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| PROCLIM | Ciclo 12 | Volume 1 |


BIOÉTICA NA PESQUISA
CLÍNICA: UMA CRÍTICA À
RESOLUÇÃO CNS 466/12
THIAGO CUNHA
DORA PORTO
GERSON ZAFALON MARTINS

■■ Introdução
A Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde publicada em 1996 – Normas e Diretrizes
para Pesquisa Envolvendo Seres Humanos1 – constituiu um marco no controle social da ética
em pesquisa no Brasil, tendo sido responsável pela criação do sistema formado pela organização
em rede da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e dos Comitês de Ética em
Pesquisa (CEP). As normas e diretrizes da Resolução CNS 196/96 propugnam fortemente pela
proteção aos participantes de pesquisa, estabelecendo a avaliação prévia dos protocolos de
estudos envolvendo seres humanos.

A Resolução 196 criou um mecanismo de controle ético da pesquisa, definindo os conceitos


e categorias básicos dessa classe de atividade e as diretrizes para proteção dos participantes.
Conhecido como Sistema CEP-CONEP, essa estrutura atua em nível local, por meio de CEPs
instalados em diferentes instituições de ensino, pesquisa e prestação de serviços, como hospitais
e centros clínicos. Na dimensão federal, a CONEP é a instância encarregada da gestão do sistema
e da análise pontual de algumas áreas temáticas de pesquisa, além da produção e revisão das
normas. Desde sua implantação, o sistema vem sendo admirado e estudado alhures, com ênfase
na América Latina, onde tem inspirado estruturas de controle local.

Em pouco mais de 1 década, o Sistema CEP-CONEP acreditou aproximadamente 415 comitês


institucionais2 e, cumprindo sua missão educativa, capacitou docentes e pesquisadores em
quase todas as universidades do país, permitindo-lhes atender às exigências do processo de
submissão de projetos de pesquisa e compor os CEPs. Entretanto, esta conquista não veio sem
dificuldades: o financiamento do sistema, a atuação na forma de voluntários, tanto dos membros
dos CEPs quanto da CONEP, a resistência à adesão das instituições locais e dos pesquisadores,
bem como obstáculos de diferentes ordens à verificação in loco da aplicação dos protocolos nos
estudos, se revelaram empecilhos ao pleno funcionamento do sistema.
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BIOÉTICA NA PESQUISA CLÍNICA: UMA CRÍTICA À RESOLUÇÃO CNS 466/12

LEMBRAR
Devido seu forte viés protetivo, a Resolução CNS 196/96 foi considerada uma
das normas mais rigorosas do mundo, uma vez que contemplava diretrizes não
explicitadas nos documentos de mesma natureza adotados por outros países ou
agências internacionais.3-5

Exemplifica isso o impedimento a qualquer forma de incentivo financeiro aos


voluntários dos estudos, expressado na própria definição de sujeito de pesquisa
constante no item II.10, que não é igualmente contemplado na maior parte
destes instrumentos forâneos: “é o(a) participante pesquisado(a), individual ou
coletivamente, de caráter voluntário, vedada qualquer forma de remuneração”.

Contudo, foi justamente esse êxito incontestável que ensejou a necessidade de aperfeiçoar o
documento, tanto com vistas a eliminar as dificuldades detectadas em sua aplicação no âmbito
dos CEPs e da CONEP quanto para acompanhar o previsível avanço de técnicas e tecnologias da
área de pesquisa, em processo já previsto na versão inicial do documento. Como consequência,
a norma foi revista atendendo à reivindicação de diversos setores implicados no complexo campo
das pesquisas envolvendo seres humanos.

Para promover a revisão, foi instaurado processo de consulta pública, entre 12 de setembro e 10
de novembro de 2011, que “resultou em 1.890 sugestões por via eletrônica e apresentação de 18
documentos pelo correio”.6 Essas sugestões foram sistematizadas na Resolução 196/96 versão
2012, disponibilizada em meio eletrônico em dezembro daquele ano. Com data retroativa ao ano
de 2012, em 13 de junho de 2013 foi publicada a versão final do documento, a citada Resolução
CNS 466/12,7 que traz alterações significativas e não constantes da versão aprovada a partir de
consulta pública, ou seja, a Resolução CNS 196/96 versão 20126.

Cabe relatar que, anteriormente, em setembro de 2011, durante do IX Congresso


Brasileiro de Bioética, a Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) publicou a
Carta de Brasília sobre projetos multicêntricos de pesquisa clínica e de defesa do
sistema CEP-CONEP,8 manifesto com recomendações para alterações normativas
e estruturais visando o fortalecimento do sistema. No documento, seus signatários
apoiavam o processo de consulta pública para revisão da Resolução CNS 196,
visando favorecer a proteção dos participantes e das comunidades envolvidos em
pesquisa.

A Carta de Brasília propõe “defender o Sistema CEP-CONEP dos constantes


ataques oriundos das grandes indústrias farmacêuticas, a Contract Research
Organization (CRO) e grupos de pesquisas com elas comprometidas”. Além disso,
incita a que se mantenha também “atuante o controle social sobre pesquisas clínicas
em solo nacional”.8
11

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Essa posição assumida pela SBB revela sua importância na medida em que se conhecem as
perspectivas defendidas por outros atores sociais, diretamente relacionadas à disseminação do
interesse da indústria farmacêutica e biotecnológica. Isso porque, no mesmo período, o setor
regulado também se manifestava amplamente pela necessidade de revisão da Resolução CNS
196. Para esse setor, o principal argumento para a revisão era que o Sistema CEP/CONEP havia
se tornado um “gargalo regulatório” para a realização das pesquisas envolvendo seres humanos
no Brasil, especialmente para os ensaios clínicos.9-12

Em 2011, por exemplo, relatório publicado pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa
(Interfarma) apontou recomendações para revisão da estrutura normativa do Sistema CEP/
CONEP, propondo uma perspectiva “desburocratizante” sob a justificativa de que essa adequação
favoreceria a competitividade das indústrias instaladas no Brasil frente ao mercado internacional
de pesquisas clínicas.10 O documento questionou, em especial, a necessidade imposta pela
resolução para que ensaios clínicos com cooperação internacional fossem avaliados por mais de 1
instância de revisão (a saber, CEP, CONEP e Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA).

O argumento da Interfama era que esse procedimento, “além de ser discriminatório quanto
ao tratamento desigual entre estrangeiros e nacionais, gera demora na aprovação dos testes
clínicos”.13 Nesse relatório, a Interfarma enfatizou a necessidade de “mudança cultural”, voltada
a estabelecer ambiente mais atrativo para as indústrias internacionais se instalarem no país.
Essa mudança deveria propiciar condições favoráveis para que os players instalados no país
aumentassem suas operações.14 Reivindicando uma concepção business friendly, o documento
expressou a necessidade de “adequação dos atuais marcos regulatórios para a realização de
testes clínicos, tendo como objetivo reduzir o tempo de aprovação e promover igualdade no
tratamento de empresas nacionais e internacionais”.15

A flexibilização dos marcos regulatórios sob a vigência da Resolução CNS 196 também foi
reivindicada pela Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica (SBMF). No mesmo sentido,
afirmaram que o “gargalo regulatório” do país – também pejorativamente chamado de “selva
regulatória brasileira”16 – resultava em subaproveitamento da capacidade de pesquisa no Brasil,
deixando-o em desvantagem em relação a outros países em desenvolvimento.

