários aspectos ela envolve 1975) têm como característica principal tratar a
pressupostos filosóficos até certo ponto aquisição de habilidades motoras como um
irreconciliáveis (Abernethy & Sparrow, 1992). processo finito, que se encerra quando o objetivo
Vários autores têm mostrado a inadequação de de execução correta da habilidade é alcançado ou
modelos de controle motor, nos quais a quando essa habilidade é estabilizada. Em outras
representação é excluída (por exemplo, Jeannerod, palavras, subjacente à aquisição da habilidade
1994; Requin, 1992; Shaffer, 1992). Em razão estaria a formação de um estado independente de
disso, começam a surgir posições defendendo uma tempo (cf. Prigogine, 1961, veja também Manoel,
aproximação das duas visões, buscando-se assim 1993; Manoel & Connolly, 1997). Isso caracteriza
um modelo híbrido, em que pese as diferenças o chamado modelo de equilíbrio pois a ênfase recai
profundas de orientação filosófica (veja por sobre a estabilidade do estado e não em sua
exemplo Summers, 1992). capacidade de mudança ou quebra de estabilidade.
A contribuição do LACOM a essa Atualmente, há um consenso de que fenômenos
discussão tem sido mostrar a relevância do
4 #
como os envolvidos na aquisição de habilidades
princípio da complementaridade (Bohr, 1958; caracterizam-se por quebra de estabilidade. O p
Pattee, 1982). Manoel (1993), Manoel & Connolly sistema caminha sempre em direção à maior
(1997) e Tani (1995) procuraram mostrar que instabilidade, condição necessária para a
modos de descrição aparentemente incompatíveis, emergência de estados mais complexos no sistema
no caso o modo simbólico (informação) e o (cf. Bertalanfíy, 1960; Kauffman, 1991).
dinâmico (energia), podem ser tratados em Na abordagem dos sistemas
conjunto para abordar um mesmo fenômeno, no dinâmicos encontramos essa preocupação nos
caso a organização no comportamento motor. trabalhos de Kelso e seus colaboradores; (Kelso,
Buscamos embasamento na Teoria Hierárquica de 1995; Zanone & Kelso, 1992, 1997; Zanone, Kelso
Sistemas Complexos (Nicholis, 1986; Pattee, & Jekka, 1993). Entretanto, esses estudos têm
1973, 1987) para propor uma alternativa ao enfocado o grau de estabilidade de um dado
conceito tradicional de representação. Nesse caso, sistema no processo de aprendizagem (veja por
propõe-se que o comportamento é organizado a exemplo, Zanone & Kelso, 1997). A instabilidade
partir de um programa de ação (cf. Connolly, é vista apenas como um desafio ao sistema
Rev. paul. Educ. Fis., São Paulo, v.]3, p.52-61, dez. 1999. N.esp.
A dinâmica do estudo do comportamento motor 57
Rev. paul. Educ. Fis., São Paulo, v.J3, p.52-61, dez. 1999. N.esp.
58 MANOEL, E.J.
1995), tipo de prática (Públio & Tani, 1993) e imediatamente inferiores e seja válido em
estrutura da prática variada (Meira Junior, 1999b; referência aos níveis imediatamente superiores.
Ugrinowitsch, 1997) e estabelecimento de metas
(Freudenheim & Tani, 1998). As pesquisas desse
tipo propiciam um teste da robustez de teorias
referentes ao comportamento motor. A nossa REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
preocupação é investir cada vez mais nesse tipo de
pesquisa seguindo uma orientação sistêmica, ou ABERNETHY, B.; SPARROW, W. The rise and fall of
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