O relatório da SBMF também questionava, com ênfase crítica, a “duplicidade de avaliação ética”
das pesquisas clínicas internacionais realizadas no país, as quais, segundo os signatários,
deveriam deixar de ser avaliadas pela CONEP e passar apenas pelo crivo de CEP institucionais.11

Outra reivindicação encontrada em ambos os relatórios (Interfarma10 e SMBF11) dizia respeito à


flexibilização de um dos pilares para a proteção dos participantes de pesquisa frente ao chamado
double-standard moral,17 a saber, a obrigatoriedade imposta pela Resolução CNS 196 para que
os estudos multicêntricos internacionais realizados no Brasil sejam autorizados apenas mediante
a aprovação do mesmo estudo por um órgão regulatório do país de origem.10,11

Como se observa, a reivindicação da revisão do sistema regulatório brasileiro foi motivada por
interesses distintos. Por um lado, representantes do controle social, em especial aqueles
vinculados à Sociedade Brasileira de Bioética, defendiam o fortalecimento normativo e institucional
do sistema. Por outro, o setor regulado defendia a flexibilização do que chamavam “gargalo
normativo”, visando favorecer a aprovação mais célere dos estudos clínicos realizados no país.
Assim, embora a mudança do sistema regulatório brasileiro apontada como importante por ambos,
os objetivos e as perspectivas a serem adotados eram radicalmente distintos.
12
■■ Objetivos
BIOÉTICA NA PESQUISA CLÍNICA: UMA CRÍTICA À RESOLUÇÃO CNS 466/12

Ao final da leitura desse artigo, o leitor poderá:

■■ compreender as divergências recentes relacionadas à regulação ética de pesquisa em seres


humanos no Brasil;
■■ conhecer as posições díspares entre a antiga Resolução CNS 196 de 1996, a nova Resolução
CNS 466 e a versão intermediária da Resolução CNS 196 versão 2012;
■■ identificar as modificações nas resoluções CNS 196 de 1996, CNS 466 e CNS 196 versão
2012;
■■ atualizar-se sobre a publicação distribuída durante o X Congresso Brasileiro de Bioética,
ocorrido em Florianópolis em setembro de 2013, que apresentou críticas à Resolução CNS
466/12.

■■ Esquema conceitual
Justificativas do artigo

Supressão do controle do
Sistema CEP-CONEP sobre
ensaios clínicos internacionais

Retirada da necessidade de
aprovação das pesquisas
internacionais pelo país de origem
– double standard ético em
Flexibilização das normas estudos clínicos internacionais

Retirada da obrigatoriedade
de suspensão do ensaio por
suspeita de risco ou dano
e imediato provimento dos
benefícios do melhor regime

Uso não previsto no protocolo de


dados e/ou de material biológico

Remuneração de participantes
de ensaios clínicos fase 1 e
pesquisa de bioequivalência

Caso clínico

Considerações finais
13
■■ justificativas do artigo

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Diante de posições tão díspares como as apontadas, o objetivo deste artigo é realizar a análise
comparativa entre a antiga Resolução CNS 196 de 19961 e a nova Resolução CNS 466,7
considerando, ademais, a versão intermediária, conhecida como Resolução CNS 196 versão
20126. Nesse processo, busca-se identificar como as modificações em cada um dos 3 contemplam
as reivindicações dos diferentes grupos de interesse, em especial no que se refere às alterações
normativas com implicações para a proteção dos participantes de ensaios clínicos internacionais.

Assim, este artigo atualiza a publicação distribuída durante o X Congresso Brasileiro de


Bioética, ocorrido em Florianópolis em setembro de 2013, que apresentou críticas à Resolução
CNS 466/12,7 editada pelo Ministério da Saúde do Brasil (MS) em meados de 2013, a qual
revoga as resoluções CNS 196/961, CNS 303/0018 e CNS 404/08,19 que normatizam as práticas
éticas em pesquisa. A produção e distribuição do referido documento foi considerada oportuna,
na medida em que o evento contava com a participação da SBB, que havia publicado a citada
Carta de Brasília em 2011, além de congregar os CEPs brasileiros no Fórum dos Comitês de
Ética em Pesquisa.

Portanto, o objetivo deste artigo é apresentar uma análise crítica das alterações consideradas
fundamentais em relação às Normas e Diretrizes para Pesquisa Envolvendo Seres Humanos,
que afetam a proteção e a segurança dos participantes de pesquisa no Brasil, especialmente
das pesquisas biomédicas e dos ensaios clínicos. Os aspectos considerados pontualmente nesta
análise referem-se ainda a esta flexibilização no que tange à diminuição das atribuições e
competências das instâncias do Sistema CEP-CONEP.

ATIVIDADE

1. Por que se pode considerar que a Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde
publicada em 1996 constituiu um marco no controle social da ética em pesquisa no
Brasil?

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2. Cumprindo sua missão educativa, em pouco mais de 1 década, que atividades o


Sistema CEP-CONEP desenvolveu?

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3. Que empecilhos ao pleno funcionamento do sistema CEP-CONEP podem ser
BIOÉTICA NA PESQUISA CLÍNICA: UMA CRÍTICA À RESOLUÇÃO CNS 466/12

relacionados?

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4. O que propõe a Carta de Brasília?

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5. A reivindicação da revisão do sistema regulatório brasileiro foi motivada por interesses


distintos. Quais são estes interesses?

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6. Mencione avanços, a primeira vista, trazidos pela Resolução 196/96. Compare sua
resposta com o texto a seguir.

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7. Em que difere o texto da Resolução CNS 466/12 em relação às normas anteriores


quando trata do controle do Sistema CEP-CONEP sobre ensaios clínicos
internacionais? Compare sua resposta com o Quadro 1 a seguir.

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■■ Flexibilização das normas

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À primeira vista, pode-se admitir que o processo de revisão da Resolução CNS 196/96 trouxe
avanços há muito demandados. Dentre eles, destacam-se:

■■ a orientação para que se estabeleça resolução específica para regular a ética em pesquisa nas
áreas das ciências sociais;
■■ a garantia às “mulheres que se declarem expressamente isentas de risco de gravidez, quer
por não exercerem práticas sexuais ou por as exercerem de forma não reprodutiva, o direito de
participarem de pesquisas sem o uso obrigatório de contraceptivos”.7

A análise sistemática do documento, entretanto, revela pontos preocupantes que


indicam excessiva flexibilização das normas de controle.

De maneira geral, a Resolução CNS 466/12 não detalha a composição dos CEPs e da CONEP
e não faz menção à representação social ampla, defendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS),
não identificando sequer a necessidade de manter “representante dos usuários” ou “bioeticistas”
na composição, como textualmente indicava a Resolução CNS 196/96. Igualmente, a nova
resolução também não especifica a forma de organização, o mandato, os mecanismos de
escolha dos membros e os métodos para manutenção de arquivos, bem como as atribuições e
atuação detalhada dos CEPs e CONEP – que, segundo o próprio documento, serão objetos de
regulamentação suplementar.

Esses aspectos não causariam inquietação maior se o cotejo pontual dos 3 documentos –
Resolução CNS 196/96, Resolução 196/96 versão 2012 e Resolução CNS 466/12 – não revelasse
alterações substanciais no documento final, algumas sequer previstas na versão intermediária,
obtida por meio da consulta pública. Tais alterações consorciadas atentam fortemente contra o
exercício do controle social no Sistema CEP-CONEP, especialmente em ensaios clínicos de
origem internacional, como se especifica na análise que se segue.

A fim de organizar a apresentação deste processo de flexibilização das normas de controle da


ética em pesquisa envolvendo seres humanos, identificado na Resolução CNS 466/12, os tópicos
tratados foram agrupados em 5 vertentes principais, apresentadas e discutidas a seguir na parte
referente ao desenvolvimento do trabalho:

■■ supressão do controle do Sistema CEP-CONEP sobre ensaios clínicos internacionais (Quadro


1);
■■ retirada da necessidade de aprovação das pesquisas internacionais pelo país de origem
(Quadro 2);
■■ retirada da obrigatoriedade de suspensão do ensaio por suspeita de risco ou dano e provimento
dos benefícios do melhor regime (Quadro 3);
■■ uso não previsto no protocolo de dados e/ou de material biológico (Quadro 4) e;
■■ remuneração de participantes de ensaios clínicos em fase 1 e pesquisa de bioequivalência
(Quadro 5).
16
Supressão do controle do Sistema CEP-CONEP
BIOÉTICA NA PESQUISA CLÍNICA: UMA CRÍTICA À RESOLUÇÃO CNS 466/12

sobre ensaios clínicos internacionais


O aspecto mais preocupante da nova Resolução CNS 466/12 é aquele que suprime, dentre as
atribuições da CONEP, o encargo de examinar os aspectos éticos de pesquisas com “coordenação
e/ou patrocínio originados fora do Brasil” (Quadro 1).

Ao acrescentar ao final do item IX.4.8 a ressalva “excetuadas aquelas com copatrocínio do


governo brasileiro”, a nova Resolução CNS 466/12 permite a realização, no Brasil, de estudos
internacionais sem qualquer exame pelo Sistema CEP-CONEP.

Quadro 1

SUPRESSÃO DO CONTROLE SOCIAL DO SISTEMA CEP-CONEP


SOBRE ENSAIOS CLÍNICOS ESTRANGEIROS
RESOLUÇÕES CNS
Resolução CNS 196/961 Resolução CNS 196 v. 20126 Resolução CNS 466/127
VIII – COMISSÃO NACIONAL IX – COMISSÃO NACIONAL DE IX – DA COMISSÃO NACIONAL
DE ÉTICA EM PESQUISA ÉTICA EM PESQUISA DE ÉTICA EM PESQUISA

VIII.4.8 – pesquisas IX.3.8 – pesquisas coordenadas IX.4.1.1 – envio para o exterior


coordenadas do exterior ou no exterior ou com participação de material genético ou qual-
com participação estrangeira estrangeira e pesquisas que quer material biológico humano
e pesquisas que envolvam envolvam remessa de material para obtenção de material
remessa de material biológico biológico humano para o exterior. genético, salvo nos casos em
para o exterior. Não cabe análise da CONEP/ que houver cooperação com
CNS/MS nos seguintes casos: o Governo Brasileiro;
8.1 aquelas cuja participação IX.4.8 – pesquisas com
brasileira se restrinja à formação coordenação e/ou patrocínio
acadêmica de pesquisador es- originados fora do Brasil,
trangeiro vinculado a programa excetuadas aquelas com
de pós-graduação nacional copatrocínio do Governo
e não envolva participação Brasileiro.
de participantes de pesquisa
brasileiros em nenhuma de suas
etapas;
8.2 aquelas cujas etapas sejam
totalmente realizadas no exterior
e que tenham sido aprovadas
por comitê de ética em pesquisa
ou órgão equivalente no país de
origem.

Ainda que se possa argumentar que a medida tenha o intuito de estimular a participação de
pesquisadores e instituições brasileiras em ensaios clínicos internacionais, não se pode esquecer de
que, geralmente, as pesquisas aplicadas no país já contam com a participação de pesquisadores
e instituições nacionais, como admite o próprio MS.20 Embora não sejam os protagonistas desses
ensaios, os pesquisadores e instituições brasileiros vêm atuando em pesquisas estrangeiras, sendo
encarregados de recrutar e aplicar os protocolos desenvolvidos em outros países, os quais, até
então, eram previamente examinados pelos CEPs e pela CONEP.
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A partir da nova Resolução CNS 466/12, a CONEP deixará de ter o direito de exigir o
exame prévio dos protocolos aplicados no Brasil, quando o estudo for classificado como
copatrocínio governamental, o que tende a ocorrer na grande maioria dos casos.21
Essa alteração implica em profunda flexibilização do controle social e ético nas pesquisas
internacionais realizadas no país, especialmente dos ensaios clínicos, uma vez que o
espectro da participação do “governo brasileiro” neste tipo de pesquisa é vultoso.

O “ente” governo brasileiro inclui desde empresas e fundações estatais, como Embrapa, Fiocruz,
Hemobrás, além da nova Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), que reúne
todos os hospitais universitários federais do país, até os Ministérios Executivos federais e suas
incontáveis secretarias.

Assim, deixarão de ser avaliadas pela CONEP quaisquer pesquisas realizadas em consórcio
ou copatrocínio com, por exemplo, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos
do Ministério da Saúde, cuja relação com instituições de pesquisas internacionais é intensa.
Exemplifica tal relação informação disponibilizada em agosto de 2013 no site da Secretaria,
que informava o lançamento de edital de pesquisa em saúde materno-infantil destacando “que
marcará o início da cooperação científica e tecnológica entre o Ministério da Saúde e a Fundação
Bill & Melinda Gates”.21

O mesmo site informa, também, outras parcerias para pesquisas com diferentes organizações
internacionais, entre elas o Council on Health Research for Development (COHRED), e o
Global Forum for Health Research, por exemplo. Com a revogação da Resolução CNS
196/96 e a publicação da nova Resolução CNS 466/12, nenhuma destas pesquisas passará –
necessariamente – pelo controle ético e social do sistema CEP-CONEP.

Ainda que os diferentes agentes do “governo brasileiro” possam, de fato, exigir que os estudos
sejam avaliados pelo sistema, é pouco prudente suprimir uma obrigação transformando-a em
opção, que pode ser facultativamente requerida.

O segundo aspecto preocupante, introduzido apenas na Resolução CNS 466/12,


caminha na mesma direção. Trata-se de acréscimo no item IX.4.1.1, o qual admite
análise pela CONEP de protocolo de pesquisa que implique em “envio ao exterior de
material genético ou qualquer material biológico humano para obtenção de material
genético, salvo nos casos em que houver cooperação com o governo brasileiro”.

Da mesma forma que a ressalva analisada anteriormente, esse acréscimo abre a


possibilidade de o pesquisador (representando a instituição e o governo brasileiro)
decidir por conta própria sobre o envio para fora do país de material genético, sem
consulta ou controle prévios do Sistema CEP-CONEP. Tal prerrogativa, se não incentiva,
ao menos abre a possibilidade de envio de material genético ao exterior em um momento
em que a discussão sobre o compartilhamento dos benefícios dos estudos realizados
com este material ainda não está suficientemente aprofundada, nem os mecanismos de
regulação definidos.

Como com a publicação da Resolução CNS 466/12 qualquer pesquisa internacional em cooperação
governamental só passará pelo Sistema CEP-CONEP se houver solicitação neste sentido do
próprio governo, pode-se presumir que o grau de controle social – ético, técnico e político – será
sobremaneira reduzido.
18
Retirada da necessidade de aprovação das pesquisas internacionais pelo
BIOÉTICA NA PESQUISA CLÍNICA: UMA CRÍTICA À RESOLUÇÃO CNS 466/12

país de origem – double standard ético em estudos clínicos internacionais


Outro ponto contundente da Resolução CNS 466/12 trata da retirada de exigência de aprovação
no país de origem dos estudos multicêntricos com cooperação estrangeira, inclusive os de
caráter puramente privado, tal como era requerido no item III.3s da Resolução CNS 196/96
(Quadro 2). Essa previsão normativa era o pilar que garantia que os brasileiros não estariam
sujeitos ao double-standard moral, ou seja, às pesquisas com critérios éticos e técnicos menos
rigorosos do que aqueles aceitos nos países sedes dos promotores da pesquisa.16 Isso quer dizer
que métodos e processos de pesquisa que não foram avaliados e considerados aceitáveis nos
países onde estes estudos foram desenhados, podem vir a ser aplicados no Brasil.

Quadro 2

RETIRADA DA NECESSIDADE DE APROVAÇÃO DAS PESQUISAS


INTERNACIONAIS PELO PAÍS DE ORIGEM
RESOLUÇÕES CNS
Resolução CNS 196/961 Resolução CNS 196 v. 20126 Resolução CNS 466/127
III − ASPECTOS ÉTICOS DA III − ASPECTOS ÉTICOS DA III − DOS ASPECTOS ÉTICOS
PESQUISA ENVOLVENDO PESQUISA ENVOLVENDO DA PESQUISA ENVOLVENDO
SERES HUMANOS SERES HUMANOS SERES HUMANOS

III.3.s − comprovar, nas III.3.q − comprovar, nas III.2.p − comprovar, nas pesqui-
pesquisas conduzidas do pesquisas conduzidas no sas conduzidas no exterior ou
exterior ou com cooperação exterior ou com cooperação com cooperação estrangeira, os
estrangeira, os compromissos e estrangeira, os compromissos compromissos e as vantagens,
as vantagens, para os sujeitos e as vantagens, para os para os participantes das
das pesquisas e para o Brasil, participantes das pesquisas pesquisas e para o Brasil,
decorrentes de sua realização. e para o Brasil, decorrentes decorrentes de sua realização.
Nestes casos, devem ser de sua realização. Nestes Nestes casos, devem ser
identificados o pesquisador e casos, devem ser identificados identificados o pesquisador e a
a instituição nacionais corres- o pesquisador e a instituição instituição nacional, responsá-
ponsáveis pela pesquisa. O nacional responsáveis pela veis pela pesquisa no Brasil. Os
protocolo deverá observar as pesquisa no Brasil. Os estudos estudos patrocinados no exterior
exigências da Declaração de patrocinados no exterior também deverão responder às
Helsinki e incluir documento também deverão responder às necessidades de transferência
de aprovação, no país de necessidades de transferência de conhecimento e tecnologia
origem, entre os apresentados de conhecimento e tecnologia para a equipe brasileira,
para avaliação do Comitê para a equipe brasileira, quando quando aplicável e, ainda, no
de Ética em Pesquisa da aplicável. caso do desenvolvimento de
instituição brasileira, que novas drogas, se comprovadas
exigirá o cumprimento de sua segurança e eficácia, é
seus próprios referenciais obrigatório seu registro no
éticos. Os estudos patrocinados Brasil.
do exterior também devem
responder às necessidades
de treinamento de pessoal no
Brasil, para que o país possa
desenvolver projetos similares
de forma independente.
19

| PROCLIM | Ciclo 12 | Volume 1 |


Cabe ressaltar que esta flexibilização era uma das reivindicações mais enfatizadas nos relatórios
dos representantes dos promotores de pesquisas clínicas no Brasil,9,10 como citado anteriormente.
Da forma como está redigido o item III.3s da Resolução CNS 466/12, pode-se entender que
tal reivindicação, de flexibilização, foi acatada, mesmo que em detrimento da proteção do qual
gozavam os cidadãos brasileiros sob o amparo da norma que a antecedeu.

É fundamental assinalar que associada a essa omissão soma-se a revogação da


Resolução CNS 404/08, que rechaçava as alterações promovidas em 2008 na
Declaração de Helsinki.22

Ao revogá-la e, ao mesmo tempo, não exigir comprovação de análise ética do protocolo


no país de origem, se faculta a possibilidade de serem conduzidos no Brasil ensaios
clínicos internacionais de desenho metodológico eticamente duvidoso, que não passaram
por análise ética nem tiveram aprovação de instância regulamentadora de pesquisa no
local onde foram desenhados e que, por isso, podem vulnerar os participantes a eles
submetidos.

Porém, é indispensável considerar que a supressão da Resolução CNS 404/08 não interferiu
com uma das garantias que estava prevista nas versões mais rígidas da Declaração de Helsinki,
relativa ao acesso ao tratamento após o término do ensaio.

De fato, enquanto na Resolução CNS 196/96 o acesso estava abstratamente dirigido aos
“benefícios resultantes da pesquisa, seja em termos de retorno social, acesso aos procedimentos,
produtos ou agentes da pesquisa” (item III.p), no item III. 3d da Resolução CNS 466/12 se explicita
que o benefício refere-se ao “acesso gratuito, e por tempo indeterminado, aos melhores métodos
profiláticos, diagnósticos e terapêuticos que se demonstraram eficazes”, e que deve ser garantido,
inclusive, no intervalo entre o término da participação do indivíduo e o final do estudo.

Assim, neste ponto, mesmo com as alterações, a nova norma brasileira aperfeiçoa a exigência de
o pesquisador assegurar ao participante acesso ao melhor benefício identificado no estudo. Isto,
além de ser um avanço em relação à Resolução CNS 196/96, representa progresso também em
relação às versões mais recentes da Declaração de Helsinki, depois de 2008, cujo texto elimina a
obrigatoriedade do patrocinador garantir o acesso ao benefício pós-estudo.

LEMBRAR
Apesar disso, é preciso considerar que mesmo que seja um avanço importante
à proteção dos participantes das pesquisas, este novo item não contraria os
interesses dos promotores das pesquisas clínicas internacionais, uma vez que
é cada vez mais comum a realização das chamadas “pesquisas pós-mercado”.
Por esse critério, a Fase IV do estudo clínico, em que os pesquisadores continuam
a monitorar a segurança e os efeitos adversos dos medicamentos, que geralmente
ocorre enquanto o produto está sendo comercializado,23 passa a incluir os
participantes das fases anteriores, aos quais foi assegurado o benefício.

Cabe ressaltar ainda que a Resolução CNS 466, ao tratar sobre o acesso aos benefícios no
período entre o término da participação individual e o término global do estudo, explicita que
a garantia de acesso pode “ser dada por meio de estudo de extensão, de acordo com análise
devidamente justificada do médico do participante” (item 3.d.1), o que coaduna neste novo
desenho metodológico os interesses dos participantes e dos próprios pesquisadores.
20
BIOÉTICA NA PESQUISA CLÍNICA: UMA CRÍTICA À RESOLUÇÃO CNS 466/12

ATIVIDADE

8. Que avanços podem ser destacados, à primeira vista, no processo de revisão da


Resolução CNS 196/96?

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9. Qual é o aspecto mais preocupante da nova Resolução CNS 466/12?

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10. Analise as afirmativas a seguir.

I. A partir da nova Resolução CNS 466/12, a CONEP deixará de ter o direito de exigir
o exame prévio dos protocolos aplicados no Brasil, quando o estudo for classificado
como de copatrocínio governamental, o que tende a ocorrer na grande maioria dos
casos.
II. Acréscimo no item IX.4.1.1 na Resolução CNS 466/12 admite análise pela CONEP
de protocolo de pesquisa que implique em envio ao exterior de material genético
ou qualquer material biológico humano para obtenção de material genético, salvo
nos casos em que houver cooperação com o governo brasileiro.
III. Com a publicação da Resolução CNS 466/12, qualquer pesquisa internacional em
cooperação governamental passará pelo Sistema CEP-CONEP.

Quais afirmativas estão corretas?

A) Apenas I e II.
B) Apenas I e III.
C) Apenas II e III.
D) Todas.
Resposta no final do artigo
21

| PROCLIM | Ciclo 12 | Volume 1 |


11. Que ponto da Resolução CNS 466/12 permite que métodos e processos de pesquisa
que não foram avaliados e considerados aceitáveis nos países onde estes estudos
foram desenhados podem vir a ser aplicados no Brasil?

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12. Que consequências podem ser ressaltadas a partir da revogação da Resolução CNS
404/08?

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13. O que vem a ser e quais as implicações das “pesquisas pós-mercado”?

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14. O que explicita a Resolução CNS 466/12 ao tratar sobre o acesso aos benefícios no
período entre o término da participação individual e o término global do estudo?

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15. Em que difere o texto da Resolução CNS 466/12 em relação às normas anteriores
quando trata da obrigatoriedade de suspenção do ensaio por suspeita de risco ou
dano ao participante da pesquisa? Compare sua resposta com o Quadro 3 a seguir.

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22
Retirada da obrigatoriedade de suspensão do ensaio por suspeita
BIOÉTICA NA PESQUISA CLÍNICA: UMA CRÍTICA À RESOLUÇÃO CNS 466/12

de risco ou dano e imediato provimento dos benefícios do melhor regime


É também discutível na Resolução CNS 466/12 a retirada da obrigatoriedade em relação à
suspensão do ensaio caso o pesquisador observe qualquer risco adicional ou dano significativo
ao participante da pesquisa não previstos no protocolo (Quadro 3).

Quadro 3

RETIRADA DA OBRIGATORIEDADE DE SUSPENSÃO DO ENSAIO,


BEM COMO PROVIMENTO DO MELHOR REGIME
RESOLUÇÕES CNS
Resolução CNS 196/961 Resolução CNS 196 v. 20126 Resolução CNS 466/127
V – RISCOS E BENEFÍCIOS V – RISCOS E BENEFÍCIOS V – DOS RISCOS E BENEFÍCIOS

V.3 – O pesquisador responsá- V.3 – O pesquisador V.3 – O pesquisador


vel é obrigado a suspender a responsável deve comunicar ao responsável, ao perceber
pesquisa imediatamente ao Comitê de Ética em Pesquisa qualquer risco ou dano
perceber algum risco ou dano da instituição imediatamente e significativos ao participante da
à saúde do sujeito participante avaliar em caráter emergencial pesquisa, previstos ou não, no
da pesquisa, consequente à a necessidade de adequar ou Termo de Consentimento Livre
mesma, não previsto no termo suspender o estudo, ao per- e Esclarecido, deve comunicar
de consentimento. Do mesmo ceber qualquer risco ou danos o fato, imediatamente, ao
modo, tão logo constatada a significativos ao participante da Sistema CEP/CONEP, e avaliar,
superioridade de um método pesquisa, previsto ou não no em caráter emergencial, a
em estudo sobre outro, o Termo de Consentimento Livre e necessidade de adequar ou
projeto deverá ser suspenso, Esclarecido. suspender o estudo.
oferecendo-se a todos os
sujeitos os benefícios do
melhor regime.

V.4 – O Comitê de Ética em V.4 – Nas pesquisas na área V.4 – Nas pesquisas na área
Pesquisa da instituição deverá da saúde, tão logo constatada da saúde, tão logo constatada
ser informado de todos a superioridade significativa de a superioridade significativa de
os efeitos adversos ou fatos uma intervenção sobre outra(s) uma intervenção sobre outra(s)
relevantes comparativa(s), o pesquisador comparativa(s), o pesquisador
que alterem o curso normal do deverá avaliar a necessidade de deverá avaliar a necessidade
estudo. adequar ou suspender o estudo de adequar ou suspender o
em curso, visando oferecer a estudo em curso, visando
todos os benefícios do melhor oferecer a todos os benefícios
regime. do melhor regime.

V.5 – O Comitê de Ética em V.5 – O Sistema CEP/CONEP


Pesquisa da instituição deverá deverá ser informado de todos
ser informado de todos os os fatos relevantes que alterem
efeitos adversos ou de fatos o curso normal dos estudos por
relevantes que alterem o curso ele aprovados e, especificamen-
normal do estudo. te, nas pesquisas na área da
saúde, dos efeitos adversos e
da superioridade significativa de
uma intervenção sobre outra ou
outras comparativas.
23

| PROCLIM | Ciclo 12 | Volume 1 |


Diferentemente da Resolução CNS 196/96, pela atual versão do documento, o pesquisador
responsável deixa de ser obrigado a suspender imediatamente o estudo nestes casos, mas,
apenas a avaliá-lo em caráter emergencial, verificando ele próprio a necessidade de adequar
ou suspender o ensaio. Se, por um lado, tal determinação pode evitar que um estudo seja
suspenso prematuramente, não se pode deixar de ponderar qual seria o limite que deve definir
sua descontinuidade ou cancelamento. Além de deixar tal decisão a critério do pesquisador, a
resolução sequer aponta as diretrizes mínimas para orientar essa tomada de decisão que se
baseia na avaliação de quais seriam os riscos “significativos” envolvendo o prosseguimento ou
a suspensão do ensaio.

Da mesma forma, o provimento do benefício também passa a ser condicional, dependendo da


ponderação do pesquisador, cuja obrigação restringe-se a relatar sua avaliação ao Sistema CEP-
CONEP. Ou seja, se por um lado a nova resolução definiu de modo mais criterioso os parâmetros
de responsabilidade dos pesquisadores e patrocinadores, instando-os em prover ao participante
o “acesso gratuito e por tempo indeterminado, aos melhores métodos profiláticos, diagnósticos
e terapêuticos que se demonstraram eficazes”, falhou, por outro, ao deixar unicamente sob a
responsabilidade do pesquisador a identificação do momento adequado para estender o acesso
aos melhores benefícios a todos os participantes.

Assim, esta mudança aparentemente sutil, que retira as palavras “obrigado” e


“imediatamente” e inclui a ideia de “dano significativo” no que tange às obrigações do
pesquisador responsável em relação à avaliação do risco e do benefício ao participante,
pode vir a afetar negativamente, de maneira inesperada, sua saúde, e até, em casos
extremos, colocar em risco sua vida.

ATIVIDADE

16. Em que difere o texto da Resolução CNS 466/12 em relação às normas anteriores
quando trata do uso não previsto no protocolo de dados e material biológico? Compare
sua resposta com o Quadro 4 a seguir.

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............................................................................................................................................
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17. Em que difere o texto da Resolução CNS 466/12 em relação às normas anteriores
quando trata da remuneração de participantes de ensaios clínicos Fase 1 e pesquisa
de bioequivalência? Compare sua resposta com o Quadro 5 a seguir.

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............................................................................................................................................
............................................................................................................................................
............................................................................................................................................
24
Uso não previsto no protocolo de dados e/ou de material biológico
BIOÉTICA NA PESQUISA CLÍNICA: UMA CRÍTICA À RESOLUÇÃO CNS 466/12

As alterações até agora analisadas se tornam ainda mais graves quando da verificação da mudança
do item III.3q da Resolução CNS 466/12, relativo à utilização de achados de pesquisa (Quadro
4). Diferentemente da versão que a precedeu, a Resolução CNS 466/12 separa as normas relativas
a dados e material biológico, garantindo em ambas a possibilidade de uso pelo pesquisador dos
achados da pesquisa apenas em decorrência da concordância do participante, mesmo que isto não
tenha sido previamente definido no protocolo e aprovado pelo Sistema CEP-CONEP.

Quadro 4

USO NÃO PREVISTO NO PROTOCOLO DE DADOS E MATERIAL BIOLÓGICO


RESOLUÇÕES CNS
Resolução CNS 196/961 Resolução CNS 196 v. 20126 Resolução CNS 466/127
III − ASPECTOS ÉTICOS DA III – ASPECTOS ÉTICOS DA III – ASPECTOS ÉTICOS DA
PESQUISA ENVOLVENDO PESQUISA ENVOLVENDO PESQUISA ENVOLVENDO
SERES HUMANOS SERES HUMANOS SERES HUMANOS

III.3.t – utilizar o material biológico III.3.r – utilizar o material e os III.2.q – utilizar o material e
e os dados obtidos na pesquisa dados obtidos na pesquisa os dados obtidos na pesquisa
exclusivamente para a finalidade exclusivamente para a finalidade exclusivamente para a finalidade
prevista no seu protocolo. prevista no seu protocolo, ou prevista no seu protocolo, ou
conforme o consentimento do conforme o consentimento do
participante; participante;
III.4.c – utilizar o material biológico III.3.c – utilizar o material biológico
e os dados obtidos na pesquisa e os dados obtidos na pesquisa
exclusivamente para a finalidade exclusivamente para a finalidade
prevista no seu protocolo, ou prevista no seu protocolo, ou
conforme o consentimento conforme o consentimento
dado pelo participante da dado pelo participante da
pesquisa. pesquisa.

LEMBRAR
A Resolução CNS 196/96 previa a utilização de material biológico e dados
exclusivamente para fins previstos no protocolo. O novo documento, seguindo
os ditames já indicados na versão obtida a partir da consulta pública (Resolução
CNS 196 versão 2012), admite essa utilização conforme o consentimento do
participante. Ou seja, ao retirar a exigência de que o material obtido no estudo seja
usado exclusivamente para os fins previstos no protocolo este item da Resolução
CNS 466/12 abriu a possibilidade de que tal uso decorra apenas do consentimento
individual, o que torna mais vulnerável não apenas o participante, mas o sistema
como um todo.

É importante considerar, ainda, que tal vulnerabilidade repercute, inclusive, na dimensão ética
das políticas de Estado. Isto porque permite que os pesquisadores, patrocinadores e a indústria
definam a posteriori novas finalidades para o uso e envio ao exterior de material biológico ou
dados, eliminando qualquer possibilidade de exercício do controle ético pelo Sistema CEP-
CONEP. Além disso, tal processo facilita a apropriação indevida e a transferência ao exterior de
material genético.
25

| PROCLIM | Ciclo 12 | Volume 1 |


Esta situação revela-se ainda mais delicada pelo fato de a nova norma sequer citar
o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) – o qual deve ser avaliado
previamente pelo Sistema CEP-CONEP – e sim referir-se pura e simplesmente ao
“consentimento do participante”, que, ainda que teoricamente implique em exaustivo
processo de informação, não estaria registrado formalmente e nem teria sido
previamente chancelado por instância competente para avaliar as condições em que
se obteve tal anuência.

Remuneração de participantes de ensaios clínicos fase 1 e pesquisa de


bioequivalência
Outro ponto no qual se pode considerar ter havido retrocesso normativo diz respeito à proteção
dos participantes de pesquisas no Brasil em situação de vulnerabilidade social. Refere-se,
especificamente, à abertura para remuneração de participantes em ensaios clínicos Fase I ou em
pesquisas de bioequivalência (Quadro 5). Esse aspecto, que resulta em alterações substanciais
ao processo de recrutamento dos participantes e na distribuição de riscos e benefícios, foi
apresentado de maneira capciosa, tendo sido incluído apenas na parte “descritiva” da Resolução
CNS 466/12 em que são definidos os conceitos e os princípios utilizados no documento e não nos
itens dedicados ao processo de consentimento ou, ainda, no tópico relativo aos riscos e benefícios.

Quadro 5

REMUNERAÇÃO DE PARTICIPANTES DE ENSAIOS CLÍNICOS FASE 1 E


PESQUISA DE BIOEQUIVALÊNCIA
RESOLUÇÕES CNS
Resolução CNS 196/96 1
Resolução CNS 196 v. 20126 Resolução CNS 466/127
II – TERMOS E DEFINIÇÕES II – TERMOS E DEFINIÇÕES II – DOS TERMOS E DEFINIÇÕES

II.10 – Sujeito da pesquisa – é II.14 – Participante da pesqui- II.10 – participante da pesqui-


o(a) participante pesquisado(a), sa – indivíduo que, de forma sa – indivíduo que, de forma
individual ou coletivamente, de esclarecida e voluntária, ou sob esclarecida e voluntária, ou sob
caráter voluntário, vedada qual- o esclarecimento e autorização o esclarecimento e autorização
quer forma de remuneração. de seu(s) responsável(eis) de seu(s) responsável(eis)
legal(is), se submete a protocolo legal(is), aceita ser pesquisado.
de pesquisa. A participação deve se dar de
forma gratuita, ressalvadas as
pesquisas clínicas de Fase I ou
de bioequivalência.

A esse respeito, é importante destacar que a versão da consulta pública tampouco previa
a possibilidade de pagamento. Naquele documento, a descrição do conceito “participante
da pesquisa” apresentava-se como: “indivíduo que, de forma esclarecida e voluntária, ou sob
o esclarecimento e autorização de seu(s) responsável(eis) legal(is), se submete a protocolo de
pesquisa (item II.14)”. Já na versão homologada 6 meses depois, esta mesma definição foi
sub-repticiamente alterada, eliminando a menção ao protocolo de pesquisa e acrescentando o
seguinte adendo: “A participação deve se dar de forma gratuita, ressalvadas as pesquisas clínicas
de Fase I ou de bioequivalência (item II.10)”.
26
A ressalva para a possibilidade de participação não “gratuita” apenas para ensaios
BIOÉTICA NA PESQUISA CLÍNICA: UMA CRÍTICA À RESOLUÇÃO CNS 466/12

clínicos Fase 1 e pesquisas de bioequivalência torna a modificação ainda mais


preocupante, pois estas classes de pesquisas são aquelas que, por focarem a
determinação de toxicidade e segurança de drogas em participantes saudáveis, não
podem oferecer qualquer possibilidade de benefício. Ao contrário, são previstos apenas
riscos e danos à saúde dos participantes.24

Não é por acaso que, em muitos países, a mercantilização do processo de recrutamento de


voluntários para pesquisas clínicas tem levado à constituição de verdadeira “profissionalização
de cobaias humanas”.25 Estes “trabalhadores” são, sobretudo, aqueles pertencentes aos
grupos socialmente mais vulneráveis, como, no caso dos Estados Unidos da América (EUA), os
afrodescentes em condição de pobreza, os sem tetos e os usuários de drogas.26,27

Diferentemente de normas internacionais, como as do Council for International Organizations of


Medical Sciences (CIOMS), a Declaração de Helsinque 2008 e da própria norma dos EUA, a nova
versão da resolução brasileira não apresenta qualquer restrição ao que aqueles documentos
denominam “indução indevida ao consentimento”. Tal definição refere-se à possibilidade de que o
participante da pesquisa venha a aceitar riscos que, na ausência da remuneração, não aceitaria.

Além dessa falha relativa ao incentivo monetário, a alteração da Resolução CNS 466/12 também
não considera as implicações desiguais na distribuição dos riscos e benefícios da pesquisa
na coletividade, dado que nestes termos o recrutamento estimula a participação dos grupos
mais vulneráveis. Os mais pobres e mais necessitados submetem-se aos danos dos estudos
remunerados, enquanto os grupos com mais recursos usufruem dos benefícios auferidos com a
utilização daqueles corpos-mercadorias.

Para além das fragilidades que esta flexibilização impõe ao processo consentimento, o retrocesso
moral mais grave na questão do pagamento para participantes de pesquisa refere-se aos Direitos
Humanos.28 Isso porque, ao permitir a utilização do ser humano como mercadoria biológica, um
meio e não um fim em si mesmo,29 a norma acaba por comprometer a noção de Autonomia
e Dignidade, princípios basilares dos instrumentos orientadores da ética em pesquisa, como o
Código do Nüremberg,30 bem como daqueles voltados às garantias individuais e coletivas como a
Declaração Universal dos Direitos Humanos.31

ATIVIDADE

18. O pesquisador responsável é obrigado a suspender a pesquisa imediatamente ao


perceber algum risco ou dano à saúde ao sujeito participante da pesquisa.

A) Este item é previsto na Resolução CNS 466/12.


B) Este item é previsto na Resolução CNS 196, versão 2012.
C) Este item é previsto na Resolução CNS 196/96.
D) Este item é previsto em todas as Resoluções citadas.
Resposta no final do artigo
27

| PROCLIM | Ciclo 12 | Volume 1 |


19. Por que é discutível na Resolução CNS 466/12 a retirada da obrigatoriedade em
relação à suspensão do ensaio, caso o pesquisador observe qualquer risco adicional
ou dano significativo ao participante da pesquisa não previstos no protocolo?

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20. Quais as consequências da retirada da exigência de que o material obtido no estudo


seja usado exclusivamente para os fins previstos no protocolo da Resolução CNS
466/12?

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21. Por que a ressalva, na Resolução CNS 466/12, que prevê a possibilidade de
participação não “gratuita” apenas para ensaios clínicos fase 1 e pesquisas de
bioequivalência é preocupante?

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22. Em que sentido a alteração da Resolução CNS 466/12 em relação a incentivo


monetário não considera as implicações desiguais na distribuição dos riscos e
benefícios da pesquisa na coletividade?

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28
■■ Caso clínico
BIOÉTICA NA PESQUISA CLÍNICA: UMA CRÍTICA À RESOLUÇÃO CNS 466/12

Nas comunidades de Nossa Senhora da Borborema e São Miguel do Anhangabaú,


localizadas nas margens do rio Tracoá, no interior do Pará, foi realizado, entre 2013
e 2014, estudo patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos
(NIH – EUA) e pela Eunice Rivers Alabama University, em pareceria com órgãos do
governo brasileiro, o Instituto Nacional de Combate às Doenças Tropicais (IBCDT) e
a Universidade Nacional do Brasil. O interesse no estudo para os patrocinadores era
analisar os vários tipos de transmissores de malária em diferentes ecossistemas,
devido ao fato de que essa doença está reemergindo no Sul dos EUA, possivelmente em
decorrência do aumento da temperatura média global. Embora não seja uma pesquisa
clínica Fase I, o protocolo do estudo foi devidamente aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) da universidade privada estadunidense.

Trata-se de estudo multicêntrico, realizado concomitantemente em 16 centros de


pesquisa localizados em áreas endêmicas, como Guatemala, Panamá, Venezuela, Peru
e Quênia. No Brasil, foram coletados mais de 50 mil mosquitos nos braços e nas pernas
de 15 moradores de 5 casas nas 2 localidades ribeirinhas, por meio de um capturador
posicionado sobre áreas dos membros do participante, expostas ao ambiente para atrair
o vetor, que era posteriormente sugado. A captura ocorreu em 10 diferentes dias tendo
início às 18 horas, durando aproximadamente 6 horas. Os mosquitos aspirados eram
acondicionados em reservatórios adaptados para esse fim e identificados segundo
horário e local da coleta. Os pesquisadores consideram que este método, conhecido
como “atração humana”, é o mais eficaz, em função do Anopheles ser extremamente
antropofílico. De fato, a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) acolhe este
método, mesmo reconhecendo que, na captura do mosquito, a sucção somente poderá
ser feita após a pessoa sentir a picada. Uma vez que a exposição ao procedimento da
pesquisa incorrerá em incômodo aos voluntários, o comitê avaliador do estudo aprovou
o pagamento de R$12,00 por dia de coleta, perfazendo o total de R$120,00 para cada
participante, o que equivale a mais de 16% do salário mínimo então vigente no país.

As avaliações clínicas realizadas no decorrer do estudo identificaram que todos


os participantes contraíram malária, mas isto não comprometeu a integridade
metodológica da investigação, nem tornou necessária sua suspensão, uma vez que seu
propósito era tão somente a captura do vetor. De qualquer forma, a situação foi avaliada
pelos pesquisadores, e os riscos e danos significativos aos participantes, comunicados
à CONEP. Os afetados foram atendidos pelo serviço público de saúde da região, em
posto de atendimento inteiramente reformado pelos patrocinadores do estudo.

Além do envio ao exterior dos mosquitos coletados, tal como previsto no protocolo,
os pesquisadores solicitaram, como procedimento adicional, o consentimento dos
participantes que contraíram malária para realizar envio de amostras de seu sangue aos
laboratórios da Eunice Rivers Alabama University. Foi solicitado seu consentimento
também para enviar seus dados cadastrais e histórico de prontuário, visando facilitar
a caracterização não apenas biológica, mas epidemiológica e sociodemográfica das
respectivas amostras. Esse estudo de caso baseia-se em fatos reais, mas foi também
adaptado para descaracterizar pessoas e instituições, resguardando seu anonimato.
29

| PROCLIM | Ciclo 12 | Volume 1 |


ATIVIDADE

23. No caso clínico, a autorização dos 15 participantes para o envio de amostras de


sangue ao exterior sem autorização da CONEP:

A) está de acordo com a Resolução CNS 466/12.


B) está de acordo com a Resolução CNS 196/96.
C) contraria a Resolução CNS 466/12.
D) está de acordo com ambas as normas.
Resposta no final do artigo

24. No caso clínico, o pagamento aos participantes da pesquisa foi legitimado pela
Resolução CNS 466/12?

A) Sim, na medida em que o item II.10 ressalva a possibilidade de participação


renumerada em casos especiais.
B) Não, pois a norma veda qualquer forma de remuneração ao participante da pesquisa.
C) Sim, pois cabe ao participante da pesquisa aceitar ou não o pagamento de forma
livre e esclarecida.
D) Não, pois esta classe de pesquisa não é contemplada nos termos definidos na norma.
Resposta no final do artigo

25. Segundo a diretriz ética para pesquisas vigente no país em 2014, a continuidade do
estudo no caso clínico após o diagnóstico de malária entre os participantes foi correta,
porque:

A) não comprometeu significativamente o desenho metodológico da investigação.


B) os participantes foram atendidos no serviço de saúde da comunidade.
C) a patrocinadora promoveu benefício ao reformar o posto de saúde.
D) a CONEP foi comunicada sobre os riscos e danos significativos identificados pelos
pesquisadores.
Resposta no final do artigo

26. Considerando a mesma situação, ou seja, o diagnóstico de malária nos participantes


após o início do estudo, a Resolução CNS 196/96 consideraria correto:

A) suspender a pesquisa imediatamente ao perceber o risco ou dano à saúde.


B) atribuir ao pesquisador a responsabilidade de avaliar em caráter emergencial a
continuidade do estudo.
C) atribuir ao CEP local a responsabilidade de suspender o estudo.
D) atribuir ao CEP e também à CONEP a responsabilidade de suspender o estudo.
Resposta no final do artigo
30
27. No caso clínico, o fato de a pesquisa não ter sido avaliada pelo Sistema CEP-CONEP
BIOÉTICA NA PESQUISA CLÍNICA: UMA CRÍTICA À RESOLUÇÃO CNS 466/12

está adequado à Resolução 466/12, uma vez que:

A) foi realizada em copatrocínio com o governo brasileiro.


B) foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do país de origem.
C) trouxe melhorias para a comunidade com a reforma do posto de saúde.
D) trata-se de pesquisa importante envolvendo grave doença reemergente que
desenvolveu resistência às drogas conhecidas.
Resposta no final do artigo

■■ Considerações finais
Não se pode negar a contribuição da pesquisa nas transformações dos últimos 60 anos no que
tange a melhoria da qualidade e ao aumento da expectativa de vida, assim como no controle
de fatores associados à morbimortalidade dos grupos e seguimentos para a maioria da população
em todo o planeta. O avanço tecnológico neste período acompanhou o florescimento de novos
patamares de sensibilidade, relacionados ao reconhecimento dos direitos e da dignidade de
todos os seres humanos. Esses 2 processos emergiram direta ou indiretamente da Segunda
Guerra Mundial e podem ser relacionados ao Código de Nüremberg, de 1947, e à Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de 1948.

Apesar de terem sido originados no mesmo momento histórico, 2 guerras em dimensão global no
mesmo século, que implicaram em pouco mais de 10 anos de conflito, o avanço tecnocientífico e a
emergência dos direitos humanos não se consolidaram como processo comum.32 Caminhando
em paralelo, repercutiram em instâncias distintas que nem sempre se coadunaram para produzir os
melhores resultados para os seres humanos, por reforçarem o hiato entre ciência e ética.

Hodiernamente, isto se deve, sobretudo, ao fato da ciência submeter-se aos interesses do


mercado, prejudicando sua função precípua de instrumento para emancipação da humanidade.
Ilustra tal situação o fato de nas últimas décadas terem se reduzido drasticamente as inovações
farmacológicas, estando as pesquisas voltadas a encontrar novos usos para as mesmas
substâncias ou a incorporar-lhes modificações pontuais para estender o prazo sobre o direito
de patente, caracterizando os chamados medicamentos “me too”. Outrossim, grande parte
dos recursos da indústria destina-se à mera propaganda de medicamentos, em detrimento do
investimento em pesquisas clínicas realmente inovadoras.23

O processo de associação crescente da ciência com o mercado pode ser identificado nas
entrelinhas do exposto nesta análise comparativa, na medida em que importantes critérios
protetivos foram abandonados e, em contraparte, medidas que facultam a flexibilização
do controle foram adotadas. Não é difícil perceber, portanto, que, em nome da celeridade dos
trâmites da avaliação dos protocolos de pesquisa, que justificaria um suposto fortalecimento do
setor produtivo nacional, algumas das reconhecidas demandas da indústria, pontuadas na
parte introdutória deste artigo, podem ser agora mais facilmente contempladas. Em decorrência,
se depreende, sem maior dificuldade, que a Resolução CNS 466/12 incorreu em flexibilização
injustificada das Normas e Diretrizes para Pesquisas Envolvendo Seres Humanos.
31

| PROCLIM | Ciclo 12 | Volume 1 |


A Resolução CNS 466/12 diminui as atribuições e prerrogativas do Sistema CEP-
CONEP, permitindo a realização de estudos internacionais sem submissão prévia do
protocolo, quando em cooperação com o governo brasileiro, o que se estende aos
ensaios clínicos.

Além disso, aumenta a vulnerabilidade dos participantes ao não exigir a suspensão


imediata do ensaio em caso de identificação de novos riscos ou dano “significativos”
e, inclusive, por admitir pagamento na Fase I dos ensaios clínicos e nos estudos de
bioequivalência. Essa nova versão da norma também amplia o risco de utilização
indevida de dados e material biológico, oportunizando, nesse último caso, a biopirataria,
pela sua remessa ao exterior apenas com anuência do participante.

A apresentação de parte das considerações deste artigo no X Congresso Brasileiro de Bioética


em 2013, logo após a publicação com data retroativa da Resolução CNS 466/12, repercutiu de
maneira surpreendente entre os participantes. Muitos conferencistas e estudiosos de bioética
assim como integrantes de CEP que participaram do encontro foram pegos de surpresa ao
constatar mudanças substanciais entre a nova resolução e a versão anteriormente aprovada, a
partir da consulta pública.

Diante da ruidosa polêmica que se instalou, foi aprovada por unanimidade pela Assembleia da
Sociedade Brasileira de Bioética, presente ao evento, a “Moção a propósito da Resolução
CNS 466/12”, produzida no Fórum dos Comitês de Ética em Pesquisa, que reiterou as principais
críticas apresentadas neste artigo. A moção enfatiza ainda a “necessidade de transparência
nas atividades da CONEP, incremento da comunicação entre todo o Sistema CEP-CONEP,
descentralização das atividades da CONEP com a criação de Comissões Regionais de Ética em
Pesquisa, garantia do financiamento adequado ao Sistema, modificações na Plataforma Brasil”,
entre outros.33

Considera-se que, ao menos nos aspectos discutidos neste trabalho, a Resolução CNS 466/12
resulta em retrocesso nos parâmetros éticos para pesquisas envolvendo seres humanos –
aplicados há quase 2 décadas –, sendo, por isso, prejudicial aos legítimos interesses do Brasil.
Como discutido, essas flexibilizações parecem responder diretamente aos interesses dos
patrocinadores de pesquisas internacionais que atuam ou que buscam atuar no país.

De modo proporcionalmente inverso, revelaram completa desconsideração à comunidade de


bioeticistas e de representantes do controle social, cujas reivindicações apresentadas na Carta de
Brasília,8 bem como no processo consulta endereçado aos CEP, foram solenemente ignoradas,
ao menos em sua maior parte.

Ao apontar nesta análise tais retrocessos pretendemos contribuir para o aprimoramento das
normas e para a consequente proteção dos participantes de pesquisa, eliminando o hiato entre
a ética a tecnociência nos estudos clínicos realizados no país.
32
■■ Respostas às atividades e comentários
BIOÉTICA NA PESQUISA CLÍNICA: UMA CRÍTICA À RESOLUÇÃO CNS 466/12

Atividade 8
Resposta: A

Atividade 12
Resposta: C
Comentário: No item V.3, a Resolução CNS 196/96 obriga o pesquisador responsável a suspender
imediatamente o estudo ao perceber algum risco ou dano à saúde do sujeito participante da
pesquisa.

Atividade 17
Resposta: A
Comentário: O item III.3.c da Resolução CNS 466/12 mantém a permissão para o envio ao exterior
de material biológico exclusivamente para a finalidade prevista em seu protocolo, como previa a
Resolução CNS 196/96, mas acrescenta a possibilidade de que o material seja enviado também
apenas mediante consentimento do participante da pesquisa, ou seja, sem que o envio tenha sido
anteriormente informado no protocolo e aprovado pelo Sistema CEP-CONEP.

Atividade 18
Resposta: D
Comentário: A Resolução CNS 466/12, em seu item II.10, estabelece a ressalva acerca do
pagamento apenas em pesquisas clínicas de Fase I ou de bioequivalência, que não é a mesma
classe de pesquisa descrita no caso clínico.

Atividade 19
Resposta: D
Comentário: Diferentemente da Resolução CNS 196/96, de acordo com os itens V.3 a V.5 da
Resolução CNS 466/12, o pesquisador responsável deixa de ser obrigado a suspender imedia-
tamente o estudo ao identificar riscos ou danos à saúde, mas apenas a avaliá-lo em caráter
emergencial, verificando a necessidade de adequar ou suspender o ensaio.

Atividade 20
Resposta: A
Comentário: Segundo o item V.3 da referida resolução, o pesquisador responsável é obrigado a
suspender a pesquisa imediatamente ao perceber algum risco ou dano à saúde do participante
da pesquisa.

Atividade 21
Resposta: A
Comentário: Segundo o item X.4.8 devem ser avaliadas pelo Sistema CEP-CONEP todas as
pesquisas com coordenação e/ou patrocínio originados fora do Brasil, excetuadas aquelas com
copatrocínio do governo brasileiro, tal como exposto no caso clínico.
33
■■ Referências

| PROCLIM | Ciclo 12 | Volume 1 |


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Como citar este documento

Cunha T, Porto D, Martins GZ. Bioética na pesquisa clínica: uma crítica à Resolução
CNS 466/12. In: Sociedade Brasileira de Clínica Médica; Lopes AC, Cipullo JP, Kubiak
CAP, organizadores. PROCLIM Programa de Atualização em Clínica Médica: Ciclo 12.
Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2014. p. 9-26. (Sistema de Educação Continuada a
Distância; v. 1).

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